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Ana Maria Nunes - Mecânica - 2003 PDF
Ana Maria Nunes - Mecânica - 2003 PDF
Nunes
MECÂNICA
1996/97 — 1.o semestre
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Tı́tulo: Mecânica
Autor: Prof.a Dr.a Ana Maria Nunes
e-mail: anunes@lmc.fc.ul.pt
Data: Ano lectivo 1996/97 — 1.o semestre
Bibliografia ii
i
ii Conteúdo
4 MODIFICATIONS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131
5 COMBINING DOCUMENTS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 132
6 COLLECTIONS OF DOCUMENTS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133
7 AGGREGATION WITH INDEPENDENT WORKS . . . . . . . . . . . . . 133
8 TRANSLATION . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133
9 TERMINATION . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 134
10 FUTURE REVISIONS OF THIS LICENSE . . . . . . . . . . . . . . . . . . 134
ADDENDUM: How to use this License for your documents . . . . . . . . . . . . 134
Bibliografia
iii
iv Bibliografia
Capı́tulo 1
onde ~r = ~r(t) denota a posição da partı́cula (em geral, portanto, ~r ∈ R3 ), ~r˙ (t) = ~v (t) = d~
r
dt (t)
2
é a sua velocidade, ~r¨(t) = ddt2~r (t) = d~
v
dt (t) é a sua aceleração e f é a força por unidade de
massa. Ou seja, F~ = m~a corresponde, em termos matemáticos, a um sistema de 3 e.d.o.s de
segunda ordem. No caso do movimento de um sistema de N partı́culas em R3 , a equação
de Newton é um sistema de 3N e.d.o.s de segunda ordem.
Suponhamos que queremos estudar o movimento de apenas uma partı́cula, e que esta
se move sobre uma linha. Nesse caso, a equação de Newton escreve-se na forma (1.1) com
~r ∈ R. Uma e.d.o. de segunda ordem pode escrever-se na forma normal de um sistema de
duas equações de primeira ordem tomando a velocidade como segunda variável, i.e.,
(
ẋ1 = x2
r̈ = f (r, ṙ, t) ⇔ onde x1 = r, x2 = ṙ = v ,
ẋ2 = f (x1 , x2 , t)
1
2 1.1. Espaço de fases. Soluções de equilı́brio e soluções periódicas. Estabilidade
• Oscilador harmónico (
ẋ = y
ẍ + ω 2 x = 0
ẏ = −ω 2 x
• Pêndulo (
2
ẋ = y
ẍ + ω sin x = 0
ẏ = −ω 2 sin x
• Oscilador amortecido
(
ẋ = y
ẍ + 2µẋ + ω 2 x = 0
ẏ = −ω 2 x − 2µy
• Pêndulo forçado
(
ẋ = y
ẍ + ω 2 sin x = c cos ωt
ẏ = −ω 2 sin x + c cos ωt
Uma solução da equação (1.3) é uma função ϕ(t) definida num certo intervalo I e
com valores em Rn e tal que dt d
ϕ(t) = f (ϕ(t), t) ∀t ∈ I. Chamamos condição inicial ao
valor ϕ(0). O teorema de existência e unicidade diz-nos que dada qualquer condição inicial
x(0) = x0 existe uma única solução de (1.3), definida num certo intervalo (−T, T ), que a
verifica. Denotaremos essa solução por x(t; x0 ). Em muitos casos, o intervalo de definição
das soluções é toda a recta real. Outro resultado importante é o que nos diz que as soluções
de (1.3) dependem contı́nuamente das condições iniciais, i.e., x(t; x0 ) é contı́nua na variável
x0 .
Um caso particular muito importante das equações da forma (1.3) é o caso autónomo,
em que o segundo membro não depende de t:
ẋ = f (x) , x ∈ Rn , f : Rn → Rn de classe C 1 . (1.4)
Neste caso, o segundo membro é um campo de vectores, e verificam-se algumas propriedades
adicionais interessantes:
1. Se x(t) é solução de (1.4), então x0 (t) = x(t − t0 ) é também solução, e se a condição
inicial de x(t) é x0 , então x0 (t) verifica x0 (t0 ) = x0 . O número real t0 é arbitrário.
Esta propriedade significa que a escolha do instante inicial é arbitrária.
2. Fixado um ponto de Rn como condição inicial, o teorema de existência e unicidade im-
plica que a solução que passa por esse ponto fica completamente determinada, a menos
da arbitrariedade de escolha do instante inicial referida em 1.. Então tem sentido pen-
sar em soluções de (1.4) como equações paramétricas de linhas em Rn . Chamamos
trajectórias às soluções de (1.4), e órbitas a estas linhas, que contêm toda a informação
sobre o comportamento das soluções de (1.4) excepto a sua dependência explı́cita
no tempo. O espaço ambiente Rn recebe neste contexto o nome de espaço de fases.
O teorema de existência e unicidade implica portanto que por cada
ponto do espaço de fases passa uma e uma só órbita, ou, dito de outra
maneira, que órbitas diferentes no espaço de fases não se intersectam.
Exemplo: oscilador harmónico (ver figura ao lado), n = 2. As órbitas
são elipses, tangentes em cada ponto ao campo de vectores f .
3. A aplicação fluxo definida no espaço de fases
Φt : Rn −→ Rn
x0 7−→ x(t; x0 )
está bem definida no caso autónomo. Com a suposição adicional de as soluções de (1.4)
estarem definidas para qualquer t ∈ R, Φt está também definida para qualquer t ∈ R.
Dizemos então que o fluxo associado a (1.4) é a famı́lia uniparamétrica Φt , t ∈ R, de
aplicações do espaço de fases. Esta famı́lia é um grupo a um parâmetro em relação à
composição, dado que se tem
Φ0 = id, Φt ◦ Φs = Φt+s .
A analogia hidrodinâmica é óbvia: Φt , t ∈ R representa o fluxo (estacionário) de um
meio contı́nuo cujo campo de velocidades é dado por f .
O fluxo contém a informação global sobre o comportamento das soluções de (1.4).
4 1.1. Espaço de fases. Soluções de equilı́brio e soluções periódicas. Estabilidade
Os sistema autónomos, graças a estas propriedades, são mais fáceis de estudar. Por
outro lado, qualquer sistema não autónomo se pode escrever como um sistema autónomo
num espaço de fases aumentado: dado ~x˙ = f~(~x, t), podemos escrevê-lo na forma
~x˙ = f~(~x, t)
(
, ou seja, ~y˙ = g(~y ) ,
ṫ = 1
onde ~y = (~x, t). O preço a pagar é o aumento de dimensão do espaço de fases. Vejamos por
exemplo o caso do pêndulo forçado. Trata-se de um sistema não autónomo com um grau
de liberdade. O seu espaço de fases, no caso autónomo, é bidimensional. O espaço de fases
aumentado é tridimensional (por isso se diz também que é um sistema com 1 + 21 graus de
liberdade).
Voltemos ainda aos exemplos que apresentámos, para ilustrar o facto de a topologia do
espaço de fases associado a um sistema poder não ser a de Rn . Consideremos o oscilador
harmónico e o pêndulo, por exemplo. Ambos são sistemas autónomos com espaços de fases
bidimensionais. O espaço de fases é como vimos o espaço das variáveis que caracterizam
o comportamento do sistema escrito na forma normal. Para o oscilador harmónico, essas
variáveis são (x, y) = (posição sobre uma recta, velocidade). Ambas tomam valores em
R, de modo que o espaço de fases é o plano R2 . Para o pêndulo, essas variáveis são
(x, y) = (deslocamento angular, velocidade angular). A segunda toma valores em R, mas a
primeira é uma coordenada angular que toma valores sobre o cı́rculo S1 . Portanto, o espaço
de fases do pêndulo é o cilindro S1 × R.
Capı́tulo 1. Introdução à teoria qualitativa de E.D.O.s 5
As soluções mais simples que um sistema pode eventualmente ter são as soluções de
equilı́brio ~x(t; ~x00 ) = ~x00 ∀t ∈ R. Para um sistema autónomo ~x˙ = f~(~x) essas soluções são
todos os pontos ~x00 tais que f~(~x00 ) = 0, e apenas esses pontos. Raramente se conhecem
explı́citamente outras soluções para além dos pontos de equilı́brio, também chamados pon-
tos singulares. Por isso, o estudo de qualquer sistema deve sempre começar pela identi-
ficação e caracterização destes pontos, para depois tentar obter consequências em termos
do comportamento global das soluções.
No caso de sistemas autónomos que provêm de equações autónomas de segunda ordem
associadas a problemas mecânicos, vimos já que a forma normal é do tipo
(
ẋ = y
,
ẏ = f (x, y)
ou seja f~(~x) = (y, f (x, y)), de modo que todos os pontos de equilı́brio estão sobre o eixo
dos xx, e são as raı́zes de f (x, 0) = 0.
No caso particular dos sistemas lineares, o único ponto singular é a origem.
Voltemos uma vez mais aos exemplos que apresentámos para procurar os pontos de
equilı́brio desses sistemas.
Pensemos nos dois pontos de equilı́brio do pêndulo. É óbvio que são essencialmente
diferentes do ponto de vista da sua estabilidade. O conceito de estabilidade é extremamente
importante para caracterizar o comportamento das soluções na vizinhança de um ponto de
equilı́brio (ou de uma órbita periódica), e para levar a cabo o programa de estender a nossa
informação local a informação qualitativa global. Vale a pena precisá-lo com rigor.
Definição 1.1. Um ponto singular ~x0 de ~x˙ = f~(~x), ou seja, um ponto ~x0 tal que f~(~x0 ) = 0
diz-se estável se dada qualquer vizinhança U de ~x0 existe uma outra vizinhança V de ~x0 tal
que qualquer movimento com condições iniciais em V permanece em U para todo t ∈ R:
a. b. c. d.
Figura 1.1: Retratos de fases de alguns sistemas simples na vizinhança dos respectivos
pontos de equilı́brio (vide texto). a: oscilador harmónico em (0, 0); b: pêndulo em (0, 0);
c: pêndulo em (π, 0); e d: oscilador amortecido em (0, 0).
Podemos definir um tipo de estabilidade mais forte que a anterior, se exigirmos não
apenas que as soluções não se afastem do ponto de equilı́brio em questão, mas ainda que
tendam para esse ponto no futuro ou no passado. Este outro tipo de estabilidade chama-
-se estabilidade assimptótica, enquanto que o primeiro tipo se designa por estabilidade à
Liapounov.
Definição 1.2. Um ponto singular ~x0 diz-se assintoticamente estável para tempos positivos
(e respectivamente para tempos negativos) se fôr estável no futuro (respectivamente estável
no passado) e além disso existe uma vizinhança W de ~x0 tal que todos os movimentos com
condição inicial em W tendem para ~x0 quando t → ∞ (respectivamente quando t → ∞).
Adiante veremos que o estudo da aproximação linear na vizinhança de um ponto singular
é suficiente em geral para determinar o seu tipo de estabilidade; por agora, vamos voltar
a alguns dos casos que temos vindo a considerar como exemplos para classificar os pontos
de equilı́brio que encontramos do ponto de vista da sua estabilidade, recorrendo apenas ao
que já sabemos sobre as soluções:
• Oscilador harmónico: (0, 0) é estável, mas não assimptóticamente estável (figura 1.1a).
• Pêndulo: (0, 0) é estável mas não assimptóticamente estável (figura 1.1b); (π, 0) é
instável (figura 1.1c).
onde utilizámos a regra de derivação da função composta. Dada uma variável dinâmica
G : Rn → R e um campo de vectores f : Rn → Rn , podemos associar-lhe uma nova
variável dinâmica, Lf G : Rn → R, dada por
n
X ∂G
Lf G(x) = fi (x) (x) ,
∂xi
i=1
O exemplo mais simples de sistema que possui uma integral primeira é o de uma
partı́cula em movimento unidimensional sob a acção de uma força que não depende da
velocidade nem do tempo. Nesse caso, a equação de Newton é da forma ẍ = f (x), x ∈ R,
com f (x) = − dV dx para uma certa função V . Multiplicando ambos os membros por ẋ e
integrando vem
ẋ2
dV d 1 2
ẋẍ + ẋ =0 ⇔ ẋ + V (x) = 0 ⇔ + V (x) = constante .
dx dt 2 2
Neste caso portanto, como em qualquer caso de partı́culas sujeitas a forças puramente
posicionais que derivam de um potencial, a energia é uma integral primária. Em termos
2
da derivada de Lie teremos f (x, y) = (y, −V 0 (x)), E(x, y) = y2 + V (x) e
∂E ∂E
Lf E(x, y) = y − V 0 (x) = yV 0 (x) − V 0 (x)y ≡ 0 .
∂x ∂y
8 1.2. Integrais do movimento e sistemas conservativos com 1 grau de liberdade
Estes sistemas para os quais a energia é uma integral primeira chamam-se conservativos
e constituem uma classe muito particular. O oscilador harmónico e o pêndulo são dois
exemplos desta classe. Mas a existência de uma integral primeira é uma propriedade muito
restritiva. Consideremos por exemplo o oscilador amortecido. Vimos já qual era o aspecto
qualitativo do retrato de fase deste sistema. Suponhamos que tinha uma integral primeira
I. Então, I seria constante sobre cada órbita. Uma órbita dada, qualquer, tende para
a origem (0, 0). Então, por continuidade, I teria que assumir sobre a órbita escolhida o
valor I(0, 0) que toma na origem. Mas como a órbita em questão é arbitrária, concluimos
que I terá que ser constante em todo o plano. Portanto, a única integral primeira para
o oscilador amortecido é a função constante em todo o plano, que é trivialmente integral
primeira de qualquer órbita. Este exemplo mostra que a existência de pontos de equilı́brio ou
órbitas periódicas assimptóticamente estáveis é incompatı́vel com a existência de integrais
primeiras não triviais. Portanto, a existência de constantes do movimento, tenham elas ou
não o significado fı́sico de uma energia, é uma propriedade muito restritiva.
Uma constante do movimento é um caso particular de uma função de Liapounov, con-
ceito introduzido na tentativa de formular critérios de estabilidade de pontos de equilı́brio.
Então o ponto x0 é estável para tempos positivos. Se, além disso, a derivada de Lie de W
fôr estritamente negativa em U\{x0 }, então x0 é assimptóticamente estável para tempos
positivos.
∂E ∂E
Ė = Lf E = y + (−ω 2 x − 2µy) = y · ω 2 x − ω 2 x · y − 2µy · y = −2µy 2 < 0 ,
∂x ∂y
Capı́tulo 1. Introdução à teoria qualitativa de E.D.O.s 9
a. b. c. d. e.
Figura 1.2: Retratos de fase e gráficos da função potencial V (x) para alguns sistemas
simples (vide texto). a: retrato de fases da partı́cula livre; b: retrato de fases do oscilador
harmónico; c: forma da função potencial V (x) do oscilador harmónico; d: retrato de fases
do repulsor harmónico; e: forma da função potencial V (x) do repulsor harmónico.
onde a desigualdade vale numa vizinhança do ponto singular excepto sobre o eixo dos xx.
Não é portanto uma boa função de Liapounov em sentido estrito, uma vez que não se tem
Ẇ < 0 em U \{x0 }. No entanto, a versão forte do teorema de Liapounov admite uma
formulação mais geral, que permite que se dê a igualdade no ponto de equilı́brio e num
conjunto que não contenha nenhuma órbita. A energia é uma função de Liapounov para
o oscilador amortecido neste sentido, e é verdade que é estritamente decrescente ao longo
das trajectórias, excepto num conjunto discreto de instantes do tempo em que tem pontos
de inflexão.
se a energia potencial tem um mı́nimo isolado em ~x0 ∈ Rn , então o ponto singular (~x0 , 0)
é estável (no futuro e no passado).
A este último resultado chama-se habitualmente teorema de Lagrange-Dirichlet, e é
bastante anterior ao teorema de Liapounov, do qual se obtém como consequência tomando
2
para função de Liapounov a energia total E = v2 + V (~x).
A partir de agora e até ao fim desta secção vamos falar apenas de sistemas conservativos
e com 1 grau de liberdade, i.e., sistemas da forma
(
ẋ = y
ẍ = f (x) ou
ẏ = f (x)
y2
que possuem a integral primeira da energia, E = 2 + V (x). Vejamos primeiro alguns
exemplos simples:
1. Partı́cula livre: as curvas de nı́vel de E são rectas (figura 1.2a).
(
ẋ = y y2
ẍ = 0, E= .
ẏ = 0 2
10 1.3. Comportamento local na vizinhança de pontos singulares
3. Repulsor harmónico: a origem é uma sela (figura 1.2d); as curvas de nı́vel de E são
hipérboles (figura 1.2e).
(
2
ẋ = y y2 2x
2
ẍ = +ω x E = − ω .
ẏ = +ω 2 x 2 2
Estes três exemplos são casos em que os sistemas se podem integrar explı́citamente
e a equação das órbitas se pode obter por eliminação do tempo a partir das equações
das trajectórias. Mas sobretudo a análise destes casos faz-nos entender qual é o aspecto
qualitativo do retrato de fases na vizinhança de um mı́nimo ou de máximo local do potencial,
e qual é o processo que nos permite obter o retrato de fases a partir do gráfico do potencial.
Assim, é óbvio do que vimos até agora que o retrato de fase associado a um sistema
não linear com um potencial da forma indicada na figura 1.3a é do tipo esboçado na figura
1.3b.
Análogamente, para o potencial corrigido associado à coordenada radial do problema
de Kepler em coordenadas polares, ver a figura 1.4.
ξ˙ = Aξ + ◦(|ξ|2 ) ,
Figura 1.3: Esboço do retrato de fases (em baixo) a partir de um potencial com a forma
indicada na figura por cima. Todos estes retratos de fase são simétricos em relação ao eixo
dos xx. O perı́odo varia com a energia e tende para infinito quando E → E2 (voltaremos a
esta questão num exercı́cio das séries).
a. b.
a. b. c.
Figura 1.5: Esboço dos retratos de fases para o caso de λ1 , λ2 reais (ver texto). a: nodo
instável (λ1 > λ2 > 0); b: nodo estável (λ1 < λ2 < 0); c: sela (λ1 < 0 < λ2 ).
Suponhamos então que estamos no caso genérico em que A tem dois valores próprios não
nulos e diferentes, λ1 6= λ2 . Então, A é diagonalizável e ~u1 e ~u2 , vectores próprios associados
a λ1 e λ2 , respectivamente, formam uma base de R2 . Por outro lado, como o sitema é linear,
qualquer combinação linear de soluções do tipo da solução particular encontrada acima é
ainda solução. Estes dois factos em conjunto implicam que a solução geral de ~x˙ = A~x seja
da forma
~x(t) = c1 eλ1 t ~u1 + c2 eλ2 t ~u2 (1.5)
1. λ1 , λ2 reais.
Nas coordenadas ~y associadas à base formada por ~u1 , ~u2 , a solução geral escreve-se
! !
y1 (t) c1 eA1 t
~y (t) = = .
y2 (t) c2 eA2 t
Nas coordenadas originais, o retrato de fase do sistema é então de uma das seguintes
três formas possı́veis, conforme o sinal de λ1 , λ2 : nodo instável (λ1 > λ2 > 0, ver
figura 1.5a); nodo estável (λ1 < λ2 < 0, figura 1.5b); sela (λ1 < 0 < λ2 , figura 1.5c).
2. λ1 , λ2 complexos conjugados.
Neste caso, λ1 = α+iβ, λ2 = α−iβ, α, β ∈ R e, como a matriz λA é real, ~u1 = ~v1 +i~v2 ,
~u2 = ~v1 − i~v2 . Uma solução da forma (1.5) é real se e só se c1 e c2 forem complexos
conjugados, pelo que podemos tomar c1 = keiγ , c2 = ke−iγ .
Substituindo em (1.5) e operando vem, para a solução geral real do sistema,
com η1 (t) = 2keαt cos(βt + γ), η2 (t) = −2keαt sin(βt + γ), e onde os vectores reais
~v1 , ~v2 também formam base de R2 , dado que ~u1 e ~u2 são linearmente independentes
Capı́tulo 1. Introdução à teoria qualitativa de E.D.O.s 13
a. b. c.
Figura 1.6: Esboço dos retratos de fases para o caso de λ1 , λ2 reais (ver texto). a: foco
estável (α = Re λ < 0); b: foco instável (α = Re λ > 0); c: centro (α = Re λ = 0).
nos complexos. Nas coordenadas ~y associadas à base formada por ~v1 , ~v2 , a solução
geral escreve-se ! !
y1 (t) ceαt cos(βt + γ)
~y (t) = = .
y2 (t) −ceαt sin(βt + γ)
Nas coordenadas originais, o retrato de fase do sistema é então de uma das seguintes
três formas possı́veis, conforme o sinal de α: foco estável (α = Re λ < 0, figura 1.6a);
foco instável (α = Re λ > 0, figura 1.6b); centro (α = Re λ = 0, figura 1.6c).
Isto conclui o estudo do sistema linear ~x˙ = A~x, ~x ∈ R2 , nos diferentes casos genéricos.
Podemos resumir as conclusões num diagrama em que se tomam como parâmetros para o
sistema µ1 = Tr A, µ2 det A. Dado que o polinómio caracterı́stico de A é λ2 − Tr Aλ +
det A = 0, os valores próprios são dados por
p q
2λi = Tr A ± (Tr A) − 4 det A = µ1 ± µ21 − 4µ2 .
2
Em face do que vimos antes temos então o chamado diagrama de bifurcação para o
sistema linear em dimensão 2, na figura 1.7.
Nota. Para os sistema mecânicos,
0 1
A= , Tr A, det A = −α .
