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Tributação, Política e Legislação Aduaneira

TEXTO BÁSICO 2020

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Sumário

Tema I ..................................................................................................................................... 6
1. Sistema Tributário Nacional ........................................................................................... 6
2. Características do Sistema Tributário - Histórico .......................................................... 7
3. A Constituição de 1988 e Competência Tributária ........................................................ 9
4.1. Instrumentos Aptos ao Exercício da Competência Tributária ............................... 10
5. Parafiscalidade .............................................................................................................. 12
6. Extrafiscalidade ............................................................................................................ 13
Tema II ................................................................................................................................. 14
1. Legalidade, Reserva Legal e Tipicidade Tributária...................................................... 14
2. Legalidade .................................................................................................................... 14
3. Irretroatividade ............................................................................................................. 16
4. Anterioridade Tributária ............................................................................................... 17
Tema III ................................................................................................................................ 20
1. Isonomia ....................................................................................................................... 20
1.1 Uniformidade geográfica ........................................................................................ 20
1.2. Generalidade .......................................................................................................... 20
1.3. Universalidade ....................................................................................................... 20
2. Capacidade Contributiva .............................................................................................. 20
3. Capacidade Contributiva, Progressividade e Proporcionalidade .................................. 21
3.1. Proporcionalidade .................................................................................................. 24
4. Seletividade .................................................................................................................. 25
5. Vedação ao Confisco .................................................................................................... 25
Tema IV ................................................................................................................................ 27
1. Imunidades Tributárias Genéricas ................................................................................ 27
2. Livre Circulação e Liberdade de Tráfego ..................................................................... 29
3. Vedação da Diferenciação Tributária em Razão da Procedência ou Destino .............. 30
4. Transparência Tributária............................................................................................... 30
5. Uniformidade, Generalidade e Universalidade ............................................................ 31
6. Dignidade da Pessoa Humana ...................................................................................... 31
Tema V ................................................................................................................................. 33
1. Imunidade Recíproca dos Entes Federativos ................................................................ 33
2. Vedação de Isenções Heterônomas .............................................................................. 35
3. Não-Cumulatividade..................................................................................................... 36
4. Imunidade, Isenção, Alíquota Zero e Não-Incidência .................................................. 37
4.1. Imunidade x Isenção .............................................................................................. 39
4.2. Alíquota Zero x Isenção ........................................................................................ 40
Tema VI ................................................................................................................................ 41
1. Vigência da Legislação Tributária ................................................................................ 41
1.1. Vigência Material, ou Eficácia .............................................................................. 41
1.2. Vigência Espacial ou territorial ............................................................................. 46
2. Aplicação da Legislação Tributária .............................................................................. 46

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3. Obrigação Tributária..................................................................................................... 49
Tema VII............................................................................................................................... 51
1. Fato Gerador ................................................................................................................. 51
2. Terminologia ................................................................................................................ 51
3. Aspectos (ou Elementos) .............................................................................................. 51
3.1. Aspecto Material.................................................................................................... 52
3.2. Aspecto Temporal.................................................................................................. 53
3.3. Aspecto Espacial.................................................................................................... 54
3.4. Aspecto Quantitativo ............................................................................................. 54
Tema VIII ............................................................................................................................. 56
1. Suspensão da exigibilidade do crédito tributário .......................................................... 56
2. Momentos da suspenção do crédito tributário .............................................................. 58
Hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário ..................................... 59
Moratória ..................................................................................................................... 59
Depósito do montante integral ..................................................................................... 62
3. Parcelamento ................................................................................................................ 63
Tema IX ................................................................................................................................ 65
1. Suspensão da exigibilidade e certidões positivas com efeitos de negativa de débito... 65
2. Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal .................. 66
Tema X ................................................................................................................................. 67
1. Extinção do crédito tributário ....................................................................................... 67
2. Pagamento .................................................................................................................... 68
3. Modalidades de pagamento .......................................................................................... 70
4. Imputação do pagamento .............................................................................................. 71
5. Consignação em pagamento ......................................................................................... 72
6. Pagamento indevido ..................................................................................................... 73
6.1. Prazo para a repetição do indébito ......................................................................... 74
7. Outras modalidades de extinção do crédito tributário .................................................. 76
Tema XI ................................................................................................................................ 77
1. Certidão da dívida ativa ................................................................................................ 77
Tema XII............................................................................................................................... 81
1. Tributos e impostos ...................................................................................................... 81
2. Conceito de Tributo. ..................................................................................................... 81
a) Prestação pecuniária ............................................................................................... 81
b) Compulsória ............................................................................................................. 81
c) Em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir ...................................................... 82
d) Que não constitua sanção de ato ilícito .................................................................... 82
Princípio do non olet .................................................................................................... 82
Contrabando x Descaminho.......................................................................................... 83
e) Instituída por lei ....................................................................................................... 83
f) Cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada ........................ 83
3. Elementos essenciais .................................................................................................... 84
4. Espécies ........................................................................................................................ 85

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4.1. Tributos vinculados e não vinculados ................................................................... 87
4.2. Taxa vs. preço público ........................................................................................... 87
5. Classificação ................................................................................................................ 87
6. Imposto ......................................................................................................................... 89
6.1. Conceito ................................................................................................................. 89
6.2. Competência com relação aos impostos ................................................................ 90
6.3. Classificação dos impostos .................................................................................... 90
Impostos diretos e indiretos .......................................................................................... 90
Impostos pessoais e reais .............................................................................................. 90
Impostos fiscais e extrafiscais ...................................................................................... 91
Impostos segundo a classificação imposta pelo CTN .................................................. 91
Impostos progressivos, proporcionais e seletivos......................................................... 91
Tema XIII ............................................................................................................................. 92
1. Taxas ............................................................................................................................. 92
1.1. Conceito e peculiaridades ...................................................................................... 92
1.2. Tributo vinculado e tributo de receita vinculada ................................................... 92
1.3. Base de cálculo ...................................................................................................... 93
2. Poder de polícia ............................................................................................................ 94
3. Contribuição de melhoria ............................................................................................. 95
3.1. Limites Legais ....................................................................................................... 96
3.2. Limites Jurisprudenciais........................................................................................ 96
3.3. Regras Gerais ......................................................................................................... 97
3.4. Base De Cálculo .................................................................................................... 97
4. Empréstimo compulsório.............................................................................................. 98
4.1. Características ...................................................................................................... 100
4.2. Fato Gerador ........................................................................................................ 100
4.3. Destinações do Empréstimo Compulsório .......................................................... 101
4.4. Empréstimo Compulsório e Princípio da Anterioridade ..................................... 102
Tema XIV ........................................................................................................................... 103
1. Contribuições especiais .............................................................................................. 103
1.1 Requisitos ............................................................................................................. 104
1.2. Conceito ............................................................................................................... 105
1.3. Espécies ............................................................................................................... 105
2. Contribuições sociais .................................................................................................. 106
3. Seguridade Social ....................................................................................................... 106
3.1. COFINS ............................................................................................................... 107
3.2. PIS ....................................................................................................................... 107
4. Contribuições Sociais Gerais ................................................................................... 108
4.1. Contribuição do salário-educação ...................................................................... 109
4.2. Contribuição do Sistema “S” ............................................................................... 109
4.3. Contribuição em caso de dispensa sem justa causa ............................................. 109
5. Contribuições corporativas...................................................................................... 109
5.1. Contribuições exigidas pelos Conselhos de profissão regulamentada ................ 110
5.2. Contribuições sindicais ........................................................................................ 110
6. CIDE – Contribuição De Intervenção no Domínio Econômico ................................. 111
7. Contribuição de Iluminação Pública (CIP OU COSIP) ............................................. 112

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8. “Taxas” e Agências Reguladoras ............................................................................... 113
BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................ 114

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Tema I

1. Sistema Tributário Nacional


A ideia de sistema pressupõe um conjunto ordenado e interligado de elementos sobre
matéria específica. O sistema tributário nacional consiste em um conjunto de regras que,
relacionando-se, traçam o desenho das relações tributárias no Brasil. É interessante um
esboço gráfico do sistema:

CRFB e Emendas

Lei Complementar (diferente de Lei Nacional)

Leis de efetivação da competência tributária


Demais atos admitidos pelo artigo 96 do CTN –
a “legislação tributária”

A CRFB traz as normas gerais, os princípios atinentes à matéria. Por mais detalhista
que seja, não é a CRFB capaz de exaurir as previsões sobre o sistema tributário. Por isso,
precisará de um complemento, o qual é trazido pelas leis complementares. O artigo 146 da
CRFB estabelece quais são as disposições que a CRFB deixa de fazer, e repassa à legislação
complementar:

Art. 146. Cabe à lei complementar:


I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios;
II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente
sobre:
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos
discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo
e contribuintes;
b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;
c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades
cooperativas.
d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para
as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso
do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12
e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239.
Parágrafo único. A lei complementar de que trata o inciso III, d, também poderá
instituir um regime único de arrecadação dos impostos e contribuições da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, observado que:
I - será opcional para o contribuinte;
II - poderão ser estabelecidas condições de enquadramento diferenciadas por Estado;
III - o recolhimento será unificado e centralizado e a distribuição da parcela de
recursos pertencentes aos respectivos entes federados será imediata, vedada qualquer
retenção ou condicionamento;
IV - a arrecadação, a fiscalização e a cobrança poderão ser compartilhadas pelos
entes federados, adotado cadastro nacional único de contribuintes.

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A CRFB não poderia exaurir o tema tributário em seu texto. Por mais analítica que
seja a nossa Carta Política, seria absurdo fazer constar, por exemplo, todas as normas do
Código Tributário Nacional no corpo constitucional. As normas gerais de direito tributário a
que se refere o inciso III estão justamente no CTN: esta é a norma geral de direito tributário.
A exigência de lei complementar se deve ao fato de que o constituinte delegou assunto
que seria de sua competência, dada a importância, ao legislador infraconstitucional, mas o
processo legiferante ordinário não basta, sendo necessária a participação de mais
representantes, o quorum diferenciado, e o procedimento legislativo especial para atribuir à
matéria a sua devida relevância. O CTN, originalmente, foi editado como lei ordinária
(exigida à época de sua promulgação), mas a CRFB o recepcionou como lei complementar
(pois como é materialmente compatível, não pôde ser revogado por incompatibilidade formal
no processo de recepção).
No mesmo patamar das leis complementares, na estrutura piramidal, alocam-se as leis
nacionais. A diferença entre lei nacional e lei federal é que esta última é aplicável à entidade
federativa União, enquanto a lei nacional é aplicável a todas as entidades federativas, de
forma uníssona. Necessariamente, no sistema tributário, é imperativa a lei complementar
ocupando esta posição de complemento à CRFB, mas no sistema jurídico como um todo, as
leis nacionais podem desempenhar este papel, como o fazem o Código Civil ou o Código
Processual Civil.
Em outro patamar estão as normas de exercício da competência tributária. A
Constituição não cria tributos, ela apenas apresenta as regras de competência a serem
seguidas pelos entes federativos quando da criação, eles próprios, dos tributos. Assim, por
exemplo, quando a União entender que for conveniente e oportuno1 editar a respectiva lei
que cria o tributo para o qual a CRFB lhe atribuiu competência legislativa, ela o fará. Então,
na pirâmide, as leis que criam ou majoram tributos ocupam essa posição, quer sejam elas
federais, estaduais ou municipais, de acordo com o desenho de sua competência, traçado pela
Constituição nos artigos 153 a 156.
Por fim, também compondo o sistema, há um outro tipo de legislação, apresentado
no artigo 96 do CTN:
Art. 96. A expressão “legislação tributária” compreende as leis, os tratados e as
convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem,
no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes.
Esse artigo estabelece a expressão “legislação tributária”, conceito abrangente que
engloba também a legislação administrativa, ou seja, os atos do Poder Executivo. O problema
é a abrangência do que é dado ao tratamento dessa legislação tributária, que não é irrestrita,
conforme se verá.

2. Características do Sistema Tributário - Histórico


A CRFB é rígida, como se sabe, e por consequência todos os demais subsistemas dela
decorrentes acompanham sua rijeza, inclusive o tributário. O processo de alteração formal da
CRFB é mais difícil que o da legislação, havendo dispositivos que sequer admitem alteração
(as cláusulas pétreas).

1
O exercício da competência legislativa é discricionário, sendo dado ao ente federativo o mérito de instituir ou
não o tributo que a CRFB lhe autorizou. Um exemplo de tributo de cuja competência tributária ainda não se
valeu a União é o Imposto sobre Grandes Fortunas, o IGF.

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O legislador infraconstitucional, por isso, não tem sua competência legislativa
irrestrita. Encontra limites à sua atuação exatamente na Constituição. E de onde vieram esses
limites, ou seja, por que a CRFB é inflexível (carreando a rigidez ao sistema tributário)? Vale,
aqui, traçar um breve histórico tributário nacional.
O primeiro tributo brasileiro surgiu na época do comércio do Pau-Brasil, em 1522:
um quinto do valor da mercadoria era tributo ao império (quinto do pau-brasil). Na época do
ouro, um outro “instituto” teve sua origem: a sonegação fiscal, feita por meio dos “santos do
pau oco”, que se prestavam a esconder ouro em seu interior a fim de fugir ao quinto tributário.
A primeira ordenação formal, o primeiro traço de sistema tributário surgiu com a
primeira Constituição do Brasil, a Constituição Imperial, de 1824. Ali foi previsto, pela
primeira vez, o princípio da anualidade tributária, que é a previsão orçamentária de tributos,
dedicada a prevenir os contribuintes da carga que deveriam suportar.
A Constituição seguinte, republicana, de 1889, sucedida pela de 1891, trouxe como
novidade a tripartição de funções de poder, que é a característica máxima de uma república.
A carta seguinte, de 1934, foi a mais avançada até então, servindo de exemplo, à
época, para outras constituições mundo afora. Nesta, os tributos que já existiam – como o
imposto de renda, que é de 1929 – se constitucionalizaram, e veio outra grande revolução: a
Federação, tendo sido a primeira vez que se atribuiu competência tributária a Estados-
Membros.
Três anos após, em 1937, houve o golpe de estado que marcou a época e que, como
todo golpe, centralizou o poder e suprimiu ou mitigou diversas garantias individuais. A
Constituição dali surgida, a famigerada “Polaca”, operou severo retrocesso, especialmente
na questão da descentralização de poder (o qual concentrou-se na União), na supressão de
direitos individuais e na adução extrema de força ao Executivo em relação às demais funções
do poder.
Em 1946 veio a Constituição mais avançada e democrática até então. Esta carta
inaugurou os princípios protetivos do contribuinte, como a anterioridade, a irretroatividade,
a estrita legalidade; voltou a anualidade; fixou-se a federação; e atribuiu-se a competência
tributária aos Municípios.
Contudo, novamente, em 1964, outro golpe de estado afetou a área tributária. À EC
18/65, inclusive, muitos atribuem a origem do sistema tributário (o que se viu que é erro,
posto que a primeira Constituição brasileira já dispunha sobre ele). A EC, como resultado de
um golpe, teve os mesmos preceitos centralizadores e limitadores dos direitos e garantias
individuais, bem como a grande força dada ao Executivo. Entretanto, teve previsões
positivas: pela primeira vez se organizou, de forma mais detalhada, o sistema tributário
brasileiro, sendo o CTN datado do ano seguinte a esta EC.
Em 1967, a Carta Magna que sobreveio constitucionalizou as previsões da EC 18/65,
mas em 13/12/68 houve um marco tremendamente negativo na história brasileira: o AI 5, que
fundamentou uma EC em 1969, que praticamente foi uma nova Constituição, com todas, e
mais algumas, características de uma Constituição oriunda de um golpe de estado.
Desde o início o nosso sistema tributário foi deveras instável. Essa instabilidade
trouxe uma falta de confiança no governo. É nesse contexto que a CRFB de 1988 surgiu, e o
constituinte originário da atual Constituição teve em mente a produção de uma Constituição
cuja alteração fosse bem difícil, a fim de emprestar a estabilidade de que o sistema jurídico
brasileiro carecia. Desse pensamento vieram as cláusulas pétreas, e a natureza analítica,
extremamente detalhista, da nossa Carta Política. Daí a rigidez da CRFB.

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A parte tributária da CRFB, então, é ainda mais rígida, pois é dali que surge o custeio
da máquina estatal, e do custeio bem feito vem a almejada estabilidade. Vejamos, então, a
nossa Constituição atual mais amiúde.

3. A Constituição de 1988 e Competência Tributária


Característica maior do sistema federativo, no que tange a matéria tributária,
como visto, a competência tributária é a aptidão para instituir ou majorar tributos.
Hodiernamente, fala-se também do exercício negativo de competência tributária, o que
significa que a competência tributária tem duas facetas: a clássica aptidão para instituir ou
majorar tributos, face positiva da “moeda”, que são as regras de competência positiva
ocupantes do terceiro patamar da “pirâmide” do sistema tributário nacional, como visto. Estas
são as regras relacionadas à incidência tributária, as leis que determinam a tributação do IR,
do IPTU, e assim por diante. De outro lado, na face negativa da moeda, estão as regras de
não-incidência tributária, que são referentes às imunidades constitucionais e às isenções
infraconstitucionais – ou seja, as regras negativas de competência estão tanto no topo como
no plano terceiro da “pirâmide”.
Assim, nesse diapasão, fica consignado que todos os princípios tributários que serão
estudados aplicam-se tanto para o exercício positivo quanto para o negativo de competência.
Genericamente, então, reforce-se, se entende a competência tributária como a aptidão
para instituir ou majorar tributos. A competência não se confunde jamais com a capacidade
tributária ativa.
CTN, Art. 7º A competência tributária é indelegável, salvo atribuição das funções
de arrecadar ou fiscalizar tributos, ou de executar leis, serviços, atos ou decisões
administrativas em matéria tributária, conferida por uma pessoa jurídica de direito
público a outra, nos termos do § 3º do artigo 18 da Constituição (de 1946,
inexistente hoje).
Este artigo estabelece exatamente a diferença entre competência e capacidade
tributária ativa. É interessante, aqui, expor graficamente os conceitos:

CRFB Lei
Competência tributária Capacidade tributária ativa

Atividade legislativa discricionária decorrente da Atividade administrativa plenamente vinculada


CRFB decorrente da lei

Entenda-se esta linha como temporal. A Constituição, como visto, não criou os
tributos, mas apenas trouxe as regras de competência para que os entes os criassem. Há uma
frase que denota como se exercita a competência tributária: “a competência tributária se
esgota na lei”. O exercício da competência tributária se dá exatamente no momento em que
a lei instituidora ou majorante for promulgada, pois ali o legislador efetivou a parcela do
poder que a CRFB o outorgou. Veja: a competência tributária da União para instituir o IR já
foi exercida quando promulgada a lei que o instituiu ou majorou; a competência dada à União
para o IGF, no entanto, ainda não foi exercida, pois ainda não foi instituído este tributo.
Após o exercício da competência tributária, ou seja, após a edição da lei que a refletiu,
passa-se a se desenvolver a capacidade tributária ativa, calcada na lei, quando ocorrerem os
fatos geradores e as obrigações tributárias decorrentes daquela lei. Serão desenvolvidas, aqui,

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as atividades de fiscalização, arrecadação, administração tributária, etc., mas nunca a
instituição ou majoração tributária.
A competência tributária é uma atividade legislativa, exercida pelas pessoas
escolhidas pelo povo para tal função; a capacidade tributária ativa é uma atividade
administrativa. A atividade legislativa é discricionária, pelo que a competência tributária é
discricionária; ao contrário, o administrador só age de forma vinculada (a capacidade
tributária é vinculada), não escolhendo de quem, o quê, quando ou quanto cobra: a lei traça
os meios de sua atuação.
Veja que a competência tributária é discricionária porque é dado ao legislador o juízo
de conveniência e oportunidade em editar ou não a lei tributária, instituir (ou majorar) ou não
o tributo.
A competência tributária decorre diretamente da CRFB; o exercício da capacidade
tributária ativa decorre diretamente da lei. Por isso, a inconstitucionalidade do ato do
administrador no desempenho da capacidade tributária ativa, se houver, é meramente reflexa:
o paradigma de sua atuação é a lei instituidora ou majorante do tributo, a lei tributária, e não
a CRFB. Se houver irregularidades em sua atuação, o que se deve aferir é a legalidade, e não
a constitucionalidade de seus atos, prima facie.

4.1. Instrumentos Aptos ao Exercício da Competência Tributária


Que tipos de normas podem instituir ou majorar tributos? Esta questão é relacionada
à estrita legalidade formal, e por aí se resolve: são hábeis ao exercício da competência,
podendo ocupar o terceiro patamar da “pirâmide”, os seguintes instrumentos:

• Lei ordinária: A grande maioria dos tributos é criada ou majorada por lei ordinária, pois
assim o quis o constituinte. Veja que a forma de lei ordinária é o mínimo que se exige para a
instituição e majoração da maioria dos tributos, sendo que aqueles que podem ser criados ou
majorados por lei ordinária também poderão, caso o legislador entenda melhor (e por opção,
apenas), ser criados por lei complementar.

• Lei complementar: Alguns tributos, de tão importantes, deverão ser instituídos ou


majorados por leis complementares, pois esta forma normativa apresenta quorum de
aprovação mais extenso, diferencial de segurança atribuído ao instrumento.
Tais são os tributos para os quais a CRFB exigiu lei complementar:

- Empréstimos compulsórios, previstos no artigo 148 da CRFB:

Art. 148. A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos


compulsórios:
I - para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de
guerra externa ou sua iminência;
II - no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse
nacional, observado o disposto no art. 150, III, "b".
Parágrafo único. A aplicação dos recursos provenientes de empréstimo
compulsório será vinculada à despesa que fundamentou sua instituição.
O motivo da exigência de lei complementar nesses tributos é a sua enorme
excepcionalidade: como onerarão ainda mais uma carga tributária já pesada, o constituinte
exigiu que a excepcionalidade fosse verificada por um número maior de pessoas.

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- Impostos de competência residual: No artigo 154, I, da CRFB, o constituinte abriu uma
pequena margem à criatividade do legislador:
Art. 154. A União poderá instituir:
I - mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que
sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos
discriminados nesta Constituição;
Assim, se o legislador federal entender por bem criar um novo imposto, deverá fazê-
lo atendendo a esse dispositivo, o qual traz dois requisitos materiais – a não-cumulatividade
e não adoção de fato gerador ou base de cálculo própria dos impostos já previstos na CRFB
–, e um requisito formal: a forma de lei complementar.
Há uma questão a se atentar: o inciso II do artigo 154 da CRFB estabelece a
competência extraordinária da União, para a instituição de impostos extraordinários:
II - na iminência ou no caso de guerra externa, impostos extraordinários,
compreendidos ou não em sua competência tributária, os quais serão suprimidos,
gradativamente, cessadas as causas de sua criação.
Não é exigida a lei complementar para instituí-los, podendo ser mediante lei ordinária.
Apesar de assemelharem-se bastante aos empréstimos compulsórios, com estes não se
confundem, e não exigem a lei complementar: o empréstimo, pela própria etimologia da
palavra, implica em devolução, enquanto o imposto não.

- Contribuições sociais para a seguridade social de competência residual: O artigo 195, §


4°, estabelece:
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta
e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes
contribuições sociais:
(...)
§ 4º - A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou
expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I.
O que se autoriza é a instituição de “outras fontes” – por isso é competência residual
–, e com a remissão, ao final, para o artigo 154, I, fica vinculada a criação dessa contribuição
aos requisitos deste dispositivo, quais sejam, os requisitos materiais já mencionados (não-
cumulatividade e base de cálculo e fato gerador diversos dos já adotados na CRFB para outros
impostos) e o requisito formal, a exigência de lei complementar.
Aqui é mister tratar de uma questão que provocou celeuma na jurisprudência
nacional. Foi submetida ao STF questão acerca da COFINS, que é uma contribuição social
ordinária, e que, portanto, pode ser criada por meio de lei ordinária, a teor do artigo 195 da
CRFB. Todavia, quando foi exercida a competência tributária, o legislador preferiu criar essa
contribuição por meio de lei complementar. Veja que foi uma opção do legislador, pois
poderia tê-lo feito por meio de lei ordinária. Criou-se, então, por meio da LC 70/91.
A LC 70/91 criou a COFINS, e estabeleceu uma isenção (exercendo também a
competência tributária negativa). Posteriormente, a não-incidência estabelecida na LC 70/91
foi revogada pela Lei 9.430/96, que é uma lei ordinária. A questão que se levantou foi: esta
lei ordinária é inconstitucional, na medida em que revogou isenção criada por lei
complementar? Pode lei ordinária revogar previsão de lei complementar?
A resposta, em abstrato, é depende. A lei ordinária, em regra, não pode tratar de
assuntos de lei complementar. Entretanto, os assuntos que lhe são vedados são aqueles
materialmente dados à lei complementar, e não aqueles apenas formalmente postos em lei

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complementar. O que deve ser observado, sempre, é a regra de competência daquele assunto.
No caso em comento, verifica-se que a LC 70/91 tratou de assunto que é materialmente dado
às leis ordinárias pela regra de competência – a COFINS é uma contribuição ordinária –,
tendo sido adotada a forma de lei complementar apenas por opção do legislador. Isto não
significa que a regra de competência tenha sido afastada pela adoção facultativa de uma
forma mais restrita de lei. Dessarte, em sendo observada a norma de competência, a matéria
da LC 70/91 ainda é de competência de lei ordinária, pelo que não há qualquer vício na
edição da Lei 9.430/96.
Se o caso fosse outro, por exemplo, se a lei complementar tratasse de empréstimo
compulsório, somente outra lei complementar poderia alterá-la, pois a regra de competência
sempre foi nesse sentido (artigo 148 da CRFB), a adoção de LC não sendo faculdade do
legislador, mas obrigação. Se a COFINS fosse uma contribuição de caráter residual, da qual
se exige a lei complementar, a Lei 9.430/96 seria, sim, inconstitucional.
A questão do IGF também merece especial atenção. Muito se tem confundido a
redação do artigo 153, VII, da CRFB, com a exigência de lei complementar para a instituição
do IGF. Não é verdade: este pode ser instituído por meio de lei ordinária.
Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
(...)
VII - grandes fortunas, nos termos de lei complementar.
A redação deste dispositivo pode dar a entender que é necessária a lei complementar
para instituir o IGF, mas o que ocorre é o seguinte: ao falar em “nos termos da lei
complementar”, o constituinte, na verdade, apenas deu um “aviso” ao legislador pátrio, pois
este imposto é inovação no sistema tributário. Enquanto o IR, o II e o IE têm no CTN, lei
complementar, as suas diretrizes maiores, o IGF não é previsto no CTN, que é norma anterior
à CRFB. Por isso, o IGF carece de uma lei complementar que traga sua regulamentação geral,
a fim de que possa, com esta intermediação, ser instituído.
Na verdade, então, o constituinte, atento à lacuna de lei complementar para o IGF,
avisou ao legislador que este imposto, antes de ser instituído, precisa de uma lei
complementar que fornece as diretrizes básicas, já que o CTN não o faz. Ou seja, é preciso
Lei Complementar para definir o que é uma “grande fortuna” e estabelecer outras possíveis
diretrizes.
Todavia, a lei de instituição do IGF não precisa, ela própria, ser complementar: o IGF
pode ser instituído ou majorado por lei ordinária, em atenção aos preceitos que ainda serão
traçados na lei complementar que será editada. Essa posição não é única, mas é a majoritária.
Nada impede, porém, que facultativamente o legislador opte por, na mesma
LC que vai suplementar o CTN para atender ao IGF, seja também instituído o próprio IGF.
Mas a lei complementar não é, por isso, forma obrigatória para a instituição desse imposto.

5. Parafiscalidade
Consiste na atuação paralela à arrecadação, ou seja, é atuação lateral à capacidade
tributária ativa. Em regra, quem arrecada, administra e fiscaliza a tributação é o mesmo ente
que tem a competência tributária par instituir ou majorar os tributos em questão, ou seja, o
titular da competência tributária geralmente coincide com o da capacidade tributária ativa.
Entretanto, a capacidade tributária pode ser delegada: nas contribuições sociais, por
exemplo, a competência tributária é da União, mas a capacidade tributária ativa, a
arrecadação, administração e fiscalização das contribuições foi delegada ao INSS. Esta
delegação pode ser feita na própria lei que institui o tributo, ou em lei apartada.

12
6. Extrafiscalidade
O tributo tem por objetivo precípuo a sua função arrecadatória para custeio da
máquina estatal: esta é a função fiscal do tributo. A extrafiscalidade ocorre justamente
quando a função do tributo ultrapassa este escopo meramente arrecadatório: isto ocorre
quando o tributo assume função regulatória, por exemplo, como o II, IE e o IPI por vezes o
fazem (objetivando incentivar a exportação ou importação de determinado produto, ou a
atividade de indústria de determinado ramo, por exemplo) ou quando se prestam a fomentar
uma determinada atividade, como a implementação da função social da propriedade, no caso
do IPTU e do ITR.

13
Tema II

1. Legalidade, Reserva Legal e Tipicidade Tributária


É necessário que se tracem as diferenças entre legalidade, reserva legal e tipicidade
tributária.
O princípio da legalidade tributária, que é uma variação da legalidade genérica, está
presente, modo expresso, no artigo 150, I, da CRFB:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à
União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;
Significa, a legalidade tributária, que a instituição ou majoração de tributos deve
necessariamente ser feita por lei formal. Para reduzir o tributo também é necessária uma lei,
mas tal previsão vem é do CTN (reserva formal para reduzir).
A reserva legal, por sua vez, significa que o assunto é dado ao tratamento pelo
legislador, como o artigo 97 do CTN, ou o artigo 150, § 6°, da CRFB:
CTN, Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:
I - a instituição de tributos, ou a sua extinção;
II - a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21,
26, 39, 57 e 65;
III - a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o
disposto no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu sujeito passivo;
IV - a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto
nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;
V - a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus
dispositivos, ou para outras infrações nela definidas;
VI - as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de
dispensa ou redução de penalidades.
§ 1º Equipara-se à majoração do tributo a modificação da sua base de cálculo, que
importe em torná-lo mais oneroso.
§ 2º Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste
artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo.
CTN, Art. 150 (...):
§ 6.º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de
crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou
contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou
municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o
correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º,
XII, g.
Repare, então, que a reserva legal é muito mais ampla do que a legalidade tributária,
que é atinente à criação ou majoração de impostos. O fato de que o assunto deva vir tratado
em lei é reserva legal, não legalidade tributária.
itens constantes do rol da LC é válida, pois a tipicidade é aberta horizontalmente.

2. Legalidade
A regra é clara quanto à instituição de tributos: é necessária lei, sem exceções. A
Constituição, como visto, não cria tributos, apenas outorga competências. A lei do ente
federativo respectivo será a instituidora do tributo correspondente. A questão da Medida
Provisória é peculiar: mesmo não sendo lei em sentido formal, segundo o STF é lei para todos

14
os efeitos tributários, e como é tida por lei, não é, a rigor, uma exceção (artigo 62, caput e §
2°, da CRFB).
Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar
medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao
Congresso Nacional.
(...)
§ 2º Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto
os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos no exercício
financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em
que foi editada.
Em tese, a MP só deve ser usada para os casos em que há urgência e relevância. Isso
não pode ser motivo para sacrificar o princípio da anualidade. O problema é que o STF não
examina urgência ou relevância...
Quanto à majoração, por sua vez, há uma série de exceções à legalidade:
• O artigo 153, § 1°, da CRFB, que autoriza a alteração das alíquotas do II, IE, IPI e
IOF por meio de atos normativos2:
Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
(...)
§ 1º - É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites
estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I,
II, IV e V.

• O artigo 97, § 2°, do CTN, que prevê que a atualização monetária da base de
cálculo não é majoração, pelo que esta alteração pode ser feita por meio de ato normativo.
CTN, Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:
(...)
II - a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21,
26, 39, 57 e 65;
(...)
§ 2º Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste
artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo.
A súmula 160 do STJ é relevante nesse assunto:
Súmula 160, STJ: É defeso, ao Município, atualizar o IPTU, mediante decreto, em
percentual superior ao índice oficial de correção monetária.
Assim, se a atualização for real, ou seja, se limitou-se ao índice da inflação, não é
majoração e pode ser feita mediante ato administrativo normativo. Se, ao contrário, a título
de atualização, a correção for superior ao índice da inflação, o que se dá é majoração real, e
não mera atualização, pelo que se impõe a legalidade, não podendo ser feita por mero ato
administrativo normativo.

• O artigo 177, § 4°, I, “b” da CRFB, que trata da Contribuição de Intervenção no


Domínio Econômico, a CIDE, tributo extrafiscal:
Art. 177. Constituem monopólio da União:
(...)

2
O CTN menciona, nos artigos 21, 26 e 65, que é facultado ao poder executivo alterar a base de cálculo.
Considera-se não escrita esta faculdade, pois a CRFB só autoriza a alteração de alíquotas por atos
administrativos normativos, nunca a base de cálculo.

15
§ 4º A lei que instituir contribuição de intervenção no domínio econômico relativa às
atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus
derivados e álcool combustível deverá atender aos seguintes requisitos:
I - a alíquota da contribuição poderá ser:
a) diferenciada por produto ou uso;
b) reduzida e restabelecida por ato do Poder Executivo, não se lhe aplicando o disposto no
art. 150, III, b;

Para uma melhor compreensão vamos supor que a lei determine que a CIDE tenha
uma alíquota de 4%. As possíveis mudanças estão na tabela abaixo:
Mudança Forma
(A) Reduzir para 2% Decreto
Após “A”: aumentar para 3% Decreto
Após “A”: reestabelecer os 4% Decreto
Aumentar para 6% Lei em sentido formal
• A última exceção é a do artigo 155, § 2°, XII, “g”, da CRFB, que trata dos
convênios do ICMS:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
(...)
§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
(...)
XII - cabe à lei complementar:
(...)
g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal,
isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.
A LC é exigida para normas gerais sobre os convênios, mas estes são atos
deliberativos do Executivo dos Estados-Membros e do DF.
Além disso, artigo 155, § 4°, IV, “c”, da CRFB é uma exceção: trata-se do ICMS
monofásico. Uma LC (que não existe) poderia criar para o petróleo um ICMS monofásico.
Para esse tributo seria possível a mudança por deliberação dos Estados, ou seja, por meio do
CONFAZ.

No Brasil, a lei formal que institui a maior parte dos tributos da União é lei ordinária.
Todavia, há dois tributos que só podem ser criados por LC: o empréstimo compulsório, do
artigo 148 da CRFB, e o imposto residual da União, do artigo 154, I, da CRFB.

3. Irretroatividade
O artigo 150, III, “a”, da CRFB, combinado com o artigo 105 do CTN, estabelece a
regra de que a lei tributária se aplica a fatos geradores futuros e pendentes.
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à
União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
III - cobrar tributos:
a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os
houver instituído ou aumentado;
CTN, Art. 105. A legislação tributária aplica-se imediatamente aos fatos geradores
futuros e aos pendentes, assim entendidos aqueles cuja ocorrência tenha tido início,
mas não esteja completa nos termos do artigo 116.

16
Esta é a sede normativa da irretroatividade tributária. As exceções, em que a lei
tributária vai retroagir, são as seguintes, previstas no artigo 106 do CTN: em linhas gerais, a
lei retroage quando for meramente interpretativa, ou quando trouxer penalidade mais branda
ao contribuinte.
Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:
I - em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a
aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados;
II - tratando-se de ato não definitivamente julgado:
a) quando deixe de defini-lo como infração;
b) quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou
omissão, desde que não tenha sido fraudulento e não tenha implicado em falta de
pagamento de tributo;
c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao
tempo da sua prática.
Um exemplo de lei interpretativa seria: uma lei prevê tributação sobre software, mas
não define este tributável. Posteriormente, outra lei vem a ser editada para explicitar o
conceito de software: esta lei, meramente interpretativa, vai ser retroativa3.
Mas se a lei meramente retroativa alterar a jurisprudência consolidada, ele vai
retroagir? A posição da doutrina é que não deve retroagir. Todavia, n prática isso dificilmente
vai acontecer, pois a lei interpretativa só vai ser feita quando há debate e incerteza sobre a
sua interpretação. Assim, raros serão os casos em que ela será criada com a jurisprudência
pacificada.

4. Anterioridade Tributária
A anterioridade tributária, mais um dos princípios da segurança jurídica, tem um
sinônimo que torna praticamente autoexplicativo o conceito de anterioridade: é o princípio
da não-surpresa. A segurança jurídica pressupõe que o contribuinte não seja surpreendido
pela instituição ou majoração de tributos.
Trazida ao ordenamento no artigo 150, III, alíneas “b” e “c”, da CRFB, com o fito de
evitar a surpresa trazida pelo novo tributo, ou pela majoração do já existente, a anterioridade
tributária prevê dois instrumentos de controle do dies a quo da cobrança do tributo novo ou
majorado4: a virada do ano fiscal e a noventena.
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à
União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
III - cobrar tributos:
(...)
b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu
ou aumentou;
c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os
instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b;
Pelo primeiro instrumento da anterioridade, expresso no artigo 150, III, “b”, da Carta
Magna, se impõe que somente no exercício fiscal seguinte ao em que foi publicada a lei

3
Se a questão proposta sobre este tema der ênfase na data da vigência da lei, provavelmente o assunto recairá
na irretroatividade; se a ênfase for na data da publicação da lei, a questão deve tratar da anterioridade.
4
Por óbvio, à legislação tributária que elide tributação, por isenção ou extinção de tributo, não se impõe a
anterioridade, menos por estar expressa a aplicação à criação ou majoração do tributo do que pela própria mens
legislatorum da não-surpresa: nada melhor do que ser surpreendido com um superávit no seu orçamento, trazido
por nova lei que diminui a tributação.

