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URUKUBAKA FILMES

Apresenta

Desassombro

Mário Luiz Assunção

Revisão:

Airton DeSouza
Lorena Resende

Décimo Tratamento
Personagens:

Tião Pescador - Protagonista


Antonio - Pescador
Dona Mimita - Idosa
Jorge - Camponês
Maria - Campesina
Josafá - Canoeiro
Manuel - Pescador
Zéca - Camponês
Samuel - Protagonista jovem
Matheus - Jovem
Lorena - Jovem
Bruna - Jovem
Gustavo - Jovem

CENA I

Uma tela escura vai evidenciando aos poucos um texto escrito em branco:
"Ninguém sabe o que ele quer
Nem ao menos o seu nome
Mas há sangue em seus olhos
E o desejo de matar
E pela mata escura e fria
Ele procura alucinado
Em cada canto, por todo lado (...) "

A tela vai se tornando branca e faz desaparecer a frase, ficando absolutamente branca.
Inicia-se uma sequência de imagens da natureza. O rio ao amanhecer, as margens e seus
animais, a neblina sobre a água e o sol subindo no céu.

Externa _ Dia_ Meio do Rio Grande

Dois pescadores se preparam para um dia de trabalho. Redes, varas, iscas, tudo deve estar
bem organizado. Em uma canoa velha vão em direção ao leito do rio onde procuram um
ponto de pesca. Desligam o motor e preparam as suas varas e iscas. Procuram por seus pitos
de palha, tomam uns goles de cachaça e esperam pacientemente por uma fisgada.

Antônio:
Tião, cê viu o fumo que tava aqui? Tinha
colocado aqui no banco.

Tião:
Vi não. Pega o meu aqui.

Antônio acende o cigarro com cuidado e volta a tomar outro gole de cachaça.

Antônio:
É compadre. Faz uns três anos ....quanto
peixe nois num pegava, aqui nesse mesmo
lugar......

Tião :
Pois é...eu não sei mais o que vamo fazê. A
coisa ta ficando feia pro meu lado. Tô
pensando em alugá aquilo lá, não queria
não, mas num to vendo outra saída.

Antônio:
Que que ta virando esse mundo nosso?

Nesse momento acontece um puxão forte nas duas varas e os pescadores se espantam.

Tião:
Vixe maria! Essa foi forte!
Antônio:
Credo.....parece coisa do caboclo d’agua!

Tião:
ahh...para com isso....isso num é de deus
não!

Antônio:
Mai do capeta também num é uai, isso
existe!

Outra puxada. Mais forte. Sob a água percebemos a aproximação de algo. Um outro puxão,
agora muito mais intenso enverga as varas.

Antonio:
Vixe Maria!!!!!!

As duas varas caem na água e desaparecem no fundo do rio. Os pescadores se levantam e


procuram inutilmente por elas. Um forte impacto na canoa derruba Tião no fundo do barco
e o pescador Antonio na água e ele se agarra na beirada da canoa. A força que o puxa para
baixo é descomunal. Tião se levanta e tenta inutilmente segurar a mão do amigo que aos
gritos de desespero some na escuridão do rio. Atrás da canoa uma elevação aparece
levemente na água e com grande velocidade atravessa para a outra margem do rio.

Tião:
Compadre!!!!! Compadre!!!!!

Tião cai dentro da canoa em estado de choque. Sua respiração ofegante se mistura aos sons
da natureza. Ele consegue se levantar e começa a pensar no que acabara de acontecer
enquanto os últimos momentos do dia eram superados pela escuridão da noite que se
aproximava.

CENA II

Externa _ Dia _ Tablado do Rancho

Muitos anos depois, Tião olha pensativo para o rio e recorda o companheiro morto há
muito tempo.....a água calma e o vento suave que agitava as folhas na margem do rio
traziam um falso clima de tranquilidade naquelas primeiras horas da manhã. As vozes e
gritos de desespero daquele trágico dia ainda visitam aquele triste pescador.

Tião:
Essa é a hora do caboclo d’água.....