α β
Figura 1.7: O diagrama de bifurcação resume o essencial dos retratos de fases na vizinhança
de pontos de equilı́brio do sistema para os diferentes valores próprios que a matriz A do
sistema pode tomar (ver texto).
O caso de sistemas lineares em Rn , ~x˙ = A~x, x ∈ Rn , reduz-se tal como o caso bidimen-
sional a um problema algébrico, que se resolve de maneira análoga com a única diferença
de a caracterı́stica ser mais complicada. A estabilidade da origem fica determinada pelos
sinais das partes reais dos n valores próprios de A.
Dissemos antes que a classificação dos sistemas lineares é interessante também do ponto
de vista do estado dos sistemas não-lineares. Vimos já que a cada ponto singular de um
sistema não-linear está associado um sistema linear, que é a equação variacional ou aprox-
imação linear do campo de vectores na vizinhança desse ponto. Um teorema importante
(teorema de Hartman) é o que nos diz que o comportamento local de um fluxo não linear
na vizinhança de um ponto singular ~x0 é idêntico ao da sua aproximação linear, desde
que os valores próprios da aproximação linear tenham todos parte real diferente de zero
(condição de hiperbolicidade). Mais precisamente, este resultado afirma que o retrato de
fase local na vizinhança de um ponto hiperbólico é, a menos de uma mudança de variáveis
regular, o mesmo da aproximação linear. Em particular, a estabilidade do ponto singular
fica determinada pelo sinal das partes reais dos valores próprios da aproximação linear.
Como consequência deste resultado temos, voltando a dimensão 2, o seguinte:
Corolário 1.3. Um nodo, foco ou sela linear é ainda um nodo, foco ou sela do mesmo tipo
para o sistema não truncado.
Note-se no entanto que um centro linear pode ser um ponto singular de outra natureza
para o sistema não-linear completo, dado que um centro não é hiperbólico.
Capı́tulo 1. Introdução à teoria qualitativa de E.D.O.s 15
C v0
x(t) = (cos Ωt − cos ωt) + x0 cos ωt + sin ωt , (1.8)
ω2 −Ω 2
| {z ω }
xh (t)
onde o segundo termo, xh (t), é a solução do oscilador harmónico não perturbado com as
mesmas condições iniciais.
A expressão (1.8) é interessante por dois motivos: por um lado, mostra a solução como
a sobreposição de dois batimentos periódicos de frequências diferentes, ou também a so-
breposição da oscilação livre xh (t) e a oscilação forçada de amplitude c, em geral não
periódica (ver figura 1.8); por outro, porque nos dá uma maneira de encontrar a solução no
caso ressonante Ω2 = ω 2 . De facto, calculando o limΩ→ω na expressão (1.8) temos
C
lim x(t) = lim (cos Ωt − cos ωt) + xρ (t) = (regra de l’Hôpital)
Ω→ω Ω→ω (ω − Ω)(ω + Ω)
C −t sin Ωt C
= lim + xρ (t) = t sin ωt + xρ (t) .
Ω→ω ω + Ω −1 2ω
16 1.4. Osciladores: oscilações forçadas e ciclos limite
O primeiro termo do segundo membro não é limitado no tempo, chama-se termo secular
associado à ressonância Ω = ω. O fenómeno da ressonância é portanto o crescimento
(fı́sicamente) ilimitado das amplitudes de oscilação quando a frequência da perturbação
coincide com a frequência própria do sistema perturbado.
Voltemos à equação (1.8) para analisar a aproximação à ressonância, i.e., o compor-
tamento do sistema quando Ω ' ω, Ω 6= ω. Consideremos para simplificar a solução
particular que corresponde às condições iniciais x0 = v0 = 0, que vamos escrever na forma
2C (Ω + ω) (Ω − ω)
x(t) = − sin t sin t,
ω 2 − Ω2 2 2
usando cos α − cos β = −2 sin α+β α−β
2 sin 2 . Introduzindo as variáveis ω̃ =
ω+Ω
2 , = Ω−ω
2 , a
proximidade da ressonância caracteriza-se por ω̃ ' ω, ω̃, e a solução
C 1
x(t) = A(t) sin ω̃t , A(t) = sin t
2ω̃
aparece como uma oscilação modulada, uma oscilação cuja amplitude varia lentamente em
relação ao perı́odo (ver figura 1.9).
No caso das oscilações forçadas de um oscilador amortecido, o fenómeno da ressonância
já não apresenta o aspecto de divergência das amplitudes que caracteriza o caso não dissi-
pativo. Consideremos então a equação da forma (1.6)
e procuremos como no caso anterior uma solução particular da forma A cos(Ωt + ϕ). Subs-
tituindo em (1.9), o problema reduz-se à solução do seguinte sistema de equações em A e
ϕ,
Como o sistema é linear, a solução geral vai ser a soma da solução geral da equação ho-
mogénea, xa (t), que como já vimos tende para zero exponencialmente com o tempo, com
18 1.4. Osciladores: oscilações forçadas e ciclos limite
n termos da forma A cos(Ωt + ϕ), cada um dos quais é solução particular da equação (1.9)
com termo de forçamento Fk (t). Portanto, a solução geral será da forma
n
X
x(t) = Ak cos(Ωk t + ϕk ) + xa (t) ,
k=1
Vamos agora, para acabar este ponto e este capı́tulo, estudar dois exemplos de equações
da forma (1.6) homogéneas e não-lineares que possuem ciclos limite.
O primeiro é um modelo muito simples de relógio mecânico. Essencialmente, um
relógio mecânico é um oscilador débilmente amortecido, juntamente com um mecanismo
que fornece ao sistema a energia perdida por dissipação (pequenas oscilações de um pêndulo
débilmente amortecido pelo atrito do ar e outros efeitos mecânicos, mais corda do relógio).
Um modelo para o funcionamento deste sistema é então o que corresponde à figura 1.10,
desenhada no espaço de fases enquadrado pelas variáveis (x, v). O parâmetro d, aumento
da velocidade do pêndulo em cada pulsação ao passar com velocidade positiva pela posição
de equilı́brio, depende do impulso da força associada ao mecanismo da corda, e o seu valor
depende portanto dos detalhes do mecanismo. Quanto ao parâmetro a, pode ser calculado
a partir das caracterı́sticas do oscilador. Suponhamos com efeito que as pequenas oscilações
Capı́tulo 1. Introdução à teoria qualitativa de E.D.O.s 19
Note-se que este modelo simples apresenta as propriedades de um bom relógio: inde-
pendentemente das condições iniciais, tende rápidamente para uma oscilação de perı́odo
fixo.
A órbita periódica que encontrámos é assimptóticamente estável, e portanto é um exem-
plo de um ciclo limite.
Como último exemplo deste capı́tulo vamos estudar o comportamento das soluções da
equação de Van der Pol,
ẍ + β(x2 − 1)ẋ + x = 0 . (1.14)
Faremos um estudo heurı́stico e muito rápido do caso fortemente ‘amortecido’, β 1, com
o propósito de introduzir o conceito de oscilações de relaxação, e analisaremos com menos
detalhe, usando métodos perturbativos, o caso débilmente amortecido β 1.
2
Em rigor, este sistema sai do âmbito da teoria que temos vindo a falar, devido à descontinuidade
associada ao impulso (não pode de facto ser modelado por um campo de vectores em dimensão 2).
20 1.4. Osciladores: oscilações forçadas e ciclos limite
a. b.
dy x
= −β −2 · ,
dx y − f (x)
ou seja, o declive da tangente às órbitas é muito pequeno, da ordem de β12 , excepto numa
vizinhança de largura β12 da cúbita, que é a única região do espaço de fases onde as órbitas
se afastam significativamente de linhas horizontais. Nessa vizinhança, tanto ẋ como ẏ são
da ordem de β1 , de modo que o movimento nessa região é muito lento. Pelo contrário, fora
duma dessas vizinhanças, ẋ é da ordem de β, e portanto o movimento, aproximadamente
horizontal, é rápido. Diz-se então que o sistema tem uma ‘foliação rápida’ e uma ‘foliação
lenta’, que correspondem respectivamente às linhas horizontais e à cúbica, e que se repre-
senta como na figura 1.12b. As duplas setas indicam movimento rápido no tempo. Note-se
que as linhas da figura 1.12b não são invariantes, ou seja, a figura não é um retrato de fase;
Capı́tulo 1. Introdução à teoria qualitativa de E.D.O.s 21
Caso β 1. O estudo que vamos fazer neste caso transcende o interesse que possa ter o
oscilador de Van der Pol ou em geral os osciladores não lineares. Quando o parâmetro β é
muito pequeno, podemos fazer um tratamento perturbativo do problema. É o que vamos
fazer, utilizando um método da teoria das perturbações que se chama ‘averaging’, e ao qual
voltaremos no fim do curso.
A base do método de ‘averaging’ é a existência no sistema perturbado de duas variáveis
cujos ritmos de variação temporal são muito diferentes, a variável lenta e a variável rápida.
Procura-se descrever o comportamento da variável lenta à custa de tomar médias sobre a
rápida, cujo ‘tempo caracterı́stico’ é menor. As candidatas a variáveis lenta e rápida vão
aparecer naturalmente em cada exemplo no qual este tipo de método se possa aplicar.
Consideremos então o oscilador de Van der Pol, β 1, como uma perturbação do os-
2 2
cilador harmónico. Para o sistema não perturbado, a energia E = y2 + x2 é uma variável
‘infinitamente lenta’, é uma constante. Tomando no plano de fases, em vez das coordenadas
polares habituais (r, θ) as coordenadas (E, θ), o sistema tem as equações
22 1.4. Osciladores: oscilações forçadas e ciclos limite
a. b.
Figura 1.13: Esboço de uma solução tı́pica para o oscilador de Van der Pol.
Capı́tulo 1. Introdução à teoria qualitativa de E.D.O.s 23
Ė = 0
.
θ̇ = −1
onde f (E, θ) = −2E sin2 θ(2E cos2 θ − 1) e g(E, θ) = − sin θ cos θ(2E cos2 θ − 1). Vejamos
que este sistema tem um único ciclo limite estável. Para isso, consideremos a aplicação de
Poincaré que envia o valor Ei da energia na i-ésima passagem pelo eixo θ = 0 ao valor Ei+1
da energia na (i + 1)-ésima passagem pelo mesmo eixo. Isto corresponde a tomar como
superfı́cie de secção o semieixo positivo do eixo dos xx, e como variável a energia.
Temos então
ZT Z2π
Ei+1 − Ei = β f (E(t, β), θ(t, β)) dt = β f (Ei , θ0 − t)dt + ◦(β 2 ) ,
0 0
uma vez que E(t, β) = Ei + ◦(β), e θ(t, β) = θ0 − t + ◦(β). Este integral corresponde a fazer
a média da perturbação na variável rápida (averaging). Substituindo f pela sua expressão
explı́cita, vem
Z2π
Ei+1 − Ei = −2βEi sin2 t(2Ei cos2 t − 1)dt + ◦(β 2 )
0
e, portanto,
f (E) = E − 2πβE(E − 1) .
1.5 Problemas
Série I
1. Resolva explı́citamente a equação do oscilador harmónico débilmente amortecido, ẍ +
2µẋ + ω 2 x = 0, com 0 < µ |ω|. Mostre que, para t fixo, as soluções com uma certa
condição inicial tendem para as do oscilador harmónico quando µ → 0. O que é que
acontece quando fazemos primeiro t → ∞ e depois µ → 0?
24 1.5. Problemas
(e) Seja A(E) a área limitada por uma órbita fechada de energia E. Mostre que o
dA
perı́odo T (E) em função da energia é dado por T (E) = dE .
6. Descreva qualitativamente as órbitas de uma partı́cula de massa unitária que se move
sobre uma recta sujeita aos pontenciais:
(a) V (x) = x−4 − 2x−2 , x > 0.
2
(b) V (x) = Ax2 e−x , A > 0.
Esboce o ratrato de fases em cada caso e obtenha as equações das separatrizes quando
estas existirem.
7. Considere um sistema da forma
( ∂H
ẋ = ∂y
.
ẏ = − ∂H
∂x
Mostre que as curvas de nı́vel de H(x, y) são formadas por órbitas, e que portanto H
é uma integral do movimento.
Capı́tulo 1. Introdução à teoria qualitativa de E.D.O.s 25
10. Nos anos 60, Hénon e Heiles estudaram órbitas de estralas numa galáxia usando o
seguinte modelo em dimensão 2:
ẋ1 = y1
ẋ2 = y2
ẏ = −x1 − 2x1 x2
1
ẏ2 = −x2 − x21 + x22
Mostre que este sistema com 2 graus de liberdade é conservativo e ache uma integral
primeira do movimento.
11. Utilize o programa gmpend do genmot para verificar que o pêndulo forçado exibe
dependência sensı́vel nas condições iniciais, seguindo os passos indicados no exercı́cio
2.5 do cups-cm.
12. Considere o sistema hamiltoniano com dois graus de liberdade dado por um oscilador
no plano (ou dois osciladores harmónicos lineares não acoplados) de equações ẍ1 =
−x1 , ẍ2 = −ω 2 x2 , ou
ẋ1 = y1
ẋ2 = y2
.
ẏ1 = −x1
ẏ2 = −ω 2 x2
Série II
1. Uma partı́cula de massa m move-se sob a acção do potencial cúbico V (x) = Ax3 +
Bx2 + Cx + D, A > 0. Mostre que, com uma mudança linear de variável para uma
nova variável de posição q, V (x) pode ser substituı́do pelo potencial U (q) = Aq 3 + F q
sem modificar o movimento. Mostre que F = C − B 2 /3A. Ache os pontos fixos do
movimento no potencial U em função do parâmetro F .
y2 Rx
hamiltoniano é H(x, y) = 2F (x) + V (x), V (x) = g(u)F (u)du.
8. Mostre que, no caso dos nodos, as trajectórias genéricas são tangentes na origem ao
vector próprio correspondente ao valor próprio menor em módulo.
10. Para o oscilador forçado e débilmente amortecido, com frequência própria ω fixa,
estude a variação da amplitude A da solução com a frequência de forçamento Ω.
11. Ache a solução particular que verifica as condições iniciais x(0) = ẋ(0) = 0 para
o oscilador harmónico e para o oscilador harmónico débilmente amortecido com os
seguintes termos de forçamento:
12. Ache a foliação rápida e a variedade lenta para o oscilador fortemente amortecido
ẍ + 2µẋ + ω 2 x = 0, µ ω > 0.
13. Use o programa anharm para explorar a dinâmica do oscilador de Van der Pol nos
casos β 1 e β 1. Faça estimativas do tempo de relaxação do sistema.
14. Use o programa anharm para verificar o comportamento das soluções do oscilador
harmónico com forçamento sinusoidal longe e perto da ressonância.
Capı́tulo 2
O problema de Kepler e a
dinâmica do corpo rı́gido
O objectivo deste capı́tulo é o de expôr duas das mais importantes realizações da mecânica
newtoniana, que são a formulação e a solução do problema gravı́tico de dois corpos e a
formulação e a solução em alguns casos partı́culares das equações do movimento de um
corpo rı́gido com um ponto fixo. Antes porém, e seguindo nesse aspecto a tradição, vamos
muito resumidamente apresentar o formalismo básico da mecânica na versão newtoniana.
p~˙ = F~ , ~˙ = N
L ~ − ~v ∧ p~ , (2.1)
P P P
onde ~vP denota a velocidade do ponto P em relação ao qual se calcula o nosso momento
angular. Em particular, se P é fixo ou se ~vP é paralelo a ~v , temos
~˙ = N
L ~ . (2.2)
P P
28
Capı́tulo 2. O problema de Kepler e a dinâmica do corpo rı́gido 29
~˙ = (~r ∧˙ m~vL
L
˙~
) = (~r − P ~ − ~v ∧ m~v .
) ∧ m~v + ~rP ∧ m~a = N
L
P P P P
Teorema 2.3 (da conservação da energia). Para um movimento que se dá num campo
de forças conservativo, a energia total E = T + V é uma constante do movimento.
Demonstração.
d~v d~r
Ṫ = Π = F~ · = −grad V · = −V̇ .
dt dt
F~ · d~r = Qr dr + Qθ dθ + Qϕ dϕ .
f (r)
Para forças da forma (2.6), F~ · d~r = r ~ r · d~r. Mas
rot F~ ≡ 0 . (2.7)
n n
• Trabalho elementar das forças aplicadas: X X
δW = δWi = F~i · d~ri
i=1 i=1
n
X n
X
• Potência das forças aplicadas: Π= Πi = F~i · ~vi
i=1 i=1
Outro conceito importante para sistemas de n partı́culas é o de centro de massa, que se
define como o ponto de vector de posição ~rcm tal que
Pn
mi~ri
i=1
~rcm = . (2.8)
m
Desta definição resulta imediatamente o seguinte resultado:
Proposição 2.4. O momento linear total p~ de um sistema de n partı́culas é igual ao de
uma partı́cula com a massa igual à massa total do sistema e que se move com o centro de
massa do sistema, i.e.,
p~ = m~vcm ,
˙
onde ~vcm = ~rcm .
32 2.1. Revisão de mecânica newtoniana
L ~0 + L
~ =L ~ cm
P
onde
n
X
~0 =
L ((~ri − ~rcm ) ∧ mi (~vi − ~vcm ))
i=1
é independente de P e
~ cm = (~rcm − P~ ) ∧ m~vcm .
L
n
X n
X
((~ri − ~rcm ) ∧ mi~vcm ) = (mi (~ri − ~rcm )) ∧ ~vcm =
i=1 i=1
n n
! !
X X
= mi~ri − mi ~rcm ∧ ~vcm = 0 .
i=1 i=1
Os resultados que vimos até agora são os que são válidos em geral para sistemas de n
partı́culas. Para podermos prosseguir, vamos ter que impôr condições, ainda que bastante
gerais, às forças F~i , i = 1, . . . , n, que actuam cada uma das partı́culas. Suponhamos então
que podemos escrever
F~i = F~ int + F~ ext ,
i i
onde F~iext são os termos correspondentes a forças exteriores, que suporemos que dependem
apenas de ~ri , ~vi e t, e F~iint são termos que correspondem à acção de todas as outras massas
do sistema a que chamamos forças internas ou de interacção. Vamos supor ainda que as
forças internas dependem só das posições relativas das partı́culas, e que são soma sobre
interacção de pares, isto é,
X
F~iint (~r1 , . . . , ~rn ) = F~ijint (~ri , ~rj ) .
1≤j≤n
j6=i
F~ijint = −F~jiint , 1 ≤ i, j ≤ n .
Finalmente, no âmbito do modelo mecanicista clássico supõe-se ainda que as forças internas
têm a direcção do vector que une os pares de partı́culas e dependem apenas da distância
entre elas, i.e., que se tem
~rij
F~ijint = fij (rij ) ,
rij
onde ~rij = ~ri − ~rj e rij = k~rij k.
No quadro destas hipóteses, tem sentido, como veremos, considerar separadamente a
contribuição das forças externas para a resultante e para a resultante do momento em
relação a um ponto,
n
X n
X
~ ext =
R F~iext , ~ ext =
N (~ri − P~ ) ∧ F~iext .
P
i=1 i=1
34 2.1. Revisão de mecânica newtoniana
p~˙ = R
~ ext ~˙ = N
L ~ ext − ~v ∧ p~ .
P P P
~˙ = N
Em particular, se o ponto P é fixo, L ~ ext , e se além disso o sistema estiver isolado,
P P
~ = constante. Análogamente, se o sistema estiver isolado, p~ = constante.
LP
Demonstração. Para demonstrar a primeira relação, basta verificar que a contribuição das
forças internas para a resultante é nula:
X X
~ int =
R F~ijint = F~ijint + F~jiint = 0 .
i,j i<j
i6=j
Vejamos agora que a contribuição das forças internas para a resultante do momento em
relação a um ponto P é também nula:
Xn X n X n
~
NP int
= ~ ~
~ri − P ∧ Fi =int ~
~ri − P ∧ ~
Fijint
=
i=1 i=1 j=1
j6=i
n
X X
= ~ri − P~ ∧ F~ijint = ~ri − P~ ∧ F~ijint + ~rj − P~ ∧ F~jiint =
i,j=1 1≤i<j≤n
i6=j
X X
= ~ri − P~ − ~rj − P~ ∧ F~ijint = (~ri − ~rj ) ∧ F~ijint = 0 .
1≤i<j≤n 1≤i<j≤n
Tal como fizemos para a resultante e para a resultante do momento vamos também
separar as contribuições das forças externas e das forças internas para o trabalho elementar,
n
X n
X
δW = δW ext + δW int , δW ext = F~iext · d~ri , δW int = F~iint · d~ri .
i=1 i=1
Proposição 2.9. Para forças internas de tipo clássico, o trabalho elementar das forças
internas δW int é sempre uma diferencial exacta e tem-se
n
int int int 1 X
δW = −dV , V (~r1 , . . . , ~rn ) = Vij (rij )
2 i,j=1
i6=j
Demonstração. Podemos considerar δW int como a soma sobre as contribuições de cada par
de partı́culas,
X
δW int = δWijint , δWijint = F~ijint · d~ri + F~jiint · d~rj .
1≤i<j≤n
Capı́tulo 2. O problema de Kepler e a dinâmica do corpo rı́gido 35
X X ~rij
δW int = F~ijint · d (~ri − ~rj ) = fij (rij ) (rij )drij =
rij
1≤i<j≤n 1≤i<j≤n
X X
= fij (rij )drij = −Vij0 (rij )drij = −dV int .