17
instituidora ou majorante será possível a cobrança do tributo criado ou majorado; pelo
segundo instrumento, presente na alínea “c” do mesmo artigo, se impõe um prazo de noventa
dias entre a publicação da referida lei e a possibilidade da cobrança do dito tributo. Veja que
a noventena, em regra, se impõe como mínimo interregno entre a publicação da lei e a
cobrança, sendo imposta concomitantemente com exigência da virada do ano fiscal.
Além da noventena e do respeito ao exercício fiscal, há ainda uma regra específica,
prevista no artigo 195, § 6°, da CRFB:
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta
e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes
contribuições sociais:
(...)
§ 6º - As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após
decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou
modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, "b".
Este instrumento da anterioridade, setorial das contribuições para a seguridade social,
é chamado nonagesimal, e tem os mesmos efeitos da noventena, sendo que não se aplica, a
tais contribuições, a imposição do respeito à virada do exercício fiscal. Veja que o termo
“modificado”, para o STF, é sinônimo, aqui, de majorado.
Há diversas exceções à regra geral da anterioridade, além dessa prevista para as
contribuições para a seguridade social. Em regra, as exceções são oriundas da natureza
extrafiscal assumida pelos tributos excepcionados. Pela gama de exceções, é interessante
traçar um esquema gráfico:

Regra da anterioridade: Respeito ao exercício fiscal e à noventena


Exceções: artigo 150, § 1° e 195, § 6º da CRFB
Exceções à virada do exercício fiscal Exceções à noventena
(artigo 150, III, “b”, CRFB) (artigo 150, III, “c”, CRFB)

Artigo 148, I, CRFB (empréstimos compulsórios Artigo 148, I, CRFB (empréstimos compulsórios
para calamidades e guerra externa) para calamidades e guerra externa)

Artigo 153, I, II, IV e V, CRFB (II, IE, IPI e IOF) Artigo 153, I, II, III e V, CRFB (II, IE, IR e IOF)

Artigo 154, II, CRFB (impostos extraordinários Artigo 154, II, CRFB (impostos extraordinários
residuais) residuais)

Artigo 195, § 6°, da CRFB (guardando a ressalva Artigos 155, III (IPVA), e 156, I (IPTU), somente
de que não se denomina noventena, mas sim em alterações sobre a base de cálculo
nonagesimal, para parte da doutrina)

Assim, os tributos que são excepcionados nas duas colunas simplesmente não estão
sujeitos à anterioridade; aqueles que estão excepcionados somente na coluna da alínea “b”
do inciso III do artigo 150 da CRFB, estão sujeitos apenas à noventena, e não à virada do ano
fiscal. Somente o IPI e a contribuição para seguridade social estão assim excepcionados. Os
tributos que constam apenas da coluna da alínea “c”, que são o IR e as bases de cálculo do
IPVA e do IPTU, não são sujeitos à noventena, mas ainda são sujeitos ao exercício fiscal.

18
Por esta diferenciação, a doutrina costuma criar uma categorização da anterioridade
em máxima, média e mínima, além da ausência de anterioridade: se o tributo não está sujeito
nem à noventena, nem à virada do ano fiscal, não há anterioridade, havendo cobrança
imediata; se o tributo está sujeito a ambas, está sujeito à anterioridade máxima; se está sujeito
apenas à virada do exercício, a anterioridade é média; se está sujeito apenas à noventena, é
de anterioridade mínima.
O IPVA e o IPTU merecem considerações: quanto à alíquota, a anterioridade é
máxima, pois sua alteração precisa respeitar tanto a virada do exercício quanto a noventena;
quanto à base de cálculo, porém, é média, uma vez que só precisa respeitar o exercício fiscal,
e não a noventena.

19
Tema III

1. Isonomia
Pelo artigo 150, II do CRFB temos que situações econômicas iguais devem ser
igualmente tributadas (CRFB, art. 5º, caput). Se for possível aplicar algum princípio
constitucional que fundamente a diferenciação, essa será possível. Se a diferenciação ocorrer
por outro motivo infundado, estaremos diante de um privilégio odioso.
Importante lembrar que o magistrado não pode estender uma isenção para uma
situação que seja aproximada daquela prevista em lei ou por questão de justiça social (art.
108, § 2º do CTN).
CTN, art. 108, § 2º - O emprego da equidade não poderá resultar na dispensa do
pagamento de tributo devido.
1.1 Uniformidade geográfica
Previsto no artigo 151, I da CRFB. A tributação deve ser uniforme em todo o território
nacional. Entretanto, é possível usar o tributo para reduzir diferenças regionais (CRFB, art.
170, VII), como visto na Zona Franca de Manaus.

1.2. Generalidade
Todos os que auferem renda, na forma da lei, estão sujeitos ao Imposto de Renda
(CRFB, 153, § 2º, I).

1.3. Universalidade
Todas as rendas do sujeito passivo estão sujeitas ao IR (CRFB, 153, § 2º, I).

2. Capacidade Contributiva
Este é o principal princípio de justiça da tributação, aliado à igualdade e isonomia.
Na CRFB, não há, em momento algum, a expressão capacidade contributiva; há, sim, o termo
capacidade econômica.
A capacidade contributiva consiste em um parâmetro de justiça tributária, posto que
impõe que se tribute mais a quem tenha mais capacidade econômica, e menos a quem tenha
menos. É exatamente a leitura tributária da igualdade material: trata desigualmente aos
desiguais, na medida da sua desigualdade, ou seja, cada um a seu modo, na medida de sua
capacidade – e não todos, mais ou menos abastados, no mesmo patamar.
O artigo 145, § 1°, da CRFB, sede textual do princípio, apresenta o termo capacidade
econômica:
Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir
os seguintes tributos:
(...)
§ 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados
segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração
tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar,
respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos
e as atividades econômicas do contribuinte.
A capacidade econômica pode ser observada sob dois aspectos: objetiva ou
subjetivamente. Quando se tem por meio de mensuração apenas a coisa em questão, sem se

20
considerar nada acerca do titular da coisa, a capacidade econômica é objetivamente
quantificada; se estiverem sendo consideradas as características pessoais do titular da coisa,
então a capacidade que está sendo medida é a subjetiva.
Antes de aprofundar a questão da capacidade contributiva, é necessário traçar uma
diferenciação relevante. Veja: há dois tipos de tributos, os reais e os pessoais. Falando-se só
em impostos, impostos reais não são as relações jurídicas do fisco com a coisa; coisa não
titulariza relação jurídica, a qual é sempre interpessoal – do titular da coisa com o fisco, in
casu. O que ocorre nos tributos reais é que a tributação ocorre em função da coisa, sobre o
titular desta (IPVA, IPTU, IOF, ICMS etc.). São obrigações propter rem, então.
Os impostos pessoais, ao contrário, incidem em função das características pessoais
da pessoa, do sujeito passivo, e não em função de uma coisa determinada. O exemplo mais
clássico que temos é o IR.
Assim, fica claro que a capacidade contributiva objetiva se mede em relação aos
impostos reais, e a subjetiva em relação aos pessoais.
Pois bem. Hoje, surge séria discussão acerca do citado § 1° do artigo 145 da CRFB.
Esta discussão tem seu núcleo exatamente em uma controversão fática ao sistema tributário,
no que tange esta diferença entre impostos reais e pessoais quanto à capacidade contributiva.
Veja que o citado dispositivo estabelece que os impostos, sempre que possível, serão
pessoais, e será observada a capacidade contributiva. Isto indica, de fato, que a capacidade
contributiva só pode ser medida, na nossa sistemática, nos tributos pessoais, ou seja, a
capacidade econômica de que trata o princípio é a subjetiva. Um exemplo: o IPVA de um
automóvel que custa cem mil reais é o mesmo para o seu dono, quer ele ganhe quinhentos
reais por mês, quer ganhe cinquenta mil (alheando-se sobre qualquer discussão fazendária
sobre a origem do automóvel) – não há qualquer influência da questão subjetiva, da
capacidade econômica subjetiva do dono do carro sobre a quantificação do IPVA, imposto
real.
Assim, o STF entende, claramente, que o princípio da capacidade contributiva não
tem qualquer relação com a capacidade econômica objetiva, ou seja, é princípio atinente
exclusivamente aos impostos pessoais, derivado da capacidade econômica subjetiva. A
doutrina, em peso, rechaça esta idéia. Entendem, os autores, que o princípio da capacidade
contributiva é um princípio metajurídico, que não só não precisa de previsão textual – como
qualquer princípio –, como não tem direção específica para este ou aquele tributo: é princípio
do ordenamento tributário como um todo.
Por conta do entendimento da doutrina, surge o que se denomina a teoria da
personalização dos tributos, que é justamente a expansão da interpretação da capacidade
econômica subjetiva, ou seja, se levar em conta as condições pessoais do contribuinte em
todos os tributos, e não somente nos pessoais.

3. Capacidade Contributiva, Progressividade e Proporcionalidade


Íntima relação com a capacidade contributiva (capacidade econômica subjetiva, para
o STF) tem a progressividade. Veja: o aumento da alíquota ou o aumento da base de cálculo
aumentam o quantum do tributo, mas apenas proporcionalmente, ou seja, aquele que ganha
mais paga a mesma proporção que aquele que ganha menos (mesmo que o valor absoluto
seja maior).
O que a progressividade faz é aumentar a alíquota à medida que a base de cálculo
aumente. Somente assim se faz a justiça material, medindo-se realmente a capacidade
contributiva e tributando realmente mais aquele que ganha mais, e menos aquele que ganha

21
menos. Assim funciona o IR, de forma juridicamente perfeita e justa. A progressividade é
um grande instrumento na promoção da isonomia e da atenção à capacidade contributiva,
promovendo a justiça real na tributação.

Progressividade do tributo
Aumento da alíquota (aumento da alíquota à
Alíquota
medida que aumenta a base
de cálculo)

Aumento da base de
cálculo

Base de cálculo

Assim, a regra do STF, por toda a lógica da progressividade em relação à capacidade


contributiva, é que esta somente seja aplicável em relação à pessoa, assim como a capacidade
econômica subjetiva faz entender. Por isso, a progressividade tem todo o assento jurídico
sobre os impostos pessoais, apenas, não havendo lógica na progressividade dos tributos reais.
É aí que surge problemática tremenda. Ocorre que o constituinte originário e o
derivado instituíram a progressividade sobre tributos reais, quais sejam o IPTU e o ITR,
subvertendo toda a lógica do instituto, que é dedicado a medir a capacidade econômica
subjetiva e, em decorrência, promover a atenção à capacidade contributiva. Quatro são as
hipóteses de progressividade na CRFB, sendo que para três há explicação jurídica. Vejamos
as hipóteses:

• Progressividade do Imposto de Renda: Como dito, é juridicamente perfeita, pois o IR


é pessoal, e a gradação da progressividade, aqui, privilegia a capacidade contributiva
de forma correta, pelo que não há discussão. É prevista no artigo 153, § 2°, I, da
CRFB:
Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
(...)
III - renda e proventos de qualquer natureza;
(...)
§ 2º - O imposto previsto no inciso III:
I - será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da
progressividade, na forma da lei;

• Progressividade do IPTU: Há dois tipos de progressividade do IPTU. A primeira, do


artigo 182, § 4°, II, da CRFB, diz respeito à função social da propriedade, e consiste,
de fato, em uma medida de coerção, ao proprietário do imóvel urbano descumpridor
da função social da propriedade, para que este a implemente. Veja:
Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público
municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o
pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus
habitantes.
(...)
§ 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área
incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo
urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado
aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

22
(...)
II - Imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;
A progressividade do IPTU, neste caso, consistiu em uma opção do constituinte por
uma forma de coactar o proprietário na proporção de sua propriedade. É simples: ao invés de
estabelecer uma multa qualquer, alheia a qualquer parâmetro real de propriedade, para
sancionar o descumprimento da função social, o constituinte preferiu condicionar, para fins
de estabelecer proporção, ao IPTU, valendo-se das medidas deste imposto sobre a base de
cálculo.
Por isso, essa função extrafiscal assumida pelo IPTU não diz respeito à capacidade
contributiva, sob nenhum aspecto. É simplesmente uma função extrafiscal de medida de
coerção adquirida pelo IPTU, sem qualquer relação com a capacidade contributiva.
A doutrina ainda suscitou que esta progressividade seria sanção por ato ilícito, o que
é vedado à tributação, segundo o conceito legal de tributo, do artigo 3° do CTN. O STF
rechaçou a idéia, dizendo que não é sanção, é função extrafiscal de medida de coerção
adquirida pelo imposto. É quase, permissa venia, uma “astreintes” imposta ao mau
proprietário.
A outra hipótese de progressividade do IPTU, esta sim, apresenta-se problemática em
relação ao escopo da progressividade e sua relação com a capacidade contributiva.
Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
I - propriedade predial e territorial urbana;
(...)
§ 1º Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4º,
inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá:
I – ser progressivo em razão do valor do imóvel; e
II – ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel.
Esta progressividade é uma inovação da EC 29/2000. Há uma súmula do STF que
dispõe que:
Súmula 668, STF: É inconstitucional a lei municipal que tenha estabelecido, antes
da EC 29/2000, alíquotas progressivas para o IPTU, salvo se destinada a assegurar
o cumprimento da função social da propriedade urbana.
Com este enunciado, fica claro que o STF entende que, após a referida EC 29/2000,
que trouxe a nova redação ao artigo 156 da CRFB, subsistem validamente as duas formas de
progressividade do IPTU, a que se destina ao cumprimento da função social da propriedade
(artigo 182, § 4°, II, da CRFB), e a que se presta a uma suposta diferenciação quanto à
capacidade contributiva (do artigo 156, § 1°, I, da CRFB, que é objetiva, nesse caso,
aberração que se comentou).
Caso a teoria doutrinária da personalização dos tributos fosse adotada, a questão
desta progressividade do IPTU, do artigo 156, não se apresentaria tão estranha, pois esta
teoria entende que a capacidade contributiva deve também ser medida nos impostos reais.
Todavia, não é a tese do STF, ainda, pelo que fica um tanto contraditória a posição da Magna
Corte, vez que entende que a capacidade contributiva diz respeito à capacidade econômica
subjetiva, e atribui validade5 à progressividade clássica (não extrafiscal) dada a um imposto
real, cuja capacidade econômica é objetivamente aferida.

5
Veja que a posição do STF é depreendida da leitura transversa da súmula 668, pois o STF não se pronunciou
ainda expressamente no sentido de dizer que a progressão trazida pelo artigo 156, § 1º, I, da CRFB pela
EC29/2000 é constitucional: apenas se deduz isso da leitura do referido enunciado.

23
• Progressividade do ITR: Esta progressividade, prevista no artigo 153, § 4°, I, da CRFB, é
exatamente igual à progressividade do IPTU na sua modalidade de medida para compelir o
implemento da função social, só que transportada à propriedade rural. Por isso, tudo que se
disse sobre o IPTU, nesta modalidade de progressividade, se aplica aqui ao ITR.
Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
(...)
VI - propriedade territorial rural;
(...)
§ 4º O imposto previsto no inciso VI do caput:
I - será progressivo e terá suas alíquotas fixadas de forma a desestimular a
manutenção de propriedades improdutivas;
O artigo 156 da CRFB ainda trouxe uma inovação que merece comentários: o § 1°,
na alínea II, dispõe que há possibilidade de o IPTU assumir alíquotas diferentes em razão da
localização e uso do imóvel. Isso não se confunde, em nada, com a progressividade, pois diz
respeito a uma outra característica que pode ser assumida pelos tributos: a seletividade.
Se trata apenas de alíquotas diferenciadas de acordo com as diferentes situações de
fato, ou seja, altera-se apenas um dos vetores do quantum do tributo, e não ambos (alteração
da alíquota em razão da base de cálculo), como na progressividade: estabelece-se a alíquota
em razão de características diferentes do fato gerador, e não a gradação da alíquota em relação
à gradação da base de cálculo.
Assim, pode haver alíquota de três por cento para um tipo de imóvel, e cinco por
cento para outro tipo, sem qualquer tipo de vício lógico. Há fatos geradores diferentes: um é
“ser proprietário de imóvel edificado”, e o outro é “ser proprietário de imóvel não-edificado”,
ou “ser proprietário de imóvel residencial”, contra “ser proprietário de imóvel não-
residencial”.
Uma ressalva, apenas, deve ser consignada: a diferenciação das alíquotas deve
respeitar a razoabilidade, pois do contrário outros princípios poderão ser aviltados, como a
vedação ao confisco (além da própria razoabilidade, que de per si já é suficiente para invalidar
a alíquota excessiva).
Quanto à capacidade contributiva, a maior parte da doutrina diz tratar-se de um
princípio de sobredireito, ou metajurídico, que deve orientar o exercício da tributação
independentemente de constar expressamente na Constituição. Ela é corolário da igualdade,
ou seja, nasce da igualdade para se alcançar a justiça da tributação. A capacidade contributiva
tem íntima ligação com a progressividade, que deve ser aplicada sem qualquer discussão aos
impostos de caráter pessoal. Contudo, em relação aos impostos reais, acende-se uma
discussão quanto aos seguintes dispositivos: 182, § 4°, II; 156, § 1°, I (em especial); e 153, §
4°, I, da CRFB.
Neste sentido, ao teor da súmula 668 do STF, temos dois momentos distintos: a) antes
da EC 29/2000, admitia-se apenas a progressividade quanto à função social da propriedade
urbana; b) após a referida EC, admitem-se dois tipos de progressividade: a referente à função
social da propriedade, e a mais controvertida, que diz respeito ao valor do imóvel urbano.
Por outro lado, as alíquotas diferenciadas, previstas no artigo 156, § 1°, II, que guarda
relação com a seletividade, não sendo modalidade de progressividade, e que, segundo o STJ,
é perfeitamente constitucional, tratando-se de seletividade perfeita, nem vedada nem
autorizada pelo CTN.
3.1. Proporcionalidade

24
É a variação do tributo em razão da diferença da base de cálculo, mas a alíquota é
única. Como exemplo podemos citar o IPTU na cidade do Rio: a alíquota é a mesma, mas a
base de cálculo (valor do imóvel) é diferente.

4. Seletividade
A seletividade consiste na tributação conforme a essencialidade do objeto da
tributação. Segundo a CRFB, é obrigatória para o IPI, e facultativa para o ICMS. O problema
é o que é essencial?
Como exemplo, o IPI dos cigarros e das bebidas alcoólicas é bastante elevado, em
razão da exigência constitucional:
Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
(...)
IV - produtos industrializados;
(...)
§ 3º - O imposto previsto no inciso IV:
I - será seletivo, em função da essencialidade do produto;
Vê-se clara função extrafiscal6 nessa seletividade, pois o intento é coibir o uso dos
referidos produtos, dada sua nocividade à saúde. A arrecadação majorada daí decorrente é
mero efeito colateral.
O ICMS tem a seletividade facultativa, como se vê no artigo 155, § 2°, III, da CRFB:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
(...)
II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços
de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as
operações e as prestações se iniciem no exterior;
(...)
§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
(...)
III - poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos
serviços;
No caso dos cigarros e bebidas alcoólicas, o convênio do ICMS implementou a
seletividade, majorando enormemente as respectivas alíquotas.

5. Vedação ao Confisco
O confisco é um conceito jurídico indeterminado, que é preenchido na casuística:
consiste em confisco a expropriação de bens do contribuinte pelo fisco (retirada de parcela
significativa do património) ou quando é inviabilizada a atividade econômica. É importante
não se confundir jamais com a desapropriação: o confisco tributário é a absorção arbitrária,
indevida, do patrimônio do contribuinte, quer tomando a coisa ou inviabilizando o seu uso.
A vedação encontra assento no artigo 150, IV, da CRFB:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à
União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
IV - Utilizar tributo com efeito de confisco;

6
Rememorando, o tributo é fiscal quando sua função é a arrecadação, pelo que todos os tributos são fiscais, na
medida em que arrecadam. A extrafiscalidade ocorre quando o tributo assume outra função, além da
arrecadação, como na seletividade e na progressividade em razão da função social da propriedade.

25
Determinar-se o que seja ou não confisco é bastante difícil. Há casos em que o
confisco é claro, como quando há alíquotas extremadas (cinquenta por cento sobre a renda,
hipoteticamente), ou quando a tributação se demonstra uma arbitrariedade calcada na
seletividade ou na extrafiscalidade.
Por exemplo, se a título de seletividade for atribuída uma alíquota de trezentos por
cento sobre o IOF dos cigarros, estará praticamente impedido o comércio deste produto, pelo
que se entende que é alíquota confiscatória.
A guia maior da vedação ao confisco é a razoabilidade e proporcionalidade, que, na
verdade, é a guia maior do “direito das quantificações”, por assim dizer.

26
Tema IV

1. Imunidades Tributárias Genéricas


Constam do artigo 150, VI, “b”, “c” e “d” da CRFB. As imunidades são criadas
somente pela CRFB, e regulamentadas pela lei complementar (o CTN, no caso). Antes de
adentrar propriamente no tema, é interessante traçar um esquema gráfico que ajuda a sua
compreensão:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à
União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
VI - instituir impostos sobre:
a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;
b) templos de qualquer culto;
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações,
das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de
assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;
d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.

Artigo 150, VI, da CRFB


Impostos Inclui, além da
sobre administração direta, as
a) Recíproca patrimônio, Uns dos outros autarquias, fundações, e
rendas e empresas públicas que
serviços prestam serviço
público, desde que
atendidas as finalidades
essenciais da entidade
Impostos
Subjetivas sobre Desde que o patrimônio, as rendas e serviços
b) Religiosa patrimônio, atendam às finalidades essenciais da entidade, que
rendas e tem que ser regularmente constituída
serviços
Impostos Instituições de educação e Desde que o
sobre de assistência social só patrimônio, as rendas e
c) Condicionada patrimônio, recebem imunidade se não serviços
rendas e tiverem tal finalidade atendam às finalidades
serviços lucrativa, e preencherem os essenciais da entidade
demais requisitos do artigo (súmula 724 do STF)
14 do CTN
d) Livros, jornais,
Objetiva periódicos e o Há uma enorme gama de julgados identificando o que se enquadra ou
papel destinado a não nesta classe de imunidade, além da súmula 657 do STF
sua impressão

Há uma regra geral de hermenêutica que deve ser observada: as normas imunizantes
são restrições ao poder de tributar, o qual é um ato de soberania do Estado, devem ser
interpretadas restritivamente: a restrição é uma exceção, e assim deve manter-se (apesar de
algumas decisões do STF denotarem clara interpretação extensiva).
Outra regra geral é que as imunidades não pressupõem elisão das obrigações
acessórias, ou seja, aqueles que têm imunidade devem atentar para as declarações e
escriturações que a lei impõe, sob pena de perder a imunidade.
Passemos, então, aos comentários setoriais:

27
• Imunidade religiosa: Desde que a igreja, lato sensu, seja regularmente constituída, merece
a imunidade, em atenção ao laicismo constitucional e à liberdade religiosa, direito
fundamental. O STF entendeu que até mesmo se o imóvel da entidade religiosa for alugado,
as rendas dos alugueres são imunes, assim como os tributos incidentes sobre a coisa (IPTU,
por exemplo), desde que revertam em proveito das finalidades institucionais essenciais da
entidade. Em outra decisão semelhante, entendeu que até mesmo a exploração do
estacionamento das igrejas é digna de imunidade, desde que revertam os proveitos para a
finalidade institucional. Assim também ocorre a com a venda de material religioso (bíblias,
“santinhos”, etc.).
Há de ser consignada uma observação pertinente. A reversão das rendas para a
finalidade institucional essencial é uma obrigatoriedade cujo cumprimento é de impossível
verificação. Isto porque a lei não estabelece, em momento algum, a obrigatoriedade de livro
de escrituração das rendas da igreja, pelo que esta obrigação acessória não é exequível: se o
livro não existe na lei, se a lei não determina a escrituração, não há como se verificar,
formalmente, a correta aplicação dos recursos.

• Imunidade condicionada: As entidades ali mencionadas, todas elas, têm natureza jurídica
de pessoa jurídica de direito privado. Os partidos políticos e suas fundações, e as entidades
sindicais dos trabalhadores, naturalmente, não podem ter finalidade lucrativa, mas as
entidades assistencialistas e as educacionais podem ter tal finalidade. Em assim sendo,
somente serão dignas de imunidades as entidades assistencialistas e educacionais que
optarem por não ter fins lucrativos. Esta previsão condicionante é trazida no artigo 14 do
CTN, que aduz ainda outros três requisitos para tais entidades nos incisos:
Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do artigo 9º7 é subordinado à observância
dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas:
I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer
título;
II - aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus
objetivos institucionais;
III - manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de
formalidades capazes de assegurar sua exatidão.
§ 1º Na falta de cumprimento do disposto neste artigo, ou no § 1º do artigo 9º, a
autoridade competente pode suspender a aplicação do benefício.
§ 2º Os serviços a que se refere a alínea c do inciso IV do artigo 9º são
exclusivamente, os diretamente relacionados com os objetivos institucionais das
entidades de que trata este artigo, previstos nos respectivos estatutos ou atos
constitutivos.

As entidades sindicais, que não são somente os sindicatos, mas também as federações
e confederações, só recebem imunidade quando são dos trabalhadores, em razão da
hipossuficiência destes nas relações de trabalho. Entidades sindicais patronais não recebem
imunidade.
A imunidade se estende aos imóveis das entidades imunizadas sob esta epígrafe,
mesmo que alugados, conforme expressa orientação do STF na súmula 724:
Súmula 724, STF: Ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o
imóvel pertencente a qualquer das entidades referidas pelo art. 150, VI, “c”, da

7
O artigo 9°, IV, a que aqui se refere, do CTN, é cópia do artigo 150, VI, da CRFB. Este artigo 14, inclusive,
é um exemplo de regulamentação, pela lei complementar, da imunidade instituída na CRFB.

28
Constituição, desde que o valor dos aluguéis seja aplicado nas atividades essenciais
de tais entidades.
Repare que mesmo que a súmula em questão tenha exatamente os mesmos
fundamentos das decisões do STF quanto à imunidade religiosa dos respectivos bens
alugados, não deve ser utilizada como fonte expressa da imunidade religiosa estendida, pois
a menção é expressa à alínea “c” do artigo em comento. Todavia, nada impede que seja citada
analogamente.

• Livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão: Esta imunidade difere
das demais por não ser dedicada a determinadas pessoas, mas sim a determinadas coisas:
enquanto as três outras – recíproca, religiosa e condicionada – são concedidas a pessoas que
desempenham tais atividades, em razão da sua condição subjetiva, esta alínea “d” concede
imunidade às coisas ali previstas, e não à pessoa que delas se utiliza. Por isso, é denominada
imunidade objetiva, enquanto as demais são subjetivas.
Assim, o livro é imune do ICMS, por exemplo, mas seu autor não é imune de IR,
tampouco a editora.
Pela extensa gama de julgados no STF sobre esta imunidade, é interessante arrolar
quais materiais foram imunizados nesta epígrafe e quais não o foram (julgados que, de fato,
têm critérios um tanto duvidosos):
▪ São imunes: Lista telefônica (RE 199.183); álbum de figuras (RE 221.239); manuais
técnicos didáticos (apostilas - RE 183.403); película de polímero de propileno (plástico para
capa de livros – RE 392.221).

▪ Não são imunes: Tinta para impressão dos livros; figuras sem álbum, que são consideradas
brinquedos; máquinas e equipamentos utilizados na produção de livros e jornais (RE
273.308); agendas e calendários.
A súmula 657 do STF ainda prevê:
Súmula 657, STF: A imunidade prevista no art. 150, VI, “d”, da CRFB abrange os
filmes e papéis fotográficos necessários à publicação de jornais e periódicos.
É importante notar que foi acrescentado ao art. 150, III da CRFB a alínea “e”.
e) fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras
musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas
por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os
contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a
laser.

2. Livre Circulação e Liberdade de Tráfego


Consiste na liberdade de movimentação de localidade a localidade que é garantida
pela Constituição, a liberdade de ir e vir.
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à
União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
V - estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos
interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização
de vias conservadas pelo Poder Público;
A principal discussão já encontra ressalva no próprio dispositivo: a exceção do
pedágio. Outra questão é a do ICMS.

29
A regra é que trafegar, pessoas ou bens, não é fato tributável. Contudo, o ICMS,
inserto no artigo 155, II, é uma exceção constitucional, em que o constituinte ponderou os
princípios da livre circulação e do poder de tributar, e entendeu por privilegiar a soberania
nacional manifesta no poder de tributar.
O pedágio, outra excepcionalidade constitucional, é matéria de grandes debates, tanto
quanto à natureza jurídica da sua cobrança – taxa ou tarifa –, quanto à sua própria validade,
pelo que o STF chegou a emitir enunciado, na súmula 545:
Súmula 545, STF: Preços de serviços públicos e taxas não se confundem, porque
estas, diferentemente daquelas, são compulsórias e têm sua cobrança condicionada
à prévia autorização orçamentária, em relação à lei que as instituiu.
Vale ressaltar que a parte final da súmula, que trata da condição de cobrança, não
mais se aplica, restando do enunciado a validade apenas no que diz respeito à diferença entre
taxa e preço público, tarifa. O que parece óbvio, a não sinonímia dos conceitos, na casuística
pode suscitar dúvidas. Isto porque as concessionárias do serviço público, em geral, cobram
tarifas, e não taxas. O STF, a este respeito, explicou que como o pedágio é obrigatório, pois
não se exige que haja via alternativa àquela concedida (pois a exceção constitucional é
incondicionada, não trazendo esta imposição), a natureza dos serviços prestados pela
concessionária é de serviço compulsório, o qual se remunera mediante tributo taxa, e não
preço público (como na concessão de transportes terrestres, ônibus, que não são serviços de
utilização compulsória).
Sendo assim, o pagamento do pedágio é por meio de taxa, e à concessionária é cedida
a capacidade tributária ativa para sua cobrança (nunca a competência tributária). Por conta
disso, o aumento do valor do pedágio só se faz por meio de lei, e respeitada a anterioridade
tributária; fosse tarifa, bastaria a atenção às normas regulamentadoras do contrato de
concessão.
Importante consignar que grande parte da doutrina ainda defende, debalde a posição
clara do STF, que a natureza da contraprestação é de preço público. Acaso fosse imposta a
via alternativa, assistiria razão à doutrina, mas como não há, o STF tem a melhor posição.

3. Vedação da Diferenciação Tributária em Razão da Procedência ou Destino


Este limite é imposto no artigo 152 da CRFB, autoexplicativo:
Art. 152. É vedado aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer
diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua
procedência ou destino.

4. Transparência Tributária
Exatamente como no Direito do Consumidor, o fisco deveria informar precisamente
aos contribuintes sobre a carga tributária a que está sendo submetido:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à
União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
§ 5º - A lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos
acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços.

30
Todavia, como se vê, esta norma é de eficácia limitada8, e como não há interesse em
revelar ao contribuinte sua carga tributária, a lei regulamentadora nunca foi editada.

5. Uniformidade, Generalidade e Universalidade


Presentes nos artigos 151, I (uniformidade) e 153, § 2° (generalidade e
universalidade) da CRFB, resumem-se num brocardo bem simples: a tributação deve atingir
todo o patrimônio, de todas as pessoas, de forma uniforme, ou seja, resume-se na igualdade.
De fato, são apenas parâmetros da igualdade material (tributar os iguais igualmente, e os
desiguais desigualmente, na medida de suas desigualdades).
Art. 151. É vedado à União:
I - instituir tributo que não seja uniforme em todo o território nacional ou que
implique distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a
Município, em detrimento de outro, admitida a concessão de incentivos fiscais
destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico entre as
diferentes regiões do País;
Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
(...)
III - renda e proventos de qualquer natureza;
(...)
§ 2º - O imposto previsto no inciso III:
I - será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da
progressividade, na forma da lei;

6. Dignidade da Pessoa Humana


Este princípio é quase um valor jurídico, dada sua abstração. Em matéria tributária, é
relevante para a garantia do mínimo vital, do não-confisco, etc. É um princípio informativo
de toda a seara tributária, assim como o é nas outras esferas do direito.
O “tributo”, em sentido amplo, existe há muitos e muitos anos. Não se pode negar
que ele é extremamente necessário em nosso ordenamento constitucional. Seria ingenuidade
esperar que o cidadão comum simplesmente optasse em recolher uma carga tributária se esta
fosse meramente facultativa.
Entretanto, a instituição do tributo deve seguir normas expressas em nossa atual
Constituição Federal, de sorte que havendo equilíbrio entre o tributo e a dignidade da pessoa
humana, esta tributação será eminentemente eficaz e necessária em nossa sociedade.
Como já visto, a dignidade da pessoa humana é verdadeiro fundamento da República
Federativa do Brasil, conforme dispõe o primeiro artigo da Constituição de 1988, do que
também se conclui que o Estado existe em razão do ser humano, e não o inverso. Por isso as
ações governamentais devem ter a intenção precípua de preservar a sua dignidade. Apesar de
constar no Texto, essa dignidade não é conferida por ele, mas sim a todo ser humano, pelo
simples fato de existir, é reconhecido o direito de ter uma vida digna.
Para Luís Roberto Barroso (2001) o núcleo material elementar do princípio da
dignidade humana “é composto do mínimo existencial, que identifica o conjunto de bens e
utilidades básicas para a subsistência física e indispensável ao desfrute da própria liberdade”.
Na seara tributária, a mensuração do “mínimo existencial” depende da justiça da
repartição da carga fiscal, que por sua vez é implementada pelo princípio da capacidade

8
Em tempos de neoconstitucionalismo, esta norma poderia ser diretamente invocada como geradora do direito
subjetivo à informação para o contribuinte. Fica a idéia.

31
contributiva. O tributo não deve sacrificar o necessário físico ou mínimo de existência da
pessoa, nem o seu nível de vida compatível com a dignidade humana.
Dessa forma, o princípio da capacidade contributiva deve servir como balizador da
imposição fiscal, tendo como uma das finalidades a garantia do mínimo existencial, em prol
da dignidade humana.

32
Tema V

1. Imunidade Recíproca dos Entes Federativos


A imunidade, como visto, não é uma hipótese de não-incidência qualquer. Não é uma
situação irrelevante do ponto de vista tributário. Muito ao contrário, consiste em uma situação
de tamanha relevância que o constituinte optou por tratá-la especialmente no Texto Maior.
Uma dessas situações é o relacionamento tributário entre os entes federativos, que mereceu
a previsão da imunidade recíproca.
O artigo 150, VI, “a” da CRFB vem apresentar este princípio:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à
União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
VI - instituir impostos sobre:
a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;
As imunidades tributárias, como visto, são limitações ao poder de tributar do Estado,
e, segundo a visão de Ricardo Lobo Torres, são garantias fundamentais (as imunidades
propriamente ditas; as demais, ele entende que são meras hipóteses de não-incidência tratadas
na Constituição).
De uma forma ou de outra, as imunidades exercem um papel importantíssimo:
dedicam-se a confirmar, ratificar outros valores já defendidos por outros princípios
constitucionais. A imunidade religiosa, por exemplo, dedica-se a proteger a liberdade de
credo, garantida pelo artigo 5° nos incisos VI a VIII, e promover o laicismo constitucional,
do artigo 19, I, da Carta Magna. Assim ocorre com todas as imunidades.
A imunidade recíproca, por sua vez, tem o escopo de garantir, em última instância, a
estabilidade do pacto federativo, presente no primeiro artigo da CRFB. Veja como se dá:
imagine se, por exemplo, o município pudesse cobrar IPTU dos imóveis da União e do
Estado; o Estado pudesse cobrar IPVA dos veículos da União e do Município; e a União
pudesse cobrar IR do Estado e Município. Esta tributação recíproca abriria caminho à
instabilidade da unidade federativa, na medida em que a probabilidade de que haja problemas
e questionamentos relativos à autonomia dos entes seria enormemente majorada.
A fim de evitar qualquer chance de problemas que poriam abaixo a unidade
federativa, que é indissolúvel nos termos do artigo 1° da CRFB, o constituinte optou por
impedir a cobrança de impostos pelos entes federativos uns dos outros.
Uma questão importante tem sido alvo de cogitação doutrinária: a reciprocidade da
imunização alcança somente os impostos, ou também outras espécies tributárias? Em tese, o
texto expresso da CRFB fala em vedação à instituição de impostos sobre patrimônio, renda
e serviços dos entes federativos, excluindo, à primeira vista, a incidência da imunidade sobre
os impostos sobre produção e circulação (como o IPI e o ICMS, não incluídos nas categorias
patrimônio, renda e serviços), e os demais tributos da classificação pentapartite, quais sejam,
taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições especiais. A
rigor, então, esta seria a leitura do dispositivo imunizante: somente ficaria imune aquilo a
que a Constituição expressamente contemplou imunidade.
A exclusão do IPI e do ICMS da imunização realmente tem uma lógica jurídica, e por
isso é, de fato, imposta a cobrança destes tributos aos entes federativos (IPI cobrado pela
União e ICMS cobrado pelos Estados dos demais entes federativos). Ocorre que estes
impostos são classificados como impostos indiretos, que operam o fenômeno da repercussão,
criando as categorias de contribuintes de direito e de fato: quem suporta financeiramente o

33
tributo, aqui, não é o ente federativo – contribuinte de direito –, e sim o consumidor do
produto ou serviço – o contribuinte de fato.
O contribuinte que recolhe o tributo, fornecedor do produto ou serviço (contribuinte
de direito), repassa o valor do tributo ao adquirente, ou seja, quem arca com a carga tributária
é o consumidor (contribuinte de fato). Sendo assim, quando o ente federativo se coloca na
posição de contribuinte de direito, como no caso do IPI e ICMS, não há qualquer lógica em
receber a imunidade, porque o tributo simplesmente não onera seu orçamento: quem paga é
o consumidor9.
A CRFB fala em impostos sobre patrimônio, renda e serviços. O IOF e o ISS não são
incidentes, em regra, sobre nenhum desses não-tributáveis: são impostos incidentes sobre a
circulação. A classificação dos impostos em três tipos, oferecida pelo CTN, é relevante neste
tópico:
 Impostos sobre patrimônio e renda: IR, ITR, IGF, IPVA, ITDCM¸ IPTU e ITBI;
 Impostos sobre produção e circulação: IPI, ICMS, IOF e ISS;
 Impostos sobre comércio exterior: II e IE.
Assim, não estariam, na literalidade, açambarcados pela imunidade recíproca.
Todavia, há uma ressalva a ser feita quanto ao IOF. Veja: este imposto incide sobre a
circulação financeira, em geral. Há casos, porém, em que esta circulação faz girar o próprio
patrimônio do suposto contribuinte. Como exemplo, as aplicações financeiras: por vezes,
não passam de uma afetação temporária do patrimônio de uma pessoa, qualquer que seja.
Destarte, se a pessoa que realiza a aplicação financeira for um ente federativo, seria
alcançada tal aplicação pela imunidade recíproca? O STF entende que sim, pois mesmo o
IOF não sendo incidente sobre patrimônio, renda ou serviço, neste caso, esta é a sua
incidência: atinge diretamente o patrimônio do ente que realiza a aplicação financeira, pelo
que esta é imune ao IOF.
Para além disso, entende o STF que também os rendimentos provenientes da
aplicação financeira realizada pelo ente são igualmente alcançados pela imunidade
recíproca, pois constituem renda do respectivo ente federativo – também não lhes atinge o
IOF. O acórdão paradigma é o proferido no RE 192.888-3/DF.
Outra consignação que deve ser feita é sobre a ADI 939/DF, julgada em 1994, que
foi a primeira oportunidade em que o STF entendeu ser possível a declaração de
inconstitucionalidade de atos do poder constituinte derivado, emendas constitucionais, in
casu, a EC 3/93.
Nesta ADI, questionou-se a constitucionalidade do IPMF, criado sem respeito à
anterioridade tributária e sem atenção à imunidade recíproca, o que o STF considerou (ambas
as disposições: imediata cobrança e desatenção à imunidade recíproca), inconstitucional.
Posteriormente, o IPMF foi convertido em CPMF, fugindo à regra da imunidade recíproca e
à anterioridade máxima, vez que as contribuições se submetem apenas à noventena (artigo
195, § 6°, da CRFB).