A poucos quilômetros dali uma camionete se aproxima em grande velocidade pelas estradas
de terra que levam ao sítio de Tião. As várias curvas são cruzadas pela caminhonete
deixando marcas pelo chão, enquanto uma música alta provoca gritos e risadas dos cincos
que estavam em seu interior. A adrenalina parece empolgar ainda mais os jovens que, com
suas bebidas em mãos transformam o interior do veículo em uma festa. Um deles coloca
metade do corpo para fora, o que provoca gritos de incentivo e advertência. Eles entram na
propriedade.

Uma buzina avisa o caseiro da chegada dos estudantes que alugariam o sítio. Aproxima-se
um carro com o som alto e cinco jovens, três homens e duas mulheres, saem pulando,
bebendo e cantando. Embriagados, eles jogam as latas de cerveja, que já estavam vazias,
pelos cantos do rancho.

Dona Mimita, uma idosa moradora do sítio, carregava algumas verduras e se dirigia para a
sede do rancho. Matheus esbarra nela, fazendo com que as frutas caiam e ele continua sem
se preocupar.

Mimita:
Com sua licença, por favor!!!

Matheus, que carregava uma garrafa de Tequila, ignora absolutamente aquela senhora e
grita para Samuel que já se aproximava da margem.

Matheus:
Samuca, está virando uma irmã carmelita?
Mais uma comigo.... Andale! Arriba, arriba,
abajo, al cientro, adentro

Eles tomam mais um gole. Zéca, morador do sítio, auxilia D. Mimita e olha feio para os
jovens.

Com garrafas nas mãos Samuel e Matheus vão para a margem do rio e se aproximam do
caseiro que continuava na extremidade do tablado de madeira. Tião observa, decepcionado
com o comportamento daquele grupo.

Samuel:
Fala Seu Tião....Mais um carnaval.....

Tião:
Bão demais.....

Samuel:
A gente ta pensando em sair com o barco
daqui a pouco. Você arruma ele pra gente.

Tião:
Não!

Os jovens olham espantados pela negação do caseiro, que teoricamente teria que atendê-los.
Alguns deles começam a rir.

Samuel:
Como assim Seu Tião?

Tião:
É perigoso! Esse é o horário do caboclo
d’água!

Os jovens continuam a rir e a provocar o caseiro.

Matheus:
Para com isso. É só você falar que não quer
arrumar o barco....a gente mesmo arruma.

Tião:
Mas é que a lancha não tá aqui, eles
pegaram pra abastecer antes de ontem.
Deixa eu busca amanhã...

Matheus:
Então arruma aquela canoa velha ali que
agente vai andar nessa carroça mesmo....

Tião:
Não, tá muito velha, vocês não vão gostar.
Deixa que eu...

Samuel:
Você é muito engraçado...eu vou pegando as
coisas enquanto o barco fica pronto.
Os dois saem rumo ao carro enquanto o caseiro Tião fica falando sozinho.

Tião:
É sério....mas faz o que oceis quisé......

CENA III

Externa _ Tarde_ Beira do Rio

O Canoeiro Josafá arruma os últimos detalhes do motor daquela canoa velha.O caseiro
observa os jovens que se preparam para sair. Aparentemente sem nenhuma proteção eles
entram no barco carregado de cerveja e outras bebidas. Gustavo empurra Josafá e se
aproxima do motor

Gustavo:
Deixa que eu ligo.

A corda do motor é puxada duas vezes e na terceira tentativa o motor liga, provocando uma
gritaria dos jovens em cima da canoa que começa a sair.

Gustavo:
Hasta la vista, baby!!!

O caseiro Tião observa um pouco distante da margem, desacreditado pela falta de


confiança dos jovens em seu conselho, enquanto a canoa desaparece na primeira curva do
rio.