1≤i<j≤n 1≤i<jn
d
T + V int = Πint ,
dt
Um caso particular importante é aquele em que as forças exteriores F~iext são puramente
posicionais e além disso conservativas, i.e., tais que se tenha
ou, equivalentemente, F~iext = −grad Vi (~ri ) , i = 1, . . . , n. Nesse caso, tem sentido in-
n ext
troduzir um potencial exterior, V ext (~r1 , . . . , ~rn ) = Viext (~ri ), e tem-se Πext = − dVdt ,
P
i=1
F~iext = gradi V ext . Neste caso, vale o seguinte:
M mi ~ri mi mj ~rij
F~iext = −G 2 · , F~ijint = −G 2 · ,
ri ri rij rij
n
1 X mi mj X M mi
V (~r1 , . . . , ~rn ) = V int (~r1 , . . . , ~rn ) +V ext (~r1 , . . . , ~rn ) = − G − G .
2 rij ri
1≤i,j≤n i=1
36 2.1. Revisão de mecânica newtoniana
2. “Átomo de hélio” clássico: núcleo fixo com carga +2e, e dois electrões. Neste caso,
2e2 2e2 e2
V (~r1 , ~r2 ) = − − + .
r1 r2 r12
com
n
X
ext
V = mi gzi = mgzcm .
i=1
ou ainda a
~ · ẽ = 0
R
e, pela proposição 2.7, isto implica que se tenha
p~ · ẽ = constante
Análogamente, diz-se que o potencial tem simetria de rotação em torno do eixo de versor
ẽ se V fôr invariante para a transformação
ou seja se
d
V (~r1 + ẽ ∧ ~r1 , . . . , ~rn + ∧ ~rn ) ≡0,
d =0
ou ainda se
n
X
(gradi V ) · (ẽ ∧ ~ri ) ≡ 0 . (2.10)
i=1
Capı́tulo 2. O problema de Kepler e a dinâmica do corpo rı́gido 37
Pela invariância do produto misto para permutações cı́clicas de factores, (2.10) é equivalente
a
n
X
ẽ · (~ri ∧ (gradi V )) ≡ 0 ,
i=1
ou seja, a
~ ≡0,
ẽ · N
onde o momento das forças é calculado em relação à origem do referencial. Pela proposição
2.7, (2.10) implica então que se tenha
~ = constante ,
ẽ · L
Por fim, e para acabar esta secção, vamos rever o estudo do movimento relativo, ou
melhor, do movimento estudado desde dois referenciais diferentes, um referencial inercial
S ∗ definido pela sua origem O∗ e versores ortonormados ẽ∗1 , ẽ∗2 , ẽ∗3 , e um referencial móvel
S ≡ (O, ẽ1 , ẽ2 , ẽ3 ). O movimento de S em relação a S ∗ fica definido pelo conhecimento das
−−−−−−−→
quatro funções vectoriais (doze escalares) do tempo, ~rO (t) = O(t) − O∗ , ẽ1 (t), ẽ2 (t), ẽ3 (t),
ou, em termos das componentes,
xOi (t) = ~rO (t) · ẽ∗i , i = 1, 2, 3 , Rij (t) = ẽj (t) · ẽ∗i , i, j = 1, 2, 3 .
1
(~a ∧ ~b) ∧ ~c = (~a · ~c) · ~b − (~b · ~c)~a.
Capı́tulo 2. O problema de Kepler e a dinâmica do corpo rı́gido 39
~v = ~v r + ω
~ ∧ ~rr + ~vO ,
d~
rO
onde ~vO = dt eω
~ é a velocidade angular instantânea de S.
3 ˙
X 3
X 3
X
~v = ~r˙ = r ˙
xi ˜ei + ~rO = r
ẋi ẽi + xri ẽ˙ i + ~vO =
i=1 i=1 i=1
3
X
= ~v r + xri (~
ω ∧ ẽi ) + ~vO = ~v r + ω
~ ∧ ~rr + ~vO .
i=1
3 ˙
X 3
X
ω ∧˙ ~rr v) + ~aO =
~a = ~v˙ = ~v˙ r + (~ r ˙ r
~ ∧ ~r + ω
vi ˜ei + ω ~∧ r
ẋi ẽi + ~aO =
i=1 i=1
3
X 3
X
= ~ar + r ˙
ω ∧ ẽi ) + ω
vi (~ r
~ ∧ ~r + ω r
~ ∧ ~v + r
ω ∧ ẽi ) + ~aO =
xi (~
i=1 i=1
r
~˙ ∧ ~r + ω
ω ∧ ~v + ω
= ~a + 2~ r
~ ∧ (~ r
ω ∧ ~r ) + ~aO . r
De acordo com o resultado anterior, a lei de Newton F~ = m~a continua a ser formalmente
válida num referencial não inercial desde que se considerem como forças aplicadas as forças
de inércia proporcionais à massa correspondentes aos quatro termos no segundo membro
da fórmula da proposição 2.14. O facto de as forças gravı́ticas serem também proporcionais
à massa, ou a equivalência entre massa inercial e massa gravı́tica, estão na base das con-
siderações que conduziram à formulação da teoria da relatividade geral, no âmbito da qual
todos os sistema de referência, inerciais ou não inerciais, são equivalentes.
Uma aplicação interessante do teorema de Coriolis é a verificação experimental da
rotação da Terra em torno do seu eixo, feita pela primeira vez por Foucault em 1851, a
40 2.2. Movimento sob uma força central. Problemas de Kepler e de dois corpos
x = r cos θ , y = r sin θ
ẽr = cos θẽ1 + sin θẽ2 , ẽθ = − sin θẽ1 + cos θẽ2 , (2.20)
tangentes em cada ponto às linhas coordenadas r = constante, θ = constante, e que formam
~ um triedro ẽr , ẽθ , ẽ3 directo. Da equação (2.20) é imediato que
com o versor ẽ3 de L
˙ ˙
~a = ~r˙ = (ṙẽ˙ rr) + (rθ̇ẽθ r) = r̈ẽr + ṙθ̇ẽθ + ṙθ̇ẽθ + r(θ̇ẽθ )= r̈ẽr + 2ṙθ̇ẽθ + rθ̈ẽθ − rθ̇2 ẽr .
Z Zθ(t) Zr(θ)
Zθ(t)
1
= r2 (θ)dθ .
2
θO
dA 1 Lz
= r2 θ̇ = = c (velocidade aureolar)
dt 2 2m
de modo que para qualquer movimento central o vector de posição da partı́cula em relação
ao centro de forças “varre áreas iguais em tempos iguais”.
Suponhamos a partir de agora que o campo, para além de ser central, tem simetria
esférica, i.e., F~ = f (r)ẽr .
Proposição 2.17. Num movimento central com simetria esférica a variável radial r(t)
verifica a equação de um problema unidimensional fictı́cio
dVe
mr̈ = − ,
dr
onde o potencial Ve (r), chamado potencial eficaz, é dado por
l2
Ve (r) = V (r) +
2mr2
e o parâmetro l é o valor da constante do movimento Lz . A variável angular θ(t) verifica
a equação
l
θ̇ = .
mr2
Figura 2.2: Esboço da forma do potencial efectivo Ve (r) como função da coordenada radial.
ṙ2 ṙ2 l2 1
E=m + Ve (r) = m + 2
+ V (r) = m(ṙ2 + r2 θ̇2 ) + V (r)
2 2 2mr 2
é também uma integral primeira, que é imediato identificar com a energia do sistema.
Portanto, r
2
ṙ = ± (E − Ve (r)) (2.22)
m
e, tal como no caso unidimensional, ficamos a conhecer a função r(t) se calcularmos a pri-
mitiva do segundo membro de (2.22). Uma vez conhecido r(t), obter θ(t) reduz-se também
a uma quadratura dado que θ̇ = mrl 2 .
Figura 2.3: Traçados de duas órbitas de energia negativa — estados ligados (ver texto).
vem
dθ l 1
=√ p (2.23)
dr 2
2m r E − Ve (r)
de modo que
Z∞
l dr
∆θscat = 2√ p .
2m r2 E − Ve (r)
rmin
l 2
Dado que Ve (r) é sempre da forma V (r) + 2mr 2 , o ângulo de scattering dá-nos informação
sobre a forma de um potencial desconhecido V (r).
Voltando às órbitas de energia negativa, chamadas estados ligados, podemos também
usar a equação (2.23) para obter a equação que nos dá a variação da coordenada θ entre
duas passagens consecutivas pelo pericentro e pelo apocentro:
rZmax
2l dr
∆θ = √ p .
2m r2 E − Ve (r)
rmin
Lema 2.18 (fórmula de Binet). Consideremos um movimento central, que verifica a lei
dA
das áreas dE = 12 r2 θ̇ = 2m
l
= c, e seja r(θ) a equação da órbita. Então, a aceleração radial
ar é dada por
4c2 d2 1
1
ar = − 2 + .
r dθ2 r r
Capı́tulo 2. O problema de Kepler e a dinâmica do corpo rı́gido 45
d2 4c2 d2 1
dṙ 1
r̈ = θ̇ = −2cθ̇ 2 =− 2 .
dθ dθ r r dθ2 r
Por outro lado, da proposição 2.17 temos
Vamos usar este lema para demonstrar o seguinte resultado, que nos dá a equação das
órbitas para o potencial kepleriano e contém como caso particular a primeira lei de Kepler:
Proposição 2.19. Para o movimento central com energia potencial de tipo kepleriano
V (r) = −k/r, k > 0, as órbitas são cónicas com um foco na origem, que é o centro de
forças, de equação
p
r(θ) = ,
1 + e cos(θ − θ0 )
com parâmetro p e excentricidade e dados por
r
l2 2El2
p= , e= 1+ ,
mk mk 2
onde l é o momento angular e E a energia da órbita. Portanto, as órbitas são elipses
(respectivamente parábolas, e hipérboles) quando E < 0 (respectivamente E = 0, e E > 0).
Demonstração. Neste caso, a lei de Newton escreve-se mar = − rk2 onde ar é a componente
radial da aceleração (que coincide neste caso com a aceleração dado que aθ = 0). Usando
a fórmula de Binet, temos
d2 1 4mc2 4m l2 l2
1 1
+ = , p = = · = ,
dθ2 r r p k k 4m2 km
onde 0 denota dθ d
, que é a equação do oscilador harmónico com forçamento constante. A
solução geral é então
1 1 + Ap cos(θ − θ0 )
u(θ) = + A cos(θ − θ0 ) = .
p p
constantes l e E. Para isso, basta ver que o pericentro rmin , correspondente simultaneamente
p
ao valor 1+e é a solução da equação E = Ve (r). Esta última equação escreve-se
l2 k
2
− −E =0
2mr r
e, vista como equação em 1/r, tem uma única solução positiva
q
2
1 1 + 1 + 2El
mk2
= l2
.
r
km
1 1+e l2
O resultado segue comparando esta expressão com r = p , tendo em conta que p = mk .
Proposição 2.20. Em virtude das leis de Kepler, a aceleração de qualquer planeta está
sempre dirigida para o Sol, e é inversamente proporcional ao quadrado da distância do
planeta ao Sol. Mais precisamente,
Γ
~a = ar ẽr = − ẽr ,
r2
onde Γ > 0 não depende do planeta e é dada por
a3
Γ = 4π 2 ,
T2
onde a é o semieixo maior da órbita, e T é o perı́odo.
Demonstração. Como já vimos, a primeira e a segunda leis de Kepler implicam que o
momento angular é constante em direcção e módulo, e portanto o campo de forças é central.
Para determinar a intensidade da força que se exerce em cada ponto, vamos recorrer outra
vez à fórmula de Binet
4c2 d2 1
1
ar = − 2 +
r dθ2 r r
usando também o facto de, de acordo com a primeira lei de Kepler, a equação da órbita ser
p
da forma r(θ) = 1+e cos(θ−θ0)
, ou seja,
d2
1 1 + e cos(θ − θ0 ) 1 e 1 1
(θ) = =⇒ = − cos(θ − θ0 ) = − (θ) + .
r p dθ2 r p r p
4c2 1
ar = − ,
p r2
ou seja, o módulo da aceleração de cada planeta é inversamente proporcional ao quadrado
da distância ao Sol. Falta apenas verificar que a constante de proporcionalidade, 4c2 /p, é
a mesma para todos os planetas. Pela segunda lei, a velocidade aureolar c = πab T de modo
que
4c2 4π 2 a2 b2 2a
3
= = 4π =Γ,
p T 2p T2
onda a última igualdade decorre da terceira lei de Kepler.
A lei da gravitação tal como a enunciamos na proposição 2.20 resulta pois das leis de
Kepler, desde que se assuma que a relação F~ = m~a vale também para o movimento dos
planetas. O último passo é o de dizer que Γ é proporcional à massa do Sol. Por um
lado, é natural atribuir ao Sol a ‘causa’ do campo de forças em que se movem os planetas.
Nessa óptica, o movimento dos corpos à superfı́cie terrestre é uma manifestação do campo
gravı́tico terrestre, como o é, também, o movimento da Lua em torno da Terra. Em con-
sequência do campo gravı́tico terrestre, o Sol será actuado por uma força f~S = −γ M
r2
, onde
γ é caracterı́stico desse campo como Γ o é do campo do Sol, e o princı́pio da igualdade
entre acção e reacção implica γ(m)M = Γ(M )m, e portanto γ(m)M = Γ(M )m = GmM .
48 2.2. Movimento sob uma força central. Problemas de Kepler e de dois corpos
m22 ˙ 2 m21 ˙ 2 m1 m2 ˙ 2 m2 m1
m1 (~v10 )2 + m2 (~v20 )2 = m1 ~
r + m2 ~r = ~r + = µ~r˙ 2 ,
m2 m2 m m m
de modo que o segundo termo do segundo membro de (2.24) coincide de facto com a energia
cinética do movimento em relação ao centro de massa.
Capı́tulo 2. O problema de Kepler e a dinâmica do corpo rı́gido 49
Voltando ao problema do sistema solar, de que maneira é que se devem modificar as leis
de Kepler se quisermos remover a suposição, desnecessária, de o Sol se encontrar fixo? As
equações do movimento sem esta aproximação são, como vimos,
m1 m2 (m1 + m2 )
µ~r¨ = F~12 = −G 3 ~r ⇔ ~r¨ = −G ~r ,
r r3
em vez de ~r¨ = −G MS3 ~r . Portanto, devemos substituir a massa do Sol pela massa total
r
MSol + mplaneta . Esta alteração, ainda que não afecte o enunciado da primeira lei e da
segunda lei, introduz uma correcção na terceira lei: a ‘constante’ de proporcionalidade Γ
4π 2 4π 2 1
entre T 2 e a3 não é dada por GM mas sim por GM ( 1+m/M ), de modo que depende de facto,
ainda que ligeiramente, do planeta considerado.
Demonstração.
n
X n
X
~ =
L mi~ri ∧ ~vi = mi~ri ∧ (~
ω ∧ ~ri ) = I~
ω.
i=1 i=1
Proposição 2.23. A energia cinética T de um corpo rı́gido com um ponto fixo O verifica
1~ 1
T = L ·ω ω·ω
~ = I~ ~ ,
2 2
Comparando as duas expressões que obtivemos para a energia cinética é possı́vel rela-
cionar o momento de inércia em relação a um eixo com o operador de inércia. De facto,
das proposições 2.21 e 2.23 temos
~ 2 = Iω · ω
Iω~ ω ⇔ Iω~ = Iẽ · ẽ , (2.25)
onde ẽ é o versor de ω
~.
Capı́tulo 2. O problema de Kepler e a dinâmica do corpo rı́gido 51
e é óbvio por (2.25) que I é definido positivo desde que o corpo tenha pelo menos três pontos
não colineares, dado que nesse caso Iω > 0 qualquer que seja o eixo escolhido. Dadas estas
propriedades do operador I, a superfı́cie em R3 definida por
I~x · ~x = 1
Proposição 2.24. Numa determinada base ortonormada (O, ẽ1 , ẽ2 , ẽ3 ) o operador de inér-
cia é representado pela matriz
Ixx Ixy Ixz
I = Iyx
Iyy Iyz ,
Izx Izy Izz
onde
n
X n
X n
X
Ixx = Iẽ1 = mi (yi2 + zi2 ) , Iyy = Iẽ2 = mi (x2i + zi2 ) , Izz = Iẽ3 = mi (x2i + yi2 )
i=1 i=1 i=1
são os momentos de inércia em relação ao eixo dos xx, dos yy e dos zz, e os termos não
diagonais, chamados produtos de inércia, são dados por
n
X n
X n
X
Ixy = − mi xi yi , Ixz = − mi xi zi , Iyz = − mi yi zi ,
i=1 i=1 i=1
Como o operador de inércia é sempre diagonalizável, existe uma base na qual assume a
forma mais simples
I1 0 0
I = 0 I2 0 .
0 0 I3
Os elementos de diagonal chamam-se então momentos principais de inércia, e os eixos
coordenados dessa base chamam-se eixos principais de inércia. Nestas coordenadas, o
elipsóide de inércia tem a equação I1 x2 + I2 y 2 + I3 z 2 = 1, que é a forma normal para a
equação geral. Ainda na base principal de inércia, as expressões para o momento angular e
para a energia cinética dadas pelas proposições 2.22 e 2.23 simplificam-se e tem-se apenas
3 3
~ =
X 1X
L Ij ωj ẽj , T = Ij ωj2 .
2
j=1 j=1
Note-se que, em geral, L ~ eω~ não são paralelos. Só o serão se ω~ for vector próprio de
I, i.e., se o eixo de rotação for um eixo principal de inércia. Suponhamos então que um
corpo rı́gido roda com velocidade angular constante em torno de um eixo fixo que não é
eixo principal de inércia. Consideremos um referencial ligado ao corpo com eixo dos zz
coincidente com o eixo de rotação. Neste referencial, ω ~ e I são constantes, e portanto L ~
também é constante. Logo, num referencial fixo, ω ~ é constante mas L ~ não é constante, dado
que à medida que o corpo se move o operador I varia. Portanto, pelo menos no caso em
que o eixo de rotação não é eixo principal de inércia, é necessário um momento de forças
aplicadas não nulo para produzir uma rotação com velocidade angular constante!
onde ~ri (e respectivamente ~ri0 ) denota a posição da i-ésima partı́cula em relação ao ponto O
(respectivamente em relação ao centro de massa). Substituindo ~ri = ~ri 0 + ~rcm na expressão
de IO ~u vem
n
X n
X
0
IO ~u = mi~rcm ∧ (~u ∧ ~ri ) + mi~ri 0 ∧ (~u ∧ ~rcm ) + Icm + Icm
O
=
i=1 i=1
n
X n
X
0
cm
= Icm + IO + ~rcm ∧ ~u ∧ mi~ri + mi~ri 0 ∧ (~u ∧ ~rcm ) = Icm + Icm
O
.
|i=1 {z } |i=1 {z }
=0 =0
Em geral, o problema de achar os eixos principais de inércia, isto é, o sistema de coor-
denadas nas quais a descrição da dinâmica de um corpo rı́gido com um ponto fixo é a mais
simples possı́vel, é equivalente ao problema de diagonalizar uma matriz simétrica 3 × 3.
No caso particular de distribuições de massa simétricas, como por exemplo as de corpos
homogéneos e com certas simetrias, podemos deduzir facilmente certas regras que tornam
o problema ainda mais simples. Em primeiro lugar, um eixo de simetria de ordem 2 ou
superior é eixo principal de inércia; em segundo lugar, um eixo de simetria de ordem 4 ou
superior é eixo principal de inércia e quaisquer dois outros eixos perpendiculares a esse e
perpendiculares entre si formam juntamente com o primeiro um sistema de eixos principais
de inércia. A maneira mais simples de entender estas afirmações é pensar no elipsóide de
inércia, em vez de pensar na descrição de massa que é, em certo sentido, a sua dual. É
óbvio que as únicas rectas que são eixos de simetria de ordem dois para o elipsóide são os
eixos principais de inércia. É também óbvio que se uma recta é o eixo de simetria de ordem
4 ou superior, então o elipsóide é de revolução, e portanto qualquer triedro centrado na
origem que tenha aquela recta como eixo dos zz é um triedo principal de inércia.
Estas considerações de simetria são úteis para encontrar ‘a priori’ um sistema de eixos
principais de inércia centrado no centro de massa, dado que qualquer eixo de simetria de
um corpo homogéneo passa pelo centro de massa. Trabalhando nas coordenadas associadas
a este sistema de eixos, o operador de inércia Icm é diagonal.
No movimento de um corpo rı́gido, as distâncias entre os pontos estão fixas. Vejamos
que isso implica que se trata de um problema com seis graus de liberdade. Claramente,
há três graus de liberdade associados à posição de um ponto do corpo escolhido à partida,
por exemplo o centro de massa. Vejamos que há três graus de liberdade associados ao
movimento de um corpo rı́gido com um ponto fixo. Podemos olhar para este problema
de um ponto de vista algébrico. De facto, conhecer a posição do corpo é equivalente a
conhecer os versores ẽ1 , ẽ2 , ẽ3 de uma base ortonormada solidária com o corpo, em termos
dos versores ẽ∗1 , ẽ∗2 , ẽ∗3 de uma base ortonormada fixa, onde ambas as bases se consideram
com origem no ponto escolhido (trata-se, por outras palavras, de um movimento rı́gido sem
translacção). Como já vimos, isto é equivalente a conhecer o elemento R ∈ SO(3) que é a
54 2.3. Dinâmica do corpo rı́gido
matriz de rotação que leva a base ẽ∗1 , ẽ∗2 , ẽ∗3 à base ẽ1 , ẽ2 , ẽ3 . Portanto, a cada R ∈ SO(3)
corresponde uma posição possı́vel, e, reciprocamente, a cada posição corresponde uma
matriz R ∈ SO(3). Por outro lado, uma matriz 3 × 3 tem nove graus de liberdade, mas uma
matriz de rotação está sujeita à condição R> R = 1, que são por sua vez nove condições. No
entanto, apenas seis destas nove condições são independentes, dado que ambos os membros
daquela equação matricial são matrizes simétricas. Logo, o número de graus de liberdade
é 9 − 6 = 3. Podemos também olhar para este problema doutro ponto de vista, que para
alguns pode ser mais intuitivo. Consideremos um segundo ponto do corpo rı́gido. Como
a distância desse ponto ao ponto fixo escolhido à partida está também fixa, este segundo
ponto pode apenas mover-se sobre a superfı́cie de uma esfera, isto é, tem associados dois
graus de liberdade. Uma vez escolhida a posição deste segundo ponto, temos definida a
posição de um eixo do corpo, e apenas resta um grau de liberdade associado às rotações
em torno deste eixo.
