Você está na página 1de 80

Rodrigo Iennaco de Moraes

A INTELIGÊNCIA POLICIAL E OS RISCOS


DE SUA INDETERMINAÇÃO CONCEITUAL

Monografia apresentada no Curso de Pós-graduação


da Fundação Escola Superior do Ministério Público
de Minas Gerais, em parceria com o Centro
Universitário Newton Paiva, sob a orientação do
Prof. Dr. Denilson Feitoza Pacheco e coorientação
da Profª. Drª. Priscila Carlos Brandão, como
requisito parcial à obtenção do título de Especialista
em Inteligência de Estado e Inteligência de
Segurança Pública.

Belo Horizonte
Centro Universitário Newton Paiva
Fundação Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais
2010
Centro Universitário Newton Paiva
Fundação Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais
Curso de Especialização em Inteligência de Estado e Inteligência de Segurança Pública

Pesquisa intitulada “A inteligência policial e os riscos de sua indeterminação


conceitual”, de autoria de Rodrigo Iennaco de Moraes, considerada _______________,
com a nota _____ (_____________________________), pela banca examinadora
constituída pelos seguintes professores:

____________________________________________________________
Prof. Dr. Denilson Feitoza Pacheco – orientador

____________________________________________________________
Profª. Drª. Priscila Carlos Brandão – coorientadora

____________________________________________________________
Prof. Me. Sergio Antônio Teixeira

____________________________________________________________
Prof. Esp. Cel. PM Wilson Chagas Cardoso

Belo Horizonte/MG, 10/fev/2010.

Fundação Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais


Rua Timbiras, 2928, 4º. andar, Bairro Barro Preto
30140-062 - Belo Horizonte - MG
Tel: 31-3295-1023
www.fesmpmg.org.br
Era uma vez uma princesinha, Sofia;
aos pouquinhos, imperceptivelmente, ela crescia... e seu papai tentava, em vão, aprisionar o
tempo, enfim rendendo-se à evidência de sua impossibilidade – e redescobrindo-se em sua
limitação humana; mas percebeu, nascido em seus próprios olhos como indelével pterígio, o
brilho perene projetado pelo sorriso da infância, emanado dos lábios de sua queridinha. E no
coração do papai, que se imaginava honroso cavaleiro e eterno príncipe, ficou aprisionado o
inesquecível, ingênuo e infantil encantamento, que o refez criança grande. Hoje, com a bênção e
resignação do pai, conformado com a irreversível indocilidade do tempo – o que não se lhe
afigurava tão óbvio nos sonhos das batalhas épicas que travava nos arredores do castelo da vida,
onde era o único e invencível herói, ela continua a crescer... que o futuro lhe traga luz,
sabedoria e proteção – e lhe reserve um daqueles mágicos “e viveram felizes para sempre”.
Agradeço a Deus, em especial por haver permitido
a conclusão deste trabalho – e a idealização de tantos projetos futuros –, mesmo após a
contaminação pelo vírus da gripe A(H1N1), concomitante ao início de sua escrita.

À minha mãe, Maria Célia, exemplo de dinamismo, trabalho e amor ao conhecimento; à


Dindinha, cujo carinho e abnegação me impelem sempre para o caminho do bem.

À Dhebora, por haver compreendido o desejo, aceitado a ausência


e incentivado a realização (amor). À Sofia, cuja luz mantém acesa a chama da vida em meu
coração.

Aos professores da Fundação Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais, por
descortinarem novas possibilidades de pesquisa. Ao Prof. Dr. Denilson Feitoza, cuja orientação
me possibilitou compreender melhor os tortuosos métodos da pesquisa científica; à Prof ª. Drª .
Priscila Brandão, cujas críticas (imprescindíveis) ao sistema de inteligência
foram as sementes deste trabalho.

À Associação Mineira do Ministério Público, pelo aporte financeiro.

Aos colegas de curso: aos Promotores de Justiça, pela renovação de propósitos em favor dos
legítimos objetivos de defesa da sociedade e da ordem democrática; aos policiais, pela
renovação do compromisso de concretização do direito à segurança,
às vezes obnublado pelo sedutor (ou suicida?!) discurso abolicionista.

Ao companheiro de Ministério Público, Promotor de Justiça Eduardo Lovato Bianco,


cuja desinteressada colaboração na 9ª Promotoria de Sete Lagoas viabilizou este feito.
RESUMO
A indeterminação conceitual da atividade de inteligência criminal, no
contexto institucional da Segurança Pública brasileira, pode gerar um ambiente propício
à hipertrofia dos poderes das polícias e ao desvirtuamento da investigação, com risco ao
sistema constitucional de garantias? Essa é a questão fundamental que o presente
trabalho pretende solucionar, partindo do pressuposto da indeterminação para analisar,
do ponto de vista legal e doutrinário, a necessidade de aprimoramento dos mecanismos
de controle da atividade de Inteligência e de aprofundamento da discussão sobre o
conceito, meios de atuação e limites da atividade. Discutem-se, ainda, os parâmetros
conceituais que devem nortear a institucionalização das práticas de inteligência policial,
para concretização da legitimidade social da inteligência, como instrumento capaz de
auxiliar o Estado na qualificação dos serviços de Segurança Pública.

PALAVRAS-CHAVE: Inteligência policial. Conceito indeterminado. Riscos.


ABSTRACT
Can conceptual indetermination of criminal intelligence activities generate
an environment prone to the hypertrophy of the police‟s power and to the distortion of
the investigation, with risk to the constitutional system of warranties, in the institutional
context of Brazilian Public Security? This is the fundamental question that the present
paper aims at solving, from the assumption of the indefinition to analyse, with a legal
and doctrinal point of view, the need to improve control of the intelligence activity
mechanisms and the need to depeen the discussion about concept, modus operandi and
limits of activities. Besides, it discusses the conceptual boundaries that ought to guide
the institutionalization of police intelligence activities in order to implement a social
legitimacy of intelligence as an instrument capable of helping the State to achieve the
desired qualitative leap in the law enforcement area.

KEY-WORDS: Criminal Intelligence. Conceptual indetermination. Risks.


SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................................................... 9

2 INTELIGÊNCIA, SEGURANÇA PÚBLICA E POLÍCIA: O DILEMA CONCEITUAL E OS


DESAFIOS DE CONTROLE NA DEMOCRACIA .............................................................................. 14

3 DESENVOLVIMENTO E INSTITUCIONALIZAÇÃO DA INTELIGÊNCIA NO BRASIL ....... 21

3.1 A INTELIGÊNCIA BRASILEIRA NO CONTEXTO DA GUERRA FRIA ........................................................ 21


3.2 A TRANSIÇÃO SNI–ABIN................................................................................................................. 25
3.3 PERSPECTIVAS .................................................................................................................................. 28

4 RISCOS AO SISTEMA DE GARANTIAS: NECESSIDADE DE CONTROLE ............................ 31

4.1 INEFICÁCIA DOS MECANISMOS DE CONTROLE ................................................................................... 32


4.2 EXCESSO DE PODER .......................................................................................................................... 40
4.3 DESVIO DE FINALIDADE .................................................................................................................... 41
4.4 DESVIO DE RECURSOS: INEFICIÊNCIA ................................................................................................ 42
4.5 DISFUNCIONALIDADE ESTRUTURAL DO SISBIN ............................................................................... 43

5 A SUPERVALORIZAÇÃO DO INIMIGO INTERNO ..................................................................... 46

5.1 LIMITAÇÕES DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA NA PERSPECTIVA DOMÉSTICA ................................... 46


5.2 INVERSÃO DE PRIORIDADES NO DISCURSO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SEGURANÇA ....................... 51

6 DIRETRIZES PARA A ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA CRIMINAL...................................... 53

6.1 ILEGITIMIDADE DO INCREMENTO DO DISCURSO DE INTELIGÊNCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA NA


PERSPECTIVA DO DIREITO PENAL DO INIMIGO ......................................................................................... 53

6.2 NECESSIDADE DE DETERMINAÇÃO CONCEITUAL ............................................................................... 56

7 CONCLUSÕES ..................................................................................................................................... 73

REFERÊNCIAS ....................................................................................................................................... 77
9

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho pretende contribuir para a resposta à seguinte indagação: que


ameaças a indeterminação do conceito de Inteligência Policial pode acarretar?
Noutras palavras e de maneira mais específica: na área de segurança
pública, a indeterminação do conceito (legal) da atividade de Inteligência pode gerar um
ambiente propício à hipertrofia dos poderes das polícias e ao desvirtuamento da
investigação, com risco ao sistema constitucional de garantias?
A questão permanece pouco explorada na doutrina de Inteligência e, mais
ainda, na teoria do processo.
No contexto atual da democracia brasileira, encontramos, de um lado, o
crescente clamor por políticas eficazes de segurança, de outro, a luta velada – às vezes
explícita – entre órgãos e poderes institucionais por parcelas de atribuições e
competências relacionadas ao seu planejamento e à sua execução. É o que acontece, por
exemplo, com o poder-dever de investigação criminal (Ministério Público x Polícia),
execução de interceptações telefônicas e mandados de busca e apreensão (Polícia
Militar x Polícia Civil) etc. Enquanto os índices de criminalidade se agravam (ou no
mínimo a sensação de insegurança se dissemina), a conjunção de tais fatores impulsiona
a atividade de inteligência, cuja essência é servir de apoio ao poder público na tomada
de decisões em áreas relevantes da política pública, emergindo como promessa para a
superação das dificuldades de enfrentamento à crescente criminalidade.
Assim, como resposta à massificação da criminalidade e no fulcro do
discurso de combate ao crime organizado, assistimos à proliferação da atividade de
Inteligência, especialmente desempenhada por órgãos estaduais de segurança pública.
Paradoxalmente, não se cuidou de aprimorar os bancos de dados mais elementares, que
seguem deficitários e assistemáticos e, em alguns casos, restritos a determinados órgãos
e não integrados nacionalmente – ou mesmo dentro do próprio Estado da federação.
Diante da necessidade crucial de afirmação do direito à Segurança Pública,
sem que isso represente o esvaziamento dos valores democráticos na persecução
criminal, surge para o Estado o dever de definir e regulamentar a atividade de
Inteligência nessa área, visando não apenas ao planejamento estratégico de suas ações, à
10

administração eficiente dos recursos disponíveis e à gestão qualitativa de informações,


mas também procurando evitar que os postulados da Inteligência sirvam de instrumento
ao desvio de poder e à eventual realização de investigação criminal sem controle e sem
acesso (haja vista o sigilo) – ou sacrifiquem os direitos fundamentais guarnecidos pelo
Estado Democrático de Direito.
A realidade impõe, nesse compasso, o aperfeiçoamento dos mecanismos de
controle da atividade de Inteligência, em especial legislativos, para que desempenhem
sua função de maneira satisfatória e efetiva.
A pesquisa que originou o presente trabalho situa-se, declaradamente, numa
vertente crítico-metodológica, com abordagem dedutiva e problemática, com emprego
da razão teórica, conduzida pela necessidade de compreensão da atividade de
Inteligência de Segurança Pública num contexto mais amplo, que a aproxima do
conceito de efetividade das relações Direito/sociedade e a insere numa vertente zetética
ou jurídico-sociológica, envolvendo o debate entre a cultura política e as formas de
manifestação do poder institucional1 (embora, no presente caso, não se lhe possa atribuir
a natureza empírica propriamente, nem dogmática exclusivamente), tendo por norte (e
perspectiva de abordagem) os direitos humanos – e sua inevitável projeção no processo
penal democrático.
Pretende-se, enfim, uma investigação valorativa e crítica, cujos resultados
não percam de vista o aperfeiçoamento de técnicas de solução de conflitos penais no
contexto da Inteligência de Segurança Pública2.
Como marco teórico de referência, utilizamos o conjunto de idéias,
relativamente sistematizadas, situadas num campo do saber que pode ser denominado
Criminologia Crítica, em sua feição moderada, a despeito de atrelada à Criminologia
dos Direitos Humanos. Tal vertente permite converter os mecanismos de reação social e
as instâncias oficiais de poder em objetos de estudo, sem que isso signifique adesão à
sociologia criminal de raiz marxista – mas aplicação de postulados que auxiliam a
análise crítica do sistema penal e da efetividade das funções (efetivas e declaradas)

1
GUSTIN, Miracy Barbosa de Souza ; DIAS, Maria Tereza Fonseca. (Re)pensando a pesquisa jurídica, p. 41.
2
FERRAZ JÚNIOR., Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão e dominação, p. 44-45.
11

desempenhadas por seus órgãos e instituições. A aproximação com a Criminologia


Crítica “radical” é restrita ao objeto de pesquisa, pois, no dizer de Baratta:
A razão tecnológica encontra um limite natural na forma de concorrer para a
resolução de contradições do sistema; [...] não consegue atuar senão sobre
aquelas contradições do sistema que parecem suscetíveis de serem resolvidas
no interior do sistema mesmo, levando a ideologia penal aos níveis mais
avançados e humanitários e tentando melhorar e integrar as ferramentas da
política criminal atual.[...]
A criminologia tradicional [...]mesmo em suas versões mais atualizadas
(através da aproximação „multifatorial‟) tem, por sua natureza, uma função
imediata e diretamente auxiliar em relação ao sistema penal existente e à
política criminal oficial. [...] É por isso que está obrigada a tomar emprestado
do sistema penal a definição de seu próprio objeto de investigação: a
“criminalidade” enquanto definida pelas normas e as estatísticas, os
“criminosos” como indivíduos selecionados e estigmatizados (e, assim,
disponíveis para a observação clínica) através da instituição prisão.[...]
Para a criminologia crítica o sistema positivo e a prática oficial são, antes de
tudo, o objeto de seu saber. A relação com o sistema é crítica; sua tarefa
imediata não é realizar as receitas da política criminal, mas examinar de
forma científica a gênese do sistema, sua estrutura, seus mecanismos de
seleção, as funções que realmente exerce, seus custos econômicos e sociais e
avaliar, sem preconceitos, o tipo de resposta que está em condições de dar, e
que efetivamente dá, aos problemas sociais reais.
[...]isto é exatamente o que caracteriza a criminologia crítica em face da
criminologia tradicional. Sua capacidade para estabelecer um discurso
científico diferente e mais amplo que o da criminologia tradicional depende –
ainda que não somente – da passagem do paradigma etiológico para o
paradigma da reação social.3

Assim, ao assumirmos como referencial o paradigma da Criminologia


Crítica, estamos expressando o objetivo de questionamento da expressão real das
instâncias oficiais de que emana o poder estatal, o que engloba “uma análise do
processo de definição e de reação social, que se estende [...] à desigual distribuição
desse poder e aos conflitos de interesses que estão na origem deste processo.”4 Isso não
significa que pretendemos desenvolver uma teoria deslegitimadora da atividade de
Inteligência de Segurança Pública ou, numa idéia mais específica, de Inteligência
Policial, mas que nos apoiamos numa abordagem teórica questionadora dos
fundamentos da “dimensão da definição” ou da “dimensão do poder” – na medida em
que a atividade de Inteligência poderia servir de supedâneo a investigações ilegítimas. A
Inteligência, nesse prisma, poderia atuar como camuflagem da investigação, como se

3
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal, p.
216-217.
4
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal, p.
211.
12

aquela representasse uma autorização (certamente não chancelada pela Constituição)


para a persecução criminal não-garantista ou uma válvula de escape para dar vazão ao
resultado positivo da investigação, embora ilegítima do ponto de vista constitucional ou
pseudolegitimada por um discurso autopoiético de defesa social, intrínseco aos órgãos
de segurança e com eco em parcela da sociedade (lei e ordem como fundamentos do
discurso oficial). Cuida-se, pois, de uma investigação zetética5, alçada para além do
paradigma etiológico da criminologia.
Em suma, o trabalho enfoca a identificação dos riscos de aplicação de
postulados indeterminados da Inteligência, eventualmente empregados no desempenho
das funções típicas de investigação criminal, com possível ofensa às garantias
processuais e com reflexo nas atribuições ministeriais afetas ao processo de
“criminalização secundária”, ou seja, dos mecanismos de aplicação das normas penais,
na fase preparatória ao exercício da ação penal e na fase processual propriamente dita,
compreendendo a atuação do órgão de execução ministerial em todas as suas funções
finais/típicas (investigação, instrução etc.) e instrumentais/correlatas (controle externo
da atividade policial, defesa de direitos humanos etc.).
Não há como evitar a crítica – e interessa mesmo fomentá-la – ao crescente
e ressonante discurso sobre a imprescindibilidade – e até prioridade – da atividade de
Inteligência para a área de Segurança Pública, em especial a desenvolvida pelas
instituições policiais.
A crítica é o único caminho com aptidão para provocar a necessária
alteração da postura de atuação isolada dos órgãos estatais de segurança – neles
inseridas as Promotorias de Justiça – que se relacionam com a atividade de Inteligência,
com inspiração na necessidade de agir proativa e resolutivamente.
Do ponto de vista humanístico, cuida-se de analisar atividade de poder
estatal capaz de restringir a liberdade e afrontar outras garantias fundamentais, com
especial relevo para a necessidade de respeito aos direitos que guarnecem o cidadão –
ainda que suspeito.

5
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão e dominação, p. 41.
13

O colapso da estrutura judiciária na área, incapaz de oferecer respostas


razoáveis às demandas por segurança, decora, como pano de fundo, o cenário de inútil
proliferação de demandas criminais que versam sobre infrações de médio potencial
ofensivo e, ao mesmo tempo, de impunidade generalizada – às vezes disfarçada do
discurso mítico da ressocialização.
Nos capítulos que seguem, procuramos verificar, a partir da premissa de
indeterminação conceitual da atividade de Inteligência de Segurança Pública, se a
generalidade contribui para: a) o desvirtuamento da própria atividade, com perda de
eficiência para os fins estratégicos (tomada de decisão) a que se destina; b) o desrespeito
às garantias constitucionais; c) a ambiguidade funcional da atividade de Inteligência,
abrindo espaço para a utilização de suas ferramentas típicas, ainda desprovidas de
controle mais efetivo no país, no decorrer de situações específicas de investigações
criminais. Depois de especificar os maiores riscos ao sistema de garantias,
particularmente aos princípios inerentes ao devido processo penal (na fase
investigatória), buscamos apresentar alguns subsídios capazes de orientar, de um lado, o
legislador, alertando para a necessidade de aperfeiçoamento conceitual, de outro, o
operador da área, fomentando o debate e a constante crítica interna das práticas
advindas da estrutura e das funções insertas no ambiente institucional da Inteligência de
Segurança Pública.
14

2 INTELIGÊNCIA, SEGURANÇA PÚBLICA E POLÍCIA: O


DILEMA CONCEITUAL E OS DESAFIOS DE
CONTROLE NA DEMOCRACIA

Os serviços de inteligência se originaram de três matrizes: diplomacia,


guerra e policiamento6. Aquelas voltadas para a política externa, este para a interna,
relacionados à segurança social. No âmbito da inteligência doméstica, é indiscutível a
utilidade – e mesmo a necessidade – de desenvolvimento da Inteligência de Segurança
Pública, que, diante da crescente demanda social pelo combate à criminalidade,
gradativamente se fragmenta e se dissemina entre os órgãos. Esse novo panorama, que,
no plano mundial, agrava-se com ações terroristas e, no continental, com a massificação
da violência e organização da criminalidade, é palco propício para o debate em torno da
“necessidade” versus “banalização” da Inteligência.
Os órgãos estatais de inteligência (serviços secretos ou de informação) são
definidos por Cepik como “agências governamentais responsáveis pela coleta, pela
análise e pela disseminação de informações [...] relevantes para o processo de tomada de
decisões [...].”7
Conceituar as atividades que esses órgãos desempenham não é tarefa fácil.
No sentido lato, o termo inteligência remonta a vários aspectos da
capacidade intelectual de conhecimento, compreensão e resolução de tarefas mentais
complexas. No léxico, inteligência se refere à capacidade cognitiva, de pensamento,
raciocínio e interpretação, projetando-se, modernamente, para aglutinar capacidades e
habilidades relativas ao domínio das emoções, práticas esportivas e até sexuais (p. ex.,
inteligência emocional, inteligência esportiva, inteligência sexual etc.). O termo é ainda
utilizado, em sentido estrito, para designar áreas específicas de várias ciências, ligadas à
computação, gestão de conhecimento etc.
As divergências conceituais, portanto, referem-se à peculiaridade da
atividade e suas idiossincrasias – e também aos seus desdobramentos em várias áreas do

6
CEPIK, Marco A. C. Espionagem e democracia, p. 19
7
“[...] tomada de decisões e de implementação de políticas públicas nas áreas de política externa, defesa nacional e
provimento da ordem pública.” CEPIK, Marco A. C. Espionagem e democracia, p. 13.
15

conhecimento humano, sem falar na possibilidade de aplicação de seus postulados a


práticas socioeconômicas próprias do setor privado, no ambiente de competição do
mercado8.
Como atividade estatal típica, vinculada à ideia de informação, a formulação
do conceito clássico de Inteligência9, da forma como se vislumbra atualmente a
atividade “institucionalizada”, pode ser atribuída a Sherman Kent, que se referiu à
Inteligência como atividade estatal no plano internacional, no sentido de que os
tomadores de decisão (os líderes da política nacional) precisam de conhecimentos
completos, precisos, oportunos e que sirvam de base para ação; enfim, conhecimentos
que um Estado deveria possuir em relação aos demais países: “informações necessárias
aos estrategistas para elaboração e execução de seus planos [...] para salvaguarda do
bem-estar nacional”; “informações positivas de alto nível no exterior.”10 Percebe-se a
vinculação da Inteligência ao conhecimento necessário ao planejamento estratégico
estatal. John G. Heidenrich (cujas raízes conceituais remontam a Sherman Kent) afirma
que uma estratégia não é propriamente um plano, mas a direção lógica de um plano:
“strategic intelligence is that intelligence necessary to create and implement a strategy,
typically a grand strategy, what officialdom calls a national strategy.”11
Marcelo Fabián Sain diz que a Inteligência, num sentido geral, refere-se à
atividade institucional relativa à obtenção de “informação-chave” para os assuntos de
segurança interna e externa do Estado e a seu posterior processamento analítico e
interpretativo12.
Para o pesquisador argentino, desde o ponto de vista conceitual, a
información constitui o conjunto de dados e conhecimentos específicos – pontuais e

