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AVALIAÇÃO DA PREFERÊNCIA DE UM INDIVÍDUO DE CALOPSITA (​NYMPHICUS

HOLLANDICUS)​ POR POLEIROS COM E SEM RANHURAS

¹Ana Schnitter Balzana, Daniel Duarte e Guilherme Moraes

¹Acadêmicos do curso de Ciências Biológicas na Universidade Veiga de Almeida

INTRODUÇÃO

Calopsita (​Nymphicus hollandicus Kerr, 1792) é um Psitaciforme de pequeno porte nativo


do semiárido australiano que possui habilidades vocais consideráveis. Ainda que modestas
quando comparadas a outras aves da mesma ordem (como papagaios etc), são capazes de
reproduzir a fala humana e manter um repertório capaz de entreter esses primatas falantes. Além
disso, possuem plumagens vistosas e topetes.

Sua distribuição natural restringe-se a territórios australianos, no entanto, atualmente a


espécie é encontrada no mundo todo por conta de sua popularidade como animal de estimação.

Tal popularidade não vem sem custos para animais silvestres. Muitos animais são
capturados para serem vendidos como pet, esse processo pode submeter os animais a condições
de stress e insalubridade e, não raro, a simples maus-tratos.

Ainda que perspectivas menos fundadas na excepcionalidade humana estejam ganhando


representatividade na sociedade, se considerarmos a resistente prática de manter aves em gaiolas,
podemos depreender que há ainda um longo caminho a percorrer no que diz respeito à ética da
coexistência. Sinal dessa defasagem é a inexistência de qualquer autorização para a criação
dessas aves (IBAMA, 1998). O conceito de enriquecimento ainda não chegou à legislação que,
via de regra, cuida no máximo em registrar uma preocupação com o bem-estar, entendido, é
claro, de maneira apenas negativa, isto é, como ausência de sofrimento. No entanto, os
indicadores de mais elevado bem-estar são obtidos através de testes de preferências (BROOM &
MOLENTO, 2004), quando os animais já têm suas necessidade supridas e podem demonstrar
preferências que podem ser definidas como complexas pois não possuem um indicador
quantitativo simples.

O estudo do comportamento em geral, e especialmente aquele desenhado para discernir


preferências, oferece um ponto de partida para essas outras perspectivas antropocêntricas e o
presente trabalho tem por objetivo identificar se poleiros com ranhuras, recomendados por
veterinários de animais silvestres, oferecem mais conforto/estabilidade às aves.

MATERIAIS E MÉTODOS

O estudo consistiu em amostragem focal sobre o indivíduo particular (‘periquita’) e


método de registro contínuo. As sessões de amostragem foram gravadas em vídeo para que
pudéssemos identificar comportamentos breves, como desequilíbrios e pequenos movimentos
das patas. O espécime se encontrava numa gaiola de mão modelo Bragança para calopsita. Esta
por sua vez contava com um poleiro no primeiro andar e outro poleiro, um alimentador, um
bebedouro e um elástico preso à grade no segundo andar. A gaiola, durante o experimento, ficou
estacionada em cima de uma cadeira próximo à uma janela do apartamento. Ambos os poleiros
utilizados no experimento foram alternados no segundo andar da gaiola.

A partir de uma observação preliminar e utilizando a experiência prévia da cuidadora da


ave bem como da literatura (ASSIS, 2013) foi desenvolvido um etograma específico para o
estudo (QUADRO 1).

Comportamentos tipo descrição


Se deslocando de um lado andando pelo poleiro, lateralmente, indica ansiedade,
pro outro ativo stress.
comportamento de 'brincadeira', enriquecimento do
Bicar o elastico ativo ambiente
comportamento típico, pode ser relacionado ao bico
Bicar o poleiro ativo ou alívio de stress
Amolando o bico relaxado deslizar o bico, atritando as duas partes (superior e
inferior)
Boceja relaxado
comportamento de higiene e manutenção das asas ou
Coçar/limpar relaxado outra parte do corpo
comportamento de relaxamento se realizado mais
Alternar pata relaxado lentamente.
comportamento que envolve acomodação para a
Levantar a pata relaxado passar à posição confortável/relaxada em uma pata
'Espreguiça' as asas relaxado esticar asas, normalmente uma de cada vez.
Retorna com as duas patas neutro/de apoiar-se em uma pata só é sinal de relaxamento, em
no poleiro transição condições relaxadas é apenas transição.
Dormir inativo
Parada inativo
Fora do poleiro -
Quadro 1: etograma utilizado no estudo.