Dado que o movimento do corpo rı́gido tem seis graus de liberdade, as equações do
movimento para sistemas de partı́culas dadas pela proposição 2.7,
d~
p ~
dL
~ ,
=R P ~ ,
=N P
dt dt
que são seis equações escalares independentes, determinam completamente o movimento.
Em face disto, tem sentido definir como equivalentes dois sistemas de forças e respectivos
pontos de aplicação
R ~0 ,
~ =R ~ =N
N ~0 =⇒ ~ =N
N ~0 ,
O O P P
Análogamente,
~0 = N
N ~ 0 + (~r − ~r ) ∧ R
~0 ,
P O O P
e o resultado segue.
É agora muito fácil demonstrar o seguinte resultado clássico:
Como exemplo de aplicação, vejamos que o sistema formado pelos pesos F~i = −mi gẽ3
das partı́culas que formam um corpo rı́gido é equivalente ao peso total −mgẽ3 (a resultante)
aplicado no centro de massa. Como a resultante é a mesma, basta verificar que o momento
dos dois sistemas em relação a um ponto O arbitrário é o mesmo. Ora
n n
!
X X
N~ = (~ri − ~r ) ∧ (−mi gẽ3 ) = − mi (~ri − ~r ) ∧ (gẽ3 ) =
O O O
i=1 i=1
~0 .
= −(m~rcm − m~rO ) ∧ gẽ3 = (~rcm − ~rO ) ∧ (−mgẽ3 ) = N O
Vamos agora aplicar este formalismo ao estudo dos dois casos mais simples: movimento
de um corpo rı́gido com um eixo fixo, e movimento livre de um corpo rı́gido com um ponto
fixo.
Consideremos então o caso de um corpo rı́gido com um eixo fixo. É evidente, reportando-
nos por exemplo à discussão que se fez antes sobre o número de graus de liberdade de um
corpo rı́gido com um ponto fixo, que este movimento tem apenas um grau de liberdade,
associado a um ângulo no plano perpendicular ao eixo fixo. Seja este eixo o eixo dos xx
do nosso referencial fixo no corpo; então, a velocidade angular instantânea será sempre da
forma ω~ = ωẽ1 . Se o eixo fixo puder ser escolhido como eixo principal de inércia, então
~ = I~
L ω ⇒ ~ = Ie ωẽ1 ,
L
onde Ie é o momento de inércia do corpo em relação ao eixo fixo. Para um corpo livre
~ ~ escreve-se na forma bem conhecida
nestas condições, a equação fundamental ddtL = N
L = Ie ω = constante .
O caso em que o corpo está sujeito à acção do seu próprio peso, chamado problema do
pêndulo composto, é mais interessante. Como já vimos, o peso do corpo pode ser substituı́do
56 2.3. Dinâmica do corpo rı́gido
pelo sistema equivalente formado pelo peso total −mgẽ3 com ponto de aplicação no centro
de massa. Portanto, a resultante do momento segundo o eixo dos xx é
~ = −mglcm sin θẽ1 ,
N
onde ~rcm = lcm sin θẽ2 + lcm cos θẽ3 é a posição do centro de massa do corpo em relação
a um determinado ponto O0 sobre o eixo fixo. Por outras palavras, lcm sin θ é a distância
orientada entre o centro de massa e o eixo, e θ é contado a partir do semieixo negativo do
~ ~ escreve-se como
eixo dos zz. A equação fundamental ddtL = N
I1 ω̇ + mglcm sin θ = 0 ,
ou seja,
mglcm
θ̈ +
sin θ = 0 ,
I1
onde I1 é o momento de inércia em relação ao eixo fixo, que coincide com o eixo dos xx.
Este problema é portanto equivalente ao de um pêndulo de massa igual à massa total e
comprimento mlIcm1
. Chama-se a esta última quantidade o comprimento reduzido do pêndulo
composto.
Note-se que em ambos os casos que acabámos de ver as equações que obtivemos são
independentes, como teriam de ser, do ponto O arbitrário escolhido à partida sobre o eixo
fixo, dado que o elemento I11 = Ie do operador de inércia não depende do ponto escolhido
sobre o eixo para origem do referencial. Note-se também que tomámos como resultante do
momento a componente da resultante segundo o eixo dos xx, uma vez que este eixo está
fixo e portanto a componente do momento do peso segundo o eixo dos yy é equilibrada pelo
momento das forças de ligação.
Consideremos agora o problema mais complicado do movimento de um corpo rı́gido com
um ponto fixo, que tem como já vimos três graus de liberdade, em vez de termos um grau
de liberdade como acontece no caso de haver todo um eixo fixo. Suponhamos escolhida
à partida um sistema de eixos principais de inércia centrados no ponto fixo O, e que se
move solidário com o corpo, de modo que o operador de inércia nestas variáveis é diagonal
e constante. Temos então
X3
~ =
L Ij ωj ẽj
i=1
~ ~ fica, tendo em conta a fórmula de Poisson para as
e a equação fundamental ddtL = N
˙ ~ ∧ ~ei ,
derivadas dos versores, ~ei = ω
3
X 3
X 3
X 3
X
~ =
N Ij ω̇j ẽj + ω ∧ ẽj ) =
Ij ωj (~ Ij ω̇j ẽj + Ij ωj ωi (ẽi ∧ ẽj ) ,
j=1 j=1 j=1 i,j=1
ou seja,
I1 ω̇1 − (I2 − I3 )ω2 ω3 = N1
I2 ω̇2 − (I3 − I1 )ω1 ω3 = N2 ,
I3 ω̇3 − (I1 − I2 )ω1 ω2 = N3
equações que se conhecem como as equações de Euler para o movimento do corpo rı́gido.
Consideremos o caso mais simples do movimento do corpo livre, em que as equações tomam
Capı́tulo 2. O problema de Kepler e a dinâmica do corpo rı́gido 57
L~ ·ω
~ 2E
cos α = = ,
~
kLk · k~
ωk ~
kLk · k~
ωk
ou seja, pode expressar-se em termos de constantes do movimento, e portanto é constante.
~ e ẽ3 verifica
O ângulo β entre L
~ · ẽ3
L I3 ω3
cos β = =
~
kLk ~
kLk
e também é constante.
58 2.3. Dinâmica do corpo rı́gido
~ = ω 0 ẽL + ω 00 ẽ3 ,
ω
Figura 2.4: Representação da projecção segundo o plano definido por dois eixos principais
de inércia do plano Π e das duas direcções relevantes, a de ω ~ Ver demonstração
~ e a de L.
da proposição 2.30.
Proposição 2.30. O elipsóide de inércia roda sem deslizar sobre um plano fixo perpendi-
cular ao momento angular L.~
~
~ = 2I1 ξ1 ẽ1 + 2I2 ξ2 ẽ2 + 2I3 ξ3 ẽ3 = ± √2L .
grad (I~x · ~x)(ξ)
2E
Finalmente, há que ver que a distância de Π ao ponto fixo é constante. Essa distância é
dada por √
~
L ω
~ · ~
L 2E
ξ~ · = ±√ =± = constante .
~
kLk 2EkLk~ ~
kLk
nutação, é o ângulo formado pelos eixos de ẽ3 e de ẽ∗3 ; ϕ, o ângulo de precessão, é o ângulo
formado pelo versor ẽ∗1 com a direcção da linha dos nodos, que é a intersecção orientada do
plano por ẽ1 e ẽ2 com o plano gerado por ẽ∗1 e ẽ∗2 ; ψ, o ângulo de rotação própria, é o ângulo
formado pelo versor da linha dos nodos em ~e1 . A escolha da orientação sobre a linha dos
nodos é dada pela seguinte regra: o versor ẽ3 obtém-se a partir de ẽ∗3 rodando em torno
da linha dos nodos de um ângulo θ ∈ [0, π). Uma posição final caracterizada por certos
valores (ϕ, θ, ψ) dos ângulos de Euler pode obter-se a partir da posição inicial fazendo as
seguintes três operações: primeiro, rodar de ϕ em torno de ẽ∗3 até ẽ1 coincidir com o versor
~n da linha dos nodos; depois, rodar de θ em torno da linha dos nodos para levar ẽ3 à sua
posição final; por último, rodar de ψ em torno de ẽ3 para levar e1 da lina dos nodos até à
posição final.
Estas coordenadas, ϕ ∈ [0, 2π), θ ∈ [0, π), ψ ∈ [0, 2π) são as que se tomam habitual-
mente para estudar a dinâmica do corpo rı́gido. Comprovar que são boas coordenadas é
equivalente a mostrar que a estas coordenadas estão associadas Rϕ , Rθ , Rψ , matrizes de
rotação com a propriedade de qualquer elemento de SO(3) se poder escrever sob a forma de
um produto Rϕ Rθ Rψ . Esta questão será abordada nas aulas teórico-práticas. Por agora
vamos tomar a construção que fizemos como prova suficiente.
Uma vez feita a escolha de coordenadas, é necessário exprimir as equações de Euler em
termos dessas coordenadas. Como os momentos de inércia são constantes, e as componentes
da resultante do momento dependem do problema concreto que estivemos a considerar, a
escrita explı́cita das equações de Euler depende apenas de conhecer as componentes da
velocidade angular instantânea em termos dos ângulos de Euler.
Este lema permite, para além de transformar as equações de Euler num sistema de três
equações diferenciais de segunda ordem nas coordenadas ϕ, θ, ψ, passo prévio para qualquer
3
tentativa de integração, obter também uma expressão da energia cinética T = 12
P
Ii ωi
i=1
em termos dos ângulos de Euler e das velocidades associadas. Em particular, no caso
giroscópico, introduzindo as equações do lema 2.31 na expressão da energia cinética vem
I1 2 2 I3
T = (ϕ̇ sin θ + θ̇2 ) + (ϕ̇ cos θ + ψ̇)2 . (2.27)
2 2
Mais adiante utilizaremos estes resultados para o estudo do pião de Lagrange.
2.4 Problemas
Série III
1. (a) Verifique que o momento angular calculado em relação a um ponto O, L ~ O, e o
0
momento angular calculado em relação a um ponto O , L ~ O0 estão relacionados
~ ~
por LO0 = LO + (~rO − ~rO0 ) ∧ p~.
(b) Verifique que os componentes do momento angular de uma partı́cula em relação
à origem são Lx = m(y ż − z ẏ), Ly = m(z ẋ − xż) e Lz = m(xẏ − y ẋ).
5. No movimento sob a acção de uma força central e com simetria esférica descrito em
coordenadas polares, a variação da coordenada angular, ∆θ, que ocorre entre dois
extremos sucessivos e da mesma natureza da coordenada radial r, é dada por
rZmax
2l dr
∆θ = √ p ,
2m r2 E − Ve (r)
rmin
7. Estude o movimento de dois pontos materiais sujeitos à acção do seu peso e a forças
de interacção de tipo elástico.
9. O desvio para leste da trajectória dos corpos em queda livre próximo da superfı́cie
terrestre é uma das demonstrações experimentais da rotação da Terra. Utilize um
método perturbativo para achar um valor aproximado para esse desvio, a menos de
termos de segunda ordem na velocidade angular da Terra ω.
10. Use o programa orbiter e o programa colision para obter órbitas keplerianas de
energia negativa e positiva, respectivamente, e observe como a forma da órbita de-
pende dos parâmetros. Use também o programa orbiter para detectar a dependência
sensı́vel nas condições iniciais para problemas gravı́ticos de 3 ou mais corpos, seguindo
as indicações do exercı́cio 4.5 do cupscm e usando a opção ‘reverse time’.
11. Use o programa colision para analisar o movimento sob a acção de um potencial
coulombiano repulsivo, com e sem ‘blindagem’. Compare com as conclusões do exer-
cı́cio 6 desta série.
Capı́tulo 3
As equações de Lagrange e de
Hamilton
onde Fr e Fθ são as componentes da força aplicada segundo os versores ẽr e ẽθ tangentes
em cada ponto às linhas coordenadas.
A generalização deste procedimento a uma mudança de coordenadas arbitrária é ime-
diata. Se tivermos uma mudança de coordenadas m dada por uma função (diferenciável e
com inversa diferenciável)
m : U ∈ R3 −→ V ∈ R3
(q1 , q2 , q3 ) 7−→ (x(q1 , q2 , q3 ), y( q1 , q2 , q3 ), z(q1 , q2 , q3 ))
63
64 3.1. Introdução. Sistemas com ligações
as direcções dos versores tangentes em cada ponto às linhas coordenadas qi = constante, i =
1, 2, 3, são dadas pelos três vectores
∂~r ∂x ∂y ∂z
= ẽ1 + ẽ2 + ẽ3 , i = 1, 2, 3 ,
∂qi ∂qi ∂qi ∂qi
que são em cada ponto linearmente independentes dado que por hipótese a matriz jacobiana
da função m tem determinante diferente de zero. A equação F~ = m~a decompõem-se em
três equações escalares que são, nestas coordenadas,
∂~r
(m~a − F~ ) · =0, i = 1, 2, 3 . (3.1)
∂qi
~r = ~r(q1 , q2 ) , (q1 , q2 ) ∈ U ∈ R .
Os vectores
∂~r ∂x ∂y ∂z
= ẽ1 + ẽ2 + ẽ3 , i = 1, 2 ,
∂qi ∂qi ∂qi ∂qi
onde as derivadas que são calculadas no valor de (q1 , q2 ) que correspondem ao ponto P
são dois vectores linearmente independentes que geram o plano tangente a S em P . Para
Capı́tulo 3. As equações de Lagrange e de Hamilton 65
comprovar que assim é, basta ter em conta a condição f (x(q1 , q2 ), y(q1 , q2 ), z(q1 , q2 )) ≡ 0
implica ∂~r
grad f · ∂q 1
=0
,
grad f · ∂~r = 0
∂q2
sistema homogéneo de duas equações a três incógnitas que tem que ter por solução um
subespaço de dimensão 1 de R3 , dado que grad f 6= 0 em S e a normal a S está bem
definida em cada ponto.
Definimos então
∂~r
~ui = , i = 1, 2 ,
∂qi
um vector arbitrário do plano tangente a S em P , que denotaremos por TP S, pode escrever-
-se como combinação linear de ~u1 e ~u2 . Usando a notação clássica δ~r para os vectores de
TP S, e δqi , i = 1, 2, para as suas componentes segundo a base formada pelos vectores
~u1 , ~u2 , temos que qualquer vector δ~r se escreve na forma
∂~r ∂~r
δ~r = δq1 ~u1 + δq2 ~u2 = δq1 + δq2 .
∂q1 ∂q2
que definem nesta região (sem o equador!) uma função diferenciável à qual está associada
a matriz jacobiana
√ −x
∂(x, y, z) 1 0
R2 −x2 −y 2
= −y ,
∂(x, y) 0 1 √
2 2 2
R −x −y
que tem ordem 2. Uma outra escolha possı́vel corresponde às coordenadas esféricas (r, θ, ϕ),
com r = R. Nesse caso,
que tem ordem 2 excepto quando θ = ±π. Esta escolha de coordenadas é geralmente
preferida porque como se vê apenas exclui dois pontos da esfera, enquanto que a escolha
anterior só permite trabalhar num hemisfério.1
O caso de um ponto sujeito a mover-se sobre uma curva regular, isto é, um subconjunto
de R3 definido implı́citamente pelo conjunto das duas condições f (x, y, z) = 0, g(x, y, z) = 0,
onde f e g são funções diferenciáveis cujos gradientes são linearmente independentes, trata-
-se de maneira similar, com a diferença de que neste caso o número de coordenadas gene-
ralizadas é apenas 1.
1
Tratar toda a esfera com coordenadas deste tipo exigiria uma famı́lia de seis conjuntos de coordenadas
locais, e mesmo para ter uma boa parametrização da esfera menos dois pontos seriam necessários pelo menos
quatro conjuntos de coordenadas, enquanto que em coordenadas esféricas isso se consegue com apenas um
conjunto.
Capı́tulo 3. As equações de Lagrange e de Hamilton 67
É uma imediata generalização do que se viu nos exemplos precedentes que a existência
de r ligações holónomas tal como se acabam de definir implica as seguintes consequências:
1. O conjunto das configurações acessı́veis forma, para cada t, uma hipersuperfı́cie re-
gular de R3N , que denotaremos por Q e chamaremos espaço das configurações.
N
X
~ i · δ~ri = 0
Φ (3.3)
i=1
para uma escolha arbitrária de deslocamentos virtuais δ~r1 , . . . , δ~rN . Por outras palavras,
exige-se que o dispositivo fı́sico que realiza a ligação seja tal que o ‘trabalho virtual’, isto
é, a expressão (3.3), associado a um conjunto de deslocamentos virtuais arbitrários seja
nulo. Em termos fı́sicos, esta condição geométrica corresponde a exigir que as superfı́cies
sobre as quais as partı́culas estão sujeitas a mover-se são completamente lisas — pense-se
68 3.1. Introdução. Sistemas com ligações
por exemplo no caso de uma partı́cula que se move sobre um aro circular, ideal ou rugoso.
Introduzindo em (3.3) a forma geral de um deslocamento virtural temos
N n n N
!
X
~i ·
X ∂~
r i
X X
~i · ∂~
r i
Φ δqj = Φ δqj = 0
∂qj ∂qj
i=1 j=1 j=1 i=1
N
~ i · ∂~ri = 0 ,
X
Φ j = 1, . . . , n . (3.4)
∂qj
i=1
N
X
~ i · ~v ∗ = 0 ,
Φ ∀ ~v1∗ , . . . , ~vN
∗
, (3.5)
i
i=1
ou seja, uma ligação é ideal se a potência virtual das forças de ligação se anula para qualquer
conjunto de velocidades virtuais.
Note-se que no caso de ligações independentes do tempo, o trabalho virtual das forças de
ligação coincide com o trabalho elementar realizado por essas forças num deslocamento real,
mas que isso deixa de ser verdade no caso de ligações que dependem do tempo. A diferença
diz respeito ao termo ∂~ ri
∂t dt em d~ri , que não intervém em δ~ri . Pense-se por exemplo no caso
de um ponto material sujeito a deslocar-se sobre a superfı́cie de uma esfera que se desloca,
por exemplo segundo a vertical, com velocidade constante. Se as forças de ligação forem
em cada ponto normais à superfı́cie da esfera, então a ligação é ideal e o trabalho virtual
das forças de ligação é nulo. No entanto, o trabalho elementar realizado por essas forças
num deslocamento infinitésimal a partir, por exemplo, do polo norte da esfera é claramente
diferente de zero.
Vejamos alguns exemplos de ligações holónomas ideais. O exemplo mais claro é o de
um ou mais pontos sujeitos a moverem-se sobre uma superfı́cie ou curva lisa, para a qual
se supõe que as forças de ligação são normais à superfı́cie ou curva. Outro caso importante
é o das forças de ligação do corpo rı́gido, responsáveis por manter constantes as distâncias
entre dois pontos arbitrários, e que se supõe que são forças de interacção de tipo clássico,
isto é, verificam o princı́pio de igualdade entre a acção e a reacção e são centrais. De
Capı́tulo 3. As equações de Lagrange e de Hamilton 69
d
r1 − ~r2 )2
dt (~ = 0 temos (~r1 − ~r2 ) · (~v1 − ~v2 ) = 0 para qualquer par de pontos. Por outro lado,
a potência virtual Π∗ das forças de ligação associadas a este par de partı́culas é
Π∗ = Φ
~ 1 · ~v1 + Φ
~ 2 · ~v2 = Φ
~ 1 (~v1 − ~v2 ) = c(~r1 − ~r2 ) · (~v1 − ~v2 ) = 0 .
Note-se neste caso a importância de facto de nas condições (3.3), (3.4) ou (3.5) se exigir
apenas que se anule a soma das contribuições de cada partı́cula para o trabalho virtual ou
para a potência virtual, e não que seja nulo cada um dos termos.
Antes de terminar esta secção, façamos uma referência às ligações não holónomas, que
ficarão excluı́das do formalismo que vamos desenvolver a partir de agora. Uma ligação
holónoma F (w, ~ t) = 0 pode também exprimir-se na forma diferencial
As equações paramétricas associadas a um sistema holónomo arbitrário, ~ri = ~ri (q1 , ..., qn , t),
i = 1, . . . , N permitem exprimir também em termos das coordenadas e das velocidades
generalizadas as velocidade ~vi , i = 1, . . . , N de cada uma das partı́culas do sistema, dado
que
n
d X ∂~ri ∂~ri
~vi (~q, ~q˙, t) = ~ri (~q, t) = (~q, t) · q̇j + (~q, t) . (3.7)
dt ∂qj ∂t
j=1
A equação (3.7) permite-nos exprimir a energia cinética do sistema em termos das coorde-
nadas generalizadas.