8
Não há como preservar o termo inteligência, ainda que tomado em seus sentidos restritos, exclusivamente para a
atividade estatal típica, captada pelo leigo sob o estigma da espionagem. A propósito, Joanisval Gonçalves registra
que “hoje, cada vez mais, a atividade de inteligência também alcança o meio privado, sendo recurso importante às
corporações no mercado competitivo.” (GONÇALVES, Joanisval Brito. Atividade de inteligência e legislação
correlata, p. 7.)
9
A partir desse tópico, toda vez que nos referirmos à “inteligência” no sentido referido ao objeto deste trabalho, o
termo aparece com a inicial maiúscula, para realce da ideia de Inteligência como serviço público institucionalizado.
10
KENT, Sherman. Informações estratégicas, p. 7-18.
11
HEIDENRICH, John G. The State of Strategic Intelligence - The Intelligence Community's Neglect of Strategic
Intelligence. Disponível em: https://www.cia.gov . Acesso em 30 mai. 2009. Tradução livre: “inteligência estratégica
é aquela inteligência necessária para criar e implementar uma estratégia, especificamente a grande estratégia
oficialmente chamada de estratégia nacional.”
12
Tradução livre. Cf. SAIN, Marcelo Fabián. Democracia e inteligencia de Estado en la Argentina. Disponível em:
http://www.fafich.ufmg.br . Acesso em: 20 nov. 2009.
16

gerais – sobre pessoas, setores, organizações, entidades e associações, assim como sobre
as ações, atividades, relações, vínculos e acontecimentos por elas protagonizados, e de
situações, ambientes e lugares vinculados a todos esses aspectos. Para Gambier e
Zubiaur, citados pelo próprio Sain, a inteligencia – propriamente dita – é o resultado das
tarefas de seleção, ordenamento, qualificação, análise e interpretação da informação
obtida, precedentemente13 acerca daqueles aspectos, processos ou questões (sociais,
políticas, culturais, econômicas etc.) que necessitam da elaboração de um quadro de
situação ou diagnóstico em virtude de empreender um processo de tomada de
decisões14.
As dificuldades de estabelecimento de parâmetros conceituais específicos se
tornam ainda mais evidentes quando vislumbramos enunciados sobre ferramentas
desenvolvidas na administração empresarial. Curioso que também no setor privado se
fala dessa dificuldade, diante da ausência de um referencial teórico consolidado sobre a
gestão estratégica das informações15.
Na Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança Pública, ações de
Inteligência de Segurança Pública são definidas como:
de natureza sigilosa, levadas a efeito por integrantes do organismo de
Segurança Pública, nas quais se empregam técnicas especiais de investigação,
visando a obter evidências, indícios ou provas da autoria e materialidade de
um crime, podendo ocorrer isoladamente ou não.16

E operação de Inteligência:

13
Entendemos fundamental a inclusão conceitual da prognose, a propriedade de antever-se ao evento, sem a qual a
atividade de inteligência se torna inócua e se confunde com outras, com que se relaciona e se aproxima, como é o
caso da investigação. Por isso grifamos o termo.
14
Cf. GAMBIER, Beltrán; ZUBIAUR, Carlos. La inteligencia como actividad del Estado, Buenos Aires, La Ley,
1991-E, apud SAIN, Marcelo Fabián. Democracia e inteligencia de Estado en la Argentina. Disponível em:
http://www.fafich.ufmg.br. Acesso em: 20 nov. 2009.
15
Rivadávia Alvarenga Neto, em defesa de uma autêntica gestão do conhecimento, leciona: “Uma gestão voltada
para o conhecimento é aquela capaz de estabelecer uma visão estratégica para o uso da informação e do
conhecimento, promover a aquisição, criação, codificação parcial e transferência de conhecimentos tácitos e
explícitos, estimular e promover a criatividade, a inovação, a aprendizagem e a educação continuada, além de
propiciar um contexto organizacional adequado – ao se reconhecer o papel fundamental da cultura organizacional,
das pessoas, seus comportamentos e atitudes – em tempos onde a informação e o conhecimento constituem-se como
os únicos fatores capazes de fortalecer as competências essenciais das organizações e contribuir para a consolidação
de vantagens competitivas sustentáveis." (Cf. ALVARENGA NETO, Rivadávia Correa Drummond de. Gestão do
conhecimento em organizações: proposta de mapeamento conceitual integrativo. Disponível em:
http://www.bibliotecadigital.ufmg.br. Acesso em: 08 jul. 2009)
16
BRASIL. Ministério da Justiça. Doutrina de Inteligência de Segurança Pública. Secretaria Nacional de Segurança
Pública. Plano Nacional de Segurança Pública. Brasília, 2006, p. 42.
17

o conjunto de ações de Inteligência de Segurança Pública que emprega


técnicas especiais de investigação, visando a confirmar evidências, indícios e
obter conhecimentos e provas sobre a atuação criminosa dissimulada e
complexa, bem como a identificação de redes e organizações que atuam no
crime, de forma a proporcionar um perfeito entendimento sobre seu „modus
operandi‟, ramificações, tendências e alcance de suas ações criminosas.17

No plano legislativo, para a Lei n. 9.883/1999 (art. 1º, § 2º) a atividade de


Inteligência visa a:
obtenção, análise e disseminação de conhecimentos dentro e fora do território
nacional sobre fatos e situações de imediata ou potencial influência sobre o
processo decisório e a ação governamental e sobre a salvaguarda e a
segurança da sociedade e do Estado.

O Decreto 3.695, de 21 de dezembro de 2000, que criou o Subsistema de


Inteligência de Segurança Pública –SISP, no parágrafo terceiro do seu art. 2º, destina
aos seus representantes a função de “identificar, acompanhar e avaliar ameaças reais ou
potenciais de Segurança Pública e produzir conhecimentos e informações que subsidiem
ações para neutralizar, coibir e reprimir atos criminosos de qualquer natureza”.
Ainda no plano infralegal, referindo-se ao Dec. 3.695/2000, a Resolução n.
1, de 15 de julho de 2009, da Secretaria Nacional de Segurança Pública, que
regulamenta o SISP, conceituou Inteligência como:
a atividade que objetiva a obtenção, análise e disseminação de
conhecimentos, dentro e fora do território nacional, sobre fatos e situações de
imediata ou potencial influência sobre o processo decisório e a ação
governamental e sobre a salvaguarda e a segurança da sociedade e do Estado.

E Inteligência de Segurança Pública (art. 1º, § 4, III):

atividade permanente e sistemática via ações especializadas que visa


identificar, acompanhar e avaliar ameaças reais ou potenciais sobre a
Segurança Pública e produzir conhecimentos e informações que subsidiem
planejamento e execução de políticas de Segurança Pública, bem como ações
para prevenir, neutralizar e reprimir atos criminosos de qualquer natureza, de
forma integrada e em subsídio à investigação e à produção de conhecimentos;

17
BRASIL. Ministério da Justiça. Doutrina de Inteligência de Segurança Pública. Secretaria Nacional de Segurança
Pública. Plano Nacional de Segurança Pública. Brasília, 2006, p. 42.
18

A resolução diferencia a Inteligência de Segurança Pública da Inteligência


Policial, esta definida como um (art. 1º, § 4º, IV):
conjunto de ações que empregam técnicas especiais de investigação, visando
a confirmar evidências, indícios e a obter conhecimentos sobre a atuação
criminosa dissimulada e complexa, bem como a identificação de redes e
organizações que atuem no crime, de forma a proporcionar um perfeito
entendimento sobre a maneira de agir e operar, ramificações, tendências e
alcance de condutas criminosas;

Analisando a Lei n. 9.833/1999, Marco Cepik, ao mesmo tempo em que


registra que o conceito legal é excessivamente vago, adverte que, se os órgãos de
Inteligência (em especial os de Segurança Pública) adotarem fielmente esse conceito
como parâmetro, tornar-se-ão irrelevantes para o processo decisório governamental ou
acumularão poder irrestrito sob o manto do segredo governamental.18 Também Priscila
Antunes caracteriza a definição legal como “excessivamente genérica”, criticando-a
especialmente porque:
mantém a acepção comum de igualar Inteligência ao processamento de
informações para o processo decisório. Teria sido necessário, no mínimo,
reduzir o enfoque dado à atividade de Inteligência, que possui associações
historicamente determinadas com relações internacionais, defesa, Segurança
Pública e segredo governamental.19

É natural, pois, do ponto de vista metodológico, que este trabalho,


assimilando essas considerações, parta da premissa da indeterminação conceitual de
Inteligência, para indagar sobre seus reflexos na política, planejamento e execução de
atividades relacionadas à Segurança Pública, particularmente no confronto com a
atividade de investigação criminal à luz do princípio do devido processo penal.
Muitas outras questões poderiam ser formuladas em conexão ao eixo central
dessa pesquisa... Os órgãos de Segurança Pública, a pretexto de investigar e perseguir
processualmente, com eficiência, a prática de crime, valendo-se de atividade, conceitos
e operações de Inteligência como sucedâneo ou complementação da investigação, não
ofenderiam as liberdades públicas individuais com ofensa aos princípios da
razoabilidade e proporcionalidade? As garantias fundamentais do cidadão, na

18
CEPIK, Marco A. C. Espionagem e democracia, p. 207.
19
BRANDÃO, Priscila. A Inteligência de Segurança Pública no Brasil, na virada do segundo milênio: uma história
institucional. XXVIII International Congress of the Latin American Studies Association. Rio de Janeiro, junho de
2009.
19

democracia, admitem ponderação e flexibilização, ao argumento da preponderância do


interesse social (princípio da vedação da proteção insuficiente) sobre o individual
(princípio da proibição de excesso), à luz da proporcionalidade? O Estado, por meio de
seus órgãos de segurança, estaria legitimado, nessa atividade, a buscar dados negados
mediante o emprego de procedimentos sigilosos não sujeitos aos mesmos mecanismos
de controle (interno, judicial anômalo ou externo) aplicáveis à investigação criminal?
Nesse caso, as informações produzidas pela Inteligência poderiam servir de base à ação
penal ou mesmo fundamentar o convencimento do juiz em sede probatória? Tais
atividades constituiriam um artifício para suplantar as limitações constitucionais da
investigação criminal? Até que ponto as informações estratégicas para a tomada de
decisões, em especial na área de Segurança Pública, justificam-se e contribuem para a
eficiência governamental, se empregadas na resolução de um crime específico? Como
conciliar a necessidade de eficiência dos órgãos de Segurança Pública, a partir de
planejamento institucional e execução de ações de Inteligência, de forma que os atos
não escapem da observância ao princípio da legalidade e do respeito irrestrito aos
direitos fundamentais? Seria o caso de perquirir, portanto, em atenção às peculiaridades
da área de Segurança Pública, se a gestão de informações de forma coerentemente
planejada seria suficiente para alcançar as metas propostas, ou se a atividade de
Inteligência seria um corolário essencial ao objetivo estabelecido. Ou seja, qual a
missão da Inteligência? A atuação proativa e a tomada de decisões político-
institucionais na área de Segurança Pública pode se consolidar sem os recursos da
Inteligência? Além do mais, é necessária e legítima, do ponto de vista do controle, a
atividade de Inteligência, sobretudo quando nos deparamos com sua utilização em
relação a fatos que já ocorreram? Sem dúvida, a concepção de Inteligência que se
adotar será determinante para a análise de seu custo-benefício social, porque a gestão
da informação também subsidia o processo decisório, sem o recurso excepcional da
Inteligência no seu sentido estrito. Inteligência poderia significar outorga a órgãos
oficiais para violação da lei (e da Constituição)? A atividade de Inteligência,
reconhecidamente útil para qualquer órgão governamental, é sempre necessária e
legítima? As metas propostas para tal atividade, como instrumentais de um fim maior,
não seriam atingidas por meio de planejamento estratégico, de gestão de informações ou
20

administração empresarial? Por que não operar com outra ferramenta, fora a Inteligência
– sob pena de sua banalização? Para a atividade de Segurança Pública, especialmente
desenvolvida pelas polícias, vamos adotar qual conceito de Inteligência?
Não temos a resposta definitiva para essas indagações (nem pretendemos,
neste trabalho, respondê-las); questionamentos que permanecem em aberto, com relação
à legitimidade e transparência – necessidade de controle – frente à evidente necessidade
de sigilo da Inteligência. Não se pode fundamentar sua necessidade (relevância e
imprescindibilidade) a partir da constatação de sua utilidade. Inteligência é um
instrumento de exceção, porque desigual20.
Essas perguntas nos servem de pano de fundo, enfim, para o confronto entre
a necessidade da atividade de Inteligência e sua especificidade em relação às demais
atividades desempenhadas pelas instituições e órgãos vinculados, direta ou
indiretamente, à Segurança Pública, como consequente ao desempenho de atividade de
investigação, bem como sua (im)prescindibilidade, sobretudo em face da escassez de
investimento na superação de questões estruturais e conjunturais que se relacionam à
(in)eficiência na gestão de recursos e informações. Nosso único porto seguro, para que
as perguntas lançadas ao mar do conhecimento nos sirvam, além de bússola, também de
vela e timão, é a determinação conceitual e o rigor terminológico.

20
Vale lembrar que a Constituição de 1988 previu uma série de garantias que guarnecem o cidadão investigado, não
disciplinando situação similar quanto ao emprego da inteligência, situação que nos autoriza supor que o constituinte
originário tinha em mente a inteligência desenvolvida, até então, pelo SNI, em detrimento das liberdades individuais
com objetivos políticos.
21

3 DESENVOLVIMENTO E INSTITUCIONALIZAÇÃO DA
INTELIGÊNCIA NO BRASIL

3.1 A Inteligência brasileira no contexto da Guerra Fria

Importa realçar o contexto atual da Inteligência brasileira, para compreensão do


enfoque que se dá, atualmente, à Inteligência de Segurança Pública, especialmente nos
órgãos policiais. Necessária, pois, uma breve incursão histórica.
Desde a antiguidade temos notícia do uso de espiões e informantes mais ou
menos especializados, bastando para confirmação dessa constatação uma leitura dos
principais acontecimentos relacionados ao processo de detenção e disputa pelo poder
desde as remotas Civilizações e Impérios. Não obstante, a atividade de Inteligência se
institucionaliza como atividade estatal oficial, a partir do séc. XVI, após o surgimento
do Estado Moderno e afirmação dos Estados Nacionais como forma predominante de
estrutura política, e mesmo assim, da forma como a conhecemos hoje, com a
aproximação do cenário de conflitos armados no início do séc. XX, aperfeiçoados
sobremaneira no período da Guerra Fria21.
A origem dos sistemas institucionalizados de Inteligência nos remete, pois, ao
período de competição entre os Estados Nacionais e desses com outros tipos de
unidades políticas, como Impérios, Califados e Cidades-Estado, como explica Charles
Tilly, citado por Cepik.22 A consequência natural desse processo foi a guerra como
forma de dominação de povos e territórios ou como resistência a ela. Nesse contexto,
foram criadas organizações especializadas na obtenção de informações, com funções
secundárias de uso das informações para dominação e maximização de poder em
diferentes períodos e contextos nacionais. Por isso Cepik lembra que, ainda hoje, os
sistemas nacionais de Inteligência se caracterizam por essa dupla natureza:
informacional e coercitiva23, embora com o registro da seguinte advertência:
na verdade, a trajetória moderna dos serviços de Inteligência é marcada por
grandes descontinuidades entre os primeiros serviços secretos surgidos no
contexto do absolutismo e as inúmeras organizações que configuram

21
Cf. CEPIK, Marco A. C. Espionagem e democracia, p. 14.
22
CEPIK, Marco A. C. Espionagem e democracia, p. 86.
23
CEPIK, Marco A. C. Espionagem e democracia, p. 89.
22

atualmente os sistemas nacionais de Inteligência e segurança. É justamente


essa diversidade de funções e perfis organizacionais que torna equivocado
caracterizar os serviços de Inteligência exclusivamente como organizações de
força do Estado. Como parte do núcleo coercitivo do Estado contemporâneo,
os serviços de Inteligência desempenham um papel predominantemente
informacional, com algumas funções diretamente coercitivas sendo exercidas
por unidades específicas no sistema.
Além da descontinuidade histórica e da diversidade de funções exercidas por
diferentes componentes dos sistemas nacionais, um outro problema na
caracterização dos modernos serviços de Inteligência é que as macrofunções
desempenhadas por eles são apenas uma parte da explicação sobre por que
eles surgiram e qual é seu perfil organizacional atual. A outra parte da
explicação é política, não funcional.24

Como vimos linhas acima, esse processo de especialização e


diferenciação organizacional está relacionado às próprias matrizes históricas que
determinaram o surgimento dos sistemas nacionais de Inteligência, identificadas
também por Michael Herman: guerra, diplomacia e policiamento 25. Há, a partir desse
contexto, desdobramentos organizacionais que se explicam pela maior ou menor
desvinculação operada, progressivamente, entre as organizações de Inteligência e os
órgãos encarregados da formulação e implementação de políticas estatais, e entre
aquelas e as atividades de diplomacia. Cuida-se de um processo iniciado em meados do
séc. XIX, enfatizado nos anos iniciais da Guerra Fria e que, a rigor, ainda se encontra
em curso, num ambiente de expansão dos sistemas de Inteligência.
Depois da I Guerra Mundial e da Revolução Russa, os serviços de Inteligência
doméstica incorporaram a vigília de atividades de Inteligência de governos estrangeiros
em seus territórios, aprimorando, com isso, os serviços de contra-Inteligência.
A criação do primeiro serviço oficial de Inteligência no Brasil se dá com o
Conselho de Defesa Nacional, no mandato do presidente Washington Luís, com o
objetivo, segundo Priscila Antunes, de acompanhar os agitados acontecimentos da
década de 20 do século passado, quando o país convivia com as turbulências do
tenentismo e com o surgimento do movimento operário, no contexto mundial abalado

24
CEPIK, Marco A. C. Espionagem e democracia, p. 90.
25
Cf. CEPIK, Marco A. C. Espionagem e democracia, p. 91.
23

com a vitoriosa revolução russa e com as crises econômicas precedentes à quebra de


192926.
A partir do final da segunda grande guerra e com o surgimento da guerra fria, foi
criado o Serviço Federal de Informações e Contrainformações - SFICI, cuja
consolidação como órgão produtor de informações ocorreu apenas uma década depois,
no governo de Juscelino Kubitschek, sob os auspícios da estratégia estadunidense “de
fortalecimento das estruturas dos Estados integrantes da [...] OEA”27, o que, de certa
forma, explica a preocupação com os movimentos de esquerda mesmo num regime
democrático, cujas possíveis ocorrências subversivas eram alvo da atuação da Subseção
de Segurança Interna - SSI do SFICI.
No plano mundial, durante a Guerra Fria e com a emergência do terrorismo nos
anos 70, acrescentaram-se à agenda dessas organizações medidas de antiterrorismo. O
próximo passo foi incorporar, para além dos limites da investigação criminal, serviços
de Inteligência capazes de auxiliar na definição de políticas de segurança em
contraponto ao crescimento, nas últimas décadas, do crime organizado e do tráfico de
drogas, com a expansão de seus tentáculos em nível globalizado.
Como nos lembra Cepik, esse retrato bem ilustra a dificuldade de
estabelecimento de fronteiras organizacionais bem definidas nas diferentes áreas e
missões de Inteligência, derivadas de qualquer daquelas três matrizes28.
Após o golpe militar, o SFICI foi substituído pelo Serviço Nacional de
Informações - SNI, em iniciativa capitaneada pelo Gal. Golbery do Couto e Silva, no
governo do presidente Castelo Branco, em lei influenciada pela doutrina da Segurança
Nacional29.

26
BRANDÃO, Priscila Carlos. Serviços de Inteligência no Cone Sul: um estudo comparado sobre o legado das
transições para a democracia na Argentina, no Brasil e no Chile, p. 162.
27
BRANDÃO, Priscila Carlos. Serviços de Inteligência no Cone Sul: um estudo comparado sobre o legado das
transições para a democracia na Argentina, no Brasil e no Chile, p. 162.
28
CEPIK, Marco A. C. Espionagem e democracia, p. 102.
29
Francisco de Souza Brasil explica, a respeito da doutrina de Segurança Nacional, que “A ciência e a tecnologia,
transformando a guerra, de localizada em total, de convencional em nuclear, fizeram com que, pouco a pouco, o
antigo conceito de „defesa‟ fosse [...] evoluindo para outro, mais amplo, de segurança.” Em flagrante apologia à
doutrina que fundamentaria as incursões autoritárias do governo militar brasileiro, sob a vigília insone do SNI, “nos
porões da ditadura”, buscava suas raízes no positivismo (“O amor por princípio, a ordem por base, o progresso por
fim”), para definir a Segurança Nacional como “Grau de garantia que – através de ações Políticas, Econômicas,
Psicossociais e Militares – o Estado proporciona à Nação para a conquista e manutenção dos Objetivos Nacionais a
despeito de antagonismos ou pressões, existentes ou potenciais”, para em seguida buscar as raízes de seus aspectos
legais desde a primeira Constituição outorgada por D. Pedro I, em 25 de março de 1824, quando a função de
24

Com o fim da Guerra Fria, que culminou com o esfacelamento da URSS e teve
sua representação simbólica na queda do muro de Berlim, emergiu um novo contexto
mundial, identificado desde então como globalização, mas que melhor seria explicado
pelo fim da bipolarização político-ideológica e por relações multilaterais num contexto
de complexidade e conflituosidade, fundamentadas por várias questões, inclusive ou
especialmente motivadas pelo recrudescimento da questão religiosa como pretexto ou
pano de fundo, ainda que para acobertar interesses macroeconômicos e a disputa por
mercados e recursos energéticos.
Essa nova realidade mundial, ainda em processo de estruturação ou exaurimento
– e certamente ainda não compreendida e cabalmente interpretada –, fez revelar o
agigantamento da criminalidade transnacional e organizada, fazendo com que a questão
da criminalidade, sob o viés do terrorismo ou da intolerância ao estrangeiro, na ordem
externa, ou da crescente atuação de grupos criminosos implementadores de poder
paralelo ao oficial, no ambiente interno, produzisse uma intercessão ou mesmo uma
sobreposição de interesses informacionais, cada vez mais ávidos pela segurança, no
plano nacional ou local: Segurança Nacional e Segurança Pública interligadas e
canalizadoras de atividades de Inteligência.
Essa aparente (e questionável) comunhão de objetos entre a Inteligência clássica
e a Inteligência de segurança, em especial a Inteligência Policial, exige um maior
comprometimento com a análise dos riscos e ameaças à democracia, a serem defendidos
pela Inteligência, mas também dos riscos que a própria atividade, cujo controle é
peculiar e tormentoso, traz para os valores democráticos de afirmação da cidadania.

segurança esteve (desde sempre) positivada, inclusive com a diferenciação entre segurança externa e interna,
cometendo-se à “força militar” a missão de “defesa contra inimigos externos ou internos (art. 145)”. Francisco Brasil
registra, enfim, que “A Emenda Constitucional n. 1, de 17 de outubro de 1969, deu nova redação à Constituição de
1967, formando juntamente com o Ato Institucional n. 5, de 13 de dezembro de 1968, com o Decreto-lei n. 200, de 25
de fevereiro de 1967; e com o Decreto-lei n. 898, de 29 de setembro de 1969, e alguns textos esparsos menos
importantes, a base positiva atual da segurança nacional”. [Cf. BRASIL, Francisco de Souza. Doutrina de
Segurança Nacional: muito citada, pouco comentada, p. 399-400, 403 e 406-407.] Aliás, foi o Dec.-lei 200/67, com
sua alteração de 29 de setembro de 1967, que disciplinou a organização do Conselho Nacional de Segurança e do
Serviço Nacional de Informações (cuja estrutura já havia sido ampliada, em julho de 1967, com a aprovação de um
novo regulamento).
25

3.2 A transição SNI–ABIN

O SNI foi estruturado para atender a uma demanda específica do governo


militar, fundamentada na Doutrina da Segurança Nacional. O endurecimento do regime
no final de 1968 lançou reflexos também sobre a área de informações, com a criação de
serviços de Inteligência nas forças armadas e com a expansão vertiginosa do SNI, que
passou a ser “‘o cabeça’ da grande rede em que se transformaram os serviços de
informações no período militar”, experimentando anos depois, durante o governo
Figueiredo (que o havia chefiado de 1974 a 1978), nova ampliação.30 Sobre a atuação
das agências militares no período, fundamental para compreensão do funcionamento do
sistema “comandado” pelo SNI, Priscila Brandão escreve:
Com exceção das informações do SNI, que eram centralizadas na Agência
Central, todas as questões relativas à repressão naquele período foram
conduzidas pelos CODI´s e pelos DOI´s, que passaram a operar em conjunto
com as polícias estaduais e federais, sob a direção e coordenação formal do
ministro do Exército. A essa estrutura e esse conjunto de operações se deu o
nome de Sistema Nacional de Segurança Interna/SISSEGINT.31

Fato é que os militares contavam com o apoio de um forte grupo de


políticos e empresários, o que “viabilizou a imposição de vários itens da agenda de
abertura e permitiu aos militares extraírem um alto preço para se retirar do governo,”32
especialmente a anistia “ampla, irrestrita e completa”, que beneficiou tanto os militantes
de esquerda quanto os militares envolvidos nos abusos noticiados na repressão. Enfim, o
governo Figueiredo foi marcado pela continuidade da abertura iniciada pelo presidente
Geisel e, paradoxalmente, pelo crescimento da maior estrutura de poder que marcaria o
período militar, o SNI33.

