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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC

A VISÃO BEATÍFICA NO EXÓRDIO DAS CONFISSÕES DE SANTO AGOSTINHO

Pedro Guimarães Marchi

Trabalho final da disciplina História da Filosofia Medieval

Profª Drª. Cristiane Negreiros

São Bernardo do Campo

2020
1
RESUMO

Essa breve dissertação tem como objetivo identificar elementos da concepção de visão
beatífica no exórdio (aqui considerado o primeiro parágrafo do primeiro livro) das Confissões
e discorrer sobre eles. Para tanto, faz-se necessário discorrer também sobre a relação entre os
seres humanos e Deus. Portanto, será brevemente analisado o que o exórdio das Confissões
tem a dizer sobre a condição do homem ante si mesmo e Deus, os atributos divinos, e o
abismo ontológico e moral entre Deus e os seres humanos — entretanto, isso será feito com
brevidade.

Palavras chave: Confissões; Agostinho; visão beatífica; condição humana; atributos divinos.

Tu és grande, Senhor, e demais louvável. Grande é tua potência, e tua sabedoria é


inumerável. Quer te louvar o homem, fragmento qualquer de tua criação, e anda em círculos
carregando sua mortalidade, anda em círculos carregando a prova de seu pecado e a prova
de que tu resistes aos soberbos — contudo, o homem quer te louvar, este fragmento qualquer
de tua criação. Tu o incitas, para que goste de te louvar, porque o fizeste rumo a ti e nosso
coração é inquieto, até repousar em ti. Concede-me, Senhor, saber e compreender o que é
anterior: invocar-te ou louvar-te? Conhecer-te ou invocar-te? Mas quem poderia te invocar,
se não te conhecesse? Não te conhecendo, poderia invocar outra coisa. Mas não te invoca,
ao contrário, para te conhecer? Porém, como invocarão os que não acreditam? Ou como
acreditarão, se ninguém anunciou? E louvarão o Senhor os que o procuram. Quem o
procura, encontra-o, e quem o encontra, louvá-lo-á. Que eu te procure, Senhor, invocando-
te, e te invoque acreditando em ti: com efeito, foste anunciado. Invoca-te, Senhor, a minha fé,
que tu me deste, que me inspiraste pela humanidade de teu filho e pelo ministério de teu
anunciador.

(AGOSTINHO, Confissões I.1,1, p.37)

1.INTRODUÇÃO

O exórdio de uma obra clássica preambula o que será desenvolvido adiante. É de se


esperar que logo nessa parte do livro o tom e a direção que as ideias irão tomar daí em diante
fiquem evidentes. O mesmo ocorre nas Confissões de Santo Agostinho.

No exórdio das Confissões vemos claramente um contraste abissal entre o ser de Deus
e o ser do homem — que se repetirá por toda a obra. Aquele é descrito como: “Tu és grande,
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Senhor, e demais louvável. Grande é tua potência, e tua sabedoria é inumerável”; enquanto
este é “fragmento qualquer de tua criação, e anda em círculos carregando sua mortalidade”.
Entretanto, uma oração estabelece o princípio de uma relação entre esses seres completamente
distintos: “Quer te louvar o homem”.

Agostinho afirma que apesar da distância ontológica abissal entre Deus e os homens,
estes querem louvar aquele. E o homem é fruto da criação divina. Há aqui ao menos a
tentativa de um relacionamento pessoal1 entre criatura e seu criador. Deus não é o Uno
impessoal, e o homem não é autônomo, autossuficiente, e livre de seu criador, pois foi feito
“rumo a ti”. Uma relação pessoal entre Deus e o homem é aqui esboçada: o homem quer
louvar a Deus, e Deus, que é “demais louvável2”, fez o homem para louvá-lo.

Mais revelador da natureza dessa relação entre Deus e o homem é a afirmação:


“porque o fizeste rumo a ti e nosso coração é inquieto, até repousar em ti”. Nela reside a
ênfase desse trabalho. O homem não é um ser em repouso, mas está em movimento, e não
repousa enquanto não estiver em Deus. Esse é o princípio da visão beatífica que será
desenvolvido mais adiante.