70 3.2. As equações de Lagrange
n n
1 X 1 X
T0 = c(~q, t) , T1 = bj (~q, t)q̇j , T2 = ajk (~q, t)q̇j q̇k ,
2 2
j=1 j,k=1
N N N
X ∂~ri ∂~ri X ∂~ri ∂~ri X ∂~ri ∂~ri
ajk = mi · , bj = mi · , c= mi · .
∂qj ∂qk ∂qj ∂t ∂t ∂t
i=1 i=1 i=1
Chama-se matriz cinética à matriz dos coeficientes ajk . Em consequência das pro-
priedades que acabámos de demonstrar, a matriz cinética é não singular, e portanto in-
vertı́vel, e diagonalizável. No caso particular das ligações independentes do tempo, a ener-
gia cinética T̃ (que a partir de agora denotaremos também por T ) coincide com T2 e é
portanto uma forma quadrática homogénea definida positiva.
são em número igual à dimensão do espaço ambiente, isto é, 3. As equações paramétricas
neste caso são
~r(r, ϕ, θ) = r sin θ cos ϕẽ1 + r sin θ sin ϕẽ2 + r cos θẽ3
e temos
1
T = m(ẋ2 + ẏ 2 + ż 2 ) =
2
m m
= (ṙ sin θ cos ϕ + rθ̇ cos θ cos ϕ − rϕ̇ sin θ sin ϕ)2 + (ṙ sin θ sin ϕ + rθ̇ cos θ sin ϕ +
2 2
2 m 2
+rϕ̇ sin θ cos ϕ) + (ṙ cos θ − rθ̇ sin θ) =
2
mh 2
= ṙ (sin θ cos ϕ + sin2 θ sin2 ϕ + cos2 θ) + r2 θ̇2 (cos2 θ cos2 ϕ+cos2 θ sin2 ϕ+sin2 θ)+
2 2
2
+ r2 ϕ̇2 (sin2 θ sin2 ϕ + sin2 θ cos2 ϕ) + 2rṙθ̇ sinθ cosθ cos2 ϕ − 2rṙϕ̇ sin2 θ cosϕ sinθ −
− 2r2 θ̇ϕ̇ sin θ cos θ cos ϕ sin ϕ + 2rṙθ̇ cos θ sin2 ϕ + 2rṙϕ̇ sin2 θ sin ϕ cos ϕ +
i
+ 2r2 θ̇ϕ̇ cos θ sin θ cos ϕ sin ϕ − 2rṙθ̇ cos θ sin θ =
m 2
= (ṙ + r2 θ̇2 + r2 ϕ̇2 sin2 θ) .
2
Neste caso, a matriz cinética é já diagonal, com diag([ajk ]) = (1, r2 , r2 sin2 θ).
Tal como fizémos para a energia cinética, vamos continuar a denotar por V a função Ṽ ,
pelo habitual abuso de notação que se comete ao identificar uma função pelo seu significado
fı́sico, sem ter em conta a forma explı́tica, que depende do conjunto de coordenadas em que
se trabalha.
Após estes preliminares, estamos em condições de deduzir as equações de Lagrange.
Partamos da equação de Newton na forma mi~ai = F~i + Φ ~ i , i = 1, . . . , N . Esta relação,
N
P~
juntamente com a condição de ligação ideal Φi · δ~ri = 0, implica
i=1
N
X
(m~ai − F~i ) · δ~ri = 0
i=1
N
X ∂~ri
(mi~ai − F~i ) · =0, j = 1, . . . , n (3.9)
∂qj
i=1
d ∂T ∂T
Vejamos como o primeiro membro se pode escrever na forma equivalente dt ( ∂ q̇j )− ∂q j
. Como
o primeiro membro de (3.10) e a energia são ambos aditivos no número de partı́culas, basta
provar a igualdade para a contribuição de cada partı́cula, ou seja, basta ver que se tem
∂~ri d ∂Ti ∂T
mi~ai · = − , j = 1, . . . , n ,
∂qj dt ∂ q̇j ∂qj
∂~
ri ∂~vi
vem ∂qj = ∂ q̇j , e
n n
!
d ∂~ri X ∂ 2~ri ∂ 2~ri ∂ X ∂~ri ∂~ri ∂~vi
= q̇k + = q̇k + = .
dt ∂qj ∂qj ∂qk ∂t∂qj ∂qj ∂qj ∂t ∂qj
k=1 k=1
Capı́tulo 3. As equações de Lagrange e de Hamilton 73
de maneira que
n
d ∂T ∂T X
− = ajk (~q, t)q̈k + gj (~q, ~q˙, t) ,
dt ∂ q̇j ∂qj
k=1
onde
n n
!
d X 1 X ∂~aik
gj (~q, ~q˙, t) = ajk (~q, t)q̇k + bj (~q, t) − q̇i q̇k −
dt 2 ∂qj
k=1 i,k=1
n n
∂bi 1 ∂c
X X
− q̇i − − ajk q̈k =
∂qj 2 ∂qj
i=1 k=1
n n
X ∂ajk 1 ∂aik X ∂bj ∂bk ∂ajk ∂bj 1 ∂c
= − q̇i q̇k + − + q̇k + −
∂qi 2 ∂qj ∂qj ∂qj ∂t ∂t 2 ∂qj
i,k=1 k=1
74 3.2. As equações de Lagrange
não depende das segundas derivadas das coordenadas generalizadas. Portanto, as equações
de Lagrange são do tipo
n
X
ajk (~q, t)q̈j + gj (~q, ~q˙, t) = Qj (~q, ~q˙, t) , j = 1, . . . , n ,
k=1
e, como a matriz cinética é invertı́vel, podem passar-se à forma normal para um sistema de
n equações diferenciais de segunda ordem,
n
X
q̈j = fj (~q, ~q˙, t) , fj (~q, ~q˙, t) = a−1
jk (Qk − gk ) , j = 1, . . . , n .
k=1
A própria dedução das equações de Lagrange deixa adivinhar uma propriedade muito
importante destas equações, que é a sua invariância com respeito a mudanças de coorde-
nadas. De facto, deduzimos as equações de Lagrange partindo de um conjunto arbitrário
de coordenadas generalizadas para um sistema holónomo, o que faz esperar que a forma
das equações seja independente do conjunto de coordenadas escolhido. De facto, tem-se o
seguinte:
Proposição 3.4. Seja um sistema lagrangeano, de lagrangeano L(~q, ~q˙, t), consideremos
uma mudança de variáveis regular e invertı́vel
∂ q̇j
qj = qj (q̃1 , . . . , q̃n , t) , j = 1, . . . , n , det 6= 0 ,
∂ q̃k
˙ ˙
e seja L̃ ~q̃, ~q̃, t = L ~q(~q̃, t), ~q˙(~q̃, ~q̃, t), t , com
n
X ∂qj ˙ ∂qj
q̇j = q˜k + ,
∂ q̃k ∂t
k=1
˙
o lagrangeano expresso nas novas coordenadas ~q̃ e nas velocidades generalizadas ~q̃. Então,
o movimento ~q̃(t) é solução das equações de Lagrange correspondentes a L̃ se e só se o
movimento ~q(t), imagem de ~q̃(t) pela mudança de variáveis, é solução das equações de
Lagrange associadas a L.
Capı́tulo 3. As equações de Lagrange e de Hamilton 75
n
P ∂qj ˙ ∂qj ∂ q̇j ∂qj
Demonstração. Da equação q̇j = ∂ q̃k q̃k + ∂t vem ∂ q̃˙i
= ∂ q̃i e
k=1
n
X ∂ 2 qj ∂ 2 qj
∂ q̇j d ∂qj
= q̃˙k + = .
∂ q̃i ∂ q̃k ∂ q̃i ∂t∂ q̃i dt ∂ q̃i
k=1
Então,
n n
∂ L̃ X ∂L ∂qk d ∂ L̃ X d ∂L ∂qk ∂L ∂ q̇k
= , = · + ,
∂ q̃˙j k=1
∂ q̇k ∂ q̃j dt ∂ q̃˙j
k=1
dt ∂ q̇k ∂ q̃j ∂ q̇k ∂ q̃j
n
∂ L̃ X ∂L ∂qk ∂L ∂ q̇k
= + ,
∂ q̃j ∂qk ∂ q̃j ∂ q̇k ∂ q̃j
k=1
e portanto
n
d ∂ L̃ ∂ L̃ X d ∂L ∂L ∂qk
− = − , j = 1, . . . , n .
dt ∂ q̃˙j ∂ q̃j dt ∂ q̇k ∂qk ∂ q̃j
k=1
Dado que o determinante ∂q ∂ q̃j 6= 0, as equações de Lagrange relativas a L̃ são verificadas
k
se e só se as equações de Lagrange relativas a L são verificadas.
Então,
n
∂2F ∂2F
d ∂L0 d ∂F X ∂
= = q̇k + = L0 ,
dt ∂ q̇j dt ∂qj ∂qk ∂qj ∂qj ∂t ∂qj
k=1
ou seja,
d ∂L0 ∂L0
− ≡0.
dt ∂ q̇j ∂qj
A forma (3.14) das equações de Lagrange vale como vimos no caso das forças aplicadas
puramente posicionais e conservativas. Suponhamos que não estamos neste caso e que
76 3.2. As equações de Lagrange
as forças aplicadas dependem da velocidade mas que existe uma função V (~q, ~q˙, t), que
generaliza o potencial, que veficica
d ∂V ∂V
Qj = − , j = 1, . . . , n .
dt ∂ q̇j ∂qj
Então, claramente, as equações (3.13) também se podem escrever na forma (3.14). Um
exemplo interessante em que se verificam estas condições e o da força de Coriolis,
F~ = 2m~q˙ ∧ ω
~ , ω
~ = constante ,
que deriva do potencial dependente da velocidade V1 (~q, ~q˙, t) = −m(~q˙ ∧ ω
~ ) · ~q. De facto, da
expressão de V1 vem imediatamente
∂V1
= −m ~q˙ ∧ ω~ .
∂qj j
de modo que
mh
L(~q, ~q˙, t) = (q̇1 cos ωt − ωq1 sin ωt − q̇2 sin ωt − ωq2 cos ωt)2 +
2 i
+ (q̇1 sin ωt + ωq1 cos ωt + q̇2 cos ωt − ωq2 sin ωt)2 + q̇32 =
m 2
= q̇ + q̇22 + q̇32 + ω 2 (q12 + q22 ) − 2(q̇1 cos ωt − ωq1 sin ωt)(q̇2 sin ωt +
2 1 i
+ ωq2 cos ωt) + 2(q̇1 sin ωt + ωq1 cos ωt)(q̇2 cos ωt − ωq2 sin ωt) =
m 2 mω 2 2
= (q̇1 + q̇22 + q̇32 ) + (q1 + q22 ) −2ω(q2 q̇1 − q1 q̇2 ) .
2 2 }| {z }
−V1
| {z } | {z
T −V2
Para finalizar esta secção, e como aplicação das equações de Lagrange, vamos tratar
o movimento do pião de Lagrange, isto é, o movimento de um corpo rı́gido axialmente
simétrico, pesado, e com um ponto fixo. As coordenadas generalizadas para este problema
são os ângulos de Euler, como vimos no capı́tulo anterior, mas agora que dispomos de uma
nova maneira de abordar os problemas mecânicos vamos tomar como ponto de partida, em
vez das equações de Euler, deduzidas no quadro do formalismo newtoniano, o lagrangeano
do sistema
I1 I3
L(θ, ϕ, ψ, θ̇, ϕ̇, ψ̇) = T − V = (θ̇2 + ϕ̇2 sin2 θ) + (ψ̇ + ϕ̇ cos θ)2 − mgl cos θ , (3.15)
2 2
onde os dois primeiros termos do segundo membro são a expressão da energia cinética em
termos dos ângulos de Euler (2.27) obtida no capı́tulo anterior, e l é a altura sobre o eixo de
simetria a que se encontra o centro de massa do corpo, de modo que mgl cos θ é a energia
potencial gravı́tica do sistema.
Da equação (3.15) e das equações de Lagrange para ϕ e ψ resultam imediatamente duas
constantes do movimento,
d ∂L ∂L ∂L
= =0 ⇒ = I1 ϕ̇ sin2 θ + I3 (ψ̇ + ϕ̇ cos θ) cos θ = constante, (3.16)
dt ∂ ϕ̇ ∂ϕ ∂ ϕ̇
d ∂L ∂L ∂L
= =0 ⇒ = I3 (ψ̇ + ϕ̇ cos θ) = constante, (3.17)
dt ∂ ψ̇ ∂ψ ∂ ψ̇
e é fácil identificar o significado fı́sico de cada uma destas integrais primeiras: (3.16) corres-
ponde à componente Lz do momento angular do sistema segundo o eixo dos zz do referencial
fixo, e (3.17) corresponde à componente L3 do momento angular do sistema segundo o eixo
dos zz do referencial solidário com o corpo. Uma maneira de comprovar estas afirmações
é, a partir das respectivas definições, escrever estas duas quantidades, Lz e L3 , em termos
dos ângulos de Euler. Outra maneira, mais elegante, é recordar o que aprendemos sobre a
relação entre simetrias e quantidades conservadas. Temos portanto
Lz = I1 ϕ̇ sin2 θ + I3 (ψ̇ + ϕ̇ cos θ) cos θ , L3 = I3 (ψ̇ + ϕ̇ cos θ) , (3.18)
duas integrais primeiras independentes para o problema, para além da energia T + V .
Usando (3.18) para exprimir ϕ̇ em termos de θ e das constantes,
Lz − L3 cos θ
ϕ̇ = , (3.19)
I1 sin2 θ
78 3.2. As equações de Lagrange
onde ajk e bj são funções de ~q e t, e [ajk ] é a matriz cinética. Portanto, para os lagrangeanos
naturais a condição de invertibilidade de (3.23) verifica-se sempre e pobemos escrevê-las na
forma
q̇j = q̇j (~q, p~, t) , j = 1, . . . , n , (3.25)
80 3.3. As equações de Hamilton
Proposição ˙
2 3.5. Consideremos um lagrangeano natural L(~q, ~q, t), ou um lagrangeano geral
com det ∂ ∂q̇i ∂Lq̇j 6= 0. Então, os sistemas
∂L
~q˙ = ∂H
p~ = ∂ q~˙ ∂~
p
e , (3.26)
p~˙ = ∂L ˙
∂~
q p~ = − ∂H
∂~
q
h i
onde H(~q, p~, t) = p~ · ~q˙ − L(~q, ~q˙, t) ˙ e ~q˙(~q, p~, t) é dada pela inversa de (3.23), são
q~=q~˙(~
q ,~
p,t)
equivalentes. Além disso, tem-se
∂H ∂L
=− .
∂t ∂t
Demonstração. Nas hipóteses da proposição, ~q˙(~q, p~, t) está bem definida e portanto H =
H(~q, p~, t) também está bem definida. Tem-se
∂L ˙ ∂L ∂L ∂L
dH = p~ · d~q˙ + ~q˙ · d~
p− d~q − dt = ~q˙ · d~
p− · d~q − dt ,
˙
∂ ~q ∂t ∂~
q ∂t
H = 2T2 + T1 − T + V = T2 − T0 + V .
No caso particular das ligações independentes do tempo, é como se viu na secção anterior:
T = T2 , T0 = 0 e temos
H =T +V ,
ou seja, o hamiltoniano de um sistema mecânico com ligações independentes do tempo
coı́ncide com a energia total do sistema. Para estes sistemas, podemos obter directamente
as equações do movimento escrevendo a energia total em termos das coordenadas ~q e p~,
ou seja, a única relação do formalismo lagrangeano de que precisamos é a definição das
coordenadas p~ dada por (3.23).
este é o procedimento natural quando pretendemos passar de uma função de certas variáveis,
por exemplo, a energia interna U (S, V ), para uma outra função de estado cujas variáveis
sejam ∂U ∂S = T e V : a energia livre F (T, V ) é a transformada de Legendre da energia interna
na entropia e F = U − T S.
Daqui é imediato deduzir que a transformação induzida no espaço de fases pela trans-
formação pontual considerada é
−1
~q = ~q(~q̃) , p~ = J> p̃~ .
De facto,
n n
∂ L̃ X ∂L ∂ q̇k X ∂qk
p̃j = = = pk ⇒ p̃~ = J> p~ .
∂ q̃˙j k=1
∂ q̇k ∂ q̃˙j
k=1
∂ q̃j
Portanto, qualquer transformação pontual, isto é, mudança de coordenadas no espaço
de configurações, se pode estender a uma mudança de coordenadas no espaço de fases que
preserva a forma das equações de Hamilton. Mais adiante estudaremos a classe mais geral
das transformações do espaço de fases que têm esta propriedade.
Suponhamos que a simetria do potencial nos leva a preferir coordenadas cilı́ndricas (r, θ, z),
com
x = r cos θ , y = r sin θ , z = z .
Substituindo ẋ = ṙ cos θ − rθ̇ sin θ, ẏ = ṙ sin θ + rθ̇ cos θ, ż = ż na expressão da energia
cinética vem
m
L(r, θ, z, ṙ, θ̇, ż) = (ṙ2 + r2 θ̇2 + ż 2 ) − V (r, θ, z) ,
2
de modo que os momentos conjugados das novas coordenadas generalizadas r, θ, z são dados
por
pr = mṙ , pθ = mr2 θ̇ , pz = mż ,
e o hamiltoniano é
p2
1
H(r, θ, z, pr , pθ , pz ) = p2r + 2θ + p2z + V (r, θ, z) .
2m r
Se quisermos descrever o sistema usando coordenadas esféricas, vimos já que a energia
cinética se escreve
m
T = (ṙ2 + r2 θ̇2 + r2 sin2 θ ϕ̇2 ) ,
2
de modo que se tem
m 2
L(r, θ, ϕ, ṙ, θ̇, ϕ̇) = (ṙ + r2 θ̇2 + r2 sin2 θ ϕ̇2 ) − V (r, θ, ϕ) ,
2
pr = mṙ , pθ = mr2 θ̇ , pϕ = mr2 sin2 θ ϕ̇ ,
!
1 2 p2θ p2ϕ
H(r, θ, ϕ, ṙ, θ̇, ϕ̇) = pr + 2 + 2 2 + V (r, θ, ϕ) .
2m r r sin θ
Note-se que nestes três casos, como acontece sempre que as linhas coordenadas se intersec-
tam umas às outras perpendicularmente, a matriz cinética é diagonal.
Uma situação importante em que se impõe a escolha de coordenadas esféricas é o caso
de um sistema formado por duas partı́culas com interacções de tipo clássico, isto é, com
forças de interacção simétricas uma da outra, centrais e com simetria esférica. Para os
problemas de dois corpos, vimos já que é conveniente tomar como coordenadas generalizadas
as coordenadas do centro de massa e as coordenadas de uma das partı́culas em relação à
outra. É fácil ver que
m1 2 m2 2 m µ
T = (ẋ1 + ẏ12 + ż12 ) + (ẋ2 + ẏ22 + ż22 ) = (Ẋ 2 + Ẏ 2 + Ż 2 ) + (ẋ2 + ẏ 2 + ż 2 ) ,
2 2 2 2
onde xi , yi , zi , mi são as coordenadas e a massa da partı́cula i, i = 1, 2, m = m1 + m2 , µ é
a massa reduzida do sistema, X, Y, Z são as coordenadas do centro de massa e x, y, z são
as coordenadas de uma das partı́culas em relação à outra. Como o potencial é apenas o
potencial de interacção que tem simetria esférica, é conveniente passar x, y, z a coordenadas
esféricas, de modo que fica
m 2 µ
L = (ẋ + ẏ 2 + ż 2 ) + (ṙ2 + r2 θ̇2 + r2 sin2 θ ϕ̇2 ) − V (r) ,
2 2 !
p2x + p2y + p2z 1 2 p2θ p2ϕ
H = + pr + 2 + 2 2 + V (r) ,
2m 2µ r r sin θ
Capı́tulo 3. As equações de Lagrange e de Hamilton 83
tomando como é habitual o ângulo θ medido a partir do semieixo negativo dos yy. O
potencial é V = mgy = −mgl cos θ, de modo que fica
m 2 2 p2θ
L= l θ̇ + mgl cos θ , H= − mgl cos θ .
2 2ml2
A generalização para o pêndulo esférico, tendo em conta a expressão da energia cinética
em coordenadas esféricas obtida anteriormente, é imediata e vem
!
1 2 2 2 2 1 2
p2ϕ
L = mR (θ̇ + sin θ ϕ̇ ) − mgR cos θ , H = pθ + + mgR cos θ ,
2 2mR2 sin2 θ
3 3
! !
∂V d ∂V X ∂Aj ∂Aj ∂V ∂φ X ∂Ak
= −eAj , = −e q̇k + , =e − q̇k ,
∂qj dt ∂ q̇j ∂qk ∂t ∂qj ∂qj ∂qj
k=1 k=1
de modo que
3
d ∂V ∂V ∂φ ∂Aj X ∂Aj ∂Aj
− = −e + +e − q̇k ,
dt ∂ q̇j ∂qj ∂qj ∂t k=1
∂qj ∂qk
| {z } k6=j
=eEj | {z }
=(q~˙∧rot A
~)
j
~
p~ − eA
~q˙(~q, p~, t) = .
m
O hamiltoneano fica então
!2 !
h i ~
p~ − eA m ~
p~ − eA ~
p~ − A
H(~q, p~, t) = p~ · ~q˙ − L ˙ ~ = p~ · − + eφ − e ~=
·A
q~= p~−e
m
A
m 2 m m
!