30
BRANDÃO, Priscila Carlos. Serviços de Inteligência no Cone Sul: um estudo comparado sobre o legado das
transições para a democracia na Argentina, no Brasil e no Chile, p. 164.
31
Cf. BRANDÃO, Priscila Carlos. Serviços de Inteligência no Cone Sul: um estudo comparado sobre o legado das
transições para a democracia na Argentina, no Brasil e no Chile, p. 164. O Centro de Informações do Exército - CIE,
criado em 1967 com o objetivo de combater a subversão, forneceu o maior número de agentes para os Destacamentos
de Operação Interna – DOI‟s, que, apesar de funcionarem subordinados aos Centros de Operações e Defesa Interna –
CODI‟s, mantinham alto grau de autonomia, desempenhando atividades reservadas, sem fardamento e com viaturas
disfarçadas. Os DOI‟s eram, no SISSEGINT, os responsáveis pelas “batidas”, prisões e interrogatórios. BRANDÃO,
Priscila. Idem. Ibidem.
32
BRANDÃO, Priscila Carlos. Serviços de Inteligência no Cone Sul: um estudo comparado sobre o legado das
transições para a democracia na Argentina, no Brasil e no Chile, p. 168.
33
BRANDÃO, Priscila Carlos. Serviços de Inteligência no Cone Sul: um estudo comparado sobre o legado das
transições para a democracia na Argentina, no Brasil e no Chile, p. 169.
26

A respeito, Priscila Antunes leciona que o processo de reorganização do


sistema de Inteligência brasileiro teve início com a extinção do Serviço Nacional de
Informações - SNI e da Secretaria de Assuntos de Defesa Nacional - SADEN em 1990,
pelo ex-presidente Fernando Collor, sendo criada, em substituição, a Secretaria de
Assuntos Estratégicos - SAE, que comportava o Departamento de Inteligência -
DI/SAE. Apesar de herdeiro de boa parte do espólio do SNI, o Departamento de
Inteligência foi esvaziado em suas funções, cabendo-lhe apenas a responsabilidade de
implementar medidas de proteção a assuntos sigilosos em nível nacional34.
Entre a extinção do SNI, iniciativa do presidente Collor que mitigava a
influência dos militares, e 1995 os principais órgãos de Inteligência foram
caracterizados por uma política de desinteresse dos poderes Executivo e Legislativo,
situação relativamente alterada apenas a partir do governo Fernando Henrique, que
iniciou uma nova postura política em relação aos militares35.
Após o impeachment de Collor, Itamar Franco reformulou a SAE, elevou
seu secretário à categoria de ministro e criou, através da Lei n. 8.490/1992, a
Subsecretaria de Inteligência – SSI, a que ficaram subordinados o Departamento de
Inteligência e o Centro Federal de Aperfeiçoamento de Recursos Humanos – CEFARH.
Com a edição da MP813 e posterior promulgação da Lei 9.883/1999, foram
criados o Sistema Brasileiro de Inteligência – SISBIN e a Agência Brasileira de
Inteligência – ABIN, concebida para ocupar seu ápice e, entretanto, preencher o vácuo
provocado pela extinção do SNI. Priscila Antunes registra que o SISBIN foi criado com
a função de integrar as ações de planejamento e execução das atividades de Inteligência
em âmbito nacional, “o que inclui o processo de obtenção, análise e disseminação „de
informações necessárias ao processo decisório do Poder Executivo’ e a salvaguarda da
informação „contra o acesso de pessoas ou órgãos não autorizados’”36, nos termos da
Lei 9.883 – que também define a atividade de Inteligência, como vimos acima.

34
ANTUNES, Priscila. Segurança Pública e Inteligência: a criação do SISP no processo de (re) institucionalização
do Sistema Brasileiro de Inteligência.
35
BRANDÃO, Priscila Carlos. Serviços de Inteligência no Cone Sul: um estudo comparado sobre o legado das
transições para a democracia na Argentina, no Brasil e no Chile, p. 184.
36
ANTUNES, Priscila. Segurança Pública e Inteligência: a criação do SISP no processo de (re) institucionalização
do Sistema Brasileiro de Inteligência.
27

Mesmo assim, os militares mantiveram a autonomia para definição de suas


próprias capacidades e estruturas de Inteligência, cuja reorganização foi fruto de
iniciativa dos próprios militares, sem ingerência do poder civil37.

A ABIN foi gerada para ser órgão de assessoramento direto da Presidência


da República, atualmente subordinada ao Gabinete de Segurança Institucional. Como
órgão central do sistema, é sua a função de “planejar, executar, coordenar, supervisionar
e controlar as atividades de Inteligência do País”, competindo-lhe:

I - planejar e executar ações, inclusive sigilosas, relativas à obtenção e análise


de dados para a produção de conhecimentos destinados a assessorar o
Presidente da República;
II - planejar e executar a proteção de conhecimentos sensíveis, relativos aos
interesses e à segurança do Estado e da sociedade;
III - avaliar as ameaças, internas e externas, à ordem constitucional;
IV - promover o desenvolvimento de recursos humanos e da doutrina de
Inteligência, e realizar estudos e pesquisas para o exercício e aprimoramento
da atividade de Inteligência.

Em junho de 2000, foi traçado o Plano Nacional de Segurança Pública -


PNSP, que previa, em um de seus compromissos programáticos, a implementação do
Subsistema de Inteligência de Segurança Pública - SISP. Criado pelo Decreto 3.695 de
21 de dezembro de 2000, no âmbito da lei 9.883/99, que regulamenta o SISBIN, o SISP
recebeu a missão de “coordenar e integrar as atividades de ISP em todo o país, bem
como suprir os governos (federal e estaduais) de informações que subsidiem a tomada
de decisões neste campo.” Como seu órgão central, foi escolhida a Secretaria Nacional
de Segurança Pública - SENASP, cujos principais componentes operacionais seriam
órgãos vinculados à Administração Federal, além das polícias militares e civis dos
Estados e do Distrito Federal, desde que conveniados.

Nos termos do art. 1º da Resolução n. 1, de 15 de julho de 2009, da


SENASP, o SISP, constituído de rede própria, é responsável pelo processo de
coordenação e integração das atividades de Inteligência de Segurança Pública no âmbito
do território nacional. O objetivo do SISP, de acordo com o mesmo dispositivo, é
fornecer subsídios informacionais aos respectivos governos para a tomada de decisões

37
BRANDÃO, Priscila Carlos. Serviços de Inteligência no Cone Sul: um estudo comparado sobre o legado das
transições para a democracia na Argentina, no Brasil e no Chile, p. 184.
28

no campo da Segurança Pública, mediante a obtenção, análise e disseminação da


informação útil e salvaguarda da informação contra acessos não autorizados.

A criação do SISBIN trouxe avanços, resumidos por Priscila Antunes em


duas importantes nuances: “primeiro, trata-se de um importante passo no sentido de
fomentar maiores graus de cooperação e de integração de fluxos informacionais”;
“segundo, porque contribui para viabilizar um controle mais eficiente, na medida em
que delimita as áreas de atuação e possibilita uma maior interlocução entre as
organizações de Inteligência e as demais burocracias e sociedade.”38
Por outro lado, projetou também problemas operacionais, a partir da própria
estrutura e (des)funcionalidade do Subsistema, que se refletem na arquitetura dos
serviços de Inteligência pelas unidades da federação e no relacionamento destes no
interior do sistema, entre si e com a ABIN, cujos contornos analisaremos mais adiante,
pela estreita vinculação do tema com os riscos que o incremento descontrolado da
atividade pode trazer.
Quanto ao papel da ABIN, há quem defenda39, sob o pretexto da ameaça da
criminalidade organizada, que a agência deveria ter poderes para atos próprios da
investigação criminal, mediante controle judicial prévio, como ocorre com as medidas
cautelares de interceptação levadas a cabo pela polícia federal. No entanto, o que se
nota, ainda hoje, é a dificuldade da ABIN em estabelecer claramente as dimensões de
seu papel.

3.3 Perspectivas

Após a Guerra Fria, parece ter havido uma relativa retração40 da atividade
de Inteligência, no plano das relações internacionais – ou, no mínimo, aumentou o nível
de questionamento sobre a imprescindibilidade, a função desses serviços no novo
contexto mundial e a manutenção de recursos orçamentários vultosos para o setor. O
mundo, afinal, inaugurava uma nova ordem de estabelecimento de relações, com

38
ANTUNES, Priscila. Segurança Pública e Inteligência: a criação do SISP no processo de (re) institucionalização
do Sistema Brasileiro de Inteligência.
39
SAMPAIO, Alexandre Buck Medrado. Controle judicial das atividades de inteligência no Brasil: eficiência
democrática na agência brasileira de inteligência, p. 60-62.
40
Embora não se possa afirmar, por ausência de referencial seguro, o encolhimento da atividade, certamente o
questionamento que sobreveio implicou uma certa mudança de foco e de objetivos.
29

necessidades de agilidade e presteza de informações, cada vez mais compartilhadas e


disponíveis, notadamente com o avanço da rede mundial de computadores e dos meios
de comunicação em geral.
No mesmo contexto, como lembra Cepik, percebe-se a demanda crescente
por informações cada vez mais complexas e o incremento de tecnologias de
comunicação e informação, inclusive com o advento de órgãos privados ofertando
informações sobre segurança41.
Por outro lado, o panorama do início do sec. XXI seria influenciado
fortemente pelas relações cada vez mais tensas envolvendo o mercado de petróleo e a
necessidade energética dos países ricos, mais especificamente os conflitos entre os EUA
e o Iraque, que culminaram, num de seus mais drásticos episódios, com o atentado
terrorista às torres gêmeas.
É dentro dessa realidade que o Brasil procura enfrentar, com contornos
organizacionais nunca experimentados, o avanço da criminalidade, ainda que
incorporando, às vezes sutil e imperceptivelmente, o discurso que se faz nos EUA para
justificar o emprego de técnicas e recursos especiais no combate ao terror ou na Europa
para fundamentar as reações contra ameaças de migrantes, com recorrente apelo
nacionalista (ainda que implícito).

Em suma, enquanto os serviços de inteligência policial travam, diariamente,


o “combate” à “narcocriminalidade” numa guerra inebriante de insucesso anunciado,
confrontando-se com pequenos distribuidores de droga e de armas, o cenário continental
revela um complexo e tormentoso cenário de proliferação de atividades ilegais, com a
conivência política do Estado brasileiro. Como alerta Alessia De Caro:

Il terrorismo e il traffico di droga sono spesso legati a causa del denaro


prodotto dall‟attività illegale che i gruppi terroristici usano per sostenere ed
espandere i loro network e le loro operazioni.
Mentre un atto terroristico individuale può non richiedere una quantità estesa
di fondi, attacchi come quello dell‟11 settembre implicano un costo non
minore di 500.000 dollari. Lo stesso mantenimento di un network formato da
cellule operative necessita di una significativa somma di denaro. A causa del
successo degli sforzi della Comunità internazionale, tesi a diminuire la
sponsorizzazione del terrorismo da parte di alcuni Stati, si può desumere il

41
Cf. CEPIK, Marco A. C. Espionagem e democracia, p. 14.
30

motivo per cui i gruppi terroristici stiano aumentando il loro coinvolgimento


nel traffico di droga per cercare di raccogliere fondi.
Nonostante i trafficanti di droga ed i terroristi siano animati tradizionalmente
da scopi differenti, una vasta area di interessi comuni ha permesso e permette
ultimamente una pragmatica cooperazione dei due attori.
Le attività di Hizbollah nella Triplice Frontiera, e più in generale in America
Latina, includono nei vari traffici illeciti il contrabbando di armi e di droga.
[...]
Cellule e filiali di Hizbollah sarebbero presenti anche in Colombia e in
Venezuela; la debolezza dei governi di queste aree, i confini porosi e spesso
incontrollati avrebbero favorito questo fenomeno.
Il narcoterrorismo diffuso nella regione inoltre sarebbe all‟origine dei legami
tra Hizbollah ed i gruppi terroristici di opposizione locale come, ad esempio,
le Revolutionary Armed Forces of Colombia (FARC).
Sulla scia dell‟esempio colombiano Hizbollah avrebbe creato legami anche in
Perù con il gruppo Sendero Luminoso.
L‟ideologia anti-americana comune a queste organizzazioni e soprattutto
l‟interesse verso il contrabbando e altre attività illegali per accumulare fondi
avrebbe sostanzialmente unito i diversi gruppi.
Il grado di connessione e cooperazione tra Hizbollah e questi gruppi non è
però ancora ben conosciuto anche se, particolare importante, nel gennaio
2004, in occasione di uno scambio negoziato di prigionieri tra le autorità
israeliane e Hizbollah, è stato liberato Ali Biro, militante di Hizbollah, uno
dei più famosi trafficanti di droga del Medio Oriente legato alle Farc. 42

É nesse ambiente que a comunidade brasileira de Inteligência precisa


reelaborar as funções e limites normativos e estruturais da atividade, especialmente
buscar a redefinição do papel a ser cumprido pela Inteligência Policial.

42
DE CARO, Alessia. Hizbollah in Sudamerica: fra jihad e narcoterrorismo. Disponível em:
http://www.sisde.it/Gnosis . Acesso em: 02 fev. 2010.
31

4 RISCOS AO SISTEMA DE GARANTIAS: NECESSIDADE


DE CONTROLE

A indeterminação conceitual de Inteligência de Segurança Pública projeta,


sem dúvida, reflexos na própria noção de atividade (e Inteligência) policial, sobretudo
quando os enunciados e objetivos de uma e outra se aproximam no ambiente de
investigação criminal.
A generalização conceitual pode transcender o aspecto teórico e influenciar
a maneira como a atividade é desenvolvida, com reflexos internos (excesso de poder
e/ou desvio de finalidade) e externos (incremento do risco de ofensa às garantias
constitucionais do processo penal e aos direitos humanos).
Cada vez mais, nos regimes democráticos, há o anseio popular, ainda que
“filtrado” ou “direcionado” pela imprensa, pela transparência das atividades e serviços
estatais, cuja percepção pelos cidadãos funcionaria como mecanismo de controle
informal e, ao mesmo tempo, como fator de legitimidade. A burocracia, neste sentido,
embora inerente à própria atividade do Estado que necessita de controle, passa a ser
identificada como entrave à eficiência e incentivo (ou escudo da) à corrupção.
Para Kant, há uma ligação entre política e moral, cujo elo é a noção de
publicidade, vinculada, a seu turno, à concepção de direito. Já a aproximação da
publicidade e do direito é expressa pelo seguinte imperativo Kantiano: “todas as ações
relativas ao direito do outro, cuja máxima não é suscetível de publicidade, são
injustas.”43 O raciocínio kantiano conduziria, assim, à identificação de publicidade com
justiça. Em outros termos, e no dizer de Pereira e Maroja:
Em outros termos, toda máxima que tem a pretensão de se constituir como lei
jurídica deve ser publicamente reconhecida e aceita para se configurar como
tal, do contrário, será injusta. Kant, então, compõe o acordo entre moral e
política, ficando o direito como o termo mediador entre elas, centrando tal
ligação na identificação entre justiça e publicidade. Nas palavras do próprio
Kant [...]: “Todas as máximas que possuem em seu efeito a necessidade de
publicidade, concordam com a moral e a política combinadas.”44

43
KANT, Emmanuel apud GUINSBURG (Org.) A paz perpétua: um projeto para hoje, p. 31-88.
44
PEREIRA, Dersú Georg Menescal e MAROJA, Ângela. A teoria do contrato e o pensamento político-jurídico da
filosofia Kantiana. Disponível em: http://www.ufpa.br/rcientifica . Acesso em: 28 jan. 2010.
32

No mesmo sentido, David Luban sustenta que “a transparência dos atos,


normas e políticas governamentais é uma condição [...] para a manutenção da confiança
popular [...] que sustenta as instituições democráticas e legitima as pretensões”45
oficiais. Surge daí, enfim, a demanda por compatibilizar o segredo governamental com
a necessidade de transparência, o que, no dizer de Cepik, é possível na medida em que a
justificação da própria existência da atividade de Inteligência seja feita sob o primado
da publicidade.46 Obviamente, essa tarefa apresenta maior complexidade quando nos
defrontamos com as relações dialéticas estabelecidas entre Inteligência e Segurança
Pública, lançando efeitos sobre a institucionalização das práticas policiais,
investigativas e processuais, pelos diversos órgãos envolvidos nessas atividades
(Polícias, Ministério Público, Poder Judiciário, Defensoria Pública, OAB etc.).
Há que se registrar, ainda, os riscos inerentes ao (ab)uso do segredo
governamental e sua possível relação com os mecanismos de controle (interno e
externo), além da sempre possível divulgação não autorizada de dados sigilosos.

4.1 Ineficácia dos mecanismos de controle

Exercício de poder sem controle é exercício de autoridade que tende ao


arbítrio. O fundamento de legitimidade do poder é o reconhecimento legal (legalidade
constitucional) de sua existência e, mais adiante, no arcabouço da legalidade
democrática, a transparência no seu exercício.
Dessa premissa, surge um problema dialético inafastável, quando
analisamos a atividade de Inteligência. É da essência da Inteligência o sigilo. Como
conciliar a necessidade das democracias modernas, ávidas pela transparência das
práticas político-governamentais, com o desenvolvimento de atividade estatal
tipicamente sigilosa? O processo de institucionalização da atividade de Inteligência, diz
Cepik – e de sua afirmação legítima nas democracias, complementamos –, tem na
exigência cidadã por transparência um enorme desafio47.

45
Cf. CEPIK, Marco A. C. Espionagem e democracia, p. 16.
46
Cf. CEPIK, Marco A. C. Espionagem e democracia, p. 17.
47
Cf. CEPIK, Marco A. C. Espionagem e democracia, p. 15.
33

Eis o paradoxo: a transparência, no caso da Inteligência, não pode significar,


é óbvio, afastamento do sigilo. A transparência se aproxima, aqui, da ideia de
consolidação de mecanismos de controle a partir da justificação política, constitucional
e legal acerca da existência de serviços secretos em favor dos interesses maiores da
estratégia estatal, nos campos fundamentais da ordem externa e da ordem pública
interna.
Como ensina Cepik, isso não se sobrepõe à indelével e necessária
circunstância de que serviços de Inteligência dependem do segredo sobre seus métodos
de atuação e suas fontes de informação para operar de forma eficaz48. Ou seja, a eficácia
do serviço de Inteligência reside, em essência, na circunstância do sigilo. Não há, de
outro norte, uma contraposição inconciliável, sob o prisma dos princípios democráticos,
entre sigilo e publicidade dos atos estatais – entendimento contrário nos levaria à
conclusão – não-razoável – de que a simples existência do órgão e/ou atividade estatal
de Inteligência seria contrária ao Estado Democrático de Direito, o que nos parece
insustentável política e juridicamente.
Além do acesso às informações sobre as práticas governamentais, que
servem de legitimação do poder, possibilitando a reavaliação das políticas (via
eleições), a fiscalização mútua entre órgãos e poderes (mecanismos horizontais de
prestação de contas49) encontra um viés particular quando nos deparamos com a
atividade de Inteligência, cujo controle público será sempre problemático e complexo.
De certa forma, a explicação usual repousa em dualismos como segurança
social x segurança do cidadão ou segredo governamental x direito à informação; mas a
dificuldade de superação desses paradoxos também se explica pelo contorno coercitivo
que a Inteligência encerra, como instrumento à disposição do poder político para
dominação ou perpetuação no posto de “tomador de decisão”. Os reflexos que essas
dicotomias projetam na área da Segurança Pública são tão expressivos quanto no plano
da Inteligência externa – e até mais sensíveis em relação às técnicas argumentativas ou
efetivas de superação. Cepik nos aponta dois riscos embutidos nas tensões dialéticas
mencionadas: a) o risco de manipulação dos serviços por parte de governantes

48
CEPIK, Marco A. C. Espionagem e democracia, p. 16.
49
CEPIK, Marco A. C. Espionagem e democracia, p. 158.
34

procurando maximizar o poder; b) o risco de autonomização dos próprios serviços, que


se transformariam num tipo de poder paralelo dentro do Estado50.
O controle relativo desses riscos se aperfeiçoa na medida em que as
instituições democráticas se fortalecem, desde a formação de opinião pública crítica,
ainda que (in)formada pela mídia, passando por práticas de controle interno
(corregedorias etc.) e necessidade de autorização judicial para a prática de determinados
atos, até a consolidação de mecanismos de prestação de contas aos poderes Executivo
(inspeção e supervisão) e Legislativo (controle externo) – ou até ao Ministério Público
(fiscalização da lei, controlo externo).
Percebe-se, facilmente, que os mecanismos de controle informais (opinião
pública, consciência eleitoral, imprensa) e os formais internos revelam-se mais ou
menos frágeis para a consecução da transparência das atividades de Inteligência no
campo da Segurança Pública. O incremento dessa dificuldade é inerente à peculiaridade
da atividade de Inteligência, pois mesmo em relação às ações policiais ostensivas ou
judiciárias, em que há publicidade, o acesso irrestrito pelos órgãos externos
encarregados do controle – e a compreensão pelos destinatários – é limitada. Assim, o
grau de eficácia do controle externo pode ser questionado a partir de duas frentes: a)
supervisão congressual, fundamentada pela fiscalização que o Legislativo exerce quanto
aos atos do Executivo; b) fiscalização ministerial, legitimada pelo controle externo das
atividades policiais (entre elas a Inteligência Policial de segurança) pelo Ministério
Público.

