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JOANA SEPARADORA
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Como se percebe pelos dados do caso, a violação do direito ao ambiente surgiu no âmbito da relação
jurídica administrativa entre Joana Separadora, residente no município, e a CML, que tem o dever legal
de recolha de resíduos da cidade (art. 23.º/g) e k) RJAL, concretizado pelo art. 10.º/a) Aviso n.º 20811-
B/2019, de 31 de dezembro de 2019), ao qual acrescem, enquanto entidade pública, os deveres de
proteção e promoção dos direitos fundamentais dos cidadãos.
abandonar os resíduos na via pública ou noutros locais não adequados (art. 11.º/b)) e
depositar os resíduos urbanos no interior dos equipamentos para tal destinados (art.
21.º/4/a)). Nos termos do art. 83.º/5/b), a violação deste dever por o acondicionamento
incorreto dos resíduos urbanos constitui contraordenação punível com coima entre 50€ a
1.000€.
Face à notícia que Joana tinha lido na comunicação social de que seria feita a
recolha seletiva dos ecopontos e tendo em conta as viagens em vão dos 6 dias anteriores
para depositar os resíduos corretamente, assim como as queixas apresentadas à CML,
pretende-se impugnar esta decisão de aplicação de coima. Todavia, esta é uma
contraordenação de natureza ambiental, nos termos do art. 40.º-B LQCOA, por se
reportar a uma violação do disposto no referido Regulamento. Resulta, a contrario, dos
arts. 75.º-A LQCOA e 4.º/1/l) ETAF, que a impugnação da decisão por
contraordenação ambiental não pertence à jurisdição administrativa, logo será a
jurisdição comum a competente para conhecer deste litígio, uma vez que tem
competência residual para conhecer as causas que não sejam atribuídas a outra ordem
jurisdicional (arts. 211.º/1 CRP e 40.º/1 LOSJ).
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Contra CARLA AMADO GOMES, Introdução ao Direito do Ambiente. Diz-nos a Autora que, quando
o sujeito intenta com sucesso uma intimação, o requerente fica investido no direito de exigir da entidade
agressora uma conduta, ativa ou omissiva, de conteúdo conformado pela pretensão subjectiva que
reclama. Tendo em conta que está em causa a fruição de bens colectivos, nunca poderá existir uma
pretensão individualizada. No mais, conclui a Autora que com vista à prevenção de lesões nos bens de
fruição colectiva que suportam os interesses ecológicos valem os mecanismos de tutela cautelar,
potenciados pela possibilidade de decretamento provisório baseada em especial urgência e, por outro
lado, eventualmente sumarizados nos termos e com os limites estabelecidos no art. 121.º CPTA.
concreto, face à situação pandémica vivida, o facto de os resíduos estarem dias
consecutivos sem recolha, depositados junto dos contentores, consubstancia uma
situação de risco grave e iminente para a saúde pública e para o ambiente, na medida em
que facilita a propagação do vírus. Tendo estes dois valores natureza jusfundamental,
justifica-se o recurso à intimação para proteção de direitos fundamentais, uma vez que,
devido ao caráter de urgência da situação, é possível obter uma decisão de mérito em
tempo útil que garanta a tutela efetiva dos valores referidos.
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O processo seguido para o estabelecer o estado de emergência seguiu o estabelecido nos arts. 19.º, 138.º
e 161º/l) CRP, pelo que não existe nenhuma inconstitucionalidade formal ou procedimental.
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O decreto do primeiro estado de emergência pode ser consultado aqui:
https://dre.pt/home/-/dre/131068115/details/maximized; o segundo decreto, aprovado após a renovação
obrigatória findo o prazo de 15 dias, encontra-se para consulta aqui:
https://dre.pt/home/-/dre/131908497/details/maximized.
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Isto mesmo é reconhecido na própria declaração de estado de emergência, no seu art. 9.º, ainda que
implicitamente quando se escreve: “(…) 9.º São ratificadas todas as medidas legislativas e administrativas
adotadas no contexto da presente crise, as quais dependam da declaração do estado de emergência”.
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A necessidade de existir uma distribuição de atribuições no cumprimento do estado de emergência
também é reconhecida na declaração de estado de emergência no seu art. 8.º: “(…) 8.º Os órgãos
responsáveis, nos termos da Lei n.º 44/86, de 30 de setembro, pela execução da declaração do estado de
emergência devem manter permanentemente informados o Presidente da República e a Assembleia da
República dos atos em que consista essa execução”.
competências não viola o disposto no art. 19.º/7 CRP, no respeitante à impossibilidade
de serem modificadas as competências de órgãos de soberania.
O art. 66º CRP não pode ser interpretado apenas do ponto de vista de uma
tarefa estadual, mas também numa perspetiva de direito fundamental. É o próprio art.
66.º/2 que estabelece deveres do Estado, tendo este de proteger a natureza e o ambiente.
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Em sentido contrário, CARLA AMADO GOMES vem contestar esta ideia referindo que a tese da
consagração de um direito fundamental ao ambiente é juridicamente inócua (porque vazia) e
axiologicamente ambígua (dado que assente em pressupostos incorrectos (…) na perspetiva jurídica, é
imprestável, pois não ganha autonomia relativamente aos direitos pessoais ou patrimoniais. Do ponto de
vista axiológico, é enganosa, uma vez que induz o sujeito na convicção da livre disponibilidade e
egoística fruição de um bem do qual não dispõe livremente, porque lhe não pertence.
Apesar desta dimensão objetiva, o próprio legislador também optou por um
modelo predominantemente subjetivista: a proteção jurídica individual. Numa lógica de
que os direitos fundamentais são entendidos como trunfos, regular o direito ao ambiente
na própria CRP é, no fundo, admitir, que os particulares podem reclamar o respeito por
este direito, quer relativamente ao Estado, quer pelo poder público, assim como, em
segunda linha, pelas entidades privadas.
Ora, no caso sub iudice cumpre analisar duas situações: (i) a decisão da CML de
pôr termo à recolha seletiva de resíduos porta-a-porta e (ii) o Despacho n.º 4024-
B/2020.
Seguindo esta linha de raciocínio, facilmente se percebe que poderia ter sido
adotada uma medida menos restritiva: pensamos numa redução do tratamento prévio
dos resíduos, mas não numa total ausência de tratamento prévio dos mesmos. Esta
medida coloca em causa o direito ao ambiente e qualidade de vida e a própria saúde
pública dada a correlação existente entre estas duas vertentes. O despacho seria
inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade, no subprincípio da
necessidade.
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Como destacou o Tribunal Constitucional. no acórdão n.º 632/2008, o que se mede verdadeiramente é a
relação concretamente existente entre a carga coativa decorrente da medida adotada e o peso específico
do ganho de interesse público que com tal medida se visa alcançar. Este subprincípio está associado à
ideia de ponderação de bens.
poderes públicos, um dever de agir. Havendo um dever de agir significa que estamos no
âmbito dos chamados direitos positivos.
Por último, não existe dupla reparação, segundo o art. 10.º, porque os danos
referidos nos parágrafos anteriores não foram reparados em sede de responsabilidade
por dano ambiental. Destaca-se, contudo, que, neste âmbito, o pedido de
responsabilidade civil – constante do Capítulo II – só pode ser deduzido contra a CML,
visto que foi a única entidade pública suscetível de lesar um interesse ou direito
particular com a sua omissão.
4. Conclusões
Por tudo o que explanámos anteriormente, consideramos que devem ser
procedentes os seguintes pedidos: