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Edno Magalhães
Cátia Sousa Govêia
Nádia Maria da Conceição Duarte
Carlos Eduardo Lopes Nunes
ANESTESIA INALATÓRIA
SBA
Sociedade Brasileira de Anestesiologia
Rio de Janeiro
2010
Copyright© 2010 by Sociedade Brasileira de Anestesiologia
Todos os direitos reservados à SBA
Editores
Edno Magalhães
Cátia Sousa Govêia
Nádia Maria da Conceição Duarte
Carlos Eduardo Lopes Nunes
Editoração Eletrônica
Ito Oliveira Lopes
Wellington Luís Rocha Lopes
Capa
Maria de Las Mercedes G. Martin de Azevedo
Marcelo Azevedo Marinho
Colaboradores
Maria de Las Mercedes G. Martin de Azevedo
Marcelo Azevedo Marinho
Rodrigo Ribeiro Matos
José Bredariol Junior
Teresa Maria Maia Libório
ISBN 978-85-98632-10-0
Vários colaboradores.
CDD - 617-96
Edno Magalhães
TSA-SBA
Diretor do departamento Científico da SBA
Responsável pelo Centro de Ensino e Treinamento de
Anestesiologia da Universidade de Brasília
Professor Pesquisador Pleno Associado da Universidade
de Brasília
4. Sistemas de Administração
Edísio Pereira________________________________________ 43
5. Anestesia Geral Balanceada
Luiz Fernando de Oliveira______________________________ 67
Anestesia Inalatória
Edno Magalhães
Introdução
Até o século XIX, o que o homem mais desejou, entre todas as coi-
sas, foi aprender a controlar a dor. Em 1846, oficialmente no dia 16 de
outubro, médicos e dentistas deram à humanidade o que possivelmente
representa a mais fantástica descoberta entre todas as ciências: a Aneste-
sia. Esse grande presente não caiu do céu.
No início da década de 1840, os efeitos do éter dietílico e do óxido
nitroso já eram bem conhecidos. Humpry Davy descreveu os efeitos into-
xicantes do óxido nitroso no livro Researches Chemical and Philosophical:
Chiefly Concerning Nitrous Oxide.
O éter, que foi sintetizado pela primeira vez em 1500, já tinha de-
monstrado reduzir a ânsia de ar dos asmáticos. Por esse tempo, essas
drogas já eram bem conhecidas dos estudantes de medicina como intoxi-
cantes.
Em março de 1842, um médico de área rural,Crawford Long, usou
éter para anestesiar o paciente James Venable, submetido a cirurgia para
retirar tumores da parte posterior do pescoço. Long cobrou do paciente
dois dólares pelo serviço, dando início, assim, à anestesia como parte de
um serviço profissional. Devido às características da sua prática rural, Long
perdeu as anotações da maioria dos seus casos, ficando sem possibilidade
para estudos sobre o éter.
Em 1844, Horace Wells, um dentista de Connectcut, tentou a idéia
de anestesiar a si mesmo com óxido nitroso para que o seu assistente lhe
extraísse um dente, o que ocorreu sem dor alguma. Logo, Wells começou
a oferecer “odontologia indolor” como parte da sua prática profissional.
Tentou então demonstrar no Massachussetts General Hospital, ainda em
1844, uma extração dentária sem dor mas o paciente gemeu, e a anestesia
foi considerada um fracasso.
Em 16 de outubro de 1846, um dentista estudante de medicina,
Willian Thomas Green Morton, realizou uma anestesia cirúrgica com éter
no paciente Gilbert Abbott para remoção de um tumor na mandíbula, sendo
a operação realizada com sucesso e sem nenhuma dor. Os médicos que
assistiram à anestesia ficaram tão impressionados com o milagre da ope-
ração sem dor que expediram cartas para colegas do mundo inteiro. Aonde
essas cartas chegaram despertaram entre os médicos o desejo de apren-
der a fazer anestesia.
13
Em 19 de dezembro de 1846, foi feita a primeira anestesia na Ingla-
terra, para extração de um dente.
Em 21 de dezembro de 1846, foi realizada, também na Inglaterra,
sob anestesia com éter, uma amputação de perna, sem dor.
No início de 1847, anestesias já estavam sendo feitas em muitos
países da Europa, e no mês de junho desse mesmo ano já se praticava
anestesia na Austrália. Em 04 de outubro de 1847, um médico missionário
fez a primeira anestesia na China.
Para a cirurgia, a anestesia abriu a possibilidade de grande aperfeiço-
amento das técnicas cirúrgicas. Passou a ser possível a exploração de ca-
vidades viscerais por horas, o que antes tinha que ser feitos em segundos.
A praticidade de administração inalatória do éter tornou-se um verda-
deiro ponto de partida para todas tentativas que se seguiram na busca por
drogas que pudessem, por via inalatória, abolir a dor (analgesia) e fornecer
condições operatórias favoráveis como droga única.
Na Inglaterra, um médico de Londres de nome John Snow interes-
sou-se muito pelo novo estado de anestesia. Começou então estudar as
propriedades, físicas e químicas do éter. Ainda em 1847 desenvolveu um
E-Book de Anestesia Inalatória
14
inalador para o clorofórmio, Snow preferiu não induzir o estado pleno de
anestesia na rainha. Empenhou-se e conseguiu prover uma situação de
analgesia para a rainha, usando então uma forma de analgesia obstétrica,
que passou a ser chamada de clorofórmio a La Reine, que persistiu em uso,
sob várias formas, durante todo o século seguinte.
Independentemente dos seus estudos sobre a física dos anestési-
cos inalatórios, Snow passou a estudar com bastante interesse os resul-
tados das anestesias. Estudou incessantemente todos os relatos sobre
mortes em anestesia.
Snow escreveu interessantemente sobre a morte da paciente Han-
nah, vítima da primeira morte sob anestesia no mundo. No seu livro On
chloroform and other anesthetics publicado em 1858, Snow comentou ex-
tensamente a fisiopatologia encontrada nas primeiras 50 mortes ocorridas
sob anestesia com clorofórmio. O seu espírito aguçado de investigação
clínica e os conhecimentos de alto nível sobre achados fisiopatológicos na
morte ajudaram-no bastante a entender a natureza do processo anestésico
e dos agentes que produzem insensibilidade. Com a sua mente inquiridora
e espírito de pesquisa, Snow criou os verdadeiros alicerces para uma es-
pecialidade.
Anestesia Inalatória
Com a morte prematura de Snow, a anestesia caiu no segundo pla-
no da medicina. Entretanto, nas grandes cidades, um número cada vez
maior de médicos tinham a maior parte de sua renda oriunda da prática da
anestesia. À medida que aumentavam as cirurgias, aumentava também a
necessidade de anestesia. Infelizmente, a mortalidade também aumentou
muito, passando a ser um importante problema. O clorofórmio aparecia
como o principal responsável pelas mortes que pareciam inexplicáveis. O
éter mostrava-se mais seguro, apesar dos efeitos colaterais como náuseas,
vômitos e indução mais demorada em relação ao clorofórmio. Isso fez com
que o éter fosse considerado o agente quase ideal ou menos que o ideal
àquela época. Por isso, durante aproximadamente um século procurou se
por um agente único ideal para substituir o éter. Essa preocupação resul-
tou na síntese dos modernos e mais seguros agentes, halogenados como
o clorofórmio, representados a partir do século XX por aproximadamente
treze agentes anestésicos colocados em uso clínico nos últimos 90 anos,
passando pelo tricloro etileno até chegar-se, após 1950, aos conhecidos
halotano, metoxiflurano e enflurano. E até os agentes recentes e em uso
clínico atual isoflurano, sevoflurano e desflurano. Importante notar que uma
das principais propriedades procuradas nesses agentes como importante e
necessária para a segurança era a baixa solubilidade sanguínea. Isso pode
explicar a permanência em uso, por mais de 160 anos, do óxido nitroso.
A procura pela explicação da mortalidade maior pelo clorofórmio e de
15
possíveis substitutos para ele foi importantíssima para a anestesia. Essa
procura criou entre os médicos o interesse pelo estudo da anestesia e a
preocupação em aumentar a segurança do paciente. Essa preocupação, fe-
lizmente, está presente até os dias atuais na prática dos bons profissionais
da anestesiologia.
No final do século XIX, a maioria dos médicos já era acorde quanto
à necessidade de prática especializada da anestesia. Em 1908, a Asso-
ciação Médica Americana criou uma comissão para estudar a situação da
anestesia.
As conclusões dessa comissão podem ser assim resumidas:
1 - Para os médicos em geral e anestesistas não especializadamente
treinados, o éter deveria ser o anestésico de escolha.
Perspectivas
16
retroalimentação do efluente do vaporizador a partir das medidas teleex-
piratórias dos agentes inalatórios. Isto somado à capacidade de controle
sensivelmente melhor da anestesia inalatória pelas medidas das concen-
trações in e expiradas dos agentes, acrescenta uma dose de segurança
relevante à anestesia geral. No futuro, as técnicas de alvo controle deverão
assumir posição dominante na administração da anestesia geral. A aneste-
sia servo-controlada aguarda a introdução de um sinal confiável e universal
de profundidade da anestesia para sua implantação clínica generalizada.
Os monitores de profundidade da anestesia atualmente em uso empregam
o controle isolado de hipnose como substituto do contexto geral de aneste-
sia, o que não é completamente satisfatório.
A monitorização, com o seu progresso é extremamente válida para
a anestesia geral. A medida da função respiratória e a eletrocardiografia já
são realizadas com excelente tecnologia. Já estão disponíveis oxímetros
com utilização de maior número de comprimento de onda, permitindo medir
a concentração de carboxihemoglobina e também de metahemoglobina. Fal-
ta ainda um monitor não invasivo e de simples instalação que acompanhe
as variações do débito cardíaco de modo contínuo.
O impacto do estudo de farmacogenômica sobre a medicina e a anes-
Anestesia Inalatória
tesiologia em particular será fantástico. As mudanças de dinâmica neuronal
relacionadas com a passagem do estado de estesia para o de anestesia
continuam ignorados. Espera-se que a identificação da constituição protéi-
ca dos rececptores vá em frente e permita uma interpretação mais objetiva
das diferentes ações dos anestésicos.
Quando for possível identificar a constituição protéica dos receptores
responsáveis pelo estado de anestesia, será igualmente possível realizar
a síntese de novos fármacos específicos. O anestesiologista poderá prever
todo o desenrolar da anestesia e garantir completa segurança ao paciente.
O tempo para isso será mais demorado do que se deseja. Entretanto, ao
ser alcançado, permitirá um novo patamar de segurança na anestesia.
Os anestésicos voláteis são capazes de pré condicionar diretamente
ou aumentar indiretamente o pré condicionamento isquêmico, resultando
em proteção contra a lesão de isquemia- reperfusão.
Este efeito é denominado pré condicionamento anestésico, cujo me-
canismo ainda não está completamente elucidado, mas parece mimetizar
aquele do precondicionamento isquêmico. Nos últimos anos, um grande
número de estudos experimentais indica que os anestésicos voláteis con-
ferem proteção contra as alterações provocadas pela isquemia miocárdica.
Este efeito protetor não tem sido simplesmente explicado pelas alte-
rações no fluxo coronariano ou na relação oferta/consumo de oxigênio pelo
miocárdio. Os estudos mostram que os anestésicos voláteis apresentam
17
efeitos diretor cardioprotetores. Estes efeitos resultam em proteção contra
a lesão isquêmica reversível e irreversível.
Por aproximadamente cem anos, procurou-se por drogas que isola-
damente como o éter e o clorofórmio fossem capazes de produzir todos os
componentes desejáveis da anestesia geral, sem efeitos colaterais. Agora,
com a proximidade dos procedimentos de servo e autocontrole e a dis-
parada de conhecimentos da farmacogenômica em relação à constituição
protéica de receptores ocorrem indicações bastante sugestivas de que a
anestesia inalatória se distanciará ainda mais de outras técnicas em ter-
mos de qualidade, segurança e melhor controle.
Referências Bibliográficas
18
Capítulo 2
Introdução
19
PA Pa Pbr
?
?
Onde PA = pressão parcial alveolar, Pa = pressão parcial arterial e Pbr
= pressão parcial cerebral. Assim sendo, após o equilíbrio a PA irá refletir
a pressão parcial cerebral. A PA é utilizada como índice de profundidade
anestésica, recuperação da anestesia e potência anestésica, descrita co-
mumente como CAM (concentração alveolar mínima).
Os fatores determinantes da PA são: a pressão parcial administrada
no fluxo de gases frescos, também descrita como fração inspirada, a ven-
tilação alveolar, as características do sistema ventilatório utilizado, a capa-
cidade residual funcional, o coeficiente de partição sangue-gás (l), o débito
cardíaco e diferença de pressão parcial alvéolo-venosa.
Quanto maior for a pressão parcial administrada, menor o tempo
para se atingir o equilíbrio, uma vez que uma fração inspirada alta com-
pensa a captação do anestésico pelo sangue. Isto é chamado efeito da
concentração do anestésico. No início da indução, a fração inspirada deve
ser alta para acelerar a indução anestésica e depois reduzida a níveis dese-
E-Book de Anestesia Inalatória
20
compensa esta diluição e se contrapõe ao efeito tampão do volume do
sistema. Finalmente, se o agente é solúvel nos componentes de borracha e
plástico do sistema, haverá uma diminuição da oferta do agente, retardan-
do o aumento da PA.
O coeficiente de partição descreve a razão de distribuição do anesté-
sico entre duas fases distintas, sangue/gás por exemplo. É um descritor de
solubilidade e pode ser definido entre o gás alveolar e sangue, bem como
sangue e diferentes tecidos. O coeficiente de partição sangue-gás descreve
a solubilidade do agente no sangue. Quanto maior o coeficiente de partição
sangue-gás, maior a solubilidade no sangue. Se a solubilidade no sangue
é alta, o agente tende a passar rapidamente para o sangue, sendo retirado
em grandes quantidades do alvéolo. Assim, irá demorar mais tempo para
21
O débito cardíaco influencia a captação por carrear maior ou menor
quantidade do agente do alvéolo. O aumento do débito cardíaco resulta
em maior captação, dificultando o aumento da PA, aumentando o tempo
de equilíbrio. A diminuição do débito cardíaco causa o efeito inverso. Este
efeito é mais evidente com os agentes mais solúveis como o halotano.
Como a maioria dos agentes voláteis causa depressão do miocárdio em
maior ou menor grau, após algum tempo começa a ocorrer diminuição da
captação do agente, provocando aumento súbito da PA, diminuindo o tempo
de indução anestésica. Com os agentes pouco solúveis este efeito quase
não é percebido, pois o equilíbrio ocorre antes que a diminuição do débito
cardíaco tenha um efeito significativo sobre a captação do agente.
A diferença alvéolo-venosa reflete a captação tecidual do anestésico.
A captação tecidual afeta a captação nos pulmões pelo controle da taxa de
aumento da pressão parcial no sangue venoso. Os fatores que determinam
a fração do anestésico removido do sangue pelos tecidos são paralelos
àqueles que determinam a captação nos pulmões, como solubilidade teci-
dual, fluxo sanguíneo, e diferença de pressão parcial arterial/tecidual. Os
tecidos ricamente vascularizados têm uma captação inicial mais rápida e
E-Book de Anestesia Inalatória
Farmacodinâmica
22
doses a serem administradas, uma vez que pela via inalatória não é possível
medir a dose em miligramas ou gramas. Com isto se estabelece quantidades
relativas para se atingir pontos específicos a serem atingidos ou não durante a
sua administração. Daí foram derivados outros conceitos como a CAM awake,
que é a concentração alveolar mínima na qual o paciente perde a capacidade de
responder verbalmente, e a CAMbar, que seria a CAM na qual ocorre bloqueio
das resposta autonômicas à incisão cirúrgica. A DE95, ou seja, a CAM que inibe
a resposta motora em 95% dos pacientes corresponde a 1,3 CAM. A tabela II
descreve a CAM para os diferentes agentes voláteis, entre as idades de 30 a 55
anos, temperatura de 370C, sob pressão barométrica de uma atmosfera.
Tabela II
23
do a menor aporte de sangue e consequentemente, de oxigênio ao cérebro.
Todos aumentam o fluxo sanguíneo cerebral devido à vasodilatação, fenô-
meno que é independente da redução do metabolismo cerebral. Entretanto,
é bem estabelecido que o isoflurano provoca alteração pouco significativa
do fluxo sanguíneo cerebral. De modo geral, todos alteram a autorregulação
do fluxo sanguíneo cerebral, de tal forma que em doses mais altas o fluxo
passa a ser passivo e regulado pela pressão cerebral. O sevoflurano não
afeta a autorregulação, se administrado até uma CAM.
O desflurano, sevoflurano e isoflurano diminuem a pressão arterial
por redução da resistência vascular periférica. O halotano causa depres-
são do miocárdio de modo dose dependente. O desflurano pode causar
taquicardia quando a fração inspirada é aumentada rapidamente para 6%,
fato que pode ser atenuado pela administração de opióides. Sevoflurano e
isoflurano são capazes de produzir cardioproteção via pré condicionamento
miocárdico.
Todos os agentes inalatórios deprimem a ventilação, elevam a PaCO2
e alteram a curva de resposta ventilatória ao CO2. Todos diminuem o tônus
da musculatura brônquica. Isoflurano e desflurano têm odor punjente e po-
E-Book de Anestesia Inalatória
24
anestesia pela ação das drogas em um único local do sistema nervoso cen-
tral. Seria pois, o resultado da ação em diversos locais do SNC e atingindo
alvos moleculares variados. Provavelmente, ocorrem alterações funcionas
dos canais iônicos, e da transmissão sináptica, que em última análise re-
sulta no fenômeno da anestesia. Muito há que ser investigado até ser pos-
sível elucidar os principais mecanismos de ação dos agentes anestésicos.
Referências:
25
Capítulo 3
Anestésicos Inalatórios:
Mecanismo de Ação
Introdução
• Meyer-Overton
• Volume Crítico (Mullins)
• Receptor Proteico
• Receptor GABAA
• Receptores de Glicina
• Dois Poros de Canal de Potássio
27
Dessa forma, a anestesia geral inalatória pode ser definida como
a indução medicamentosa da perda reversível da consciência de maneira
dose dependente (perda de responsividade - alteração da cognição). Torna-
se importante salientar que não deve ser confundida a função consciência
com a função memória, seja ela implícita ou explícita. Por exemplo, um
paciente pode não ter nenhum indício de memória do período transopera-
tório, mas pode, potencialmente, estar consciente durante todo o procedi-
mento4,5.
Estudo recente caracterizou de maneira cronológica a evolução do
processo de entendimento dos mecanismos da anestesia geral, que podem
ser descritos da seguinte forma6:
- 1937- Guedell classificou os planos de anestesia pelo éter (sem uso
de bloqueadores neuromusculares) – níveis baseados em respostas autonô-
micas e motoras secundárias ao estímulo nociceptivo;
- 1949 - Morris classificou a anestesia cirúrgica como leve, média e
profunda;
- 1957 - Woodbridge descreveu quatro elementos no fenômeno anes-
tesia: componente sensorial aferente (analgesia), motor eferente (relaxa-
E-Book de Anestesia Inalatória
28
Farmacocinética e Farmacodinâmica dos Agentes Anestésicos Inalatórios
Figura 1 – Níveis de atividade farmacodinâmica dos anestésicos inalatórios (Adap-
tado de Nunes, RR. 6).
29
o indivíduo anestesiado: hipnose (amnésia – prevenção da consciência) e
imobilidade (ausência de resposta motora ao estímulo nociceptivo).
30
mesmo durante uma predominante e real atividade eletroencefalográfica
lenta d. Esse dado é de vital importância devido ao fato de que os agonistas
dos receptores gama-aminobutírico - tipo A (GABAA) induzem a geração de
baixa atividade elétrica (14Hz), refletindo o seu efeito inibitório menos do
que a inibição sugerida pela análise da SEF90 ou pela análise da frequência
média (sensibilidade do elemento de análise da atividade elétrica).
Assim, o estudo acima descrito pode ser considerado frágil na sua
conclusão final, de que os anestésicos gerais inalatórios induzem a diminui-
ção na atividade cortical de maneira totalmente independente da velocidade
e intensidade da atividade elétrica de localização sub-cortical (tálamo).
O momento (timing) em que acontecem as alterações elétricas ce-
rebrais é o principal fato que suporta a proposta do envolvimento primário
31
envolvido na regulação da relação consciência/inconsciência. Assim, é pro-
posto que a geração da inconsciência durante a anestesia inalatória é de
origem talâmica.
O estudo acima apresenta algumas controvérsias, entre elas podem
ser citadas as seguintes11:
- O bloqueio colinérgico dessa região não reduz as necessidades
anestésicas do sevoflurano (visto acima);
- O despertar de cobaios destituídos de receptores b2 nicotínicos não
evidencia alteração no requerimento de anestésicos inalatórios para a gera-
ção de inconsciência;
- Os antagonistas colinérgicos não produzem inconsciência.
É importante ressaltar que, apesar desse estudo ter sido muito bem
projetado metodologicamente, o núcleo mediano central do tálamo pode não
ser o principal sítio de ação dos anestésicos gerais como proposto na teoria
colinérgica da anestesia inalatória.
O fenômeno da anestesia geral pode ser efetivado através do blo-
queio do despertar (induzir a inconsciência) por inibição de células presentes
no núcleo medial do tálamo. Entretanto, essa proposição negligencia as
E-Book de Anestesia Inalatória
32
a excitabilidade das vias neuronais tálamo-corticais. Na concepção de vários
pesquisadores, esse fenômeno está intimamente relacionado com o estado
consciente/inconsciente durante a anestesia inalatória, integrando a ativida-
de elétrica entre as estruturas corticais e talâmicas (sub-corticais).
Anátomo-fisiologicamente, o tálamo é constituído de três tipos de
neurônios interativos:
• Axônios de projeção cortical direta;
• Neurônios núcleo reticulares (que interagem através de sinapses
com células tálamo-corticais excitáveis, constituindo o sistema de
controle feedback GABAérgico inibitório);
• Neurônios talâmicos internos não interativos.
Os núcleos tálamo-corticais ativáveis são constituídos de neurônios
33
• O desacoplamento funcional nessa região é acompanhado de per-
da da consciência.
Quando a anestesia inalatória é interrompida ou sua profundidade
superficializada (intencionalmente ou não), as alças tálamo-córtico-talâ-
micas começam a reverberar em sua atividade, resultando na detecção,
pelos neurônios piramidais, de estímulos interpretados como episódios
de memória de fatos no período de recuperação ou superficialização anes-
tésica. Dessa forma, a inibição de neurônios corticais e das projeções
tálamo-corticais difusas não específicas é importante na relação limiar
entre a consciência e a inconsciência. O fechamento dos “portões” do
sistema neuronal de projeções difusas do tálamo pode induzir a perda de
consciência.
34
os quais podem, entretanto, não expressar somente a ação dos anestésicos
inalatórios sobre neurônios corticais. Esse tipo de situação pode também re-
fletir uma atividade farmacológica inibitória sobre o sistema reticular ativador
ascendente e “portões” talâmicos, enfraquecendo a hipótese anteriormente
citada.
Estudos13 tomográficos com emissão de pósitrons e de ressonância
magnética funcional recentes associados a estudos eletroencefalográficos e
potenciais evocados podem de maneira segura identificar as estruturas alvo
responsáveis pela atividade farmacodinâmica da geração de inconsciência
por parte dos anestésicos inalatórios.
A Figura 212, com base em evidências científicas, apresenta de ma-
neira diagramática os princípios neurofisiológicos da ação farmacodinâmica
35
3. Bloqueio da inibição sobre o núcleo reticularis talâmico pela de-
pressão da formação reticular ativadora. Isso resultaria no fecha-
mento dos portões talâmicos, principalmente pela hiperpolariza-
ção mediada pela ação inibitória GABAérgica, elevando a atividade
elétrica de frequência q;
4. Bloqueio das reverberações tálamo-córtico-talâmicas e da percep-
ção através das alças talâmicas, com diminuição das frequências
gama;
5. Desacoplamento parieto-frontal, com bloqueio da cognição;
6. Depressão da córtex frontal.
Figura 3 - Diagrama das interações entre as várias regiões cerebrais envolvidas na con-
dução central dos estímulos sensoriais (vide descrição no texto – adaptado de Schneider
e Kochs14.)A Figura 314 resume as teorias sobre as estruturas e mecanismos envolvidos
na atividade geradora de inconsciência por anestésicos inalatórios. O diagrama ilustra a
via de transmissão neuronal do estímulo somatossensorial através da formação reticular
ascendente medular alta e tálamo até a córtex cerebral. Os trabalhos que originaram esse
diagrama sugerem que as alças córtico-corticais e tálamo-corticais (CT-TC) representadas
são essenciais para o entendimento do processo de percepção cerebral, e consequente-
mente, para geração da consciência.
36
reverberação). A supressão direta da atividade de células corticais pelos
anestésicos inalatórios (em vermelho) induz a perda da consciência (= teoria
da atividade cortical dos anestésicos inalatórios). Esse mecanismo pode
ser revertido pela estimulação nicotínica da formação reticular ativadora (em
verde), que reabre os portões talâmicos, permitindo o tráfego de potenciais
elétricos em direção a córtex cerebral, propiciando o despertar (conciência)
(= teoria talâmica e tálamo-cortical).
Fenômeno da amnésia
37
área do sistema nervoso central, o giro do cíngulo e o núcleo médio dorsal
do tálamo podem também estar envolvidos nesse processo.
Não existem pesquisas desenvolvidas em humanos que tenham ava-
liado a extensão dos efeitos através dos quais os agentes anestésicos ina-
latórios atuam sobre a memória dos pacientes submetidos a anestesia,
pois esse fenômeno certamente envolve interligações de vários níveis da
neo-córtex. O estudo dos efeitos desses agentes sobre a fisiologia do sis-
tema límbico está ainda aguardando pelo progresso técnico da imagem de
ressonância magnética funcional ou da avaliação elétrica com eletrodos po-
sicionados de maneira intra-cerebral.
É importante salientar que os estudos atuais avaliam somente even-
tuais casos de memória explícita, sem nenhuma intervenção em relação à
memória implícita. Nessa área da pesquisa, existem evidências de que a
formação da memória implícita pode acontecer mesmo quando a consciên-
cia não está presente.
38
Esse tipo de resposta pode ser mediada por vias aferentes sensoriais, efe-
rentes motoras ou pela participação de interneurônios medulares.
No sentido de identificar uma via neuronal comum para explicar cienti-
ficamente a resposta motora evocada por estímulo nociceptivo, surge como
uma das possibilidades a depressão de receptores associados a neurônios
motores, tanto por efeito pré ou pós-sináptico na neurotransmissão excita-
tória ou inibitória.
Experimentos21 desenvolvidos em animais de laboratório evidencia-
ram que as ações dos anestésicos inalatórios sobre o cérebro não reque-
rem a inibição das respostas motoras aos estímulos algogênicos. Tem sido
mostrado em ratos anestesiados com agentes inalatórios que a transec-
ção da medula espinhal cervical não altera a concentração alveolar mínima
39
diferente do sinergismo farmacológico, o qual depende de múltiplos e
diferentes sítios de ação.
A comunidade científica identifica uma série de prováveis sítios espe-
cíficos para justificar o substrato anatomo-fisio-farmacológico responsável
por esse tipo de mecanismo de ação dos anestésicos inalatórios. Esses in-
cluem os portões quimio-dependentes e os portões voltagem dependentes.
Após extensa e consistente pesquisa experimental, podem ser citados os
seguintes: receptores de GABA, glicina, acetilcolina (neuronal nicotínico), glu-
tamato (NMDA e AMPA-kainato), opioides, adrenérgicos, serotoninérgicos,
além da óxido nítrico sintetase (NOS), óxido nítrico, canais de potássio e
sódio e fendas juncionais. Os resultados atuais desse grupo de pesquisas
sobre as possibilidades reais do envolvimento dos mediadores quimio-de-
pendentes ou voltagem-dependentes no processo de imobilidade permitem
concluir que nenhuma das duas opções pesquisadas é capaz de explicar
com total coerência o fenômeno de uma maneira global, somente através de
mínimas participações individualizadas.
Canais de sódio como uma possibilidade de mediador da imobilida-
de23,24,25: os canais de sódio surgem como uma possibilidade de alvo para a
E-Book de Anestesia Inalatória
40
Um trabalho28 experimental sugere que os anestésicos inalatórios po-
dem agir na interfase da membrana dupla citoplasmática neuronal por mo-
dificação do padrão de pressão intersticial e, consequentemente, alteração
da função de proteínas constituintes nessa estrutura.
Alguns autores29 propõem outro tipo de teoria, utilizando elementos do
velho postulado de Meyer e Overton. Sugerem a possibilidade de que o vapor
de água natural forma bolhas em pequenos túbulos (canais iônicos) e que
essa ação possa interferir no fenômeno de regulação da condução nervosa,
pela alteração da fisiologia desses canais. Os anestésicos inalatórios podem
influenciar a formação de bolhas, alterando a condução neuronal e, teorica-
mente, gerar anestesia.
Referências bibliográficas
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42
Capítulo 4
Sistemas de Administração
Edísio Pereira
Classificação
43
dem ser genericamente classificados como sistemas com reinalação parcial,
uma vez que apenas uma fração variável do volume expirado é reinalado.
Dentro de uma análise estritamente funcional, a pedra angular é a
eliminação do gás carbônico do sistema, o que pode ser obtido por:
Administração de um adequado fluxo de admissão.
Uso de um absorvedor de CO2.
Sistema circular
44
FIGURA 1 - Válvula de Ruben e desenho esquemático da válvula nas posições ins-
piratória e expiratória.
Sistemas de Administração
FIGURA 2 - Sistema sem reinalação com válvula de Ruben (A), tubo corrugado (B) e
balão reservatório (C). A válvula encontra-se em posição expiratória.
FG – fluxo de admissão
45
os diferentes sistemas leva em consideração a porta de entrada do fluxo de
admissão e o ponto de escape dos gases para a atmosfera. Possuem em
comum os mesmos componentes cujos arranjos determinam suas carac-
terísticas funcionais (Figura 3). O desempenho desses sistemas quanto à
eliminação do gás carbônico é altamente dependente de um adequado fluxo
de admissão (Figura 4). Isto é, a magnitude do fluxo de admissão determina
o percentual de gás alveolar no próximo volume corrente.
Do ponto de vista descritivo distinguem-se três grupos funcionais na
classificação de Mapleson: Grupo A; Grupo B, C; Grupo D, E, F. Como mos-
tra a Figura 4, a distribuição dos gases no interior desses sistemas sofre
modificações relacionadas aos arranjos dos seus componentes.
E-Book de Anestesia Inalatória
46
Sistemas de Administração
FIGURA 4 - Distribuição dos gases durante ventilação espontânea e controlada nos
circuitos de Mapleson A - F. Grupos: grupo A; grupo B e C; grupo D, E, F. (Copiado
de Miller RD (ed) – Miller’s Anesthesia, 6ª Ed, Philadelphia, Elsevier, 2005; Figura
9-20; 294.)
47
o balão encontra-se parcialmente vazio. Inicia-se a expiração e os gases
exalados (espaço morto e alveolar) deslocam-se ao longo do tubo corrugado
em direção ao balão, o qual é continuadamente preenchido pelo gás do flu-
xo de admissão. A pressão se eleva gradativamente no interior do sistema,
até abrir a válvula de escape durante a parte final da expiração, e elimina
preferencialmente gás alveolar, enquanto conserva gás fresco e gás do es-
paço morto anatômico (Figura 4, A). O próximo volume inspirado é composto
por gás do espaço morto e gás fresco, acumulados no tubo corrugado e no
balão durante a pausa expiratória. A reinalação de gás do espaço morto
anatômico não interfere nas trocas gasosas por não conter CO2. Assumindo
que não há mistura longitudinal dos gases, o gás do espaço morto e o gás
fresco somente serão eliminados após o gás alveolar. Isto é, a prevenção
da reinalação é função da magnitude do fluxo de admissão. Seu valor teó-
rico é igual à ventilação minuto 2. Em estudos clínicos, não ocorreu reinala-
ção com um fluxo de admissão igual à ventilação alveolar 4,5. Este fluxo é
limítrofe e aumenta a vulnerabilidade do sistema para a reinalação, embora
esteja trabalhando dentro de sua máxima eficiência teórica.
E-Book de Anestesia Inalatória
Ventilação Espontânea
Fluxo de admissão = 0,7 x ventilação minuto
Mapleson B e C
48
Sistemas de Administração
FIGURA 5. - Arranjo do sistema Mapleson A (Magill). Acima, modo de funcionamento
do sistema de Magill durante ventilação espontânea.
FG – Fluxo de admissão
49
FIGURA 6. Desenho dos sistemas B e C de Mapleson.
P – paciente ; FG - fluxo de admissão
Sistemas de Mapleson D, E e F
E-Book de Anestesia Inalatória
50
reservatório (sistemas D e F), de onde parte da mistura (gás expirado
+ fluxo de admissão) é eliminada. Durante a pausa expiratória o fluxo
de admissão contínuo preenche a porção proximal do tubo corrugado.
A possibilidade de reinalação passa a ser decorrente da interação de
diferentes fatores: fluxo de admissão, volume corrente, pausa expirató-
ria, modo de ventilação (espontânea ou controlada) e produção de CO2
(Figura 7).
Mapleson D
Sistemas de Administração
51
abertura da válvula. Como esta válvula permanece fechada na parte inicial
da expiração, a primeira porção do gás expirado (espaço morto) acumula-se
no balão reservatório; quando a válvula se abre, o gás eliminado consiste
principalmente de gás alveolar que se encontra depositado no ramo reserva-
tório, além de frações de gás do espaço morto. Na inspiração que se segue,
o volume corrente é formado por gás do fluxo de admissão contínuo, gás
fresco acumulado ao longo do ramo expiratório durante a pausa expiratória,
mais um percentual de gás alveolar remanescente e acumulado na parte
mais distal do tubo corrugado (Figura 4). O percentual de gás alveolar nessa
mistura inalada dependerá do fluxo de admissão, do volume corrente e da
duração da pausa expiratória, dos quais o único fator manipulável é o fluxo
de admissão. Nessas condições, para prevenir a reinalação recomenda-se
um fluxo de admissão maior que 2 vezes a ventilação minuto 2,5.
Durante a ventilação controlada, o fato do arranjo do sistema manter
uma distância entre a porta de entrada do fluxo de admissão (proximal) e a
válvula de escape (distal), permite uma maior eliminação de CO2. A válvula
de escape mantém-se parcialmente fechada e somente abre-se no pico
da pressão inspiratória. Durante a insuflação pulmonar o gás eliminado
E-Book de Anestesia Inalatória
Mapleson E
52
fresco se acumula no ramo reservatório na parte mais proximal ao paciente.
Logo, na inspiração que segue, não ocorre reinalação quando o fluxo de ad-
missão exceder o pico do fluxo inspiratório. Isto é, as condições para evitar
a reinalação são as mesmas citadas para o sistema D, quando praticamente
todo o gás inspirado é proveniente do fluxo de admissão. Nessas condições,
o fluxo de admissão recomendado deve exceder 2 vezes a ventilação minuto
3,5
. Com o uso de ramo reservatório com volume interno igual a 20% do volu-
me corrente do paciente, o fluxo de admissão preconizado é de 2-3 vezes a
ventilação minuto 1,9 .
Sistemas de Administração
FIGURA 9. Sistema Mapleson E mostrando o T de Ayre com ramo reservatório con-
tendo o volume interno maior do que o volume corrente. Ao lado, a distribuição dos
gases no final da expiração. (redesenhado de Sykes MK 5 .)
FG – fluxo de admissão ; P - paciente
53
E-Book de Anestesia Inalatória
Nota do autor – A figura é mantida em sua forma original, sem tradução, como apre-
sentada na publicação de Collins 9
balão reservatório com capacidade de 500 ml, com abertura para saída dos
gases, acrescido à extremidade distal do ramo expiratório; a entrada do
fluxo de admissão localiza-se na extremidade proximal. A eliminação do gás
expirado que se acumula no balão ocorre pelo rabicho, ou por um orifício
existente no corpo do balão. Tanto a abertura do rabicho como o orifício no
balão são controlados pelo operador.
Durante a expiração, o gás alveolar é direcionado para o balão, onde
se acumula em mistura com o gás do fluxo de admissão. Simultaneamente
essa mistura é eliminada pelo balão, em um crescendo, até o fim da expira-
54
ção. Segue-se a pausa expiratória, quando o gás fresco arrasta para o balão
o gás alveolar depositado no ramo expiratório. Assim, o ramo reservatório
fica preenchido por gás do fluxo de admissão. Na inspiração que se segue,
o volume inicial é formado por esse gás, mais o fluxo contínuo de gás fres-
co. Mesmo que ao final da fase inspiratória ocorra a reinalação, a mistura
estará diluída pelo fluxo de admissão contínuo e ocupará o espaço morto
anatômico. O fluxo de admissão recomendado é de 2 vezes a ventilação
minuto, em ventilação espontânea ou controlada 3. Jackson Rees (1960) 11
limita o uso para fluxos até 4 L.min-1, o que equivale aproximadamente ao
indicado para uma criança de até 20 quilos de peso corpóreo. Segundo Eger
12
, o fluxo de admissão igual a 1,5 vezes a ventilação minuto não altera o
PACO2.
Sistemas de Administração
FIGURA 11. Desenho esquemático do sistema Mapleson F (Jackson Rees). Acima,
conjunto com bolsa reservatório dispondo do rabicho e, ao lado, versão do balão
reservatório com orifício para escape dos gases.
FG – fluxo de gases ; P - paciente
Circuito de Bain
55
E-Book de Anestesia Inalatória
FIGURA 12. Movimento dos gases no sistema Mapleson F (Jackson Rees) nas dife-
rentes fases do ciclo respiratório. (copiado de Eger EI 12 .)
direção do fluxo
D
56
FIGURA 13. Desenho do circuito de Bain e do sistema Mapleson D, para compara-
ção visual.
Sistemas de Administração
FG – fluxo de admissão; V - válvula de escape
min-1 tem a mesma eficiência que o arranjo de Magill com fluxo de admissão
de 70 ml.kg.min-1 19; fluxo de admissão igual a 3 vezes a ventilação minuto
6,20
. Soliman e Laberge 21 recomendam para crianças de até 20 quilos de
peso o fluxo de admissão de 206 (± 3,5) ml.kg.min-1 para manter a PACO2
dentro dos limites da normalidade. Estas publicações sugerem que o sis-
tema de Bain não é uma boa opção para uso em ventilação espontânea,
e reflete a interação de diferentes fatores intervenientes na reinalação. Os
estudos não permitem responder definitivamente as questões:
Pode ser usado em adulto e criança?
É recomendado para uso em ventilação espontânea e controlada?
Qual fluxo de admissão para prevenir a hipercarbia?
Qual a melhor relação entre fluxo de admissão e ventilação minuto,
para produzir hiperventilação mantendo a PaCO2 normal?
57
entrada e saída dos gases: funciona como sistema Mapleson A (Magill)
se o fluxo de admissão entra via ramo lateral distal (próximo ao balão) e
a saída dos gases pelo ramo lateral proximal. Difere do sistema de Magill
pela ausência da válvula. Esse arranjo é recomendado durante ventilação
espontânea. Funciona como Mapleson F (Jackson Rees) quando a entrada
do fluxo de admissão se faz pelo ramo lateral proximal e a eliminação pelo
T distal, sendo indicado para uso em ventilação controlada (Figura 14).
E-Book de Anestesia Inalatória
Comentário
58
pediátrica ainda há espaço para sua utilização, e onde goza de muita popularida-
de. Dos arranjos apresentados, o Baraka, o Jackson Rees e o Bain são em or-
dem preferencial os de maior uso no Brasil. Em princípio, estes sistemas podem
ser usados durante ventilação espontânea e controlada. Entretanto, a prática
clínica atual prioriza a ventilação controlada manual ou mecânica, cujos critérios
de opção fogem ao escopo desta revisão. A escolha do fluxo de admissão é um
problema complexo para esses sistemas cujo perfil valoriza a simplicidade.
Na opinião do autor, na prática clínica diária da anestesia pediátri-
ca na criança saudável, torna-se necessário a adoção de um guia para a
escolha do fluxo de admissão inicial, que teoricamente evite a reinalação
24
. Paralelamente, as correções poderão ser efetuadas pela monitorização
contínua da FeCO2, o que torna apenas de interesse acadêmico os cálculos
teóricos. Entretanto, deve-se considerar a dificuldade da capnometria em
alguns equipamentos, nos casos de pequeno volume corrente e frequência
rápida, como nos recém-natos e lactentes.
Várias são as opções que não utilizam fórmulas complicadas:
Sistemas de Administração
Peso corpóreo Fluxo de admissão
Até 13,5 kg 2 L.min-1
> 13,5 kg 220 ml/kg/min
Circuito de Bain:
59
Componentes
60
canister em compartimento superior e inferior; sua função é estreitar a
passagem e desviar o caminho do gás, de maneira a impedir a formação
de canais de circulação no espaço entre os grânulos e as paredes do
canister. A cal sodada é o absorvedor mais utilizado. É composto por
80% de hidróxido de cálcio; 4% de hidróxido de sódio; 1% de hidróxido
de potássio e 14-19% de água. Uma pequena quantidade de sílica é
adicionada para tornar o grânulo mais duro, o que reduz a formação de
poeira cáustica que pode produzir queimaduras em contato com a muco-
sa. Um indicador de pH (etil violeta, fenolftaleína) é adicionado e muda
de cor com a exaustão do absorvedor, quando aumenta a concentração
de íons hidrogênio. A absorção de CO2 é uma reação química exotérmica
podendo atingir valores de até 40ºC.
Mais recentemente está disponível no mercado o hidróxido de
cálcio (Amsorb) 27 , composto de hidróxido de cálcio (83%), cloreto de
cálcio (1%) e água (14,5%). Apresenta como vantagem a ausência das
bases fortes hidróxidos de sódio e potássio, o que reduz a possibilida-
de de formação do monóxido de carbono quando em contato com des-
flurano, isoflurano, halotano e sevoflurano, ou a formação do composto
Sistemas de Administração
A com o uso do sevoflurano. Sua capacidade de absorção é reduzida de
50% e seu custo mais elevado, quando em comparação à cal sodada
25
. É também comercializado outro tipo de absorvedor (Dragersob 800
Plus), formulado com reduzida quantidade da base forte de hidróxido
de sódio (2%) e sem hidróxido de potássio.
(*) Mesh – Unidade arbitrária pelo padrão USP. Refere-se ao número de orifícios por
polegada linear em uma tela, através dos quais os grãos devem passar.
Prevenção da reinalação
61
Preservação do gás no sistema circular
Fluxo de admissão
62
Sistemas de Administração
FIGURA 16.
Absorvedor de CO2 e suas relações com os demais componentes do sistema circu-
lar. As setas indicam a direção dos gases no interior do sistema.
Análise funcional
63
E-Book de Anestesia Inalatória
FIGURA 17. Sistema circular com arranjo da válvula de escape próximo ao paciente.
Observar a maior eliminação de gás alveolar e conservação de gás do fluxo de ad-
missão e do espaço morto. (copiado de Eger 12,28 ).
D
direção do fluxo
64
Sistemas de Administração
FIGURA 18. Sistema circular com válvula de escape posicionada próximo ao balão
reservatório. Nesse arranjo, há perda de gás alveolar com gás do espaço morto,
que se misturam ao longo do tubo corrugado durante a expiração. Isso diminui a
reutilização do gás expirado. (copiado de Eger 12,28).
D
direção do fluxo
65
Referências Bibliográficas
66
Capítulo 5
Histórico
67
Durante quase um século todas as tentativas foram centradas no desenvol-
vimento de um agente anestésico ideal que pudesse substituir o éter como
agente único para anestesia inalatória pura. A perseverança nesse caminho
culminou com o desenvolvimento dos modernos anestésicos halogenados,
derivados históricos do clorofórmio, podendo se considerar como o pioneiro
dessa geração o halotano, introduzido em 1956, isto é, mais de cem anos
após a descoberta da anestesia geral.
O halotano, pelas suas características à época revolucionárias como,
rápida latência, odor agradável, despertar suave e mais rápido que o do
éter, aliado à não-inflamabilidade, destronou afinal o éter, tornando-se o
novo padrão para anestesia geral. Passados mais de cem anos da desco-
berta da anestesia geral por Long, Wells e Morton, continuava a prevalecer,
no entanto, o conceito de que uma única droga inalável poderia ser o meio
mais rápido e eficiente de se alcançar anestesia geral.
O halotano, pelo risco de eventos cardiocirculatórios indesejáveis (ar-
ritmias, parada cardíaca) e potencial risco de lesão hepática estava longe,
no entanto, de ser o agente anestésico ideal e atender aqueles objetivos.
Com o intuito de reduzir os riscos do halotano, o óxido nitroso (N2O) pas-
E-Book de Anestesia Inalatória
68
pela inexistência de recursos hospitalares suficientes para o atendimento
do enorme número de casos de trauma, o tiopental foi usado para procedi-
mentos anestésicos de emergência de pacientes que não tinham condições
de serem transportados para o hospital. Como os médicos, muitos com trei-
namento em anestesiologia ainda precário na época, não tinham prática no
manejo do tiopental, em especial em pacientes hipovolêmicos e chocados,
a mortalidade consequente à sua administração foi muito elevada, o que
levou a uma grande rejeição a seu uso e quase acabou com a utilização do
tiopental em anestesiologia. Apenas alguns anos mais tarde, já na década
de 1950, com o maior conhecimento da sua farmacocinética e farmacodi-
nâmica, o tiopental passou a ser utilizado rotineiramente, não mais como
agente único de anestesia, mas para a indução rápida da inconsciência em
associação com éter ou halotano, abreviando e tornando mais agradável
para os pacientes a indução anestésica.
Na mesma época, Griffith e Johnson (1942) iniciaram seu trabalho
pioneiro com o curare (d-tubocurarina), introduzindo-o na prática anestésica
com a finalidade de propiciar relaxamento muscular e imobilidade sem ne-
cessidade de elevadas concentrações do agente inalatório, assim reduzin-
69
de ação rápida, com destaque para o fentanil. A introdução do fentanil na
prática anestésica na década de 1960 revolucionou o modo como se prati-
cava a anestesia. Potente analgésico, com curta duração de ação e efeito
potencializador dos anestésicos gerais, seu uso logo se tornou rotineiro
na anestesia balanceada. Como tudo que é diferente e vai de encontro a
paradigmas consolidados, a resistência à introdução do fentanil na prática
da anestesia foi grande e devemos à anestesia européia, em especial aos
franceses, belgas e espanhóis, a popularização do uso de fentanil como co-
adjuvante na anestesia moderna. Com a maior frequência de seu emprego
na década de 1970, em especial sua popularização como técnica segura
para anestesia cardíaca, novos opioides foram sendo introduzidos, sem
grandes avanços farmacológicos, até o advento do remifentanil, no início
dos anos 2000. O remifentanil propiciou uma nova revolução conceitual
pois, com sua farmacocinética ultra-curta não cumulativa, permitiu o de-
senvolvimento de técnicas de anestesia venosa total antes prejudicadas
pelas características cumulativas dos opioides até então disponíveis como
o fentanil, alfentanil e sufentanil. O remifentanil logo se mostrou também
muito útil para a anestesia balanceada quando associado ao sevoflurano,
E-Book de Anestesia Inalatória
Anestesia Balanceada
70
Na anestesia inalatória pura temos de alcançar apenas com
o agente inalatório todos os requisitos da anestesia geral como in-
consciência, supressão da exterocepção, imobilidade e relaxamento
muscular, sem comprometimento da estabilidade cardiocirculatória e
neurovegetativa. Esses objetivos são difíceis de serem alcançados na
mesma dose (concentração) do agente, pois normalmente não são pro-
priedades paralelas apresentando diferentes DE50, isto é, diferentes
potências hipnótica, analgésica, relaxante muscular e cardiodepresso-
ra. Assim, alcançar o efeito ideal a cada momento do procedimento
anestésico-cirúrgico é difícil, o que em geral acarreta a necessidade
de se aprofundar o plano anestésico para se alcançar o relaxamento
ou analgesia desejada, com maior risco de depressão cardiocirculató-
ria. Em consequência, o uso de técnica de anestesia inalatória pura,
em razão do binômio eficácia-segurança, é hoje pouco utilizada exceto
onde a vantagem de se usar a indução inalatória é evidente como na
anestesia em crianças, e assim mesmo apenas até que se possa es-
tabelecer um acesso venoso.
A anestesia balanceada segue princípio farmacológico diverso,
71
Tabela I – Modalidades de Anestesia Geral
Anestesia Geral
Hipnose Analgesia Relaxamento
Inalatória Ag. Inalatório Ag. Inalatório Ag. Inalatório
Balanceada Ag. Inalatório Ag. Inalatório Ag. Inalatório
Hipnótico Opioide Relaxante Muscular
Venosa Total Hipnótico Opioide Relaxante Muscular
72
e da habilidade profissional em conduzir o tipo de anestesia indicado. O
desenvolvimento contínuo dos recursos farmacológicos e dos meios ele-
trônicos de monitorização e automação, além dos custos econômicos, é
que irão definir, no futuro, se alguma das técnicas irá prevalecer, já que no
momento atual ambas são úteis e importantes para o bem estar de nossos
pacientes.
Referências bibliográficas
73
Capítulo 6
Anestesia Inalatória:
Monitoragem Per-Operatória da
Consciência
Leonardo Teixeira Domingues Duarte
Profundidade da Anestesia
75
A titulação desses dois componentes pelo anestesiologista produz a anes-
tesia clínica de forma efetiva e segura.
Desde a descrição dos estágios da anestesia com éter, permanece
o interesse em medir a profundidade da anestesia. Inicialmente, a preocu-
pação foi evitar sobredoses de anestésicos, mas, atualmente, somam-se
os riscos reconhecidos das subdoses que poderão causar respostas he-
modinâmicas e motoras potencialmente perigosas durante a cirurgia, além
do despertar e lembrança intra-operatória. Outro interesse em monitorizar a
profundidade da anestesia reside em controlar custos por meio da titulação
da dose anestésica e, assim, evitar desperdícios e acelerar a alta da sala
de recuperação pós-anestésica (SRPA) e hospitalar.
Na prática diária, a administração dos agentes anestésicos é basea-
da principalmente em seus efeitos adversos farmacodinâmicos. Como ocor-
re com outros fármacos, a seleção e a dose administrada de anestésicos
inalatórios se baseia nos conhecimentos de farmacologia populacional, na
qual o efeito desejado é obtido com a titulação da dose e observação do
seu efeito. Com isso, muitas vezes, são observados resultados insuficien-
tes ou exagerados que demandarão correções na dose dos fármacos anes-
E-Book de Anestesia Inalatória
76
postas podem ser categorizadas e seguem uma sequência na qual a perda
da resposta verbal precede a perda dos movimentos voluntários, que, por
sua vez, precede o desaparecimento dos movimentos involuntários.
Apesar da profundidade da anestesia ainda ser reportada e relacio-
nada aos planos anestésicos descritos por Guedel, no início do século XX
(1937), na anestesia com éter (Quadro I), estes sinais clínicos não podem
mais ser usados como principal guia da profundidade da anestesia, já que
o éter foi substituído por agentes mais modernos. A prática atual é a de
combinar opioides e bloqueadores neuromusculares (BNM), além de outros
adjuvantes, aos anestésicos inalatórios. Com isso, os sinais clínicos original-
mente descritos (respiração, atividade ocular, diâmetro pupilar, reflexo ciliar,
deglutição e presença de vômitos) para a quantificação da anestesia geral
em quatro estágios são alterados ou desaparecem. Como resultado, o con-
Quadro I
Estágios de anestesia com éter
77
Consciência e Memória
78
transição do estado acordado para o inconsciente. Além disso, a amnésia
ocorre possivelmente com essa dose anestésica (0,4 CAM). À medida que
a dose do anestésico inalatório se aproxima de 1 CAM, a frequência do ele-
troencefalograma (EEG) diminui ainda mais e a voltagem atinge o máximo.