Nosso legislador infraconstitucional parece haver optado por um sistema


puro de controle externo, a cargo do próprio Poder Legislativo, na medida em que, nos
termos do art. 6º, caput e parágrafo primeiro, da Lei 9.883/99, previu a criação de um
órgão de controle e fiscalização externos da Política Nacional de Inteligência,
posteriormente denominado Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência
– CCAI, instalado em 21 de novembro de 2000:

Art. 6º O controle e fiscalização externos da atividade de Inteligência serão


exercidos pelo Poder Legislativo na forma a ser estabelecida em ato do
Congresso Nacional.

50
CEPIK, Marco A. C. Espionagem e democracia, p. 158-159.
35

§1º Integrarão o órgão de controle externo da atividade de Inteligência os


líderes da maioria e da minoria na Câmara dos Deputados e no Senado
Federal, assim como os Presidentes das Comissões de Relações Exteriores e
Defesa Nacional da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.

Além da CCAI, Priscila Brandão lembra que, dentro do Congresso


Nacional, existem ainda outras quatro comissões com poder para exercer algum tipo de
supervisão sobre o Sistema de Inteligência: as Comissões de Defesa da Câmara e do
Senado; a Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara
e a Subcomissão Permanente de Segurança Pública da Comissão de Constituição Justiça
e Cidadania do Senado51.
Quanto a esta primeira esfera de controle externo, Cepik anota que “o
Legislativo é considerado o poder mais representativo nas democracias” 52 e, em tese, os
parlamentares seriam melhores agentes dos cidadãos do que os gestores, que os
governantes ou que os juízes (ou até que a mídia), apoiando-se tal premissa, no mínimo,
no princípio da representatividade popular – ancorada no escrutínio periódico e na
renovação dos mandatos. Porém, fora o questionamento que se faça, em concreto, da
legítima representatividade (para além da legitimidade formal do voto) dos anseios
populares, a questão que se coloca é sobre o real interesse e efetiva possibilidade de o
Legislativo, como instituição, realizar o controle, bem como sobre o risco de
estabelecimento de uma prestação de contas burocratizada e não-substancial.
A propósito, Cepik registra que o envolvimento de parlamentares em
atividade de supervisão das agências de segurança, entre elas as de Inteligência, exige o
investimento de altos custos políticos e relacionais, com retorno pouco provável no que
se refere à necessidade de renovação dos próprios mandatos ou progressão na carreira
política. Dessa forma, o que se vê é a limitação do controle, no que toca ao
planejamento e ao acompanhamento da atividade em termos amplos e gerais, quase se
restringindo à aprovação de legislação que versa sobre determinados mandatos na
direção dos órgãos, decisão sobre orçamentos e verificação de documentos e
informações em situações específicas que envolvem o Poder Executivo, confirmação de

51
BRANDÃO, Priscila Carlos. Serviços de Inteligência no Cone Sul: um estudo comparado sobre o legado das
transições para a democracia na Argentina, no Brasil e no Chile, p. 191.
52
CEPIK, Marco A. C. Espionagem e democracia, p. 178.
36

nomeação de indivíduos indicados para determinados cargos de chefia e investigação


parlamentar sobre temas ou fatos singulares,53 variando de intensidade e volume
conforme a legislação e cultura institucional de cada país.
Outro problema a ser enfrentado no plano do controle parlamentar diz
respeito à projeção que se pode extrair do plano nacional para o federal 54, sobretudo
quanto à eventual função que seria outorgada, à luz da simetria constitucional, às
Assembleias Legislativas no controle da Inteligência desenvolvida pelas forças policiais
dos Estados-membros.
Ainda no plano federal, no Poder Executivo, o Tribunal de Contas da União
e a Secretaria de Controle Interno da Presidência da República fiscalizam a área de
Inteligência do ponto de vista orçamentário.
Nessa frente, cumpre notar que o legislador ordinário não incluiu, ao menos
no texto da lei, o controle da legalidade informacional pelo Ministério Público, fiscal da
lei por excelência e vetor do interesse público no modelo constitucional vigente. Além
disso, parece claro que o sistema de controle externo em vigor não foi concebido
tomando-se em conta a atuação dos órgãos de Inteligência dos Estados da federação,
sobretudo aqueles vinculados às instituições policiais, o que explica em certa medida,
mas não justifica, o acanhamento do controle e o déficit de transparência no
acompanhamento, ainda que formal, das atividades desses órgãos.
O Ministério Público é o titular da ação penal condenatória e,
paradoxalmente, o responsável pelo controle externo da atividade policial, legitimidade
que o torna vetor do interesse processual de resolução da imputação criminal em
obediência às garantias constitucionais. O Estado de Direito, numa democracia, impõe
ao próprio Estado limitações ao exercício do poder, instaurando outro paradoxo: de um
lado, o poder-dever de prevenir e perseguir as infrações penais para a segurança da
coletividade, de outro, o dever de respeito às garantias individuais que faz surgir
autênticas limitações ao uso do poder. O garantismo, assim, no sentido da concepção de
Luigi Ferrajoli55, torna-se expressão indissociável do Estado de Direito e não haveria,

53
CEPIK, Marco A. C. Espionagem e democracia, p. 178-180 e 185.
54
Federal, aqui, referindo-se às unidades federadas e às relações recíprocas que estabelecem entre si e com a União.
55
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal.
37

numa democracia, espaço para a edificação de um sistema persecutório penal à sua


margem.
Este particular perfil constitucional do Ministério Público, que ainda se
molda na prática, pretende inseri-lo como órgão político agente de Segurança Pública.
De outro norte, o eventual emprego de atividade de Inteligência pelos órgãos policiais
no Estado Democrático deve primar pelo inevitável sigilo e permanente confronto
(subsuntivo) com as liberdades fundamentais e princípios constitucionais. Afinal, o
fundamento de atuação do Ministério Público, inclusive no exercício do controle
externo da atividade policial, é a defesa da ordem democrática – ideia indissociável do
respeito aos direitos humanos. Afinal, como bem lembra Higuchi Júnior, a atividade de
Inteligência, como qualquer outra atividade estatal, deve ser realizada em respeito aos
princípios norteadores da Constituição, “a fim de que sejam evitados abusos e
arbitrariedades contra os direitos e garantias da pessoa, o que somente poderá ser
assegurado através [sic] de um efetivo controle.”56
A propósito, a despeito da estrutura constitucional do Ministério Público
(que nos permite apontá-lo, com apoio no magistério de João Cancio Mello Júnior,
citado por Higuchi Júnior, como “órgão institucional de defesa da sociedade” – e não do
Estado), das funções essenciais que lhe são incumbidas implícita ou expressamente,
especialmente vinculadas à investigação e ao controle externo da atividade policial, e da
previsão normativa da possibilidade de atribuição legal de outras funções (art. 128, §5º,
c/c art. 129, IX, CF; art. 27, Lei 8.625/93)57, a função de controle dos atos da
Administração, por si só, não dissolve os complexos matizes que se afiguram, na
prática, no tocante a eventual controle ministerial sobre a atividade de Inteligência. E
com maior ênfase as dificuldades institucionais relacionadas à Inteligência Policial,
sobrepondo-se até às dificuldades de controle às atividades policiais típicas
(policiamento ostensivo e judiciário). Finalmente, ainda que se admitisse a

56
HIGUCHI JÚNIOR, Mário Konichi. O controle externo da atividade de inteligência pelo ministério público, p. 6.
57
MELLO JÚNIOR, João Cancio. A função de controle dos atos da administração pública pelo Ministério Público.
Dissertação (Mestrado em Direito Administrativo). Faculdade de Direito da UFMG, Belo Horizonte, 1998, p. 65
apud HIGUCHI JÚNIOR, Mário Konichi. O controle externo da atividade de inteligência pelo ministério público, p.
40-43. O próprio Mário Higuchi registra, apesar de extrair das normas citadas no texto o fundamento para o controle
da atividade de inteligência pelo Ministério Público: “Questão tormentosa acerca do controle externo da atividade de
inteligência pelo Ministério Público diz respeito ao acesso às informações sigilosas, inerentes à própria existência dos
serviços de inteligência.” (ob. cit., p. 44).
38

inconstitucionalidade do dispositivo que reserva, restritivamente, ao parlamento, o


controle externo da atividade de Inteligência, fato é que, fora da previsão da CCAI, o
Ministério Público encontraria dificuldades normativas e operacionais de complicada
superação, ainda que pretendesse o efetivo controle apenas da atividade de Inteligência
Policial.
De lege ferenda, a Proposta de Emenda Constitucional n. 398/0958,
compreenderia a superação desses obstáculos, ao incluir, no Título V da Constituição, o

58
A PEC 398/09 (Disponível em: http://www.camara.gov.br/sileg/integras/683712.pdf), apresentada em 26/08/09
pelo Deputado Severiano Alves (PDT-BA), obteve, em 30/09/09, parecer favorável (pela admissibilidade) da CCJC
da Câmara, nos termos do relatório do Deputado Marcelo Itagiba (PMDB-RJ), sendo esta a situação verificada em
janeiro de 2010, quando encerramos esta pesquisa. Eis o texto aprovado na respectiva Comissão:
“Insere o Capítulo IV ao Título V da Constituição Federal referente à atividade de inteligência e seus mecanismos de
controle.
As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3º do art. 60 da Constituição Federal,
promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional:
Art. 1º O Título V da Constituição Federal passa a vigorar acrescido do Capítulo IV com a seguinte redação:
Capítulo IV – Da Inteligência
Seção I - Da Atividade de Inteligência
Art. 144-A. A atividade de inteligência, que tem como fundamentos a preservação da soberania nacional, a defesa do
Estado Democrático de Direito e da dignidade da pessoa humana, será exercida, por um sistema que integre os órgãos
da Administração Pública direta e indireta dos entes federados.
§ 1º A lei regulará a atividade de inteligência e suas funções, bem como a organização e funcionamento do sistema
brasileiro de inteligência e seus mecanismos de controle interno e externo.
§ 2º Os direitos, deveres e prerrogativas do pessoal de inteligência, inclusive no que conserve à preservação de sua
identidade, o sigilo da atividade e seu caráter secreto são resguardados por esta Constituição, cabendo a lei específica
dispor sobre esses assuntos.
Art. 144-B. A atividade de inteligência será desenvolvida, no que se refere aos limites de sua extensão e ao uso de
técnicas e meios sigilosos, com irrestrita observância dos direitos e garantias individuais e fidelidade às instituições e
aos princípios éticos que regem os interesses e a segurança do Estado.
Parágrafo único. A lei regulará o uso de meio s e técnicas sigilosos pelos serviços secretos e os deveres e garantias do
pessoal de inteligência no exercício de suas funções, inclusive no que concerne ao recurso a meios e técnicas
operacionais.
Seção II - Do Sistema Brasileiro de Inteligência
Art. 144-C. Para o efetivo exercício das ações de planejamento e execução das atividades de inteligência do País, com
a finalidade de fornecer subsídios ao processo decisório em distintos níveis, a lei instituirá o Sistema Brasileiro de
Inteligência, compostos pelos seguintes órgãos:
I – órgão central de inteligência, ao qual competirá o planejamento e a execução da atividade de inteligência
estratégica e que coordenará as ações no sistema;
II – os serviços de inteligência militar;
III – os serviços de inteligência policial;
IV – os serviços de inteligência fiscal;
V – os serviços de inteligência financeira;
VI – outros órgãos e entidades da Administração Pública que, direta ou indiretamente, possam produzir
conhecimentos de interesse das atividades de inteligência, em especial aqueles responsáveis pela defesa externa,
segurança interna e relações exteriores.
§ 1º Os entes federados poderão constituir seus subsistemas de inteligência, os quais deverão estabelecer vínculos
com o Sistema Brasileiro de Inteligência.
§ 2º O Sistema Brasileiro de Inteligência deverá operar de forma coordenada, em defesa do Estado e da sociedade,
bem como dos direitos e garantias individuais, devendo seus membros estabelecerem mecanismos para o intercâmbio
de informações, difusão do conhecimento produzido e iniciativas operacionais conjuntas em âmbito estratégico e
tático.
Seção III - Do Controle da Atividade de Inteligência
39

capítulo IV, cuja Seção III prevê a inclusão, na CCAI, de um membro indicado pelo
Conselho Nacional do Ministério Público, verbis:
“Seção III - Do Controle da Atividade de Inteligência
Art. 144-D. O controle e a fiscalização da atividade de Inteligência serão
exercidos em âmbito interno e externo, na forma da lei.
Art. 144-E. O controle e a fiscalização externos da atividade de Inteligência
serão exercidos pelo Poder Legislativo, especialmente por meio de um órgão
de controle externo composto por Deputados e Senadores, e com o auxílio do
Conselho de Controle da Atividade de Inteligência, na forma da lei.
§ 1º O Conselho de Controle da Atividade de Inteligência, órgão auxiliar do
controle externo do Poder Legislativo, será composto por sete Conselheiros,
escolhidos entre cidadãos brasileiros com notórios conhecimentos técnicos e
experiência referentes ao controle finalístico da atividade de Inteligência e
indicados:
I – dois pelo Senado Federal;
II – dois pela Câmara dos Deputados;
III – um pelo Presidente da República;
IV – um pelo Conselho Nacional de Justiça;
V – um pelo Conselho Nacional do Ministério Público”.[g.n.]

De toda sorte, a previsão de um controle externo assim concentrado, cuja


orientação política permanece sob a égide do legislativo, ainda que assessorado por
órgão plural, não responde aos anseios de um controle difuso aparentemente conferido
pelo constituinte originário ao Ministério Público, sobretudo quando não dissociamos a
atividade de Inteligência Policial das atividades policiais típicas (ou tradicionais), tanto
aquela quanto estas disseminadas pelos órgãos de todos os Estados da federação. O
controle do Subsistema de Inteligência de Segurança Pública, portanto, permaneceria
um enigma.

Art. 144-D. O controle e a fiscalização da atividade de inteligência serão exercidos em âmbito interno e externo, na
forma da lei.
Art. 144-E. O controle e a fiscalização externos da atividade de inteligência serão exercidos pelo Poder Legislativo,
especialmente por meio de um órgão de controle externo composto por Deputados e Senadores, e com o auxílio do
Conselho de Controle da Atividade de Inteligência, na forma da lei.
§ 1º O Conselho de Controle da Atividade de Inteligência, órgão auxiliar do controle externo do Poder Legislativo,
será composto por sete Conselheiros, escolhidos entre cidadãos brasileiros com notórios conhecimentos técnicos e
experiência referentes ao controle finalístico da atividade de inteligência e indicados:
I – dois pelo Senado Federal;
II – dois pela Câmara dos Deputados;
III – um pelo Presidente da República;
IV – um pelo Conselho Nacional de Justiça;
V – um pelo Conselho Nacional do Ministério Público.
§ 2º Os Conselheiros terão mandato de cinco anos, admitida uma recondução, podendo ser destituídos apenas por
decisão do Congresso Nacional, mediante proposta do órgão de controle externo ou de um quinto dos membros de
cada Casa.
§ 3º A lei disporá sobre as atribuições e prerrogativas dos Conselheiros, estrutura e funcionamento do Conselho, bem
como de sua organização e pessoal.
Art. 2º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação.”
40

À indeterminação conceitual se alia um controle falho ou pouco acessível; a


inefetividade do controle, por seu turno, incrementa o risco de manifestação das formas
do abuso de poder59.

4.2 Excesso de poder

O excesso de poder se caracteriza pela exorbitação e pelo arbítrio. No


magistério de Hely Lopes:

O excesso de poder ocorre quando a autoridade, embora competente para


praticar o ato, vai além do permitido e exorbita no uso de suas faculdades
administrativas. Excede, portanto, sua competência legal e, com isso, invalida
o ato, porque ninguém pode agir em nome da Administração fora do que a lei
lhe permite. O excesso de poder torna o ato arbitrário, ilícito e nulo. É uma
foram de abuso de poder que retira a legitimidade da conduta do
administrador público, colocando-o na ilegalidade e até mesmo no crime de
abuso de autoridade [...].
Essa conduta abusiva, através do excesso de poder, tanto se caracteriza pelo
descumprimento frontal da lei, quando a autoridade age claramente além de
sua competência, como, também, quando ela contorna dissimuladamente as
limitações da lei, para arrogar-se poderes que não lhe são atribuídos
legalmente.60

Não é difícil vislumbrar e se torna desnecessário tecer maiores


considerações sobre os riscos do abuso de autoridade que podem advir, primeiro da
indeterminação de uma atividade sigilosa policial, segundo de uma atividade que não se
submete a mecanismos transparentes de controle. Basta, a respeito, que se faça
referência ao exemplo histórico das atrocidades cometidas em nome da defesa da
Segurança Nacional, a pretexto de evitarem que os “subversivos” implantassem um
Estado Comunista por intermédio da luta armada, momento em que a atividade de
Inteligência foi empregada para o policiamento ideológico em favor da manutenção do
poder, fazendo da tortura e do “desaparecimento” de inimigos do regime uma prática
institucionalizada e ainda não plenamente esclarecida em nosso país. A introdução, na
cultura e no modus operandi policiais de instrumentos sigilosos, em tempos de

59
Hely Lopes Meirelles ensina que o uso do poder é prerrogativa da autoridade, mas o poder deve ser “usado
normalmente, sem abuso.” Usar normalmente do poder, complementa, “é empregá-lo segundo as normas legais, a
moral da instituição, a finalidade do ato e as exigências do interesse público. Abusar do poder é empregá-lo fora da
lei, sem utilidade pública. [..] A utilização desproporcional do poder, o emprego arbitrário da força, a violência contra
o administrado constituem formas abusivas do uso do poder estatal, não toleradas pelo Direito e nulificadoras dos
atos que as encerram.” Cf. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro, p. 94.
60
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro, p. 96.
41

democracia, pode abrir caminho para a renovação e um Estado de Polícia, agora sob
pretexto de combate ao crime organizado, sendo que, na prática, populações marginais
envolvidas com o pequeno tráfico de drogas baratas são o principal alvo, com um
sistema peculiar de interpretação de garantias constitucionais, que as aniquila sob a
suspeita de um Estado de flagrância permanente.

4.3 Desvio de finalidade

Além da necessidade de implementação de mecanismos mais eficientes e


transparentes de controle, podemos ainda identificar que a indeterminação conceitual da
atividade de Inteligência Policial, sem contornos normativos bem especificados,
propicia terreno fértil para o desvio de finalidade.
O desvio de finalidade ocorre quando a autoridade pratica o ato almejando
fim diverso do legal.
Toda atividade do Poder Público deve projetar-se para a promoção do bem
comum, que, grosso modo, num regime democrático, confunde-se com a noção de
afirmação do interesse público (primário). Essa é a finalidade última a ser cumprida
pelo Estado, que dela não pode se desviar, sob pena de ver sua atuação maculada por
vício incompatível com o Estado de Direito que, em suma, fundamenta e legitima sua
própria existência e lhe confere razão de ser.

Podemos afirmar que a finalidade precípua da Inteligência Policial é obter


conhecimento para antecipar-se à criminalidade, para que crimes sejam evitados e
estruturas organizacionais voltadas para a prática de crimes sejam desmanteladas. O
mais grave risco gerado, assim, pela indeterminação conceitual e inespecificidade
normativa da Inteligência é sua utilização para fim diverso, para alcançar objetivo
diferente, com progressiva gravidade na razão em que se afastar do interesse público
para satisfação de interesses oligárquicos ou corporativos. Hely Lopes Meirelles nos
traz a seguinte lição:

O desvio de finalidade ou de poder verifica-se quando a autoridade, embora


atuando nos limites de sua competência, pratica o ato por motivos ou com
fins diversos dos objetivados pela lei ou exigidos pelo interesse público. O
desvio de finalidade ou de poder é, assim, a violação ideológica da lei, ou,
por outras palavras, a violação moral da lei, colimando o administrador
42

público fins não queridos pelo legislador, ou utilizando motivos e meios


imorais para a prática de um ato administrativo aparentemente legal. 61

A história dos serviços de Inteligência no Brasil nos serve de alerta, pois,


como observa Priscila Brandão acerca das agências militares de informações, nos idos
da ditadura:

Mas na prática, apesar de criados como órgãos de Inteligência, os serviços de


informações, principalmente o CISA [Centro de Informações e Segurança da
Aeronáutica] e o CIE [Centro de Informações do Exército], foram
estabelecidos como órgãos responsáveis pela segurança do país e pela
preservação da ordem. A comunidade de informações atuou de forma
bastante independente no período de maior fechamento do regime militar,
extrapolando as funções de um intelligence service e desenvolvendo um
grande setor policial e repressivo.62

Do que não discrepa o registro de Denilson Feitoza:

Durante o “regime militar” no Brasil, o Serviço Nacional de Inteligência


(SNI) mobilizou profundamente os “serviços de informação” (atuais serviços
de Inteligência) das polícias, especialmente voltados para a repressão aos
opositores políticos do governo militar então no poder. Assim, disseminou-
se, no meio policial, uma atividade de Inteligência “clássica”, voltada para a
“segurança nacional”, a qual estaria ameaçada pelos “dissidentes” políticos.
Isso dificultou que os serviços de inteligência policial evoluíssem para uma
inteligência criminal que atendesse especificamente às suas funções
policiais.63

4.4 Desvio de recursos: ineficiência

Não há eficiência na atividade governamental sem definição de uma


estratégia, em que o planejamento das ações e o estabelecimento de metas sejam
passíveis de verificação. Por outro lado, os governantes devem, a todo tempo, tomar
decisões. Para auxiliar esse processo de tomada de decisão, existem os serviços de
Inteligência, capazes de reunir informações em que aquela se sustente.
Sobre o princípio da eficiência, hoje alçado ao patamar constitucional, Hely
Lopes Meirelles registra que todo agente público deve realizar suas atribuições com

61
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro, p. 96.
62
BRANDÃO, Priscila Carlos. Serviços de Inteligência no Cone Sul: um estudo comparado sobre o legado das
transições para a democracia na Argentina, no Brasil e no Chile, p.166.
63
PACHECO, Denilson Feitoza. Atividades de inteligência e processo penal. Disponível em:
http://www.advogado.adv.br . Acesso em: 30 jan. 2010.
43

presteza, perfeição e rendimento funcional, produzindo resultados positivos para o


poder público e satisfatório atendimento às necessidades comunitárias64. E sobre o tema,
Di Pietro complementa que a eficiência apresenta dois aspectos: a) modo de atuação do
agente público (melhor desempenho com vistas ao melhor resultado); b) modo de
organização e estruturação (melhor resultado na prestação do serviço público)65.
Outro problema que pode ocorrer é o desvio dos recursos orçamentários,
inicialmente destinados à Inteligência e que podem ser absorvidos em investigações de
crimes isolados. Isso contribuiria para a mitigação da Inteligência, já tímida, e ainda
serviria de obstáculo ao investimento de recursos necessários aos equipamentos
públicos de investigação. Os riscos daí advindos são Inteligência deficitária, com
possibilidade de investigação ilegítima intensificada e direcionada politicamente para
casos que interessam a determinados e particulares setores – ou focados pela mídia.

