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MEMORANDO

JOANA SEPARADORA

Nomes:

- André Loureiro, n.º 57035


- Beatriz Oliveira, n.º 56768
- Bernardo Freitas, n.º 56732
- Carolina Freitas, n.º 56890
- Daniel Lourenço, n.º 56829
- Daniela Silva, n.º 57095
- João Oliveira, n.º 56833
- Madalena Moutinho, n.º 57323
- Sara Arruda, n.º 57033
- Tânia de Matos, n.º 56917
Subturma 11
1. Aspetos Processuais

Quanto aos aspetos de natureza processual, estamos perante um litígio que


deverá ser apreciado pelos Tribunais Administrativos e Fiscais, nos termos dos arts.
212.º/3 CRP, 4.º/1/a)1 (violação do direito ao ambiente) e f) ETAF. Cumpre aos
tribunais de 1.ª instância conhecer do litígio, por não ser competência reservada dos
tribunais superiores (arts. 24.º, 37.º e 44.º ETAF). Quanto às regras territoriais, para a
primeira pretensão será aplicável o art. 16.º CPTA enquanto regra geral e residual (só
se aplica caso não se apliquem as disposições dos artigos seguintes). Segundo o n.º 1, a
ação deve ser intentada no tribunal da residência habitual, ou seja, o tribunal
administrativo com jurisdição sobre a área de Lisboa. Relativamente ao pedido de
responsabilidade civil ambiental, aplica-se o art. 18.º/1 CPTA, sendo competente o
tribunal do local onde ocorreu o dano, ou seja, novamente Lisboa.

Recorrendo ao Mapa Anexo ao DL n.º 325/2003, percebe-se que o tribunal


competente é o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa. Apesar de haver
cumulação de pedidos, não é aplicável o art. 21.º CPTA, uma vez que o mesmo
tribunal é competente para conhecer todos os pedidos cumulados.

Dentro da matéria, podemos ainda identificar os juízos de competência


especializada (9.º/5 ETAF), sendo a sua jurisdição atribuída por lei (9.º/6 ETAF), mais
precisamente pelo DL n.º 174/2019. À partida, seria competente para conhecer da ação
o juízo de urbanismo, ambiente e ordenamento do território (44.º-A/1/d) ETAF). No
entanto, não existe o dito juízo especializado TAC de Lisboa, pelo que seria competente
o juízo administrativo comum (2.º/1/a) DL n.º 174/2019 e 44.º-A/1/a) ETAF),
enquanto juízo supletivo.

Quanto à coima, esta consubstancia uma contraordenação por violação da não


colocação dos resíduos nos locais próprios para o efeito, estando prevista no
Regulamento de Gestão de Resíduos, Limpeza e Higiene Urbana de Lisboa (Aviso
n.º 20811-B/2019, de 31 de dezembro). Efetivamente, é um dever dos utilizadores não

1
Como se percebe pelos dados do caso, a violação do direito ao ambiente surgiu no âmbito da relação
jurídica administrativa entre Joana Separadora, residente no município, e a CML, que tem o dever legal
de recolha de resíduos da cidade (art. 23.º/g) e k) RJAL, concretizado pelo art. 10.º/a) Aviso n.º 20811-
B/2019, de 31 de dezembro de 2019), ao qual acrescem, enquanto entidade pública, os deveres de
proteção e promoção dos direitos fundamentais dos cidadãos.
abandonar os resíduos na via pública ou noutros locais não adequados (art. 11.º/b)) e
depositar os resíduos urbanos no interior dos equipamentos para tal destinados (art.
21.º/4/a)). Nos termos do art. 83.º/5/b), a violação deste dever por o acondicionamento
incorreto dos resíduos urbanos constitui contraordenação punível com coima entre 50€ a
1.000€.

Face à notícia que Joana tinha lido na comunicação social de que seria feita a
recolha seletiva dos ecopontos e tendo em conta as viagens em vão dos 6 dias anteriores
para depositar os resíduos corretamente, assim como as queixas apresentadas à CML,
pretende-se impugnar esta decisão de aplicação de coima. Todavia, esta é uma
contraordenação de natureza ambiental, nos termos do art. 40.º-B LQCOA, por se
reportar a uma violação do disposto no referido Regulamento. Resulta, a contrario, dos
arts. 75.º-A LQCOA e 4.º/1/l) ETAF, que a impugnação da decisão por
contraordenação ambiental não pertence à jurisdição administrativa, logo será a
jurisdição comum a competente para conhecer deste litígio, uma vez que tem
competência residual para conhecer as causas que não sejam atribuídas a outra ordem
jurisdicional (arts. 211.º/1 CRP e 40.º/1 LOSJ).

Apesar da impugnação da coima não ser possível na jurisdição administrativa,


no atinente aos restantes pedidos, a cumulação seria possível ao abrigo do art. 4.º
CPTA, que consagra o princípio da livre cumulabilidade de pedidos. Neste caso, há
cumulação de pedidos porque a causa de pedir é a mesma (4.º/1/a) CPTA): a atuação
da CML acarretou uma ameaça iminente de dano para os bens jurídicos saúde pública e
ambiente e, consequentemente, a violação destes direitos fundamentais.

Seria, por fim, de equacionar o recurso à ação de intimação para a proteção de


direitos, liberdades e garantias visto estarmos perante uma violação de um direito
fundamental. adotando a dogmática unitária de direitos fundamentais, a intimação,
enquanto meio processual, serve para tutelar qualquer direito fundamental, seja ele um
direito de liberdade, um direito de natureza análoga ou um direito social 2. No caso

2
Contra CARLA AMADO GOMES, Introdução ao Direito do Ambiente. Diz-nos a Autora que, quando
o sujeito intenta com sucesso uma intimação, o requerente fica investido no direito de exigir da entidade
agressora uma conduta, ativa ou omissiva, de conteúdo conformado pela pretensão subjectiva que
reclama. Tendo em conta que está em causa a fruição de bens colectivos, nunca poderá existir uma
pretensão individualizada. No mais, conclui a Autora que com vista à prevenção de lesões nos bens de
fruição colectiva que suportam os interesses ecológicos valem os mecanismos de tutela cautelar,
potenciados pela possibilidade de decretamento provisório baseada em especial urgência e, por outro
lado, eventualmente sumarizados nos termos e com os limites estabelecidos no art. 121.º CPTA.
concreto, face à situação pandémica vivida, o facto de os resíduos estarem dias
consecutivos sem recolha, depositados junto dos contentores, consubstancia uma
situação de risco grave e iminente para a saúde pública e para o ambiente, na medida em
que facilita a propagação do vírus. Tendo estes dois valores natureza jusfundamental,
justifica-se o recurso à intimação para proteção de direitos fundamentais, uma vez que,
devido ao caráter de urgência da situação, é possível obter uma decisão de mérito em
tempo útil que garanta a tutela efetiva dos valores referidos.

2. Estado de Emergência ou Emergência Ambiental?

A compreensão da factualidade do caso exige que seja tida em conta a


circunstância de o estado de emergência, previsto no art. 19.º CRP, ainda se encontrar
em vigor na altura em que decorreram os acontecimentos narrados3.

De entre as várias peças jurídicas resultantes do procedimento previsto para o


estado de emergência, a mais significativa é o decreto presidencial redigido nos termos
do art. 138.º CRP e aprovado pela AR (art. 161.º/l))4. Assim, a declaração do estado de
emergência cumpre duas funções, relevantes para a análise do caso: fixa uma
parametricidade material em relação às restantes fontes de direito que são estatuídas
durante a vigência do estado de emergência5, mas também funciona como algo próximo
daquilo que na dogmática do direito administrativo é designado de delegação de
competências, ao fazer a várias entidades um conjunto de atribuições no respeitante ao
seu papel no concretizar do estado de emergência, sendo daqui que decorre a sua
ligação à aplicação do estado de emergência por parte dos municípios 6. A delegação de

3
O processo seguido para o estabelecer o estado de emergência seguiu o estabelecido nos arts. 19.º, 138.º
e 161º/l) CRP, pelo que não existe nenhuma inconstitucionalidade formal ou procedimental.
4
O decreto do primeiro estado de emergência pode ser consultado aqui:
https://dre.pt/home/-/dre/131068115/details/maximized; o segundo decreto, aprovado após a renovação
obrigatória findo o prazo de 15 dias, encontra-se para consulta aqui:
https://dre.pt/home/-/dre/131908497/details/maximized.
5

Isto mesmo é reconhecido na própria declaração de estado de emergência, no seu art. 9.º, ainda que
implicitamente quando se escreve: “(…) 9.º São ratificadas todas as medidas legislativas e administrativas
adotadas no contexto da presente crise, as quais dependam da declaração do estado de emergência”.
6
A necessidade de existir uma distribuição de atribuições no cumprimento do estado de emergência
também é reconhecida na declaração de estado de emergência no seu art. 8.º: “(…) 8.º Os órgãos
responsáveis, nos termos da Lei n.º 44/86, de 30 de setembro, pela execução da declaração do estado de
emergência devem manter permanentemente informados o Presidente da República e a Assembleia da
República dos atos em que consista essa execução”.
competências não viola o disposto no art. 19.º/7 CRP, no respeitante à impossibilidade
de serem modificadas as competências de órgãos de soberania.

É da declaração de estado de emergência que decorrem todos os restantes


regulamentos e despachos que vigoraram durante o estado de emergência,
nomeadamente o já referido Despacho n.º 4024-B/2020. Ou seja, existe uma relação de
parametricidade material entre a declaração de estado de emergência e os restantes
diplomas, semelhante à que existe nas leis de valor reforçado. Sobre isto, importa
sublinhar que o despacho foi publicado durante a vigência do segundo estado de
emergência, a 22 de março.

Todavia, devemos ter sempre presente que o estado de emergência não é um


cheque em branco, não permite tudo. Os direitos fundamentais são garantias jurídicas
fortes que se impõem à vontade da maioria e que estão intrinsecamente ligados à
dignidade da pessoa humana, enquanto pilar fundamental em que assenta a República
Portuguesa. Portanto, é uma exigência constitucional que as medidas adotadas durante o
estado de emergência respeitem o princípio da proporcionalidade, princípio norteador
da atuação das entidades públicas.

O primeiro passo lógico será, naturalmente, reconhecer o direito ao ambiente


como um direito fundamental.

Seguindo as lições de VASCO PEREIRA DA SILVA 7, mais do que personificar


os elementos da natureza (como o direito à água, o direito das flores), é preferível ter
como ponto de partida, a lógica de que há um direito ambiental, no geral, do qual
decorre a proteção dos interesse dos particulares face a agressões (ilegais, provenientes
quer de entidades públicas, quer de privadas, na esfera individual, protegida pelas
normas constitucionais) e, só concretizando o ambiente como direito fundamental,
podemos garantir essa mesma proteção.

O art. 66º CRP não pode ser interpretado apenas do ponto de vista de uma
tarefa estadual, mas também numa perspetiva de direito fundamental. É o próprio art.
66.º/2 que estabelece deveres do Estado, tendo este de proteger a natureza e o ambiente.
7
Em sentido contrário, CARLA AMADO GOMES vem contestar esta ideia referindo que a tese da
consagração de um direito fundamental ao ambiente é juridicamente inócua (porque vazia) e
axiologicamente ambígua (dado que assente em pressupostos incorrectos (…) na perspetiva jurídica, é
imprestável, pois não ganha autonomia relativamente aos direitos pessoais ou patrimoniais. Do ponto de
vista axiológico, é enganosa, uma vez que induz o sujeito na convicção da livre disponibilidade e
egoística fruição de um bem do qual não dispõe livremente, porque lhe não pertence.
Apesar desta dimensão objetiva, o próprio legislador também optou por um
modelo predominantemente subjetivista: a proteção jurídica individual. Numa lógica de
que os direitos fundamentais são entendidos como trunfos, regular o direito ao ambiente
na própria CRP é, no fundo, admitir, que os particulares podem reclamar o respeito por
este direito, quer relativamente ao Estado, quer pelo poder público, assim como, em
segunda linha, pelas entidades privadas.

Este direito acaba por constituir um meio de defesa de que os particulares


dispõem contra as agressões ilegais, na sua esfera individual, protegida pela CRP. No
mais, parece-nos a única solução adequada face ao art. 66.º CRP e aos princípios em
que assenta o Direito do Ambiente.

Ora, no caso sub iudice cumpre analisar duas situações: (i) a decisão da CML de
pôr termo à recolha seletiva de resíduos porta-a-porta e (ii) o Despacho n.º 4024-
B/2020.

O princípio da proporcionalidade, enquanto princípio estruturante do Estado de


Direito, implica – seguindo o entendimento do douto Tribunal Constitucional – uma
tripla análise: adequação, necessidade e proporcionalidade stricto sensu.

Primeiro, cumpre destacar os valores e direitos fundamentais em causa. Estas


medidas suspensivas de direitos fundamentais visam acautelar a saúde pública e impedir
a propagação do vírus relativamente aos trabalhadores que se ocupam com a recolha e o
tratamento dos resíduos. Por outro lado, temos uma das tarefas do Estado: a recolha dos
resíduos, a proteção do ambiente e, ainda, a contenção do vírus que se pode propagar
pela acumulação do lixo.

Se encararmos ambas as medidas percebemos que são adequadas: traduzem um


meio apto a atingir um determinado fim (a diminuição da recolha implica a
desnecessidade de trabalhar tantas horas e, consequentemente, uma menor
probabilidade de propagação do vírus).

O mesmo se diga em relação ao despacho. Este determina a suspensão da


obrigação de tratamento prévio dos resíduos prévios urbanos depositados em aterro.
Desta forma, garante-se uma menor necessidade de trabalhadores presentes no local de
trabalho.
Quanto ao subprincípio da necessidade, este postula que tem de se utilizar, de
entre todos os meios aptos, o menos gravoso. Ao princípio da necessidade está
associado o sentido de que, de todos os meios idóneos/aptos disponíveis a prosseguir o
fim visado com a restrição, se deve escolher aquele que produza efeitos menos
restritivos.

Seguindo esta linha de raciocínio, facilmente se percebe que poderia ter sido
adotada uma medida menos restritiva: pensamos numa redução do tratamento prévio
dos resíduos, mas não numa total ausência de tratamento prévio dos mesmos. Esta
medida coloca em causa o direito ao ambiente e qualidade de vida e a própria saúde
pública dada a correlação existente entre estas duas vertentes. O despacho seria
inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade, no subprincípio da
necessidade.

Relativamente à decisão da CML, idêntico raciocínio se aplica. Percebe-se a


bondade da medida ao pretender salvaguardar a saúde dos trabalhadores, mas, por outro
lado, há uma desconsideração total da saúde pública e, mais uma vez, do direito ao
ambiente. Sendo a medida apta para alcançar o fim pretendido, peca por excessiva em
violação da necessidade, nos termos supra explanados.

No mais, teríamos ainda uma violação da proporcionalidade stricto sensu. Neste


momento, temos que indagar acerca da adequação (proporção) de uma relação entre
dois termos ou entre duas grandezas variáveis e comparáveis. Pondera-se, por um lado,
a importância dos benefícios ou a premência dos fins que se pretendem alcançar com a
medida restritiva e, do outro, a gravidade do sacrifício que se impõe com a restrição. Ou
seja, em última instância, quando se avalia a proporcionalidade de uma restrição a um
direito fundamental, avalia-se a relação entre o bem que se pretende proteger ou
prosseguir com a restrição e o bem jusfundamentalmente agredido que resulta, em
consequência, desvantajosamente afetado8.

Ainda assim, estar-se-ia perante uma violação do princípio da proibição do


défice. Um enquadramento prévio importante de fazer é que, na averiguação de violação
do princípio da proibição do défice, está em causa um dever positivo que incide sobre os

8
Como destacou o Tribunal Constitucional. no acórdão n.º 632/2008, o que se mede verdadeiramente é a
relação concretamente existente entre a carga coativa decorrente da medida adotada e o peso específico
do ganho de interesse público que com tal medida se visa alcançar. Este subprincípio está associado à
ideia de ponderação de bens.
poderes públicos, um dever de agir. Havendo um dever de agir significa que estamos no
âmbito dos chamados direitos positivos.

In casu, o direito que consideramos estar em causa é o direito ao ambiente e


qualidade de vida. Como resulta do art. 66.º/2/a) CRP, incube ao Estado, prevenir e
controlar a poluição e os seus efeitos e as formas prejudiciais de erosão. Esta
disposição estabelece um comando positivo aos poderes públicos.

Com as medidas tomadas (a decisão da CML e o despacho), é manifestamente


impensável considerar que os poderes públicos estão a cumprir este comando
constitucional. Assim, perante o princípio da proibição do défice, é claro que ao nível de
um controlo do mínimo ou de evidência se pode concluir que não está assegurado um
patamar mínimo exigido constitucionalmente.

Dessa premissa resulta a conclusão lógica de inconstitucionalidade das medidas


por violação do princípio da proibição do défice.

Quanto à coima, resta-nos destacar que estamos perante um abuso de direito, na


modalidade do tu quoque. Esta fórmula exprime a ideia de que a ninguém é legítimo
retirar uma vantagem do seu próprio ilícito, como decorrência necessária do princípio
da boa fé, aplicável nas relações entre a Administração e os particulares, nos termos do
artigo 10.º CPA. A recolha do lixo é uma das funções atribuídas ao Estado e a
acumulação do mesmo teve como causa a ausência dessa recolha. Joana tentou por
cinco dias consecutivos ver se a situação se alterava, não tendo outra alternativa. A
aplicação da coima – para além de se fundamentar num despacho inconstitucional –
representa um enriquecimento (proveniente da receita com a contraordenação) causado
pela violação de um dever de agir da Administração (dever de recolha do lixo).

3. Responsabilidade Civil Ambiental

Para além do referido supra, seriam ainda de equacionar duas questões: a


existência de responsabilidade por danos ambientais e o direito à indemnização pelos
danos causados a Joana.

O Decreto-Lei n.º 147/2008 transpõe para a ordem jurídica nacional a Diretiva


2004/35/CE, que aprovou o regime jurídico da responsabilidade por danos ambientais
em termos de prevenção e remediação desses danos.
Este diploma alicerça-se no princípio do poluidor-pagador, imputando aos
responsáveis pelos danos ambientais a responsabilidade pela sua prevenção e reparação,
colocando também em prática o princípio da responsabilização.

Para efeitos metodológicos, cumpre perceber se estamos perante um dano


ambiental, em conformidade com o art. 11.º do referido diploma. A noção de dano
reparável é integrada por três conceitos-chave: (i) produção de efeitos jurídicos
adversos; (ii) de forma mensurável e (iii) significativa. Ou seja, é necessário que seja
uma alteração negativa que afete/coloque em risco a diversidade do ecossistema, de
forma concreta ou quantificável - se não houver uma afectação real não se pode
qualificar o facto como lesivo, deixando de fazer sentido a sua reparação - e
significativa. Este último aspeto é bastante relevante visto que nem todas as alterações
são significativas: só estamos perante uma alteração significativa para efeitos de
responsabilidade ambiental quando configure uma modificação em sentido negativo.

Face ao art. 11.º/e)/iii) percebemos que, no caso em apreço, estamos perante um


dano causado ao solo. Para este efeito, cumpre distinguir a atuação do Ministério da
atuação da CML. No nosso entendimento, ambas dão lugar a responsabilidade por dano
ambiental, uma vez que a decisão da CML encontrou fundamento jurídico no Despacho
Ministerial, como consta dos dados apresentados no caso.

O facto da recolha do lixo deixar de ocorrer com tanta regularidade coloca em


causa a contaminação da superfície circundante dos respetivos contentores. Esta
situação torna-se especialmente gravosa pela fácil propagação do COVID-19. Poderia
dizer-se que não existe, aqui, uma ação de uma entidade administrativa; mas, existirá
sempre uma omissão e um dever jurídico de agir. Para efeitos ambientais haverá
também um nítido prejuízo e um desincentivo à Reciclagem.