Grande ensaio clínico que incluiu 2000 pacientes com risco elevado
de memória intra-operatória avaliou e comparou a eficácia de duas aborda-
gens adotadas para evitar esta complicação – a monitorização do índice
bispectral (BIS) e da concentração expirada do anestésico volátil6. Enquanto
em um grupo de pacientes o BIS foi mantido entre 40 e 60 como recomen-
dado para anestesia cirúrgica, no grupo controle a fração expirada do anes-
tésico foi mantida acima de 0,7 CAM, valor considerado capaz de suprimir
a formação de memória explícita4. Não houve diferença na ocorrência de
lembrança intra-operatória entre os dois grupos, o que sugeriu que, sob
Analgesia
79
Na figura, termos em português e inglês. (severe e none)
E-Book de Anestesia Inalatória
80
Quantificação da Ação Anestésica
81
tores foram desenvolvidos a partir da análise da atividade eletroencefalo-
gráfica e de potenciais evocados (Figura 3).
E-Book de Anestesia Inalatória
Monitorização da Consciência
82
distribuição espacial no córtex cerebral. Com isso, o uso rotineiro do EEG
na sala de cirurgia para monitorização cerebral foi desencorajado devido a
diferentes motivos: complexidade dos padrões do EEG, com necessidade
da sua interpretação por neurofisiologistas experientes; efeitos variados
dos diferentes anestésicos sobre o EEG; e falta de dados mostrando seu
impacto sobre a evolução dos pacientes.
O EEG pode ser descrito segundo sua frequência e amplitude. A
transformação de Fourier pode ser usada para decompor o EEG em compo-
nentes específicos de frequência do sinal (Quadro II).
83
(LZC)18. São medidas não lineares que podem quantificar características do
EEG não acessadas pela análise espectral.
A ApEn e a entropia de permutação (PeEn), baseada em dinâmica simbó-
lica, foram propostas para a medida da complexidade do EEG19. A ApEn parece
ser uma medida apropriada da profundidade da anestesia e seus valores se
correlacionam com a concentração anestésica20. Por outro lado, a PeEn mostrou-
se superior à ApEn na avaliação da relação dose-resposta sobre o EEG durante
anestesia com sevoflurano21. As diferenças entre as duas modalidades de moni-
torização residem principalmente na maior resistência da PeEn a artefatos. Além
disso, a computação mais rápida da PeEn garante esta modalidade como opção
superior na monitorização em tempo real da ação anestésica.
A SpEn é um novo parâmetro derivado do EEG que pode ser usado na
geração de modelos farmacocinético-farmacodinâmicos dos efeitos dos anes-
tésicos inalatórios. Modelo do efeito hipnótico do sevoflurano foi construído
com base na relação entre a concentração do anestésico e a SpEn do EEG22.
84
Os índices baseados no EEG e PEA são, atualmente, a medida ideal
dos efeitos farmacodinâmicos da anestesia geral. Todavia, há ainda limi-
tações. Esses índices não são medidas fisiológicas, mas resultados de
modelos matemáticos. São desenvolvidos a partir de bases de dados de
pacientes submetidos a anestesia geral com diferentes agentes anesté-
sicos. O BIS, por exemplo, foi obtido a partir de um algoritmo derivado da
análise de grande número de EEG de voluntários e pacientes submetidos
a sedações e anestesia geral com diferentes agentes anestésicos. Além
disso, o cálculo do índice requer tempo e este tempo pode ser variável e
não mais refletir o estado clínico do momento. A demora da atualização do
índice varia entre os diferentes monitores e também com o mesmo monitor.
A depender da direção e da intensidade da variação da profundidade da
anestesia, o intervalo de tempo pode ser muito variável e demorar até 2
O Índice Bispectral
85
mação de memória implícita e explícita, durante a anestesia geral 26,27. De
fato, o Food and Drug Administration (FDA), órgão governamental americano,
recomendou o uso do BIS para monitorização da profundidade da anestesia
com o objetivo de reduzir a ocorrência de despertar e memória intra-operatória.
Estudos recentes sugerem que o uso do BIS acelera a recuperação após anes-
tesia geral com anestésicos inalatórios devido a sua capacidade de minimizar
a administração de sobredoses anestésicas durante a manutenção da anes-
tesia, o que, em última análise, poderá reduzir os custos do procedimento
anestésico-cirúrgico27,28.
O paciente pode apresentar consciência intra-operatória sem exibir
sinais clínicos de anestesia superficial. Em vários desses relatos, o valor
do BIS se elevou antes que ocorressem variações na frequência cardíaca e
pressão arterial29. Com o BIS, a perda da consciência se correlacionou com
valores entre 68 e 75. Valores entre 45 e 60 foram recomendados durante
a manutenção da anestesia geral (Figura 4). Valores abaixo de 60 foram as-
sociados a baixas probabilidades de lembrança e menor risco do paciente
apresentar movimentos durante a cirurgia sob anestesia geral15,30.
E-Book de Anestesia Inalatória
86
do de populações bastante diferentes entre si, ensaios clínicos concluíram
a favor da importância do BIS na prevenção do despertar intra-operatório. A
incidência de lembrança intra-operatória foi de 0,04% com a monitorização
do BIS, enquanto a incidência no grupo controle foi de 0,18% 32.
Apesar do algoritmo do BIS ter sofrido diversas alterações desde
sua primeira versão, com o intuito de melhorar seu desempenho e diminuir
a interferência de artefatos, existem ainda situações que determinam va-
riações espúrias dos valores do BIS e que devem ser reconhecidas pelos
anestesiologistas, evitando assim, durante a anestesia geral, sobredose
anestésica ou subdose, que poderá causar o despertar intra-operatório,
aparecimento de memória e suas consequências33.
O óxido nitroso (N2O) exerce ação cortical fraca e que não é detec-
tada pelo algoritmo do BIS34. A inalação de N2O a 50% não altera o BIS,
87
propósito primário da monitorização é regular e controlar o ato anestési-
co, ao detectar erros e informar precocemente o risco de deterioração da
condição clínica do paciente. Neste contexto, paciente, anestesiologista
e monitor formam uma alça fechada complexa. A monitorização é, então,
usada como parte deste sistema de retroalimentação para manter estado
fisiológico seguro para o paciente.
Enquanto a monitorização das diferentes funções fisiológicas é parte
fundamental do cuidado anestésico, a administração precisa de fármacos
para o controle dos componentes da anestesia geral é que conduz ao su-
cesso da anestesia. Tentativas foram feitas com o intuito de automatizar a
administração das drogas anestésicas e sistemas em alça fechada foram
desenvolvidos para a administração de anestésicos inalatórios. Esses sis-
temas são a base da automação em anestesia e se mostraram iguais ou
melhores que a administração manual das drogas, ao controlarem o efeito
anestésico por uma alça de retroalimentação39.
Sistemas automáticos de controle em alça fechada funcionam de for-
ma semelhante aos anestesiologistas. Um sistema processa a informação
que chega do paciente e a compara ao valor definido pelo anestesiologista
E-Book de Anestesia Inalatória
88
Figura 5: Diagrama de um sistema em alça fechada e seus componentes. Falta
referência.
89
Em outro ensaio clínico, os autores compararam a administração de
isoflurano e óxido nitroso controlada manualmente ou em alça fechada com
o alvo avaliado pelo BIS42. Ambas as técnicas resultaram em condições
intra-operatórias semelhantes, mesmas características de despertar, esta-
bilidade hemodinâmica e valores do BIS, bem como variação e desvio dos
valores alvo, similares. Por outro lado, os episódios de anestesia superficial
foram mais comuns com a técnica de controle manual.
O sucesso do controle automático depende, em última análise, da
qualidade da informação que chega do paciente até o controlador. Fica claro
que para o funcionamento perfeito desses sistemas de retroalimentação é
necessário que o efeito desejado seja avaliado e medido adequada e preci-
samente. No caso da anestesia inalatória, a monitorização da profundidade
da anestesia e a titulação de drogas hipnóticas são auxiliadas pela adoção
de registros derivados do EEG processado (BIS) ou potenciais evocados. O
índice bispectral mostrou-se efetivo em muitas circunstâncias e é o monitor
mais comumente usado como fonte de informação nos sistemas em alça
fechada27,43.
Apesar dos sistemas em alça fechada terem se demonstrado supe-
E-Book de Anestesia Inalatória
riores ao controle manual, tais dispositivos ainda não têm sua aplicação
amplamente difundida. A razão é que tal tecnologia não está totalmente
desenvolvida para o uso clínico cotidiano. Além disso, pesquisa adicional
ainda é necessária para garantir segurança no controle da administração
anestésica, especialmente com o desenvolvimento nas áreas de tecnologia
dos sensores e na detecção e eliminação de artefatos.
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E-Book de Anestesia Inalatória
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92
Capítulo 7
93
Os anestésicos introduzidos a partir dos anos 1990 e atualmente
em uso clínico, substituíram o halotano por algumas de suas vantagens.
Até o momento, a ausência de nefrotoxicidade ou hepatotoxicidade desses
agentes são fatores determinantes para sua ampla aceitação. Outro fator
é seu baixo coeficiente de partição sangue/gás, o que proporciona indução
e recuperação anestésicas rápidas, quando comparados a agentes como
o halotano. Ainda que seja desconhecida a solubilidade sangue/tecido em
pacientes pediátricos, o conhecimento dos efeitos da idade na solubilidade
dos anestésicos inalatórios em tecidos humanos permite afirmar que nos
tecidos de crianças deve guardar boa similaridade com o que ocorre nos
tecidos adultos1. No caso dos pacientes pediátricos esse é fato particular-
mente importante, haja vista o largo emprego da indução anestésica inala-
tória. O sevoflurano nos dias atuais é o agente ideal para a indução inalató-
ria em crianças, por ser destituído de odor desagradável e garantir indução
inalatória bastante breve. O sevoflurano foi o primeiro éter anestésico a
rivalizar com o halotano como anestésico inalatório de escolha para uso em
crianças. Porém, o sevoflurano é metabolizado in vivo e degradado in vitro
na presença de absorvedores de gás carbônico (CO2) em determinadas con-
E-Book de Anestesia Inalatória
Tabela I
Propriedades físico-químicas dos agentes inalatórios
94
Diferenças fisiológicas entre crianças e adultos na captação dos
anestésicos inalatórios
A captação dos anestésicos inalatórios está vinculada aos seguintes
fatores2:
1. Concentração inspirada
2. Ventilação alveolar (VA)
3. Capacidade residual funcional (CRF)
4. Débito cardíaco (DC)
5. Coeficiente de solubilidade
6. Diferença entre a pressão parcial alveolar e a pressão parcial ve-
nosa
95
A pressão parcial do gás no órgão efetor é a responsável pela ação clí-
nica. No caso dos anestésicos inalatórios, a tensão parcial do gás no cérebro.
Por consequência, a concentração alveolar mínima (CAM) não será a respon-
sável pelo efeito clínico. A CAM, por exemplo, varia com a pressão atmosférica
e podem ser encontrados diversos valores de CAM para um mesmo grupo de
pacientes de acordo com o lugar no planeta onde estejam sendo anestesiados.
Além do mais, não será a concentração mínima, mas a pressão parcial do
agente inalatório que manterá imobilidade frente a estímulo cirúrgico, 50% de
uma determinada população experimental. Isso equivale à dose efetiva (DE50)
para 50% desses indivíduos. Como usamos vaporizadores para a administra-
ção de agentes inalatórios e na atualidade analisadores da concentração ins-
pirada e expirada dos gases, usa-se o conceito de “concentração” de forma
generalizada. Em virtude disso é desconhecido o tempo aproximado para que
o agente inalatório alcance o equilíbrio das pressões parciais, desde o alvé-
olo até o órgão efetor (cérebro). Por isso, se recomenda esperar de 20 a 30
minutos para se determinar a CAM. Porém ainda se continua utilizando como
indicadores do efeito cerebral (potência anestésica) os termos dose efetiva em
50% (1 CAM = DE50) e dose efetiva em 95% (1,3 CAM = DE95).
E-Book de Anestesia Inalatória
Tabela II
Valores de CAM e a idade 6
Agente < 30 1a3 3a6 6 meses a 1a3 3a6
(O2 100%) dias meses meses 1 ano anos anos
Isoflurano 1,5 1,6 1,78 1,6 1,6 1,6
Sevoflurano 3,3 3,2 3,2 2,5 2,5 2,5
Desflurano 9,16 9,42 9,92 8,73 8,62 7,98
A CAM para indução com o sevoflurano varia entre 2,5 a 4,5% como
mostraram vários estudos7,8,9. Concentrações elevadas de sevoflurano, sobre-
tudo acima de 4%, podem acompanhar-se de distúrbios eletroencefalográficos
sugestivos de atividade epileptiforme10. Esses traçados eletroencefalográficos
costumam se normalizar quando a concentração fica em torno dos 2,5%11. Em
pacientes adultos, o uso de fármacos adjuvantes como opioides, ajudam a re-
duzir a CAM. A utilização de óxido nitroso pode reduzir a CAM entre 25 a 60%.
A prática pode permitir a utilização de menores concentrações de sevoflurano9.
96
Classicamente a indução inalatória com sevoflurano, em crianças, é obtida
com os vaporizadores ajustados para fornecerem concentrações entre 6 e 8%,
que são mantidas por cerca de dois minutos e em seguida reduzidas de forma
a manter concentrações de manutenção em torno de 3,5%. Variações individu-
ais, ou de equipamentos utilizados, podem exigir ajustes nas concentrações
administradas para o efeito desejado.