4.5 Disfuncionalidade estrutural do SISBIN

Do ponto de vista normativo, Priscila Antunes registra dois problemas no


SISBIN. Em primeiro lugar, a Lei 9.883 apenas regulamenta a atuação da ABIN dentro
do Sistema, sem regular as atividades de Inteligência e contrainteligência das polícias
estaduais, dos Comandos Maiores e nem mesmo da Polícia Federal, de importância
fundamental para o fortalecimento de nossas bases institucionais. Em segundo lugar, a
lei não deixou claro se haveria um controle operacional da ABIN sobre os componentes
ou apenas uma coordenação teórica, que sujeitaria sua efetividade aos cambiantes
relacionamentos entre os dirigentes de cada órgão66.
A posição pouco clara dos estados no sistema apresenta outra dificuldade,
sobretudo do ponto de vista operacional. É que, como membros eventuais, sem direito a
voto, poderão participar representantes de cada um dos órgãos conveniados. Os
representantes de órgãos estaduais são indicados pelos Governadores e designados pelo
Ministro de Estado da Justiça, para um mandato de dois anos, permitida a recondução,
cabendo ao Conselho Especial, nos termos do art. 4º da Lei, dentre outras funções,

64
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro, p. 90.
65
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo, p. 83.
66
Cf. ANTUNES, Priscila. Segurança Pública e Inteligência: a criação do SISP no processo de
(re)institucionalização do Sistema Brasileiro de Inteligência.
44

“propor a integração dos órgãos de ISP dos Estados e do Distrito Federal ao Subsistema,
estabelecer as normas operativas e de coordenação da atividade de Inteligência de
Segurança Pública”. De onde se extraem outros problemas operacionais do sistema, pois
o estabelecimento formal desses subsistemas acaba submetido ao grau de confiança e
relacionamento entre os seus principais condutores, em uma área em que os interesses
corporativos são muito fortes e geridos num ambiente de competição entre si – com
reflexos na distribuição de recursos orçamentários escassos.
Todos esses problemas, identificados por Priscila Antunes, a nosso sentir,
relacionam-se com os riscos decorrentes, ainda que indiretamente, da indeterminação
conceitual da atividade, complementando-se com as dificuldades de intercâmbio de
dados e conhecimentos entre os órgãos componentes do sistema.

Vale a advertência de George Dantas:

Para que as instituições de Segurança Pública possam manter sua tradicional


hegemonia em relação às organizações criminosas, antecipando-se ou agindo
com celeridade e efetividade diante do crime, muito há que fazer. Isso inclui,
obviamente, o estabelecimento de instrumentos legais que permitam um
rápido acesso a dados e informações de interesse da atividade policial
investigativa. Diante do novo crime organizado e estruturado, não basta
somente identificar criminosos e reunir provas. Depois de meses de
investigação policial para a propositura de uma ação penal e conseqüente
prestação jurisdicional efetiva, é essencial desenvolver mecanismos de
resposta imediata e de ação eficaz e integrada das diferentes instituições do
sistema de justiça criminal.67

Embora contornos mais claros sobre o sistema venham emergindo, na


proporção em que os subsistemas são regulamentados e a prática institucional avança,
constatam-se deficiências persistentes na qualificação profissional na área, carência de
equipamentos específicos para o desempenho da atividade, necessidade do
desenvolvimento de uma mentalidade de Inteligência compatível com os objetivos do
PNSP e com os preceitos legais e constitucionais vigentes, limitações da doutrina
direcionada especificamente para a ISP e a ineficiência das medidas de contra-
Inteligência68. Fundamental, também, o delineamento de diretrizes que estabilizem os

67
DANTAS, George Felipe de Lima; FERRO JÚNIOR, Celso Moreira. A descoberta e a análise de vínculos na
complexidade da investigação criminal moderna. Disponível em: http://jus2.uol.com.br . Acesso em: 29 jan. 2010.
68
Cf. ANTUNES, Priscila. Segurança Pública e Inteligência: a criação do SISP no processo de
(re)institucionalização do Sistema Brasileiro de Inteligência.
45

objetivos e funções a serem desempenhadas pelos diversos órgãos e segmentos da


Inteligência no Brasil.
46

5 A SUPERVALORIZAÇÃO DO INIMIGO INTERNO

5.1 Limitações da atividade de Inteligência na perspectiva doméstica

A formação da Inteligência brasileira, desde sua origem, é marcadamente


voltada para o ambiente interno. A respeito, o General José Fragomeni, citado por
Francisco Brasil, bem ilustra o ambiente periférico em que “floresceu” no Brasil a
doutrina da Segurança Nacional:

[A] Escola Superior de Guerra, embora inspirada em sua similar americana,


[...] dela afastou-se, intencionalmente, para adequar-se à realidade nacional.
Enquanto o National War College, atuando em ambiente altamente
desenvolvido e de elevado nível cultural, não tinha porque preocupar-se com
questões metodológicas e, vivendo conjuntura de explosiva intranquilidade,
se orientava nitidamente no sentido de ampliação de conhecimentos e sua
imediata aplicação na guerra, a ESG, vivendo em um país em que as
perspectivas de um conflito armado eram bastante remotas, em elites ainda
despreparadas para a solução harmônica e objetiva de problemas de dimensão
nacional, voltou-se para o estudo de assuntos gerais de Segurança Nacional,
com predominância do desenvolvimento do potencial global da Nação em
tempo de paz.69

Obviamente, na medida em que se ampliou, desde o Governo Geisel, a


abertura política, cresceram as críticas à Doutrina de Segurança Nacional, que na prática
funcionava como fundamento ideológico-jurídico excessivamente aberto e ao mesmo
tempo opaco “de la tesis opuesta a La soberania popular”70, que se marcou por “el
menoscabo de los Derechos Humanos, cada vez que la represión invocara necesidades
para actuar de „legibus solutus‟, em situaciones de hecho que son autocalificadas por la
propria fuerza represiva.”71
Mesmo após a extinção do SNI e no panorama instaurado no governo
Fernando Henrique, com a criação da ABIN, os órgãos de Inteligência, inclusive os
militares, limitaram-se a adequar seu perfil aos novos interesses internos compatíveis,
em princípio, com a democracia. A despeito disso, os novos interesses das forças
armadas não corresponderiam a uma ruptura significativa com as estruturas que
marcaram sua atuação durante o regime militar, porém agora voltadas para questões

69
Cf. BRASIL, Francisco de Souza. Doutrina de Segurança Nacional: muito citada, pouco comentada, p. 410.
70
VANOSSI, Jorge Reinaldo. La doctrina de la seguridad nacional: su inconsistência e inseguridad jurídica, p. 135.
71
VANOSSI, Jorge Reinaldo. La doctrina de la seguridad nacional: su inconsistência e inseguridad jurídica, p. 136.
47

“relacionadas à situação interna do país, com ênfase nos movimentos sociais


considerados „forças adversas do país.‟”72
No cenário contemporâneo das atividades de Segurança Pública, desde o
policiamento preventivo, passando pela investigação até chegar à execução penal, a
ninguém é dado desconhecer a relevância do papel desempenhado pela Inteligência,
especialmente pela Inteligência de Segurança Pública, pela óbvia afinidade com as áreas
a que nos referimos. Essa importância destacada é frisada por Marcelo Sain, quando
escreve que as tarefas de obtenção de informação e produção de Inteligência constituem
funções essenciais para a condução, coordenação, planificação e controle das atividades
gerais do Estado no que se refere à defesa nacional e à Segurança Pública, na medida
em que:
configuran labores claves e indispensables para el conocimiento del escenario
político e institucional -nacional e internacional-, la producción de
interpretaciones, la elaboración de cuadros de situación apropiados, la
formulación de lineamientos proyectivos y, puntualmente, para el desarrollo
de acciones de prevención en materia de seguridad interna y externa, sin lo
cual resultaría ciertamente difícil garantizar una situación de estabilidad
institucional dentro de cada una de esas competencias.73

Os serviços de Inteligência doméstica se alinham em proximidade com a


segurança interna, incrementando atividades excepcionais e sigilosas que,
eventualmente, podem gerar, especialmente na área da Segurança Pública, ações de
polícia colidentes com garantias fundamentais – desprovidas de métodos de controle
transparentes e eficazes.
Joanisval Gonçalves lembra que “a inteligência interna (ou doméstica) tem a
ver com a informação voltada à segurança do Estado, de suas instituições e da
sociedade, relacionada a ameaças no interior do território nacional.”74 A marca
característica da Inteligência interna é a obtenção de conhecimentos relativos ao próprio
país. Podemos afirmar que, hoje em dia, há uma tendência de superação da dicotomia
“Inteligências externa e interna”, diante da crescente interrelação de ameaças externas
que operam dentro dos territórios nacionais. Isso não ofusca a constatação de que a

72
BRANDÃO, Priscila Carlos. Serviços de Inteligência no Cone Sul: um estudo comparado sobre o legado das
transições para a democracia na Argentina, no Brasil e no Chile, p. 184.
73
SAIN, Marcelo Fabián. Democracia e inteligencia de Estado en la Argentina. Disponível em:
http://www.fafich.ufmg.br . Acesso em: 20 nov. 2009.
74
GONÇALVES, Joanisval Brito. Atividade de inteligência e legislação correlata, p. 43-44.
48

Inteligência brasileira experimentou o incremento da perspectiva interna e a atrofia da


Inteligência externa, com certa defasagem da atuação em prol de seus interesses e
objetivos no plano internacional.
A compreensão da dimensão hoje ocupada pela Inteligência passa pela
contextualização histórica das ideologias político-econômicas que se confrontavam no
período da Guerra Fria. Não é difícil identificar, assim, as origens da hipertrofia da
Inteligência doméstica brasileira em comparação aos serviços clássicos de Inteligência
externa (espionagem e coletas de informações de fontes ostensivas em território
estrangeiro). Interessante notar que as organizações militares de Inteligência, que
surgiram na segunda metade do séc. XIX e cujos registros remotos retroagem a conflitos
bíblicos ou à China do começo do séc. IV aC75, tornaram-se maiores e mais numerosas
que os próprios serviços de Inteligência exterior. A Inteligência militar do séc. XX
incorporou avanços metodológicos e tecnológicos como resultado das exigências atuais
sobre a qualidade das informações, em comparação com a linha derivada da diplomacia
secreta dos séculos XVI a XVIII. Segundo Cepik:
pode-se dizer que a Inteligência militar acrescenta à conspiração e à
espionagem uma nova dimensão, a da coleta sistemática de informações
básicas e menos perecíveis, seguida pela análise dos fatos e idéias novas,
tendo como pando de fundo aqueles acervos informacionais, redundando na
apresentação de relatórios de Inteligência orientados para tornar mais
racionais e „informadas‟ as decisões de comando.76

O que se verifica, então, é a separação gradual entre Inteligência e as


funções de planejamento e operações, sendo que antes mesmo do surgimento das
organizações nacionais de Inteligência externa, as Forças Armadas já consolidavam
organizações permanentes e especializadas de Inteligência militar. Dessa forma, é de
fácil constatação a circunstância de que a Inteligência militar representa o maior e mais
complexo componente organizacional dos recursos de Inteligência de qualquer país,
conforme registra Cepik77.

75
Cf. CEPIK, Marco A. C. Espionagem e democracia, p. 95.
76
CEPIK, Marco A. C. Espionagem e democracia, p. 96.
77
CEPIK, Marco A. C. Espionagem e democracia, p. 98.
49

Passado o período de predominância política dos militares, a Inteligência


atravessa autêntica crise, ainda não superada, sobretudo em relação ao processo de
definição de seu papel e limites na democracia. A respeito, Denilson Feitoza observa:
Com o fim do governo militar, houve serviços de inteligência que
continuaram com a „Inteligência clássica‟ e serviços que passaram a fazer a
“repressão” interna aos seus próprios quadros (“polícia interna”, com fins
disciplinares), e outros que passaram a fazer as duas coisas. De qualquer
forma, não se disseminou logo a ideia de se adequarem os serviços de
inteligência à produção de provas para investigações criminais e processos
penais.78

No caso brasileiro, a partir da herança do período de ditadura militar, ainda


que no panorama democrático ora em consolidação, torna-se fácil encontrar a
explicação para a supervalorização do inimigo interno na definição da perspectiva da
Inteligência. No Brasil, chegamos a afirmar que os serviços de Inteligência que
repousam na matriz do policiamento são um prolongamento da Inteligência militar...
Os serviços de Inteligência contemporâneos que transpuseram os postulados
do inimigo interno, na perspectiva ideológica da disputa pelo poder político, outrora
sobre o primado da luta de classes, para a finalidade de garantia da Segurança Pública,
construíram um sistema particular de Inteligência de segurança que, pela autonomia dos
Estados federados, no caso brasileiro, e pela massificação – antes que a organização –
da criminalidade, busca legitimar-se plenamente, apesar das dificuldades normativas
decorrentes do confronto com o sistema de garantias individuais constitucionalizado.
É curioso notar e imprescindível criticar a maneira como o discurso de
policiamento político contra a “subversão” transmuda-se para a repressão à
criminalidade, com ênfase para a “guerra” contra o narcotráfico e o “combate” ao crime
organizado, embora o que se verifique, na prática, é a persecução generalizada de
marginalizados sociais cooptados em ambientes dominados pela prática criminosa ou
onde, no mínimo, a cultura de resolução de conflitos interpessoais seja determinada pela
violência. Ou seja, na prática policial, a Inteligência se volta com proeminência para um
suposto “combate” ao narcotráfico, travando, na verdade, uma luta “sanchopancesca” na
identificação de crimes específicos praticados neste contexto, incapaz, pela própria

78
PACHECO, Denilson Feitoza. Atividades de inteligência e processo penal. Disponível em:
http://www.advogado.adv.br . Acesso em: 30 jan. 2010.
50

estrutura do comércio de drogas no panorama hodierno da economia mundial, de


cumprir a promessa de sua missão declarada e oficial79.
Por outro lado, antes de ressalvar que a Inteligência de Segurança Pública,
isoladamente, não se apresenta como panacéia para o fenômeno da massificação da
criminalidade urbana, importa registrar a necessidade de compatibilização e introdução
das atividades de informação e Inteligência de Estado no Estado de Direito e, assim, na
noção maior de democracia. Isso importa, no dizer de Marcelo Sain, em “asegurar
niveles dignos de seguridad ciudadana y de estabilidad democrática”. Na mesma
perspectiva, Mario Papi, Diretor de Segurança Pública e Informações da República do
Chile, defende:
Un Estado democrático que asume la necesaria tarea de dotarse de una
capacidad de inteligencia y opta por la correcta conducción en materia de
seguridad, debe asimismo tener la suficiente madurez y habilidad para crear
las instancias y mecanismos de un adecuado y suficiente control público y
parlamentario. Un sistema de inteligencia será eficaz en la medida que esté
diseñado para los propósitos de la paz, la seguridad y la estabilidad del orden
institucional. Enfrentados hoy a consolidar la democracia, debemos centrar
nuestro esfuerzo en la creación de instituciones modernas, aptas en este
campo para ejercer un control eficiente de las actividades de inteligencia.
Todos los actores involucrados en la generación y manutención de la
seguridad del Estado, la seguridad interior, el orden público y la seguridad
ciudadana, deben estar sometidos a un ordenamiento que dé garantías frente a
la ciudadanía. Así también respecto de quienes asuman la delicada tarea de
controlar dichas labores.80

Há, portanto, limitações inevitáveis que se impõem às atividades de


Inteligência, intrínsecas e extrínsecas. As primeiras são de ordem estrutural e funcional,
ligadas à própria essência da atividade que, isoladamente, não é capaz de dar a resposta

79
Embora não se possa demonstrar tal assertiva empiricamente, a crítica que se faz é voltada para dois aspectos: a) a
distorção da inteligência por órgãos de inteligência que atuam, em nível tático ou operacional, em agências locais,
especialmente vinculados a pequenos grupamentos (batalhões, companhias, pelotões), com alinhamento deficitário
com a agência central de que emana a estratégia; b) o incremento do discurso localizado de combate ao narcotráfico
como forma de controle da criminalidade massificada, em que os policiais, quanto mais trabalham e apreendem
drogas, mais dificultam, paradoxalmente, a investigação sobre os complexos mecanismos de distribuição de drogas
em larga escala. Aparece, assim, como argumento contrastável validamente com a realidade, a inexorabilidade da
expansão do mercado consumidor de droga no mundo, a ampliação da produção e a absorção de resíduos
aproveitados para o comércio que tem como destinatário as populações periféricas, como o que se observa,
atualmente, na escalada do “crack” no Brasil, sem a menor perspectiva de controle efetivo.
80
PAPI, Mario, Sistema de inteligencia, seguridad y democracia, Diario La Segunda, Santiago de Chile, 21 de
noviembre de 1995 apud SAIN, Marcelo Fabián. Democracia e inteligencia de Estado en la Argentina. Disponível
em: http://www.fafich.ufmg.br. Acesso em 20 nov. 2009.
51

cabal às demandas hodiernas por informações capazes de propiciar decisões políticas


suficientemente eficientes para solução dos problemas, cada vez mais complexos e
conflituosos. As últimas são de ordem normativa, relativas às pressões externas
desempenhadas por outras funções estatais e contornos restritivos emanados de
comandos constitucionais, que estruturam um autêntico sistema de garantias em favor
do indivíduo e, de certa forma, contra o poder estatal repressivo.
O raciocínio se aplica, também e especialmente, à Inteligência Policial.

5.2 Inversão de prioridades no discurso das políticas públicas de


segurança

A Inteligência, se utilizada como instrumento simbólico para a propaganda


do controle social frente à massificação da criminalidade, substituindo o necessário
enfrentamento do aperfeiçoamento da gestão dos recursos policiais, ministeriais e
judiciários afetos à questão da Segurança Pública, além da imprescindível reformulação
legislativa do sistema penal, será desvirtuada, com riscos às garantias constitucionais do
processo – especialmente na fase de investigação.
Pode-se, assim, enxergar a Inteligência Policial como um plus, um
instrumento excepcional e complementar da atividade de Segurança Pública, que deve
ser direcionada para questões e assuntos estratégicos, com vistas ao conhecimento da
dinâmica do crime como fenômeno e como manifestação, capaz de antevê-lo, embora
sem se confundir com a análise81 ou com a investigação criminais. Essa visão, embora
restritiva, parece constituir uma diretriz segura e, ao mesmo tempo, serve de alerta para
que o Estado invista na estruturação e no aperfeiçoamento de mecanismos básicos das
forças de segurança: seleção, capacitação e remuneração de pessoal, integração de
bancos de dados nacionais, material técnico (perícias, criminalística) etc.

81
A análise criminal é, genericamente, a coleta e análise de dados relativos à ocorrência de crimes. Por ela,
estatísticas, ocorrências geograficamente referenciadas e grandes quantidades de dados são interpretados para
detecção de padrões criminais; para estabelecimento de correlações entre delitos e autores; desaparecimento de
pessoas e encontro de cadáveres etc.; identificação de perfis de alvos e respectivos delinquentes habituais,
possibilitando a previsão do cometimento de novos crimes. Tais informações, providas pelo analista, são utilizadas
para o dimensionamento e posicionamento dos recursos, bem como para a realização de ações gerais de gestão em
relação ao patrulhamento e investigação policial. Cf. DANTAS, George Felipe de Lima; SOUZA, Nelson Gonçalves
de. As bases introdutórias da análise criminal na inteligência policial. Disponível em:
http://www.observatorioseguranca.org . Acesso em: 30 jan. 2010.
52

Como defende George Dantas, na chamada “nova era da informação”,


diante da “descoberta do conhecimento em banco de dados”, a metodologia
investigativa deve ser orientada por técnicas de tecnologia da informação e da gestão do
conhecimento. Ou seja, não há como se inverter o discurso de prioridades na área de
segurança e esperar que a Inteligência seja a “poção milagrosa”, com o condão de
diminuir os índices de criminalidade num passe de mágica. Os elementos tradicionais
devem ser reestruturados; deve-se investir em capacitação de pessoal e enfrentar os
desafios do controle disciplinar interno (corregedorias). Porém, essas ferramentas
devem ser aperfeiçoadas com o auxílio do processamento e análise de dados, inclusive
para permitir o avanço das polícias estaduais na apuração de crimes contra o patrimônio
público, praticados por prefeitos etc., o que, invariavelmente, envolve a análise de um
grande número de dados bancários e documentos de prestação de contas. Urge, enfim, o
investimento em estruturas e recursos policiais capazes de realizar a investigação de
autoria e materialidade de crimes praticados em “cadeia complexa de vínculos”. Tanto a
análise criminal, com vistas à identificação de tipologias criminais e planejamento de
práticas preventivas da criminalidade, quanto a moderna investigação, pautada em
modernas técnicas de análise de dados complexos e volumosos, sugerem um “modelo
associado à moderna atividade de Inteligência de Segurança Pública”82, embora não
devam com ela ser confundidos, sob pena de incremento do custo da ilegitimidade
social e da ineficiência administrativa.
É fundamental, nesse aspecto, identificar e eliminar gradativamente os
fatores que dificultam a comunhão de dados entre as instituições de Segurança Pública e
que acabam por prejudicar o planejamento e ações policiais, aí incluídas aquelas
destinadas à localização e captura de foragidos. Ou, noutra abordagem da mesma ideia,
deve-se reiterar a necessidade de compartilhamento de informações e experiências entre
as instituições envolvidas na persecução penal, visando a contribuir para consolidação
de um sistema harmônico e conceitualmente unificado de Inteligência, com funções
bem delineadas e concêntricas à investigação criminal.