Para responder à pergunta sobre a preferência de poleiros, logo entendemos que não seria
possível usar um ‘time budget’ padrão, pois diante das poucas opções e do espaço restrito, a
preferência medida pelo tempo de permanência no poleiro poderia ser mascarada por outras
diferenças ou resultar insignificante diante do tempo amostrado. Na tentativa de contornar essa
dificuldade, buscamos registrar pequenos indícios de conforto ou desconforto com o poleiro,
demonstrados em pequenos movimentos nas patas e alterações posturais. Para tanto, registramos
2 períodos de 15 minutos com cada poleiro. Um contendo ranhuras diagonais e outro liso.
Ambos de mesma circunferência.

Os comportamentos foram classificados em tipos segundo caracterização genérica de


acordo com os objetivos da pesquisa. Como o interesse era entender como o padrão de atividade
poderia estar ligado ao conforto ou desconforto com o poleiro, dividimos o comportamento em
três categorias: Relaxado, comportamentos que sinalizam tranquilidade. Assim, comportamentos
como o de cuidar das penas e amolar o bico, foram considerados relaxados, pois não havia
sintomas de nenhum viés obsessivo, apenas a atividade natural de ​preening. ​Outros
comportamentos foram classificados assim com base na literatura sobre comportamento de aves
e, quando possível, da espécie. Já os comportamentos ‘Ativos’, foram classificados com base no
nível de atividade e de sua relação com manifestações de ansiedade e/ou stress. Por fim os
comportamentos considerados ‘Neutros’ ou ‘Inativos’ são os comportamentos que acreditamos
não oferecer muitas pistas sobre a pergunta abordada nesta pesquisa.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Gráfico 1. Proporção de tempo gasto por comportamento no poleiro liso.

Quando comparadas as amostragens dos dois poleiros, percebemos a diferença na


variedade de comportamentos registrados no poleiro com ranhuras (n= 11) comparado ao
controle (n = 5) (GRÁFICOS 1 e 2). Ainda assim, percebemos que o percentual do tempo de
inatividade no experimento foi elevado (51%), ainda que no controle não tenha sido registrado
nenhum momento de inatividade.

Também no tratamento registramos a ocorrência dos comportamentos mais fortemente


relacionados a stress/ansiedade - ‘deslocamento lateral’ (<1%) e ‘morder o poleiro’ (3%). Mas
nenhum dos dois comportamentos está necessariamente associado ao poleiro, pode indicar
apenas que no momento da amostragem, o animal estava mais agitado.

Em nenhum dos casos registramos episódios de desequilíbrios ou contínuas alternâncias


de patas que seria indicativo de desconforto.

Gráfico 2. Proporção de tempo gasto por comportamento no poleiro com ranhuras.

Ao agruparmos os comportamentos pelas categorias associadas (GRÁFICO 3) pudemos


observar uma diferença na proporção entre os poleiros. O tratamento teve um percentual maior
de comportamentos da categoria ‘relaxado’, menos comportamentos neutros e um percentual
pequeno de comportamentos ‘ativos’. O controle não apresentou comportamentos classificados
como ativos.

Importante observar uma situação peculiar. No controle, todo o comportamento


classificado como neutro/inativo refere-se ao comportamento ‘fora do poleiro’ (64%). Tal
comportamento ocorreu durante os primeiros minutos da amostragem do controle e, uma vez
fora do poleiro, a ave não retornou mais, acomodando-se no alimentador.

Gráfico 3: Uso do tempo em cada poleiro segundo o tipo de comportamento.

CONCLUSÃO

A partir dos dados, podemos apreciar uma indicação de preferência ou conforto pelo
poleiro com ranhuras. No entanto, considerando que a coleta de dados e os controles necessários
ficaram aquém do necessário para conclusões mais robustas. Poderíamos usar essa pesquisa
como piloto para uma pesquisa mais aperfeiçoada. Entendemos que talvez a ideia de ‘time
budget’ na gaiola, descartada inicialmente, pudesse ser necessária para embasar uma apreciação
da preferência, no entanto, exigiria tempos de amostragem significativamente maiores. Além
disso, seria preferencial um N amostral de mais espécimes para confirmar se é um padrão ou
uma particularidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Assis, V. D. L. De. (2013). ENRIQUECIMENTO AMBIENTAL NO COMPORTAMENTO E


BEM-ESTAR DE CALOPSITAS (Nymphicus hollandicus), 1–59.

INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS


RENOVÁVEIS. Portaria do IBAMA nº 93/1998. Disponível em:
<http://www.ibama.gov.br/sophia/cnia/legislacao/IBAMA/PT0093-070798.PDF>. Acesso em:
26 set. 2019.

BROOM, D. M., & MOLENTO, C. F. M. (2004). Bem-Estar Animal: Conceito E Questões


Relacionadas – Revisão. ​Archives of Veterinary Science,​ ​9(​ 2), 1–11.
https://doi.org/10.5380/avs.v9i2.4057

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