~
p~ − eA ~ 2
p − eA) ~ 2
p − eA)
= (~ ~ − (~
p − eA) + eφ =
(~
+ eφ .
m 2m 2m
que coincide com o hamiltoniano expresso em termos das coordenadas e velocidades gene-
ralizadas. Tem-se
n Xn
dE X ∂L d ∂L ∂L ∂L ∂L ∂L
Ė = = q̈j + q̇j − q̇j + q̈j − =− , (3.28)
dt ∂ q̇j dt ∂ q̇j ∂qj ∂ q̇j ∂t ∂t
j=1 j=1
onde a segunda igualdade é absolutamente geral pois só depende da utilização das próprias
equações de Lagrange. Portanto, sempre que L não depende explı́citamente de t, E(~q, ~q˙)
é uma quantidade conservada. Vejamos em vários casos qual é o significado fı́sico desta
integral primeira.
Se for L(~q, ~q˙) = T (~q˙) − V (~q), sendo T função homogénea de grau 2 nas velocidades
generalizadas, isto é, se tivermos um lagrangeano natural com ligações independentes do
tempo e forças conservativas puramente posicionais, então
n
X ∂T
E= q̇j − L = 2T − L = T + V .
∂ q̇j
j=1
Se for L(~q, ~q˙) = T (~q˙) − V (~q, ~q˙) sendo T homogénea de grau 2, isto é, se tivermos um
lagrangeano natural com ligações independentes do tempo e forças que derivam de um
potencial dependente das velocidades V (~q, ~q˙), e se além disso for V (~q, ~q˙) = V0 (~q) + V1 (~q, ~q˙)
com V1 linear em ~q˙, como no caso da força de Coriolis e da força de Lorentz, então é
E = 2T − V1 − (T − V0 − V1 ) = T + V0 .
Em qualquer destes dois casos, E tem o significado fı́sico da energia total do sistema, dado
que as forças associadas ao potencial V1 são perpendiculares às trajectórias e portanto,
como realizam trabalho nulo, não intervêm no balanço de energia.
Finalmente, consideremos o caso em que estão presentes forças generalizadas Qj (~q, ~q˙)
dissipativas, isto é, que não derivam de um potencial nem em sentido estrito nem em sentido
lato dependente da velocidade. Nesse caso, a equação (3.28) modifica-se para
n
X ∂L
Ė = Qj q̇j − .
∂t
j=1
V = 0, isto é, em que se consideram no segundo membro todas as forças presentes, obtemos
a versão lagrangeana do teorema da energia cinética,
n
X
Ṫ = Qj q̇j .
j=1
Do ponto de vista hamiltoneano, esta análise é ainda mais directa. Decorre imediata-
mente da forma das equações de Hamilton que
n
dH X ∂H ∂H ∂H ∂H
Ḣ = = q̇j + ṗj + = ,
dt ∂qj ∂pj ∂t ∂t
j=1
∂L
=0, j = m + 1, . . . , n (3.30)
∂qj
∂L ∂L
pj = = constante, j = m + 1, . . . , n, ⇐ ṗj = = 0, j = m + 1, . . . , n . (3.31)
∂ q̇j ∂qj
Vejamos como tirar partido do conhecimento destas n − m integrais primeiras para reduzir
o número de graus de liberdade do problema. Supondo como sempre que as primeiras
equações (3.31) são invertı́veis com respeito aos q̇j , j = m + 1, . . . , n, teremos
Queremos usar as equações (3.32) para produzir um lagrangeano L∗ para o sistema que
dependa apenas do conjunto das m primeiras coordenadas e velocidades generalizadas
q1 , . . . , qm , q̇1 , . . . , q̇m . A mudança mais simples, de q̇j para pj , j = m + 1, . . . , n, não é
óbviamente uma transformação no espaço de estados do sistema, de modo que estamos
Capı́tulo 3. As equações de Lagrange e de Hamilton 87
Teorema 3.6 (Noether). Seja ~q 7→ ϕ ~ (α, ~q) uma famı́lia de aplicações regulares e in-
vertı́veis dependente de um parâmetro real α, diferenciável em ordem a α numa vizinhança
88 3.4. Teorema de Noether
n
~ (0, ~q) = ~q. E seja ~q˙ → ~ ~q, ~q˙) = ∂ϕ
~
P
da origem e tal que ϕ 7 ψ(α, ∂qj q̇j a extensão natural dessa
j=1
transformação às velocidades generalizadas. Se para todo ~q, ~q˙ e α se tem
L ϕ ~
~ (α, ~q), ψ(α, ~q, ~q˙), t = L(~q, ~q˙, t)
então a função
n
X ∂ϕj
P (~q, ~q˙, t) = (0, ~q)pj (~q, ~q˙) ,
∂α
j=1
∂L
onde pj = ∂ q̇j , é uma integral primeira do movimento.
Demonstração. Temos
n Xn
∂L X ∂L ∂ϕj ∂L ∂ψj ∂ϕj d ∂L ∂L d ∂ϕj
= + = + ,
∂α ∂qj ∂α ∂qj ∂α ∂α dt ∂ q̇j ∂ q̇j dt ∂α
j=1 j=1
dado que
n n
!
∂ψj ∂ X ∂ϕj X ∂ ∂ϕj d ∂ϕj
= q̇k = q̇k = .
∂α ∂α ∂qj ∂qk ∂α dt ∂α
k=1 k=1
Portanto,
n n
∂L d X ∂ϕj ∂L d X ∂ϕj
= · = pj . (3.33)
∂α dt ∂α ∂ q̇j dt ∂α
j=1 j=1
∂L
Masa dada a invariância de L, ∂α ≡ 0 e portanto, tomando α = 0 na equação anterior,
temos P (~q, ~q˙, t) = constante.
Note-se que os outros integrais primeiros fornecidos pela equação (3.33) com α arbitrário
não são independentes de P .
Vamos terminar esta secção com dois exemplos que ilustram a técnica de redução e a
aplicação do teorema de Noether. Consideremos primeiro o lagrangeano associado a uma
partı́cula no plano sujeita à acção de um potencial central,
m 2
L(r, θ, ṙ, θ̇) = (ṙ + r2 θ̇2 ) − V (r) .
2
Como θ é coordenada cı́clica,
∂L
pθ = = mr2 θ̇
∂ θ̇
é uma constante do movimento, e θ̇ = pθ /mr2 . O lagrangeano unidimensional equivalente
que corresponde à redução deste problema tendo em conta esta integral primeira é
ou seja, é a componente do momento linear total segundo o eixo dos xx. As outras compo-
nentes do momento linear obtêm-se da mesma maneira tendo em conta a invariância com
respeito a translacções segundo o eixo dos yy e segundo o eixo dos zz.
Outra simetria deste lagrangeano é a simetria com respeito a qualquer rotação dos eixos
coordenados, dado que apenas depende da distância entre dois pontos, e as distâncias entre
pontos são preservadas por qualquer rotação. Em particular, o lagrangeano é invariante
para rotações em torno de qualquer dos eixos coordenados. Consideremos por exemplo o
~ (α, ~q) = ~q̃
caso das rotações em torno do eixo dos zz. A transformação correspondente ~q 7→ ϕ
é dada por
q̃1 cos α − sin α q1 q̃4 cos α − sin α q4
= =
q̃2 sin α cos α q2 , q̃5 sin α cos α q5 ,
q̃3 = q3 q̃6 = q6
˙
com a extensão natural às velocidades generalizadas ~q˙ 7→ ψ(α;
~ ~q, ~q˙) = ~q̃, que é também li-
near e dada pela mesma matriz de rotação, que deixa invariante o termo da energia cinética
do lagrangeano. A integral primeira dada pelo teorema de Noether é
6
X ∂ϕj
P (~q, ~q˙, t) = (0) pj =
∂α
j=1
∂ ∂
= p1 (q1 cos α − q2 sin α)α=0 + p2 (q1 sin α + q2 cos α)α=0 +
∂α ∂α
∂ ∂
+p4 (q4 cos α − q5 sin α)α=0 + p5 (q4 sin α + q5 cos α)α=0 =
∂α ∂α
= q1 p2 − p1 q2 + p5 q4 − p4 q5 = m1 (q1 q̇2 − q2 q̇1 ) + m2 (q4 q̇5 − q5 q̇4 ) =
= m1 (~q1 ∧ ~v1 )z + m2 (~r2 ∧ ~v2 )z ,
ou seja, é a componente segundo o eixo dos zz do momento angular total do sistema.
90 3.5. Parêntesis de Poisson
Note-se finalmente que, em virtude do que se disse no inı́cio desta secção sobre a con-
servação da energia, esta traduz a invariância do lagrangeano com respeito a translacções
no tempo, dado que Ė = − ∂L ∂t .
Fica como exercı́cio a demonstração directa desta identidade a partir da definição. Aqui
faremos uma demonstração indirecta, a partir da relação entre parêntesis de Poisson e
derivadas de Lie. Fixada f , {f, g} pode pensar-se como o resultado de aplicar a g o
operador
n
X ∂f ∂ ∂f ∂
{f, } = Df = − .
∂qj ∂pj ∂pj ∂qj
j=1
Capı́tulo 3. As equações de Lagrange e de Hamilton 91
Recordando a definição de derivada de Lie de uma variável dinâmica, vemos que Df é uma
derivada de Lie, mais precisamente coincide com LΦ ~ , derivada de Lie associada ao campo
~ ∂f ∂f
Φ = (− ∂~p , ∂~q ) no espaço de fases.
Lema 3.7. O comutador [LΦ ~ , LΨ
~ ] = LΦ ~ − LΨ
~ LΨ ~ LΦ~ das derivadas de Lie LΦ
~ , LΨ
~ é a
derivada de Lie LΘ
~ , onde Θi = LΦ ~ Ψi − LΨ
~ Φi , i = 1, . . . , m.
Demonstração. Para uma variável dinâmica f arbitrária tem-se
m m
! !
X ∂f X ∂f
LΦ
~ , LΨ
~ f = LΦ ~ Ψi − LΨ~ Φi =
∂xi ∂xi
i=1 i=1
m
X ∂ ∂f ∂ ∂f
= Φj Ψi − Ψj Φi =
∂xj ∂xi ∂xj ∂xi
i,j=1
m
X ∂Ψi ∂f ∂Φi ∂f
= Φj − Ψj =
∂xj ∂xi ∂xj ∂xi
i,j=1
m m m
X X ∂Ψi ∂Φi ∂f X ∂f
= Φj − Ψj = Θi .
∂xj ∂xj ∂xi ∂xi
i=1 j=1 i=1
X ∂ajk 1 ∂akl
gj = − q̇k q̇l .
∂ql 2 ∂qj
k,l
Dado que fj (~q, 0) = Qj (~q, 0), temos que ~q ∗ é ponto de equilı́brio das equações de (3.36) se
e só se Qj (~q ∗ , 0) = 0, j = 1, . . . , n.
Note-se que a presença de forças dependentes da velocidade, desde que se anulem para
velocidades nulas, é de todo irrelevante para a determinação das configurações de equilı́brio.
Note-se também que a conclusão a que chegámos se pode enunciar de forma equivalente
dizendo que a configuração de equilı́brio é caracterizada pelo chamado ‘princı́pio dos traba-
lhos virtuais’, de acordo com o qual o trabalho virtual associado a um deslocamento virtual
arbitrário a partir duma configuração de equilı́brio é nulo, ou seja,
N
X n
X
δW = F~i · δ~ri = Qj δqj = 0 ∀δ~r1 , . . . , δ~rN , ∀δq1 , . . . , δqn ⇔ Qj = 0 ,
i=1 j=1
j = 1, . . . , n .
94 3.6. Oscilações na vizinhança de um ponto de equilı́brio. Modos normais
No caso conservativo, Qj = ∂q ∂V
j
, j = 1, . . . , n e portanto ~q ∗ é ponto de equilı́brio das
equações de Lagrange se e só se é ponto crı́tico do potencial V (~q).
1X X ∂V 1 X ∂2V
L= akl (0)q̇k q̇l − V (0) − (0) qk − (0)qk ql + o3 = L∗ (~q, ~q˙) + o3 ;
2 ∂qk 2 ∂qk ∂ql
k,l k | {z } k,l
=0
onde o3 inclui termos que são pelo menos de terceira ordem nos qk e q̇k , e L∗ (~q, ~q˙) =
T ∗ (~q˙) − V ∗ (~q) com
1X ∗
T ∗ (~q˙) = akl q̇k q̇l , a∗kl = akl (0) ,
2
k,l
1X ∂2V
T ∗ (~q) = b∗kl qk ql , b∗kl = (0) ,
2 ∂qk ∂ql
k,l
∂V
onde se teve em conta que ∂q k
(0) = 0, k = 1, . . . , n, dado que 0 é ponto de equilı́brio, e se
desprezou o termo constante V (0). As equações de Lagrange de L∗ são
A~q¨ + B~q = 0 ,
isto é, equações lineares de segunda ordem que descrevem o movimento numa vizinhança do
ponto de equilı́brio ~q ∗ = 0, que dependem apenas da matriz cinética A = [akl ] calculada no
Capı́tulo 3. As equações de Lagrange e de Hamilton 95
Substituindo em (3.31) vem s̈(t)A~u + s(t)B~u = 0, que tem solução se e só se A~u e B~u
forem paralelos, i.e., se B~u = λA~u para um certo λ ∈ R, caso em que a solução é dada pela
solução da e.d.o. linear de segunda ordem s̈ + λs = 0, que como é sabido tem sempre duas
soluções linearmente independentes. O conhecimento da solução geral de (3.31) depende
portanto da existência de n soluções da equação em λ, (B − λA)~u = 0, que generaliza a
equação aos valores próprios e vectores próprios da matriz B. Dado que A é simétrica e
definida positiva, valem no essencial as mesmas propriedades que se têm no caso em que
A = 1, nomeadamente:
1. det(B − λA) = 0 é uma equação algébrica de grau n em λ.
2. Se B é simétrica, como no nosso caso, então esta equação algébrica tem n raizes
reais, λ1 , . . . , λn , e os correspondentes ‘vectores próprios’ ~u1 , . . . , ~un podem tornar-se
‘ortonormados em relação a A’, isto é, tais que A~ui · ~uj = δij .
4. A matriz U cujas colunas são os vectores próprios ~u1 , . . . , ~un diagonaliza simultânea-
mente A e B. Mais precisamente, U> AU = 1, (U> BU)ij = λi δij .
Vejamos o que tudo isto nos diz no caso em que ~q ∗ = 0 é um ponto de equilı́brio estável
correspondente a um mı́nimo quadrático do potencial. Nesse caso, a matriz hessiana de V
em 0, B, é definida positiva e portanto
λj = ωj2 , j = 1, . . . , n .
onde Aj ·ϕj , j = 1, . . . , n, são 2n constantes arbitrárias que dependem das condições iniciais.
As soluções particulares que correspondem a tomar uma das amplitudes, Ak 6= 0, e todas
as outras nulas, qj (t) = Ãjk cos(ωk t + ϕk ), j = 1, . . . , n são especialmente interessantes
dado que são periódicas: todas as coordenadas oscilam com a mesma frequência. Estes
movimentos chamam-se modos normais de oscilação do sistema, e caracterizam o equilı́brio,
dado que o movimento mais geral na vizinhança desse equilı́brio é uma sobreposição de
modos normais.
Vejamos para terminar qual o efeito da mudança de coordenadas ~q = U~x no lagrangeano
L = 12 A~q˙ · ~q˙ − 12 B~q · ~q. A transformação correspondente no espaço de estados é ~q = U~x,
∗
√
ou seja, é o lagrangeano de n osciladores harmónicos de frequências ωi = λi , i = 1, . . . , n.
As coordenadas x1 , . . . , xn chamam-se coordenadas normais. A conclusão importante do
ponto de vista fı́sico, é a de que qualquer lagrangeano na vizinhança de um ponto de
equilı́brio estável é equivalente a um conjunto de osciladores harmónicos desacoplados,
em número igual ao número de graus de liberdade do sistema. Em particular, a energia
associada às pequenas oscilações na vizinhança de uma configuração de equilı́brio estável é
n n
X X 1
E= Ei = (ẋ2i + ωi2 x2i ) .
2
i=1 i=1
em que usámos o teorema de Gauss em dimensão arbitrária. É possı́vel fazer uma dedução
alternativa, puramente algébrica. De facto,
Z
vol(Φ (A)) = det Jt (~x) dx1 . . . dxn ,
t
A
h t
i
∂Φ
onde Jt (~x) = ∂~
x é a matriz jacobiana da aplicação fluxo no tempo t. Portanto,
Z
dV d
det Jt dx1 . . . dxn .
= (3.37)
dt dt
A
pelo que
2n n
X ∂fi X ∂ ∂H ∂ ∂H
divf~ = = − =0.
∂xi ∂qj ∂pj ∂pj ∂qj
i=1 j=1
dV
Portanto, dt ≡ 0.
Teorema 3.10 (do retorno de Poincaré). O conjunto E dos pontos errantes de Ω tem
medida nula.
98 3.8. Problemas
dado que
ΦkT (E(B)) ∩ ΦlT (E(B)) = ΦkT E(B) ∩ Φ(l−k)T (E(B)) = ΦkT (∅) = ∅ .
Portanto, a sucessão (3.39) é uma sucessão de infinitos conjuntos, disjuntos dois a dois, todos
eles contidos em Ω, e todos eles com medida igual e igual à medida de E(B), µ(E(B)).
Portanto,
+∞
X +∞
X
µ(Ω) ≥ µ ΦkT (E(B)) = µ(E(B)) 1,
k=1 k=1
o que implica µ(E(B)) = 0.
3.8 Problemas
Série IV
1. Considere a transformação linear de R3 que leva um ponto de coordenadas (x, y, z)
ao ponto de coordenadas (y, x, −z). Determine a matriz desta transformação linear.
Verifique que se trata de uma rotação, ache o eixo de rotação e o ângulo de rotação.
2. Considere a transforção linear de R3 que aplica um referencial S = (O, ẽ∗1 , ẽ∗2 , ẽ∗3 ) no
referencial S 0 = (O, ẽ1 , ẽ2 , ẽ3 ), onde ẽ1 = ẽ∗2 , ẽ2 = ẽ∗1 e ẽ3 = ẽ∗3 . Escreva a matriz da
transformação e diga se se trata de uma rotação.
3. Escreva a matriz que representa uma rotação de um ângulo θ em torno do eixo dos
xx.
4. Sejam R1 , R2 e R3 as matrizes associadas a uma rotação de θ1 em torno do eixo dos
zz, uma rotação de θ2 em torno do eixo dos zz, e uma rotação de θ3 em torno do eixo
dos yy, respectivamente. Mostre que R1 e R2 comutam, mas R1 ou R2 não comutam
em geral com R3 , e interprete geométricamente o resultado.
5. Calcule a matriz de rotação R(θ, ϕ, ψ) que dá a posição dos versores ẽ1 , ẽ2 , ẽ3 do
sistema móvel em relação aos versores ẽ∗1 , ẽ∗2 , ẽ∗3 do sistema fixo em função dos ângulos
de Euler θ, ϕ, ψ.
Capı́tulo 3. As equações de Lagrange e de Hamilton 99
11. Uma barra homogénea de comprimento l e peso P~ pode girar num plano vertical
em torno de um eixo horizontal fixo. Supondo que no instante inicial a barra está na
posição horizontal com velocidade nula, determine a aceleração angular e a velocidade
angular da barra, assim como a força de ligação no plano de suspensão.
12. Um disco homogéneo situado num plano vertical pode rodar em torno de um eixo
horizontal que passa pelo seu centro. Uma corda enrolada à volta do disco é puxada
com uma força constante F~ dirigida segundo a vertical. Determine a velocidade
angular do disco ao fim de 2s.
100 3.8. Problemas
13. Uma placa quadrada homogénea é posta a rodar com velocidade angular inicial ω0
em torno da linha vertical que une os pontos médios de dois lados opostos.
(b) Suponha que a mesma placa é posta a rodar em torno de um dos seus lados
com a mesma velocidade angular inicial. Qual o valor da energia cinética num
instante t?
(c) Determine as forças de ligação nos pontos externos do eixo de rotação nos dois
casos anteriores.
(d) Determine o movimento da placa quando esta é posta a rodar com a mesma
velocidade inicial ω0 em torno de um eixo horizontal que passa pelo centro de
massa e em torno de um lado horizontal.
14. Um cilindro homogéneo roda em torno do seu eixo de revolução com velocidade an-
gular α̇. Este eixo, que faz com a vertical um ângulo β constante, está apoiado nos
pontos B1 e B2 de um suporte rı́gido que roda com velocidade angular γ̇ em torno de
um eixo vertical. Escreva a expressão da energia cinética do cilindro.
15. Um disco homogéneo roda com velocidade angular α̇ em torno de um eixo horizontal,
o qual por sua vez roda com velocidade angular β̇ em torno de um eixo vertical.
Determine a energia cinética do disco em relação ao ponto O.
Capı́tulo 3. As equações de Lagrange e de Hamilton 101
16. As extremidade de uma barra homogénea podem deslizar sem atrito sobre uma cir-
cunferência. Uma partı́cula de massa m percorre a barra com velocidade constante
(em relação à barra). Escreva a equação que descreve o movimento do sistema no
caso em que o cı́rculo se encontra no plano horizontal e no caso em que o cı́rculo se
encontra no plano vertical.
17. Utilize o programa rotate do CUPS-CM para resolver os exercı́cios 5.1 e 5.2 do
respectivo manual.