82
DANTAS, George Felipe de Lima; FERRO JÚNIOR, Celso Moreira. A descoberta e a análise de vínculos na
complexidade da investigação criminal moderna. Disponível em: http://jus2.uol.com.br . Acesso em: 29 jan. 2010.
53

6 DIRETRIZES PARA A ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA


CRIMINAL

6.1 Ilegitimidade do incremento do discurso de Inteligência de


Segurança Pública na perspectiva do direito penal do inimigo

Já vimos, páginas atrás, que a supervalorização do inimigo interno, na


prática da Inteligência brasileira, decorre de seu processo de institucionalização,
estruturado historicamente sob o prisma da Inteligência doméstica, voltada para o
conhecimento das ameaças internas. No tema da Segurança Pública, ao vertermos o
discurso prioritariamente para a questão do combate à criminalidade, o inimigo interno
se identifica com o próprio cidadão, que é, paradoxalmente, o destinatário da proteção
estatal.
A associação com a doutrina do direito penal do inimigo, de Günther
Jakobs, nesse ponto, parece-nos inevitável. Isso porque essa concepção de Direito Penal
vê no criminoso, observadas determinadas características e associações tipológicas, não
um cidadão que deve ser respeitado em seus direitos e garantias, mas um foco de perigo
que deve ser obstruído. Grosso modo, direitos humanos para os humanos direitos.
Escreve Jakobs que quem pretenda ser tratado como pessoa deve oferecer
em troca uma certa garantia cognitiva de que vai se comportar como pessoa. Sem essa
garantia, o Direito Penal deixa de ser uma reação da sociedade diante da conduta de um
dos seus cidadãos e passa a ser uma reação contra um inimigo; embora na disputa contra
eles o Estado, legitimado a ampliar progressivamente os limites da punibilidade,
inclusive para evitar agressões futuras, não deva empregar reação além da necessária 83.
Percebe-se que, em tal concepção, o Estado estaria autorizado a negar ao inimigo o
status de pessoa. Apesar de direcionado originalmente para os tipos de criação de
organizações criminosas, terrorismo e comércio de drogas por grupos organizados, o
discurso não traz, em si mesmo, fundamentos ontológicos capazes de estabelecer limites
para a distinção entre cidadãos e não-alinhados (inimigos). Àqueles, teríamos o Direito

83
JAKOBS, Günther. Ciência do direito e ciência do direito penal, p. 55-57.
54

Penal, a estes a legislação de combate à criminalidade: o Direito Penal do Inimigo. Por


“progressão dos limites da punibilidade” podemos entender punição com penas mais
graves e supressão de garantias processuais. O Estado se relaciona com os seus
inimigos, assim, diferentemente da maneira como se comunica com os seus cidadãos
quando cometem crimes.
Além de todas as críticas que se podem apresentar à concepção de Jakobs,
que a bem da verdade nada mais é que a consolidação e sistematização de um ideário
pós-nazista em épocas de seu recrudescimento na Alemanha (como na Europa em
geral), a grande dificuldade é a determinação de quem são os cidadãos e quem são os
inimigos... Para Jakobs, o inimigo é:
um indivíduo que, não apenas de maneira incidental, em seu comportamento
(delinqüência sexual; o antigo criminoso habitual perigoso [...] ou em sua
ocupação profissional (criminalidade econômica, criminalidade organizada e
também, especialmente, tráfico de drogas) ou, principalmente, por meio de
vinculação a uma organização (terrorismo, criminalidade organizada,
novamente a criminalidade de entorpecentes ou a antiga premeditação para
homicídio), vale dizer, em qualquer caso de forma presumivelmente
permanente, abandonou o direito e, por conseguinte, não garante o mínimo de
segurança cognitiva do comportamento pessoal e o manifesta por meio de sua
conduta.84

Entre nós, o discurso não é novo, sendo que a ideologia penal tradicional, de
inspiração liberal-burguesa, projeta, há tempos, sob a égide do princípio do bem e do
mal a distinção entre o “homem-de-bem” e o bandido.
Sabido que ideologia das escolas criminológicas de influência clássica ou
positivista seriam marcadas profundamente pelo princípio da defesa social,
particularmente expresso na máxima de que o Direito Penal seria instrumento para
proteção do corpo social contra indivíduos maléficos (ou quase doentios) – máxima que
somente começa a ser questionada com o advento das escolas estrutural-funcionalistas
próprias da criminologia organizacional e, mais tarde, com as bases interacionistas do
labelling approach. Também entre nós, houve quem questionasse o princípio do bem e
do mal subjacente na Doutrina da Segurança Nacional. A propósito, Celso Ribeiro
Bastos, em comentário à primeira Lei de Segurança Nacional pós-64 (Decreto n.

84
JAKOBS, Günther. Ciência do direito e ciência do direito penal, p. 57.
55

314/67, que seria mais tarde substituído pela Lei n. 6.620, de 17/12/1978, ambos
inspirados pela mesma doutrina):
A legislação pós-revolucionária tem uma concepção maniqueísta que divide a
sociedade em bons e maus. É dizer, a sociedade é um organismo e os
conflitos e antagonismos que nela surgem são decorrentes de uma
anormalidade, de uma patologia e, dessa forma, são tratadas as dissidências. 85

A importância das tarefas de Inteligência nos assuntos de segurança,


segundo Sain, baseia-se no fato de que o fluxo de informações reunidas e as
interpretações que resultam do processo de produção de Inteligência permitem conhecer
as condições e tendências políticas, econômicas e sociais desenvolvidas nos cenários
mundial, hemisférico, regional e doméstico, em função de identificar e detectar os
riscos, vulnerabilidades e/ou ameaças concretas surgidas ou existentes no contexto
desses assuntos86. E complementa:
la “seguridad interior” es la situación de seguridad civil, económica, política
y social existente en el “interior” de los límites legal-institucionales del
Estado, y, en ese sentido; implica la vigencia y funcionamiento pleno del
conjunto de derechos y garantías constitucionales, de las leyes y del sistema
institucional de gobierno; y la “seguridad exterior” es la situación de
seguridad del Estado con relación a la inserción política externa del mismo
y/o a la preservación de su integridad institucional y/o territorial frente a
otros Estados.87

A incorporação do discurso do direito penal do inimigo, ainda que sob a


rubrica da proteção social (princípio do bem e do mal), no ambiente da Inteligência, sem
eufemismos ou recursos retóricos que uma suposta e mal compreendida
proporcionalidade propiciam, representaria o maior risco para a afirmação de um
processo penal democrático, pautado na ampla defesa e no devido processo penal. E,
mais, longe de representar a concretização do direito coletivo à segurança, inauguraria
as bases da pseudolegitimidade de um Estado de Polícia, passível inclusive de servir à
polícia política ou ao policiamento ideológico em favor de determinada vertente
político-partidária – já que é fora-de-moda falar-se em ideologia.

85
BASTOS, Celso Ribeiro. Considerações em torno da Segurança Nacional: pressupostos filosóficos e seu
enquadramento jurídico-constitucional, p. 57. Miguel Reale Júnior frisava a similitude entre a ideologia da Segurança
Nacional e o pensamento que instruiu a formação do Nazismo. Cf. BASTOS, Celso. Idem. Ibidem.
86
SAIN, Marcelo Fabián. Democracia e inteligencia de Estado en la Argentina. Disponível em:
http://www.fafich.ufmg.br. Acesso em: 20 nov. 2009.
87
SAIN, Marcelo Fabián. Democracia e inteligencia de Estado en la Argentina. Disponível em:
http://www.fafich.ufmg.br. Acesso em: 20 nov. 2009.
56

6.2 Necessidade de determinação conceitual

Sob a influência do positivismo, que marcaria a ciência jurídica do século


passado, prevalecia a tese de que as regras e normas jurídicas deveriam ter sempre a
característica da generalidade88. A generalidade e abstração da norma funcionariam
como autênticas garantias de igualdade.
Entretanto, conforme nos lembra Bobbio, generalidade e abstração não têm
fundamento lógico, mas sim ideológico, refletindo um ideal de justiça preconizado por
determinado momento histórico: a exigência de certeza, por outro lado, é maximamente
satisfeita quando o legislador não abandona a regulamentação dos comportamentos ao
arbítrio do intérprete, caso a caso, “mas estabelece com uma norma a regulamentação
dos comportamentos de uma ação-tipo, de modo que ali adentrem todas as ações
concretas inclusas.”89 Quando uma norma exprime um conceito, porém, espera-se que
o grau de definição semântica alcance o maior índice de precisão e especificidade
possível. Assim, um conceito determinado individualizaria o instituto conceituado, de
maneira a identificá-lo e diferenciá-lo dos demais. Ao contrário, um conceito expresso
em norma aberta apresentaria elevado grau de indefinição, ficando a cargo do intérprete
dilatar ou restringir sua amplitude de acordo com cada hipótese ou questão. Um
conceito, assim, do ponto de vista epistemológico, deve primar pelo maior grau de
determinação semântica, impedindo sua confusão ou distorção com acepções
cambiantes e, assim, capazes de tornar o próprio conceito vulnerável.
Isso se dá porque, diversamente do que ocorre com uma norma aberta, o
objetivo do conceito é trazer a definição e especificação, capazes de traduzir o alcance e
o conteúdo precisos do objeto do conhecimento. Tal raciocínio, obviamente, deve-se
aplicar, também, aos conceitos jurídicos.
No plano ideal, um conceito jurídico não deveria depender de normatização
ulterior que lhe conferisse concretude, o que não quer dizer que não possa servir de base
a subdivisões ou subclassificações que materializem especificidades de ramos que se
extraiam do conceito “genérico”. O desafio reside em estabelecer um grau de

88
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito, p. 137.
89
BOBBIO, Noberto. Teoria da norma jurídica, p. 182.
57

generalidade ou determinação razoáveis, quando cuidamos de conceitos próprios das


ciências culturais, essencialmente normativas como a ciência jurídica, sem perder de
vista que se cuida de ciência social aplicada – de tal forma que a abstração não sirva de
obstáculo à materialização das práticas sociais.
Não por outra razão, classificam-se os conceitos jurídicos indeterminados
como dispositivos vagos que possibilitam interpretação ampla ou fluida 90. Frederico do
Valle Abreu os identifica na “vaguidade semântica existente em certa norma com a
finalidade de que ela, a norma, permaneça, ao ser aplicada, sempre atual e
correspondente aos anseios da sociedade nos vários momentos históricos em que a lei é
interpretada e aplicada.”91
Judith Martins-Costa e Gerson Branco escrevem que “conceitos jurídicos
indeterminados” seriam aqueles “cujos termos têm significados intencionalmente [...]
abertos”: são conceitos estruturados de maneira “vaga”, permitindo o surgimento de
novas normas advindas da relação destes conceitos indeterminados com “princípios,
diretrizes e máximas de conduta”, com grande abertura semântica92.
Os conceitos jurídicos indeterminados viabilizam o ingresso de cláusulas
gerais no nosso sistema normativo; são conceitos vagos inseridos no sistema para que o
intérprete realize a valoração concreta de sua aplicação (conteúdo e alcance), de acordo
com as circunstâncias subjetivas, temporais, culturais etc. A determinação de um
conceito, de certa forma, diminui a discricionariedade, assim definida por Bandeira de
Mello:
Discricionariedade, portanto, é a margem de liberdade que remanesça ao
administrador para eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade,
um, dentre dois comportamentos cabíveis, perante cada caso concreto, a fim
de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à satisfação da
finalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões da lei ou da
liberdade conferido ao mandamento, dela não se possa extrair objetivamente,
uma solução unívoca para a situação vertente.93

90
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Discricionariedade e controle jurisdicional, p. 29.
91
ABREU, Frederico do Valle. Conceito jurídico indeterminado, interpretação da lei, processo e suposto poder
discricionário do magistrado. Disponível em: http://jus2.uol.com.br. Acesso em: 02 fev. 2010.
92
Cf. MARTINS-COSTA, Judith; BRANCO, Gerson Luiz Carlos. Diretrizes teóricas do novo código civil
brasileiro, p. 117-119.
93
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Discricionariedade e controle jurisdicional, p. 48.
58

E complementa que discricionariedade existe quando se está diante da


tomada de decisões por critérios de conveniência e oportunidade, mas também quando
se depara com conceitos fluidos, ou seja, indeterminados. A melhor hermenêutica dos
conceitos indeterminados orienta-se pela sua contextualização, de acordo com todo o
ordenamento jurídico. A exegese de tais conceitos se faz “em função [...] do plexo total
de normas jurídicas, porque ninguém interpreta uma regra de Direito tomando-a como
um segmento absolutamente isolado”94, pois mesmo os conceitos indeterminados são
dotados de uma “densidade mínima”:
Acresce que o Direito é uma linguagem; é uma fala que vincula prescrições.
O que nele se diz é para ser compreendido pela Sociedade, de modo que as
pessoas em geral possam conhecer os próprios, atuar na conformidade da lei
e evitar as conseqüências de sua eventual transgressão.95

Embora sem a pretensão de apresentarmos, desde já, um conceito pleno,


definitivo e determinado de Inteligência, em especial de Inteligência de Segurança
Pública e Inteligência Policial (a que mais de perto nos interessa neste estudo), parece-
nos fundamental consignar a recomendação de Cepik, no sentido de que qualquer
pesquisa que se faça sobre o tema esteja ancorada num conceito restrito de Inteligência,
referente aos serviços e atividades governamentais delimitados por “fluxos
informacionais estruturados”, destinados à tomada de decisões estratégicas, que não se
restringem, em absoluto, à espionagem, nem se confundem com o conceito amplo de
informação.96 Deve-se partir, pois, sob pena de equívoco metodológico que
contaminaria a pesquisa desde seu nascedouro, da adoção de parâmetros conceituais
restritos para a definição de Inteligência, temperando-se com outros atributos
específicos: “informação secreta”97, análise de informações não ostensivas (grau de
vulnerabilidade das fontes) e capacidade proativa de antecipação aos acontecimentos. É
o que encontramos na explicação de Peter Gill e Mark Phytian, em tradução livre de
Joanisval Gonçalves, verbis:
Inteligência é o termo geral para um amplo espectro de atividades – do
planejamento e da reunião de informação à análise e à disseminação de
conhecimento – conduzidas em segredo, e com o propósito de manter ou

94
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Discricionariedade e controle jurisdicional, p. 30.
95
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Discricionariedade e controle jurisdicional, p. 29.
96
CEPIK, Marco A. C. Espionagem e democracia, p. 28.
97
CEPIK, Marco A. C. Espionagem e democracia, p. 29.
59

aumentar a segurança, por meio da antecipação de ameaças reais ou


potenciais, de maneira a permitir a implementação oportuna de políticas ou
estratégias preventivas, ou o recurso, quando necessário, a atividades
clandestinas.98

Partindo daqueles parâmetros, em termos conceituais podemos destacar


como elementos essenciais da Inteligência: a) conhecimento qualificado e sigiloso
(processado e sistematizado por metodologia específica); b) busca por dados negados
(sem exclusão da consulta a fontes abertas), essenciais ao planejamento e decisões
políticas de alto nível; c) objetivo de assessoramento ao processo decisório; d)
capacidade de antecipação aos fatos (caráter preventivo).
Após apresentar a definição de Inteligência em perspectivas distintas, que se
complementam (conhecimento, atividade e organização; ou produto, processo e
produtor), Joanisval Gonçalves consigna a dicotomia “necessidade” versus “risco” da
Inteligência para a democracia, apontando como fundamento para sua superação o
controle, que, se eficiente e eficaz, garantirá que a atividade se desenvolva em
obediência aos princípios democráticos, em benefício do Estado e da sociedade99. Para
nós, apenas será possível atingir esse objetivo a partir da especificação conceitual das
atividades desenvolvidas pelos órgãos de Segurança Pública na área de Inteligência,
sem permitir que se desvirtuem para abarcar os espaços reservados à investigação
criminal, sobretudo em situações limitadas por prerrogativas constitucionais instituídas
em favor das liberdades individuais.
Afinal, no modelo de persecução estatal e na definição das políticas de
segurança para controle e repressão da criminalidade, num contexto democrático, a
Inteligência deve ser adotada como necessidade ou prioridade?
Numa primeira aproximação da ideia, a adoção da Inteligência como
prioridade para o planejamento e execução das políticas de Segurança Pública, não
precedida da determinação e da regulamentação específicas de tal atividade, parece
inverter, de maneira perigosa, ambígua e paradoxal, a ordem natural de discussão em
torno da necessária reformulação e estruturação das forças policiais do Estado,

98
GILL, Peter & PHYTHIAN, Mark. Intelligense in na Insecure World. Cambridge: Polity Press, 2006, p. 7, apud
GONÇALVES, Joanisval Brito. Atividade de inteligência e legislação correlata, p. 17.
99
GONÇALVES, Joanisval Brito. Atividade de inteligência e legislação correlata, p. 102.
60

incrementando práticas cuja opacidade parece fomentar um ambiente propício ao


afastamento ilegítimo das garantias inerentes ao processo penal democrático – ainda que
tomado em sua fase preparatória.
Marco Cepik registra, com autoridade e pertinência, que “a discussão sobre
o impacto das atividades de Inteligência tendeu a ser subestimada até aqui na teoria
democrática.”100 Os problemas éticos e jurídicos decorrentes dessa assertiva são
incomensuráveis ou, no mínimo, não podem ser dimensionados a priori, representando
campo aberto à especulação doutrinária e campo fértil para a investigação prática sobre
as atividades institucionais dos órgãos vinculados, no nosso caso, à Segurança Pública –
e as implicações decorrentes para a persecução penal na hipótese de fracasso da
prevenção do crime. A questão da transparência da atividade de Inteligência é apenas
um dos múltiplos fatores a enriquecer o debate incipiente sobre os mecanismos de poder
estatal subjacentes.
Marcelo Fabián Sain assim descreve o vínculo entre Inteligência e
segurança:
las tareas de información e inteligencia constituyen actividades inscritas
dentro de las labores institucionales desarrolladas por el Estado en función de
preservar la seguridad de los ciudadanos, habitantes y gobernantes del
mismo, a través del goce pleno de sus derechos y garantías constitucionales y
de la vigencia integral de las instituciones del régimen político legítimamente
estatuido.
Desde el punto de vista institucional, la “seguridad” supone la existencia de
una situación percibida como libre de amenazas y/o factores conflictivos, o,
ante la percepción de amenazas y/o factores conflictivos identificables y/o
previsibles, a la posibilidad de articular mecanismos políticos-institucionales
tendientes a controlar y/o neutralizar dichas amenazas y factores en pos de
alcanzar cierto ordenamiento proyectado en un determinado escenario y/o de
preservar el conjunto de derechos y garantías constitucionales y el
funcionamiento integral de las instituciones del régimen político. 101

Certo é que em virtude da crescente necessidade de combate ao crime


organizado e, diríamos, de maior e mais eficiente controle da criminalidade massificada,
vivenciamos o aumento da percepção da importância da Inteligência para a Segurança
Pública. Nesse contexto, Joanisval Gonçalves diz que a Inteligência Criminal (ou
policial) “tem como escopo questões táticas de repressão e investigação de ilícitos e

100
CEPIK, Marco A. C. Espionagem e democracia, p. 188.
101
SAIN, Marcelo Fabián. Democracia e inteligencia de estado en la Argentina. Disponível em:
http://www.fafich.ufmg.br. Acesso em: 20 nov. 2009.
61

grupos infratores.”102 Na verdade, percebemos na afirmação uma certa confusão entre as


áreas Inteligência e a investigação criminal – embora reconhecendo a íntima conexão
entre as atividades. Essa confusão, a rigor, não é apenas semântica ou operacional, mas
conceitual e com reflexos importantes no desenvolvimento de ambas as atividades em
respeito ao sistema de garantias. Essa confusão é constante no discurso das instituições
policiais – e nas demais envolvidas na persecução penal – em grande medida pela
imprecisão terminológica da doutrina, com reflexo na definição legal, por isso
indeterminada. Não é incomum a afirmação de que a Inteligência Policial é realizada
com o emprego de técnicas especiais de investigação – e talvez não esteja equivocada.
Porém, é questionável a afirmação de Joanisval Gonçalves de que a Inteligência Policial
visa tanto à prevenção, obstrução e neutralização das ações criminosas, quanto “à
investigação policial e ao fornecimento de subsídios ao [...] Ministério Público nos
processos judiciais.”103
Anita Bethania Mello defende a utilização da Inteligência Policial104 (ou
criminal, para abarcar a atividade desenvolvida pelo Ministério Público) como
ferramenta “necessária na investigação de crimes organizados”, buscando “a produção
de provas da materialidade e da autoria”.105 É a mesma perspectiva da Doutrina de
Inteligência de Segurança Pública divulgada pela respectiva Secretaria Nacional em
2006. Embora Anita Mello afirme, depois, que “as operações de Inteligência não
possuem como objetivo precípuo a coleta e a busca de provas”, não afasta a utilização
das informações obtidas em operações de Inteligência na instrução processual,
respeitadas as limitações do processo penal – especialmente constitucionais incidentes
sobre a matéria probatória no campo penal. Assim, para Anita, a principal serventia da
Inteligência, aplicada à investigação, seria possibilitar ao Ministério Público o
requerimento de “cautelares necessárias à investigação criminal.”106

102
GONÇALVES, Joanisval Brito. Atividade de inteligência e legislação correlata, p. 28.
103
GONÇALVES, Joanisval Brito. Atividade de inteligência e legislação correlata, p. 28.
104
Anita Mello prefere a utilização do termo genérico, inteligência criminal, ao específico, inteligência policial,
porque este significaria preterir a investigação criminal conduzida pelo Ministério Público. Cf. MELLO, Anita
Bethania Rocha Cavalcanti de. Uso da atividade de inteligência nas investigações de organizações criminosas
realizadas pelo ministério público com enfoque na produção de provas, p. 40.
105
MELLO, Anita Bethania Rocha Cavalcanti de. Uso da atividade de inteligência nas investigações de
organizações criminosas realizadas pelo ministério público com enfoque na produção de provas, p. 39.
106
MELLO, Anita Bethania Rocha Cavalcanti de. Uso da atividade de inteligência nas investigações de
organizações criminosas realizadas pelo ministério público com enfoque na produção de provas, p. 39.
62

A crítica que ora registramos baseia-se na percepção de que a atividade de


Inteligência não se confunde com a investigação criminal nem se esgota no objetivo
desta. Além disso, os mecanismos de controle e as restrições aos critérios de legalidade
e legitimidade das provas no processo, que retroagem, em regra, à fase pré-processual,
apresentam fundamentação restritiva no que se refere à investigação, parecendo que tais
limitações seriam menos estreitas – embora não menos importantes as reservas
constitucionais – em relação à atividade de Inteligência. Nessa ótica, a atividade de
Inteligência de Segurança Pública estaria voltada para o aniquilamento da atividade
criminosa, mas não necessariamente para a investigação de crime já ocorrido com
vistas à reunião de provas para o processo penal. Nossa assertiva, portanto, vai de
encontro, frontalmente, à posição de Joanisval Gonçalves, quando este afirma que “a
Inteligência Policial tem por escopo, basicamente, a produção de provas de
materialidade e autoria de crimes.”107 Para nós, este é o escopo da investigação criminal,
que, eventualmente, poderá se apropriar de elementos de informação produzidos pela
Inteligência, com as ressalvas inerentes às peculiaridades de cada atividade e seus
respectivos mecanismos de controle.
Apenas para que se tenha uma ideia da disparidade entre os mecanismos de
controle da Inteligência, ainda em fase de consolidação e de definição quanto a seus
contornos, e da investigação criminal, registramos o ensinamento do Delegado de
Polícia Federal Elster de Moraes, que escreve, acerca do controle incidente sobre o
inquérito policial:
PRINCÍPIO DO CONTROLE. Por força desse princípio, é feita a
fiscalização das atividades pela Polícia Judiciária, com o objetivo de garantir
a observância de suas finalidades institucionais e coibir eventuais abusos ou
desvios de finalidade que possam ocorrer durante a investigação do fato
criminoso. O controle das atividades de polícia judiciária é feito tanto
internamente (autotutela), pelas Corregedorias de Polícia, quanto
externamente, pelo Poder Judiciário, pelo Ministério Público e pelas partes de
direito material (investigado/vítima) envolvidas no inquérito policial (tutela).
O controle feito pelo Poder Judiciário decorre do que estabelece o art. 5º,
XXXV, da Constituição Federal, bem como [...]os artigos 4º a 23 do Código
de Processo Penal [...]. O controle ministerial, por sua vez, encontra previsão
expressa na Constituição Federal, no art. 129, VIII, e é regulamentado nos
artigos 9º a 10 da Lei Complementar n. 75/93.
Quanto ao controle externo da atividade policial feito pelas partes de direito
material envolvidas no inquérito policial, o investigado e a vítima, ele se

107
GONÇALVES, Joanisval Brito. Atividade de inteligência e legislação correlata, p. 31.
63

justifica porque, existindo interesse de ambos na conclusão das investigações,


têm eles, por força do princípio constitucional da publicidade [...], direito de
acesso aos autos do inquérito policial e aos documentos dele constantes,
permitindo-se, destarte, que, ao tomarem conhecimento das investigações
realizadas, manifestem-se ou comuniquem aos órgãos aqui mencionados
qualquer irregularidade que tenham constatado no trabalho policial, bem
como que requeiram à autoridade policial a realização de diligências que
entendam pertinentes á apuração do fato investigado.108

Afora as divergências quanto aos instrumentos de controle e ressalvadas


alguma resistência a respeito, enxergamos a Inteligência de Segurança Pública como
uma das facetas da Inteligência interna ou doméstica (security intelligence). Entretanto,
não se pode reduzi-la ao conteúdo da Inteligência Policial (ou dos órgãos das polícias) e
nem confundi-la com a atividade de investigação criminal. Visto de outro modo, a
Inteligência Criminal (nomenclatura mais abrangente e consentânea com os órgãos
relacionados à persecução da criminalidade) ocupa lugar de destaque e abarca a porção
mais significativa (mas não o total) da Inteligência de Segurança Pública, que, por seu
turno, não se confunde com a Inteligência interna (embora esteja aquela inserida no
espectro desta)109.
Fica absolutamente justificada, assim, a necessidade de determinação
conceitual, especialmente legal, da atividade de Inteligência, de modo a, a partir dela,
definirem-se os contornos de sua legitimidade e seus mecanismos de controle –
inclusive que garantam o sigilo dos conteúdos das atividades realizadas pelos órgãos de
Inteligência.
Essa necessidade, inclusive do ponto de vista legal, é também assinalada por
Sain, embora no contexto da Argentina, ao afirmar que aquele país “no cuenta con una
legislación que establezca las bases jurídicas, orgánicas, funcionales y doctrinales del

108
MORAES, Elster Lamoia de. Princípios que regem o moderno inquérito policial, p. 186-187.
109
Necessário frisar que a expressão inglesa security intelligence pode induzir à sua identificação com a inteligência
de Segurança Pública (noção mais restrita e associada, especialmente, à compreensão e manifestação dos fenômenos
criminais, especialmente para sua prevenção e obstrução, em complementação à investigação criminal). Essa aparente
contradição é facilmente superada a partir da compreensão de que a inteligência interna, também chamada de
doméstica, ocupa-se da reunião, processamento e produção de conhecimentos estratégicos relacionados à segurança
interna (daí security intelligence). A questão da Segurança Pública, neste aspecto, assume feição mais restrita, no
sentido de que há ameaças á segurança interna que são tratadas, por exemplo, no âmbito de espionagem, sabotagens
ou ações encobertas de Estados estrangeiros no território nacional, extremismo religioso etc., e que não se enquadram
necessariamente no âmbito de atuação dos órgãos de Segurança Pública da forma como a estamos tratando –
relacionada, especialmente, nesse sentido, ao enfrentamento da criminalidade formal (atos previstos na legislação
como crime), cuja atuação de destaque se dá, na fase pré-processual, pelas polícias, na processual e na execução
penal, pelo Ministério Público, Judiciário e Administração Penitenciária.
64

sistema nacional de información e inteligencia del Estado” em cujo marco seja possível
regular o funcionamento e as atividades dos organismos destinados a desenvolver
institucionalmente essas missões110.
Nesse ponto, uma questão fundamental se apresenta, qual seja, definir e
diferenciar a investigação criminal da atividade de Inteligência Policial. Nos últimos
anos, com o aumento da criminalidade ou ao menos da sensação de insegurança
generalizada na sociedade, passou a ser comum a referência de que a solução é o
investimento nas ações de “Inteligência”, em certa medida sem que haja a devida
atenção à necessária reestruturação dos mecanismos básicos de suporte às investigações.
Exemplo emblemático da ampliação e reprodução desse discurso é apresentado por
Marcelo Augusto Couto, ao registrar que a Inteligência recebeu especial destaque no
documento intitulado Modernização da Polícia Civil Brasileira, elaborado sob os
auspícios da SENASP, que elenca a Inteligência Policial como uma macropolítica de
articulação das demais políticas estratégicas policiais (administração logística, ensino e
pesquisa, correição e administração tático-operativa) com o plano tático, de acordo com
uma “política de captação, tratamento e difusão de dados e conhecimentos produzidos
no âmbito de toda a organização policial”, capaz de promover o “fluxo entre o saber e o
fazer da instituição.”111
O que percebemos, porém, é que, mesmo com o avanço da Doutrina
Nacional de Inteligência de Segurança Pública, permanecem nebulosos os contornos ou
marcos fronteiriços entre investigação e Inteligência, havendo em certa medida, na
prática policial, um perigoso reducionismo da Inteligência ao auxílio da investigação
para a descoberta de autoria e a demonstração de materialidade de crimes já ocorridos,
hipótese em que a Inteligência serviria de um mecanismo sigiloso e “fora de controle”
(ou no mínimo ancorado invariavelmente no anonimato de fontes de informação) para a
consecução de objetivos próprios da investigação criminal (que se submete a restrições
constitucionais sob pena de contaminação de futuras provas e invalidação do processo
penal). Com acerto e precisão, todavia, adverte Marcelo Couto que seria equívoco

110
SAIN, Marcelo Fabián. Democracia e inteligencia de estado en la Argentina. Disponível em:
http://www.fafich.ufmg.br. Acesso em 20 nov. 2009.
111
Cf. COUTO, Marcelo Augusto. Investigação policial e inteligência policial, p. 17.
65

pensar que a solução para os problemas da criminalidade está na proliferação dos


organismos de Inteligência Criminal sem a devida estruturação e sem a orientação de
seus trabalhos de acordo com os conhecimentos inerentes à Inteligência mundialmente
reconhecida como tal:
Uma observação mais cuidadosa dos apelos à Inteligência Policial mostra que
a preocupação sobrescrita é justificada. Quanto mais se presta aos abusos
polissêmicos, mais uma expressão se torna opaca, e isso aparentemente tem
ocorrido com a „Inteligência Policial‟, utilizada para designar vagamente
diferentes aspectos do serviço policial ordinário. Colhem-se exemplos da
Inteligência Policial sendo referida como se fosse ora uma investigação
policial „sofisticada‟, ora uma investigação „complexa‟ ou „eficaz‟, sendo
usada mais comumente, entretanto, para indicar os trabalhos policiais levados
a efeito sem emprego da truculência que estigmatiza os órgãos de segurança.
[...]
A Inteligência Policial, no entanto, não se confunde com a investigação
policial. Se a chamada Inteligência de Estado está entre a guerra e a
diplomacia, a Inteligência Policial se situa aproximadamente entre a
Inteligência de Estado e a investigação policial propriamente dita. Logo, a
adequada demarcação do perímetro da Inteligência Policial passa pela
compreensão do que seja, de um lado, a Inteligência de Estado e, de outro, a
investigação policial.112

Não obstante, Denilson Feitoza parece defender a conjunção entre


Inteligência Policial e investigação criminal num conceito complexo de Inteligência
tática:
Enfim, a crescente escassez dos recursos humanos, materiais e financeiros
nos Estados e no Poder Executivo Federal têm compelido os serviços de
inteligência policial, cada vez mais, à produção de provas em investigações
criminais e processos penais. Por conseguinte, pensamos que a tendência dos
serviços de inteligência policial, no Brasil, seja a dupla vertente de produção
de provas para investigações e processos criminais (inteligência tática) e a
produção de conhecimento destinado ao processo decisório estratégico
(inteligência estratégica).113

Tourinho Filho, com apoio no magistério de Frederico Marques e Giuseppe


Sabatini, conceitua a persecução penal como uma intensa atividade bifásica
desenvolvida pelo Estado, titular do direito de punir, por meio de seus órgãos, para: a)
investigar elementos comprobatórios do fato infringente da norma penal e de sua
autoria; b) com base neles, promover a competente ação penal e acompanhar seu

112
COUTO, Marcelo Augusto. Investigação policial e inteligência policial, p. 19-20.
113
PACHECO, Denilson Feitoza. Atividades de inteligência e processo penal. Disponível em:
http://www.advogado.adv.br. Acesso em: 30 jan. 2010.
66

desenrolar até que o Juiz verifique se recorrem as condições legais para condenação ou
absolvição114.
O próprio Marcelo Couto nos apresenta, a partir de critérios distintivos não-
supressivos dos pontos de contato entre os institutos da ação governamental, uma
abordagem diferencial sobre os pressupostos (infração penal para investigação,
demanda informacional para Inteligência), meios (diligências policiais x ciclo de
Inteligência) e fins (processo penal x processos decisórios de Segurança Pública) de
ambas115. E conclui:
A atitude que melhor se harmoniza com o objetivo de transformar esse
movimento rumo à Inteligência Policial numa realidade exitosa passa,
conforme entendemos, pela adequada compreensão da atividade em todos os
seus caracteres especiais, os quais não constituem rotulações supérfluas,
configurando, ao revés, formatações impostas pela própria natureza da
atividade.116

Pois bem, embora o Decreto 3.695, de 21 de dezembro de 2000, que criou o


SISP, não traga uma definição conceitual explícita de Inteligência de Segurança
Pública, define, no parágrafo terceiro do seu art. 2º, que caberia aos representantes do
Subsistema de Inteligência de Segurança Pública “identificar, acompanhar e avaliar
ameaças reais ou potenciais de Segurança Pública e produzir conhecimentos e
informações que subsidiem ações para neutralizar, coibir e reprimir atos criminosos de
qualquer natureza”. Confirma-se, também pela leitura do texto regulamentar, a
necessidade de definição legal determinada de Inteligência de Segurança Pública.
Vimos que no processo de institucionalização do SISP, coube à SENASP
promover discussões em seminários e respectivos grupos de trabalhos nos quais se
envolveram órgãos federais e estaduais, ainda nos idos de 2000 e 2001, intensificadas
após a posse de Luiz Fernando Correa, em novembro de 2003, à frente da Secretaria,
quando foram estabelecidas diretrizes no sentido de elaborar uma nova Doutrina
Nacional de Inteligência de Segurança Pública. Dentro desse propósito, foram

114
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal, p. 182-183.
115
COUTO, Marcelo Augusto. Investigação policial e inteligência policial, p. 26-38. Para nós, a necessidade de
atenção a essas especificidades, de certa forma, conduziria inclusive ao afastamento do critério criminal (criminal
standard) adotado por Alexandre Buck Medrado Sampaio para defender a extensão do controle judicial das
interceptações telefônicas às solicitações dos órgãos de inteligência, especialmente as eventualmente emanadas da
ABIN. (SAMPAIO, Alexandre Buck Medrado. Controle judicial das atividades de inteligência no Brasil: eficiência
democrática na agência brasileira de inteligência, p. 60-62)
116
COUTO, Marcelo Augusto. Investigação policial e inteligência policial, p. 42.
67

realizados encontros com os chefes de Inteligência de todos os Estados, com o objetivo


de se designarem representantes regionais que pudessem traduzir os interesses,
necessidades e realidades de cada uma das regiões. Dentre as principais demandas
apresentadas pelas regiões, podemos destacar a necessidade de aprimoramento: a) dos
estudos sobre a admissibilidade de provas produzidas a partir da atividade de
Inteligência (S/NE); b) do debate sobre as questões relacionadas a controle
(CO/SE/NE/S); c) do aprofundamento da definição conceitual, com especial atenção ao
princípio da oportunidade (CO/SE) e ao que, doutrinariamente a Inteligência busca
apenas o conhecimento, e não a capacidade (N).
Percebe-se que a primeira questão se refere à relação entre Inteligência de
Segurança Pública, investigação criminal e processo penal; a segunda registra a
necessidade de eficácia e efetividade em mecanismos de controle; e, por fim, o que mais
de perto nos interessa, a terceira demonstra a necessidade de determinação e
profundidade da definição conceitual da Inteligência de Segurança Pública, aí inserida a
Inteligência Policial ou criminal.
A respeito, Priscila Antunes registra que “o maior desafio na implementação
da doutrina é fazer com que as contribuições teóricas vinculadas ao conceito de
Inteligência de Segurança Pública sejam capazes de balizar a prática cotidiana da
atividade no país.”117
Na busca por parâmetros para a determinação conceitual de Inteligência de
Segurança Pública, encontramos a noção desenvolvida pelo primeiro grupo de trabalho
reunido por ocasião do I Seminário Nacional sobre a atividade de Inteligência de
Segurança Pública118, que a concebe como:
uma ferramenta para análise de fenômenos relacionados à Segurança Pública,
entre os quais se destacam a identificação da forma e atuação de organizações
criminosas e das novas modalidades de crimes, a elaboração do perfil das
pessoas envolvidas, sejam elas autores ou vítimas, auxiliar na solução de
procedimentos investigatórios policiais, além de subsidiar o planejamento da

117
ANTUNES, Priscila. Segurança Pública e Inteligência: A criação do SISP no processo de (re) institucionalização
do Sistema Brasileiro de Inteligência.
118
Entre os dias 5 e 7 de dezembro de 2001 a SENASP promoveu o I Seminário Nacional sobre a atividade de
Inteligência de Segurança Pública. A metodologia desenvolvida durante o seminário incluía palestras e discussões em
Grupos de Trabalho/GT. O primeiro GT ficou responsável pela discussão sobre o papel da inteligência no contexto de
Segurança Pública, por levantar as deficiências e necessidades dos Estados quanto a pessoal, treinamento e
reaparelhamento. Cf. ANTUNES, Priscila. Segurança Pública e Inteligência: a criação do SISP no processo de
(re)institucionalização do Sistema Brasileiro de Inteligência.
68

gestão de Segurança Pública, através do fornecimento de dados, informações


e conhecimentos.

Já é ora, pois, de tentarmos estabelecer algum marco coerente para adoção


de um conceito (o mais) determinado (possível) de Inteligência de Segurança Pública.

A Resolução n. 1, de 15 de julho de 2009, da Secretaria Nacional de


Segurança Pública, que regulamenta o Subsistema de Inteligência de Segurança Pública,
no âmbito do Sistema Brasileiro de Inteligência, nos termos do Dec. 3.695, de 21 de
dezembro de 2000, conceituou Inteligência de Segurança Pública como a (art. 1º, §4,
III):

atividade permanente e sistemática via ações especializadas que visa


identificar, acompanhar e avaliar ameaças reais ou potenciais sobre a
Segurança Pública e produzir conhecimentos e informações que subsidiem
planejamento e execução de políticas de Segurança Pública, bem como ações
para prevenir, neutralizar e reprimir atos criminosos de qualquer natureza, de
forma integrada e em subsídio à investigação e à produção de conhecimentos;

Nos termos da resolução, a atividade de Inteligência de Segurança Pública é


técnico-especializada, permanentemente exercida e orientada para a produção e
salvaguarda de conhecimentos de interesse da Segurança Pública que, por seu sentido
velado e alcance estratégico, configurem segredos de interesse do Estado e das
instituições, objetivando assessorar as respectivas chefias em qualquer nível
hierárquico.
A resolução, assim, diferencia a Inteligência de Segurança Pública da
Inteligência Policial, esta definida como um (art. 1º, §4º, IV):
conjunto de ações que empregam técnicas especiais de investigação, visando
a confirmar evidências, indícios e a obter conhecimentos sobre a atuação
criminosa dissimulada e complexa, bem como a identificação de redes e
organizações que atuem no crime, de forma a proporcionar um perfeito
entendimento sobre a maneira de agir e operar, ramificações, tendências e
alcance de condutas criminosas;

Na mesma esteira, sem confundir a atividade de Inteligência com as de


investigação ou análise criminal, Celso Ferro assim conceitua a Inteligência Policial:
A Inteligência Policial é a atividade que objetiva a obtenção, análise e
produção de conhecimentos de interesse da Segurança Pública no território
nacional, sobre fatos e situações de imediata ou potencial influência da
69

criminalidade, atuação de organizações criminosas, controle de delitos


sociais, assessorando as ações de polícia judiciária e ostensiva por intermédio
da análise, compartilhamento e difusão de informações.119

A diferenciação da Inteligência e da investigação, por seu turno, não


significa a defesa da ilegitimidade da Inteligência Criminal, pelo contrário, como
salienta Frederick Martens:
Intelligence systems are essential to maintaining some sort of „knowledge‟
that can aid law enforcement in containing the growth of crime. We must use
our resources in more creative and intelligent ways if we are to maintain the
delicate balance between crime control and personal liberty and freedom. To
accomplish this, we must understand and carefully constrict our use of
intelligence to those threats that poses the greatest harm to our domestic
tranquility and allow the traditional, reactive law enforcement methodologies
to address the rotine forms of crime. It is through understanding the mistakes
of the past that we can avoid corrupting the intelligence process and
diminishing its value in maintaining a free and open society in the future.120

No mesmo sentido, Eduardo Pascoal de Souza enxerga a Inteligência


Policial como instrumento de apoio e assessoria nos níveis tático e estratégico da
organização policial, a fim de que a organização tenha a percepção adequada das
realidades com as quais lida nessas esferas, porém não descarta a possibilidade de a
Inteligência atuar no suporte às investigações policiais, em situações específicas, no
plano operacional. E complementa com a seguinte diferenciação:
[...] a Inteligência se destaca pela capacidade de gerar uma cultura
organizacional que valoriza a informação e conhecimento, a sua doutrina
promove a força coletiva de explorar o poder da construção do conhecimento
em uma instituição, [...] Inteligência e Gestão do Conhecimento são práticas
interligadas.
Quanto à Investigação Policial, é atividade preponderante no nível
operacional da organização policial e o seu objetivo é instrumentar a
persecução penal. [...] também se opera dentro de uma metodologia voltada a
compreender uma realidade, porém, o objetivo de sua abordagem é específico

119
Cf. MAGALHÃES, Luiz Carlos. A inteligência Policial como ferramenta de análise do fenômeno: roubo de
cargas no Brasil. INFOSEG, 2004. Disponível em http://www.infoseg.gov.br. Acesso em 10 jan. 2010.
120
MARTENS, Frederick T. apud PETERSON, Marilyn B., MOREHOUSE, Bob, WRIGTH, Richard (ed.).
Intelligence 2000: revising the basic elements. 2nd. Print. Sacramento-CA: Lawrenceville-NJ: Law Enforcement
Intelligence Unit – L.E.I.U. International Association of Law Enforcement Intelligence Analysts – IALEIA, 2002, p.
70-71. Tradução livre: “sistemas de informações são essenciais para a manutenção de algum tipo de „conhecimento‟
que pode auxiliar a segurança pública no controle do crime. Temos de usar nossos recursos de maneira mais criativa e
inteligente, se quisermos manter o delicado equilíbrio entre o controle da criminalidade e as garantias fundamentais e
a liberdade. Para conseguir isso, temos de compreender e cuidadosamente reservar nosso uso da inteligência para as
ameaças que representam maior prejuízo para nosso bem-estar social, mantendo as metodologias tradicionais de
segurança pública para o controle reativo da criminalidade tradicional. É através da compreensão dos erros do
passado que podemos evitar corromper o processo de inteligência e diminuir o seu valor na manutenção de uma
sociedade livre e aberta no futuro.”
70

a esclarecer um evento criminoso e buscar meios de verificação, no caso as


provas criminais, responsáveis em apontar a materialidade e autoria de um
crime.121

Percebe-se, então, que a Inteligência Policial (ou num paradigma um pouco


mais amplo, a Inteligência Criminal) não se confunde com a investigação criminal e,
sendo assim, ela não é instrumento para reunião de elementos de informação ou prova
acerca da materialidade e da autoria – e de circunstâncias concretas – de um crime
específico já ocorrido e passível de persecução penal.122 O problema que daí decorre
acerca da admissibilidade probatória das informações colhidas pela Inteligência
Criminal deve ser objeto de estudo particular, que envolve outros pressupostos e
discussões, com incursões inevitáveis na teoria do processo, digressão que ora evitamos
– porém de registro obrigatório.
Tanto a investigação criminal quanto à Inteligência Criminal se valem,
obviamente, de métodos e técnicas peculiares de coleta de dados (ou técnicas de
investigação, na dicção da Resolução n. 1/2009, da SENASP).
A tarefa, ainda incompleta, de diferenciação entre as atividades de
investigação e Inteligência criminais se apresenta como itinerário inevitável no percurso
capaz de reduzir possível ilegitimidade social da Inteligência. Isso se dá porque, como
lembra Marcelo Couto, a investigação policial está sujeita a limitações mais rigorosas
exatamente porque confronta diretamente direitos subjetivos, devido ao óbvio

121
SOUZA, Eduardo Pascoal de. Sobre as semelhanças e diferenças entre inteligência e investigação. Disponível
em: http://www.forumseguranca.org.br. Acesso em: 30 jan. 2010.
122
Em sentido contrário à nossa afirmação, “a Polícia Federal fez uma adaptação proveitosa da inteligência „clássica‟
às necessidades específicas de suas atividades policiais, especialmente pela inclusão da produção de provas para
investigações criminais e processos penais. Sua atividade de inteligência produz um conhecimento que, conforme o
caso, objetiva a produção de prova durante investigação ou processo criminais (especialmente quanto à ação
criminosa complexa), subsidia o planejamento e a execução de outras ações, operações e investigações policiais,
estima a evolução da criminalidade ou serve para assessorar autoridades governamentais na formulação de políticas
de prevenção e combate à violência. Também operou uma adequação do conteúdo dos conhecimentos e da
terminologia dos documentos, os quais se denominam informação policial, análise de conjuntura criminal e
estimativa de evolução da criminalidade (além do informe policial, que não contém „conhecimento de inteligência‟
propriamente), no lugar dos „clássicos‟ informe, apreciação, informação e estimativa. Portanto, a atividade de
inteligência policial da Polícia Federal é voltada especialmente para a produção de provas da materialidade e da
autoria de crimes, exercendo atividade de natureza eminentemente executiva (inteligência tática), mas também pode
realizar atividade de natureza consultiva, quando, por meio dos conhecimentos contidos em análises de conjuntura
criminal ou em estimativas de evolução de criminalidade, assessora autoridades governamentais na formulação de
políticas de prevenção e combate à criminalidade (inteligência estratégica). A atividade de inteligência „clássica‟ (ou
„de Estado‟), diversamente, é voltada especialmente para o assessoramento do processo decisório.” Cf. PACHECO,
Denilson Feitoza. Atividades de inteligência e processo penal. Disponível em: http://www.advogado.adv.br. Acesso
em: 30 jan. 2010.
71

pressuposto da ocorrência de uma infração penal. Assim, qualquer investigação, ainda


que mediatamente, visa à retratação ou reconstituição de um Estado probatório capaz de
revestir-se, num segundo momento, de valor processual penal. A vocação da
Inteligência é mais ampla; há especificidade funcional diferenciada e não há identidade
de pressuposto entre as categorias de atuação institucional123.
Não se quer, aqui, estabelecer um marco divisório absoluto nem uma teoria
pura da investigação policial, até porque, como ensina Denilson Feitoza:
“Devemos ressaltar que os documentos de inteligência não podem ser, pura e
simplesmente, juntados aos autos de um inquérito policial militar ou de um
processo penal militar, mas convenientemente „tratados‟, o que talvez não
seja possível em razão de a atividade de inteligência não ter se adequado às
normas processuais penais no caso concreto.
[...] Mesmo atualmente, vários serviços de inteligência policial se mantêm na
linha restritiva da Inteligência “clássica”, destinados ao processo decisório de
suas chefias máximas, como, conforme o caso, o chefe da Polícia Civil, o
comandante-geral da Polícia Militar, o secretário de Estado de segurança etc.
Há, em certos casos, até mesmo uma resistência à sua utilização em
investigações criminais.
Não estamos questionando a alta qualidade de vários serviços de inteligência
policial no cumprimento de suas missões específicas, mas ressaltando uma
certa indefinição nacional sobre qual deveria ser a finalidade dos serviços de
inteligência policial em geral.
[...]os serviços de inteligência militar têm maior dificuldade ainda de
adaptarem suas atividades de Inteligência para que produzam provas válidas
nos inquéritos policiais militares e nos processos penais militares, conforme
as normas processuais penais.124