Quanto à atuação do Ministério, a suspensão do Tratamento dos Resíduos causa


também um dano ao ambiente: desde logo porque o depósito dos resíduos sem o
adequado tratamento causa, novamente, a poluição do solo e da superfície com uma
decorrência nociva para a espécie humana e para os restantes seres vivos.

A actividade de recolha do lixo é uma das atividades constantes do Anexo III,


n.º 2. Nesse sentido, estamos perante um caso de responsabilidade objetiva, nos termos
do art. 12.º, sendo dispensável a prova de culpa, uma vez que esta se presume.
Quanto ao nexo de causalidade entre o dano/ameaça de dano e o facto jurídico,
cumpre começar por explanar que, como destaca ANA PERESTRELO DE OLIVEIRA,
apesar da letra da lei sugerir que a questão se encontra resolvida a nível de apreciação
da prova, na verdade, para ela ter efeito prático real deve ser interpretada de forma
diferente, redireccionando a interpretação do art. 5.º para uma matéria de medida ou
grau de prova. Ou seja, não está em causa a valoração da prova, mas antes a medida da
convicção do juiz necessária para este considerar o facto (o nexo de causalidade) como
provado.

Olhando para o nosso caso concreto, facilmente conseguimos perceber que há


uma omissão juridicamente relevante - ausência de recolha do lixo - e daí poderá
resultar um dano para a superfície do solo e a contaminação dos seres humanos.

Tendo em conta o explanado, devem ser adotadas as medidas adequadas para


prevenir a consumação de um dano maior, nos termos do art. 14.º, e reparar os danos
consumados, nos termos do art. 15.º, sendo uma exigência necessária a recolha
imediata e regular do lixo e o consequente tratamento do mesmo. Destacar, ainda, que
todos estes aspetos estão ao encargo do operador, segundo o art. 19.º.

Cumpre ainda analisar a possibilidade de reparação do dano sofrido por Joana


com fundamento em responsabilidade civil. Ora, nos termos do art. 7.º, estamos perante
responsabilidade objetiva, por ser uma das atividades do Anexo III. Existe um dano
claro: acumulação do lixo semanal pode causar um sério prejuízo para a saúde humana,
a que acresce o stress de toda a situação pandémica e as várias tentativas de depositar o
lixo que se materializaram em saídas à rua e possibilidade de exposição ao COVID-19.

Quanto ao nexo de causalidade, remetemos para supra a análise dogmática,


concluindo que a omissão de recolha do lixo foi a causa do dano sofrido.

Por último, não existe dupla reparação, segundo o art. 10.º, porque os danos
referidos nos parágrafos anteriores não foram reparados em sede de responsabilidade
por dano ambiental. Destaca-se, contudo, que, neste âmbito, o pedido de
responsabilidade civil – constante do Capítulo II – só pode ser deduzido contra a CML,
visto que foi a única entidade pública suscetível de lesar um interesse ou direito
particular com a sua omissão.

4. Conclusões
Por tudo o que explanámos anteriormente, consideramos que devem ser
procedentes os seguintes pedidos:

- Impugnação da contraordenação (ainda que não seja impugnável na


jurisdição administrativa);

- Condenação da Administração no cumprimento do dever de recolha do


lixo;

- Impugnação do Despacho por violação do princípio da


proporcionalidade;

- Responsabilidade por dano ambiental e adoção das necessárias medidas


de prevenção e reparação;

- Responsabilidade civil e ressarcimento dos danos causados a Joana.

E assim se faça a acostumada Justiça.

Sou um guardador de rebanhos.


Sou um guardador de rebanhos.
O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.
Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la
E comer um fruto é saber-lhe o sentido.

Por isso quando num dia de calor


Me sinto triste de gozá-lo tanto,
E me deito ao comprido na erva,
E fecho os olhos quentes,
Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
Sei a verdade e sou feliz.
Alberto Caeiro

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