Cabe, entretanto, uma breve definição de “visão beatífica”:

A visão beatífica — a contemplação de Deus na glória do céu — é o ensino


bíblico de que a visão de Deus é o destino final dos eleitos santificados, a
felicidade perfeita e eterna e seu maior bem. Para Agostinho, essa felicidade
última consiste justamente na visão mística de Deus, que depende sempre da
graça divina. (FERREIRA; MYATT)

Reformulando e simplificando essa definição de visão beatífica para os fins filosóficos


desse trabalho, podemos entendê-la como a esperança de felicidade e repouso pleno do ser
humano, que só pode ser realizada em Deus. Ou seja, a esperança de plenitude de vida, que
segundo Agostino, é o oposto da indigência (Cf. A vida feliz IV.31). Portanto, para o objetivo
1
Relacionamento pessoal aqui entendido como a relação entre dois seres inteligentes e dotados de
personalidade, em contraste com visões panteístas de mundo em que o divino é impessoal.
2
Agostinho discute o termo “demais louvável” no seu comentário ao Salmo 144 (Vetus Latina): “Quantas coisas
ias dizer? Que palavras procurar? Quantos conceitos encerra esta palavra: “muito (valde)?” Pensa quanto
quiseres. Quando se pode pensar o que não se pode apreender? “É muito digno de louvor. Sua grandeza não
tem limites”. Disse: “muito (valde)”, porque “sua grandeza não tem limites”. Não suceda que comeces a louvar,
e penses que ao louvares podes chegar ao fim; entretanto sua grandeza não tem limites. Não penses, portanto,
que aquele cuja grandeza não tem limites possa ser suficientemente louvado. Não é mais condizente que assim
como ela é infinita, seu louvor não tenha fim? Sua grandeza é sem limites; também seu louvor seja sem fim.”
(AGOSTINHO, p.561)
3
desse trabalho, enfatizamos a esperança da felicidade plena, repodendo ser resumida nessa
questão: onde o homem pode esperar encontrar felicidade plena para sua vida? E a resposta,
como será analisada mais detidamente daqui em diante, está em Deus, mais especificamente
em “possuir Deus”, em repousar em Deus.

A visão beatífica, ou beatitude, fundamenta-se, portanto na fruição de Deus, não em


mero conhecimento intelectual — ainda que pressuponha conhecimento intelectual, que é
essencial, mas não suficiente —, como acrescenta Gilson:

Tal como santo Agostinho a concebe, a beatitude é estritamente inseparável do


conhecimento, a ponto de, neste sentido, podermos dizer que ela é o
conhecimento. E nós não temos que dizê-lo, pois Deus mesmo o diz: Haec est
autem vita aeterna, ut cognoscant te solum verum Deum et quem misit Jesum
Christum (Jo 17, 3). Mas, ao mesmo tempo, parece que esse conhecimento
jamais atingiria seu fim se ele fosse apenas conhecimento, por isso, a primeira
máxima se completa com uma segunda sem a qual a própria natureza do
conhecimento beatífico permaneceria impenetrável para nós: Digiles Dominum
Deum tuum corde tuo, et in tota anima tua, et in tota mente tua (Mt 22,37),
pois o fim último para onde a sabedoria nos conduz é um conhecimento que
permite e prepara a fruição de Deus, alegria na qual a sabedoria se consome
sem jamais chegar a se consumir nisso. (GILSON, p.28. Grifo do autor)

Entretanto, como fica evidente nesse exórdio, a distância ontológica, e até mesmo
moral (“[o homem] anda em círculos carregando a prova de seu pecado e a prova de que tu
resistes aos soberbos”), torna essa fruição humanamente impossível. Deste modo, faz-se
necessário analisar mais a fundo esse abismo ontológico e moral.

2. A CONDIÇÃO HUMANA AGOSTINIANA

A antropologia agostiniana é um tema demasiado abrangente para ser tratado a fundo


nesse trabalho. Por esse motivo, será enfatizada a questão da condição humana no que se
relaciona com visão beatífica. Nesse âmbito podemos encontrar algumas noções importantes
relacionadas à condição humana no exórdio das Confissões.

Primeiro, “Quer te louvar o homem”. A primeira descrição que Agostinho faz do


homem é que ele quer, tem vontade (vult) de louvar a Deus. O homem é, portanto, um ser

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volitivo, dotado de vontade; mas, não uma vontade livre e suficiente para tomar a direção que
venha a estabelecer para si e se satisfazer nela, mas que é direcionada a louvar a Deus. Isso é
de extrema importância para antropologia agostiniana, pois revela que o homem não foi feito
para si mesmo, mas para outrem, para louvar o seu criador. Revela que a vontade humana não
é livre, porque não se satisfaz em si mesma, mas precisa louvar a Deus, e, se não o faz, por
causa de sua condição depravada, temos que ela é desviada desde seu âmago para uma
direção contrária àquela que foi estabelecida originalmente, e por isso “anda em círculos”. O
homem não é, por esses motivos, um ser autônomo, e sua vontade é cativa e intrinsecamente
direcionada.