9
Há que se cogitar uma outra hipótese: se o ente federativo for o adquirente, ou seja, se colocar-se na posição
de consumidor de fato, será imune? Veja que, como consumidor de fato, será quem vai sofrer a real oneração
do imposto, e em tese mereceria a imunidade. Contudo, não há imunização, nessa hipótese, pois além de não
haver autorização expressa na CRFB, se houvesse tal imunidade haveria uma inovação mercadológica pouco
saudável: os produtos e serviços seriam muito mais baratos quando oferecidos ao Estado, criando um privilégio
nada razoável.

34
O que se extrai desse assunto, em referência ao tópico em debate – imunidade
recíproca – é se seriam realmente alheias à imunização as contribuições.
A questão está longe de ser pacífica. Tanto, que o STF, na ADI 2024/DF, deixou clara
sua posição apenas quanto às contribuições previdenciárias, determinando que a imunidade
recíproca não é aplicável a estas.
Quanto às demais modalidades – de melhoria e especiais em geral –, o STF ainda não
se posicionou, mas a provável tendência é a extensão da imunização. Isto porque a mens da
imunização recíproca, a proteção do pacto federativo, tem sido reiteradamente aviltada pela
União, pois a carga tributária proveniente das contribuições vem aumentando
exponencialmente, sobrecarregando os entes menores; ao impor este risco ao pacto
federativo, cabe ao STF realizar a melhor interpretação da vontade do constituinte,
estendendo a proteção do artigo 150, VI, “a” a esta espécie tributária.

A viatura da PM não paga IPVA devido a confusão. A viatura da GM não paga IPVA por
imunidade recíproca.

2. Vedação de Isenções Heterônomas


Consiste na vedação à instituição de isenções, pela União, sobre impostos que são de
competência dos demais entes federativos:
Art. 151. É vedado à União:
(...)
III - instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal
ou dos Municípios.
A isenção que contraria esta vedação é chamada isenção heterônoma, e atenta contra
o pacto federativo. Por óbvio, o próprio ente pode instituir isenções autônomas, quais sejam,
aquelas que incidem sobre os impostos de sua própria competência.
Por conta desta vedação, o artigo 13, parágrafo único do CTN não foi recepcionado
pela CRFB:
Art. 13. O disposto na alínea a do inciso IV do artigo 9º não se aplica aos serviços
públicos concedidos, cujo tratamento tributário é estabelecido pelo poder
concedente, no que se refere aos tributos de sua competência, ressalvado o que
dispõe o parágrafo único.
Parágrafo único. Mediante lei especial e tendo em vista o interesse comum, a União
pode instituir isenção de tributos federais, estaduais e municipais para os serviços
públicos que conceder, observado o disposto no § 1º do artigo 9º.
Há casos, entretanto, que a isenção heterônoma acaba se implementando, sendo casos
excepcionais. Um deles é a pactuação, em tratados internacionais, de isenções fiscais sobre
tributos que, no Brasil, são de competência estadual ou municipal.
Ocorre que o tratado é internalizado pelo Congresso, que edita o Decreto Legislativo,
transformando-o em lei ordinária. Se contiver isenção sobre tributos estadual ou municipal,
esta será válida, vez que a pactuação de tratados é ato de soberania nacional, e não mero ato
da União: é o Estado Brasileiro como um todo, a República Federativa do Brasil, pessoa de
direito público externo, manifestando-se perante os demais, pelo que sequer se entenderia
heterônoma esta isenção, pois os Estados-Membros são unidades do país, presumindo-se que
também se manifestaram na pactuação do tratado.
Há ainda outra exceção à vedação das isenções heterônomas: (a) ICMS de exportação
(imunidade); (b) ISS na exportação (imunidade).

35
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
(...)
II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços
de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as
operações e as prestações se iniciem no exterior;
(...)
§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
(...)
X - não incidirá:
a) sobre operações que destinem mercadorias para o exterior, nem sobre serviços
prestados a destinatários no exterior, assegurada a manutenção e o aproveitamento
do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores;
(...)
XII - cabe à lei complementar:
(...)
e) excluir da incidência do imposto, nas exportações para o exterior, serviços e
outros produtos além dos mencionados no inciso X, "a";
Se trata de uma LC, de competência da União, excluindo a incidência de um tributo
estadual, o ICMS, de algumas hipóteses ali previstas (serviços e produtos não tratados no
inciso X, “a”, do mesmo artigo).

3. Não-Cumulatividade
Este é, de fato, um princípio técnico de cálculo tributário. É trazido expressamente na
CRFB para dois impostos, o IPI e o ICMS, respectivamente nos artigos 153, § 3°, II, e 155,
§ 2°, I:
Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
(...)
IV - produtos industrializados;
(...)
§ 3º - O imposto previsto no inciso IV:
(...)
II - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com
o montante cobrado nas anteriores;

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
(...)
II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços
de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as
operações e as prestações se iniciem no exterior;
(...)
§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
I - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação
relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante
cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;
A ideia da não-cumulatividade é a seguinte: já que os impostos em questão incidem
em uma cadeia de atos negociais, se sobre cada etapa da cadeia, a qual consistirá em um fato
gerador, incidir o imposto novamente, a cumulatividade de incidências acabará por onerar
em demasia o produto ou serviço até que este alcance o consumidor final (pois como são
tributos indiretos, a sua carga é suportada pelo contribuinte de fato, o consumidor).
Por conta disso, e para se evitar essa oneração demasiada e indevida, que ocorrerá na
incidência em cascata do mesmo tributo sobre as diversas etapas da produção, a não-

36
cumulatividade impõe que sobre cada etapa, ao se fazer incidir a tributação, de deduza o
recolhimento que já foi realizado na etapa anterior. Vejamos um exemplo:
Assuma-se uma alíquota hipotética de 10% sobre a venda do produto industrializado
(IPI, portanto). Caso o tributo não fosse não-cumulativo, assim seria encadeada a relação até
o consumidor final: na primeira etapa, o produto cuja produção custou R$ 10,00 será
tributado ao ser vendido, o que fará com que o preço atinja R$ 11,00 para o adquirente. Em
seguida, este adquirente agregará algum valor ao produto, que passará a custar R$ 15,00;
sobre este custo, ao ser vendido o produto, haverá a tributação, e o custo final será de R$
16,50 ao próximo adquirente. Este, por sua vez, agregará outro valor ao produto, fazendo
modificações quaisquer e embutindo seu lucro, fazendo com que passe a custar R$ 20,00, e
será vendido ao consumidor final por R$ 22,00, com a tributação sobre a última venda, o
último fato gerador, embutida. Veja que a tributação final carrega um montante de R$ 4,50,
in casu.
No mesmo caso, com a não-cumulatividade que se impõe, o que ocorre é o seguinte:
o produto que custou R$ 10,00 será vendido por R$ 11,00, pois é a primeira tributação do
IPI, in casu. O adquirente agrega valor e chega ao preço de R$ 15,00, da mesma forma, mas
aqui começam as diferenças: ao vender para o próximo adquirente, a tributação incidirá, mas
o tributo a ser embutido vai descontar o que já foi pago na etapa anterior, ou seja, dos R$
1,50 que seriam devidos, pela incidência da alíquota de 10%, será descontado R$ 1,00 pago
pelo primeiro adquirente na primeira incidência, ou seja, será embutido o valor de apenas
mais R$ 0,50.
Assim, o produto será vendido ao próximo adquirente por R$ 15,50. A seguir, este
último adquirente fechará seu preço de produção em R$ 19,00. Ao vender o produto para o
consumidor final, incidirá o tributo sobre os R$ 19,00, o que será equivalente a R$ 1,90, e
descontará desse valor o tributo já pago nas etapas anteriores, ou seja, R$ 1,50, embutindo
no preço final apenas mais R$ 0,40. O consumidor final adquirirá um produto de R$ 19,40,
suportando a carga tributária como contribuinte de fato de apenas R$ 1,90 – bem diferente
dos R$ 4,50 caso o imposto fosse cumulativo.
Esta técnica é adotada em um tributo bastante justo existente no direito comparado,
que se denomina IVA – Imposto sobre Valor Agregado. É exatamente esta a mecânica do
IVA, que facilita tremendamente, e torna mais justas, as relações tributárias. No Brasil, o
IVA não cumulativo seria uma unificação do IPI, ICMS e ISS, e seria um grande avanço
(especialmente para o ICMS, que conta com vinte e sete legislações estaduais diferentes,
hoje)10.

4. Imunidade, Isenção, Alíquota Zero e Não-Incidência


A imunidade é classicamente definida como a não-incidência constitucionalmente
qualificada, ou seja, basta que a não-incidência esteja na Constituição para ser classificada
como imunidade.
Para o Professor Ricardo Lobo Torres, contudo, nem toda não-incidência que está na
Constituição é uma imunidade. Imunidade, para ele, deve ser considerada um princípio, o
princípio da imunidade.

10
A reforma tributária anunciada recentemente pretende instituir o IVA, mas em nada similar ao IVA que seria
o implemento da não-cumulatividade perfeita, como no direito comparado. O IVA proposto vai apenas unificar
quatro contribuições – COFINS, PIS, PASEP e CIDE –, o que já é um avanço, mas incomparável ao que viria
do IVA real. Outra proposta é a unificação do ICMS, e esta sim é de extrema valia.

37
Antes de explicar a tese do Prof. Ricardo, é interessante traçar um raciocínio básico.
Os fatos da natureza podem produzir efeitos jurídicos (como a responsabilidade civil por
omissão estatal, por exemplo), mas para o Direito Tributário, os fatos da natureza jamais
produzem efeitos jurídicos quaisquer. Por isso, podemos dizer que os fatos da natureza estão
no campo da não-incidência tributária.
Os fatos jurídicos, por sua vez, sempre produzem efeitos jurídicos, mas nem sempre
produzem efeitos jurídico tributários: estão também classificados, assim, no campo da não-
incidência, como regra. Os fatos jurídicos que, fugindo à regra, passam a produzir efeitos
tributários, são denominados de fatos geradores: estes são, então, os fatos jurídicos de
natureza tributária, que geram a obrigação de pagamento do tributo, em regra, e, portanto,
estão no campo da incidência tributária.
Assim, depreende-se que a não-incidência pode se dar por vários motivos, ou porque
o fato é da natureza, ou porque é fato jurídico não considerado fato gerador. Por isso, pode-
se classificar a não-incidência em algumas modalidades:

 Não-incidência pura e simples, que é a absoluta ausência de lei prevendo as hipóteses,


ocorrendo nos fatos da natureza. Traçando um paralelo com a lei penal, se a lei não
diz que o fato é crime, ele não é, não sendo necessária a lei que diga que não é; no
tributo, a mesma ideia: não é preciso que a lei diga que o fato não é gerador, bastando
que não o classifique como tal – é a tipicidade tributária. O fato típico está na
incidência, o atípico, na não-incidência.

 Não-incidência legal: Aqui, a ausência da lei não é suficiente para colocar o fato no
campo da não-incidência. Enquanto na não-incidência pura basta a atipicidade, aqui
é necessária a explicação da lei deixando claro que o tributo não incidirá sobre
determinado fato, pois a mera não menção em lei não é o bastante.

 Não-incidência constitucional: Assim como na não-incidência legal, há uma norma


que prevê expressamente que determinado fato não será tributado, mas esta norma
não é uma mera lei: é um comando constitucional, ordem do constituinte, que tem
que ser obedecida pelo legislador infraconstitucional. Quando a CRFB diz que não
incide, ela não está apenas mencionando, está ordenando ao legislador que, ao exercer
sua competência tributária, não ponha aqueles fatos ali eleitos no campo da incidência
tributária. Daí a denominação imunidade tributária, pois é um limitador
constitucional à competência tributária – é uma não-incidência constitucionalmente
qualificada.

Esta tese, que classifica assim as não-incidências, é absolutamente majoritária.


Qualquer expressão da CRFB que retire a incidência tributária (como “não incidirá”, ou
“estará isento”) é uma imunidade, pelo simples fato de estar na Constituição e limitar a
competência legislativa para a instituição de tributos.
A tese do Prof. Ricardo Lobo Torres, porém, não trata o termo imunidade como
sinônimo de não-incidência que está prevista na Constituição. Para ele, imunidades são
somente aquelas que sejam atinentes a direitos fundamentais. Dessarte, o Prof. entende que
só são imunidades aquelas incluídas no artigo 150, VI, da CRFB, pois são referentes a direitos
e garantias fundamentais.
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à
União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios

38
(...)
VI - instituir impostos sobre:
a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;
b) templos de qualquer culto;
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações,
das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de
assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;
d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.
Todas as hipóteses de não-incidência ali previstas são referentes a algum direito
fundamental: a alínea “a” visa a proteger o pacto federativo; a “b”, o laicismo estatal e a
liberdade de religião; a “c”, a liberdade partidária, a livre associação sindical, o
assistencialismo e o acesso à educação; e na “d” a liberdade de imprensa, de informação e,
novamente, o acesso à educação. Estando fora da proteção aos direitos fundamentais, as
demais hipóteses encontradas na CRFB são meras não-incidências constitucionais, e não
imunidades.
Assim, a natureza jurídica da imunidade, para a doutrina em geral, é uma limitação
constitucional ao poder de tributar; para Ricardo Lobo Torres, é uma garantia fundamental,
dedicada (como toda garantia fundamental) a assegurar o exercício de direitos
fundamentais11.
Toda imunidade é uma não-incidência, mas nem toda não-incidência é imunidade:
não-incidência é gênero, imunidade é espécie.

4.1. Imunidade x Isenção


A imunidade é a inexistência de fato gerador. A isenção é um bloqueio à incidência
sobre um fato gerador que existe. Um exemplo tem bastante valor: se os raios solares fossem
considerados fatos geradores, um bloqueio de cem por cento da sua passagem por uma janela
seria a isenção. A imunidade, por sua vez, seria apagar os raios solares, ou seja, a inexistência
daqueles fatos geradores.
A isenção é uma lei que paira sobre outra lei, a lei de incidência. Há a incidência
tributária, ordinariamente, mas a lei de isenção dispensa o pagamento do tributo sobre
determinados fatos geradores. No IR, por exemplo, o que ocorre é que para aqueles que
auferem renda até o patamar de isenção, há a prática do fato gerador – auferir renda –, mas a
lei de isenção impede que este fato gerador seja tributado, dispensando o pagamento.
Isenção e não-incidência legal não se confundem, portanto, pois há o fato gerador
(estando no campo da incidência tributária), mas não há a cobrança do tributo, pois a lei de
isenção dispensa o pagamento. A imunidade, por sua vez, está no campo da não-incidência,
em que sequer ocorre o fato gerador.
Imunidade Isenção

Constitucional Legal

Não há fato gerador Há fato gerador, mas a lei


dispensa o pagamento.

11
A tese do Prof. Ricardo não oferece efeitos práticos no Brasil, pois não há variação axiológica entre as não-
incidências constitucionais. Sendo todas consideradas imunidades, ou sendo imunidades e não-incidências
constitucionais, o seu efeito é o mesmo: não pode ser exercida a competência tributária no intento de tributar
os fatos lá imunizados.

39
Assim, isenção é a dispensa legal do pagamento do tributo, e pode ser revogada,
enquanto a imunidade (ou a não-incidência em geral) é a inexistência do fato gerador, sequer
gerando a tributação.

4.2. Alíquota Zero x Isenção


Antes de se falar da alíquota zero, é preciso traçar um breve conceito sobre a alíquota.
A alíquota é um dos elementos do elemento quantitativo do fato gerador integral. Veja: o
fato gerador integral é composto pelos elementos objetivo, subjetivo, espacial, temporal e
quantitativo. Este último se destina a quantificar o valor do tributo, se dividindo em alíquota
e base de cálculo.
Quando se atribui valor zero à alíquota, qualquer número multiplicado por zero será
igualmente zero. Assim, o valor do tributo é zero porque a alíquota aplicada ao elemento
quantitativo é zero, e não porque a lei dispensa o pagamento, como na isenção.
A isenção recobre todos os elementos do fato gerador, ou seja, simplesmente impede
que o fato gerador seja tributado. A alíquota zero, por sua vez, só atua sobre um dos elementos
do elemento quantitativo do fato gerador, não tendo qualquer efeito sobre os demais. Assim,
a alíquota zero é um mero número atribuído a um elemento quantitativo, não se confundindo
com a isenção.
Há tributos cuja alíquota pode ser alterada por meio de decreto, sendo exceção, vez
que a regra é a legalidade.

40
Tema VI

1. Vigência da Legislação Tributária


1.1. Vigência Material, ou Eficácia
O primeiro conceito a ser consignado é o de vigência material, chamado também de
eficácia da legislação, em contraposição à vigência formal das leis.
A vigência formal é o momento em que a regra tributária, o preceito tributário, existe
propriamente dito, ou seja, é conceito referente ao plano da existência da lei. Como regra, no
Brasil, a lei passa a existir, ter vigência formal, desde sua publicação. Já a vigência material,
seguindo a regra geral do interstício, prevista no artigo 1° da Lei de Introdução ao Código
Civil, ocorre em quarenta e cinco dias:
Art. 1º - Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta
e cinco dias depois de oficialmente publicada.
Todavia, não basta que a lei esteja publicada para que haja vigência material, a qual
incide no plano da eficácia da norma. A vigência material é a aptidão para produzir os efeitos
a que a norma se propõe. Por isso, quando há a vigência formal, mas não há a vigência
material, há o período de vacatio legis.
No CTN, no artigo 101 (e em todos os demais dispositivos deste capítulo), quando se
lê vigência, entenda-se vigência material, ou eficácia:
Art. 101. A vigência, no espaço e no tempo, da legislação tributária rege-se pelas
disposições legais aplicáveis às normas jurídicas em geral, ressalvado o previsto
neste Capítulo.
Observe que o CTN se utiliza, aqui, da expressão “legislação tributária”. Como já se
viu, esta expressão é gênero que, segundo o artigo 96 do CTN, “compreende as leis, os
tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem,
no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes”. A eficácia, então,
que é tratada no artigo 101 do CTN e seguintes, diz respeito a todas estas espécies de normas.
Assim, trataremos da vigência material das leis tributárias, e também dos atos
administrativos normativos em geral, em especial da vigência temporal. A vigência espacial,
por ser mais óbvia, vem tratada no artigo 102 do CTN, e veremos adiante.
As leis tributárias formais devem ser divididas em duas subespécies para o estudo da
vigência material: lei tributária que institui ou majora tributos, e lei tributária que não
institui nem majora tributos.
Há uma divisão didática em três grupos de normas: as leis tributárias que instituem
ou majoram tributos; as leis tributárias que não instituem nem majoram tributos; e os atos
administrativos normativos sobre a matéria tributária. Cada um desses grupos terá
regramento próprio acerca da sua vigência material, ou eficácia.
O CTN se dedicou a esta matéria pela ausência, a sua época, de normas que tratassem
do assunto na seara tributária. Antes, o Direito Tributário se valia exclusivamente das regras
de vigência da LINDB, pelo que sempre se impunha o prazo de quarenta e cinco dias do
artigo 1° da LINDB, quando a norma publicada nada dissesse sobre sua eficácia.
Ao ser tratado o assunto, esta divisão em três grupos de normas esteve bem latente.
As normas do primeiro grupo, instituidoras ou majorantes de tributos, estão tratadas no artigo
104 do CTN; as normas do segundo grupo, como não contam com artigo específico, o
legislador do CTN manifestou silêncio eloquente, encaminhando-as ao artigo 101 do CTN,

41
e por via de consequência, ao artigo 1° da LINDB; e as normas do terceiro grupo (decretos,
portarias, resoluções etc.) seguem a previsão do artigo 103 do CTN:
Art. 103. Salvo disposição em contrário, entram em vigor:
I - os atos administrativos a que se refere o inciso I do artigo 100, na data da sua
publicação;
II - as decisões a que se refere o inciso II do artigo 100, quanto a seus efeitos
normativos, 30 (trinta) dias após a data da sua publicação;
III - os convênios a que se refere o inciso IV do artigo 100, na data neles prevista.
Art. 104. Entram em vigor no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que
ocorra a sua publicação os dispositivos de lei, referentes a impostos sobre o
patrimônio ou a renda:
I - que instituem ou majoram tais impostos;
II - que definem novas hipóteses de incidência;
III - que extinguem ou reduzem isenções, salvo se a lei dispuser de maneira mais
favorável ao contribuinte, e observado o disposto no artigo 178.
Ocorre que há enorme ressalva a ser feita aqui. Quando o projeto de lei do CTN foi
submetido, na vigência da Constituição de 1946, esta era a ideia. Porém, sua aprovação só
veio no final de 1966, e a Constituição de 1946, ainda vigente, já havia sido alterada por
diversas emendas, sendo que uma tem especial importância: a EC 18/1965, que no seu artigo
2°, II, fez com que o primeiro grupo de normas, as leis que instituem ou majoram tributos,
ficasse completamente tratado na Constituição.
Ora, se um assunto qualquer for completamente absorvido pela Constituição, as normas
infraconstitucionais que dele tratam serão revogadas, uma vez que a Constituição tem
primazia. Por isso, há uma posição radical na doutrina, minoritária, que entende que o artigo
104 do CTN simplesmente não subsiste mais no ordenamento jurídico, por ter sido revogado
pela EC 18/65. Esta posição, minoritária na doutrina, é também minoritária na jurisprudência,
e a maioria da doutrina coaduna-se com a jurisprudência, entendendo que o artigo 104 do
CTN é plenamente vigente, ainda hoje12.
Assim consolidando a explicação até aqui, entende-se que:
 As normas que instituem ou majoram tributos, primeiro grupo de normas da
legislação tributária, sujeitam-se à previsão do artigo 104 do CTN, para
aqueles que o entendem vigente, tendo eficácia no primeiro dia do exercício
fiscal seguinte àquele em que forem publicadas;

 As normas que não instituem nem majoram tributos, segundo grupo de normas
da legislação tributária, sujeitam-se à previsão do artigo 1° da LINDB, em
razão do artigo 101 do CTN, tendo eficácia, se não dispuserem de forma
contrária em seu próprio texto, depois de quarenta e cinco dias da sua
publicação;

 Os atos administrativos normativos, terceiro grupo de normas da legislação


tributária, sujeitam-se à previsão do artigo 103 do CTN, tendo vigência
material imediata.
Voltando à análise do artigo 104 do CTN, e tomando-o por vigente, são
necessárias ainda mais algumas considerações. Este artigo traz em si a anterioridade

12
Há quem defenda que o artigo 104 sequer deveria ser um artigo, e sim um parágrafo do artigo 101 do CTN,
uma vez que sua função é dar tratamento pormenorizando a uma circunstância do artigo 101, explicitando-a, e
não tratar de circunstância autônoma. Haveria, então, também uma falha de técnica legislativa.

42
tributária, princípio já bastante discorrido, e que se confundiria com a anualidade tributária
(necessidade de prévia autorização orçamentária), outro princípio que já se discutiu bastante,
e que só subsiste no direito financeiro, e não no tributário (à exceção da tese do prof. Novelli,
como já se disse). Veja que a redação do dispositivo só fala em impostos, e não em tributos,
e mais: limita a anterioridade àqueles incidentes sobre patrimônio ou renda.
No inciso I deste artigo 104, dispõe-se exatamente sobre a criação ou majoração de
impostos. Para que seja criado, instituído um tributo, é necessário que a lei que o faça atente
para todos os aspectos que delineiam o tributo, quais sejam: o aspecto material do tributo, a
sua hipótese de incidência, que é a definição do fato gerador; os sujeitos ativo e passivo da
relação, que é o aspecto subjetivo do tributo; a base de cálculo e a alíquota, aspecto
quantitativo do tributo; o aspecto espacial, que é a área territorial sobre a qual o tributo tem
exigibilidade; e o aspecto temporal, quando se terá por ocorrido o fato gerador. Instituir o
tributo, então, é tratar destes cinco aspectos.
Majorar o tributo, por sua vez, é alterar apenas um dos aspectos do tributo, em regra,
o aspecto quantitativo, sendo que há meios de se majorar o tributo sem alterar o aspecto
quantitativo, mas o normal é que seja este o aspecto alterado (como exemplo, definindo novas
hipóteses de incidência).
No inciso II, o artigo reitera o que já teria sido enquadrado sob a pecha da majoração:
definir novas hipóteses é alterar o aspecto material do tributo, o fato gerador, e é, em regra,
majoração.
O inciso III é o mais problemático. Dispõe que lei que extingue ou reduz isenções
está sujeita à anterioridade prevista no caput. Na visão do CTN, estas isenções são então
apenas aquelas ligadas a impostos incidentes sobre patrimônio ou renda; as demais, referentes
a outros tributos, ou impostos incidentes sobre outras hipóteses que não a renda ou o
patrimônio, não têm sua extinção ou redução sujeitas à anterioridade – salvo a isenção
onerosa ou condicionada, do artigo 178 do CTN, que será analisada. Assim, estariam sujeitas
apenas à previsão da LINDB, de quarenta e cinco dias, e ainda assim se a própria lei que
extingue ou minora a isenção não contiver previsão diversa sobre a eficácia.
Diante da Constituição de 1988, tudo que se disse até agora deve ser revisto. Isto
porque o assunto é regulado, minuciosamente, pelo texto constitucional. Assim sendo, o
artigo 104 do CTN, de início, estaria revogado, ou ao menos sujeito às previsões
constitucionais sobre o tema (salvo a previsão do seu inciso III, como se verá). Como já
abordado, o artigo 150, III, “b” e “c” da CRFB tratam da anterioridade tributária com bastante
precisão:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à


União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
III - cobrar tributos:
(...)
b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu
ou aumentou;
c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os
instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b;
Repare que o dispositivo constitucional fala em tributos, e não somente em impostos.
Mesmo a alínea “b” trazendo previsão similar à que já fora contemplada pelo artigo 104 do

43
CTN, ou seja, a imposição da virada do exercício financeiro13 para a eficácia, já há uma
enorme ampliação dos efeitos da anterioridade, que é imposta em todas as espécies
tributárias, em regra, e não apenas para impostos sobre patrimônio e renda.
A alínea “c” é a inovação constitucional, implementada pelo constituinte derivado, da
noventena, já bem comentada. Veja que é uma inovação total em relação à anterioridade
prevista no artigo 104 do CTN – mais um argumento pela, ao menos, derrogação deste
dispositivo.
O § 1° do artigo 150 da CRFB apresenta as exceções ao princípio da anterioridade,
exauridas no estudo realizado no tópico próprio.
Assim poder-se-ia dizer, desde já, que o artigo 104 do CTN está, ao menos, derrogado,
como dito: o caput prevê penas a anterioridade para impostos, enquanto a CRFB fala em
tributos – prevalecendo a CRFB. Assim se posiciona a doutrina mais moderna, sendo que
uma parcela, ainda minoritária, vai além, e determina sua ab-rogação. O problema, como
visto, é o malfadado inciso III desse artigo 104 do CTN, que traz anda uma previsão não
tratada pela CRFB. Revejamos:
Art. 104. Entram em vigor no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que
ocorra a sua publicação os dispositivos de lei, referentes a impostos sobre o
patrimônio ou a renda:
(...)
III - que extinguem ou reduzem isenções, salvo se a lei dispuser de maneira mais
favorável ao contribuinte, e observado o disposto no artigo 178.
Segundo esta previsão, se uma isenção for revogada, a eficácia desta revogação só
será adquirida no dia 1° de janeiro do ano seguinte, início do exercício financeiro
subsequente.
Pela Constituição de 1988, não é o que ocorre, pois não há tal previsão; este
entendimento, esta imposição da virada do ano fiscal, só pode encontrar respaldo na CRFB
se o intérprete entender que quando se extingue ou reduz uma isenção, se está,
respectivamente, (re)instituindo ou majorando o respectivo tributo. Em termos jurídicos, este
entendimento encontra fundamento? A extinção ou redução de uma isenção equivale à
instituição ou majoração do tributo de que trata?
O raciocínio do STF é o seguinte: para que exista a isenção, pressupõe-se logicamente
que já exista a lei que instituiu tal tributo (do contrário, estaria a situação no campo da não-
incidência, dispensando concessão de isenção por já não ser tributável). Assim sendo, se a
lei que institui o tributo já existe, a revogação da isenção não é equivalente à instituição, mas
mera reabilitação de uma cobrança que estava impedida pela isenção. E não é tampouco
majoração, pois apenas se restabelece a situação anterior. Assim se depreende da súmula 615
o STF (com as devidas correções):
Súmula 615, STF: O princípio constitucional da anualidade (§ 29 do art. 153 da
constituição federal) não se aplica à revogação de isenção do ICM.
As correções são: por “anualidade”, leia-se anterioridade; o artigo entre parêntesis é
referente à Constituição de 1967, emendada em 1969; e o ICM, hoje ICMS, deve ser lido
como “tributos”. Assim, revogar isenção não é instituir nem majorar, pelo que a anterioridade
não pode ser invocada contra esta lei revocatória: a sua vigência material segue a regra geral

13
O exercício financeiro, de 1° de janeiro a 31 de dezembro, coincide com o ano civil pela previsão legal trazida
na Lei 4.320/64, no artigo 34. surge uma questão: como é conceito legal, se a lei for alterada, também será a
Constituição? A maior parte da doutrina entende que não: remanescerá o conceito adotado pela habitualidade
constitucional.

44
das normas do segundo grupo (normas que não instituem nem majoram tributos) qual seja, o
artigo 1° da LINDB.
Há, porém, que ser tecido comentário acerca de uma outra circunstância peculiar,
mencionada no inciso III do artigo 104 do CTN, que é a isenção onerosa, ou condicionada,
do artigo 178 do CTN:
Art. 178 - A isenção, salvo se concedida por prazo certo e em função de
determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei, a qualquer
tempo, observado o disposto no inciso III do art. 104.
A isenção condicionada é aquela que é concedida em razão de determinadas
circunstâncias e por prazo certo, e não por mera liberalidade tributária. Assim, serve de
instrumento ao fomento de uma atividade: como exemplo, a municipalidade concede isenção
de seus impostos, por dez anos, a empresas que se instalarem em seu território e
desenvolverem determinada atividade. Neste caso, a isenção se torna um direito adquirido
daquela empresa que cumpre a condição, e, passando a integrar seu patrimônio, não pode ser
prejudicada por lei posterior que revogue a isenção antes do termo comprometido (no caso,
dez anos). Isto porque o direito adquirido é intangível, segundo o artigo 5°, XXXVI da
CRFB:
XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa
julgada;
Por conta disso, o STF editou a súmula 544:
Súmula 544, STF: Isenções tributárias concedidas sob condição onerosa não
podem ser livremente suprimidas.
Quanto às revogações de isenções tributárias, a regra, para o STF, é que não se
sujeitam à anterioridade tributária, podendo haver a cobrança imediata do tributo, salvo se a
isenção for onerosa, quando a sua revogação será condicionada ao termo pactuado.
A doutrina, em peso, é contrária ao STF: entende que a revogação da isenção é, sim,
instituição do tributo, pelo que se submete à regra das normas do primeiro grupo, qual seja,
a anterioridade tributária.
Passando a outra questão, a redução do prazo para o recolhimento do tributo consiste
em majoração deste? Exemplo: a lei concede prazo de sessenta dias para o recolhimento de
determinado tributo; no mesmo exercício em que deve ser feito aquele recolhimento, é
publicada lei que reduz tal prazo para vinte dias. Seria, esta redução, uma majoração do
tributo, pois impede que o contribuinte capitalize por mais quarenta dias, como garantido
pela lei anterior, estando portanto sujeita à anterioridade tributária?
O STF, novamente contra a maior parte da doutrina, entende que não: esta lei será
eficaz de imediato, se o disser expressamente, ou em quarenta e cinco dias, se for omissa,
vez que é norma do segundo grupo) pois não equivale a instituir ou majorar o tributo. Por
conta disso, editou a súmula 669:

“Súmula 669, STF: Norma legal que altera o prazo de recolhimento da obrigação
tributária não se sujeita ao princípio da anterioridade.”

Vejamos um quadro sinótico sobre a vigência material no tempo, a fim de aclarar o


estudo:

Legislação tributária

45
Leis em sentido formal

Primeiro grupo: leis que Artigo 150, III, “b” e “c” da


instituem ou majoram CRFB; artigo 104 do CTN
tributos

Segundo grupo: leis que


não instituem nem Artigo 1º da LINDB
majoram tributos

Terceiro grupo: atos


administrativos Artigo 103 do CTN
normativos

1.2. Vigência Espacial ou territorial


O artigo 102 do CTN trata, de forma bem clara, da eficácia espacial da legislação
tributária:
Art. 102. A legislação tributária dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
vigora, no País, fora dos respectivos territórios, nos limites em que lhe reconheçam
extraterritorialidade os convênios de que participem, ou do que disponham esta ou
outras leis de normas gerais expedidas pela União.
O princípio é bastante lógico: a territorialidade tributária determina que a legislação
incide sobre o território do ente federativo competente para aquele tributo. Por isso, em regra,
a legislação de um Município, por exemplo, não tem vigência material sobre os fatos
ocorridos em outro Município, a não ser que haja entre eles um convênio.
Fora do território brasileiro, a vigência da legislação tributária depende de tratado ou
convenção internacional que a preveja, a teor do artigo 98 do CTN:
Art. 98. Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a
legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha.

2. Aplicação da Legislação Tributária


Uma vez que a vigência material esteja positivada, ou seja, esteja eficaz a legislação
tributária em questão, a pergunta que se faz é se uma determinada situação fática está
regulada pela lei vigente ou por lei antiga. Do artigo 105 em diante do CTN, o legislador se
preocupou em responder exatamente esta questão.
Uma situação fática qualquer vinha sendo regida pela lei “x”; sobrevém a lei “y”,
tratando daquela mesma situação fática. Qual das duas será observada? Será a situação regida
pela lei antiga, ou passará a ser regida pela nova lei?
O direito intertemporal é deveras complicado, em qualquer seara, e em especial na
esfera tributária. Há três dispositivos constitucionais que tratam da intertemporalidade, quais
seja, o artigo 5°, XXXVI; o artigo 5°, XL; e o artigo 150, III, “a”:

46
XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa
julgada;

XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;


Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à
União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
III - cobrar tributos:
a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os
houver instituído ou aumentado;
A cada um dos dispositivos, há nomes dados pela doutrina: o inciso XXXVI, apesar
da maioria chamar de irretroatividade, consiste no princípio da intangibilidade; o inciso XL
é sede da irretroatividade da lei penal mais gravosa; e o artigo 150, III, “a”, combina os dois:
até o termo “instituído”, é irretroatividade; após, traz a intangibilidade.
Em uma primeira análise, tende-se a pensar que a lei nova, se for mais benéfica, tem
vigência imediata (quando estiver eficaz) sobre os fatos dali em diante. Mas esta não é a
proposta da Constituição. Entenda: o inciso XXXVI da CRFB traz a expressão “a lei não
prejudicará”; no XL, o termo é “não retroagirá”. Esta diferença terminológica não é inócua,
pelo que a doutrina mais abalizada faz esta diferença entre irretroatividade e intangibilidade.
No inciso XXXVI, a intangibilidade significa que a lei nova não pode tanger aqueles
limites ali impostos, ou seja, a regra é que só se estará livre dos efeitos da nova lei se, no
patrimônio do indivíduo, estiver incorporado um os limites à eficácia, quais sejam, o direito
adquirido, a coisa julgada ou o ato jurídico perfeito. Se não houver um dos três, a lei nova
poderá, sim, prejudicar o sujeito.
No inciso XL, a regra é que a lei penal não retroagirá, e ponto. Não se exige, na esfera
penal, que haja no patrimônio do sujeito direito adquirido, coisa julgada ou ato jurídico
perfeito para operar a retroação – não há limites, a regra é pura. Mesmo havendo algum dos
três elementos citados incorporados ao patrimônio, a lei não retroage. Há, contudo, a exceção
que logo vem, e dispõe que se for lei mais benéfica, será retroativa. É simples assim: a regra
é que não retroage, mas se impõe a exceção quando a lei é mais benéfica, que retroage
sempre.
No artigo 150, III, “a”, exclusivo da agenda tributária, a história é outra. Vejamos em
detalhe a redação: “a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da
lei que os houver instituído ou aumentado;”. Até a palavra “instituído”, a norma está falando
em irretroatividade: não se cobra tributo por fatos geradores ocorridos antes da vigência
material da lei que os instituiu. Veja que a lei nova não poderá alcançar as situações que
assim se configuram, pois mesmo que não haja direito adquirido a não ser tributado – vez
que dali em diante os fatos serão tributados –, a proteção expressa faz com que a lei não se
volte para o passado.
Quando o dispositivo fala em “aumentado”, significa que o fato gerador já existia e
era tributado. Assim quando realizado o fato gerador, afere-se a sua prática e mede-se a
tributação sobre ele. Surge, então, um “direito adquirido”, por assim dizer, a pagar o tributo
na forma em que foi medido na época da prática do fato gerador, de acordo com a lei vigente
na época. Havendo lei que, posteriormente à prática do fato gerador, aumenta a tributação,
esta lei não poderá tanger aquele direito adquirido a pagar o tributo na forma com que foi
aferido, ou seja, não poderá prejudicar aquele direito, integrado ao patrimônio do sujeito.
A regra geral da aplicação da legislação está, no CTN, no artigo 105:

47
Art. 105. A legislação tributária aplica-se imediatamente aos fatos geradores
futuros e aos pendentes, assim entendidos aqueles cuja ocorrência tenha tido início
mas não esteja completa nos termos do artigo 116.
Fato gerador futuro é aquele que está por vir. O pendente, por sua vez, é aquele que
ainda não se completou, mas que já teve início. O fato gerador está completo e acabado
quando, nos termos do artigo 116 do CTN:
Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador
e existentes os seus efeitos:
I - tratando-se de situação de fato, desde o momento em que o se verifiquem as
circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe
são próprios;
II - tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja
definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável.
Mal comparando, o fato gerador pendente seria uma “expectativa de direito”, algo
que está a caminho da atribuição de certeza, mas ainda não está acabado, não tem seus
requisitos preenchidos. O artigo 116 do CTN está no capítulo referente ao fato gerador. Por
ali, entende-se que há três espécies de fato gerador: o futuro, o pendente e o ocorrido. A nova
legislação só não vai incidir se o fato gerador for já ocorrido, pois este é o que se assemelha
ao direito adquirido, intangível.
Os incisos trazem ainda nova diferenciação, quanto aos fatos geradores referentes a
situações de fato ou situações jurídicas. Isto porque há casos em que a identificação do fato
gerador em futuro, pendente ou ocorrido é extremamente dificultosa. Um exemplo: o artigo
19 do CTN dispõe que o imposto de importação tem como fato gerador a entrada destes no
território nacional. O conceito de “entrada” é situação fática ou jurídica? Meramente por
eleição legal, a “entrada” passou a ser situação jurídica, pois na lei que trata do imposto em
questão, a LC 37/66, dispõe que a palavra entrada é situação jurídica. Veja: se fosse situação
fática, surgiria a questão se entrada é quando o avião adentra o espaço aéreo brasileiro, ou
quando aterrissa, ou quando o produto é descarregado, etc. Mas com a entrada sendo um
termo jurídico, esta se dá exatamente quando ocorre a assinatura do fiscal aduaneiro, após o
desembaraço do produto importado.
Isto significa que, nesse exemplo, se a fiscalização está em processo de desembaraço,
mas ainda não houve a liberação do material pela assinatura do fiscal, o fato gerador do
imposto de importação está pendente. Somente após a assinatura, configurando a entrada, o
fato gerador é ocorrido, acabado. Assim sendo, qualquer alteração na legislação pertinente
será aplicável ao imposto, antes da assinatura da entrada. Veja que pode ocorrer uma
majoração neste ínterim, e esta vai, sim, alcançar os fatos geradores, ainda pendentes; da
mesma forma, se houver minoração do tributo, também alcança os fatos pendentes e futuros,
mas nunca, mesmo sendo mais benéfica, alcança os fatos ocorridos.
Não há lei “boa” ou “má” em direito tributário, em regra, mas aí entra justamente a
previsão do artigo 106 do CTN:
Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:
I - em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação
de penalidade à infração dos dispositivos interpretados;
II - tratando-se de ato não definitivamente julgado:
a) quando deixe de defini-lo como infração;
b) quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou omissão,
desde que não tenha sido fraudulento e não tenha implicado em falta de pagamento
de tributo;
c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo
da sua prática.

48
Esta previsão é inspirada na retroatividade penal da lei mais branda, do artigo 5°, LX,
da CRFB. Mesmo por isso, a doutrina trata dessa parte da matéria como direito tributário
penal, normas tributárias que tratam de punições administrativas (não confundir com o direito
penal tributário, que trata dos crimes tributários, como os da Lei 8.137/90). Há diferenças
grandes, como a do inciso II deste artigo 106: a lei penal mais benéfica desconsidera, em seu
poder retroativo, até mesmo a coisa julgada; a tributária não.
Façamos uma análise detalhada das previsões do artigo 106:

 No inciso I, dispõe que a retroação é devida quando a lei for meramente interpretativa.
Por lei meramente interpretativa, entenda-se a interpretação autêntica, reveladora da mens
legislatorum pelo próprio legislador.
O problema ocorre quando a lei, a pretexto de ser meramente interpretativa, na
verdade está inovando. Há um caso bem recente que ilustra tal mecânica: o artigo 3° da LC
118/05, que se pretendia interpretativo, e, portanto, mereceria operar retroação, na verdade
não o era, pelo que só se impôs prospectivamente:
Art. 3o Para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 da Lei no 5.172, de 25 de
outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário
ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do
pagamento antecipado de que trata o § 1o do art. 150 da referida Lei.

Art. 4o Esta Lei entra em vigor 120 (cento e vinte) dias após sua publicação,
observado, quanto ao art. 3o, o disposto no art. 106, inciso I, da Lei no 5.172, de 25
de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional.”
 No inciso II, sem violar a coisa julgada (inclusive administrativa, para quem a sustenta),
há diversas hipóteses em que a retroação é garantida. Na primeira, da alínea “a”, se trata da
anistia tácita, que é uma espécie de “abolitio criminis tributária”. Na alínea “b”, ocorre
situação similar à da alínea “a”, mas com um adendo: se o ato anistiado foi cometido (ou a
omissão percebida) por dolo ou fraude, não haverá a anistia. E a “c” consiste em anistia
parcial, ou seja, é a “lex mitior tributária”, a “novatio legis in mellius tributária”, que vai
retroagir para as penalidades mais brandamente punidas pela nova lei.

3. Obrigação Tributária
Existem diversos instrumentos para a obtenção de receita pelo Estado. A tributação é
apenas uma delas. Há a emissão de títulos públicos; a locação de imóveis públicos; a licitação
para a exploração de recursos naturais, que gera o pagamento de bônus ao ente cedente (os
royalties do petróleo, por exemplo); e há a tributação, apenas mais um meio de arrecadação
de receitas (o maior instrumento, mas apenas mais um).
A transposição dos meios de obtenção de receita, e dos objetos em que será esta
despendida, é a Lei Orçamentária Anual. Neste diploma, se consignam exatamente os meios
de obtenção e de gasto das receitas estatais.
Sendo a tributação um instrumento de arrecadação que é de direito, está, como tudo
mais em direito, sujeita aos princípios constitucionais atinentes. Se o Estado quer retirar
recursos do setor privado, deverá fazê-lo onde existem recursos – daí a capacidade
contributiva e a isonomia serem invocadas na tributação. Deve haver a manifestação de
riqueza, ou ao menos o seu indício, para que a tributação se valide.
O conteúdo econômico de um fato é o que permite que seja tributário. Assim, para
que o fato seja interessante ao Direito Tributário, merecendo a incidência de normas
tributárias, é preciso que o valor que rege a tributação seja despertado, qual seja, o interesse

49
econômico daquele fato: o fato jurídico só é “tributariamente” relevante quando revela
riqueza, ou seja, deve haver conteúdo econômico. Assim, só é relevante ao Direito Tributário
o fato que revele capacidade contributiva do indivíduo. O fato jurídico precisa criar um
vínculo entre o Estado e o indivíduo, do ponto de vista econômico, para ser relevante ao
Direito Tributário.
Havendo o fato que tenha a aptidão para criar o vínculo entre o Estado e o indivíduo,
surge o fato jurídico tributário. Criado este vínculo, surge uma obrigação de deslocar a
reserva econômica do indivíduo, ser privado, para o Estado, ser público. Este fato, que conta
com esta habilidade, que tem este condão de fazer surgir este vínculo, é o fato gerador.
Fato gerador, então, é o fato jurídico relevante ao Direito Tributário. É o fato jurídico
“tributariamente” relevante, capaz de criar o vínculo entre o Estado e o indivíduo. Como no
direito privado, no direito das obrigações, em que a ocorrência do fato jurídico obrigacional
gera a união do credor e do devedor em torno de uma prestação, a ocorrência do fato gerador
une o sujeito ativo (credor) e o sujeito passivo (devedor) em torno da obrigação, da prestação
devida – a obrigação tributária.
A obrigação tributária pode ser uma de duas formas, dependendo da prestação que se
impõe: pode ser uma obrigação de fazer ou uma obrigação de dar. A prestação que redunda
de uma obrigação de fazer (ou não fazer14), em Direito Tributário, é um dever instrumental,
chamado comumente de obrigação acessória; a prestação que resulta num dar, de uma
obrigação de dar, é a obrigação principal, que é o próprio pagamento do tributo.
Obrigação
Tributária

Obrigação de Obrigação de
fazer dar

Dever instrumental Obrigação principal


(obrigação acessória) (pagar o tributo)

14
Exemplo de obrigação acessória negativa, de não fazer, seria a obrigação de não destruir os livros de
escrituração em prazo menor que o da prescrição da ação de execução fiscal (cinco anos, artigo 174 do CTN).

50
Tema VII

1. Fato Gerador
Fato gerador é a circunstância da vida, representada por um fato, ato ou situação
jurídica, que, definida em lei, dá surgimento à obrigação tributária. Esta definição
corresponde à mais fiel exegese do artigo 114 do CTN:
Art. 114. Fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como
necessária e suficiente à sua ocorrência.
O fato gerador pode ser um fato, um ato ou uma situação jurídica. Desde que haja
conteúdo econômico no evento, ele poderá ser gerador da obrigação tributária. O fato é
gerador por justamente gerar a obrigação tributária. O evento morte, um fato, dá ensejo a
uma obrigação tributária para os herdeiros; um contrato de doação, um ato, dá origem a uma
obrigação tributária para o contratante beneficiário; a propriedade de um bem imóvel,
situação jurídica, gera a obrigação para o proprietário – e assim por diante.
O fato gerador não demanda atitude volitiva do alcançado. Em regra, basta que haja
a revelação de riqueza, a denunciar a capacidade contributiva, para que o evento gere a
obrigação tributária.
2. Terminologia
As normas gerais de Direito Tributário, traçadas na segunda parte do CTN, são
bastante precisas. Entretanto, uma falha que nunca foi corrigida reside no próprio termo fato
gerador. A doutrina, de forma unânime, entende que a terminologia fato gerador não
representa tecnicamente o conceito, pois acarreta uma certa dubiedade: ao se mencionar o
termo, não se pode, sem maiores explicações, entender se estar-se-á fazendo referência à
previsão legal daquele evento, em abstrato, ou à sua realização em concreto.
Ao se mencionar “o fato gerador do ICMS”, não se sabe se está sendo apontado o teor
legal do dispositivo que tipifica o evento tributável, ou a ocorrência fática que merece a
incidência, ou seja, o ato de fazer circular mercadoria. Por conta disso, a doutrina prefere, em
geral, a nomenclatura hipótese de incidência para a previsão legal abstrata do evento
tributável, e o termo fato imponível para o evento praticado pelo sujeito passivo, que
aconteceu concretamente.
3. Aspectos (ou Elementos)
fato gerador se divide em dois aspectos, o subjetivo e o objetivo. Subjetivo é
o elemento pessoal, os integrantes da relação jurídico-tributária, os sujeitos ativo e passivo.
Elemento objetivo é a composição de quatro aspectos do tipo gerador: material, espacial,
temporal e quantitativo. Concentraremos, aqui, o estudo dos elementos objetivos:

Elemento Material
objetivo
Espacial
Fato gerador
Temporal
Elemento
subjetivo Quantitativo

51
3.1. Aspecto Material
O aspecto material é o núcleo do fato gerador, é o mandamento principal. Fosse o
fato gerador uma frase, seria o verbo. É o fato, ato ou situação jurídica que representa o
evento tributável, sobre o qual se quer fazer incidir a tributação.
O aspecto material é o que é responsável pela classificação do fato gerador. A
primeira classificação que se pode fazer é em fato gerador simples ou complexo. Simples é o
fato que se esgota em uma única ação. Como exemplo, a compra e venda, que se esgota no
momento em que se consuma, e gera a incidência naquele momento. O fato gerador
complexo, ou complexivo, é aquele cuja consumação se dá em um período como um todo, e
não em um momento instantâneo. Como exemplo, o imposto de renda, que elege o ano
anterior como o período a ser infundido na hipótese de incidência, e a renda auferida naquele
período será tributada.
Outra classificação é de fato gerador condicional ou incondicional. Esta classificação
diz respeito às situações jurídicas definidas como fato gerador: o fato gerador incondicional
é aquele que não está sujeito a nada para se configurar, nenhum evento futuro e incerto. O
condicional, contudo, é aquele que está sujeito a algum evento futuro e incerto para se
aperfeiçoar. O CTN traz regra expressa sobre o tema, no seu artigo 117:
Art. 117. Para os efeitos do inciso II do artigo anterior e salvo disposição de lei em
contrário, os atos ou negócios jurídicos condicionais reputam-se perfeitos e
acabados:
I - sendo suspensiva a condição, desde o momento de seu implemento;
II - sendo resolutória a condição, desde o momento da prática do ato ou da
celebração do negócio.
Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador
e existentes os seus efeitos:
I - tratando-se de situação de fato, desde o momento em que o se verifiquem as
circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe
são próprios;
II - tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja
definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável.
Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou
negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato
gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação
tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.
Há severa diferença quanto às condições resolutivas e suspensivas. O inciso I do
artigo 117 traz a previsão sobre a condição suspensiva, e dispõe que o fato gerador só se
aperfeiçoa quando esta se implementar; o inciso II dispõe exatamente o contrário sobre a
condição resolutiva: o fato gerador reputa-se ocorrido na prática do ato ou negócio, não sendo
vinculado ao eventual implemento da condição resolutiva.
A última classificação é quanto aos fatos geradores lícitos ou válidos, em
contraposição aos ilícitos ou inválidos. A regra geral é traçada no artigo 118 do CTN:
Art. 118. A definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se:
I - da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes,
responsáveis, ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos;
II - dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos.
A tributação não se interessa pela validade ou não do ato, por sua licitude ou ilicitude.
Como já se viu, vige o princípio non olet. Veja que não se pode jamais confundir a definição
legal do fato gerador com sua interpretação: o caput do artigo 118 dispõe que a ilicitude ou
invalidade é irrelevante à interpretação do fato gerador, e não a sua definição. Isso significa

52
que jamais poderá haver a definição de um ato ilícito ou inválido como um fato gerador ele
próprio.
Explica-se: o que “não cheira” é ocorrência do fato gerador. A hipótese de incidência,
definição abstrata do fato gerador, não pode ser erigida em um ato ilícito ou inválido. O
legislador competente, ao instituir o tributo, jamais poderá eleger um ato ilícito ou inválido
para hipótese de incidência. Nunca poderá ser hipótese de incidência, por exemplo (o mais
absurdo possível), “matar alguém”. O Direito Tributário jamais poderá jurisdicizar uma
atividade ilegal.
Outrossim, se uma atividade qualquer, lícita ou ilícita, dá origem a um fato gerador
que se enquadra sob uma definição de hipótese de incidência, que é lícita em si, o fato será
tributável – este é o significado do non olet. Como exemplo, a renda oriunda do tráfico de
drogas ainda é renda, e, portanto, tributável. O fato gerador não é “traficar drogas”, o que
seria inadmissível, e sim “auferir renda”, de onde quer que ela venha – não há que se
preocupar com a origem da renda.
O non olet deriva de dois outros princípios, da isonomia e da capacidade contributiva.
Não se poderia diferenciar para melhor a obtenção de uma renda proveniente de um ilícito,
por exemplo, em comparação com a renda proveniente de uma atividade lícita: o produto de
um roubo seria isento do IR, enquanto o produto do trabalho não o é. Para privilegiar a
capacidade contributiva, verifica-se objetivamente a obtenção da renda, e tributa-se,
independente da origem, e pela isonomia, ambas as rendas, de onde quer que tenham vindo,
são tributadas à mesma proporção.
Há uma ressalva a ser feita: se houver um provimento jurisdicional declarando a
condição de inválido ou ilícito, e somente neste caso, seria a sentença, transitada em julgado,
oponível ao fisco: se o tributo fora cobrado pelo ato ilícito, há a sua devolução. No Rio de
Janeiro, inclusive, é hipótese expressa do Código Tributário Municipal, sendo efetivada a
devolução administrativamente.

Simples ou complexivo
Classificações
do fato gerador
quanto ao Condicionais ou incondicionais
Aspecto
material Lícito/válido ou ilícito/inválido

3.2. Aspecto Temporal


Consiste na definição do momento em que o fato gerador se configura. Esta definição
é de suma importância, pois é do momento que o fato gerador se consuma que se verifica a
legislação tributária que será aplicável.
Quanto ao momento, quanto ao aspecto temporal, o fato gerador se classifica em
instantâneo ou periódico. Instantâneo é aquele que, quando da análise do aspecto material,
se classificou como simples: ocorre em um singular momento do tempo – pelo que se apelida
de fato gerador “fotográfico”. O fato gerador periódico, por sua vez, corresponde ao fato
complexivo, que se consuma em um espaço de tempo, em um período, e não em um momento
exato e singular.
É no fato gerador periódico que residem as maiores problemáticas. Como se precisar
o exato momento da consumação do fato gerador periódico? Quando é que este se reputa
ocorrido?

53
Surgem duas teses para explicar o fenômeno. A primeira defende que o fato gerador
periódico se considera perfeito e acabado no primeiro dia do período a ser considerado. O
que se dará, no período que se vai considerar após o primeiro dia, são apenas manifestações
da base de cálculo – o fato gerador já ocorreu no primeiro dia. Como exemplo, no IR, seria
ocorrido o fato gerador em 1° de janeiro do ano que virá, e as obtenções de renda que
ocorrerão no curso do ano serão apenas manifestações da base de cálculo.
A segunda tese defende que o fato gerador vai se aperfeiçoando durante o período em
questão, e somente se considera perfeito e acabado no último dia do período em análise.
Assim, no exemplo do IR, seria ocorrido o fato gerador somente em 31 de dezembro do
respectivo ano.
A importância da adoção de uma ou outra tese consiste na atenção aos princípios da
anterioridade e irretroatividade tributária. Se adotar-se a primeira corrente, estando o fato
gerador ocorrido no primeiro dia do período, se porventura uma alteração na legislação vier
após este dia, não alcançará o fato gerador (guardadas as ressalvas ao princípio da
irretroatividade, já mencionadas). Assim, aquela lei que vigia à época do primeiro dia do
período vai operar ultratividade, quando do cálculo, ao final do período, do montante do
tributo.
Em sendo adotada a segunda corrente, ou seja, considerado ocorrido o fato gerador
no final do período, a regra é a mesma, mas as alterações legislativas ocorridas no curso do
período serão aplicáveis, pois, o fato gerador estava pendente no curso do período.
O STF sumulou a questão, no verbete 584:
Súmula 584, STF: Ao imposto de renda calculado sobre os rendimentos do ano-
base, aplica-se a lei vigente no exercício financeiro em que deve ser apresentada a
declaração.
Assim, o Supremo adotou a segunda corrente, entendendo que se a lei estiver vigente
e eficaz, será aplicada ao fato gerador periódico, entendendo-o consumado no último dia do
período.

3.3. Aspecto Espacial


Até 1988, o federalismo brasileiro não era tão definido, pelo que se via alguma lógica
nas conjecturas sobre este aspecto. Hoje, com a precisa repartição de competências tributárias
feitas na CRFB, a importância do aspecto espacial não se reduz, mas fica bem mais clara sua
verificação – basta consultar a norma de competência da CRFB.
Há tributos, porém, que envolvem mais de um ente federativo em sua mecânica, e que
por isso dependem de normas de repartição de receitas tributárias para serem corretamente
destinados. É o caso do ICMS, que pode incidir em mais de um Estado-Membro: quando isso
ocorre, parte da receita fica com um Estado, e parte com outro.

3.4. Aspecto Quantitativo


Este aspecto importa no estudo de dois elementos fundamentais do tributo: a base de
cálculo, que é a expressão econômica do fato gerador, e a alíquota, que é definida como o
elemento matemático do fato gerador.
Estes elementos assim se categorizam: base de cálculo ad valorem ou técnica;
alíquota ad valorem ou específica. A base de cálculo ad valorem é aquela expressa em moeda
(ou em valor que nela possa se exprimir, como índices, tal qual a UFIR). A base de cálculo
técnica, por sua vez, é qualquer outra grandeza que não seja moeda ou índice que pode se
converter em moeda, como peso, metragem etc.

54
A alíquota ad valorem é aquela definida por um percentual, por uma proporção – é a
mais comum. A específica, ao contrário, é expressa em moeda ou em índice que possa nesta
se converter.
Exemplo: um automóvel vale 50 mil reais, e o imposto é de 4 %. A base de cálculo é
o valor do carro, sendo base ad valorem, portanto; e a alíquota é a proporção de 4 %, sendo
da espécie ad valorem – o tributo é de 2 mil reais. Em outro caso, há um tributo sobre
importação de grãos, consistente em 1 real por tonelada: a base de cálculo, o peso, é da
espécie técnica; a alíquota, um real, é específica. O imposto para 100 toneladas será de 100
reais.
Haverá quase sempre a vinculação entre alíquota ad valorem e base de cálculo ad
valorem, e alíquota específica e base de cálculo técnica – não sendo imperativo que isto
ocorra.
Um exemplo contrário: um tributo hipotético pode ter por base de cálculo o valor de
um bem, e a alíquota específica: para determinado bem, a cada 10 mil reais será cobrada
alíquota de 100 reais – base de cálculo ad valorem com alíquota específica, perfeitamente
válida.

Ad valorem: moeda ou índice (valor do bem, por exemplo).

Base de cálculo
Técnica: qualquer outra grandeza (peso, por exemplo).

Ad valorem: proporção, porcentagem

Alíquota
Específica: moeda ou índice.

A alíquota pode ainda ser proporcional ou progressiva, como explicado no estudo do


fenômeno da progressividade: se for proporcional, o percentual não varia com a variação da
base de cálculo; se for progressiva (como no IR), o percentual varia de acordo com a variação
da base de cálculo.

55
Tema VIII

1. Suspensão da exigibilidade do crédito tributário


O CTN vai dizer que o lançamento é quem vai constituir o crédito tributário. Para se
entender a suspensão da exigibilidade, antes de tudo é preciso saber o que seja a própria
exigibilidade do crédito tributário. Em breve síntese, pode-se traçar a dinâmica do
nascimento e vida de um tributo desde quando, ocorrido o fato gerador, há o surgimento da
obrigação tributária, abstrata por natureza. A exigibilidade é a possibilidade de se exigir o
tributo.
Em que pese haver duas teorias sobre esta obrigação, a dualista e a monista, o CTN
optou pelo dualismo, tratando a obrigação tributária separadamente do crédito tributário, ou
seja, a obrigação não faz surgir concomitantemente o crédito tributário a ela correspondente:
a obrigação tributária nasce com o fato gerador, mas o crédito tributário surge só com o
lançamento (ao contrário da tese monista, unicista, que no fato gerador vê a origem de ambos,
obrigação e crédito).
Assim, em nosso sistema, é o lançamento que cria o crédito tributário, manifesto
concreto, elemento de constituição do crédito e declaração da obrigação. O lançamento, para
o monismo, é mera quantificação do valor da obrigação. Artigo 142 do CTN:
Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito
tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo
tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente,
determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar
o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.
Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e
obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.
Uma vez constituído o crédito tributário pelo lançamento, este é notificado ao sujeito
passivo. Sendo notificado do seu débito, o sujeito passivo tem três opções: quedar-se inerte,
deixando não pago o tributo; efetuar o pagamento, extinguindo o crédito tributário de forma
perfeita; ou opor alguma objeção ao crédito, interpondo, por exemplo, um recurso
administrativo.
Se o sujeito passivo opta pela inércia ou pela discussão do crédito, o procedimento
administrativo se converte em um processo administrativo tributário, o qual transcorrerá até
alcançar uma decisão administrativa definitiva, irrecorrível. Chegando a este ponto, sem
extinção do crédito, o crédito está apto a ser inscrito em dívida ativa. A inscrição possibilita
a extração da certidão da dívida ativa (CDA), título executivo que vai levar a uma execução
fiscal.
A suspenção da exigibilidade é o impedimento temporário e circunstancial de o fisco
levar adiante a exigência. É temporário, pois se fosse eterno seria extinção do crédito
tributário. Além disso, e circunstanciado, pois, só pode ocorrer nas hipóteses do artigo 151
do CTN (taxativo).
Se o lançamento já foi feito e o contribuinte não quer sofrer uma execução fiscal ele
pode buscar a suspenção e congelar o fisco. O lançamento já foi feito e não será desfeito. O
problema ocorre se o pedido de suspenção ocorre antes do lançamento? O fisco será impedido
de fazer o lançamento? Nunca!
Isso ocorre para evitar a decadência, conforme o artigo 173 do CTN. Além disso, o
lançamento é vinculado e obrigatório (podendo o responsável ser punido na esfera penal,
civil e administrativa), conforme o artigo 142, parágrafo único do CTN.

56
Nesta dinâmica resumida acima, em que ponto se verifica a exigibilidade do crédito
tributário? A exigibilidade é uma característica imanente ao crédito tributário, e, sendo assim,
desde quando surge este crédito há, naturalmente, sua exigibilidade. O sujeito ativo pode
reclamar a prestação devida pelo sujeito passivo, devedor, desde quando surgido seu crédito.
Como nosso sistema é dualista, o crédito tributário só se constitui pelo
lançamento, e deve-se entender que somente neste momento há exigibilidade, e não no
surgimento da obrigação tributária com o fato imponível.
Este raciocínio conduz a uma conclusão fundamental: a suspensão da exigibilidade
do crédito tributário não influencia diretamente a constituição do crédito tributário, pois
mesmo na pendência de alguma circunstância que tenha o condão de suspender a
exigibilidade do crédito tributário, ele não deixará de ser constituído. O artigo 142,
especialmente no parágrafo único, combinado com o artigo 3º do CTN, nos informam que o
lançamento é obrigatório, atividade vinculada que não pode ser deixada de lado.
Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor
nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e
cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.
Imagine-se, por exemplo, que se instaure um procedimento de fiscalização
tributária sobre uma pessoa. Este fiscalizado, interpretando de forma diferente aquilo que lhe
é apontado como devido – entendendo que deve a menor do que lhe é cobrado, por exemplo
–, pode decidir ajuizar uma ação judicial de depósito do valor que o exonere da pecha de
devedor. Se nesta ação ele consegue, suponha-se, uma liminar de suspensão de exigibilidade
do crédito tributário, como deverá se comportar a Fazenda, na figura do fiscal tributário?
O procedimento deverá continuar como se nada houvesse: o fiscal deverá
constituir o crédito tributário da mesma forma que o faria, pois como dito, não lhe é permitido
ignorar o lançamento – deve fazê-lo, ainda que a responsabilidade vá restar suspensa
imediatamente quando da constituição do crédito. A suspensão nunca oferece obstáculo à
constituição do crédito tributário, mesmo que realizada antes deste se constituir.
No estado do Rio de Janeiro, houve caso emblemático sobre o tema, referente
ao COFINS das sociedades uniprofissionais. Em apertada síntese, havia uma lei
complementar estabelecendo que estas sociedades não recolheriam esta contribuição.
Posteriormente, lei ordinária revogou este benefício, e a discussão recaiu na possibilidade ou
não de que uma lei ordinária revogasse benefício concedido em lei complementar, tendo sido
concluído, no STJ, que a revogação era impossível, mas alterando seu entendimento, hoje,
para que há sim esta possibilidade.
O interessante deste exemplo não é seu desfecho, e sim a liminar conseguida pela
autora da ação, do mandado de segurança coletivo impetrado pela OAB: a liminar concedeu
a suspensão da exigibilidade do crédito, até o fim da discussão judicial. Sendo assim, os
escritórios recebiam os fiscais, que lavravam o auto de infração, constituíam o crédito e, no
campo das observações, mencionavam a suspensão daquele mesmo crédito, que já nascia
suspenso. Este fiscal jamais poderia simplesmente deixar de constituir o crédito em razão da
suspensão – a constituição é obrigatória, não sendo afetada pela suspensão.
Há quem explique esta lógica por outro argumento: a constituição do crédito
tributário é sujeita a prazo decadencial, que não se suspende ou interrompe. Por isso, se não
for constituído independentemente da suspensão, o direito do Estado poderá ficar à mercê do
tempo de suspensão, qualquer que seja a causa. No exemplo, se o processo judicial se
estender por mais de cinco anos, o crédito não poderá mais ser constituído, pois que o prazo

57
decadencial15 estará exaurido. Além disso, temos a exigência do artigo 142 do CTN, que não
pode ser afastado.
Antes de se passar a analisar as hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito
tributário, é interessante se observar o que dispõe o artigo 97, VI, do CTN:
Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:
I - a instituição de tributos, ou a sua extinção;
II - a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21,
26, 39, 57 e 65;
III - a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o
disposto no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu sujeito passivo;
IV - a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto
nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;
V - a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus
dispositivos, ou para outras infrações nela definidas;
VI - as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de
dispensa ou redução de penalidades.
§ 1º Equipara-se à majoração do tributo a modificação da sua base de cálculo, que
importe em torná-lo mais oneroso.
§ 2º Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste
artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo.
Este dispositivo é altamente coerente, pois traz para a reserva legal todos os eventos
que, de uma ou de outra forma, guardam alguma relação com a vida do crédito tributário.
Nem todo credito exigível e exequível.

2. Momentos da suspenção do crédito tributário


a) Suspenção da exigibilidade antes do crédito tributário;
b) Suspenção da exigibilidade após o lançamento, mas antes da inscrição na dívida ativa;
c) Suspenção da exigibilidade depois da inscrição na dívida ativa, mas antes de ajuizar a
execução: nesta hipótese, como já se deu o procedimento de inscrição na Dívida Ativa, não
há haverá como reverter esse fato. Uma vez inscrito, vai continuar. Todavia, o contribuinte
deve ser retirado do CADIN;
d) Suspenção da exigibilidade após o ajuizamento da execução fiscal
Se o fisco ajuíza a execução fiscal com a exigibilidade suspensa, o processo deve ser
extinto por carência de ação. O título é líquido e certo, mas não é exigível e, por isso não há
interesse de agir do fisco. A exigibilidade não está presente e o fisco está aqui carente de
ação. O processo deve ser sumariamente extinto.

15
A teoria civilista de Silvio Rodrigues, que identifica que toda vez que o direito nasce em conjunto com o
próprio veículo de sua proteção, o prazo para tal é decadencial; se o direito surge em um momento, mas a
proteção deste só será veiculada em momento posterior à efetiva lesão a tal direito, o prazo então será
prescricional. No direito tributário, o prazo para constituir o crédito é decadencial porque a sua efetivação não
depende de lesão qualquer: o meio de constituição do crédito – a efetuação do lançamento – é surgido desde
quando a própria obrigação é surgida. Já o prazo para cobrar o crédito só começa a correr quando há o
inadimplemento, pois desta lesão surge a pretensão resistida ao recebimento, a ser perseguido em execução
fiscal. Vale consignar que os efeitos da prescrição ou decadência são muito próximos no direito tributário (e
somente aqui): ambos extinguem o direito e a ação que o garante, por pura opção legislativa. Veja o artigo 156,
V, do CTN:
Art. 156. Extinguem o crédito tributário:
(...)
V - a prescrição e a decadência;

58
Se a execução já foi proposta (o título era certo, líquido e exigível) e a suspenção
ocorre, tal fato ostenta o condão de somente obstar a execução e não de extinguir o processo.

Quando o contribuinte obtém a suspenção da exigibilidade do crédito, ele faz jus à


certidão positiva com efeitos negativos (206 do CTN). Essa certidão tem os mesmos efeitos
previstos no artigo 205 (certidão negativa).
Essa certidão positiva de efeitos negativos vai ocorrer quando: a certidão de que
conste a existência de créditos não vencidos, em curso de cobrança executiva em que
tenha sido efetivada a penhora ou cuja exigibilidade esteja suspensa.
Importante notar que se há recurso administrativo pendente, o contribuinte tem direito
a certidão positiva de efeitos negativos.

Vejamos, então, cada hipótese de suspensão da exigibilidade do crédito tributário.

Hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário


O artigo 151 do CTN é a sede legal do estudo:
Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário:
I - Moratória;
II - o depósito do seu montante integral;
III - as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo
tributário administrativo;
IV - a concessão de medida liminar em mandado de segurança.
V - a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de
ação judicial;
VI – o parcelamento.
Parágrafo único. O disposto neste artigo não dispensa o cumprimento das
obrigações assessórios dependentes da obrigação principal cujo crédito seja
suspenso, ou dela consequentes.
Essas hipóteses impedem que o credor reclame seu crédito, mas não que o constitua.
Além disso, não se aplica a teoria da gravitação (direito civil) no direito tributário, logo a
suspenção da exigibilidade não dispensa o cumprimento das obrigações acessórias.

Moratória
O primeiro dos acontecimentos que podem impedir que haja a exigibilidade do
crédito é a moratória. Luiz Emygdio conceitua moratória como “a concessão de novo prazo
de pagamento por razões de ordem pública”.
Antigamente, este conceito gerava uma enorme polêmica, que hoje não mais subsiste,
que era a seguinte: se somente a dilação do prazo feita por razão de ordem pública
configurava moratória, os parcelamentos realizados para atender a interesse particular não
suspenderiam a exigibilidade, ou seja, alguém que obteve parcelamento ainda poderia ter de
si cobrado, inclusive em executiva fiscal16, o crédito constituído, o que é deveras injusto,
sobrando críticas, à época, ao conceito de Luiz Emygdio, porque se o parcelamento não era
de ordem pública, não era moratória, e não suspenderia a exigibilidade.
Felizmente, esta polêmica cessou, porque a Lei Complementar 104/01 inseriu como
causa autônoma de suspensão da exigibilidade o parcelamento, como se vê no inciso VI do
artigo 151, supra.

16
A exequibilidade do crédito depende da comunhão de três requisitos: liquidez, certeza e exigibilidade.
Estando inexigível, por estar suspenso, o crédito é igualmente inexequível.

59
Por outro lado, os doutrinadores colocam que o parcelamento sempre foi visto como
uma forma de moratória e não seria necessária tal distinção. Existem muito mais pontos de
igualdade do que de diferença.
O artigo 152 do CTN trata da moratória:
Art. 152. A moratória somente pode ser concedida:
I - em caráter geral:
a) pela pessoa jurídica de direito público competente para instituir o tributo a que
se refira;
b) pela União, quanto a tributos de competência dos Estados, do Distrito Federal
ou dos Municípios, quando simultaneamente concedida quanto aos tributos de
competência federal e às obrigações de direito privado;
II - em caráter individual, por despacho da autoridade administrativa, desde que
autorizada por lei nas condições do inciso anterior.
Parágrafo único. A lei concessiva de moratória pode circunscrever expressamente
a sua aplicabilidade à determinada região do território da pessoa jurídica de direito
público que a expedir, ou a determinada classe ou categoria de sujeitos passivos.
A moratória em caráter geral é aquela que abrange todos os indivíduos, sem
considerar características individuais destes. A alínea “a” do inciso I deste artigo dispõe que
pode conceder a moratória a pessoa que pode instituir o tributo – é a moratória geral
autônoma.
A alínea “b” traz uma competência um tanto estranha: trata da moratória
heterônoma17, em que se entrega à União a possibilidade de concessão de moratória geral
sobre tributos de entes federativos inferiores, e, a maior das estranhezas, sobre obrigações de
direito privado. Por ser assim tão estapafúrdio, este dispositivo é reputado na doutrina, de
forma remansosa, como não recepcionado pela CRFB, diante da clara ofensa ao pacto
federativo.
Além da moratória em caráter geral, há a que se realiza em caráter individual, como
dispõe o inciso II do artigo em tela. Enquanto a moratória em caráter geral não toma em
consideração características individuais, a individual, por óbvio, faz exatamente isto: ela se
estabelece exatamente por considerar características peculiares de indivíduos, ou grupos de
indivíduos, tais como os ocupantes de determinada região, por exemplo.
Quando se fala em moratória em caráter geral, trata-se a pessoa atingida por ela como
beneficiado; quando se está falando em moratória de cunho individual, o termo empregado
para se referir ao sujeito é interessado. Isto porque, uma vez que a moratória individual elenca
características próprias do sujeito para que ele a tenha concedida, é necessário que ele se
movimente para requerê-la, comprovando o cumprimento das características – sendo
interessado na concessão, portanto.
O meio pela qual a moratória geral é concedida é a lei, de forma inconteste, pela
simples lógica de que não há qualquer manifestação administrativa de nenhum interessado.
Já na moratória individual, há a necessária manifestação administrativa do interessado, que
deve comprovar, em procedimento administrativo, o cumprimento dos requisitos para a
obtenção, o que acaba gerando um despacho administrativo de reconhecimento deste
cumprimento. Seria este despacho meio hábil para a concessão, ou é necessária lei que
conceda a moratória?