Série V
1. Para os sistemas seguintes, escreva as equações de Lagrange, discuta a existência
de integrais primeiras do movimento, de pontos de equilı́brio classificando-os quanto
à sua estabilidade, de modos normais de vibração e, sempre que isso seja possı́vel,
escreva também as equações de Hamilton.
(l) Sistema formado por duas massas, m1 e m2 , ligadas entre si por um fio inex-
tensı́vel de massa desprezável que passa por uma roldana como se indica na
figura, de maneira que m2 está sujeita à acção da gravidade, enquanto que m1
está ligada ao ponto C por uma mola ideal.
(m) Sistema formado por duas massa, m1 e m2 , ligadas entre si por dois fios inex-
tensı́veis ligados entre si por uma mola ideal, e que se deslocam sem atrito no
interior de dois tubos cilı́ndricos horizontais, os quais por sua vez rodam em
torno de um eixo vertical com velocidade angular constante. Despreze a massa
da mola e suponha conhecido o momento de inércio I da roldana em relação ao
seu eixo.
Capı́tulo 3. As equações de Lagrange e de Hamilton 103
2. Mostre que o parêntesis de Poisson de duas integrais primeiras é também uma integral
primeira. Conclua que se duas componentes do momento angular se conservam então
~ é constante.
L
Capı́tulo 4
a a
onde u : [a, b] → R é uma função diferenciável e x é um ponto fixo do seu domı́nio são
exemplos de funcionais. Destes quatro exemplos, todos excepto o segundo são também
exemplos de funcionais lineares, i.e., funcionais para os quais
Um funcional muito importante em geometria é o que nos dá o comprimento de uma curva
entre dois pontos A e B de uma superfı́cie arbitrária em função da forma da curva, e um
problema clássico é o de encontrar as geodésicas de uma superfı́cie, isto é, as curvas que
minimizam, ou em geral são pontos estacionários, daquele funcional. No caso mais simples
em que a superfı́cie é um plano, o funcional comprimento da curva y = u(x), (a, u(a)) = A,
104
Capı́tulo 4. Princı́pios variacionais e mecânica hamiltoneana 105
(b, u(b)) = B, é
Zb p
F [u] = 1 + u0 (x)2 dx .
a
O princı́pio de Fermat diz-nos que as trajectórias dos raios luminosos vão ser aquelas que
minimizam (ou tornam estacionário) o funcional do tempo de percurso.
A noção de funcional estende-se naturalmente ao caso em que há dependência em duas
ou mais funções e eventualmente nas suas derivadas. Por exemplo, o funcional comprimento
de uma curva em R3 parametrizada por t, ou seja dada por x = u(t), y = v(t), z = w(t),
t ∈ [a, b], é
Zb p
F [u, v, w] = u0 (t)2 + v 0 (t)2 + w0 (t)2 dt .
a
Abordemos agora a questão de calcular a variação de um funcional, que é a noção
que generaliza o conceito de derivada direccional de uma função. Por analogia, chamamos
variação ou derivada direccional δF do funcional F [~u] relativo à variação δ~u a
d
δF (~u, δ~u) = (F (~u + αδ~u))α=0 ,
dα
onde ~u = (u1 , . . . , un ) é o vector formado pelas funções argumento de F e δ~u = (δu1 , . . . , δun )
é uma certa variação dessas funções. Derivando a função composta temos
n
X ∂F
δF (~u, δ~u) = (~u)δui ,
∂ui
i=1
ou seja, tal como a derivada direccional, a variação é linear em δ~u. Dizemos que o funcional
F é estacionário em ~u se a variação δF (~u, δ~u) se anula para qualquer escolha da variação
δ~u. Note-se que a variação δF (~u, δ~u) é por sua vez um funcional, linear em δ~u.
Rb Rb
Vejamos alguns exemplos. Para F [u] = u(x)dx, temos F [u+αδu] = (u(x) + αδu(x)) dx
a a
Rb Rb
e δF [u, δu] = δu(x)dx. Para F [u] = u2 (x)dx vem
a a
Zb
u2 (x) + 2u(x)αδu(x) + α2 δu(x)2 dx
F [u + αδu] =
a
106 4.1. Os princı́pios variacionais da Mecânica
e portanto
Zb
δF [u, δu] = 2u(x)δu(x)dx .
a
Zb
L u(x), u0 (x), x dx ,
F [u] = (4.1)
a
Zb
d
δF [u, δu] = L u(x) + αδu(x), u0 (x) + α(δu)0 (x), x dx =
dα α=0
a
Zb
∂L 0
∂L 0
0
= u(x), u (x), x + 0 u(x), u (x), x (δu) (x) dx =
∂u ∂u
a
Zb b Zb
∂L ∂L d ∂L
u(x), u0 (x), x dx + 0 δu u(x), u0 (x), x δu(x)dx =
= − 0
∂u ∂u a dx ∂u
a a
b Zb
∂L d ∂L ∂L
= δu − − δu(x)dx .
∂u0 a dx ∂u 0 ∂u
a
Em particular, para variações que deixem fixos os valores de u nos extremos do intervalo
de integração [a, b], vem
Zb
d ∂L ∂L
δF [u, δu] = − − δu(x)dx .
dx ∂u0 ∂u
a
Zb q
F [u] = 1 + (u0 (x))2 dx ,
a
u0 (x)
d 1 0 2 −1/2
0 d
1 + (u (x)) · 2u (x) = 0 ⇔ p =0,
dx 2 dx 1 + u0 (x)2
ou seja,
u00 (x)
=0 ⇔ u00 (x) = 0 ,
(1 + (u0 (x))2 )3/2
isto é, as geodésicas do plano são linhas rectas.
Zt1
S[~q] = L(~q(t), ~q˙(t), t)dt ,
t0
Demonstração. Refazendo no caso geral os cálculos que conduziram à proposição 4.1, temos
t1 Zt1 X
n n
X ∂L d ∂L ∂L
δS[~q, δ~q] = δqj − − δqj dt ,
∂ q̇j t0 dt ∂ q̇ j ∂q j
j=1 t0 j=1
Note-se que as duas propriedades importantes das equações de Lagrange, a sua in-
variância para mudanças de coordenadas e o facto do lagrangeano estar definido a menos
da derivada total em ordem ao tempo de uma função arbitrária das coordenadas generali-
zadas e do tempo, aparecem de maneira natural no contexto desta formulação variacional.
Uma extensão, devida a Helmholtz, do princı́pio de Hamilton permite, como é natural
esperar, obter as equações de Hamilton a partir de um princı́pio variacional. Considere-
mos então o funcional das 2n funções independentes, que continuaremos a chamar acção
hamiltoniana e a representar por S,
Zt1 X
n
S[~q, p~] = (pj (t)q̇j (t) − H(~q(t), p~(t), t) dt .
t0 j=1
Temos então
Zt1 X
n
∂H ∂H
p] = (δpj (t)q̇j (t) + pj (t)δ q̇j (t) −
δS[~q, p~, δ~q, δ~ δpj (t) − δqj (t) dt ,
∂pj ∂qj
t0 j=1
d
onde δ q̇j (t) = dt δqj (t),
j = 1, . . . , n. Integrando por partes o termo correspondente vem
Zt1 X
n n t1
∂H ∂H X
δS[~q, p~, δ~q, δ~
p] = q̇j − δpj (t) − ṗj + δqj (t) dt + pj (t)δqj (t)
∂pj ∂qj t0
t0 j=1 j=1
Pelo mesmo argumento, vemos que a escolha de um valor de E implica que a cada trajectória
γ está associado um movimento ~q(t), t ∈ [t0 , t1 ], onde t0 é fixo e arbitrário e t1 depende em
geral de γ. Parametrizando então a curva γ pelo parâmetro t do movimento correspondente,
temos
Zt1 Zt1
A[γ; E] = p~(~q(t)) · ~q˙(t)dt = (L + E)dt = S[~q] + E(t1 − t0 ) . (4.2)
t0 t0
Consideremos então uma curva γ entre ~q0 e ~q1 , e uma famı́lia a um parâmetro γ α de
curvas variadas de γ que deixam fixos os extremos ~q0 e ~q1 . Definimos a variação do funcional
da acção de Maupertuis como
d
δA = A[γ α ; E] , (4.3)
dα α=0
onde o valor E da energia se toma o mesmo para todas as curvas. À parte este matiz, esta
definição difere da definição habitual de variação de um funcional na medida em que as
curvas γ α não são necessáriamente lineares em α. Esta generalização é natural e útil no
cálculo variacional, e poderı́amos desde o inı́cio tê-la considerado, sem alterar mais nada,
d α
fazendo δu(x) = dα u (x)|α=0 . A cada curva γ α corresponde como vimos um movimento
~q(α, t), t ∈ [tα0 , tα1 ], e a condição de extremos fixos implica que se tenha
~q(α, tα0 ) ≡ ~q0 , ~q(α, tα1 ) ≡ ~q1 .
Derivando em ordem a α em α = 0 vem
d ∂~q d
~q(α, tαi ) = (α, tαi ) + ~q˙(ti ) tαi =0,
dα α=0 ∂α α=0 dα α=0
ou seja,
δ~q(ti ) = −~q˙(ti )δti , i = 0, 1 . (4.4)
Calculemos então a variação δA a partir das equações (4.3) e (4.2):
α
Zt1
d
δA = L(~qα (t), ~q˙α (t))dt + E(δt1 − δt0 ) =
dα α=0
tα
0
Zt1
∂L t1
= − p~˙ − · δ~qdt + p~ · δ~q +
∂~q t0
t0
Em consequência, temos:
110 4.1. Os princı́pios variacionais da Mecânica
Consideremos então um ponto material sujeito a mover-se sobre uma superfı́cie ‘lisa’ e
a um sistema de forças conservativas de potencial V (~q). Fixadas uma trajectória γ e um
valor da energia E, temos, dado que neste caso T é uma função homogénea de grau 2 das
velocidades generalizadas,
√ √ √
~q · d~q = p~ · ~q˙dt = 2T dt = 2T 2T dt = 2(E − V ) mvdt ,
p
ou, voltando a uma formulação puramente geométrica e tomando como parâmetro o com-
primento de arco l sobre γ,
Z p
A[γ; E] = 2m(E − V (~q))dl ,
γ
ou seja, a acção é o comprimento da curva calculado com um ‘factor de peso’ que depende
do potencial. Em particular, para o caso do movimento de uma partı́cula livre sobre uma
superfı́cie lisa, o princı́pio de Maupertuis diz-nos que as trajectórias coı́ncidem com as
geodésicas da superfı́cie.
Para um sistema arbitrário com n graus de liberdade e ligações independentes do tempo,
é natural tomar para o comprimento de arco no espaço de configurações, generalizando a
√
relação dl2 = 2T dt = mvdt válida para uma partı́cula,
X √
ds2 = akl (~q)dq̇k dq̇l , ds = 2T dt , (4.6)
k,l
ou ainda
(~q, p~) = w( ~ ~q̃, t) ,
~ p̃, (~q̃, ~0̃) = w̃(~
~ q , p~, t) .
Vamos supor sempre que as transformações de coordenadas são invertı́veis e tão regulares
quanto o necessário, o que significa, em geral, classe C2 .
A ideia de partida é a de caracterizar a classe de transformações que preserva o carácter
hamiltoniano das equações do movimento, ainda que o novo hamiltoniano possa não coı́ncidir
com o hamiltoniano original expresso nas novas coordenadas. De acordo com esta ideia,
temos o seguinte:
Definição 4.1. A transformação (4.8), regular e invertı́vel, diz-se canónica se transforma
um sistema canónico arbitrário noutro sistema canónico, isto é, se dado qualquer hamil-
toniano H(~q, p~, t) existe sempre um hamiltoniano K(p̃, ~ ~q̃, t) tal que as equações canónicas
˙ ∂H ˙ ∂H
relativas a H, ~q = ∂~p , p~ = − ∂~q , se transformam mediante a mudança de variáveis (4.8)
˙ ˙
nas equações canónicas relativas a K, ~q̃ = ∂K~ , p̃~ = − ∂K~ .
∂ p̃ ∂ q̃
Note-se que o novo hamiltoniano K(p̃,~ ~q̃, t), que se chama canónicamente conjugado de
H pela transformação (4.8), não tem necessáriamente que coı́ncidir com a função H ◦ w. ~
Vejamos alguns exemplos de transformações que é fácil verificar a partir da definição que
são canónicas:
112 4.2. As transformações canónicas
Não obstante todos estes exemplos, é claro que há transformações de coordenadas que
não são canónicas, caso contrário o problema da classificação seria trivial. Por exemplo, a
passagem a coordenadas polares no plano q, p,
q = q̃ cos p̃ , p = q̃ sin p̃ ,
não é canónica, como se pode ver tomando o hamiltoniano da partı́cula livre de massa
unitária, H(q, p) = p2 /2, cujas equações são q̇ = p, ṗ = 0. As equações do movimento nas
novas coordenadas são
q̃˙ = q̃ cos p̃ sin p̃ , p̃˙ = − sin2 p̃ ,
que é imediato verificar que não têm forma hamiltoniana.
Note-se também que o exemplo 2 mostre que, mediante um relaxamento das variáveis,
é sempre possı́vel eliminar uma constante multiplicativa no hamiltoniano.
Procuremos então uma classificação das transformações canónicas. Dada uma função
f (~q, p~, t), chamaremos diferencial a tempo fixo de f , e denotaremos por d∗ f , a
n
∗
X ∂f ∂f ∂f
d f= dqj + dpj = df − dt .
∂qj ∂pj ∂t
j=1
Diremos que uma mudança de coordenadas da forma (4.8) satisfaz à condição de Lie se
existem uma constante c 6= 0 e uma função F (~q̃, p̃, ~ t) tais que se verifique identicamente a
igualdade
c~u · d∗~v = p̃~ · d∗ ~q̃ + d∗ F . (4.9)
Capı́tulo 4. Princı́pios variacionais e mecânica hamiltoneana 113
Na expressão (4.9), que se pode também escrever, com um pequeno abuso de notação, na
forma
p · d∗ ~q = p̃~ · d∗ ~q̃ + d∗ F ,
c~
a diferencial a tempo fixo d∗ ~q̃ coincide com d~q̃. Sem recorrer a diferenciais a tempo fixo,
(4.9) pode ainda escrever-se na forma
c~u · ~v = p̃~ · ~q̃ + dF − K0 dt , (4.10)
∂~v ∂F
com K0 = −c~u · ∂t + ∂t .
Proposição 4.4. Se uma transformação de coordenadas na forma (4.8) satisfaz a condição
de Lie (4.9) ou (4.10) com uma certa constante c e uma certa função F , então ela é canónica
e o hamiltoniano conjugado de H é
K = cH◦w
~ + K0 . (4.11)
Recı́procamente, se (4.8) é canónica, então verifica a condição de Lie para certos c e F e
o hamiltoniano conjugado é dado por (4.11).
Demonstração. Neste ponto daremos apenas a demonstração da afirmação directa; a recı́proca
será provada mais tarde. Consideremos então uma transformação (4.8) que verifica a
condição de Lie (4.10), para um certo par de funções F e K0 . Dado um hamiltoniano
~
arbitrário, a função K dada por (4.11) fica então determinada. Sejam p~(t), ~q(t), e p̃(t), ~q̃(t),
movimentos possı́veis ‘a priori’ relacionados pela transformação (4.8), isto é, tais que
p~(t) = ~u(~q̃(t), p̃(t),
~ t) , ~q(t) = ~v (~q̃(t), p̃(t),
~ t) ,
e sejam também as acções hamiltonianas correspondentes,
Zt1 Zt1
˙
S = (~ p · ~q˙ − H)dt , S̃ = (p̃~ · ~q̃ − K)dt .
t0 t0
Se assim for, a demonstração fica concluida, dado que então cδS = δ S̃, ou seja, as variações
das duas acções anulam-se simultâneamente, o que significa, via o princı́pio de Hamilton,
que ~q(t), p~(t) são soluções das equações de Hamilton correspondentes a H se e só se ~q̃(t), p̃(t)
~
são soluções das equações correspondentes a K.
Para provar (4.12), temos que, usando a condição de Lie (4.10),
Zt1 Zt1
c p~(t)~q˙(t)dt = c ~u ~q̃(t), p̃(t),
~ t · ~v˙ ~q̃(t), p̃(t),
~ t dt =
t0 t0
Zt1
˙
= ~ · ~q̃(t)
p̃(t) − K0 (~q̃(t), p̃(t),
~ t) + Ḟ (~q̃(t), p̃(t),
~ t) dt ⇒
t0
it1
⇒ cS = S̃ + F (~q̃(t), p̃(t),
~ t) .
t0
114 4.2. As transformações canónicas
∂ 2 F1
det 6= 0 . (4.15)
∂ q̃j ∂qk
No sentido da afirmação anterior, qualquer função F1 (~q, ~q̃, t) que verifica (4.15) é uma
função geradora de uma transformação canónica.
É natural esperar que esta construção se possa estender a funções de 2n variáveis cujos
argumentos sejam qualquer combinação de ‘antigas’ e ‘novas’ coordenadas ou momentos.
Suponhamos por exemplo que ~q e p̃~ se podem tomar como coordenadas independentes, ou
seja que a segunda das equações (4.8) é invertı́vel em ordem a q̃ por se ter det ∂v
~ k
∂ q̃j 6= 0,
de modo que se podem apresentar na forma equivalente
~q̃ = ~q̃(p̃,
~ ~q, t) , ~ ~q, t) .
p~ = p~(p̃,
~
A condição de Lie (4.10) pode escrever-se, em termos das variáveis independentes ~q e p̃,
d(~q̃ · ~q̃) − ~q̃ · dp̃~ + dF − K0 dt = p~ · d~q ⇔
p~ · d~q + ~q̃ · dp̃~ + K0 dt = dF2 ,
Capı́tulo 4. Princı́pios variacionais e mecânica hamiltoneana 115
~ t) = F − p̃~ · ~q̃(~
onde F2 (~q, p̃, ~ t). Por outras palavras, uma função F2 (~q, ~q̃, t) define uma
p, p̃,
transformação canónica dada por
desde que se verifiquem as respectivas condições de invertibilidade, isto é, desde que as
respectivas matrizes jacobianas sejam não singulares.
Em qualquer uma das suas quatro formas, portanto, as funções geradoras fornecem
imediatamente e de uma maneira simples, amplas classes de transformações canónicas. Mais
precisamente, estas quatro funções geram todas as transformações canónicas em dimensão
1; em dimensão arbitrária, para conseguir obter qualquer transformação canónica a partir
de uma função geradora haverá que considerar também funções geradoras de tipo misto,
isto é, de tipo 1, 2, 3 ou 4 em relação a cada par de variáveis conjugadas.
No que se segue, vamos considerar uma transformação canónica muito particular, que
vai desempenhar um papel importante em teoria de Hamilton-Jacobi, e que é a gerada pelo
próprio fluxo hamiltoniano.
Zt
0 ∂~v ~ ~ 0
~ ~
F (q̃, p̃, t) = ~ ~
~u(q̃, p̃, t ) · (q̃, p̃, t ) − H(~v (q̃, p̃, t ), ~u(q̃, p̃, t ), t ) dt0 .
~ ~ 0 ~ ~ 0 0
∂t
0
p~ · d∗ ~q = ~q̃ ·∗ ~q̃ + dF ,
vem imediatamente
n n
X ∂qj ∂F X ∂qj ∂F
pj − p̃k = , pj = , k = 1, . . . , n ,
∂ q̃k ∂ q̃k ∂ p̃k ∂ p˜k
j=1 j=1
116 4.2. As transformações canónicas
ou, equivalentemente,
n
X ∂vj n
X ∂vj
∂F ∂F
= uj − p˜k , = uj , k = 1, . . . , n .
∂ q̃k ∂ q̃k ∂ p̃k ∂ p̃k
j=1 j=1
Zt X
n 2 Xn
∂F ∂uj ∂vj ∂ vj ∂H ∂vj ∂H ∂uj 0
= + uj − + dt =
∂ p̃k ∂ p˜k ∂t ∂t∂ p̃k ∂qj ∂ p˜k ∂pj ∂ p̃k
0 j=1 j=1
Ztn
∂ 2 vj
X ∂uj ∂vj ∂uj ∂vj ∂vj ∂uj
= + uj + − dt0 =
∂ p̃k ∂t ∂t∂ p̃k ∂t ∂ p̃k ∂t ∂ p̃k
0 j=1
Zt X Zt
n 2 n
∂uj ∂vj ∂ vj ∂ X ∂vj 0
= + uj dt0 = uj dt =
∂t ∂ p̃k ∂t∂ p̃k ∂t ∂ p̃k
0 j=1 0 j=1
n
X ∂vj n
X ∂vj n
X ∂vj
= uj − uj = uj .
∂ p̃k ∂ p̃k ∂ p̃k
j=1 j=1 j=1
t=0
~ ~q̃, p̃,
(~q, p~) = w( ~ t)
preserva o parêntesis de Poisson se, dadas duas funções arbitrárias f e g, se tem, chamando
F a f ◦w e G a g◦w, {F, G} = {f, g}◦w, ou seja,
transformações que preservam o parêntesis de Poisson a menos de uma constante, isto é,
para as quais se tem c{F, G} = {f, g}◦w para qualquer par de funções f e g.
Note-se que
n
X ∂F ∂G ∂F ∂G
{F, G} = − =
∂ q̃j ∂ p̃j ∂ p̃j ∂ q̃j
j=1
n n ! X n !
X X ∂f ∂qk ∂f ∂pk ∂g ∂ql ∂g ∂pl
= + + −
∂qk ∂ q̃j ∂pk ∂ q̃j ∂ql ∂ p̃j ∂pl ∂ p̃j
j=1 k=1 l=1
n n ! X n !