Segundo, “fragmento qualquer da tua criação”. O homem é parte, não todo. O homem
é pequeno, não grande. É parcela de algo muito maior. E como parte, ele não é completo em
si mesmo. O homem não é “ser em si mesmo”, mas um fragmento da criação Daquele que é.

Terceiro, “anda em círculos carregando sua mortalidade, anda em círculos carregando


a prova de seu pecado e a prova de que tu resistes aos soberbos”. Agostinho afirma que o
homem tem vontade de louvar a Deus, entretanto, isso não significa que ele consegue louvar a
Deus. Ele quer. Há algo nele que o movimenta nessa direção. Entretanto, o homem não anda
em linha reta em direção ao alvo do seu louvor, mas “anda em círculos”. O homem está
perdido. Ele quer louvar3 a Deus, mas não o louva porque “anda em círculos” carregando sua
mortalidade, seu pecado e sua soberba — que fazem com que Deus resista a ele, pois Ele é
demais louvável, enquanto o homem carrega “a prova de seu pecado”. Um Deus demais
louvável, justo e puro, não pode se relacionar com o homem pecador sem corromper sua
justiça, e por isso o resiste. Além disso, essa frase de Agostinho é de suma importância para
entendermos a concepção do estado humano em Agostinho. Ele afirma aqui uma desarmonia
entre Deus e o homem, sua criatura. Aqui ele alude ao evento da queda em que Adão e Eva,
os pais de toda humanidade, pecaram contra Deus e, como representantes pactuais de toda a
raça humana, fizeram com que todos os seus descendentes nascessem debaixo de condenação
por conta desse pecado e afastados da comunhão com Deus (Cf. Gn 3). Ou seja, o pecado do
homem é incompatível com Aquele que é “demais louvável”. O pecado (o evento da queda do
homem) afetou o relacionamento do homem com Deus, além de todos os aspectos da
humanidade, como a vontade, a inteligência, as emoções etc. Afetou, mas não apagou a
inclinação natural do ser humano para Deus. Não o fez parar, mas o fez “andar em círculos”.
3
Louvar (laudare) significa exaltar, elogiar, enaltecer. Só é possível louvar verdadeiramente se aquele que louva
reconhece que quem é louvado é, de fato, digno de louvor.
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Ou seja, o homem deseja algo que ele mesmo não faz, nem pode fazer por si mesmo, apesar
de desejar. Se ele deseja algo que não possui, nem é capaz de encontrá-lo por suas próprias
forças, logo ele é miserável, pois “Aqueles que não têm o que desejam não são felizes”
(GILSON, p.18).

A miserabilidade humana fica mais evidente ainda na seguinte afirmação: “Tu o


incitas, para que goste de te louvar, porque o fizeste rumo a ti e nosso coração é inquieto, até
repousar em ti”. Essa afirmação sumariza tudo o que vimos até aqui. No texto original, em
latim, temos: “quia fecisti nos ad te et inquietum est cor nostrum, donec requiescat in te”. A
preposição ad indica direção, portanto, movimento. O homem foi feito em direção a Deus, e o
coração do homem não encontra quietude e paz até que repouse Naquele que o fez para si
mesmo. O homem não está em repouso, mas está em movimento, está “andando em círculos”
porque não encontrou o lugar de repouso: Deus. Uma ilustração pode nos ajudar a entender
esse movimento:

[imagine] uma flecha em movimento, porém não a esmo ou sem rumo. Pelo
contrário, trata-se de uma flecha lançada na direção de um alvo específico.
Essa imagem poderia ser didaticamente explicitada da seguinte maneira: (1) o
cor nostrum [nosso coração] é como uma flecha; (2) o inquietum est cor
nostrum [o coração é inquieto] indica que o nosso coração não é como uma
flecha que está em repouso, mas, sim, como uma flecha em movimento e na
direção da um alvo específica; (3) o resquiat in te [repousar em ti] tem de ser
compreendido como a flecha no exato momento 4 em que atinge seu destino.
Nesse caso, o coração encontrará repouso apenas quando reencontrar sua
origem e, ao mesmo tempo, seu destino último. (MADUREIRA, p.75-6)