CENA IV

Externa _ Noite _ Fogueira

Anoiteceu e tudo está calmo em volta de uma fogueira em frente a casa. Tião , Dona
Mimita, Jorge, Maria, o canoeiro Josafá, Zeca e Manuel. Ali, entre o silêncio, eles dividem
muitas histórias num misto de tristeza e apreensão. Perto da fogueira um garrafa de metal
mantinha o chá aquecido. Alguns fumam, outros tomas goles de uma cachaça que estava a
poucos metros da fogueira. Cortando o silêncio que havia se estabelecido, Dona Mimita,
após um golé de cachaça, começa a falar sobre histórias dos mais antigos, em que o
desrespeito dos mais jovens os impede de prever o perigo. Cada um fala, como se todos
soubessem que essas história estão de alguma forma ligadas ao cotidiano de cada
um.Mimita se acomoda no banco tomando mais um gole e o silêncio volta a predominar,
sendo interrompido por um grito de terror vindo do rio. Samuel aparece da escuridão com
um olhar de desespero.

Samuel:
O Matheus sumiu!!!!

Todos os jovens, apavorados tentam relatar o que aconteceu. O desespero é visível e


alguns choram. Os moradores começam a se retirar e recolher as coisas próximas da
fogueira. Samuel se aproxima de Tião e tenta relatar o ocorrido.

Samuel:
A gente tava na canoa quando o motor
parou de funcionar de uma hora pra outra.
Pensei que era algum problema com o motor
e aí nós sentimos uma pancada na canoa. O
rio ficou agitado perto do barco. Parecia que
tinha alguma coisa na água. Fez um rastro e
foi pro barranco. Estava escuro...

Lorena:
Meu Deus!!!!!Era muito estranho!

Bruna:
Uma coisa saiu da água....a gente não devia
ter saído de lá....

Tião:
O que aconteceu?

Gustavo:
Quando aquela coisa saiu da água e entrou
no matagal....sabe...lá perto do seringal.... o
Matheus pulou da canoa e nadou até a
margem atrás do bicho.

Lorena:
Ele não voltou mais....

Tião:
E a canoa?

Samuel:
Ela voltou a funcionar depois....a gente
esperou o máximo que podia.....já estava
escurecendo.....
Tião:
Eu falei.....pois é....oceis tiveram o direito de
escolher.....eu sei o que eu to falando....Há
muito tempo eu já passei o que oceis
passaram !

Lorena:
Mas o que é isso? O que aconteceu com ele?

Bruna:
Meu Deus...que que é isso?

Canoeiro Josafá:
....Com isso eu num mexo não!

O Canoeiro se retira do ambiente rumo à margem do rio.

Samuel:
Mas que que a gente vai fazer agora?

Tião para de andar e lentamente se vira para os jovens que aguardavam a resposta em
silêncio.

Tião:
Agora é tarde....começou....e não para
mais......

CENA V

Noite - Interior da casa

Os jovens estão trocando de roupa para irem em busca do amigo desaparecido. Estão tensos
e apreensivos. Seus gestos são apressados e desordenados.

Samuel:
Algo me diz que isso é uma brincadeira do
Matheus.
Lorena:
Onde você ta indo?

Samuel:
Vamos tirar isso a limpo. Vamos de carro
até o seringal. Tenho certeza que aquele
palhaço ta lá.

Todos eles entram no carro e partem rumo ao seringal. A camionete derrapa os pneus e
rapidamente desaparece na escuridão. Tião observa atentamente a saída deles.

CENA VI

Externa – seringal

O seringal era a antiga fonte de renda dos moradores que aí viviam no passado. Estava
preservado mais tinha pouco de seu potencial. Sua entrada parecia um paredão que somente
era rompido pela estrada que vinha do canavial.
O carro para na entrada do seringal e é deixado funcionando com os faróis ligados. Todos
saem juntos mas permanecem próximos, pois somente Samuel possui uma lanterna. O
terror está evidente em todos os olhares daqueles jovens que se perdiam na escuridão.
A estrada era muito escura e seguia seringal adentro. Todos eles gritavam de tempos em
tempos pelo colega desaparecido.

Gustavo:
Aparece seu filho da mãe! Já conseguiu que
queria? Anda logo.

Bruna:
Por favor Matheus!!! Aparece!

Todos caminhavam muito próximos e Samuel tentava iluminar entre as árvores para achar
o amigo. O silêncio tomava conta daquele lugar. Enquanto caminhavam pela floresta, sem
que eles percebessem, Lorena, que seguia atrás de todos eles desaparece na escuridão. Eles
continuam a andar sem perceber a falta da amiga, quando são interrompidos pelo grito de
terror de Lorena vindo do interior do Seringal, seguido de um som aterrorizante e
desconhecido. O pânico toma conta de todos.