17
Em tese, é vedado na CRFB a União conceder a isenção de pagamento de tributos dos outros entes da
federação. Todavia, a CRFB não falou nada sobre conceder suspenção. Há critica na doutrina de que a CRFB
não prevê abertamente, mas tal hipótese (a União conceder a suspenção) fere o pacto federativo que permeia
todo o texto constitucional.

60
O despacho que reconhece o cumprimento dos requisitos tem natureza meramente
declaratória, não se servindo à constituição da moratória. Ele simplesmente diz que, do
exame dos elementos apresentados pelo interessado, há preenchimento das condições para
obtenção do benefício, o qual só é concedido por meio de lei, somente a lei podendo constituir
o benefício.
Uma peculiaridade: uma vez reconhecido o cumprimento dos requisitos, surge para
o interessado o direito público subjetivo ao benefício, ou seja, é oponível à Fazenda Pública
seu direito à moratória, concessão que é vinculada para a Fazenda. Há, então, direito
adquirido à moratória individual quando preenchidos os requisitos que a conformam.
Assim se depreende do artigo 155 do CTN:
Art. 155. A concessão da moratória em caráter individual não gera direito adquirido
e será revogado de ofício, sempre que se apure que o beneficiado não satisfazia ou
deixou de satisfazer as condições ou não cumprira ou deixou de cumprir os
requisitos para a concessão do favor, cobrando-se o crédito acrescido de juros de
mora:
I - com imposição da penalidade cabível, nos casos de dolo ou simulação do
beneficiado, ou de terceiro em benefício daquele;
II - sem imposição de penalidade, nos demais casos.
Parágrafo único. No caso do inciso I deste artigo, o tempo decorrido entre a
concessão da moratória e sua revogação não se computa para efeito da prescrição
do direito à cobrança do crédito; no caso do inciso II deste artigo, a revogação só
pode ocorrer antes de prescrito o referido direito.
Mas é preciso extremo cuidado na exegese deste dispositivo. O que ele dispõe é uma
leitura que melhor se esclarece se feita de forma transversa: ele estabelece, de fato, que há
direito adquirido se todos os requisitos forem – e se mantiverem – cumpridos pelo
interessado. Se descumpre os requisitos em momento ulterior, mesmo os tendo preenchido
no momento de origem, será anulável18, nada tendo a reclamar o interessado. É, portanto, um
direito condicional.
Uma vez anulada a moratória, observar-se-á o que dispõem os incisos I e II deste
artigo 155: se há dolo, simulação, qualquer tipo de fraude na obtenção da moratória que foi
anulada, além dos juros de mora é imponível multa; se não há, se os requisitos simplesmente
se desnaturaram, não configurando fraude alguma, não há multa, e sim apenas os juros de
mora.
Há que se explicar o porquê da imposição dos juros de mora, se não há fraude: esta
verba, ao contrário da multa, não guarda relação alguma com elementos subjetivos da
anulação. Os juros, em matéria tributária, são de uma só espécie: são de natureza
indenizatória, não existindo outras formas, como os juros remuneratórios, compensatórios.
Veja o motivo deste ser o único tipo de juro cabível em matéria tributária: o tributo é o
principal meio de custeio da atividade financeira do Estado, que capta o erário junto aos
particulares, e o devolve a estes na forma de serviços públicos.
Se há alguma falha na arrecadação, há surgimento de problemas na entrega dos
serviços públicos, mas estes serviços não podem ser interrompidos pela inadimplência
tributária. Por isso, havendo falha na arrecadação, o Estado é compelido a buscar
empréstimos no mercado, lançando títulos, captando empréstimos etc.

18
Veja que o artigo fala em revogação, mas, conceitualmente, se trata mesmo é de anulação esta carência
superveniente de requisitos para obtenção da moratória individual. Isto porque a revogação é uma invalidação
por inconveniência ou inoportunidade do ato, o que não é o caso: carente de requisitos de validade, o ato de
concessão é anulado, e não revogado.

61
Ocorre que estes meios de suprir a lacuna deixada pela inadimplência tributária
aumentam o que se chama de custo do dinheiro: se o Estado está custeando os seus serviços
com dinheiro alheio, oriundo de outras fontes que não a arrecadação tributária, a
inadimplência acaba por criar uma oneração indevida do erário, pois o custo dos serviços
aumenta diante dos encargos devidos pela captação suplementar dos recursos.
E é justamente para custear esta diferença, entre o valor que o Estado teria despendido
se a arrecadação fosse adimplida e o valor efetivamente gasto pela necessidade de captar
recursos extrafiscais, que surgem os juros moratórios. São uma forma de recompor o valor
do erário, dilapidado pelos encargos decorrentes dos empréstimos que a mora fez necessários.
E veja que por isso é que a cobrança de juros moratórios não guarda qualquer relação
com a existência ou não de fraude, dolo, ou quaisquer elementos subjetivos. A necessidade
da cobrança dos juros de mora é objetiva, calcada na necessidade de reequilibrar o patrimônio
que foi depletado em razão da inadimplência relativa do contribuinte, independentemente da
boa ou má-fé do contribuinte moroso.
A multa, ao contrário, é pena, e tem estreita ligação com a natureza da fé do indivíduo,
e não meramente análise objetiva da depleção patrimonial. A multa não é recomposição do
patrimônio, e sim sanção pela conduta ímproba do sujeito passivo.
Este mesmo raciocínio se aplica, como se pode ver no parágrafo deste artigo supra, à
prescrição: se o agente agiu de má-fé, não pode se beneficiar de sua torpeza, valendo-se do
curso do prazo prescricional para desobrigar-se, e por isso o prazo prescricional não flui pelo
período em que se viu eivado de má-fé. Já se não há má-fé, o prazo prescricional flui
normalmente, e se há prescrição, não se fala mais em anulação (revogação, na imprópria
redação do dispositivo).
As hipóteses que podem ser abarcadas pela moratória são apenas as previstas no
artigo 154 do CTN:
Art. 154. Salvo disposição de lei em contrário, a moratória somente abrange os
créditos definitivamente constituídos à data da lei ou do despacho que a conceder,
ou cujo lançamento já tenha sido iniciado àquela data por ato regularmente
notificado ao sujeito passivo.
Parágrafo único. A moratória não aproveita aos casos de dolo, fraude ou simulação
do sujeito passivo ou do terceiro em benefício daquele.
A lógica é simples: só se pode conceder moratória a crédito que já se tenha
constituído, ou se o procedimento de constituição se tenha iniciado. Mas veja que a lei que
concede a moratória pode excetuar esta regra, pois assim o dispõe o próprio artigo 154, supra.

Depósito do montante integral


O CTN não traz nenhum outro dispositivo sobre o depósito. Apenas arrola a
conversão desse depósito em renda como forma de extinção do crédito tributário (artigo 156,
VI do CTN).
Esta modalidade de suspensão, prevista no inciso II do artigo 151 do CTN,
traz algumas perguntas a serem respondidas:
A primeira diz respeito à necessidade ou não de autorização administrativa ou
judicial para efetuação do depósito: antes, se cogitava desta necessidade, mas hoje é mais do
que pacífico que, diante da natureza voluntária do depósito, não é preciso que ninguém o
autorize, administrativa ou judicialmente. O interessado pode simplesmente efetuá-lo, para o
fim que bem entender. Esta é a orientação assentada, havendo resoluções de todos os
tribunais regionais federais que admitem o depósito sem qualquer autorização prévia.

62
O depósito, tanto pode ser na esfera administrativa quanto na esfera judicial. Ocorre
que, a simples apresentação tempestiva da impugnação administrativa já é suficiente para a
suspenção da exigibilidade e o depósito nessa esfera é raro. Já na esfera judicial o depósito
se afigura boa alternativa para o contribuinte evitar a execução fiscal.
Além disso, o depósito pode ser de qualquer valor? O único montante que tem o
condão de suspender a exigibilidade do crédito tributário é o integral, mas nada impede que
haja depósito de qualquer valor, a critério do depositante.
Havendo depósito a menor, o crédito não fica com sua exigibilidade suspensa. Surge
a questão: e quanto ao valor depositado, suspende-se? Se a Fazenda for executar seu crédito,
o fará em qual montante, no integral ou na parte sobejante à depositada?
Não existe suspensão parcial da exigibilidade tributária. Sendo assim, a Fazenda
executa pelo valor integral do crédito, a despeito de haver depósito de parte dele. Mas há uma
particularidade a ser apontada, por medida de lógica: se o contribuinte está sendo executado
pela integralidade, mas comprovar depósito de parte da dívida tributária, no momento de
indicação da garantia do juízo, pré-embargos à execução, poderá o executado nomear aquele
depósito como bem dado à garantia, nomeando qualquer outra coisa para garantir o valor
sobejante. Não fosse assim, o patrimônio constrangido superaria o valor do crédito tributário,
pois teria que garantir-lhe a integralidade já tendo arcado com o depósito de parte dele.
É importante esclarecer o que é que motiva o sujeito passivo a depositar valor a
menor, vez que não terá suspensa a exigibilidade do crédito tributário: o sujeito deposita
aquilo de que dispõe com vistas a deixar de suportar os encargos da correção monetária e
dos juros.
O depósito não interrompe a fluência destes encargos: eles continuam a serem
devidos, mas quem os suportará, desde quando efetivado o depósito, é a instituição financeira
que tem a guarda do valor depositado. O que o depósito faz, então, é transferir a
responsabilidade pela correção monetária e juros à instituição financeira oficial.
O STJ resolveu uma outra questão diretamente referente a este tema, no verbete 112
de sua súmula: o depósito deve ser feito necessariamente em dinheiro. Veja:
Súmula 112, STJ: O depósito somente suspende a exigibilidade do crédito
tributário se for integral e em dinheiro.
Aliás, esta súmula extrai conceito bem pleno do depósito que suspende a
exigibilidade: deve ser integral e em dinheiro, e ponto; do contrário, não se suspende a
exigibilidade. Somente dinheiro: não pode ser usado precatório, títulos da dívida pública,
joias, pedras preciosas etc.
Se o contribuinte sair derrotado na demanda judicial o deposito do montante integral
será convertido em renda e vai extinguir o crédito tributário (artigo 156, VI do CTN).
Uma importante observação é que LEF no artigo 38 exige o depósito prévio como
requisito de admissibilidade na ação anulatória. Isso é aceitável? Não! O próprio STF na
súmula vinculante 28 proíbe tal hipótese.
SV 28 - É inconstitucional a exigência de depósito prévio como requisito de
admissibilidade de ação judicial na qual se pretenda discutir a exigibilidade de
crédito tributário.

3. Parcelamento
O parcelamento é reconhecimento da dívida. A confissão da dívida, por meio do
parcelamento, interrompe a prescrição, segundo previsão legal dada pelo art. 174, IV, do
Código Tributário Nacional:

63
Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos,
contados da data da sua constituição definitiva.
Parágrafo único. A prescrição se interrompe:
IV – por qualquer ato inequívoco ainda que extrajudicial, que importe em
reconhecimento do débito pelo devedor.
E se o contribuinte deixa de pagar o parcelamento, em que momento recomeça o prazo
para a Fazenda executar o saldo da dívida não paga? Com habitualidade, entre o contribuinte
deixar de pagar e o Fisco se dar conta decorre certo prazo, às vezes superior a 12 meses.
Percebido o inadimplemento a exclusão pode se dar por um simples e-mail ou publicação do
diário oficial. Não há necessidade de maior formalidade na intimação do devedor, dando
conta de sua exclusão do parcelamento.
Agora, independentemente do ato de exclusão, o prazo para contagem da prescrição
recomeça a fluir no dia em que o devedor deixa de cumprir o acordo celebrado, momento em
que se configura a lesão ao direito subjetivo do Fisco, possibilitando a propositura ou
retomada da execução fiscal. Ou seja, o prazo para o Fisco retomar a cobrança começa a ser
contado em momento bem anterior ao de exclusão do contribuinte, apesar da insistente
irresignação das Procuradorias da Fazenda, que sustentam ser a data de exclusão como a data
a ser considerada para a retomada dos atos executórios.
A jurisprudência pacífica no STJ é que a partir do momento em que o contribuinte
deixa de pagar o parcelamento, automaticamente abre para o Fisco o direito de cobrar o saldo
devedor judicialmente. E se há esse direito ele se submete ao prazo prescricional de cinco
anos, previsto no caput do art. 174 do CTN, pois o saldo devedor do parcelamento possui a
natureza de “constituição definitiva” ali prevista.
Outra questão relevante e polêmica é saber se uma vez parcelado determinado tributo
pode vir o contribuinte a posteriormente alegar prescrição. A resposta é positiva. A confissão
de dívida tributária para fins de parcelamento cria uma nova obrigação, mas sem efeitos
absolutos. Se a dívida original é atingida pela prescrição opera-se sua extinção, e é impossível
reavivar crédito tributário já extinto, mesmo que sob parcelamento. Tem-se aí a mais clara
prova da força da prescrição sobre o débito tributário.

64
Tema IX

1. Suspensão da exigibilidade e certidões positivas com efeitos de negativa de débito


Se o crédito estiver suspenso, a certidão que o contribuinte consegue sobre
seus débitos é a positiva com efeitos de negativa. São causas de emissão desta certidão a
existência de créditos ainda não vencidos, de créditos que estejam garantidos em executivo
fiscal, e créditos que estejam sob o abrigo de uma suspensão de sua exigibilidade. Artigo
206 do CTN:
Art. 206. Tem os mesmos efeitos previstos no artigo anterior a certidão de que conste
a existência de créditos não vencidos, em curso de cobrança executiva em que tenha
sido efetivada a penhora, ou cuja exigibilidade esteja suspensa.
Ora, imagine-se que a causa da suspensão seja o curso da reclamação
administrativa. Se, ao alcançar a decisão administrativa irrecorrível, este crédito não for
extinto, estará criada uma situação ambígua: o crédito não mais estará suspenso, e não estará,
ainda, em fase de executivo fiscal. Neste interregno, cria-se um limbo no qual o contribuinte
não pode obter a certidão positiva com efeitos de negativa, porque não está sob nenhuma das
causas que a autorizam: não está com a exigibilidade de seu débito suspensa, e não está sob
executivo fiscal que o possibilite garantir o juízo.
Por conta disso, surgiu na própria jurisprudência um movimento de
ajuizamento de ações cautelares, oferecendo bens em garantia a uma execução que ainda está
por vir. Isto porque, uma vez dada a decisão administrativa definitiva, a Fazenda dispõe de
cinco anos para ajuizar a execução fiscal daquele crédito, ou seja, regularmente, o sujeito
pode ficar impedido de haver a certidão positiva com efeitos negativos por todo este período
– o que lhe é bastante prejudicial. Desde o momento em que a executiva fiscal for ajuizada,
o sujeito poderá pretender esta certidão por efetivação de uma nomeação de bens à penhora,
garantindo o juízo e subsumindo-se ao que a lei dispõe para tal certidão. Se não há ainda a
execução, não haveria o que fazer.
Por isso, passou-se a admitir esta cautelar de penhora do bem, a fim de que,
antecipando o rito que será percorrido quando do ajuizamento da execução fiscal, nomeando
bens, esteja garantido o juízo, e seja possível a expedição da certidão positiva com efeitos de
negativa.
Esta tese, é claro, gerou controvérsias, havendo quem defendesse o cabimento
desta cautelar, porque senão seria criada situação de alta insegurança, em que o sujeito estaria
posto sob o arbítrio da Fazenda em ajuizar a executiva rapidamente ou não (lembrando que
o uso do prazo de cinco anos é uma faculdade, e não desídia da Fazenda – é exercício regular
de seu direito). Mas havia quem entendia que isso seria uma burla à taxatividade do artigo
151 do CTN, já transcrito, pois se estaria criando uma hipótese de suspensão do crédito que
não está ali arrolada.
Este debate acabou por findar-se, vez que o STJ entende que é perfeitamente
cabível a cautelar de caução de bens para obtenção de certidões positivas com efeito de
negativa, porque não se está criando nova hipótese de suspensão, mas apenas garantindo a
emissão de um documento mediante a salvaguarda de interesse fazendário (pois é claro que
esta medida cautelar apenas adianta o procedimento, com as contraditas que lá seriam
cabíveis, inclusive quanto ao interesse no bem ofertado ou não).
É claro que o fato de a medida ser reputada como cabível não significa que o
bem ofertado será necessariamente aceito: sofrerá o crivo normal a que estaria sujeito na
execução fiscal.

65
2. Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal
O Cadastro Informativo de créditos não quitados do setor público federal (Cadin) é
um banco de dados que contém os nomes de pessoas físicas e jurídicas com obrigações
pecuniárias vencidas e não pagas para com órgãos e entidades da Administração Pública
Federal, direta e indireta. O Cadin contém ainda os nomes de pessoas físicas que estejam
com a inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) cancelada e de pessoas jurídicas que
sejam declaradas inaptas perante o Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ).
Cabe à Secretaria do Tesouro Nacional expedir orientações de natureza normativa a
respeito do Cadin e cabe ao Banco Central administrar e disponibilizar, por meio do
SISBACEN, as informações que compõem esse banco de dados.
Na data do registro no Cadin, o órgão ou a entidade responsável pela inscrição é
obrigado a expedir comunicação para o devedor, dando ciência da inclusão no Cadin e
fornecendo todas as informações relacionadas ao débito.
Para a exclusão de um registro no Cadin, o devedor deverá comprovar a regularização
do débito no próprio órgão ou entidade responsável pela inscrição da dívida, que terá prazo
de cinco dias úteis para efetuar a baixa.
O Banco Central disponibiliza possibilidade de consulta aos dados do Cadin, pela
internet, por meio do SISBACENWEB. Esse serviço permite que cidadãos possam ter acesso
às suas posições no Cadin, sem custos, mediante prévio credenciamento.

66
Tema X

1. Extinção do crédito tributário


As três características fundamentais das obrigações, conceito já solidificado
no próprio direito privado, são a patrimonialidade, a transitoriedade, e a autonomia da
vontade sobre o próprio patrimônio. A extinção do crédito tributário guarda relação
justamente com a transitoriedade: nenhuma obrigação, mesmo a tributária, pode se perpetuar
indefinidamente, pois ninguém pode ficar obrigado ad aeternum. Quer pelo tempo19, quer
por um evento marcante, a obrigação se extingue, de uma forma ou de outra.
Em que pese se falar em extinção do crédito tributário, a própria obrigação
tributária fica também extinta. Isto porque se o lançamento declara a existência da obrigação
e constitui liquidamente o crédito, a extinção deste crédito acarreta a desobrigação do sujeito
passivo.
As hipóteses de extinção do crédito tributário se aproximam muito das formas
e extinção das obrigações civis, havendo algumas específicas da seara tributária. Surge a
seguinte questão: o artigo 156 do CTN, que apresenta a lista de causas de extinção, traz rol
taxativo ou meramente exemplificativo?
Art. 156. Extinguem o crédito tributário:
I - o pagamento;
II - a compensação;
III - a transação;
IV - remissão;
V - a prescrição e a decadência;
VI - a conversão de depósito em renda;
VII - o pagamento antecipado e a homologação do lançamento nos termos do
disposto no artigo 150 e seus §§ 1º e 4º;
VIII - a consignação em pagamento, nos termos do disposto no § 2º do artigo 164;
IX - a decisão administrativa irreformável, assim entendida a definitiva na órbita
administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória;
X - a decisão judicial passada em julgado.
XI – a dação em pagamento em bens imóveis, na forma e condições estabelecidas
em lei.
Parágrafo único. A lei disporá quanto aos efeitos da extinção total ou parcial do
crédito sobre a ulterior verificação da irregularidade da sua constituição, observado
o disposto nos artigos 144 e 149.
Veja que o CTN, no artigo 141, assim dispõe:
Art. 141. O crédito tributário regularmente constituído somente se modifica ou
extingue, ou tem sua exigibilidade suspensa ou excluída, nos casos previstos nesta
Lei, fora dos quais não podem ser dispensadas, sob pena de responsabilidade
funcional na forma da lei, a sua efetivação ou as respectivas garantias.
O CTN parece ter delimitado às hipóteses do próprio codex tributário, ou seja, nem
mesmo da legislação tributária como um todo. Diante desta redação, parece que o CTN quer
taxativo o rol do artigo 156, assim, como o do artigo 151, referente às suspensões do crédito
tributário.

19
Bom exemplo da evolução deste paradigma, da extinção das obrigações, é a admissão, recente, de que haja
até mesmo a prescrição intercorrente como meio hábil para pôr fim à obrigação. É tema a ser visto adiante.

67
Contudo, esta lista do artigo 156 vem sendo alterada, por leis complementares hábeis
para tanto. Bom exemplo é a dação em pagamento, modalidade de extinção sempre
propugnada pela doutrina, mas que só passou a ser admissível quando incluída no dispositivo
pela Lei Complementar 104/01.
Mas há ainda certa mitigação a esta intenção taxativa do CTN que vem da própria
lógica de alguns institutos. Exemplo disso é a confusão (CCB, artigos 381 até 384):
modalidade do direito civil, que não se encontra neste artigo 156, tem sido aplicada pela
jurisprudência, em respeito à incongruência que haveria se não fosse causa de extinção do
crédito tributário (se imporia à Fazenda, tolamente, pagar a si mesmo um crédito qualquer).
Afora a confusão, porém, o rol do artigo 156 do CTN parece esgotar as hipóteses de
exclusão do crédito tributário. Mesmo sendo raras as possibilidades, o STF e o STJ têm
admitido à possibilidade de que existam outras possibilidades além do artigo 156 do CCB.

2. Pagamento
O pagamento tributário tem peculiaridades que o diferem do pagamento das
obrigações civis. A primeira vem logo no artigo 157 do CTN:
Art. 157. A imposição de penalidade não elide o pagamento integral do crédito
tributário.
Significa que, em obrigações tributárias, não subsistem as cláusulas penais
substitutivas, como o há no direito civil: a multa soma-se à obrigação principal,
invariavelmente, e não toma seu lugar, como pode acontecer em obrigações civis – o sujeito
passivo continua devendo o tributo, somado à multa. E veja que, muitas das vezes, a multa
tributária extrapola em muito a obrigação principal, e mesmo assim opera-se esta soma
(abstraindo-se aqui da eventual discussão sobre a violação ao princípio do não-confisco).
O artigo 158 do CTN ainda apresenta outras duas situações que deixam clara a
diferença do pagamento tributário em relação ao civil:
Art. 158. O pagamento de um crédito não importa em presunção de pagamento:
I - Quando parcial, das prestações em que se decomponha;
II - Quando total, de outros créditos referentes ao mesmo ou a outros tributos.
O CCB, no artigo 322, diz exatamente o contrário do inciso I deste artigo 158:
Art. 322. Quando o pagamento for em quotas periódicas, a quitação da última
estabelece, até prova em contrário, a presunção de estarem solvidas as anteriores.
Destarte, parcelado o tributo, a quitação de uma parcela ulterior não gera a presunção
de que as anteriores tenham sido pagas.
O inciso II é bastante óbvio: se o crédito tributário referente a um determinado tributo
for adimplido pelo sujeito passivo, de forma alguma significa que os demais débitos que este
sujeito tenha, referentes a outros tributos, são presumidamente quitados. De fato, este
dispositivo só se demonstra importante quando se verifica, por exemplo, que um tributo foi
quitado, mas não o foram as obrigações acessórias: o fato de o fisco receber o pagamento
somente do principal não significa que tenha dado por quitadas as obrigações acessórias.
Os artigos 159 e 160 do CTN trazem duas normas de caráter supletivo, que só se
invocam se as leis próprias, instituidoras dos tributos, não tratarem destas matérias:
Art. 159. Quando a legislação tributária não dispuser a respeito, o pagamento é
efetuado na repartição competente do domicílio do sujeito passivo.

68
Art. 160. Quando a legislação tributária não fixar o tempo do pagamento, o
vencimento do crédito ocorre trinta dias depois da data em que se considera o
sujeito passivo notificado do lançamento.
Parágrafo único. A legislação tributária pode conceder desconto pela antecipação
do pagamento, nas condições que estabeleça.
Quanto ao local do pagamento, então, segundo o artigo 159 do CTN, a dívida é paga
no domicílio do sujeito passivo, se a legislação tributária20 em geral (normalmente a que o
faz é a legislação específica do tributo) não prevê de forma diversa.
Quanto ao tempo do pagamento, o artigo 160 do CTN reputa que o prazo é de trinta
dias, se não houver outro previsto na legislação tributária do ente público. O desconto do
parágrafo único é apenas uma forma de pagamento. O desconto não é isenção ou benefício
fiscal. Logo, é possível criar um desconto sem observar o princípio da reserva legal (é
possível criar o desconto por norma infralegal).
O artigo 161 do CTN é bastante importante, e merece uma leitura detalhada:
Art. 161. O crédito não integralmente pago no vencimento é acrescido de juros de
mora, seja qual for o motivo determinante da falta, sem prejuízo da imposição das
penalidades cabíveis e da aplicação de quaisquer medidas de garantia previstas
nesta Lei ou em lei tributária.
§ 1º Se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa
de um por cento ao mês.
§ 2º O disposto neste artigo não se aplica na pendência de consulta formulada pelo
devedor dentro do prazo legal para pagamento do crédito.
O caput estabelece a obrigação de pagar os juros e a multa cabíveis, e a isso se soma
a correção monetária, garantia de não corrosão do valor do tributo pelo tempo.
Independentemente do motivo que levou ao não pagamento (o banco estava em greve, era
domingo etc.).
É possível cumular multa e juros de mora, pois o fundamento que justifica cada um
deles é diferente. Os juros de mora têm um caráter remuneratório do capital (e não tem caráter
de pena ou sanção); a multa moratória tem um caráter punitivo, ou seja, é uma sanção. Para
o STJ a multa é como uma forma de perdas e danos antecipada, é uma indenização.
Lembrando que a correção monetária existe apenas para atualizar o valor em face da inflação.
Assim, é possível cumular multa, juros e correção monetária.
O § 1º abre caminho à inovação legal sobre a taxa de juros, inovação que já se faz
presente: hoje, a correção monetária e os juros de mora são definidos em conjunto na
chamada taxa SELIC – a multa remanesce casuística –, no âmbito federal, e se a legislação
impõe o uso da SELIC, não pode aplicar mais uma correção ou outros juros de mora, sob
pena de configurar bis in idem.
A SELIC, hoje, é aplicável até mesmo na repetição do indébito, ou seja, na restituição
do valor indevidamente pago pelo devedor ao fisco. Haverá melhor estudo desta temática
adiante.

20
Rememorando, legislação tributária é termo empregado no CTN para açambarcar todos os meios normativos
hábeis ao tratamento dos tributos, como dispõe o artigo 96 do CTN:
Art. 96. A expressão "legislação tributária" compreende as leis, os tratados e as
convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem,
no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes.
Quando o CTN quer dizer que há reserva de lei, em sentido estrito, ele se utiliza do termo lei, e não da expressão
legislação tributária. Assim traça, por exemplo, a reserva legal estabelecida no artigo 97 do CTN:
Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:

69
O § 2º do artigo supra dispõe que não se verifica ônus da mora, quer juros quer
sanções, se o tributo está sob consulta. Consulta é uma modalidade de processo
administrativo tributário, prevista no artigo 46 do Decreto 70.235/72, que foi recepcionado
com status de lei, servível quando, diante de uma dúvida razoável, surgida em um caso
concreto, o devedor precisa definição de qual é o tratamento tributário a ser dispensado ao
caso. Só se admite a consulta antes de qualquer procedimento de cobrança pelo fisco ser
instaurado.
Art. 46. O sujeito passivo poderá formular consulta sobre dispositivos da legislação
tributária aplicáveis a fato determinado.
Parágrafo único. Os órgãos da administração pública e as entidades representativas
de categorias econômicas ou profissionais também poderão formular consulta.
Se o devedor não adimplir em tempo, porque estava sob consulta, não se aplicam
multas ou juros de mora.
Pelo ensejo, vejamos aqui três conceitos mencionados e que são recorrentemente
usados, que demandam um esclarecimento breve a fim de facilitar o entendimento do tema:
o de correção monetária, o de multa moratória e o de juros de mora.
Correção monetária é o meio pelo qual se pretende restaurar o valor da moeda, que
normalmente se corrói com o processo inflacionário.
Juros de mora é meio de remuneração do capital de outrem que se está utilizando. É
o “aluguel” do dinheiro, meio pelo qual a utilização de capital de alguém por outrem é
remunerada. Nos tributos, os juros de mora são remuneratórios, mas são devidos em razão
do atraso, porque ao se deixar de entregar à Fazenda o dinheiro que deveria integrar o erário,
se estaria usando o dinheiro que já seria do erário, e se faz necessária a remuneração deste
dinheiro. Mas há uma tese, minoritária, que defende que se o dinheiro ainda não passou às
mãos do fisco, ainda pertence ao devedor, e nada há que se remunerar o uso de tal valor, vez
que é dinheiro próprio.
A multa, por fim, é a sanção pelo inadimplemento, devida em razão da frustração da
expectativa do fisco em haver integralizado o erário, a fim de dispor da verba para prestação
do serviço estatal.

3. Modalidades de pagamento
O artigo 162 do CTN traça as modalidades de pagamento do tributo:
Art. 162. O pagamento é efetuado:
I - Em moeda corrente, cheque ou vale postal;
II - Nos casos previstos em lei, em estampilha, em papel selado, ou por processo
mecânico.
§ 1º A legislação tributária pode determinar as garantias exigidas para o pagamento
por cheque ou vale postal, desde que não o torne impossível ou mais oneroso que
o pagamento em moeda corrente.
§ 2º O crédito pago por cheque somente se considera extinto com o resgate deste
pelo sacado.
§ 3º O crédito pagável em estampilha considera-se extinto com a inutilização
regular daquela, ressalvado o disposto no artigo 150.
§ 4º A perda ou destruição da estampilha, ou o erro no pagamento por esta
modalidade, não dão direito a restituição, salvo nos casos expressamente previstos
na legislação tributária, ou naquelas em que o erro seja imputável à autoridade
administrativa.
§ 5º O pagamento em papel selado ou por processo mecânico equipara-se ao
pagamento em estampilha.

70
Abstendo-nos de comentar os óbvios, vejamos apenas aqueles meios de pagamento
que, por seu parco uso, merecem alusão expressa.
Vale postal é uma espécie de título, semelhante ao cheque, que é compensado pelas
próprias agências dos correios, e tem especial serventia em localidades que não dispõem de
qualquer agência bancária.
Estampilha é um meio de pagamento que, similar ao papel selado, identifica que o
tributo a que se refere está devidamente pago.
Papel selado é um meio de pagamento em que o devedor adquire previamente o selo,
e este representa a quitação quando for utilizado no produto que se destina a ser selado. À
medida que inutiliza o selo ao colá-lo no produto, dá-se a extinção daquele crédito tributário.
Processo mecânico é uma chancela estatal a atos de pagamento tomados pelo
contribuinte, como uma nota fiscal eletrônica, por exemplo.

4. Imputação do pagamento
A imputação é uma forma de processar a causa de extinção do tributo. Assim, não
está enumerado no artigo 97 do CTN, logo pode ser delegado e pode ser definido por
estabelecido por instrução normativa21.
O artigo 163 do CTN trata da imputação do pagamento, ou seja, qual é a ordem de
recebimento dos tributos devidos por um mesmo sujeito passivo a um mesmo ente tributante:
Art. 163. Existindo simultaneamente dois ou mais débitos vencidos do mesmo
sujeito passivo para com a mesma pessoa jurídica de direito público, relativos ao
mesmo ou a diferentes tributos ou provenientes de penalidade pecuniária ou juros
de mora, a autoridade administrativa competente para receber o pagamento
determinará a respectiva imputação, obedecidas as seguintes regras, na ordem em
que enumeradas:
I - Em primeiro lugar, aos débitos por obrigação própria, e em segundo lugar aos
decorrentes de responsabilidade tributária;
II - Primeiramente, às contribuições de melhoria, depois às taxas e por fim aos
impostos;
III - na ordem crescente dos prazos de prescrição;
IV - Na ordem decrescente dos montantes.
Atualmente, a imputação (a Fazenda escolher qual o tributo que está sendo pago) é
algo raro no dia a dia, pois a contribuinte paga tributos imprimindo um boleto que já diz o
que está sendo paga. Todavia, tal dispositivo ainda é importante na falência, pois há um
montante de recursos para pagar uma série de tributos e é necessário estabelecer uma ordem.
O inciso I do artigo define que o débito que o sujeito passivo deve como contribuinte
é imputado primeiramente, e somente em seguida se aproveita o valor pago a mais para quitar
débitos em que o sujeito figura como responsável tributário.
O inciso II dispõe simples e literal ordem de preferência de espécies tributárias, tendo
sido respeitado, antes, o previsto no inciso I. Veja que esta ordem leva em conta a
característica da retributividade e vinculação22 dos tributos, sendo os tributos que assumem
esta natureza preferencialmente imputados no pagamento.

21
O artigo 374 do CCB era inconstitucional, pois o CCB é lei ordinária e a CRFB prevê a necessidade de lei
complementar para as normas tributárias.
22
A contribuição de melhoria é mais retributiva que a taxa, pois gerou uma melhoria e/ou uma valorização
direta para o contribuinte.

71
Os incisos III e IV são ainda mais literais. Primeiro deve ser pago os créditos mais
próximos da prescrição. Se o prazo prescricional for igual primeiro se extingue os valores
maiores para depois chegar aos menores.

5. Consignação em pagamento
O artigo 164 do CTN assim estabelece:
Art. 164. A importância de crédito tributário pode ser consignada judicialmente
pelo sujeito passivo, nos casos:
I - de recusa de recebimento, ou subordinação deste ao pagamento de outro tributo
ou de penalidade, ou ao cumprimento de obrigação acessória;
II - de subordinação do recebimento ao cumprimento de exigências administrativas
sem fundamento legal;
III - de exigência, por mais de uma pessoa jurídica de direito público, de tributo
idêntico sobre um mesmo fato gerador.
§ 1º A consignação só pode versar sobre o crédito que o consignante se propõe
pagar.
§ 2º Julgada procedente a consignação, o pagamento se reputa efetuado e a
importância consignada é convertida em renda; julgada improcedente a
consignação no todo ou em parte, cobra-se o crédito acrescido de juros de mora,
sem prejuízo das penalidades cabíveis.
A consignação tributária só pode ser feita judicialmente. A consignação tributária não
pode ser feita de forma extrajudicial. Isso se deve ao fato de que o crédito tributário é
indisponível.
Pagar um tributo é um dever, mas é também um direito: desobrigar-se, pagando seu
débito, é um direito que assiste ao sujeito passivo. Se a Fazenda criar óbices injustos ao
exercício deste direito, surge o direito sucessivo do devedor (contribuinte e o responsável),
correspondente a esta lesão causada pelo fisco ao não receber o pagamento, de consignar
aquilo que entende devido, com vistas a se desobrigar.
O CPC prevê a consignatória de terceiros interessados. Mas o CTN diz sujeito ativo
(contribuinte e responsável). Seria possível um terceiro interessado ter legitimidade para
ajuizar uma consignatória?
Entre o CTN e o CPC, em matéria tributária, vai prevalecer o CTN. Assim, se a
Fazenda contestar e alegar a preliminar de ilegitimidade ativa, ela deve sair vencedora.
Todavia, qual a vantagem que a Fazenda teria em questionar alguém que deseja pagar
um tributo? Ao fazer isso ela vai deixar de receber. Claro que se a consignatória questionar
algum elemento (como o valor do tributo) a Fazenda vai ter que contestar.
As hipóteses tributárias da consignação são bastante claras. A recusa injusta ao
recebimento é caso mais óbvio; mas a segunda parte do inciso I deste artigo 164 merece
explicações: se o fisco condiciona o recebimento de um tributo ao adimplemento casado de
outro tributo (carne do IPTU que traz junto à taxa de lixo), de uma penalidade ou obrigação
acessória (um auto de infração que nos traz três infrações, mas o contribuinte quer questionar
uma delas), esta recusa é objetivamente injusta.
O inciso II, ao contrário, permite que haja a imposição de cumprimento casado de
exigências administrativas, desde que haja fundamento legal para tanto. Logo, a exigência
deve ser ilegal (não ter fundamento legal).
O inciso III23 é um tanto mais específico: trata da tributação indevida por mais de um
ente, sobre o mesmo fato gerador. Imagine-se que haja um imóvel situado em área limítrofe

23
Quase todas as consignações em pagamento se baseiam neste inciso.

72
entre municípios: se, neste caso, cada um dos municípios emitir cobrança de IPTU, por
exemplo, é claro que o devedor não é obrigado perante ambos os entes federativos. Para
desobrigar-se sem riscos de ser considerado inadimplente, poderá consignar em pagamento
àquele que entender devido, ajuizando a ação para que o Judiciário resolva qual dos entes
absorve aquela área (devendo, por segurança, ajuizar a ação no foro do município que
usualmente o tributava em tributos municipais).
A ação de consignação é uma actio duplex: é uma ação de natureza dúplice, na qual,
ainda que o réu não ofereça uma reconvenção, ele obterá da sentença de improcedência do
pedido do autor algum efeito positivo, favorável a si, colocando-o na posição de recebedor
da prestação jurisdicional. Se a improcedência da consignatória for causada pela insuficiência
do valor, basta que o réu conteste a ação para que haja o efeito da consolidação do valor
faltante, a ser por ele executado.
Estratificando-se o valor que é realmente devido, a diferença entre este e o depósito
realizado poderá ser, inclusive, executada pelo credor, réu da consignatória. Não por acaso,
a sentença de improcedência, nestes moldes, é uma das raríssimas exceções em que, mesmo
sendo declaratória negativa, poderá ser executada pelo credor pelo valor faltante que foi
identificado no processo, a teor do artigo 545, § 2º, do NCPC, in verbis:
Art. 545. Alegada a insuficiência do depósito, é lícito ao autor completá-lo, em 10
(dez) dias, salvo se corresponder a prestação cujo inadimplemento acarrete a
rescisão do contrato.
§ 1º No caso do caput, poderá o réu levantar, desde logo, a quantia ou a coisa
depositada, com a consequente liberação parcial do autor, prosseguindo o processo
quanto à parcela controvertida.
§ 2º A sentença que concluir pela insuficiência do depósito determinará, sempre
que possível, o montante devido e valerá como título executivo, facultado ao credor
promover-lhe o cumprimento nos mesmos autos, após liquidação, se necessária.
O problema é que o depósito feito a menor numa consignatória leva a uma questão:
seria possível a Fazenda ajuizar a execução fiscal? Sim seria possível, e pelo valor total.
As ações devem ser reunidas por economia processual e para evitar decisões
conflitantes. Na Justiça Estadual temos a conexão. Na Justiça Federal elas não são reunidas,
segundo entendimento do STJ.
Consignação não se confunde com depósito: quem deposita, no direito tributário,
intenta suspender a exigibilidade do crédito, impedindo a exequibilidade do crédito, para
poder discutir qualquer dos seus aspectos. Quem consigna o valor, na verdade, quer
desobrigar-se, e não discutir o crédito. Na consignação, o agente arca com aquilo que entende
devido, propondo-se a pagar o tributo na forma que entende correta; no depósito, ele arca
com a integralidade do montante, pois se o fizer a menor a exigibilidade do crédito não se
suspende.
Se a consignação, em suma, serve para casos em que o recebimento é injustamente
recusado, se o fisco cobra um determinado valor, mas o sujeito passivo se dispõe a pagar
outro valor, a menor, significa que o fisco se recusou a receber o valor oferecido, mesmo que
a menor – gerando a possibilidade de que haja discussão do quantum na ação de consignação.