Equipamentos que permitem a administração da chamada concen-
tração inalatória alvo de sevoflurano, seja para indução ou manutenção da
anestesia, similar à concentração alvo da anestesia venosa total, estão hoje
à disposição para o uso clínico12. A vantagem da administração de concen-
tração inalatória alvo é o emprego de concentrações razoavelmente precisas
do agente inalatório13. Essa abordagem reduz o risco de superdosagem e
consumo. Esse tipo de administração é possível em pacientes pediátricos.
97
sencadeiam a maioria dos efeitos adversos sobre o sistema cardiocircula-
tório. A maior parte da hipotensão arterial causada pelo halotano se dá pela
diminuição da contratilidade miocárdica. Já com sevoflurano, isoflurano e
desflurano, pela diminuição da resistência vascular. Isoflurano e desflurano,
em concentrações baixas, aumentam a frequência cardíaca. O sevoflurano,
ao contrário, provocará elevação na frequência cardíaca em concentrações
de 1,5 CAM. Em recém-nascidos, administração de isoflurano não se acom-
panha de aumento da frequência cardíaca, possivelmente pela diminuição
no reflexo do seio carotídeo19,20.
O prolongamento do intervalo Q-T do eletrocardiograma pode resultar
em arritmias graves, como taquicardias ventriculares e fibrilação ventricu-
lar. Existem muitas causas para o aumento do intervalo Q-T, e entre elas
encontram-se agentes anestésicos inalatórios19. Os agentes inalatórios po-
dem prolongar o intervalo Q-T por atuação direta, independente de atividade
autonômica. O sevoflurano parece não interferir com o intervalo Q-T em
pacientes pediátricos com intervalos Q-T normais, enquanto o mesmo não
poderá ser afirmado com relação ao desflurano19. O sevoflurano, a 1 CAM
em oxigênio a 100%, tende a apresentar bom perfil hemodinâmico tanto na
E-Book de Anestesia Inalatória
98
para qualquer um dos três anestésicos, quando utilizados em pacientes
neurocirúrgicos15.
O isoflurano, mesmo em níveis profundos de anestesia, não apre-
senta alterações eletroencefalográficas compatíveis com atividade convul-
siva. O mesmo não se aplica ao uso do sevoflurano, como já comentado.
Em virtude daqueles relatos de traçados eletroencefalográficos sugestivos
de atividade epileptiforme e casos isolados de crises convulsivas quando
do emprego de 1,5 a 2 CAM de sevoflurano, recomenda-se o uso cauteloso
em crianças com história clínica de epilepsia.
Agitação no despertar
99
não evitam totalmente o problema. Benzodiazepínicos não são a melhor op-
ção para o tratamento desse tipo de complicação29. A dexmedetomidina em
estudos clínicos prospectivos foi eficaz, de forma significativa, na redução da
agitação após o sevoflurano e isoflurano, sendo o fármaco que apresentou os
melhores resultados30,31. A possível explicação para o efeito positivo da dex-
medetomidina reside no fato de que o sevoflurano e isoflurano, em modelos
experimentais, estimulam os sistemas liberadores de noradrenalina no siste-
ma nervoso central 32. Esse efeito ocorre pela ativação de correntes excita-
tórias de neurônios do locus coeruleos33. Ainda que não se possa extrapolar
resultados experimentais para a prática clínica, é bastante razoável, baseado
na eficácia de agonista a2 no tratamento dessa complicação, se inferir que o
fenômeno também esteja ocorrendo com a exposição do locus coeruleos hu-
mano ao sevoflurano e de alguma forma tenha papel na agitação observada.
A utilização da acupuntura foi também descrita como possível inter-
venção terapêutica no tratamento da agitação do despertar em crianças34.
Esse estudo, entretanto, utilizou amostra pequena e em procedimentos
cirúrgicos de pequeno porte (miringotomias) e duração breve.
E-Book de Anestesia Inalatória
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101
Capítulo 8
Agentes Inalatórios e
Proteção de Órgãos
Maria Angela Tardelli
Introdução
Lesão de Isquemia-reperfusão
103
reperfusão são muito piores que as alterações observadas após 4 horas de
isquemia11. A lesão celular depois da reperfusão de um tecido viável, previa-
mente isquêmico, é definida como lesão de isquemia-reperfusão12.
E-Book de Anestesia Inalatória
104
de energia interfere na homeostase celular alterando a função da bomba iô-
nica ATP-dependente da membrana celular, favorecendo a entrada de cálcio,
sódio e água na célula. Altas concentrações de cálcio intracelular degradam
as proteínas e fosfolipídios. O aumento da produção de radicais livres tam-
bém contribui para a degradação de proteínas e fosfolipídios13. Além disso,
durante a isquemia, o catabolismo dos nucleotídeos de adenosina resulta em
acúmulo intracelular de hipoxantina, a qual é convertida em espécies reativas
do metabolismo do oxigênio (ROS) quando o oxigênio é reintroduzido10.
105
liberação do citocromo c parece ser dependente da abertura dos poros de
transição da permeabilidade mitocondrial, a qual está associada ao acúmu-
lo de cálcio e alterações do gradiente eletroquímico na mitocôndria. Outro
mecanismo inclui a ligação de receptores na superfície do sarcolema ao
fator alfa de necrose tumoral (TNF-a). O resultado destes mecanismos é a
ativação da cascata de caspases com consequente clivagem protéica, frag-
mentação do DNA e finalmente morte celular apoptótica10,14 .
O processo de isquemia-reperfusão também ativa complementos e forma-
ção de vários mediadores pró-inflamatórios que alteram a homeostase vascular.
Entre os complementos, o mais importante é o C5a, que além de estimular a
ativação de leucócitos e a quimiotaxia, amplifica a resposta inflamatória induzin-
do a produção de citocinas, TNF-a, e interleucinas 1 e 6. O complemento C5b-9
aumenta a adesão de leucócitos e altera o tônus vascular por inibição do rela-
xamento via endotélio-dependente. Em adição, as ROS aumentam a ativação de
leucócitos e quimiotaxia por ativação da fosfolipase A2 da membrana celular10,12.
No processo de ativação dos leucócitos, quimiotaxia, adesão dos leu-
cócitos no endotélio e sua transmigração, o passo inicial é o aumento da
expressão da P-selectina endotelial que interage com um contrarreceptor leu-
E-Book de Anestesia Inalatória
cocitário (PGSL-1) (Figura 2)12. Esta interação inicial é frouxa e é seguida por
uma interação mais firme com as moléculas de adesão intercelular (ICAM-1),
mediada pelas b2 integrinas (CD11/CD18). A subsequente transmigração do
leucócito para o interstício é facilitada por uma molécula de adesão celular
endotélio-plaqueta (PECAM-1) localizada nas junções das células endoteliais.
106
Quando os leucócitos ativados atingem o espaço intersticial, liberam
ROS, proteases (colagenases e elastases), o que resulta em aumento da
permeabilidade microvascular, edema, trombose e morte da célula do pa-
rênquima.
O acúmulo de leucócitos e plaquetas na parede do vaso representa
lesão adicional por seu efeito de obstrução microvascular (isquemia)1.
Assim, a isquemia-reperfusão de um órgão pode aumentar a dispo-
nibilidade sistêmica de mediadores inflamatórios que ativarão leucócitos,
com subsequente disfunção vascular de órgãos distantes do processo is-
quêmico inicial (figura 3)15.
O conhecimento desta fisiopatologia é importante porque um dos
mecanismos envolvidos na cardioproteção promovida pelos anestésicos vo-
láteis é o bloqueio da expressão das moléculas que promovem adesão e
transmigração dos leucócitos16.
Pré e Pós-Condicionamento
107
Investigações sobre o mecanismo do pré-condicionamento isquêmico
levaram a observações, em animais, de que vários agentes farmacológicos
podem desencadear um efeito tipo pré-condicionamento. Assim, o pré-con-
dicionamento farmacológico seria uma forma mais segura que a isquemia
para induzir cardioproteção no ser humano17.
Os efeitos protetores decorrentes do pré-condicionamento isquêmi-
co são de duração limitada e podem ser divididos em duas fases. A fase
inicial (pré-condicionamento precoce) ocorre imediatamente à aplicação do
estímulo, e induz uma proteção intensa mas limitada a uma duração de 1
a 3 horas, enquanto que a fase tardia (pré-condicionamento tardio) ocorre
cerca de 12 a 24 horas após o estímulo inicial e induz menor proteção, que
permanece por 3 dias (Figura 4)16,18.
108
Agentes Inalatórios e Proteção de Órgãos
Figura 5 - Mecanismo de pré-condicionamento isquêmico.
ROS: espécies reativas de oxigênio; PKC: proteína cinase C; G: proteína G; K+:canais
de potássio ATP-dependente; NO: óxido nítrico; iNOS:óxido nitrico sintase indutível;
COX2: cicloxigenase2.
109
Pré e Pós-Condicionamento Anestésico
110
Os anestésicos voláteis também promovem diminuição da extensão
da lesão de reperfusão quando administrados logo no início do período de
reperfusão, à semelhança do pós-condicionamento isquêmico5,19.
Considerando que o pré e pós-condicionamento anestésico apresen-
tam mecanismos semelhantes ao pré e pós-condicionamento isquêmico,
que são demonstrados em outros órgãos além do coração, a utilização de
agentes inalatórios teria uma aplicação clínica significante, particularmente
nos procedimentos cirúrgicos que envolvem alto risco de lesão de isquemia-
reperfusão24. Adicionalmente, esta proteção se estende além do período
de exposição da anestesia, promovendo através do pré-condicionamento
tardio, o benefício da proteção no período vulnerável pós-operatório.
111
indica vias comuns nos dois mecanismos26. Assim, no pós-operatório, os
anestésicos voláteis são capazes de desencadear as mesmas alterações
bioquímicas da fase precoce da cardioproteção, com a vantagem de não
necessitar de isquemia para produzir o efeito.
No pré-condicionamento anestésico, as vias intracelulares de sinaliza-
ção envolvem o receptor de adenosina, a proteína G, a proteína cinase C, a
proteína tirosina cinase e os canais de KATP da mitocôndria e do sarcolema5.
Parece que o aumento das ROS é o fator principal para o início do pré-con-
dicionamento anestésico. Isto é sugerido pela observação de que a adição
de eliminadores de ROS durante a exposição ao sevoflurano ou isoflurano
bloqueia a resposta do pré-condicionamento anestésico.
O aumento inicial das ROS resulta em ativação de uma sequência
de eventos evidenciada pela ativação da proteína cinase C, outra cascata
de cinases tais como as proteínas cinases de tirosina e proteínas cinases
ativadas pelo mitógeno p38. A ação principal destas vias intracelulares de
mensagens parece ser a abertura dos canais de KATP. O resultado da aber-
tura dos canais de KATP da mitocôndria é a redução do acúmulo de cálcio
na mitocôndria e citossol e diminuição das grandes quantidades de ROS
E-Book de Anestesia Inalatória
112
Os estudos indicam que o pré-condicionamento anestésico provavel-
mente também ocorre no homem. Contudo, suas implicações na proteção
contra as consequências da lesão isquêmica miocárdica reversível e irre-
versível tem sido conflitantes entre os autores. A falta de homogeneidade
nos resultados, quando comparados aos dados em animais, provavelmente
é consequência da aplicação do pré-condicionamento anestésico em dife-
rentes momentos do procedimento cirúrgico, inclusão ou não da fase de
washout (eliminação do anestésico antes do estímulo isquêmico), duração
da isquemia e do pré-condicionamento anestésico.
A importância de diferentes modalidades de administração do pré-
condicionamento anestésico é evidenciada pelos resultados de estudos
nos quais os anestésicos voláteis foram administrados durante todo pe-
ríodo da anestesia. Nesta situação, os dados demonstram um efeito pro-
tetor clinicamente relevante tanto nos marcadores de função miocárdica
pós-operatória como nos marcadores bioquímicos de lesão celular, quando
comparados com os da técnica de anestesia intravenosa total. Quando ad-
113
Vasos Sanguíneos - O pré-condicionamento isquêmico dos vasos san-
guíneos tem o potencial de proporcionar proteção contra a lesão vascular e
impedir a contribuição do endotélio nos eventos pró-inflamatórios e trombo-
gênicos associados à lesão de isquemia-reperfusão35.
Estudos, em animais e no homem, demonstram que o pré-condicio-
namento com anestésicos voláteis envolve a inibição de neutrófilos e redu-
ção na sua interação com o endotélio vascular após a isquemia-reperfusão.
Em corações isolados de rato, os neutrófilos pré-tratados com 1 CAM de
isoflurano ou sevoflurano perdem sua capacidade de induzir disfunção con-
trátil, como resultado da redução de sua aderência ao endotélio. Quando foi
utilizada concentração de 0,25 CAM, o isoflurano diminuiu, mas não abo-
liu os efeitos da ativação dos neutrófilos36. Este efeito é consistente com
observações de que o pré-tratamento com 1 CAM de halotano, isoflurano
ou sevoflurano é capaz de diminuir a expressão dos complementos CD11/
CD18 na superfície dos neutrófilos37.