Bruna:
O que foi isso? O que foi isso?

Samuel:
Meu Deus!!
Eles seguram uns nos outros e começam a correr pelo interior do Seringal. Mais um grito
horrendo vem da mata. Eles correm por entre as árvores, já sem se preocuparem com a luz
da lanterna ou o rumo que tomavam. De repende eles são pegos de surpresa por uma rede
amarrada a um emaranhado de cordas que estava esticada entre as árvores. Todos ficam
presos e entre o choro e o desespero tentam se soltar. Um barulho e o movimento das folhas
indicava que algo estava correndo ao redor deles.

Gustavo:
Tem alguma coisa aqui!

Samuel:
Me ajuda!

Gustavo:
Não consigo me soltar!

Bruna:
Calma. Eu consegui sair.

Bruna começa a soltar os dois amigos quando observa uma corda que vem de cima da
árvore.

Bruna:
Olha, acho que descobri onde está presa....

No momento em que Bruna puxa a corda algo cai de cima da árvore e a atinge. Entre o
desespero e os gritos de pânico eles percebem que o que caiu da árvore era o corpo de
Matheus, enforcado e absolutamente coberto de sangue, que agora também estava em
Bruna.

Bruna:
Não!!!!!!!!!! Não!!!!!! Não!!!!!

No momento em que Bruna fica de pé ela é atacada por algo que pula de uma moita. A
escuridão não permitia a ninguém discernir o que estava acontecendo. Bruna cai no chão
morta com sua garganta totalmente dilacerada. Samuel comaça a chorar em pânico.

Samuel:
Meu Deus!! Não!!!!

Gustavo:
Me ajuda por favor!!!

O Corpo de Gustavo estava totalmente preso nas cordas. Samuel tenta rastejar até o amigo e
então percebe que algo estava puxando as cordas para o meio da escuridão. Gustavo grita
ao prantos.
Gustavo:
Não deixa ele me levar!! Por favor!! Não
deixa!!

A força aumenta. Samuel segura a mão de Gustavo mas o sangue deixa que ela escape e
Gustavo some na escuridão e o grito desconhecido se espalha por toda a floresta.

Samuel, coberto pelo sangue de seus amigos fica de pé e começa a correr por entre as
árvores. O grito de terror que vem da mata parece dar forças para que ele continue
correndo. Ele avista a entrada do Seringal e enfim consegue sair.

CENA VII

Externa – entrada do seringal

O Jovem Samuel, único sobrevivente daquele cenário de horror, desesperado, sai correndo
e encontra Tião na entrada do seringal.

Samuel:
Não sei o que fazer. Me perdoa, eu não
acreditei....Me ajuda....

Tião:
O que ta feito ta feito....não dá pra voltar
atrás. nois não deve discutir o que ta além
do que a gente entende. Vou te dar um
conselho: Vai embora enquanto é tempo.
Ocê tem essa chance...os outros não
tiveram.

Samuel abre a porta do carro, olha para trás e observa pela última vez o rosto de Tião e vai
embora rapidamente pela entrada. Tião observa o carro se distanciar na noite e se volta para
o seringal. Com seu facão na mão, lentamente entra e desaparece na escuridão.

CENA VIII

Externa _ Noite _ fogueira


Todos estavam reunidos em volta da fogueira quando olham em direção à entrada do
rancho e percebem que Tião caminha lentamente em direção a eles. Os olhares
questionadores se encontram e Tião balança negativamente a cabeça. Neste momento, D.
Mimita se levanta, vai á frente da fogueira e diz:

Mimita:

Certas coisas não são boas ou más. São


necessárias e simplesmente existem.

Todos se levantam em concordância com a fala da experiente senhora e permanecem


observando a chama da fogueira que se confunde com os rostos daqueles homens e
mulheres. A imagem se afasta deles e some na escuridão da mata. A tela fica preta. Um
urro no interior da floresta.

Vários trechos de entrevistas reais são apresentados evidenciando a popularidade da lenda


do Caboclo D'água.

FIM

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