6. Pagamento indevido
O pedido de restituição do indébito pode ser um pedido administrativo ou judicial.
Importante notar que não há previsão de interrupção do prazo judicial pelo pedido de
repetição de indébito feito em esfera administrativa.
O artigo 165 do CTN é a sede legal do estudo:

73
Art. 165. O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição
total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o
disposto no § 4º do artigo 162, nos seguintes casos:
I - Cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face
da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador
efetivamente ocorrido;
II - Erro na edificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo
do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao
pagamento;
III - reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória.

A grande maioria das causas de pedir da repetição de indébito é a alegação da


inconstitucionalidade do tributo, o que não está expressamente previsto no artigo 165 do
CTN. Claro que a inconstitucionalidade deve ser declarada ex tunc para que seja necessária
a restituição do indébito. Por isso, a Fazenda sempre vai pedir a modulação de efeitos para
evitar ter que restituir valores.

6.1. Prazo para a repetição do indébito


Há ainda questão importante sobre a repetição de indébito, que diz respeito ao prazo
para exercício desta pretensão à restituição. Artigo 168 do CTN:
Art. 168. O direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso do prazo de
5 (cinco) anos, contados:
I - Nas hipóteses dos incisos I e II do artigo 165, da data da extinção do crédito
tributário; (Vide artigo 3 da LC nº 118, de 2005)
II - Na hipótese do inciso III do artigo 165, da data em que se tornar definitiva a
decisão administrativa ou passar em julgado a decisão judicial que tenha
reformado, anulado, revogado ou rescindido a decisão condenatória.
Nos tributos por homologação devemos nos ater ao que está previsto no artigo
3º da LC 118/05. O prazo vai contar do pagamento, independentemente da modalidade
lançamento. Para o STF a validade dessa alteração só vai valer para as ações ajuizadas
após a entrada em vigor da LC 118/05.
Art. 3º - Para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 da Lei no 5.172, de 25
de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário
ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do
pagamento antecipado de que trata o § 1º do art. 150 da referida Lei.
O STJ trata o prazo como prescricional. Mas a doutrina majoritária trata o prazo com
decadencial. A diferença está no protesto: se o prazo é decadencial não há suspenção, mas se
o prazo é prescricional o protesto interrompe.
No artigo subsequente, 169, o CTN prevê o prazo prescricional da ação anulatória de
decisão administrativa, o que gera dúvidas.
Art. 169. Prescreve em dois anos a ação anulatória da decisão administrativa que
denegar a restituição.
Parágrafo único. O prazo de prescrição é interrompido pelo início da ação judicial,
recomeçando o seu curso, por metade, a partir da data da intimação validamente
feita ao representante judicial da Fazenda Pública interessada.
A primeira cogitação a que estes artigos induzem é se a restituição precisa ser
primeiro requerida administrativamente, ou se pode ser feita diretamente na via judicial. Há
duas correntes disputando a resposta a esta pergunta. A primeira defende que o Judiciário é
inafastável, diante da previsão constitucional do artigo 5º, XXXV, da CRFB:
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a
direito;

74
A segunda corrente se vale de argumento processual: se o sujeito passivo não
levou sua pretensão ao fisco, não pode reputá-la resistida, e por isso careceria de interesse de
agir, pois que não se configurou a lide.
Prevalece, em certa medida, a tese que privilegia a inafastabilidade do Judiciário,
dizendo possível o acesso direto deste pelo sujeito passivo que se vê atacado indevidamente
em seu patrimônio, visto que isso já é uma lesão ao seu direito.
Ocorre que remanesce a dúvida diante dos artigos 168 e 169 do CTN: quando se
aplica um ou outro dos prazos ali previstos?
O artigo 169 parece dar a dica que, se requerida administrativamente a restituição,
haverá prazo de dois anos para anular a decisão que a denega. Mas veja que este artigo é
anterior à CRFB e à previsão de inafastabilidade do Judiciário, então este artigo é de uma
época em que a via administrativa era passo necessário. Hoje, pode-se dizer que, tanto para
requisição administrativa quanto para a judicial, o prazo é de cinco anos, mas se for eleita a
via administrativa, da decisão final nesta seara caberá ação anulatória em prazo ainda de dois
anos.
Há que se discutir, aqui, a natureza destes prazos: serão prescricionais ou
decadenciais?
O prazo do artigo 169 é prescricional por simples menção legal – mas, ainda se não
houvesse sua natureza expressa, o seria da mesma forma. O prazo do artigo 168, ao contrário,
é decadencial, vez que fulmina a faculdade jurídica do agente em haver sua restituição,
extirpando o próprio direito.
A contagem do prazo de cinco anos, deste artigo 168 do CTN, demanda a explicação
da famigerada tese dos “cinco mais cinco”. Esta tese tem sede nos tributos lançados por
homologação, em que o próprio sujeito passivo calcula e paga antecipadamente o seu tributo,
restando no aguardo da homologação, da confirmação da correção de seu pagamento por
parte do fisco.
O pagamento antecipado, por si só, não extingue o crédito tributário, nestes tributos,
diante da exigência da verificação pelo fisco da correção deste pagamento. A homologação
da Fazenda pode ser expressa ou tácita, e é nesta última que se manifesta a tese em análise.
Segundo o artigo 150, § 4º do CTN, entende-se que a homologação tácita ocorre em cinco
anos, sendo este o prazo após o qual a extinção do crédito tributário se aperfeiçoa.
Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja
legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio
exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade,
tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente
a homologa.
§ 1º O pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o
crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação ao lançamento.
§ 2º Não influem sobre a obrigação tributária quaisquer atos anteriores à
homologação, praticados pelo sujeito passivo ou por terceiro, visando à extinção
total ou parcial do crédito.
§ 3º Os atos a que se refere o parágrafo anterior serão, porém, considerados na
apuração do saldo porventura devido e, sendo o caso, na imposição de penalidade,
ou sua graduação.
§ 4º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da
ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha
pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o
crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.

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Os cinco anos deste dispositivo contam-se desde a data do fato gerador, como
ali está expresso, se a lei não fixar prazo diverso. Assim ficaria, então, o esquema gráfico da
repetição:

Prazo decadencial de cinco anos para intentar repetição de indébito


(artigo 168, I, CTN)

Fato gerador
Pagamento antecipado, a Homologação Decadência do
qualquer tempo (extinção (irrelevante, quanto direito de repetir
do crédito tributário) aos prazos) o indébito

Cinco anos

Ocorre que, sendo tida por lei meramente interpretativa, como este artigo 3º
se anuncia, a LC 118/05 poderia ter sido aplicada retroativamente, pois mera interpretação
não exige respeito à irretroatividade. Todavia, sabiamente, o STJ, neste aspecto, não acolheu
a pretensão do fisco, por entender que mesmo assim constando do texto, esta norma não é
meramente interpretativa e, como inovação legislativa, só poderia valer dali em diante, sem
retrotrair-se, como se vê no EREsp 1.042.754:
Sobre o momento, então, o STJ clareou bastante a questão, reputando decenal
o prazo para fatos geradores prévios à LC 118/05, e quinquenal para os ocorridos após.

7. Outras modalidades de extinção do crédito tributário


O que se extingue é a própria obrigação tributária e não somente o crédito tributário,
que é um dos seus elementos (a obrigação tributária possui três elementos: sujeito ativo,
sujeito passivo e crédito tributário) – art. 113, § 1.º, parte final, do CTN. Essa regra, porém,
não é absoluta: pode ocorrer a extinção de um crédito sem a extinção da obrigação, desde
que a causa extintiva tenha afetado apenas a formalização do crédito.
As principais causas extintivas encontram-se enumeradas no art. 156 do CTN:
pagamento; compensação; transação; remissão; prescrição e decadência; a conversão de
depósito em renda; o pagamento antecipado e a homologação do lançamento, nos termos do
disposto no art. 150 e seus §§ 1.º e 4.º; a consignação em pagamento, nos termos do disposto
no § 2.º do art. 164; a decisão administrativa irreformável, assim entendida a defendida na
órbita administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória; a decisão judicial
passada em julgado; a dação em pagamento de bens imóveis, na forma e condições
estabelecidas na lei. O rol é exemplificativo, havendo mais três causas de extinção
enumeradas pela doutrina: confusão; desaparecimento, sem sucessor, do sujeito ativo do
tributo; desaparecimento, sem sucessor, do sujeito passivo do tributo.
As causas extintivas têm o poder de libertar o contribuinte da relação de sujeição que
possui com a Fazenda Pública. A obrigação tributária não permanece no tempo, não é eterna.

76
Tema XI

1. Certidão da dívida ativa


A certidão da dívida ativa tem natureza de título executivo extrajudicial (CPC, artigo,
784, IX). Por conceito, é o documento obtido através do ato administrativo pelo qual se
registram nos livros ou fichários do órgão administrativo competente, os créditos exigíveis,
por não terem sido pagos no prazo legal.
Esta certidão implementa a publicidade necessária aos atos administrativos, e permite
o controle da legalidade pela própria Fazenda, bem como pelo próprio sujeito passivo.
Qualquer irregularidade contida no termo de inscrição da dívida ativa contamina
também a própria certidão. Mesmo já tendo sido transcrito, vale rever o artigo 202 do CTN,
pois é ele que apresenta os requisitos do termo de inscrição da dívida ativa, de onde se extrairá
a certidão que ora estudamos:
Art. 202. O termo de inscrição da dívida ativa, autenticado pela autoridade
competente, indicará obrigatoriamente:
I - o nome do devedor e, sendo caso, o dos corresponsáveis, bem como, sempre
que possível, o domicílio ou a residência de um e de outros;
II - a quantia devida e a maneira de calcular os juros de mora acrescidos;
III - a origem e natureza do crédito, mencionada especificamente a disposição da
lei em que seja fundado;
IV - a data em que foi inscrita;
V - sendo caso, o número do processo administrativo de que se originar o crédito.
Parágrafo único. A certidão conterá, além dos requisitos deste artigo, a indicação
do livro e da folha da inscrição.
É comum, por exemplo, a autuação que, irregularmente, define a infração com
imprecisão, com artigos genéricos, dificultando a defesa, gerando nulidade. É também nula
a autuação realizada por pessoa diversa da autoridade tributária, o que é vedado.
Tudo que constar do termo de inscrição será resumido na certidão da dívida ativa. A
certidão só será emitida em dois casos: para executar a dívida, ou quando o contribuinte a
requerer. A emissão a requerimento do contribuinte, inclusive, é um direito constitucional,
desenhado no artigo 5º, XXXIV, “b”, da CRFB. Veja:
XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:
a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra
ilegalidade ou abuso de poder;
b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e
esclarecimento de situações de interesse pessoal;
Segundo o artigo 205, parágrafo único, do CTN, combinado com o artigo 5º, XXXIV,
“b”, esta certidão tem prazo para ser emitida, de dez dias:
Art. 205. A lei poderá exigir que a prova da quitação de determinado tributo,
quando exigível, seja feita por certidão negativa, expedida à vista de requerimento
do interessado, que contenha todas as informações necessárias à identificação de
sua pessoa, domicílio fiscal e ramo de negócio ou atividade e indique o período a
que se refere o pedido.
Parágrafo único. A certidão negativa será sempre expedida nos termos em que
tenha sido requerida e será fornecida dentro de 10 (dez) dias da data da entrada do
requerimento na repartição.”
O artigo fala já da certidão negativa, o que é um dos efeitos que a certidão pode
assumir. A definição da situação de regularidade fiscal do contribuinte é exatamente qual

77
será este efeito que a certidão terá, demonstrando qual será a situação do contribuinte perante
o fisco.
A certidão pode assumir três efeitos diversos: positiva, negativa, ou positiva com
efeitos de negativa. A certidão positiva é a que indica que o contribuinte está inadimplente
perante o fisco, e é esta que a Fazenda extrai com o fito de ajuizar a execução fiscal do crédito
por tal documento apontado, tornado título executivo.
A certidão negativa, ao contrário do que se poderia pensar, não significa que o
contribuinte não tem débitos com a Fazenda: significa apenas que ele não tem débitos já
inscritos na dívida ativa, podendo haver débitos ainda em fase de constituição, e ainda não
inscritos.
A certidão positiva com efeitos de negativa, por sua vez, é aquela descrita no artigo
206 do CTN:
Art. 206. Tem os mesmos efeitos previstos no artigo anterior a certidão de que
conste a existência de créditos não vencidos, em curso de cobrança executiva em
que tenha sido efetivada a penhora, ou cuja exigibilidade esteja suspensa.
A primeira situação que autoriza a emissão desta certidão é quando o débito
existe, mas ainda está em curso o seu prazo de pagamento. Ultrapassada a data de
vencimento, se o contribuinte pagar seu débito, a certidão se tornará negativa; se inadimplir,
a certidão será positiva pura.
A segunda hipótese que autoriza esta certidão é quando há já ajuizada a executiva
fiscal, mas já há também a garanta do juízo: há a penhora de bens que asseguram o crédito.
Vejamos que para a expedição da certidão positiva com efeitos negativos não basta o
oferecimento de bens a penhora, sendo necessário que esses sejam suficientes para a garantia
do débito exequendo.
A terceira hipótese, por fim, é aquela em que haja vigente alguma causa de suspensão
da exigibilidade do crédito tributário, na forma do artigo 151 do CTN, já bem abordado.
De posse da certidão negativa ou da positiva com efeitos de negativa, o contribuinte
se apresenta idôneo perante a Fazenda, e por isso pode com ela contratar, bem como
participar de licitações. Havendo certidão positiva, o contribuinte é inadimplente, e como tal
sofre as restrições imponíveis a sua situação de irregularidade.
A certidão positiva com efeitos de negativa permite ao contribuinte fazer quase tudo
que a negativa o faz, mas não tudo. Não permite, por exemplo, que este dê baixa no registro
da sociedade.
Súmula 446 - Declarado e não pago o débito tributário pelo contribuinte, é legítima
a recusa de expedição de certidão negativa ou positiva com efeito de negativa.
Assim, segundo a súmula 446 do STJ, se ocorreu a declaração (por exemplo, IR), mas
não acontece o pagamento do imposto, o contribuinte não faz jus a certidão negativa ou
positiva com efeitos negativos.
Um comentário que precisa ser feito diz respeito à falência e à recuperação judicial
de empresas, sendo necessária a leitura dos artigos 191 e 191-A do CTN:
Art. 191. A extinção das obrigações do falido requer prova de quitação de todos os
tributos.
Art. 191-A. A concessão de recuperação judicial depende da apresentação da prova
de quitação de todos os tributos, observado o disposto nos arts. 151, 205 e 206
desta Lei.
O artigo 191-A não dispõe que a recuperação será iniciada apenas quando estiverem
quitados todos os tributos; dispõe que o encerramento da recuperação será feito apenas

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quando quitados os débitos tributários, tal como a extinção das obrigações, que vem prevista
no artigo anterior. O termo “concessão de recuperação” deve assim ser interpretado, porque
do contrário jamais se instaurará um procedimento de recuperação, vez que os créditos
tributários são sempre presentes no passivo ensejador da necessidade da recuperação.
O artigo 130 do CTN trata de responsabilidade por sucessão, referente a bens imóveis,
e é relevante para o estudo das certidões.
Art. 130. Os créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja a
propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis, e bem assim os relativos a
taxas pela prestação de serviços referentes a tais bens, ou a contribuições de
melhoria, subrogam-se na pessoa dos respectivos adquirentes, salvo quando conste
do título a prova de sua quitação.
Parágrafo único. No caso de arrematação em hasta pública, a sub-rogação ocorre
sobre o respectivo preço.
Na parte final do caput se lê que a certidão negativa referente aos tributos ali tratados
afasta a sucessão tributária sobre bens imóveis. Mesmo que a cobrança de créditos que
venham a existir futuramente não seja afastada pela certidão negativa, se o adquirente tem a
certidão negativa, ele não se sub-roga na dívida tributária que existia ao tempo da aquisição,
mesmo que se tratem, como se tratam, de dívidas propter rem. Isto porque se na celebração
do negócio jurídico de aquisição do imóvel havia a certidão negativa anexada à escritura,
significa que o adquirente houve o bem para si crendo não haver créditos tributários devidos.
Destarte, mesmo que na certidão negativa da dívida ativa conste a ressalva de que os
créditos poderão ser cobrados, isto significa que serão cobrados, neste caso, do alienante, e
não do adquirente, que não se sub-rogou em tais débitos.
Isso tudo demonstra que a certidão negativa nem sempre dá quitação plena dos
débitos quando é emitida, porque neste caso, por exemplo, mesmo que o adquirente não possa
ser demandado, o eventual crédito persiste contra o alienante.
O parágrafo único deste artigo supra é também relevante, pois denuncia a natureza de
aquisição originária da propriedade que se atribui à aquisição em hasta pública: quando for
dado o valor da arrematação pelo adquirente, a dívida se sub-roga é neste preço pago, e não
no bem vendido. Quem arca com o débito tributário é aquele que recebeu o produto da
arrematação, ou seja, o fisco retém o valor do crédito devido e só repassa ao antigo
proprietário o eventual saldo.
Como já se asseverou e repetiu, a apresentação de certidão negativa ou positiva com
efeito de negativa é necessária para a contratação com o poder público. Surge uma questão
importante: as certidões previdenciárias são exigíveis para esta contratação? Veja o que
dispõe o artigo 195, § 3º, da CRFB:
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta
e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes
contribuições sociais:
(...)
§ 3º - A pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como
estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber
benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.
É justamente este dispositivo que justifica a exigência de certidão da dívida ativa
previdenciária que é prevista apenas em lei ordinária – leia-se Lei 8.212 e Lei 8.213 de 1991
–, pois ali se vê que é exigida apenas lei em geral, e não lei complementar. Só se exige lei
complementar para as outras contribuições que são previstas no artigo 195, § 4º, da CRFB:

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§ 4º - A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou
expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I.
Resumindo, as Leis 8.212/91 e 8.213/91 são leis que tratam de vários assuntos sobre
matéria previdenciária, entre eles a exigência de certidões previdenciárias e o prazo
prescricional e decadencial diferenciado, de dez anos, para tais créditos. Quanto aos prazos
diferenciados, o STF entendeu que os artigos 45 e 46 da Lei 8.212/91 são inconstitucionais,
editando inclusive a súmula vinculante 8 sobre o tema. O fundamento usado para tanto foi
justamente a invasão de reserva de lei complementar.
Art. 45. O direito da Seguridade Social apurar e constituir seus créditos extingue-se
após 10 (dez) anos contados:

Art. 46. O direito de cobrar os créditos da Seguridade Social, constituídos na forma


do artigo anterior, prescreve em 10 (dez) anos.
Súmula vinculante 8, STF: São inconstitucionais o parágrafo único do artigo 5º do
Decreto-Lei nº 1.569/1977 e os artigos 45 e 46 da Lei nº 8.212/1991, que tratam de
prescrição e decadência de crédito tributário.
Sob este mesmo fundamento, discute-se se a lei ordinária poderia exigir certidões não
previstas pelo CTN. Neste caso, a jurisprudência se posiciona no sentido de que o artigo 195,
§ 3º, da CRFB, permite a previsão em lei ordinária expressamente, não havendo a mesma
inconstitucionalidade que a súmula vinculante 8 do STF identificou.
Mudando o assunto, surge outra questão: o que ocorre com o processo de execução
se se descobrir que a certidão da dívida ativa que o instruiu contém uma nulidade insanável?
Como esta certidão não pode ser apenas trocada, a execução deverá ser extinta, na forma do
artigo 267, IV, do CPC – falta de pressuposto processual válido.
E se a certidão da dívida ativa for emitida com dolo ou fraude que prejudique a
Fazenda? O artigo 208 do CTN assim dispõe:
Art. 208. A certidão negativa expedida com dolo ou fraude, que contenha erro
contra a Fazenda Pública, responsabiliza pessoalmente o funcionário que a expedir,
pelo crédito tributário e juros de mora acrescidos.
Parágrafo único. O disposto neste artigo não exclui a responsabilidade criminal e
funcional que no caso couber.

80
Tema XII

1. Tributos e impostos
Como se sabe, o intuito do tributo, em regra, é de arrecadação das receitas necessárias
ao financiamento das despesas do Estado. É a mais antiga forma de financiamento do Estado.
Já que ele precisa de dinheiro para alcançar suas finalidades, especialmente as públicas, nada
mais justo que a coletividade financie tais despesas, em homenagem ao princípio da
solidariedade. Trata-se de um poder de império do Estado, na medida em que o tributo é
imposto unilateral e coercitivamente.

Caráter precípuo Conceito


Obtenção de receitas para o
Finalidade fiscal Arrecadatório financiamento das finalidades
públicas
Intervenção do Estado em
uma situação social ou
Finalidade extrafiscal Regulatório
econômica (ex. IOF, IE, ITR
etc.)
Delegação da capacidade
tributária ativa para entidade
Finalidade parafiscal Arrecadatório
paraestatal, atribuindo-lhe a
disponibilidade dos recursos

2. Conceito de Tributo.
A tributação, então, nada mais é do que a imposição de prestação devida pelo
administrado ao Estado, prestação que é o gênero tributo. O conceito de tributo é delineado
no artigo 3º do CTN:
Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor
nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e
cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

a) Prestação pecuniária
É uma obrigação de dar certo dinheiro ao Estado. O contribuinte tem o dever de
transferir para o patrimônio público parcela de seu patrimônio quando da prática da hipótese
de incidência de determinado tributo (ex. tornar-se proprietário de um veículo automotor –
capacidade contributiva – subsunção do fato à norma - dever de recolher tributo).
A pecúnia representa prestação em dinheiro, que pode ser em moeda corrente ou em
cheque (só extingue o crédito quando do resgate) (art. 162, I, CTN). Registre-se ainda que o
CTN permite pagamento com vale postal e com estampilha, papel selado ou processo
mecânico, nos casos previstos em lei.
Tal exigência visou evitar o tributo in natura (em bens) ou in labore (em serviços),
salvo na hipótese do art. 156, XI, do CTN, inserido pela LC 104/2001, que elenca a dação
em pagamento de bens imóveis como forma de extinção do crédito tributário (sem derrogar
o art. 3º do CTN).
b) Compulsória

81
O tributo não é voluntário. É dotado de compulsoriedade ou coercibilidade, não
dando azo à autonomia da vontade. Ele é imposto coercitivamente pelo Estado ao
contribuinte e é devido sempre que ocorrer o fato gerador previsto em lei. É uma obrigação
ex lege. Caso o contribuinte não recolha o tributo, será submetido à execução fiscal.
c) Em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir
Alguns doutrinadores veem nessa expressão certa redundância, haja vista a utilização
da expressão “pecuniária”, que já abrangeria tal conclusão. Outros doutrinadores, contudo,
entendem que essa redundância é bem-vinda, uma vez que a expressão “em moeda ou cujo
valor nela se possa exprimir” permitiu a inclusão da dação em pagamento de bens imóveis
como hipótese de extinção do crédito tributário (art. 156 do CTN c/c LC 104/01), sob os
seguintes argumentos:
a) um bem imóvel tem um valor que pode ser expresso em moeda;
b) a dação em pagamento de bem imóveis é forma de extinção da obrigação civil;
c) não haveria por que negar a dação se, posteriormente, na execução fiscal, o mesmo
bem seria indicado à penhora, em homenagem à celeridade processual.
O STF, na ADI 2.405-MC, afirmou ser possível a criação de novas hipóteses de
extinção do crédito tributário na via da lei ordinária local: a) o pacto federativo permite ao
ente estipular a possibilidade de receber algo de seu interesse para quitar crédito de que é
titular; b) quem pode o mais pode o menos, ou seja, se o ente pode perdoar o que é devido,
pode autorizar a extinção mediante forma não prevista no CTN.
Contudo, no julgamento do mérito da ADI 1917, o STF afirmou a
inconstitucionalidade da dação em bens móveis prevista em lei local como forma extintiva
do crédito, ao argumento de que somente a lei federal poderia estipular regras gerais de
licitação.

d) Que não constitua sanção de ato ilícito


Tanto o tributo como a penalidade pecuniária ou multa são receitas derivadas,
previstas em lei, cobradas como obrigação principal. Contudo, o tributo não é uma
penalidade. Enquanto a razão de ser do tributo é arrecadatória, a razão de ser da penalidade
é sempre a preservação do ordenamento jurídico diante do descumprimento de obrigação
tributária. Tanto são diferentes que a imposição de penalidade não ilide o pagamento do
tributo (art. 157, CTN).
Finalidade Poder
Possui finalidade
Tributo Poder fiscal
arrecadatória
Possui finalidade
sancionatória
Multa Poder de punir
(sanção por ato
ilícito)
Tributo não é penalidade, porque não pode ter por fato gerador um ato ilícito, mas
pode haver tributação se da prática do ilícito decorrer fato gerador.

Princípio do non olet

82
Previsto no art. 118, I, do CTN. Jamais a lei que institui o tributo poderá ter como
núcleo do fato gerador uma atividade ilícita (ex. ICMS sobre tráfico de drogas); contudo,
nada impede que se tribute um fato gerador decorrente da referida atividade ilícita (ex. IR
sobre o aumento patrimonial decorrente do tráfico de drogas), até mesmo porque não seria
isonômico tributar quem aumenta seu patrimônio licitamente e não tributar quem o faz
ilicitamente (STF, HC 77530).
O art. 118 do CTN consagra o princípio do non olet, segundo o qual o produto da
atividade ilícita deve ser tributado, desde que realizado no mundo dos fatos, a
hipótese de incidência da obrigação tributária. 3. Se o ato ou negócio ilícito for
acidental à norma de tributação (estiver na periferia da regra de incidência), surgirá
a obrigação tributária com todas as suas consequências que lhe são inerentes. Por
outro lado, não se admite que a ilicitude recaia sobre elemento essencial da norma
de tributação. 4. Assim, por exemplo, a renda obtida com o tráfico de drogas
deve ser tributada, já que o que se tributa é o aumento patrimonial e não o
próprio tráfico. Nesse caso, a ilicitude é circunstância acidental à norma de
tributação. No caso de importação ilícita, reconhecida a ilicitude e aplicada a pena
de perdimento, não poderá ser cobrado o imposto de importação, há que
“importar mercadorias” é elemento essencial do tipo tributário. Assim, a
ilicitude da importação afeta a própria incidência da regra tributária no caso
concreto. (STJ, REsp 984607).
Contrabando x Descaminho
Contrabando é importar mercadoria proibida (ex.: urânio), já o descaminho se
configura quando se importa mercadoria permitida, contudo, sem pagar os impostos devidos
(ex.: importar um tablete sem pagar os impostos). No caso do contrabando, não se poderá
aplicar o imposto de importação.

e) Instituída por lei


A instituição de tributo e a definição de todos seus elementos (temporal, quantitativo,
espacial, sujeito ativo, sujeito passivo, conduta etc.), por força do art. 150, I, da CRFB c/c
art. 3º e 97 do CTN, deve constar de lei (complementar ou ordinária) ou ato normativo de
igual força (medida provisória).
O princípio da legalidade não admite exceção quanto à criação ou extinção de
tributos. Contudo, quanto à alteração de alíquotas, há exceções.

Criação ou LC: impostos residuais, LO e MP: os demais.


extinção de contribuições residuais, IGF e
tributos EC
Alteração de II, IE, IOF, IPI: Cide-Combustíveis: ICMS-monofásico-
alíquotas majoração/redução redução/restabelecimento combustível:
via decreto via decreto fixação/majoração/redução
via convênio CONFAZ

f) Cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada


Toda e qualquer conduta da Administração tributária deve estar pautada na lei. No que diz
respeito à cobrança do tributo, a lei não deixa nenhuma margem de discricionariedade ao
administrador. A referida atividade vinculada é o lançamento, que nada mais é do que o
procedimento de exigibilidade do tributo (art. 142, parágrafo único, CTN).
Não confundir:

83
➢ A cobrança do tributo é atividade plenamente vinculada, aplicando-se a todos
os tributos (art. 3º, CTN);
➢ Quanto à hipótese de incidência, os tributos podem ser vinculados – quando o
fato gerador é uma atividade estatal específica relativa ao contribuinte (ex.
taxas e contribuições de melhoria) – ou não vinculados – quando independe
de qualquer atividade estatal.
➢ Quanto à destinação das receitas, a arrecadação pode ser vinculada – se
utilizados com despesas determinadas (ex. empréstimos compulsórios,
CPMF, custas e emolumentos) – ou não vinculada – quaisquer despesas
previstas no orçamento (ex. impostos).
Só serão aplicadas as regras do CTN e os princípios constitucionais tributários àquelas
cobranças feitas pelo Estado que caracterizem a existência de um tributo, ou seja, que
preencham os requisitos do art. 3º do CTN.

3. Elementos essenciais
Há alguns elementos que devem constar necessariamente da lei que institui o tributo.
Ela deve responder às seguintes perguntas:
a) Quem terá que pagar? – sujeito passivo;
b) A quem? – sujeito ativo;
c) A vista de que fatos ou circunstâncias? – definição da hipótese de incidência (fato
gerador em si), com seu elemento espacial e temporal;
d) Quanto? – base de cálculo e alíquota. Na maioria das vezes, a alíquota é um
percentual (alíquota ad valorem), mas ela pode ser específica, ou seja, conter um
valor fixo que vai incidir sobre determinada unidade de referência.
Ricardo Lobo Torres distingue entre elementos objetivos e subjetivos (STJ, REsp
972264):
a) Elementos objetivos: o fato em todos os seus aspectos (materiais, temporais, espaciais e
quantitativos);
b) Elementos subjetivos: sujeitos da relação jurídica tributária, quais sejam sujeito ativo e
passivo.
Decorre do princípio da legalidade tributária a exigência de que, salvo as exceções
estabelecidas na Constituição, todos os elementos determinantes da obrigação
tributária devam estar delineados na lei, não podendo, portanto, qualquer outro
instrumento normativo infralegal avocar a si essa atribuição.
2. Mesmo sob a égide da Constituição anterior, à luz do princípio da legalidade
tributária, a Lei Estadual 4.547/82 não poderia carregar ao Poder Executivo a
atribuição de definir os fatos geradores e as alíquotas da Taxa de Serviços
Estaduais. (STJ, RMS 18670)

A denominada taxa de desarquivamento de autos findos, instituída pela Portaria n.


6.431/03 do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, é exação cobrada pela
"utilização, efetiva (...) de serviços públicos específicos e divisíveis",
enquadrando-se, como todas as demais espécies de custas e emolumentos judiciais
e extrajudiciais, no conceito de taxa, definido no art. 145, II da Constituição
Federal. Tratando-se de exação de natureza tributária, sua instituição está sujeita

84
ao princípio constitucional da legalidade estrita (CRFB, art. 150, I). (AI no RMS
31.170)
Acompanhar ADI 4762 e ADI 4697 que ainda vão ser julgadas: art. 5º e art. 6º, §2º,
da Lei 12.514. Passa-se para os conselhos federais matérias reservadas à lei como o valor
exato da anuidade, o desconto para profissionais recém-inscritos, os critérios de isenção para
profissionais, as regras de recuperação de créditos, as regras de parcelamento, garantido o
mínimo de 5 (cinco) vezes, e a concessão de descontos para pagamento antecipado ou à vista.

4. Espécies
A Constituição Tributária, previsto nos arts. 145 a 162 da CRFB, tem três grandes
funções:
a) Estabelecer o rol de tributos;
b) Estabelecer limitações ao poder de tributar;
c) Estabelecer a repartição das receitas tributárias.
Atualmente, o STN é regido pelos arts. 145 a 162 da CRFB, e não pela EC 18/65,
conforme prediz o art. 2º do CTN. O STN é o conjunto de regras que vai orientar a
arrecadação e cobrança de tributos em todo o território nacional. Tudo que é exação feita
pelo Estado que esteja topograficamente na Constituição Tributária e preenchidos os
requisitos do art. 3 do CTN, estaremos diante de um tributo.
O artigo 5º do CTN traz a previsão legal para as espécies do gênero tributo:
Art. 5º Os tributos são impostos, taxas e contribuições de melhoria.
Em que pese este dispositivo ser sede da teoria tripartite24 dos tributos, esta
teoria está longe de ser de pacífica adoção, mesmo que a CRFB aparentemente a reforce, em
primeira análise. O art. 145 da CRFB/88, em princípio, também parece adotar a teoria
tripartida, mas não é isso o que ocorre, visto que tal artigo não restringe as espécies tributárias
às três enumeradas, mas apenas agrupa aquelas cuja competência para criação é atribuída
simultaneamente aos quatro entes políticos. Trata-se de norma atributiva de competência.
Por isso, surgiu logo outra teoria, quadripartite, que aduziu a modalidade
contribuições especiais, quarta espécie tributária, que açambarcaria todas as contribuições
diversas das de melhoria.
Adiante, uma terceira teoria, redefiniu a divisão, em espécies, dos tributos:
taxas, impostos e contribuições de melhoria, há ainda as contribuições de intervenção no
domínio econômico (CIDE), contribuições de interesse das categorias profissionais,
contribuições sociais, e os empréstimos compulsórios. É a teoria heptapartite.
O STF concluiu que toda e qualquer exação feita pelo Estado que preencha
os requisitos do art. 3º do CTN e que esteja topograficamente inserida na CRFB no Capítulo
do STN é considerada tributo, adotando, portanto, a teoria pentapartida (STF, RE 138.284,
144.971, 227.098).
➢ Impostos (art. 145, I);

➢ Taxas (art. 145, II);

24
O art. 5º do CTN claramente adota a teoria tripartida das espécies tributárias, pois elenca como tributos,
peremptoriamente, apenas os impostos, as taxas e contribuições de melhoria.

85
➢ Contribuições de melhoria (art. 145, III);

➢ Empréstimos compulsórios (art. 148);

➢ Contribuições sociais (art. 149).

Atenção: A Súmula 418 do STF está superada, pois empréstimo compulsório já é


considerado tributo pelo art. 148 da CRFB.
Súmula 418. O empréstimo compulsório não é tributo, e sua arrecadação não está
sujeita à exigência constitucional da prévia autorização orçamentária.
Antigamente, os Municípios cobravam uma taxa de iluminação pública. Contudo, tal
serviço não é divisível, mas indivisível (uti universi) e, como tal, não poderia ser remunerado
mediante taxa, o que ficou definido na Súmula 670 do STF.
Posteriormente, os Municípios conseguiram aprovar a EC 39/02, que incluiu o
art. 149-A na CRFB, para autorizar os Municípios e o DF a cobrarem contribuição de
iluminação pública. O STF, no RE 573.675, entendeu que a EC 39 era constitucional. O
professor entende que é inconstitucional, uma vez que apenas se mudou o nomen iuris da
antiga taxa de iluminação pública, violando, portanto, o art. 4º do CTN.
Os empréstimos compulsórios são bastante peculiares. Nada mais é, este tributo, do
que um valor arrecadado pelo Estado, com a só diferença de ser colhido com a promessa de
sua restituição adiante.
Contribuições de melhoria são os tributos cobrados em razão de acréscimo de valor a
determinado imóvel privado, em decorrência da realização de uma obra pública. A lógica
deste tributo é que, se o erário público deve reverter em utilidades públicas, se o particular
teve uma utilidade maior daquele emprego do erário, é justo que retribua ao Estado alguma
parcela da benesse que recebeu.
As contribuições de intervenção no domínio econômico – doravante chamadas CIDE
– são instrumentos de que dispõe o Estado para regular o meio econômico, a dinâmica de
mercado, quando necessário. Há, hoje, diversas contribuições de intervenção estabelecidas e
em vigência, muito pouco conhecidas, como a CIDE sobre exibição de filmes estrangeiros,
dedicada a amealhar fundos para a produção de obras nacionais, ou a própria CIDE dos
combustíveis.