Recentemente, um estudo clínico prospectivo e aleatório demonstrou
que o pré-condicionamento com sevoflurano, durante 10 minutos antes do
pinçamento da aorta, em pacientes submetidos à revascularização do mio-
E-Book de Anestesia Inalatória
114
o exato papel destes agentes contra a lesão pulmonar de isquemia-reper-
fusão24.
Rim - Os resultados do efeito dos anestésicos voláteis sobre a prote-
ção renal são promissores. Recentemente, foi demonstrado que a adminis-
tração de 1 CAM de halotano, isoflurano, sevoflurano ou desflurano antes
e após a isquemia renal, promove redução da necrose tubular mais que o
pentobarbital ou a cetamina. Este efeito foi atribuído à redução da resposta
inflamatória evidenciada pela redução de fatores como interleucina-8, TNF-
a, e ICAM-1. Entretanto, quando estes anestésicos foram administrados
somente no período que antecede a isquemia, a proteção renal não foi evi-
denciada7. Em contraste com este achado, a administração de 1,5% de iso-
flurano durante 20 minutos antes da isquemia renal em ratos, resultou em
níveis mais baixos de uréia e creatinina plasmáticas após 24 e 48 horas
de reperfusão, quando comparado ao grupo não pré-condicionado 38. A di-
ferença entre estes resultados pode ser explicada pelo fato de no primeiro
estudo os animais terem sido acordados totalmente, para evitar resíduo de
115
hepática evidenciada pela diminuição da lactato desidrogenase durante o
período de reperfusão8.
Estudo em porcos mostrou que a anestesia com isoflurano confere
maior proteção contra a isquemia hepática que o halotano e o enflurano.
Na reperfusão, a recaptação do lactato pelo fígado retornou aos valores
pré-isquemia apenas nos animais anestesiados com isoflurano; naqueles
que receberam anestesia com halotano ou enflurano a recuperação desta
capacidade foi de 30 e 50%, respectivamente42.
A enzima heme oxigenase-1 (HO-1) é essencial para a função normal
do fígado e tem papel protetor fundamental na exposição hepática ao es-
tresse. Os subprodutos resultantes de sua atividade apresentam proprieda-
des antioxidantes e potentes efeitos antiinflamatórios. Pode-se especular
que a indução de HO-1 por anestésicos voláteis é parte de um efeito de
pré-condicionamento e que o pré-tratamento com estes agentes pode ser
benéfico para atenuar a lesão de isquemia-reperfusão hepática. Em ratos,
a administração de 1,7 CAM de isoflurano ou sevoflurano, durante 6 horas,
é capaz de induzir a HO-1 enquanto que a de desflurano, nas mesmas con-
dições, não o é43.
E-Book de Anestesia Inalatória
116
motoras e cognitivas. Embora muitas estratégias tenham sido propostas
para reduzir a lesão de isquemia-reperfusão, métodos práticos clínicos ain-
da não estão bem estabelecidos24.
Há evidências de que os anestésicos voláteis administrados duran-
te a isquemia cerebral conferem neuroproteção, como demonstrado em
modelos de isquemia global, focal e hemisférica. Este efeito neuroprotetor
dos anestésicos voláteis, por muito tempo, foi atribuído à profunda redu-
ção do metabolismo cerebral quando administrados em concentrações clí-
nicas. Atualmente, a maioria dos mecanismos propostos para este efeito
neuroprotetor enfatiza a ação destes anestésicos em canais iônicos que
contribuem para a morte celular por excitotoxicidade decorrente do acúmulo
de glutamato no espaço extracelular durante a isquemia. Os anestésicos
inalatórios administrados antes (pré-condicionamento) ou durante (neuro-
proteção) a isquemia cerebral, são protetores através da modulação da
excitotoxicidade. Este efeito ocorre por inibição da liberação de glutamato,
potenciação da neurotransmissão gabaérgica e antagonismo dos recepto-
117
logo após a isquemia, mas sua manutenção por períodos mais prolonga-
dos ainda é controversa.
Estudo recente demonstrou que o sevoflurano pode ser neuroprote-
tor na isquemia focal e global e que estes efeitos se mantêm até o 28º dia
de observação47.
O sevoflurano produz neuroproteção contra a lesão neurológica devi-
da à isquemia cerebral global produzida pela parada cardíaca. Além disso, a
administração repetida, por 4 dias consecutivos, de sevoflurano promoveu
pré-condicionamento contra a lesão neurológica decorrente de isquemia in-
duzida 24 horas após a interrupção do anestésico3.
In vitro, o sevoflurano e o desflurano diminuem a apoptose e a morte
da célula nervosa decorrentes da falta de oxigênio e de glicose48.
A administração de óxido nitroso durante isquemia cerebral global in-
completa aumenta os danos isquêmicos e resulta em piora do prognóstico
neurológico quando comparado com a anestesia com isoflurano ou halota-
no. O óxido nitroso pode também atenuar as propriedades neuroprotetoras
dos anestésicos voláteis45.
Quanto ao xenônio, vários estudos indicam que este agente pode ter
E-Book de Anestesia Inalatória
118
Agentes Inalatórios e Proteção de Órgãos
Figura 7 - Unidade neurovascular: mecanismos envolvidos na neuroproteção com os
anestésico inalatórios.
119
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122
Capítulo 9
Anestesia Inalatória:
Toxicidade e Metabolismo
Edno Magalhães
Oscar César Pires
123
O isoflurano, sevoflurano e desflurano prolongam o intervalo QT no
eletrocardiograma, podendo resultar em taquicardia ventricular polimórfica
do tipo “torsades de pointes” e fibrilação ventricular, enquanto que o envol-
vimento do halotano sobre o intervalo QT é controverso 6.
Na atualidade, a capacidade dos agentes inalatórios em proteger o
miocárdio de insultos isquêmicos de maneira semelhante ao pré-condicio-
namento cardíaco tem sido bastante considerada.
Hipertermia maligna
124
por aumento da produção de CO2, elevado consumo de O2, distúrbio ácido-
base, rigidez e lesão muscular 10.
125
elétron para produzir um metabólito altamente reativo, denomina-
do radical livre intermediário. Macromoléculas podem reagir com
este radical livre ou outros metabólitos intermediários e causar
uma reação autocatalítica peroxidativa em cadeia, no fígado, com
desarranjo e necrose da membrana celular 2.
b) Hepatite tipo II – de ocorrência imprevisível e rara, com estimati-
va geral de 1 em 35.000 anestesias com halotano em adultos.
Em crianças a ocorrência estimada é de 1 em 82.000 exposi-
ções a halotano. Resulta em hepatite grave fulminante com alta
incidência de mortalidade. A exposição prévia é usual e pode
haver relato de hiperpirexia e icterícia, tardias no pós-operatório.
Os primeiros sinais são febre, erupção cutânea e ou dores ar-
ticulares que podem preceder a icterícia e podem ter início em
até um mês após anestesia com halotano. Na impossibilidade
de transplante hepático, a hepatite evolui com alto índice de
mortalidade. Atualmente é aceito que a hepatite tipo II é imuno
mediada, com resposta direcionada aos hepatócitos. O citocro-
mo P450 2E1 (CYP2E1) faz a intermediação do halotano para
E-Book de Anestesia Inalatória
126
Toxicidade renal
127
contraram indícios de que o tempo durante o qual os rins permanecem
expostos a altos níveis de fluoreto inorgânico tem importância maior do
que os picos de concentração desse íon isoladamente em relação aos
possíveis danos renais decorrentes da exposição ao sevoflurano. Esta
teoria considera o tamanho da área sob a curva fluoreto/tempo, e não
apenas a concentração encontrada em determinado momento no soro
sanguíneo (Figura 1).
O sevoflurano merece consideração especial por sofrer degradação
espontânea quando exposto a temperaturas que excedem 50°C na presen-
ça de absorvedores de dióxido de carbono, produzindo fluormetil-2,2-difluor-
1-(trifluormetil) vinil éter (FDVE), conhecido como composto A e pequenas
quantidades de 2-(fluormetoxi)-3-metoxi-1,1,1,3,3-pentafluorpropano, co-
nhecido como composto B (figura 2). Os produtos de degradação resultam
da extração de próton (ácido) do sevoflurano na presença de bases (KOH ou
NaOH). FDVE é metabolizado pela conjugação com glutationa S-conjugado
e hidrolisado pela cisteína S-conjugado. A captação destes S-conjugados
pelos rins e seu subsequente metabolismo pela b-liase parece ser respon-
sável pela necrose tubular causada pelo FDVE em ratos. Em contraste, em
E-Book de Anestesia Inalatória
128
Produção de monóxido de carbono
Óxido nitroso
129
bida. A recuperação da atividade da metionina sintase requer a formação de
novas enzimas em tempo de três a quatro dias, embora a recuperação total
possa levar várias semanas. A exposição crônica ao N2O pode causar eritro-
poiese megaloblástica, morte neuronal e dano à medula espinhal 22. Alterações
megaloblásticas reversíveis podem ser detectadas na medula óssea após 12
a 24 horas de exposição. Há relatos de pacientes que desenvolveram mielo-
patias graves e prejuízos neurológicos após anestesia com N2O 23. Esta toxici-
dade pode ocorrer tanto no paciente como nos profissionais que o empregam.
Aventa-se, nos dias atuais que as concentrações de vitamina B12 próprias do
individuo teriam interferência muito grande nos possíveis danos oriundos do
óxido nitroso. Embora não pareça que o N2O seja teratogênico para seres hu-
manos, devido aos efeitos sobre a síntese de DNA, é prudente evitar exposição
durante o primeiro trimestre de gestação. O N2O apresenta potência 230 vezes
superior ao monóxido de carbono para o efeito estufa e seu uso em anestesia
contribui em aproximadamente 0,1% do aquecimento global, com meia vida na
atmosfera de aproximadamente 120 anos 2.
Halotano
E-Book de Anestesia Inalatória
Enflurano
130
como alternativa ao halotano, principalmente em múltiplas exposições. Não
obstante, tem a capacidade de induzir atividades paroxísticas no eletroen-
cefalograma, acentuadas na presença de anestesia profunda e hipocarbia,
efeito este não acentuado em portadores de epilepsia, durante ou após anes-
tesia com enflurano. Ele é metabolizado por isoenzimas do citocromo P450,
especialmente a P450 2E1, produzindo metabólitos que incluem o ácido tri-
fluoracético (TFA) e o íon fluoreto inorgânico. Embora em pequeno número,
hepatite por enflurano tem sido relatada e o dano hepático por enflurano seja
baixo, estima-se em 1:800.000. Em uso clínico corrente, o pico de concen-
tração raramente excede 25 mM.l-1, mantendo-se por pouco tempo, do limiar
para toxicidade renal 24.
Isoflurano
Sevoflurano
Desflurano
131
o baixo ponto de ebulição exige vaporizador especial aquecido. É o hidro-
carboneto halogenado que sofre menos metabolismo hepático e então não
considerado como associado a lesão hepática. Entretanto, existem relatos
de pacientes que desenvolveram hepatotoxicidade aguda após anestesia
com desflurano 28-30. Como o desflurano é resistente à degradação pela cal
sodada, em certas condições pode-se acumular no sistema respiratório.
Xenônio
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133
Capítulo 10
Introdução
135
A simulação pode existir tanto em tempo real como fora dele (se desejar).
É possível alterar o fluxo do tempo e o nível de complexidade do treina-
mento (diferente das demais modalidades de ensino). Isso pode ser útil
para alunos iniciantes, que podem necessitar mais tempo para entender
a situação que está sendo apresentada.
Embora a maior utilização da simulação esteja focada em procedi-
mentos e habilidades técnicas em diversas especialidades sua utilização
pode ultrapassar o universo tecnológico. Em muitos centros de ensino a
simulação é usada para desenvolver habilidades não-técnicas e profis-
sionalismo, como a comunicação com pacientes e colaboradores, ou é
dirigida a questões éticas como, por exemplo, o cuidado ao final da vida.
A simulação também tem papel importante para garantir qualidade e segu-
rança ao paciente 14 e tem sido usada como complemento para desenvol-
ver competências e para treinamento continuado 3,15. Vantagens especiais
da simulação incluem o fato de que a aquisição de competências pode ser
obtida através da prática repetida de cenários e ações, sem colocar em
risco o paciente, o que é considerado um imperativo ético 23.
Na figura 1 estão listadas as várias etapas que vão da simulação até
E-Book de Anestesia Inalatória
136
elementos de uma situação que são perceptíveis para um participante.
Simulação baseada em computadores induz o participante a transformar
a experiência obtida através de uma tela bidimensional em metáfora sig-
nificativa de uma situação da vida real. Os dispositivos são focados no
desenvolvimento de habilidades específicas ou em áreas da anatomia
humana 24,25.
Dispositivos
137
Realidade
A manipulação da realidade
cronograma durante a simulação 18. O grau das ações pode variar de extre-
mamente passivo (nenhuma alteração significativa no curso ou no resultado
dos eventos) até extremamente ativo (efeito grande sobre o desenvolvimen-
to ou o resultado). A importância deste conceito reside na compreensão do
grau de influência possível para determinar um resultado. Na simulação, o
aluno não é o único fator que irá determinar o curso dos acontecimentos. A
equipe de simulação pode ter um efeito profundo sobre a evolução de um
cenário, quer pela interferência ativa ou pela indiferença passiva 24,25.