Em síntese, a visão de Agostinho sobre a condição humana é negativa. O homem não


é suficiente em si mesmo. É ser criado e depende do criador, pois é um fragmento da criação.
Mas também não é um fragmento harmonioso, pois quer ir “rumo a ti [Deus]”, mas em vez
disso “anda em círculos”. O homem é ser em movimento e não encontra repouso em si
mesmo. O homem deseja o que não têm, e não tendo o que deseja, é miserável. O coração
inquieto do homem evidencia a sua miserabilidade (aqui entendida como “carência de tudo”).
A beatitude não pode se realizar num coração inquieto, um coração carente. O homem deseja
4
Reforçando a analogia, a flecha, representando o homem, só encontra repouso quando atinge o alvo. E, ao
atingir o alvo, seu movimento cessa. O coração irrequieto do homem há de encontrar repouso no momento em
que encontrar seu alvo: Deus, seu criador.
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algo que não tem. Mas, pior do que isso, ele mesmo não sabe o que quer, senão não andaria
em círculos. A vontade do homem, portanto, não está em perfeito acordo com a deliberação
intelectual: há impulsos na vontade humana que não se refletem numa deliberação consciente.
O homem tem inúmeros desejos, mas aqui nos referimos ao desejo primordial do coração
humano, o que de fato move o homem, que é o desejo de louvar a Deus. Portanto, “resulta daí
que, fora dessa posse de Deus, só existe a miséria para o homem” e “ninguém é, portanto,
feliz se não tem o que quer, mas não basta ter o que se quer para ser feliz [...] O problema da
beatitude, portanto, consiste em saber o que o homem deve desejar para ser feliz e como pode
adquiri-lo” (GILSON, p.23). Esse problema passa a ser o foco agora.

3. A VISÃO BEATÍFICA PARA O HOMEM MISERÁVEL

Temos firmemente estabelecido que o homem é miserável e insuficiente em si mesmo,


e, Deus, por outro lado é “demais louvável” (laudabilis valde), ou seja, merecedor de louvor e
de elogio; de “grande potência” (magna virtus), ou seja, de imenso poder e força; e “sabedoria
inumerável” (sapientiae tuae non est numerus), ou seja, dotado de um sabedoria que não se
pode medir. Também está definido que o coração do homem está “inquieto” até “repousar”
em Deus. Temos, portanto, que:

Nosso pensamento não pode estar plenamente satisfeito, nossa vida não pode
ser verdadeiramente chamada de feliz, a não ser que o conhecimento perfeito
do Espírito Santo, que conduz à Verdade, no gozo dessa Verdade e, graças a
Verdade, na união com a Medida suprema da qual ela procede: Espírito,
Verdade e Medida, que são apenas uma única substância, em só Deus
(GILSON, p.23).

Desse trecho do Gilson temos que nosso pensamento, ou seja, a nossa mente, não
encontra repouso, estabilidade e paz, sem o conhecimento do Espírito Santo, que é a pessoa
da Trindade que consola os fiéis, como afirma o texto bíblico: “mas o Consolador, o Espírito
Santo, a quem o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas e vos fará
lembrar de tudo o que vos tenho dito. Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não vo-la dou
como a dá o mundo. Não se turbe o vosso coração, nem se atemorize” (Jo 14.26,27). Ou seja.
Somente através da relação com Espírito Santo, somos conduzidos à verdade, que consiste em
“todas as coisas” ensinadas por Jesus Cristo, o Filho. O conhecimento perfeito do Espírito
Santo, portanto, consiste em andar em tudo que Jesus Cristo falou.

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A visão beatífica, a beatitude, consiste no conhecimento de Deus. Mas esse
conhecimento não é meramente intelectual, nem tampouco basta adicionar afetividade a ele.
O conhecimento de Deus necessário para a beata vita é mais bem traduzido como uma
experiência profunda e mística5 com Deus, que de modo algum é incompatível com o
intelecto, mas vai além dele.

Essa experiência profunda e mística de Deus, apesar de não extensamente


desenvolvida nesse exórdio, fica evidente pela repetição do termo “invocar” (invocare), que
Agostinho usa num sentido mais profundo do que simplesmente uma súplica corriqueira,
evidente na expressão: “Que eu te procure, Senhor, invocando-te, e te invoque acreditando em
ti”. A invocação supõe a crença e causa a busca, ou seja, o relacionamento com Deus.

Só é feliz o coração que repousa em Deus, e ele repousa ao invocar a Deus. Invocar a
Deus manifesta a existência de um relacionamento com Deus. Entretanto, isso levanta outro
problema. Dado que o homem, como foi dito, é miserável e “carrega a prova de seu pecado” e
sua “soberba” (o efeito da Queda), como pode ele se unir a Deus invocando-O? Seria o
homem capaz de tal proeza?