86
As contribuições de interesse das categorias profissionais, por seu turno, são aquelas
que revertem para o custeio das entidades profissionais, de classe, que têm natureza híbrida.
As contribuições sociais têm enorme relevância no sistema tributário brasileiro,
atualmente. Serão mais bem abordadas adiante.
Mas são mesmo as taxas e os impostos as espécies tributárias mais relevantes, em
todos os sentidos (didático e econômico). Cada modalidade será exaustivamente estudada,
adiante.
4.1. Tributos vinculados e não vinculados
Há uma classificação qualitativa de tributos que os divide em vinculados e não
vinculados. Tributos vinculados são aqueles que têm sua receita afetada a finalidades
específicas do Estado, ou seja, a receita proveniente daquele crédito tributário está ligada a
uma despesa específica. Ao contrário, os tributos não vinculados não têm destinação
previamente especificada da sua receita, ou seja, o crédito dali proveniente integra livremente
o patrimônio do Estado, que o empregará como o bem comum demandar.
Esta classificação é também denominada, por alguns autores, em tributos
contraprestacionais, que são os vinculados, e não contraprestacional, os não vinculados. As
taxas são tributos contraprestacionais, vinculados, por excelência, e os impostos são não
vinculados, por natureza.
Flávio Novelli defende que, do ponto de vista financeiro, e não estritamente
tributário, não há tributo que não seja contraprestacional, pois o Estado deve sempre
empregar todas as suas receitas em bem-estar social e políticas públicas, não sendo o tributo
uma fonte de lucros. Mas esta perspectiva, financeira, não chega a abalroar a classificação
tributária, que persiste firme.
4.2. Taxa vs. preço público
Há certa dificuldade, em alguns casos, em se delimitar exatamente quando
uma prestação paga ao Estado é taxa ou preço público. Taxa, em relação às prestações
estatais, é espécie de tributo dedicada a remunerar alguma prestação essencial específica do
estado, efetiva ou potencialmente usufruída pelo contribuinte; preço público, por sua vez, é
a remuneração de serviços não essenciais, não fundamentais, disponibilizados pelo Estado, e
que por assim ser não é compulsória, característica imprescindível para a configuração de
um tributo.
O fornecimento de água é, sem dúvida, o mais discutido dos serviços públicos,
quanto à sua remuneração, se por taxa ou preço público. Há tese que entenda que se trata da
compra de um bem, da aquisição da água, que poderia ser obtida de outra forma, como a
compra de caminhões-pipa – o que identificaria a remuneração como preço público, e não
taxa para remuneração do serviço obrigatório prestado pelo Estado.

5. Classificação
Classificação Espécies Definição Exemplos
Quanto à competência Federais Privativamente pela II, IE, IR, IPI, ITR, IOF
impositiva ou União e IGF
discriminação das Estaduais Privativamente pelos ITCMD, ICMS, IPVA
rendas Estados e DF
Municipais Privativamente pelos IPTU, ITBI, ISS
Municípios e DF

87
Quanto ao exercício Privativos Competência para Impostos; EC;
da competência criação somente de um contribuições especiais,
ente COSIP
Comuns Competência para Taxas e contribuições
criação de todos os de melhoria
entes
Residuais Competência da União Novos impostos e
(art. 154, I, e 195, §4º, contribuições para a
CRFB) seguridade social
Quanto à finalidade Fiscais Finalidade arrecadatória IR, IGF, IPVA, ICMS,
ITCMD, IPTU, ITBI,
ISS, IEG, EC
Extrafiscais Finalidade interventiva II, IE, IPI, IOF, ITR,
CIDE
Parafiscais Finalidade arrecadatória Contribuições sociais e
para atividades corporativas
específicas
Quanto ao Contributivos Fundados na Impostos
fundamento capacidade contributiva
(despesas gerais)
Retributivos Fundados no Taxas e contribuições
ressarcimento dos de melhoria
cofres públicos (relação
custo x benefício)
Quanto à hipótese de Vinculados Cobrança depende de Taxas e contribuições
incidência atividade estatal de melhoria
específica rel. ao
contribuinte (“fato do
Estado”)
Não vinculados Cobrança independe de Impostos
atividade estatal
específica rel. ao
contribuinte (“fato do
contribuinte”)
Quanto ao destino da Arrecadação vinculada Recursos destinados a EC, CPMF, custas e
arrecadação atividades determinadas emolumentos,
contribuições
seguridade social
Arrecadação não Recursos destinados a Impostos, taxas,
vinculada qualquer despesa contribuição de
melhoria
Quanto à Diretos Oneram diretamente o IR, ITR, IPTU
possibilidade de sujeito passivo (não há
repercussão previsão legal da
repercussão)
Indiretos Oneram pessoa ICMS, ISS, IPI, IOF
diferente do sujeito
passivo (previsão legal
da repercussão)
Quanto aos aspectos Reais Incide objetivamente IPTU, ITR, ITCMD,
subjetivos e objetivos sobre coisas IPI
Pessoais Incidem de forma IR
subjetiva (aspectos
pessoais do sujeito
passivo)

88
Quanto às bases Comércio exterior Operações de II e IE
econômicas tributadas importação e
exportação
Patrimônio e renda Propriedade de bens e ITR, IPTU, IPVA, IGF
produto do e IR¹
capital/trabalho
Produção e circulação Produção de bens e ICMS, ISS, IPI e IOF
circulação ao de bens
ou valores

O STF entende que, em certas situações, tributos que o CTN não inclui entre aqueles
sobre o patrimônio, tal qual o II, podem ter sua incidência obstada pelas imunidades do art.
150, VI, da CRFB, visto que não se pode adotar classificações infraconstitucionais como
meio de restringir a plena aplicabilidade da Constituição Federal (RE 203.755).

6. Imposto
6.1. Conceito
É, por definição, tributo não vinculado que incide sobre uma manifestação de riqueza
do sujeito passivo. Está previsto no art. 145, I, da CRFB e seu conceito está no art. 16 do
CTN. A lei deixa clara a ideia de não vinculação e de caráter contributivo no que tange ao
imposto:
Art. 16. Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação
independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte.
Não vinculação. Um indivíduo ingressou com ação em face do Município para que
este construísse escolas, asfaltasse as ruas etc., já que ele pagava IPTU. O STJ entendeu que
não caberia tal obrigação de fazer pela não vinculação do imposto.
Os impostos, diversamente das taxas, têm como nota característica sua
desvinculação a qualquer atividade estatal específica em benefício do contribuinte.
Consectariamente, o Estado não pode ser coagido à realização de serviços públicos,
como contraprestação ao pagamento de impostos, quer em virtude da natureza
desta espécie tributária, quer em função da autonomia municipal,
constitucionalmente outorgada, no que se refere à destinação das verbas públicas.
RESP 478.958.
A hipótese de incidência é fato alheio a qualquer atuação do Poder Público (tributo
sem causa, tributo unilateral ou gravame não contraprestacional) e tem a finalidade de
financiar as despesas gerais da coletividade. Sustenta-se sobre a ideia de solidariedade social
e de capacidade contributiva. Por isso que a CRFB/88, no art. 167, IV, da CRFB, veda a
afetação da receita do imposto a determinado órgão, fundo ou despesa, pois é empregado nas
despesas públicas gerais ou universais, ou seja, é um tributo de arrecadação não vinculada.
Também não se pode majorar um imposto e vincular tal aumento a uma dada finalidade (STF,
RE 213.739 – majoração ICMS para financiamento de programa habitacional). A não
afetação dos impostos, contudo, não é absoluta, comportando exceções:
➢ Repartição de receitas tributárias;
➢ Destinação de recursos:
a) para a saúde (art. 198, §2º, CRFB);
b) para o desenvolvimento do ensino (art. 212, CRFB);
c) para atividade de administração tributária (art. 37, XXII, CRFB).

89
➢ Prestação de garantias para:
a) operações de crédito por antecipação de receita (art. 165, §8º, CRFB);
b) a União (garantia e contragarantia) (art. 167, §4º, CRFB);
c) pagamento de débitos para com a União (art. 167, §4º, CRFB).
Registre-se ainda as permissões contidas no art. 204, parágrafo único, da CRFB e no
art. 216, §6º, da CRFB, para que Estados e DF vinculem até 0,5% de sua receita a programa
de apoio à inclusão e promoção social e a fundo de fomento à cultura, respectivamente.

6.2. Competência com relação aos impostos


A competência para instituir impostos é atribuída pela CRFB de maneira enumerada
e privativa a cada ente federado:
União Estados e DF Municípios e DF
Art. 153, CRFB Art. 155 c/c art. 157, Art. 156 c/c art. 157,
CRFB) CRFB)
II, IE, IR, IPI, IOF, ITR, ITCMD, ICMS e IPVA. IPTU, ITBI e ISS.
IGF.
Atribui-se ainda à União as seguintes competências:

➢ Art. 154, I – Competência Residual. Somente a União: a) por Lei


Complementar; b) fato gerador diferente e base de cálculo diferente; c) não
cumulatividade.

➢ Art. 154, II – Competência Extraordinária. Impostos extraordinários de


guerra. Somente a União. Não precisa Lei Complementar (pode até ser por
MP); pode ter fato gerador idêntico; pode ter base de cálculo idêntica; não há
obrigatoriedade de ser não cumulativo; é exceção à anterioridade e à
noventena.

6.3. Classificação dos impostos


Impostos diretos e indiretos
Os impostos diretos são aqueles que são suportados diretamente pelo sujeito passivo,
ou seja, por aquele que deu ensejo ao fato imponível, não podendo repassar o ônus financeiro
para ninguém. Ex.: IR, IPVA, IPTU, ITBI, ITCMD etc.
Os impostos indiretos são aqueles em que se admite que o ônus financeiro seja
transferido para terceira pessoa, denominada contribuinte de fato, que não realizou o fato
gerador (contribuinte de direito). Ex.: IPI e ICMS.
Enquanto no imposto direto, o imposto é cobrado segundo a capacidade contributiva,
no imposto indireto, dada a repercussão econômica, não é possível tal valoração.

Impostos pessoais e reais


Os impostos pessoais são aqueles que levam em conta os aspectos subjetivos do
sujeito passivo que praticou aquele fato gerador. Ex.: IR. Havendo viabilidade, a

90
pessoalidade é obrigatória, de forma que se priorize o princípio da isonomia e da capacidade
contributiva, tratando cada um na proporção de suas diferenças, CRFB. art. 145, §1º, da
CRFB.
Segundo o STF, embora seja de imposição obrigatória aos impostos, nada impede que
o princípio da capacidade contributiva seja levado em consideração na criação de taxas.
Os impostos reais ou de natureza real se importam com a matéria tributária, ou seja,
o próprio bem ou coisa, sem cogitar das condições pessoais do contribuinte. Ex.: IOF, ITR,
IPVA, ICMS, IPTU, IPI etc., ou seja, todos a exceção do IR).
Roque Antônio Carrazza, minoritariamente, entende que o IPTU, depois da EC 29/00
(que passou a admitir que o IPTU pudesse ser progressivo), passaria a ser pessoal, e não mais
real. Logo, se cobra mais IPTU dos imóveis mais caros e menos dos imóveis menos caros.
Assim, leva-se em conta aquela pessoa que praticou o fato gerador. Contudo, a jurisprudência
continua afirmando que o IPTU é imposto real.

Impostos fiscais e extrafiscais


Impostos fiscais têm intuito arrecadatório, ou seja, prover recursos para o Estado, ex.
IR, ITBI, ITCMD, ISS etc.
Impostos extrafiscais têm intuito regulador do mercado ou economia do País, ex. II,
IE, IPI, IOF etc.
Impostos segundo a classificação imposta pelo CTN
➢ Sobre comércio exterior: II e IE.
➢ Sobre patrimônio e renda: IR, ITR, IGF, IPVA, ITCMD, IPTU, ITBI, ISGF.
➢ Sobre produção e circulação: IPI, IOF, ICMS, ISS.
➢ Impostos especiais: IEG (Imposto Extraordinário de Guerra).

Impostos progressivos, proporcionais e seletivos


A técnica da progressividade diz respeito à incidência de alíquotas variadas, cujo
aumento se dá na medida em que se majora a base de cálculo do gravame. A progressividade
pode ser fiscal – se tiver finalidade meramente arrecadatória (“quanto mais se ganha, mais
se paga”, ex. IR) – ou extrafiscal – se tiver finalidade regulatória por meio da modulação de
condutas (ex. IPTU e ITR progressivo – cumprimento da função social).
A técnica da proporcionalidade – obtida pela aplicação de uma alíquota única sobre
uma base tributável variável – é um instrumento de justiça fiscal neutro, por meio do qual se
busca realizar o princípio da capacidade contributiva. O desembolso de cada qual deve ser
proporcional à grandeza da expressão econômica do fato tributado. Ex. ICMS, IPI, ITBI,
ITCMD etc.
Imposto fixo ou de alíquota fica é aquele em que o montante a pagar é representado
por uma quantia predeterminada, normalmente relacionada a alguma unidade de referência.
Por fim, a seletividade é forma de concretização do postulado da capacidade
contributiva em certos tributos indiretos. Ela inibe a regressividade, na medida em que propõe
a execução do comando do art. 145, §1º, da CRFB – “sempre que possível” –, principalmente
no âmbito do ICMS e do IPI.

91
Tema XIII

1. Taxas
Segundo o art. 145, II, da CRFB c/c art. 77 do CTN, é um tributo de competência
comum, visto que todos os entes, dentro de suas atribuições, poderão instituir as taxas. Muito
embora a competência seja comum, um ente só poderá instituir a taxa se a atividade estatal
for de sua competência material. O ente competente para instituir e cobra a taxa é aquele que
presta o respectivo serviço ou que exerce o respectivo poder de polícia.
Como os Estados têm competência material residual, podendo prestar os
serviços públicos não atribuídos expressamente à União (art. 21) nem aos Municípios
(atividades de interesse local – art. 31) (art. 25, §1º, da CRFB), indiretamente, a CRFB
atribuiu a competência tributária residual para instituição de taxas aos Estados.
O artigo 145, II, da CRFB, apresenta esta espécie de tributo:
Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir
os seguintes tributos:
(...)
II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou
potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte
ou postos a sua disposição;
(...)
§ 2º - As taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos.
1.1. Conceito e peculiaridades
A taxa é um tributo retributivo, contraprestacional, vinculado a uma atividade estatal
específica relativa ao contribuinte. Isto significa que a hipótese de incidência da taxa está
diretamente relacionada à prestação de alguma atividade por parte do Estado. O Estado vai
cobrar porque está fazendo alguma coisa. Ela tem a função de ressarcir os cofres públicos
por despesas realizadas pelo Estado em função de um contribuinte específico.
Ressalte-se que o serviço público tem que estar em efetivo funcionamento, não
cabendo cobrança de taxa para preparar a infraestrutura para a prestação do serviço.
A taxa é absolutamente diferente do imposto. Enquanto os impostos são
tributos não vinculados, as taxas são vinculadas à prestação, efetiva ou potencial, de serviços
públicos efetivos e divisíveis, ou pelo exercício do poder de polícia. Isto significa que o
tributo taxa é retributivo, dedicado a compensar uma prestação estatal específica que foi
empregada em favor do contribuinte.
A receita da taxa é, portanto, vinculada. É necessário que se empregue o erário
obtido com a taxa naquela atividade estatal que a justificou – ou seria tributo idêntico ao
imposto. Há, em consequência disso, uma necessária compatibilidade entre o valor da taxa e
o serviço disponibilizado ou a fiscalização policial empreendida, sob pena de representar
empobrecimento do erário, se a menor, ou enriquecimento sem causa, onerosidade excessiva,
se a maior. Esta proporção é chamada de referibilidade, que é a proximidade do custo da
prestação estatal com o custo do tributo exigido.
Tributo vinculado é aquele em que há uma contraprestação específica por
parte do Estado. Assim, o particular paga o tributo porque recebe algo. É o que acontece, por
exemplo, com as taxas. O contribuinte paga a taxa de coleta de lixo e, em contrapartida,
recebe a prestação do serviço de coleta e remoção de resíduos.

1.2. Tributo vinculado e tributo de receita vinculada

92
Tributo vinculado é aquele em que há uma contraprestação específica por parte do
Estado. Assim, o particular paga o tributo porque recebe algo. É o que acontece, por exemplo,
com as taxas. O contribuinte paga a taxa de coleta de lixo e, em contrapartida, recebe a
prestação do serviço de coleta e remoção de resíduos.
Tributo não vinculado é aquele em que não existe uma contraprestação específica.
Justamente por isso, possuem caráter contributivo. Todos os impostos são não vinculados!

Tributo de receita vinculada é aquele que a lei determina uma destinação para os
valores arrecadados, a exemplo do empréstimo compulsório (art. 148, parágrafo único da
CRFB). Nesses casos a destinação diversa implica na responsabilização do agente público.
Tributo de receita não vinculada, de outro lado, é aquele em que o administrador
público poderá escolher, utilizando-se dos critérios da conveniência e oportunidade, onde
aplicar os valores arrecadados.

Percebe-se que são duas classificações diferentes; portanto, é possível ter-se tributo
vinculado e de receita não vinculada (taxas, contribuições de melhoria) e também tributo não
vinculado de receita vinculada (empréstimo compulsório).

1.3. Base de cálculo


A taxa não poderá ter a mesma base de cálculo dos impostos, como diz a CRFB no já
transcrito artigo 145, § 2º. Isto significa que, enquanto os impostos alvejam a exteriorização
de riqueza do indivíduo, a taxa não deve ter esta pretensão: é um tributo retributivo, como
visto. Enquanto os impostos devem buscar as condições pessoais do sujeito passivo, a taxa
não pode levar isso em consideração; muito ao contrário, a taxa toma em conta a situação do
sujeito ativo, quer na atividade de polícia, quer no oferecimento do serviço público.
Não importa o quão rico ou pobre é o sujeito passivo: a taxa será sempre a
mesma, porque a atividade estatal que demanda contraprestação é a mesma. O STF tempera
esta regra geral, porém, porque há bases de cálculo de taxas que se assemelham bastante às
de impostos, tal como a taxa de coleta de lixo, que é calculada sobre a metragem do imóvel
– surgindo mesmo um questionamento doutrinário sobre a identidade desta base de cálculo
com a do IPTU. Contudo, como mensurar a taxa de coleta de lixo, senão por uma presunção
de que contribuintes residentes em imóveis maiores produzem mais lixo?
Há doutrinadores que sustentam que a única solução juridicamente coerente
seria pesar o lixo. Todavia, mesmo que juridicamente correta, esta solução é claramente
inviável, do ponto de vista prático.
A presunção da taxa de coleta, inclusive, é absoluta, por questão também
pragmática: não se pode pretender que haja controle sobre a produção de lixo de cada pessoa,
se as atividades desta não podem ser controladas com a precisão correta. Uma pessoa que
more só pode, porventura, produzir mais lixo que uma família que resida em um imóvel
menor, devido às atividades que realize (festas em casa, por exemplo).
A CRFB veda a identidade da base de cálculo, mas não que a taxa seja um dos
critérios de formação da base de cálculo do imposto. A similitude, inclusive, é permitida,
como no exemplo da taxa de coleta de lixo e do IPTU.
A taxa judiciária é calculada tomando-se por base o valor da causa. Este valor
não necessariamente espelha o custo que o Estado tem em desenvolver a atividade judiciária,
mas é o método que melhor se aproxima da correlação entre o serviço prestado e o valor
pago. O STF, de fato, entende que é a única metodologia adequada, e editou a súmula 667, a
fim de estratificar sua posição sobre a taxa judiciária:

93
Súmula 667, STF: Viola a garantia constitucional de acesso à jurisdição a taxa
judiciária calculada sem limite sobre o valor da causa.
Existem duas espécies de taxas, dependendo do fato gerador: taxa de polícia e taxa
de serviço.

2. Poder de polícia
Tem como fato gerador o exercício do poder de polícia. Entende-se por poder
de polícia aquela atividade administrativa que limita ou disciplina direitos e liberdades
individuais em prol da coletividade, do bem comum, do interesse público. É decorrência da
supremacia do interesse público sobre o privado. O conceito atual encontra-se no art. 78 do
CTN.
O poder de polícia, um dos fundamentos da cobrança de taxas, é perfeitamente
conceituado no artigo 78 do CTN:
Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que,
limitando ou disciplinando direito, interêsse ou liberdade, regula a prática de ato
ou abstenção de fato, em razão de intêresse público concernente à segurança, à
higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao
exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do
Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos
individuais ou coletivos
Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando
desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância
do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária,
sem abuso ou desvio de poder.
Em resumo, é o poder, detido pelo Estado, de limitar a atividade particular,
em benefício da coletividade.
Ex. Seu Manoel deseja abrir um bar e isto lhe é assegurado pela garantia da livre
iniciativa. Acontece que, antes dele abrir o bar, é necessária uma vistoria, uma fiscalização
para verificar se o estabelecimento guarda as condições mínimas de higiene e salubridade.
Seu Manoel terá que pagar uma taxa de fiscalização. Não seria justo que toda coletividade
tivesse que arcar com referido tributo, na medida em que a atividade estatal é destinada
especificamente a um determinado contribuinte. A taxa, contudo, não é vinculada ao
resultado positivo pretendido pelo contribuinte, mas sim à prestação da atividade estatal.
Portanto, se a vistoria foi realizada e houve gasto de dinheiro público, é devida a taxa, ainda
que o resultado da vistoria tenha sido negativo (nesse sentido: STJ, REsp 1109286 – a
atividade fiscalizatória da ANVISA começa com o procedimento de análise deflagrado para
verificar a plausibilidade de determinada substância, mas não com o ato concreto de registro,
razão pela qual é devida a taxa se o procedimento foi iniciado).
O exercício do poder de polícia é feito pela administração pública. Como se
sabe, por estudos do Direito Administrativo, o poder de polícia tem quatro fases:
A legislação, polícia normativa;
A licença, polícia de consentimento;
A polícia de fiscalização;
A polícia de sanção.

94
3. Contribuição de melhoria
O STF é filiado, como se sabe, à divisão pentapartite dos tributos pátrios
(impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições
especiais ou parafiscais [classificação quantitativa]). A contribuição de melhoria é uma
espécie autônoma de tributo (bem como o empréstimo compulsório), não açambarcada nas
contribuições especiais. Ressalte-se a contribuição de melhoria sempre foi considerada
autônoma, até mesmo para a tese tripartite.
O artigo 145, III, da CRFB, é a sede constitucional deste tributo:
Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir
os seguintes tributos:
(...)
III - contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas.
O conceito está radicado no art. 81 do CTN. Como já visto, a contribuição de melhoria
é um tributo vinculado quanto ao fato gerador. Isto porque depende de uma atividade estatal
específica, qual seja uma obra pública da qual decorra valorização imobiliária, sendo esta
imprescindível para a sua instituição (STF, RE 116.147 e RE 89.749).
É da competência comum da União, dos Estados, do DF e dos Municípios (todos os
tributos vinculados quanto ao fato gerador são da competência comum dos entes), a depender
de quem ergueu a obra que gerou mais valia ao imóvel.
Ela é informada por um princípio justificador, qual seja a necessidade de anular o
aumento do valor da propriedade que não tenha sido impulsionado pelo trabalho ou pelo
capital de seu titular, a espelhar uma nítida tendência de vedação ao enriquecimento ilícito
(sem causa). Os contribuintes que obtiveram um benefício direto (valorização do imóvel)
devem pagar a contribuição de melhoria.
Exemplo: uma nova estação de metrô. Todos os contribuintes tem um benefício
indireto (mobilidade urbana), mas alguns também têm um benefício direito (valorização do
imóvel). A contribuição de melhoria vai estar ligada a esse benefício direto.
Como a contribuição é decorrente de obra pública e não para a realização de obra
pública, não é legítima a sua cobrança com o intuito de obter recursos a serem utilizados em
obras futuras.
Registre-se, contudo, que, excepcionalmente, o tributo poderá ser cobrado em face de
realização de parte da obra, desde que a parcela realizada tenha inequivocamente resultado
em valorização dos imóveis localizados na área de influência.
Pavimentação nova x Recapeamento. A realização de pavimentação nova, se gerar
valorização imobiliária a imóvel determinado, justifica a contribuição de melhoria. O mero
recapeamento de via já asfaltada constitui serviço de manutenção e conservação, não
ensejando cobrança do tributo (STF, RE 116.148/SP).
O fato gerador da contribuição de melhoria tem vinculação à concomitância dos dois
requisitos que despertam esta tributação: a realização de obra pública e a valorização
imobiliária do bem particular. O artigo 82 do CTN traz uma série de requisitos para legitimar
a cobrança da contribuição de melhoria:
Art. 82. A lei relativa à contribuição de melhoria observará os seguintes requisitos
mínimos:
I - publicação prévia dos seguintes elementos:
a) memorial descritivo do projeto;
b) orçamento do custo da obra;
c) determinação da parcela do custo da obra a ser financiada pela contribuição;
d) delimitação da zona beneficiada;

95
e) determinação do fator de absorção do benefício da valorização para toda a zona
ou para cada uma das áreas diferenciadas, nela contidas;
II - fixação de prazo não inferior a 30 (trinta) dias, para impugnação pelos
interessados, de qualquer dos elementos referidos no inciso anterior;
III - regulamentação do processo administrativo de instrução e julgamento da
impugnação a que se refere o inciso anterior, sem prejuízo da sua apreciação
judicial.
§ 1º A contribuição relativa a cada imóvel será determinada pelo rateio da parcela
do custo da obra a que se refere a alínea c, do inciso I, pelos imóveis situados na
zona beneficiada em função dos respectivos fatores individuais de valorização.
§ 2º Por ocasião do respectivo lançamento, cada contribuinte deverá ser notificado
do montante da contribuição, da forma e dos prazos de seu pagamento e dos
elementos que integram o respectivo cálculo.
A área que supostamente será valorizada pela obra é denominada zona de
beneficiamento.
É claro que a obra, para ensejar a tributação pela melhoria, deve ser pública: jamais
se poderá tributar pela valorização do imóvel, se a obra que o incrementou for privada.
Se se tratar de uma obra pública realizada de forma que a zona de beneficiamento
seja localizada em mais de um Município, sendo eu cada municipalidade assume um bloco
da obra, um módulo do projeto, a cada um corresponderá a competência para cobrar a parcela
de melhoria que corresponder à sua parcela da obra.

3.1. Limites Legais


De acordo com o art. 81 do CTN, o tributo submete-se a dois limites legais
não previstos constitucionalmente:
a) Limite objetivo ou total: é representado pelo custo da obra. O Estado não
pode exigir de todos os contribuintes somados mais do que ele gastou para realizar a obra.

b) Limite subjetivo ou individual: é representado pela valorização imobiliária


que cada imóvel em particular obteve. Por conta desse limite individual, a contribuição de
melhoria se vê inviabilizada, pois o custo para averiguar exatamente o ganho de cada imóvel
é muito alto. Além disso, a valorização dos imóveis pode ser pequena em face dos gastos
gigantescos com a obra. Assim, o que o Estado arrecada a título de contribuição de melhoria
não é suficiente a ressarcir as despesas tidas com a obra e a aferição do benefício atribuído.

Existe certa controvérsia sobre a vigência do art. 81 do CTN. Há quem defenda que ele foi
revogado pelo DL 195/67, recepcionado pela CRFB/88, conforme prediz a Súmula 496 do
STF. Contudo, embora tenha havido recepção, não há contradição entre os limites estatuídos
pelo CTN e o DL 195/67, pelo que os referidos limites estão em vigor.

3.2. Limites Jurisprudenciais


Além dos limites consignados no art. 81 do CTN, existem mais limites criados
pela jurisprudência (STF, RE 116.147):
1º. A contribuição não pode exceder o custo da obra (referibilidade quanto ao
limite total).

96
2º. A contribuição não pode exceder o benefício atribuído ao melhoramento
(referibilidade quanto ao limite individual).

3º. Deve ser concedida ao proprietário a possibilidade de manifestação – ele


pode contestar os termos do incremento patrimonial, mas não pode se esquivar de pagar.

4º. O melhoramento deve afetar área limitada.

5º. A contribuição só pode ser objeto de lançamento se tiver havido


melhoramento. Lembramos que algumas obras podem desvalorização dos imóveis. Se isso
acontece, não cabe falar em contribuição de melhoria.
3.3. Regras Gerais
A contribuição de melhoria é regida pelo DL 195/67 que se aplica a todos os entes.
Destaquem-se os seguintes artigos:
a) Art. 3º, §3º - estabelece que a contribuição de melhoria só pode recair sobre
imóveis de domínio privado. A contrário senso, há uma não incidência legal em
relação aos imóveis de domínio público. Não se trata de imunidade, pois esta só
incide sobre impostos e é constitucionalmente qualificada.

b) Art. 12 – o contribuinte só pode ser instado a pagar por ano até 3% do valor do
imóvel já valorizado. A lei garante o parcelamento por quantos anos forem
necessários.

c) Art. 17 – segundo o DL 195/67, para efeito do IR devido sobre a valorização


imobiliária, deduzir-se-á a importância que o contribuinte houver pagado a título
de contribuição de melhoria. O objetivo é evitar o pagamento dúplice. Se for uma
contribuição de melhoria do estado ou do município teríamos bitributação. Se for
da União, teríamos bis in idem.

3.4. Base De Cálculo


Segundo a jurisprudência, é exatamente o valor acrescido ao imóvel, ou seja,
a diferença entre os valores de mercado inicial e final do imóvel beneficiado (STF, RE
114.069/SP).
O CTN, em seu art. 82, §1º, contudo, traz outra sistemática de cálculo,
segundo a qual a contribuição relativa a cada imóvel será determinada pelo rateio da parcela
do custo da obra pelos imóveis situados na zona beneficiada em função dos respectivos
fatores individuais de valorização. Nesse caso, o valor a ser pago é a divisão do valor a ser
financiado entre os proprietários dos imóveis beneficiados proporcionalmente à valorização
individual de cada imóvel. Tal sistemática garante a observância do limite total, mas não do
limite individual, pelo que se prefere a regra adotada pela jurisprudência.
O STJ tem entendido ser legítima a fixação da base de cálculo do tributo
mediante a utilização de montantes presumidos de valorização, indicados pela administração
pública, desde que facultada a apresentação pelo sujeito passivo de prova em sentido
contrário. A valorização presumida não é o fato gerador (para este, exige-se valorização
efetiva), mas somente critério de quantificação do tributo (STJ, AgRg no REsp 613.244/RS).

97
4. Empréstimo compulsório
Segundo Mauro Luiz Rocha Lopes:
O empréstimo compulsório é prestação pecuniária imposta pelo Estado que gera a
esse contrapartida patrimonial reflexa, consistente na obrigação de devolver a
quantia arrecadada após o decurso do prazo estabelecido na própria lei de criação.
O empréstimo compulsório já teve sua natureza de tributo muito contestada. O STF
chegou a editar a súmula 418, dizendo exatamente que não se tratava de um tributo:
Súmula 418, STF: O empréstimo compulsório não é tributo, e sua arrecadação não
está sujeita à exigência constitucional da prévia autorização orçamentária.
Este enunciado não tem mais sustento, nem mesmo pelo próprio STF, que o reputou
sem efeito. Hoje, portanto, o empréstimo compulsório é inegavelmente um tributo, mesmo
que ainda persista certa discussão doutrinária sobre este instituto.
A discussão se dá pelo próprio conceito de tributo. Em regra, o tributo não gera
obrigação de restituição do montante pago, e esta obrigação existe no empréstimo
compulsório.
A diferença entre receita e ingresso é fundamental para se entender a controvérsia.
Receita é todo valor que adentra os cofres públicos, incorporando ao patrimônio estatal;
ingresso é o valor que adentra o patrimônio, mas gera direito à restituição.
O tributo, regra geral, faz surgir receita para o Estado, e não mero ingresso. Como se
compatibilizar, então, a natureza tributária do empréstimo compulsório com a natureza de
mero ingresso que tem a verba dele oriunda?
A devolução do valor pago a título de empréstimo compulsório não importa ao direito
tributário. A melhor explicação para a irrelevância da devolução, para a finalidade de se
extrair a natureza jurídica deste instituto como de tributo, é justamente a separação entre
Direito Tributário e Direito Financeiro: a restituição é relevante apenas à seara financeira, e
não à tributária. É uma questão orçamentária, não fiscal.
A nomenclatura “empréstimo” é passível de muita crítica, pois, como se sabe, o
empréstimo é naturalmente um contrato, o que pressuporia manifestação plural de vontades.
Contudo, é um empréstimo compulsório, modalidade específica do direito tributário, que não
teria correspondente cível. É, por todas as formas, um tributo restituível.
Art. 15. Somente a União, nos seguintes casos excepcionais, pode instituir
empréstimos compulsórios:
I - guerra externa, ou sua iminência;
II - calamidade pública que exija auxílio federal impossível de atender com os
recursos orçamentários disponíveis;
III - conjuntura que exija a absorção temporária de poder aquisitivo.
Parágrafo único. A lei fixará obrigatoriamente o prazo do empréstimo e as
condições de seu resgate, observando, no que for aplicável, o disposto nesta Lei.
O inciso III do artigo supra não foi recepcionado pela CRFB, tendo oferecido
bloqueio a esta situação o artigo 150, IV, da Constituição, que sedia a vedação ao confisco:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à
União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
IV - utilizar tributo com efeito de confisco;
(...)
§ 1º A vedação do inciso III, b, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I,
153, I, II, IV e V; e 154, II; e a vedação do inciso III, c, não se aplica aos tributos

98
previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, III e V; e 154, II, nem à fixação da base de
cálculo dos impostos previstos nos arts. 155, III, e 156, I.
Esta previsão constitucional é absolutamente salutar, eis que a permissão da
instituição de empréstimo compulsório por conjuntura é uma hipótese de alta subjetividade,
praticamente se tornando um “cheque em branco” nas mãos do administrador.
O parágrafo único do artigo 15 do CTN é uma norma autoaplicável, mesmo que
encaminhe à lei a designação do prazo e das condições do empréstimo. Isto porque estes são
elementos indispensáveis à exigibilidade do empréstimo compulsório: sem a previsão da
forma de devolução não há como exigir o tributo.
O artigo 148 é a sede primária do empréstimo compulsório na CRFB:
Art. 148. A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos
compulsórios:
I - para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de
guerra externa ou sua iminência;
II - no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse
nacional, observado o disposto no art. 150, III, "b".
Parágrafo único. A aplicação dos recursos provenientes de empréstimo
compulsório será vinculada à despesa que fundamentou sua instituição.
Ao lado do imposto sobre grandes fortunas, do imposto residual da União, e das
contribuições especiais residuais, o empréstimo compulsório é um dos quatro tributos que
precisa de lei complementar para sua instituição. Por isso, jamais poderá vir instituído em
medida provisória.
Este tributo tem dois fatos geradores possíveis, descritos nos incisos do artigo supra.
Ao contrário de que se supõe, o fato gerador do empréstimo compulsório não é a calamidade,
a guerra, ou a necessidade de investimento público. Tais circunstâncias revelam condições
para o exercício da competência tributária por parte da União.
O fato gerador desse tributo será definido com certa liberdade pelo legislador federal,
em lei complementar, porque se trata de um fato concreto que demonstra aquela condição
para instituição do tributo – é a guerra em si, por exemplo.
O inciso I é claramente a situação mais urgente, e por isso é uma exceção completa
ao princípio da anterioridade tributária: pode ser cobrado assim que instituído, sem observar
a virada do exercício fiscal ou a noventena.
O inciso II, por sua vez, é situação urgente, mas por não ser efetivamente emergencial,
precisa respeitar a anterioridade média, ou seja, a virada do ano fiscal.
O empréstimo compulsório é um tributo que constitui instrumento de arrecadação
extraordinária da União (e por isso é de competência extraordinária deste ente maior). Este
tributo traz um ingresso extraordinário, que não se pode prever ordinariamente nos
orçamentos públicos, ante a clara imprevisibilidade das hipóteses que o fundamentam.
Pelo ensejo, há que se comentar sobre o outro tributo extraordinário previsto no
ordenamento, o imposto extraordinário de guerra, previsto no artigo 154, II, da CRFB:
Art. 154. A União poderá instituir:
I - mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que
sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos
discriminados nesta Constituição;
II - na iminência ou no caso de guerra externa, impostos extraordinários,
compreendidos ou não em sua competência tributária, os quais serão suprimidos,
gradativamente, cessadas as causas de sua criação.
Em caso de guerra, então, pode-se instituir dois tributos, o empréstimo compulsório
e o imposto extraordinário de guerra. Vale dizer que o imposto extraordinário pode ser

99
instituído por medida provisória, ao contrário do empréstimo compulsório, o que o torna mais
atraente ao administrador. O imposto extraordinário de guerra, assim como o empréstimo
compulsório de guerra, não se sujeita a anterioridade tributária de qualquer intensidade, como
diz o artigo 150, § 1º, da CRFB, já transcrito.
O empréstimo compulsório de guerra tem uma motivação claramente emergencial,
portanto. A segunda hipótese de incidência, porém, pode fazer nascerem dúvidas quanto ao
surgimento real do fato gerador, na medida que a urgência e relevância, consignadas no
artigo 148, II, supra, podem ser questionáveis. Surge a questão: é dado ao Judiciário analisar
tais elementos, ou são eles ínsitos ao mérito administrativo?
O entendimento atual do STF é de que, se comprovada a ausência de urgência para a
medida, pode o Judiciário declarar a sua inconstitucionalidade, porque a presença de tais
requisitos é uma exigência constitucional inafastável.
O parágrafo único do artigo 148 a CRFB estabelece que a aplicação dos recursos será
vinculada à despesa que fundamentou a instituição do empréstimo compulsório. Isto é a
afetação da receita tributária.