Os principais simuladores fabricados permitem ao instrutor utilizar
cenário e respostas pré-definidas. Permitem, também, flexibilidade para
definir e manipular respostas fisiológicas em tempo real. Este é um concei-
to importante porque a estrita aderência aos cenários e eventos pode (ou
não), em algum ponto, deixar de levar em conta as ações imprevisíveis do
participante. Pode-se imaginar a busca por duas realidades: (a) do instrutor
ou computador, (b) do participante. Enquanto o participante percebe o meio
ambiente e responde adequadamente a simulação permanecerá intacta. A
maioria dos simuladores permite a criação de cenários, perfis e respostas
pré-definidas. Se uma situação pré-estabelecida não se integra perfeita-
mente à realidade percebida pelo participante, então se deve alterar com-
petências para permitir que a simulação continue no sentido não previsto
anteriormente. Embora estrutura e antecipação prévias sejam fundamentais
para ajudar o instrutor a organizar e produzir uma situação, elas também
são fatores limitantes na produção de um ambiente real. Os instrutores
138
devem estar preparados com antecedência para uma simulação, mas tam-
bém devem estar prontos para improvisar e redirecionar o cenário, conforme
necessário. A realidade percebida pelo aluno deve espelhar os objetivos do
curso e os instrutores devem ganhar experiência, aprender a improvisar e a
desempenhar com facilidade várias habilidades 24,25.
139
à pessoa que está executando o computador e, talvez, as comunicações. O
operador faz a simulação acontecer em tempo real. O líder da equipe pode
assumir o papel de operador, mas sua principal função é conduzir o grupo
durante a simulação 24,25.
Atores
Participantes
140
os temores se dissipam. Os participantes devem ser tratados com respeito
e ter a oportunidade de familiarizar-se com o equipamento (especialmente
com o manequim e com o monitor), antes do início da simulação. A neces-
sidade de familiarização diminui com participantes que já foram expostos
a simulação 24,25.
Os participantes muitas vezes entram num cenário de simulação com um
elevado senso de percepção de seu entorno (semelhante ao Efeito Hawthorne).
Eles geralmente estão esperando algo acontecer. Antes de introduzir um evento
ou uma crise é importante permitir ao participante tempo para relaxar e integrar-
se com o ambiente. Vários métodos podem ser utilizados para esta finalidade. O
principal objetivo é fazer com que o participante evite a descrença. Este processo
pode ser imediato, quando uma pessoa é impulsionada para uma simulação de
crise em curso, ou pode levar vários minutos em uma situação de menor pressão.
Apesar das tentativas de um participante para fazer perguntas como: “eu posso
fazer isso...” ou “eu preciso realmente dar esse fármaco”, em nenhum momento
os atores ou quaisquer outros elementos da simulação podem “sair” da realidade
a ser retratada para responder essas perguntas. Perguntas como “eu realmente
Ambiente
Quando o equipamento real for utilizado, todo esforço deve ser fei-
to para recriar o ambiente para a simulação desejada. Materiais físicos e
adereços devem dar a aparência de serem úteis e reais. Não há nenhuma
vantagem em utilizar cenários pobres, porque eles só diminuem o realismo
da simulação. Cenários têm lugar na simulação somente se reforçarem ou
auxiliarem a percepção da realidade 24,25.
É importante fornecer materiais auditivo e visual aos participantes. Ma-
teriais e acessórios devem ser avaliados quanto ao realismo visual, auditivo,
tátil e interativo. Alguns materiais exigirão apenas determinados atributos.
Por exemplo, anunciar uma parada cardíaca só exige realismo auditivo. A pro-
posta deve ser considerada bem sucedida se convence o participante que é
real. Os materiais mais convincentes são, naturalmente, as coisas reais. Por
exemplo, a utilização de instrumentos cirúrgicos de forma correta, pode ser
suficiente para convencer o participante de que um verdadeiro procedimento
cirúrgico está ocorrendo 24,25.
141
Com o aumento da experiência da equipe em simulação, mais fa-
tores ambientais e materiais serão introduzidos e usados. A experiência
também permitirá a equipe reconhecer técnicas comuns, para distrair ou
atrair participantes. Um exemplo óbvio é o uso de uma alteração no som da
oximetria de pulso para chamar a atenção de um participante 24,25.
Equipamentos audiovisuais
142
A sequência de pré-simulação
143
meio ambiente e com o manequim, eles são convidados a deixar a
sala 24,25.
Um participante é escolhido e convidado a entrar na sala de simula-
ção no contexto do script escolhido. Por exemplo, o participante é chamado
para ir para a sala 2, em que um paciente está necessitando de alguma
ajuda. A simulação é iniciada e espera-se que o participante possa executá-
la como se fosse a vida real. Neste ponto, o relacionamento entre todos os
participantes na sala de simulação e na sala de controle irá ditar a forma
como a simulação evolui. O participante pode pedir ajuda, se for permitido
pelos objetivos do curso. A ajuda pode ser um companheiro participante do
curso ou pode vir na forma de um dos professores do centro. Isto depende
inteiramente dos objetivos do curso e do seu desenho. Se um participante
é um auxiliar, então ele deve ser isolado de qualquer conhecimento do que
está ocorrendo na sala de simulação (a menos que o script dite de outra
forma). Os outros membros do grupo participante são escoltados até uma
sala de conferências onde se pode ver ao vivo a transmissão dos aconteci-
mentos da sala de simulação 24,25.
Uma vez que a simulação esteja completa, deve ser dado um
E-Book de Anestesia Inalatória
Debriefing
144
objetivam induzir os membros do grupo a verbalizar seus pensamentos.
Perguntas como: “Como é que se sente?” frequentemente levam a uma
resposta sincera. Na sequência uma questão mais dirigida, como: “O que
você quer dizer?” ou “Pode explicar isso para nós?” serve para continuar a
discussão. O objetivo é que os membros do grupo sintam-se inspirados na
“abertura” da discussão e tornem-se mais à vontade com o interrogatório
durante sua evolução 13.
Muitas vezes, com o passar do tempo, a análise da simulação é mui-
to mais fácil porque os participantes ganharam confiança nos indivíduos e
no processo e, embora a maioria das sessões de esclarecimento aconteça
adequadamente, há momentos em que o estresse do cenário e da análise
pode ser opressor para o participante. O facilitador deve estar bem ciente
dessa possibilidade e intervir da melhor maneira possível. O processo de
auto-avaliação e a avaliação pelos pares pode ser uma ferramenta muito
positiva. Centros de simulação precisam estar preparados para estas situa-
ções e desenvolver políticas para lidar pró-ativamente e com empatia com o
participante que apresentar dificuldade com esse processo. Os instrutores
145
manual, pensamento e reflexos rápidos, entre outras. Para a administração
da anestesia em todas as suas etapas, desde o pré-operatório até a recu-
peração anestésica, é necessário conhecimento profundo de anatomia, de
fisiologia, de farmacologia e de medicina interna. Além disso, é necessário
desenvolver habilidades para indicar e realizar intubação, monitorização,
cateterização venosa e arterial e desenvolver respostas rápidas para even-
tos adversos.
A prática anestésica vem sendo ensinada com base na relação direta
entre instrutor e aprendiz, pela qual o aprendiz acompanha anestesias reais
em pacientes, sob a supervisão de um instrutor mais experiente, e, gradati-
vamente, passa a realizar todas as etapas necessárias para o aprendizado
autônomo. Essa abordagem apresenta diversos problemas, tais como um risco
maior para o paciente, potencial interferência com a eficiência da cirurgia, tem-
po maior para o aprendizado de todas as etapas e técnicas. Entretanto, o maior
problema consiste na impossibilidade ética de se provocar diversos tipos de
acidentes instrumentais, farmacológicos e fisiopatológicos, com a finalidade de
treinar e testar habilidades específicas de resolução de problemas. Ademais,
como a incidência geral de complicações é menor do que 1:10.000 casos,
E-Book de Anestesia Inalatória
146
dos procedimentos a serem aprendidos, e imediata retroalimentação quanto ao
desempenho do aluno, permite que cada um aprenda a sua própria maneira e a
sua própria velocidade”. A partir deste estudo pioneiro, outros autores desenvol-
veram sistemas simulados visando todo o ato anestésico, tais como o sistema
CASE, de Gaba e DeAnda (1988), que simula toda a sala cirúrgica; e o ASR (The
Anesthesia Simulator-Recorder) de Schwid e O’Donnell (1990).
Atualmente, os simuladores desenvolvidos dividem-se em dois gran-
des grupos, havendo no mercado diversos produtos comerciais em ambas
as categorias:
Simuladores baseados unicamente em software, nos quais todas
as funções do equipamento e procedimentos anestésicos são simulados
como textos e imagens em uma tela de vídeo;
Simuladores baseados em um conjunto de software e manequins
especiais, dotados de sensores e atuadores que visam simular pacientes
humanos de forma mais realística.
147
por objetivo aproximar a simulação da situação real a ser enfrentada e de
facilitar o manejo por pessoas com pouco conhecimento em informática.
Em adição à cirurgia, o software pode introduzir diversos problemas,
tais como: hemorragias mecânicas, diminuição abrupta do retorno venoso
(vasodilatação, posição ou compressão da veia cava), atelectasias, pneu-
motórax, embolias, reações alérgicas, falhas de equipamento, sobredose
de anestésicos, etc. Os incidentes críticos podem ser criados pelo exami-
nador-professor ou pela própria máquina, a partir de uma listagem interna.
Com o uso do mouse e placa de geração de som, o sistema pode si-
mular o exame do doente, comunicar-se com o cirurgião, controlar a ventila-
ção, diagnosticar intubação esofágica, examinar vias aéreas, perceber per-
fusão do doente, coloração (anemia, icterícia, cianose), administrar fluidos
e medicações, além de reanimar o paciente com parada cardiorrespiratória,
desfibrilar e usar drogas de ressuscitação.
Bons sistemas simuladores incluem um arquivo farmacológico, con-
tendo parâmetros de farmacocinética e farmacodinâmica de dezenas de
drogas anestésicas e não anestésicas de uso rotineiro na prática clínica.
O arsenal de equipamentos pode incluir bomba para infusão rápida de san-
E-Book de Anestesia Inalatória
148
vascular sistêmica, a contratilidade miocárdica, o tônus venoso, a frequência
respiratória, a curva de CO2 expirado, a respiração bem como diversas outras
variáveis com propriedades farmacocinéticas e farmacodinâmicas. Os mo-
delos farmacológicos, para maior realismo, podem levar em consideração a
interação de drogas, tais como agonismo, antagonismo e sinergismo.
Além de simular os sistemas fisiológicos com grande realismo, os simu-
ladores anestésicos geralmente apresentam vantagem adicional em relação ao
treinamento em anestesias reais: gráficos especiais podem ser exibidos no vídeo,
mostrando a evolução temporal dos níveis de diversas drogas, simultaneamente,
em qualquer compartimento orgânico desejado (alvéolos, sangue, compartimento
intracelular, fígado, rins, urina, cérebro, etc.), permitindo assim uma melhor compre-
ensão quanto aos fenômenos subjacentes à anestesia e às suas intercorrências.
149
anestésico e sistemas de monitorização idênticos aos utilizados na prática
clínica. O usuário pode ventilar, intubar, desfibrilar, administrar gases anes-
tésicos, ar ou oxigênio, estimular nervos, administrar agentes intravenosos,
auscultar e monitorizar diversos parâmetros fisiológicos. O manequim, sob
controle do computador, libera gases respiratórios, exibe sinais vitais e
reage a manipulações e a drogas.
Diversas empresas oferecem produtos desse tipo. O mais sofisticado
é fabricado pela empresa americana CAE-Link, do mesmo grupo que fabrica
os sofisticadíssimos simuladores para treinamento de pilotagem aérea.
Há numerosas vantagens para o uso da simulação em anestesia:
Não há riscos para o paciente, nem problemas éticos;
É útil para o ensino individualizado (interativo), bem como para a de-
monstração de diferentes técnicas anestésicas;
Um mesmo caso pode ser repetido de forma idêntica ou com varia-
ções aleatórias, tantas vezes quanto se queira;
Permite correlacionar de forma didática eventos fisiológicos e farma-
cológicos com os fenômenos observados clinicamente;
É útil para registrar, analisar e observar técnicas anestésicas;
E-Book de Anestesia Inalatória
Conclusão
150
como ferramenta insubstituível no processo de ensino e aprendizado da
anestesiologia.
Muitos departamentos têm utilizado a simulação com vários graus de
sucesso. O planejamento, a implementação e a manutenção de um centro
de simulação pode ser demorado e dispendioso e exige dedicação, persis-
tência e adaptabilidade.
Usuários de simulação prospectiva devem entender como a realidade
pode ser recriada e manipulada. A equipe de simulação deve ser multifun-
cional e entender que cada membro tem uma função e os efeitos sobre o re-
sultado do dia. Escolhas do design do centro de simulação, equipamentos
de audiovisual são fatores importantes que irão variar de instituição para
instituição. Na fundação de um centro de simulação, um conjunto claro de
objetivos e o currículo devem ser definidos antes dos equipamentos. Como
com qualquer outra ferramenta de ensino, professores e facilitadores com-
petentes (para interrogatório, se necessário) são importantes.
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Leituras recomendadas
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