X X ∂f ∂qk ∂f ∂pk ∂g ∂ql ∂g ∂pl
− + + =
∂qk ∂ p˜j ∂pk ∂ p̃j ∂ql ∂ q̃j ∂pl ∂ q̃j
j=1 k=1 l=1
n
X ∂f ∂g ∂qk ∂ql ∂qk ∂ql ∂f ∂g ∂qk ∂pl ∂qk ∂pl
= − + − +
∂qk ∂ql ∂ q˜j ∂ p̃j ∂ p̃j ∂ q̃j ∂qk ∂pl ∂ q̃j ∂ p̃j ∂ p̃j ∂ q̃j
j,k,l=1
∂f ∂pk ∂pk ∂ql ∂pk ∂ql ∂f ∂g ∂pk ∂pl ∂pk ∂pl
+ − + − =
∂pk ∂ql ∂ q̃j ∂ p̃j ∂ p̃j ∂ q̃j ∂pk ∂pl ∂ q̃j ∂ p̃j ∂ p̃j ∂ q̃j
n
X ∂f ∂g ∂f ∂g ∂f ∂g ∂f ∂g
= {vk , ul } + {vk , ul } + {uk , vl } + {uk , ul } .
∂qk ∂ql ∂qk ∂pl ∂pk ∂ql ∂pk ∂pl
k,l=1
É evidente portanto que (4.18) se verifica para pares de funções arbitrárias se e só se for
e consideremos a matriz 2n × 2n
0 1
E= ,
−1 0
onde 1 representa a matriz identidade n × n. Dada uma função f , seja ∂~x f o seu gradiente,
∂f ∂f
∂~x f = ,..., .
∂x1 ∂x2n
∂~v ∂~v
∂ q̃~ ~
∂ p̃
J= ,
∂~
u ∂~
u
∂ q̃~ ~
∂ p̃
verifica a condição
JEJ> = E . (4.21)
Demonstração. Por definição, a transformação (4.8) é simplética se se verificar {F, G} =
{f, g}◦w para qualquer par de funções f, g. Em termos da notação que acabámos de
introduzir, esta condição escreve-se
e o resultado segue.
~ · d∗ w
Ew ~ − E~x̃ · d∗ ~x̃ = d∗ G
f~ = J> Ew(
~ ~x̃) − E~x̃
e calculemos
2n 2n
! !
∂fi ∂ X
> ∂ X
= ~ k − (E ~x̃)i
(J )ik (Ew) = Jki k wk+k n − i x̃i+i n ,
∂ x̃j ∂ x̃j ∂ x̃j
k=1 k=1
onde (
+1 para 1 ≤ i ≤ n
i = ;
−1 para n < i ≤ 2n
temos então
n 2n
∂fi ∂ X ∂ X
= Jki wk+n − Jki wk−n − δj i+i n =
∂ x̃j ∂ x̃j ∂ x̃j
k=1 k=n
n n 2n 2n
X ∂ 2 wk X ∂wk+n X ∂ 2 wk X ∂wk−n
= wk+n + Jki − wk−n − Jki − Eij
∂ x̃j ∂ x̃i ∂ x̃j ∂ x̃i ∂ x̃j ∂ x̃j
k=1 k=1 k=n k=n
e
n 2n n 2n
∂fi ∂fj X X X X
− = Jki Jk+nj − Jki Jk−nj − Jkj Jk+ni + Jkj Jk−ni − Eij − Eji =
∂ x̃j ∂ x̃i
k=1 k=n k=1 k=n
X2n 2n
X
= Jki k Jk+k nj − Jkj k Jk+k ni − 2Eij =
k=1 k=1
2n 2n 2n
! !
X X X X
= Jki (k δl k+k n Jlj ) − Jkj k δl k+k n Jli − 2Eij =
k=1 l=1 k=1 l
X2n 2n
X
= Jki Ekl Jlj − Jkj Ekl Jli − 2Eij =
k,l=1 k,l=1
pelo que a condição de Lie se verifica se e só se J> EJ = E, condição que é fácil ver que é
equivalente a (4.21).
120 4.3. A equação de Hamilton-Jacobi
só depende dos novos momentos conjugados. As soluções nestas coordenadas, a que chama-
mos coordenadas angulares (os ϕ’s) e de acção (os I’s), são Ij (t) = Ij (0), ϕj (t) = ϕj (0)+ωj t,
e nas coordenadas originais temos
qj (t) = Aj sin(ϕj (0) + ωj t) , pj (t) = ωj Aj cos(ϕj (0) + ωj t) , j = 1, . . . , n ,
p
onde Aj = 2Ij (0)/ωj , j = 1, . . . , n.
Capı́tulo 4. Princı́pios variacionais e mecânica hamiltoneana 121
Os sistemas hamiltonianos para os quais, tal como neste exemplo, é possı́vel encontrar
uma transformação canónica com esta propriedade definida globalmente no espaço de fases,
isto é, definida num aberto invariante do espaço de fases, dizem-se integráveis e são, num
certo sentido, excepcionais no conjunto de todos os hamiltonianos. É para esta classe excep-
cional de sistemas que é possı́vel encontrar soluções analı́ticas, e o seu interesse resulta do
facto de muitos sistemas relevantes serem modelados por hamiltonianos que estão próximo
de hamiltonianos integráveis. Assim, embora sejam pouco plausı́veis como modelo de qual-
quer sistema fı́sico, a sua integração é o primeiro passo para, via teoria das perturbações,
sabermos alguma coisa sobre esse sistema.
Voltemos então à questão de tentar encontrar uma função geradora para uma trans-
formação canónica que transforme o hamiltoniano numa função exclusiva dos novos mo-
mentos conjugados.
Consideremos a equação, chamada de Hamilton-Jacobi reduzida,
∂W ∂W
H q1 , . . . , q n , ,..., =E , (4.22)
∂q1 ∂qn
vista como uma equação às derivadas parciais onde as incógnitas são a função W (q1 , . . . , qn )
e a constante E. Por exemplo, para o oscilador harmónico, a equação de Hamilton-Jacobi
reduzida é
1 ∂W 2 1 2 2
+ ω q =E .
2 ∂q 2
Diz-se que a equação (4.22) admite um integral completo se existe uma famı́lia n-paramétrica
de soluções Wα1 ,...,αn (q1 , . . . , qn ), Eα1 ,...,αn , tal que
∂2W
det 6= 0 . (4.23)
∂αi ∂qj
Suponhamos que (4.22) admite um integral completo. Em face da condição de não de-
generescência (4.23), podemos tomar W como uma função geradora do tipo
∂W ∂W
pj = , q̃j = , j = 1, . . . , n
∂qj ∂ p̃j
~ = p̃(0)
p̃(t) ~ , ~q̃(t) = ~q̃(0) + ω ~
~ (p̃(0))t ,
122 4.3. A equação de Hamilton-Jacobi
∂E
com ω
~ = ~, ou, nas coordenadas originais,
∂ p̃
p~(t) = ~u(~q̃(0) + ω ~
~ (p̃(0))t, ~
p̃(0)) , ~q(t) = ~v (~q̃(0) + ω ~
~ (p̃(0))t, ~
p̃(0)) .
∂W ∂W
pj = , q̃j = − tωj ,
∂qj ∂ p̃j
e o novo hamiltoniano é
∂W ∂W ∂F2
K(q̃1 , . . . , q̃n , p̃1 , . . . , p̃n , t) = H q1 , . . . , qn , ,..., + =
∂q1 ∂qn ∂t
= Ep̃1 ,...,p̃n − Ep̃1 ,...,p̃n = 0 ,
ou seja, a função (4.24) construı́da a partir do integral completo de (4.22) é função geradora
da transformação canónica cujos novos momentos e coordenadas são as condições iniciais.
Portanto, achar um integral completo de (4.22) é equivalente a integrar o sistema hamil-
toniano. Como sabemos que a integrabilidade é uma propriedade rara, achar um integral
completo de (4.22) não será em geral possı́vel. No entanto, o formalismo que acabámos de
desenvolver vai permitir-nos caracterizar a classe, rara mas extremamente importanto, dos
hamiltonianos integráveis. Por um lado, é claro que um sistema integrável de n graus de
liberdade tem que ter n integrais primeiras independentes, que são as funções p̃j = ũj (~q, p~),
j = 1, . . . , n. Por outro, dada a invariância dos parêntesis de Poisson fundamentais para
transformações canónicas, essas n integrais primeiras têm que estar em involução, isto é,
tem que ser {ũj , ũk } = 0, j, k = 1, . . . , n. Um teorema importante, de Liouville-Arnol’d,
diz-nos que estas condições necessárias são também suficientes, de modo que esta caracter-
ização dos sistemas integráveis é completa.
Outra conclusão que podemos tirar a partir das equações do movimento nas novas coor-
denadas é que, para um sistema integrável num nı́vel de energia limitado, as coordenadas q̃j
têm que ser ângulos. Neste caso, que é o mais interessante, as coordenadas ~q̃, p̃~ chamam-se
coordenadas angulares e de acção e representam-se habitualmente por ϕ ~ O movimento
~ , I.
mais geral num sistema integrável é portanto da forma
~q = ~v (~
ϕ(0) + ω ~
~ t, I(0)) , p~ = ~u(~
ϕ(0) + ω ~
~ t, I(0)) ,
Para achar um integral completo basta escolher uma dependência entre E e α. Tomando
por exemplo Eα = ωα vem
Zq p
Wα (q) = 2ωα − ω 2 x2 dx ,
0
É facil ver que tomando o sinal negativo em (4.26) se obtêm as expressões complementares,
p √ π π
p = − 2ωI − ω 2 q 2 , ϕ = − arcsin ω2Iq , − < ϕ < .
2 2
A segunda destas equações é fácilmente invertı́vel, e obtemos as expressões explı́citas
√
r
2I
q= sin ϕ , p = 2ωI cos ϕ , ϕ ∈ [0, 2π) .
ω
O novo hamiltoniano é K(I) = EI = ωI e portanto as soluções das equações do movimento
são ϕ = ϕ0 + ωt, I = I0 . Nas variáveis originais, vem
r
2I0 p
q= sin(ϕ0 + ωt) , p = 2ωI0 cos(ϕ0 + ωt) ,
ω
onde ϕ0 e I0 são constantes arbitrárias.
Tomando Sp̃1 ,...,p̃n (q1 , . . . , qn , t) como função geradora F2 (q1 , . . . , qn , p̃1 , . . . , p̃n , t) de uma
transformação canónica, é imediato que o novo hamiltoniano será
∂S ∂S ∂S
K(q̃1 , . . . , q̃n , p̃1 , . . . , p̃n ) = H q1 , . . . , qn , ,..., ,t + =0,
∂q1 ∂qn ∂t
ou seja, um integral completo da equação de Hamilton-Jacobi é a função geradora da
transformação canónica para a qual as novas coordenadas e momentos são as condições
iniciais, e, portanto, conhecê-lo é equivalente a integrar as equações do movimento. No
caso em que H não depende explicitamente do tempo,
e vem
E
u= .
|grad W |
Consideremos por exemplo o caso do sistema formado por uma partı́cula sujeita à acção de
um potencial V . Nesse caso, a equação de Hamilton-Jacobi reduzida é
!
∂W 2 ∂W 2 ∂W 2
1
+ + + V (x, y, z) = E ,
2m ∂x ∂y ∂y
p √
de modo que |grad W | = 2m(E − V ) = 2mT = mv = p. Há portanto uma relação
simples entre a velocidade de propagação das frentes de onda de S constante e a velocidade
da partı́cula cujo movimento é descrito por S, dada por
E
u= .
p
Por outro lado, p~ = grad W , pelo que as trajectórias das partı́culas são perpendiculares em
cada ponto às frentes de onda.
É natural então pensar na analogia entre esta descrição e a da óptica geométrica. Para
explorar esta analogia, recordemos que a equação das ondas que descreve a propagação do
potencial electromagnético escalar φ é
n2 ∂ 2 φ
lap φ − =0, (4.29)
c2 ∂t2
onde n(x, y, z) é o ı́ndice de refracção e c a velocidade da luz. Para n = constante, temos
a conhecida solução da onda plana,
~
φ(~r, t) = φ0 ei(k·~r−ωt) ,
4π 2 2
λ2 (lap A + (grad A)2 ) + (n − (grad L)2 ) = 0
n2
que, na aproximação da óptica geométrica se reduz a
(grad L)2 = n2 ,
Dada a completa analogia entre mecânica clássica e óptica geométrica tem sentido que
nos façamos a seguinte pergunta: qual é a equação de ondas cuja aproximação ‘geométrica’
corresponde à mecânica clássica? Tal como a óptica geométrica se obtém da óptica ondu-
latória considerando n praticamente constante à escala do comprimento de onda, a mecânica
clássica deve ser a aproximação de uma equação de ondas no caso em que o potencial V se
pode tomar como constante à escala dos comprimentos de onda correspondentes.
No quadro da analogia que estamos a desenvolver, a fase das ondas da mecânica é
dada por S = W − Et. Na óptica, a fase é dada por k0 (L − ct) = 2π( λL0 − νt). As duas
quantidades têm portanto que ser proporcionais, o que implica que a energia da partı́cula
seja proporcional à frequência da onda associada. Ponhamos então
E = hν .
4π 2
lap φ + φ=0,
λ2
Capı́tulo 4. Princı́pios variacionais e mecânica hamiltoneana 127
concluimos que associada a uma partı́cula clássica deve haver uma quantidade escalar ψ
que verifica a equação
4π 2
lap ψ + 2 p2 ψ = 0 ,
h
ou seja,
8π 2 m
lap ψ + (E − V )ψ = 0 ,
h2
que é a equação de Schrödinger independente do tempo.
4.4 Problemas
Série VI
1. Verifique que os cı́rculos máximos são geodésicas da superfı́cie esférica.
2. Considere a expressão
Zb s
1 1 + u02 (x)
T [u] = √ dx
2g u(x)
0
que nos dá o tempo de percurso da curva y = u(x) situada no plano vertical por um
ponto material que parte da origem x = 0, y = 0 com velocidade inicial nula (o eixo
dos yy tem a orientação da força da gravidade). Ache a equação diferencial da curva,
chamada braquistocrona, que minimiza o tempo de percurso, e verifique que se trata
de um arco de ciclóide, isto é, de uma curva cujas equações paramétricas são da forma
x = R(ϕ − sin ϕ), y = R(1 − cos ϕ).
PREAMBLE
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128
Capı́tulo 4. Princı́pios variacionais e mecânica hamiltoneana 129
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to the Document’s overall subject (or to related matters) and contains nothing that could
fall directly within that overall subject. (Thus, if the Document is in part a textbook of
mathematics, a Secondary Section may not explain any mathematics.) The relationship
could be a matter of historical connection with the subject or with related matters, or of
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allowed to be designated as Invariant. The Document may contain zero Invariant Sections.
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Texts or Back-Cover Texts, in the notice that says that the Document is released under
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suitable for input to text formatters. A copy made in an otherwise Transparent file format
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include proprietary formats that can be read and edited only by proprietary word proces-
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is precisely XYZ or contains XYZ in parentheses following text that translates XYZ in
another language. (Here XYZ stands for a specific section name mentioned below, such
as “Acknowledgements”, “Dedications”, “Endorsements”, or “History”.) To “Preserve the
Title” of such a section when you modify the Document means that it remains a section
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this License applies to the Document. These Warranty Disclaimers are considered to be
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covers must also clearly and legibly identify you as the publisher of these copies. The front
cover must present the full title with all words of the title equally prominent and visible.
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or state in or with each Opaque copy a computer-network location from which the general
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complete Transparent copy of the Document, free of added material. If you use the latter
option, you must take reasonably prudent steps, when you begin distribution of Opaque
copies in quantity, to ensure that this Transparent copy will remain thus accessible at the
stated location until at least one year after the last time you distribute an Opaque copy
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before redistributing any large number of copies, to give them a chance to provide you with
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Capı́tulo 4. Princı́pios variacionais e mecânica hamiltoneana 131
4 MODIFICATIONS
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of sections 2 and 3 above, provided that you release the Modified Version under precisely
this License, with the Modified Version filling the role of the Document, thus licensing
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A. Use in the Title Page (and on the covers, if any) a title distinct from that of the
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listed in the History section of the Document). You may use the same title as a previous
version if the original publisher of that version gives permission.
B. List on the Title Page, as authors, one or more persons or entities responsible for
authorship of the modifications in the Modified Version, together with at least five of
the principal authors of the Document (all of its principal authors, if it has fewer than
five), unless they release you from this requirement.
C. State on the Title page the name of the publisher of the Modified Version, as the
publisher.
D. Preserve all the copyright notices of the Document.
E. Add an appropriate copyright notice for your modifications adjacent to the other copy-
right notices.
F. Include, immediately after the copyright notices, a license notice giving the public per-
mission to use the Modified Version under the terms of this License, in the form shown
in the Addendum below.
G. Preserve in that license notice the full lists of Invariant Sections and required Cover
Texts given in the Document’s license notice.
H. Include an unaltered copy of this License.
I. Preserve the section Entitled “History”, Preserve its Title, and add to it an item stating
at least the title, year, new authors, and publisher of the Modified Version as given on
the Title Page. If there is no section Entitled “History” in the Document, create one
stating the title, year, authors, and publisher of the Document as given on its Title Page,
then add an item describing the Modified Version as stated in the previous sentence.
J. Preserve the network location, if any, given in the Document for public access to a
Transparent copy of the Document, and likewise the network locations given in the
Document for previous versions it was based on. These may be placed in the “History”
section. You may omit a network location for a work that was published at least four
years before the Document itself, or if the original publisher of the version it refers to
gives permission.
K. For any section Entitled “Acknowledgements” or “Dedications”, Preserve the Title of
the section, and preserve in the section all the substance and tone of each of the con-
tributor acknowledgements and/or dedications given therein.
132 5. COMBINING DOCUMENTS
L. Preserve all the Invariant Sections of the Document, unaltered in their text and in their
titles. Section numbers or the equivalent are not considered part of the section titles.
M. Delete any section Entitled “Endorsements”. Such a section may not be included in the
Modified Version.
If the Modified Version includes new front-matter sections or appendices that qualify as
Secondary Sections and contain no material copied from the Document, you may at your
option designate some or all of these sections as invariant. To do this, add their titles to
the list of Invariant Sections in the Modified Version’s license notice. These titles must be
distinct from any other section titles.
You may add a section Entitled “Endorsements”, provided it contains nothing but
endorsements of your Modified Version by various parties–for example, statements of peer
review or that the text has been approved by an organization as the authoritative definition
of a standard.
You may add a passage of up to five words as a Front-Cover Text, and a passage of up
to 25 words as a Back-Cover Text, to the end of the list of Cover Texts in the Modified
Version. Only one passage of Front-Cover Text and one of Back-Cover Text may be added
by (or through arrangements made by) any one entity. If the Document already includes
a cover text for the same cover, previously added by you or by arrangement made by the
same entity you are acting on behalf of, you may not add another; but you may replace the
old one, on explicit permission from the previous publisher that added the old one.
The author(s) and publisher(s) of the Document do not by this License give permission
to use their names for publicity for or to assert or imply endorsement of any Modified
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5 COMBINING DOCUMENTS
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combination all of the Invariant Sections of all of the original documents, unmodified, and
list them all as Invariant Sections of your combined work in its license notice, and that you
preserve all their Warranty Disclaimers.
The combined work need only contain one copy of this License, and multiple identical
Invariant Sections may be replaced with a single copy. If there are multiple Invariant
Sections with the same name but different contents, make the title of each such section
unique by adding at the end of it, in parentheses, the name of the original author or
publisher of that section if known, or else a unique number. Make the same adjustment to
the section titles in the list of Invariant Sections in the license notice of the combined work.
In the combination, you must combine any sections Entitled “History” in the various
original documents, forming one section Entitled “History”; likewise combine any sections
Capı́tulo 4. Princı́pios variacionais e mecânica hamiltoneana 133
Entitled “Acknowledgements”, and any sections Entitled “Dedications”. You must delete
all sections Entitled “Endorsements”.
6 COLLECTIONS OF DOCUMENTS
You may make a collection consisting of the Document and other documents released under
this License, and replace the individual copies of this License in the various documents with
a single copy that is included in the collection, provided that you follow the rules of this
License for verbatim copying of each of the documents in all other respects.
You may extract a single document from such a collection, and distribute it individually
under this License, provided you insert a copy of this License into the extracted document,
and follow this License in all other respects regarding verbatim copying of that document.
8 TRANSLATION
Translation is considered a kind of modification, so you may distribute translations of the
Document under the terms of section 4. Replacing Invariant Sections with translations
requires special permission from their copyright holders, but you may include translations
of some or all Invariant Sections in addition to the original versions of these Invariant
Sections. You may include a translation of this License, and all the license notices in
the Document, and any Warranty Disclaimers, provided that you also include the original
English version of this License and the original versions of those notices and disclaimers.
In case of a disagreement between the translation and the original version of this License
or a notice or disclaimer, the original version will prevail.
If a section in the Document is Entitled “Acknowledgements”, “Dedications”, or “His-
tory”, the requirement (section 4) to Preserve its Title (section 1) will typically require
changing the actual title.
134 9. TERMINATION
9 TERMINATION
You may not copy, modify, sublicense, or distribute the Document except as expressly
provided for under this License. Any other attempt to copy, modify, sublicense or distribute
the Document is void, and will automatically terminate your rights under this License.
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have their licenses terminated so long as such parties remain in full compliance.
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Texts.” line with this:
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Texts being LIST, and with the Back-Cover Texts being LIST.
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merge those two alternatives to suit the situation.
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