4.1. Características

a) É de competência exclusiva da União (art. 148 da CRFB).

b) São tributos restituíveis, pois findo o prazo, deve o Estado devolver o que pegou
emprestado ao contribuinte – isso não descaracteriza a natureza do tributo, pois o art. 3º do
CTN não exige a definitividade do ingresso da receita tributária nos cofres públicos.

c) São tributos que só poderão ser criados por intermédio de lei complementar (logo,
não cabe lei ordinária e, consequentemente, não cabe MP. Art. 62, §1º, III, da CRFB).

d) É um tributo vinculado quanto ao produto arrecadado, pois este é afeto a despesas


específicas, dentro das circunstâncias arroladas no art. 148 da CRFB: calamidade pública,
guerra externa ou sua iminência e investimento nacional de caráter relevante e urgente
(rol taxativo). Esses fatores que deflagram o empréstimo compulsório não podem ser
confundidos com o fato gerador.

O art. 15, III, do CTN, que previa a instituição de EC em “conjuntura que exija a absorção
temporária de poder aquisitivo”, não foi recepcionado pela CRFB/88, de forma que o EC só
pode ser instituído nas hipóteses do art. 148 da CRFB.
e) Não possui fato gerador próprio, pois utiliza fatos geradores típicos de impostos
(alguns autores dizem que também pode utilizar fato gerador típico de taxa).
Atenção: As circunstâncias arroladas no art. 148 da CRFB não constituem fatos
geradores dos empréstimos compulsórios. São apenas aptas a deflagrar a sua criação.
Quando o empréstimo compulsório for criado mediante LC, se faz necessário que o legislador
eleja uma conduta como hipótese de incidência do tributo.

4.2. Fato Gerador


O legislador complementar federal poderia eleger, como fato gerador do
empréstimo compulsório, um fato gerador de um imposto municipal ou estadual? O
STF encampou o entendimento no sentido de que a União, ao eleger fatos geradores de
empréstimos compulsórios, pode bitributar, ou seja, eleger como hipótese de incidência uma

100
conduta que já seja objeto de outro tributo, ex. propriedade de veículo automotor como fato
gerador do Empréstimo Compulsório e do IPVA.
Parte da doutrina critica tal posição, na medida em que o STF passa a chancelar por
via transversa aquilo que a CRFB terminantemente proíbe – a bitributação e a invasão de
competência de outro ente (violação de cláusula pétrea). A CRFB só prevê uma exceção
em que se admite a tributação, qual seja a do imposto extraordinário de guerra.
Por isso, a doutrina, para contemporizar a posição do STF, entende que a União,
quando for eleger fato gerador de empréstimo compulsório, estaria cingida ao seu próprio rol
de competência (caso em que haveria bis in idem e não bitributação).
A única hipótese em que a União poderia eleger como fato gerador de empréstimo
compulsório materialidade subsumida à competência dos Estados e Municípios seria no caso
do empréstimo compulsório de guerra25.

Bis in idem Bitributação (implica invasão de competência)


São 2 tributos São 2 tributos
São 2 Fatos Geradores iguais São 2 Fatos Geradores iguais
São pagos pelo mesmo sujeito São pagos pelo mesmo sujeito passivo
passivo
Instituídos pelo mesmo ente Instituídos por 2 entes diferentes
Ex. PIS e COFINS Ex. Empréstimo Compulsório sobre propriedade de
veículo automotor e IPVA

4.3. Destinações do Empréstimo Compulsório


O empréstimo compulsório ostenta duas destinações ou vinculações:
1ª. Vinculação imediata: são as circunstâncias arroladas no art. 148 da CRFB: (a)
calamidade pública; (b) guerra externa ou iminência de guerra, (c) investimento nacional de
caráter relevante e urgente. O dinheiro vai ser obrigatoriamente vertido para arcar com as
despesas referentes a tais circunstâncias (art. 148, parágrafo único).
Art. 148. A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos
compulsórios:
I - para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de
guerra externa ou sua iminência;
II - no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse
nacional, observado o disposto no art. 150, III, "b".
Parágrafo único. A aplicação dos recursos provenientes de empréstimo
compulsório será vinculada à despesa que fundamentou sua instituição.
2º. Vinculação mediata: depois de suprir os gastos afetos às circunstâncias do art. 148
da CRFB, há uma destinação do restante à necessidade imperiosa de devolução dos
contribuintes. A lei instituidora deve definir prazo e condições de resgate (art. 15, parágrafo
único, do CTN).
➢ Essa devolução deve ser levada em efeito respeitando-se o índice oficial de
correção monetária, pois, se devolvido sem correção, trata-se de Empréstimo
Compulsório não devolvido (STF, RE 255.836).

25
Se tivéssemos uma guerra, teríamos IEG e não EC. O IEG é feito por lei ordinária (mais fácil de aprovar) e
não há necessidade de devolução.

101
➢ No Brasil não há um empréstimo compulsório perpétuo, ou seja, aquele
em que a lei criadora não fixa um prazo para que a União devolva o dinheiro
ao contribuinte. Se a União se exime de devolver, os contribuintes estarão
legitimados a ajuizar ação de repetição do indébito dentro de 5 anos a contar
da mora da União (STJ, REsp 692.708) ou se utilizar da compensação. Mesmo
se o Empréstimo Compulsório for por motivo de guerra deve ser dado um
prazo de devolução (seis meses após o fim da guerra, v.g.).
➢ O EC deve ser devolvido na mesma espécie em que foi recolhido, ou seja, em
dinheiro e não sob a forma de bens (RE 121.336); o STF, contudo, em caso
recente de Eletrobrás (AgR no RE 193.798/PR), chancelou a devolução sob a
forma de ações, contrariando seu entendimento anterior.
➢ Seria possível a compensação, se há uma lei específica prevendo tal
possibilidade.

4.4. Empréstimo Compulsório e Princípio da Anterioridade


Esse princípio não se aplica aos empréstimos compulsórios atinentes a
calamidades públicas ou guerras, conforme art. 150, §1º, da CRFB. Aos empréstimos
compulsórios, afetos aos investimentos públicos de caráter relevante e urgente, se aplica a
anterioridade26 por expressa menção constitucional.

26
O princípio da anterioridade tributária, também conhecido apenas como princípio da anterioridade, é o
princípio de Direito Tributário que estabelece que não haverá cobrança de tributo no mesmo exercício fiscal da
lei que o instituiu. Assim sendo, um tributo só poderá ser cobrado pelo Fisco no ano seguinte àquele em que a
lei que o criou fora promulgada. Sua base legal é a Constituição Federal, em seu art. 150, II, "b":ou seja se a lei
for divulgada hoje so pode ser exercida no ano seguinte.

102
Tema XIV

1. Contribuições especiais
A parafiscalidade é um fenômeno que surge entre as Guerras Mundiais. Foi
caracterizado pela absorção pelo Estado Social de Direito de várias atribuições que antes não
lhe competiam: saúde, previdência, educação.
O advento do Estado de Bem-Estar Social levou a modificação das constituições
orçamentárias em diversos países. Essas constituições passaram a conceber a intervenção do
Estado no domínio econômico e social. É nesse contexto que surgem as contribuições
parafiscais que são contribuições criadas para angariar recursos para fazer frente a essas
despesas oriundas dos novos afazeres do Estado. São recursos voltados ao financiamento das
atividades como saúde, educação, previdência etc. Trata-se de arrecadação do parafisco, que
é o conjunto de órgãos estatais incumbido de prestar serviços paralelos aos da Administração
Pública.
As contribuições parafiscais ostentam natureza jurídica tributária e, por isso, a
parafiscalidade é concebida como fenômeno fiscal. No Brasil, não temos órgãos paralelos
incumbidos de prestar alguns serviços. São os órgãos da Administração que prestam tais
serviços.
O tributo extrafiscal não se confunde com o parafiscal. Os tributos fiscais são aqueles
que têm escopo meramente arrecadatório, visando a dotar de receitas os cofres públicos,
enquanto os tributos extrafiscais são aqueles que vão além desta função arrecadatória, não a
abandonando, porém – porque todo tributo conta com esta função de arrecadação. O termo
parafiscal, hoje, é tecnicamente utilizado para identificar a dotação de receita de quem esteja
ao lado do fisco, paralelo ao fisco, mas não inserto neste (ou então seria tributo fiscal). O
critério, então, é outro: extrafiscal é o tributo dedicado a algo mais que a arrecadação (como
a regulação de um mercado econômico); parafiscal é critério de destinação do tributo, que
visa a custar entidades paralelas ao Estado.
No direito brasileiro, a parafiscalidade surgiu na necessidade de o Estado
delegar certas atividades a entidades paralelas a si, delegação esta que, necessitando de
custeio, encontrou nas contribuições especiais o meio de sustento destes entes de
colaboração.
Hoje, porém, NÃO se deve utilizar o termo “parafiscal” para classificar todas
as contribuições especiais, porque há algumas que são tanto extrafiscais, na sua qualidade,
quanto fiscais, pois que se destinam ao ente público – como a CIDE. Algumas são parafiscais,
mas não todas as contribuições especiais.
A maioria das contribuições especiais são de competência da União, mas não
todas. O artigo 149, § 1º, da CRFB, traz contribuição de competência dos Estados-Membros:
Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de
intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou
econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o
disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, §
6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.
§ 1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão contribuição,
cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, do regime
previdenciário de que trata o art. 40, cuja alíquota não será inferior à da
contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos da União.
§ 2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata
o caput deste artigo:
I - não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação;

103
II - incidirão também sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços;
III - poderão ter alíquotas:
a) ad valorem, tendo por base o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação
e, no caso de importação, o valor aduaneiro;
b) específica, tendo por base a unidade de medida adotada.
§ 3º A pessoa natural destinatária das operações de importação poderá ser
equiparada a pessoa jurídica, na forma da lei.
§ 4º A lei definirá as hipóteses em que as contribuições incidirão uma única vez.
Quando se fala em contribuição para a seguridade social, é comum se pensar
apenas em previdência. Ocorre que a seguridade social é gênero, açambarcando a previdência
social, a assistência social e a saúde, e a contribuição social para seguridade social se destina
a custear todos estes setores da seguridade, e não só a previdência.
A saúde é direito indiscriminado e incondicionado de todos, não precisando haver
contribuição do necessitado para que faça jus ao atendimento de saúde – assim como o
assistencialismo. A previdência, por sua vez, vige sob regime contributivo, ou seja, só tem
direito a prestações previdenciárias do Estado quem tenha contribuído previamente para a
formação do caixa previdenciário.
Sendo contributiva, a previdência social dos servidores públicos de âmbito
municipal, estadual e distrital deve ser custeada por contribuições instituídas pelos entes
correspondentes, o que é estabelecido no § 1º do artigo supra. Esta é a competência tributária
estadual, municipal e distrital para contribuição especial, que, portanto, ao contrário do que
se depreende do caput, não é exclusiva da União. Trata-se de competência comum, porque o
servidor contribuinte será atrelado ao seu respectivo ente, formulador e mantenedor do
regime previdenciário em questão.
As contribuições especiais contam com o atributo da referibilidade. Esta
característica significa que o erário obtido com a sua instituição e cobrança deve ser
empregado no destino ao qual é afetado, ou seja, é vinculado ao custeio da seara sobre a qual
foi instituída.
Quanto à natureza jurídica, as contribuições sociais são tributos,
indiscutivelmente. Há um RE antigo em que o STF assim se manifestou, o julgado de número
138.284.
As espécies de contribuições especiais são:

Vale abordar uma controvérsia forte: a natureza jurídica do FGTS. Há oito correntes
disputando o tema, mas apenas duas ganham maior relevo. A primeira corrente, da Justiça
Trabalhista, entende tratar-se de salário diferido. A segunda corrente defende a natureza
tributária, ou seja, é contribuição social cujo objetivo é assegurar economicamente o fundo
de garantia do trabalhador, conforme as leis do trabalho.

1.1 Requisitos

104
Aliomar Baleeiro arrola os elementos de que se revestem as contribuições parafiscais:
a) Destinação específica às finalidades paraestatais – trata-se de um tributo
vinculado sob o prisma do produto da arrecadação. Para o STF, a afetação é elemento
caracterizador das contribuições parafiscais. O dinheiro será vertido para a finalidade descrita
na lei instituidora, seja ela educação, saúde, previdência etc.
b) Gestão paraestatal – deveria haver uma entidade da Administração Indireta
gerindo os recursos oriundos das contribuições parafiscais. Antes, havia uma dicotomia, pois,
a competência tributária para contribuições previdenciárias, por exemplo, estava nas mãos
da União, enquanto a capacidade tributária ativa estava nas mãos do INSS (sujeito ativo do
tributo). Hoje, a própria União, através da Super Receita, é quem institui, fiscaliza e cobra
tais contribuições, razão pela qual esse requisito foi desprestigiado pelo STF.
c) Exclusão dessas receitas do orçamento – nunca foi aplicado no Brasil, pois a
nossa CRFB consagra, em seu art. 165, §5º, o princípio da universalidade, segundo o qual
nada pode escapar dos limites do orçamento, nem mesmo a receita oriunda das contribuições
parafiscais.
d) Subtração dessas receitas da fiscalização do TCU – se as receitas não entravam
no orçamento, estavam alijadas da fiscalização. Não é aplicado no Brasil, uma vez que as
receitas obtidas com as contribuições parafiscais são incluídas no orçamento e, portanto, são
fiscalizadas pelo Poder Legislativo com o auxílio do TCU.

1.2. Conceito
Do art. 149 da CRFB, podemos depreender que as contribuições parafiscais
são devidas pela realização de serviço público indivisível em favor de determinado grupo
social ou econômico de que decorra benefício especial para o cidadão que dele participa. A
lógica é que temos um grupo de indivíduos, que desempenham determinadas atividades
suscetíveis de fiscalização estatal e que, portanto, demandam gastos por parte do Estado.
Logo, os integrantes desse grupo devem ser chamados a pagar esses gastos mediante
contribuições. Isso não acontece no Brasil, pois a referibilidade não é elemento especificador
das contribuições. Referibilidade é entendida como fato de os contribuintes das contribuições
parafiscais serem beneficiados pelos serviços prestados para o grupo respectivo (Luciano
Amaro diz que isto não ocorre sempre).

1.3. Espécies

Da seguridade social
(art. 195 da CF)

Sociais Gerais

Contribuições do art. 149 Intervenção no domínio Residuais (art. 195, §4º,


da CF econômico da CF)

Contribuição de
Iluminação Pública - COSIP Interesse das categorias
(art. 149-A da CF) profissionais/econômicas

105
No art. 149, §1º, há a chamada contribuição previdenciária anômala, posto que
subsumida à competência comum dos entes. Pode ser criada pelos Estados, DF e Municípios
para custear o regime próprio de previdência de seus servidores, previsto no art. 40 da CRFB.
Não se confunde com a contribuição previdenciária que custeia o RGPS (art. 201 da CRFB).

2. Contribuições sociais
A anterioridade nonagesimal atinge apenas as contribuições sociais da
seguridade social (art. 195, §6º, da CRFB). As demais contribuições sociais se subsumem à
anterioridade clássica do art. 150, III, b e c, da CRFB, que compreende tanto a anterioridade
de exercício como a noventena.
O caput do artigo 149 da CRFB, supra, é a sede principal desta espécie, e o artigo 195
da CRFB, especialmente no seu caput e § 4º, é de obrigatória leitura.
Três são as subespécies de contribuições sociais, portanto: as gerais, as
dedicadas à seguridade social, e as residuais, as “novas contribuições” a que se refere o § 4º
do artigo supra.
O STF já entendeu que estas contribuições residuais serão instituídas por
simples lei ordinária, com a ressalva destas contribuições residuais, do § 4º do artigo 195 da
CRFB, que remete à exigência de lei complementar para sua instituição, ao indicar
observância ao artigo 154, I, da CRFB:
Art. 154. A União poderá instituir:
I - mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que
sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos
discriminados nesta Constituição;
Além disso, desta indicação ao artigo supra se colhe que as contribuições
sociais residuais serão também não-cumulativas – mas a restrição final do dispositivo, de que
“não poderão ter fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta
Constituição” não guarda pertinência com as contribuições, devendo ser ignorada.
O § 6º do artigo 195 da CRFB trata da nonagesimal, que é a regra de
anterioridade das contribuições sociais.

3. Seguridade Social
O art. 195 da CRFB arrola as materialidades, as bases econômicas sobre as quais as
contribuições da seguridade social irão incidir.
a) Inciso I: Pagas pelos empregadores (remissão §§ 9º e 12)

A.1. Sobre a folha de pagamentos (art. 195, I, “a”)


Engloba a contribuição previdenciária e a contribuição RAT (Riscos de Acidentes de
Trabalho). Vai incidir a uma alíquota de 20% sobre a soma de qualquer pagamento que a
pessoa física receba por trabalho.
Na RAT, temos o art. 22, II da Lei nº 8.212 de 1991. É uma solução criada para
atender o direito do art. 7º, XXVIII da CRFB. O empregador paga a contribuição do RAT à
medida que a atividade preponderante de sua empresa gere riscos de acidentes do trabalho.
Não se fala em folha de salário, e sim em folha de pagamento. A CRFB foi modificada
para alcançar um âmbito maior. Açambarca tudo! Pode ser autônomo, trabalhador avulso,
trabalho temporário etc.

106
A.2. Sobre a receita ou faturamento (art. 195, I, “b”)
A noção de faturamento foi ampliada pela EC 20/98 e passou a ser encarada como
receita bruta, ou seja, tudo que ingressa na contabilidade da empresa, o que aumentou a carga
tributária.
Engloba duas contribuições: COFINS e PIS. Aqui o legislador constituinte originário
expressamente autorizou o bis in idem.

3.1. COFINS
A Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS) foi criada pela
Lei Complementar nº 70/91, que sofreu alterações pela Lei nº 9.178/98 e pela Lei nº
10.833/03. Essa última lei:
✓ Determinou que a COFINS passasse a incidir a uma alíquota 7,6% sobre o
valor agregado em cada operação;
✓ Transformou a COFINS em tributo não cumulativo;
✓ Alargou a base para o cálculo da COFINS e modificou a sistemática de
recolhimento.

3.2. PIS
O Programa de Integração Social (PIS) foi originalmente criado pela Lei
Complementar nº 7/70, destinado a custear as prestações de seguro desemprego e abono
salarial. Foi recepcionado pelo art. 239 da CRFB. Estamos diante de um bis in idem
constitucional: o PIS que é uma contribuição destinada a custear a seguridade social, já existe
antes da CRFB.
O constituinte originário permitiu que a União criasse outra contribuição também
incidente sobre a receita bruta para o custeio da seguridade social, que foi a COFINS.
Estamos diante de um bis in idem autorizado pelo constituinte originário.
Leis que alteraram a Lei Complementar nº 7/70: Lei nº 9.715/98 e Lei nº 10.637/2002.
A última transformou o PIS em tributo não cumulativo e alargou a base para o cálculo do
PIS, equiparando receita bruta a faturamento. O PIS incide a uma alíquota de 1,65% sobre o
valor agregado a cada etapa.
Há mais uma contribuição que incide sobre o faturamento: FUNRURAL. Ela incide
sobre a receita bruta da comercialização da produção rural. É a contribuição social dos
empregadores rurais.

A.3. Lucro (art. 195, III, “c”)

É a Contribuição sobre o Lucro Líquido - CSLL, criada pela Lei 7.689/88. A alíquota
média é de 12% sobre o resultado positivo da atividade econômica, denominado lucro. O
lucro é igual a faturamento menos despesas. Respalda-se na capacidade contributiva. Mas, a
solidariedade que deveria informar essas contribuições não deveria ser a mesma dos
impostos. Contudo, é não é assim. Essas contribuições deveriam se respaldar na solidariedade
do custo benefício. Deveríamos ter uma referibilidade, o que não ocorre com as contribuições
parafiscais.

b) Inciso II: Pagas pelos trabalhadores e demais segurados da previdência social

107
É a contribuição previdenciária que incide sobre a remuneração do trabalhador. Essa
contribuição previdenciária do trabalhador, prevista no art. 195, II, da CRFB e submetida ao
RGPS, não se confunde com a contribuição previdenciária do servidor público, prevista no
art. 149, §1º, da CRFB e submetida ao RPPS.
A contribuição do trabalhador nada mais é do que a contribuição do INSS. Recebe
esse nome porque, antes da fusão das Secretarias da Receita, ela era administrada pelo INSS.
Com relação à contribuição do art. 195, II, há no próprio inciso uma imunidade, pois
aposentado não pode ser instado a pagar contribuição previdenciária. Aposentado, no
RGPS, não paga contribuição previdenciária. Mas, no setor público, o aposentado pode
pagar contribuição e o STF chancela isso, com base na solidariedade com lastro na
capacidade contributiva que informa essas contribuições (para evitar crise de
governabilidade).

c) Inciso III: Receita de concursos de prognósticos


Concurso de prognósticos se trata de todo e qualquer sorteio de números ou quaisquer
outros símbolos, loterias, apostas de qualquer natureza, seja em âmbito federal, estadual ou
municipal. Essas contribuições são calculadas com base na renda líquida desses concursos e
com base no movimento global do prado de corridas (corrida de cavalo). Como no Brasil o
jogo é monopólio estatal, quando são veiculadas na mídia as quantias acumuladas, já estão
deduzidos o IR e a contribuição de concurso de prognósticos daquele valor.

d) Inciso IV: Importadores de bens ou serviços do exterior


Com a promulgação da Emenda 42, a CRFB passou a agasalhar previsão no sentido
de que as contribuições sociais também incidissem sobre a importação. Essa emenda veio
aumentando a carga tributária. Com base nisso, foram criadas duas outras contribuições: PIS-
importação e COFINS-importação (Lei nº10.865/2004).
Sobre esses tributos sobreveio a decisão em que o STF julgou inconstitucional a
inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e COFINS incidentes sobre importação. Ver o
RE 559.937. O plenário do Supremo concluiu que é inconstitucional a inclusão de ICMS na
base de cálculo dessas duas contribuições instituídas pela lei nº 10.865/2004.
O cálculo desses tributos deve levar em conta o valor do o imposto de importação +
ICMS + PIS-importação + COFINS-importação. É um cálculo que era feito “por dentro”.
Houve repercussão geral reconhecida através do RE 559.607. Ninguém sabia como calcular.
Não há respaldo jurídico para que se procedam a essas inclusões. O RE foi para declarar a
inconstitucionalidade do valor do ICMS, do Imposto de Importação e das contribuições. A
correção do texto foi parcial.
As contribuições sociais da seguridade social têm sua cobrança submetida a um prazo de
noventa dias, contados da data em que for publicada a lei que as houver instituído ou
aumentado. Ou seja, obedecem à anterioridade nonagesimal, mas podem ser cobradas no
mesmo exercício, conforme art. 195, §6º, da CRFB (expressamente exclui a incidência da
anterioridade clássica do art. 150, III, b, CRFB).

4. Contribuições Sociais Gerais


As contribuições sociais gerais não são regidas pelo art. 195 da CRFB. Temos
contribuições que se submetem à anterioridade clássica (art. 150, III, alíneas “b” e “c”).
Destinam-se a algum outro serviço do Título VIII da CRFB (versa sobre a ordem social) que
não a seguridade social.

108
4.1. Contribuição do salário-educação
Tem sede no art. 212, §5º, da CRFB. O STF declarou a constitucionalidade do
salário-educação, ainda que o empregador possa fornecer educação diretamente aos
empregados. O dinheiro é vertido para o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
(autarquia). Essa contribuição é calculada com base na folha de pagamentos. A alíquota é de
mais ou menos 2,5%. O ensino público fundamental também é custeado por essa
contribuição. A finalidade social é evidente.

4.2. Contribuição do Sistema “S”


Tem sede no art. 240 da CRFB. Também incide sobre as folhas de pagamento. São
para o serviço autônomo: SENAI, SESI, SENAC, SESC, etc. Algumas dessas contribuições
do Sistema “S” tem como sujeito ativo pessoas jurídicas do direito privado. Essa é uma
exceção constitucional (a exemplo do que ocorre com as contribuições sindicais, mas estas
não são contribuições sociais gerais), pois pessoa jurídica de direito privado, em regra, não
pode ser sujeito ativo de tributo. São destinadas a pessoas jurídicas de direito público ou de
direito privado vinculadas ao sistema sindical, objetivando a formação de mão-de-obra do
trabalhador.
Súmula 499, STJ. As empresas prestadoras de serviços estão sujeitas às
contribuições do SESC e SENAC, salvo se integradas noutro serviço social.
Esse verbete nos informa que, na falta de entidade específica, os trabalhadores serão
beneficiários do SESC e do SENAC e, para eles, terão que recolher suas contribuições.
A contribuição do SEBRAE é exceção, pois é contribuição de intervenção no domínio
econômico. Ver STF, RE 401.823. O STF não exige vinculação direta do contribuinte ou que
ele seja beneficiário da atuação do SEBRAE para que tenha a obrigação de recolher a
contribuição (STJ, REsp 662.911).

4.3. Contribuição em caso de dispensa sem justa causa


É a contribuição devida pelo empregador quando ele manda embora sem justa causa.
Além da multa de 40%, tem que pagar uma contribuição de 10% incidente sobre os depósitos
referentes ao FGTS durante a vigência do contrato de trabalho.
Atenção: A contribuição do FGTS não ostenta natureza tributária, razão pela qual a
ela não se aplicam as disposições do CTN (verbete 353, Súmula STJ).

5. Contribuições corporativas
Estas contribuições são de natureza profissional ou econômica, envolvendo, por
exemplo, os sindicatos. Estas entidades contam com duas fontes de custeio: as contribuições
voluntárias e as de natureza tributária. Artigo 8º, IV, da CRFB:
Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:
(...)
IV - a assembleia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria
profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da

109
representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em
lei;
São as chamadas contribuições corporativas. São criadas pela União com o objetivo
de obter recursos destinados a financiar atividades de interesses de instituições
representativas ou fiscalizatórias de categorias profissionais ou econômicas.

5.1. Contribuições exigidas pelos Conselhos de profissão regulamentada


São destinadas a entidades descentralizadas da administração. Elas estão a fiscalizar
ou representar determinada profissão regulamentada, ou determinados seguimentos
econômicos. Tais entidades exercem atividade de polícia administrativa, razão pela qual se
submetem a regime de direito público. Para o STF, são autarquias especiais e os tributos por
ela cobrados são contribuições corporativas, de caráter parafiscal (produto da arrecadação
vinculado ao financiamento de tais entidades), excetuando-se a OAB. Temos a contribuição
ao CRM, CRA, CREA, CRC.
Atenção: Para o STF, a OAB não é entidade da Administração Indireta, mas serviço
público independente de caráter sui generis. Por isso, não se enquadra como autarquia
especial e não está sujeita ao controle da Administração (STF, ADI 3.026/DF). A
contribuição da OAB, segundo o STJ, é uma contribuição sui generis, que não possui
natureza tributária e, portanto, sua cobrança segue o regime do CPC e não da Lei de
Execuções Fiscais.
Súmula 50. As anuidades da Ordem dos Advogados do Brasil não têm natureza
tributária e estão afeitas às turmas especializadas em Direito Administrativo.
Essas contribuições variam ao sabor da secional respectiva, ou seja, do Estado
respectivo. Isso vilipendia o princípio da uniformidade geográfica (art. 151, I). O tributo
federal há de ter alíquota nacional. As contribuições desses conselhos não respeitam a
regionalidade, não temos respeito também à isonomia, à capacidade contributiva. São
reguladas por resoluções dos conselhos, não respeitando a legalidade e a anterioridade. São
indícios que jogam por terra a argumentação que essas exações ostentariam natureza
tributária. Mas, temos como posicionamento majoritário, o entendimento que essas
exações ostentam natureza jurídica tributária, com exceção da contribuição da OAB.

5.2. Contribuições sindicais


Vão ser pagas pelo empregador e pelo empregado. O sindicato é sujeito ativo
(fiscaliza e cobra) das contribuições sindicais mesmo sendo pessoa jurídica de direito privado
(art. 240 da CRFB). É chamada popularmente de imposto sindical, mas é contribuição
sindical. Não existe imposto sindical no Brasil.
Essa contribuição é tributo e, portanto, tem que ser paga pelos filiados e não-
filiados, ou seja, todos que militam na área regulamentada pelo sindicato (compulsoriedade).
Os empregados públicos e estatutários também pagam tal contribuição. Os aposentados não
estão sujeitos ao tributo, tendo em vista a inexistência de vínculo funcional com a
Administração Pública (REsp 1.225.944/RS).
Não se confunde com a contribuição confederativa. A contribuição confederativa
não é contribuição tributária, mas assemblear. Ela se destina ao custeio das estruturas de
sindicato regionais e nacionais, ex. CU. Portanto, não pode vincular a vontade de quem não
é sindicalizado (art. 8º, IV, da CRFB c/c verbete 666 do STF). A ausência de

110
compulsoriedade, aliada ao fato de a contribuição não ser criada por lei, denotam a ausência
de natureza tributária da exação.
Súmula 666, STF. A contribuição confederativa de que trata o art. 8º, IV, da
Constituição, só é exigível dos filiados do sindicato respectivo.

6. CIDE – Contribuição De Intervenção no Domínio Econômico


A intervenção estatal no domínio econômico pode se dar sob as formas de regulação
ou de fomento. É um tributo eminentemente extrafiscal, e que não se submete à anterioridade
tributária. É prevista no artigo 177, § 4º, da CRFB:
Art. 177. Constituem monopólio da União:
(...)
§ 4º A lei que instituir contribuição de intervenção no domínio econômico relativa
às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás
natural e seus derivados e álcool combustível deverá atender aos seguintes
requisitos:
I - a alíquota da contribuição poderá ser:
a) diferenciada por produto ou uso;
b)reduzida e restabelecida por ato do Poder Executivo, não se lhe aplicando o
disposto no art. 150,III, b;
II - os recursos arrecadados serão destinados:
a) ao pagamento de subsídios a preços ou transporte de álcool combustível, gás
natural e seus derivados e derivados de petróleo;
b) ao financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria do
petróleo e do gás;
c) ao financiamento de programas de infraestrutura de transportes.
Quanto ao fato gerador, a incidência deve ser seletiva: para que o tributo sirva ele
próprio como intervenção, a eleição do fato gerador deve ocorrer de forma negativa, ou seja,
selecionando as condutas não desejadas e tributando-as. É de competência exclusiva da
União e seu exercício pode se dar via lei ordinária ou via medida provisória.
A intervenção do Estado no domínio econômico será representada por atividades que
restrinjam as atividades dos agentes do mercado. Essas atividades não são prestadas em
caráter individual e, por conta disso, as CIDEs se apartam das taxas. Temos uma determinada
coletividade sofrendo a fiscalização de polícia. O grupo é fiscalizado. Não temos a
referibilidade imanente às taxas. Não há especificidade ou divisibilidade.
Temos aqui serviços públicos indivisíveis prestados a determinados
grupos/seguimentos. As pessoas que integram esses grupos são as conclamadas para pagar
as CIDEs. Mas, elas não se confundem com os impostos, mesmo remunerando serviços
públicos indivisíveis. Já vimos que as CIDEs são caracterizadas pela afetação (destinação
legal do produto arrecadado), diferentemente dos impostos.
Nas contribuições sociais da seguridade social, sabemos que a materialidade que
essas contribuições incidem estão arroladas na CRFB (art. 195). No que tange às CIDEs, não
temos fatos geradores arrolados na CRFB. Por conta disso, sustenta-se que as CIDEs são
tributos instituídos com respaldo no elemento teleológico, ou seja, o legislador vai considerar
as disposições do Título VII da CRFB (versa sobre a ordem econômica e financeira). A
contribuição terá como objetivo intervir numa situação social ou econômica, dado seu caráter
extrafiscal.
A CRFB prevê a materialidade na qual vai incidir a CIDE-combustíveis, qual seja a
comercialização e importação de combustíveis líquidos, mediante a inserção do § 4º no art.
177 com a Emenda 33/01. O produto arrecadado é vinculado a determinadas atividades e

111
políticas de governabilidade narradas no art. 177, §4º, II, da CRFB. Há exceção à legalidade
(por decreto pode diminuir ou restabelecer a alíquota) e à anterioridade (decreto começa a
viger dentro de 90 dias, apenas se respeita a noventena), CRFB. art. 177, § 4º, I. As cláusulas
pétreas não podem ser modificadas para prejudicar o contribuinte. Foi criada pela Lei 10.336.
Temos também o AFRMM (Adicional de Frete para Renovação da Marinha
Mercante), o ATP (Adicional de Tarifa Portuária — visa o melhoramento dos portos),
contribuição ao FUST (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações) e ao
Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA).
Como o Estado gasta fiscalizando tais segmentos da atividade econômica, ele
intervém no domínio econômico por meio da adoção de algumas condutas que irão restringir
a liberdade dos agentes no mercado. Não cabe taxa, pois aqui a fiscalização recai sobre uma
coletividade.

7. Contribuição de Iluminação Pública (CIP OU COSIP)


A taxa de iluminação pública, como se viu, teve sua inconstitucionalidade declarada
pelo STF, que nela não reconheceu a indispensável divisibilidade do serviço de iluminação
pública.
Após isso, a EC 39/02 inseriu o artigo 149-A, a fim de permitir a instituição da
contribuição para iluminação pública.
Art. 149-A Os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir contribuição, na
forma das respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação pública,
observado o disposto no art. 150, I e III.
Parágrafo único. É facultada a cobrança da contribuição a que se refere o caput, na
fatura de consumo de energia elétrica.
É um caso claro em que a mera alteração do nomen juris do instituto está se prestando
a legitimar algo que, na essência, não é constitucional. Contudo, o dispositivo está vigente, e
as contribuições desta sorte estão instituídas.
As questões controvertidas que permeiam a contribuição para o fomento da
iluminação pública residem, em síntese, em dois pontos: determinar-se a constitucionalidade
do instituto trazido; apontar-se a exata natureza do tributo pretendido pelo constituinte.
Segundo Leandro Palsen, não há como o legislador, no exercício de sua atividade originária
ou mesmo no exercício do poder constituinte derivado, alterar o conceito constitucional de
tributo seja expressa ou implicitamente. Trata-se de garantia constitucional que refere à
segurança jurídica. Para Ives Gandra, em resumo, a EC 39/02 não é inconstitucional, mas
não teria qualquer utilidade, eis que nada mais faz do que alterar a nomenclatura do tributo,
mantendo-lhe a essência irregular.
Pela simples leitura do artigo 149-A da CRFB se vê que este é extremamente carente,
limitando-se a definir o fato gerador, que se supõe ser a prestação do serviço de iluminação,
e facultar que a sua cobrança se dê por meio da fatura de consumo de energia elétrica.
São as contribuições para o custeio do serviço de iluminação pública. O serviço de
iluminação pública não poderia ser remunerado por taxas. Serviços públicos indivisíveis
devem ter recursos arrecadados a título de impostos. Por isso, foi declarada a
inconstitucionalidade da taxa de iluminação pública.
Súmula 670, STF. O serviço de iluminação pública não pode ser remunerado
mediante taxa.
Posteriormente, contudo, o Congresso, com a EC 39/02, incluiu o art. 149-A na CRFB
para permitir que os Municípios e o DF instituíssem contribuição sobre o serviço de

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iluminação pública por lei própria. O STF chancelou a constitucionalidade da COSIP. A
arrecadação da contribuição é vinculada ao custeio do serviço de iluminação pública, sendo
ilegítima qualquer tredestinação. Contudo, trata-se de um verdadeiro imposto travestido de
contribuição.
O STF já se manifestou no sentido de que não fere o princípio da isonomia restringir
os contribuintes da COSIP aos consumidores de energia elétrica, pois não há como se
identificar todos os beneficiários do serviço de iluminação pública. A progressividade da
alíquota conforme o consumo mensal da energia elétrica não afronta o princípio da
capacidade contributiva (RE 573.675/SC).

8. “Taxas” e Agências Reguladoras


Para alguns autores, temos as “taxas” das agências reguladoras. Com relação aquilo
que se cobra das empresas fiscalizadas pelas agências reguladoras, ora é caracterizado como
contribuição de intervenção no domínio econômico, ora é caracterizado como taxa, ora como
uma exação contratual.
Quando estivermos diante de agência reguladora estadual, como caracterizar essa
exação como contribuição de intervenção no domínio econômico, se o ente não tem
competência? Quanto à natureza contratual, de sorte que a cobrança visa remunerar os
serviços de fiscalização do cumprimento de normas contratuais ou legais, algumas pessoas
costumam dizer, por conta disso, que ostenta natureza contratual. Mas, a professora Vanessa
não concorda e entende que isso é poder de polícia.
O professor Ricardo Lobo Torres diz que tudo aquilo que serve para financiar as
atividades desempenhadas por agência reguladora deve ser caracterizado como taxa.
Exemplo 01: taxa de fiscalização da CVM.
Exemplo 02: taxa de saúde suplementar (insucesso de intervenção direta de entrega
de serviço médico). Instituída pela Lei nº 9.961/01.
A CRFB é mais pródiga na previsão de direitos sociais, havendo uma falência do
Estado, não se incumbindo da integralidade dos anseios da sociedade. O Estado pecou na
entrega direta de prestação de serviços médicos, então ele passou a intervir indiretamente. O
Estado teve que criar órgãos/agências reguladoras incumbidos de controlar os planos de
saúde.
O Estado passou a intervir nesse domínio, fiscalizando as empresas de plano de saúde,
agindo indiretamente. Por isso, tivemos o florescimento de empresas de plano de saúde.
O Estado gasta um dinheiro com a fiscalização, tendo que se remunerar. Seria ridículo
que a fiscalização fosse sustentada pelos impostos, pois passaríamos o ônus para a sociedade
inteira, até para aqueles obrigados a se utilizarem do SUS. Respeita-se a divisibilidade e a
especificidade. Portanto, não são contribuições de intervenção no domínio econômico
(posição majoritária).

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