A obra mais ampla de Agostinho é clara nesse aspecto. Entretanto, como a finalidade
desse trabalho é analisar o exórdio das Confissões, o foco recai sobre a seguinte frase:
“Invoca-te, Senhor, a minha fé, que tu me deste, que me inspiraste pela humanidade de teu
filho e pelo ministério de teu anunciador”. Nessa frase fica evidente o meio pelo qual se é
possível “invocar o Senhor”: a “minha fé”. Entretanto, o foco aqui não é definir o que seja fé,
mas o que Agostinho diz em seguida: “que tu me deste, que me inspiraste pela humanidade de
teu filho e pelo ministério de teu anunciador”. Agostinho não atribui essa fé ao homem, mas a
Deus, provavelmente ecoando uma passagem bíblica: “Porque pela graça sois salvos, por
meio da fé; e isso não vem de vós; é dom de Deus” (Ef 2.8). A fé é dada por Deus. Não é
fruto do esforço humano, nem um método a ser seguido. O homem é tão miserável e
suficiente que por si mesmo não pode ter fé em Deus para invocá-lo e repousar seu coração
Nele. A fé é dada por Deus e inspirada “pela humanidade de teu filho e pelo ministério de teu

5
A palavra “mística” está relacionada ao mistério. E aqui é entendido como o âmbito espiritual e supraracional
da experiência com o divino
8
anunciador6”. Ou seja, a fé é fruto da ação de Deus em reconciliar o homem por meio de Seu
Filho Jesus Cristo, o Deus homem: o mediador entre Deus e os homens.

Por fim, a discussão sobre a visão beatífica no exórdio das Confissões realizada nesse
trabalho pode ser sintetizada nas seguintes observações. É só invocando a Deus que o homem
encontra repouso para seu coração inquieto, findando sua miserabilidade. Entretanto, por
conta da sua condição pecaminosa (os efeitos da Queda) ele é incapaz de fazer isso por si
mesmo, necessitando da intervenção divina para reconciliá-lo lhe dando a fé para invocar a
Deus.

4.CONCLUSÃO

O que se conclui dessa breve dissertação é que no exórdio das Confissões já é


esboçado o pensamento de Agostinho a respeito da visão beatífica, ou seja, a vida feliz. Para
ele, o homem é insuficiente em si mesmo, e não é feliz enquanto o coração dele não repousar
em Deus invocando-O por meio da fé. Por conta da miserabilidade e da pecaminosidade do
homem, ele é incapaz de achar em si mesmo a fé, necessitando, portanto, da intervenção
divina. Enquanto isso, o homem “anda em círculos”, perdido, louvando o que não é louvável,
e invocando “outra coisa” no lugar do seu criador, afundando mais e mais em sua
miserabilidade, pois seu coração inquieto não pode repousar em outra coisa senão em Deus.

5. BIBLIOGRAFIA

AGOSTINHO. Confissões. Tradução e prefácio de Lorenzo Mammì. 2ª ed., São Paulo:


Penguin Classics & Companhia das Letras, 2017.

AGOSTINHO. Solilóquios e A Vida Feliz. São Paulo: Editora Paulus, 1998.

AGOSTINHO. Comentário aos Salmos: Salmos 101-150. São Paulo: Editora Paulus, versão
ebook kindle.

FERREIRA, Franklin; MYATT, Alan. Teologia Sistemática. São Paulo: Edições Vida Nova,
2008

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É difícil afirmar categoricamente a quem Agostinho se refere com o termo “teu anunciador”. Pelo que foi dito
nesse mesmo parágrafo das Confissões (“Ou como acreditarão, se ninguém anunciou?”), o termo parece se
referir ao ministério genérico dos pregadores do Evangelho. Isso corrobora com o uso do termo em alguns
trechos bíblicos, em que “anunciador” vem acompanhado da expressão “boas-novas”, que é um eufemismo
para Evangelho (Cf. At.17,18; Is 40,.9;41.27)
9
GILSON, Etienne. Introdução ao estudo de Santo Agostinho. 2ªed., São Paulo: Discurso
Editorial, 2007.

MADUREIRA, Jonas. Inteligência Humilhada. São Paulo: Edições Vida Nova, 2017.

SAGRADA, Bíblia. tradução de João Ferreira de Almeida. São Paulo: Sociedade Bíblica do
Brasil, v. 2, 1969.

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