Por fim, vale a transcrição integral da conclusão de Marcelo Couto acerca


da necessária diferenciação entre investigação e Inteligência criminais:
Não é difícil perceber a infinidade de danos germináveis a partir de uma
miscigenação desavisada entre atividades de Inteligência Policial e
investigação policial. Pretender que os serviços de Inteligência Policial, por
exemplo, reprogramem seus expedientes operacionais e analíticos para
agregar valor probatório aos seus produtos implica lhes privar da
versatilidade que confere à Inteligência o poder de chegar a resultados
inacessíveis para a investigação. Considere-se, ainda, que os mesmos dados
tachados de decisivos para o destinatário da Inteligência Policial podem ser
inservíveis sob o prisma da investigação, com uma agravante: sua introdução
no inquérito policial, além de estéril, pode expor o flanco policial a toda sorte
de questionamento, principalmente se se considerar a força mitigada que o
sigilo tem nessa sede [Cf. art. 20, Código de Processo Penal, e art. 7º, inc.
XIV, Lei 8.906/1994]. Por outro lado, sempre que se cuidar de situação capaz
de tangenciar direitos fundamentais, ocioso será o recurso à Inteligência

123
COUTO, Marcelo Augusto. Investigação policial e inteligência policial, p. 38.
124
PACHECO, Denilson Feitoza. Atividades de inteligência e processo penal. Disponível em:
http://www.advogado.adv.br. Acesso em: 30 jan. 2010.
72

Policial – senão como iniciativa precursora e preparatória –, sendo preferível


recorrer, desde logo, aos instrumentos da investigação policial, com sua
inerente aptidão probatória.125

125
COUTO, Marcelo Augusto. Investigação policial e inteligência policial. Monografia. Belo Horizonte. Biblioteca
da FESMPMG, 2008, p. 41.
73

7 CONCLUSÕES

A despeito da evidente limitação dessa pesquisa, cujos objetivos não trazem


a pretensão de resposta plena à questão da indeterminação conceitual da Inteligência
Policial, senão o registro de alerta quantos aos riscos daí advindos, algumas conclusões
podem ser alinhavadas.
Sem dúvida, a concepção de Inteligência que se adotar será determinante
para a análise de seu custo-benefício social, porque a gestão de informações também
subsidia o processo decisório, sem o recurso excepcional da Inteligência no seu sentido
estrito. Inteligência não pode significar, na prática, outorga a órgãos oficiais para
violação da lei (e da Constituição). A atividade de Inteligência, nesse sentido, será
reconhecidamente útil para qualquer órgão governamental, mas nem sempre
imprescindível e legítima. Com base nesse raciocínio, podemos afirmar que de nada
adiantará a evolução do investimento numa nova polícia, se a mentalidade corporativa
prosseguir atrelada à reserva de espaços políticos de poder, cuja marca mais evidente é
o não-compartilhamento de experiências, dados e informações.
O Estado deve investir continuamente na busca de soluções para conciliar a
necessidade de eficiência dos órgãos de Segurança Pública com o respeito aos limites
democráticos da persecução penal, a partir de planejamento institucional e
aperfeiçoamento dos recursos tradicionais (materiais e humanos) das forças policiais,
prioritariamente em relação à estruturação dos órgãos de Inteligência.
A atuação proativa e a tomada de decisões político-institucionais na área de
Segurança Pública não pode se consolidar sem os recursos da Inteligência, porém, a
atenção prioritária à Inteligência no combate à criminalidade massificada representaria
inversão da lógica institucional, com perda de eficiência a longo prazo e progressivo
incremento do risco de emergência de um Estado de Polícia.
Os órgãos de Segurança Pública encarregados de investigar e perseguir
processualmente a prática de crimes, não podem, a pretexto do exercício de atividades
realizadas sob a rubrica da Inteligência, ainda que tomada como especial técnica de
complementação da investigação, ofender o sistema de garantias constitucionais que
permeiam o devido processo penal. Malgrado as garantias fundamentais do cidadão, na
74

democracia, admitam ponderação e flexibilização, por não constituírem direitos


absolutos, não se pode, sob o argumento da preponderância do interesse social
(princípio da vedação da proteção insuficiente) sobre o individual (princípio da
proibição de excesso), aniquilar as inviolabilidades constitucionais.
O Estado, por meio de seus órgãos de segurança, não está legitimado a
buscar provas de autoria e materialidade com o emprego de procedimentos sigilosos não
sujeitos aos mesmos mecanismos de controle (interno, judicial anômalo ou externo)
aplicáveis à investigação criminal. Nesse caso, as informações produzidas pela
Inteligência não poderiam servir de base à ação penal ou mesmo fundamentar o
convencimento do juiz em sede probatória, sob pena de conversão da Inteligência num
artifício ilegítimo de suplantação das limitações constitucionais da investigação
criminal.
Se, na busca por dados negados necessários à definição estratégica de ações
policiais indispensáveis para a tomada de decisões na área de Segurança Pública houver
notícia incidental da prática de ato criminoso concreto, nos limites da interpretação
constitucional de reconhecimento da atividade de Inteligência, as informações assim
reunidas poderão ser formalizadas, legitimamente, como notícia de crime, dando
origem, a partir daí, a procedimento autônomo e regular de investigação criminal, sem
contaminação das provas a partir de então produzidas (proporcionalidade).
Se se pretender legítima a atividade de Inteligência de Segurança Pública,
especialmente tendente à integração das forças estaduais, em nível nacional, no SISP,
deve-se com urgência revisar a transparência e a abrangência dos seus mecanismos de
controle.
Algumas metas hoje propostas com exclusividade para a Inteligência, como
instrumentais de um fim maior, poderiam ser atingidas por meio de planejamento
estratégico, de gestão de informações, administração empresarial, análise técnica de
dados complexos etc., sendo possível, em alguns casos, operar ferramentas menos
invasivas. A Inteligência não pode ser vulgarizada ou banalizada.
É necessário evoluir, inclusive do ponto de vista legislativo, na elaboração
de uma agenda de responsabilidades capaz de suplantar as omissões na implementação
75

de mecanismos eficientes e específicos de controle da atividade de Inteligência, atentos


à sua peculiaridade e excepcionalidade.
Se se confundir o produto da Inteligência Policial com a busca de autoria e
materialidade de crimes, com seu objeto sobrepondo-se ao da investigação criminal, não
haverá como restringir ao Ministério Público o controle e o acesso irrestrito às práticas
operacionais e aos conteúdos da Inteligência, o que resultaria na submissão da
Inteligência a todas as limitações inerentes ao processo penal, ainda que na fase pré-
processual. Não poderia, por exemplo, haver sacrifício da ampla defesa na fase de
investigação de crimes nem restrição ao acesso do advogado aos dados (o que,
obviamente, aniquilaria a razão de ser da Inteligência).
Por outro lado, se a Inteligência for encarada como mero suporte
diferenciado para investigação de crimes especiais, não se justifica sua estrutura
específica dentro de um padrão peculiar e concentrado de controle, com risco de
incremento ineficaz da burocracia estatal.
A Inteligência Criminal, como espécie do gênero Inteligência de Segurança
Pública, seja desempenhada pelas polícias (Inteligência Policial), seja pelo Ministério
Público (Inteligência Ministerial) em suas respectivas áreas de atuação, exige um
conceito mais preciso e determinado, que transcende o objetivo desta monografia. De
qualquer maneira, projetamos que trabalho futuro que se dedique ao tema deva partir
dos seguintes contornos: conjunto de ações que empregam métodos e técnicas especiais
de obtenção e análise de dados, notadamente sigilosos, e produção de conhecimento
sistematizado de interesse da Segurança Pública no território nacional, apto a ser
compartilhado e difundido, visando ao assessoramento das ações de polícia judiciária e
ostensiva, nos níveis estratégico, tático e operacional, capaz de antecipar-se à
ocorrência de fatos correlatos, especialmente para compreensão da: a) atuação
criminosa dissimulada e complexa, suas redes e organizações; b) maneira de agir e
operar, ramificações, tendências e alcance do fenômeno da criminalidade, inclusive sua
influência (imediata ou potencial) nos demais fatores sociais.
A indeterminação conceitual de Inteligência Policial, sobretudo quando os
enunciados e objetivos dela se aproximam aos da investigação criminal, pode
transcender o aspecto teórico e influenciar a maneira como a atividade policial é
76

desenvolvida, com maiores riscos de: a) excesso de poder e/ou desvio de finalidade; b)
ofensa aos direitos fundamentais e às garantias constitucionais do processo penal; c)
ineficiência dos serviços de inteligência frente aos macrodesafios do Brasil nos cenários
continental e mundial.
77

REFERÊNCIAS

1. ABREU, Frederico do Valle. Conceito jurídico indeterminado, interpretação da


lei, processo e suposto poder discricionário do magistrado. Disponível em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6674 . Acesso em: 02 fev. 2010.
2. ALMEIDA NETO, Wilson Rocha. Inteligência e contra-inteligência no
Ministério Público. Belo Horizonte: Dictum, 2009.
3. __________. A atividade de Inteligência como instrumento de eficiência no
cumprimento da missão constitucional do Ministério Público. Monografia.
(Especialização em Inteligência de Estado e Inteligência de Segurança Pública).
Belo Horizonte, FESMPMG, 2008.
4. ALVARENGA NETO, Rivadávia Correa Drummond de. Gestão do
conhecimento em organizações: proposta de mapeamento conceitual integrativo.
Tese (Doutorado em Ciência da Informação). – PPGCI, Escola de Ciência da
Informação da UFMG, Belo Horizonte, 2005. Biblioteca Digital de Teses e
Dissertações da UFMG. Disponível em:
http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/1843/EARM-
6ZGNE6/1/doutorado___rivad_via_correa_drummond_alvarenga_neto.pdf.
Acesso em 08 jul. 2009.
5. __________. Gestão da informação e do conhecimento nas organizações: análise
de casos relatados em organizações públicas e privadas. Dissertação (Mestrado em
Ciência da Informação) – PPGCI, Escola de Ciência da Informação da UFMG,
Belo Horizonte, 2002.
6. ALVARENGA NETO, R. C. D.; FRADE, A. C. M. N.; NASCIMENTO, D. M.;
TOMÁEL, M. I. Gestão estratégica da informação: a distribuição da informação e
do conhecimento. Informação & Sociedade, v.13, n.2, jul./dez. 2003. Disponível
em:
http://www.arquivar.com.br/espaco_profissional/sala_leitura/artigos/gestao_estrat
egica_info.pdf/view?searchterm=estrat%C3%A9gica. Acesso em: 08 jul. 2009.
7. ANTUNES, Priscila Carlos Brandão. SNI e ABIN: uma leitura da atuação dos
serviços secretos brasileiros ao longo do século XX. Rio de Janeiro: FGV Editora,
2002.
8. ANTUNES, Priscila. Segurança Pública e Inteligência: A criação do SISP no
processo de (re) institucionalização do Sistema Brasileiro de Inteligência.
9. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal:
Introdução à sociologia do direito penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,
1999.
10. BASTOS, Celso Ribeiro. Considerações em torno da segurança nacional:
pressupostos filosóficos e seu enquadramento jurídico-constitucional. Revista de
Direito Constitucional e Ciência Política, v. 2 (57-61), Rio de Janeiro: Forense,
1984.
78

11. BOBBIO, Noberto. Teoria da norma jurídica. 3. ed. São Paulo: Edipro, 2005.
12. BRANDÃO, Priscila Carlos. Serviços de inteligência no cone sul: um estudo
comparado sobre o legado das transições para a democracia na Argentina, no
Brasil e no Chile. Tese (Doutorado em Ciências Sociais). UNICAMP, Campinas,
2005.
13. __________. A Inteligência de Segurança Pública no Brasil, na virada do
segundo milênio: uma história institucional. XXVIII International Congress of the
Latin American Studies Association. Rio de Janeiro, junho de 2009.
14. BRASIL, Francisco de Souza. Doutrina de Segurança Nacional: muito citada,
pouco comentada. Revista de Direito Administrativo. 137 (399-411). Rio de
Janeiro: Forense, jul-set/1979.
15. BRASIL. Lei 9.883, de 07 de dezembro de 1999. Institui o Sistema Brasileiro de
Inteligência, cria a Agência Brasileira de Inteligência – ABIN, e dá outras
providências.
16. BRASIL. Decreto nº 3.695, de 21 de dezembro de 2000. Cria o Subsistema de
Inteligência de Segurança Pública, no âmbito do Sistema Brasileiro de
Inteligência, e dá outras providências.
17. BRASIL. Resolução n. 1, de 15 de julho de 2009. SENASP. Regulamenta o
Subsistema de Inteligência de Segurança Pública - SISP, e dá outras providências.
18. CARDOSO, Wilson Chagas. O papel do sistema de Inteligência da polícia militar
de minas gerais no combate ao crime organizado. Monografia (Especialização em
Inteligência de Estado e Inteligência de Segurança Pública). Belo Horizonte,
FESMPMG, 2008.
19. CEPIK, Marco A. C. Espionagem e democracia. Rio de Janeiro: FGV Editora.,
2003.
20. CEPIK, Marco e ANTUNES, Priscila. Profissionalização da atividade de
Inteligência no Brasil: critérios, evidências e desafios restantes. In:
Profesionalismo de Inteligência en las Américas, Washington: Joint Military
Intelligence college, 2003, p. 109-132.
21. CEPIK, Marco e BRUNEAU, Thomas. Brazil. Global security and intelligence.
In: PSI Handbook of Global security and intelligence – National Approaches,
Praeger Security International, v. 1, Westport, Connecticut-London, 2008, p. 112-
129.
22. CHOO, C. W. A Organização do Conhecimento: como as organizações usam a
informação para criar significado, construir conhecimento e tomar decisões. São
Paulo: Ed. Senac, 2003.
23. COUTO, Luís Gustavo Sodré. A vigilância nas operações de Inteligência fiscal
em face dos direitos e garantias individuais. Monografia. (Especialização em
Inteligência de Estado e Inteligência de Segurança Pública). Belo Horizonte,
FESMPMG, 2008.
79

24. COUTO, Marcelo Augusto. Investigação policial e Inteligência Policial.


Monografia (Especialização em Inteligência de Estado e Inteligência de
Segurança Pública). Belo Horizonte, FESMPMG, 2008.
25. DANTAS, George Felipe de Lima; FERRO JÚNIOR, Celso Moreira. A
descoberta e a análise de vínculos na complexidade da investigação criminal
moderna. Disponível em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10002&p=2. Acesso em 29 jan. 2010.
26. DANTAS, George Felipe de Lima; SOUZA, Nelson Gonçalves de. As bases
introdutórias da análise criminal na Inteligência Policial. Disponível em:
http://www.observatorioseguranca.org/pdf/Asbasesintrodutoriasdaanalisecriminal
nainteligenciapolicial.pdf . Acesso em: 30 jan. 2010.
27. DE CARO, Alessia. Hizbollah in Sudamerica: fra jihad e narcoterrorismo. Rivista
Italiana di Intelligence –GNOSIS n. 1, 2006, Agenzia Informazioni e Sicurezza
Interna-AISI. Disponível em:
http://www.sisde.it/Gnosis/Rivista6.nsf/ServNavig/15 . Acesso em: 02 fev. 2010.
28. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 11. ed. São Paulo:
Atlas, 1999.
29. FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. São Paulo, Ed.
Revista dos Tribunais, 2008.
30. FERRAZ, Jacqueline de Oliveira. O papel do centro integrado de informações de
defesa social na formulação e execução da Inteligência de Segurança Pública no
Estado de Minas Gerais. Monografia. (Especialização em Inteligência de Estado e
Inteligência de Segurança Pública). Belo Horizonte, FESMPMG, 2008.
31. FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão,
dominação. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2003.
32. FLEURY, M.T.L.; OLIVEIRA JR., M. M. (Org.). Gestão Estratégica do
Conhecimento: integrando aprendizado, conhecimento e competências. São Paulo:
Atlas, 2001.
33. GONÇALVES, Joanisval Brito. Atividade de Inteligência e legislação correlata.
Niterói: Impetus, 2009.
34. __________. O controle da atividade de Inteligência. Disponível em:
http://www.eceme.ensino.eb.br/portalcee/arquivos/artigo_controle_da_ai_rbint_ve
rsao_autorizada_pelo_autor.pdf . Acesso em: 20 abr. 2007.
35. GUINSBURG (Org.) A paz perpétua: um projeto para hoje – Kant et alli. São
Paulo: Perspectiva, 2004.
36. GUSTIN, Miracy Barbosa de Sousa; DIAS, Maria Tereza Fonseca. (Re)pensando
a pesquisa jurídica. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.
37. HEIDENRICH, John G. The State of Strategic Intelligence: the Intelligence
Community's Neglect of Strategic Intelligence. Disponível em:
https://www.cia.gov/library/center-for-the-study-of-intelligence/csi-
80

publications/csi-studies/studies/vol51no2/the-state-of-strategic-intelligence.html.
Acesso em: 30 mai. 2009.
38. HIGUCHI JÚNIOR, Mário Konichi. O controle externo da atividade de
Inteligência pelo ministério público. Monografia. (Especialização em Inteligência
de Estado e Inteligência de Segurança Pública). Belo Horizonte, FESMPMG,
2008.
39. JAKOBS, Günther. Ciência do direito e ciência do direito penal. Coleção Estudos
de Direito Penal, vol. 1. Barueri: Manole, 2003.
40. KENT, Sherman. Informações estratégicas. Rio de Janeiro: Biblioteca do
Exército Editora, 1967.
41. MAGALHÃES, Luiz Carlos. A Inteligência Policial como ferramenta de análise
do fenômeno: roubo de cargas no Brasil. INFOSEG, 2004. Disponível em:
http://www.infoseg.gov.br/infoseg/arquivos/a-inteligencia-policial-como-
ferramenta-de-analise-do-fenomeno-roubo-de-cargas-no-brasil . Acesso em: 10
jan. 2010.
42. MARTINS-COSTA, Judith; BRANCO, Gerson Luiz Carlos. Diretrizes teóricas
do novo código civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002.
43. MAZZILI, Hugo Nigro. O Ministério Público na Constituição de 1988. São
Paulo: Saraiva, 1989.
44. __________. Regime jurídico do Ministério Público. São Paulo: Saraiva, 1993.
45. McGEE, J.; PRUSAK, L. Gerenciamento estratégico da informação. Rio de
Janeiro: Campus, 1995.
46. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 17. ed. São Paulo:
Malheiros, 1992.
47. MELLO, Anita Bethania Rocha Cavalcanti de. Uso da atividade de Inteligência
nas investigações de organizações criminosas realizadas pelo ministério público
com enfoque na produção de provas. Monografia. (Especialização em Inteligência
de Estado e Inteligência de Segurança Pública). Belo Horizonte, FESMPMG,
2008.
48. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Discricionariedade e controle jurisdicional.
São Paulo: Malheiros, 2007.
49. MORAES, Elster Lamoia de. Princípios que regem o moderno inquérito policial.
Revista Jurídica UNIJUS, UNIUBE, Uberaba/MG, vol. 10, n. 13, nov./2007, p.
177-192.
50. NASCIMENTO JÚNIOR, Francisco do. Os limites legais das operações de
Inteligência em face dos direitos e garantias fundamentais. Monografia.
(Especialização em Inteligência de Estado e Inteligência de Segurança Pública).
Belo Horizonte, FESMPMG, 2008.
51. PACHECO, Denilson Feitoza. Atividades de Inteligência e processo penal.
Disponível em:
81

http://www.advogado.adv.br/direitomilitar/ano2005/denilsonfeitozapacheco/ativid
adedeinteligencia.htm . Acesso em: 30 jan. 2010.
52. PEREIRA, Dersú Georg Menescal e MAROJA, Ângela. A teoria do contrato e o
pensamento político-jurídico da filosofia kantiana. Revista Científica da UFPA,
v.03, mar./2002, Disponível em:
http://www.ufpa.br/rcientifica/ed_anteriores/pdf/ed_03_dgmp.pdf . Acesso em: 28
jan. 2010.
53. PETERSON, Marilyn B., MOREHOUSE, Bob, WRIGTH, Richard (ed.).
Intelligence 2000: revising the basic elements. 2nd. Print. Sacramento-CA:
Lawrenceville-NJ: Law Enforcement Intelligence Unit – L.E.I.U. International
Association of Law Enforcement Intelligence Analysts – IALEIA, 2002.
54. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
55. RODRIGUES, Valéria da Silva. A atuação do magistrado criminal brasileiro na
atividade de Inteligência de Segurança Pública. Monografia. (Especialização em
Inteligência de Estado e Inteligência de Segurança Pública). Belo Horizonte,
FESMPMG, 2008.
56. SAIN, Marcelo Fabián. Democracia e inteligencia de estado en la Argentina.
Disponível em: http://www.fafich.ufmg.br/ceig/?screen=search&all=1. Acesso
em: 20 nov. 2009.
57. SAMPAIO, Alexandre Buck Medrado. Controle judicial das atividades de
Inteligência no Brasil: eficiência democrática na agência brasileira de
Inteligência. Monografia. (Especialização em Inteligência de Estado e Inteligência
de Segurança Pública). Belo Horizonte, FESMPMG, 2008.
58. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 6. ed. São
Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1990.
59. SOUZA, Eduardo Pascoal de. Sobre as semelhanças e diferenças entre
Inteligência e investigação. Disponível em:
http://www.forumseguranca.org.br/artigos/sobre-as-semelhancas-e-diferencas-
entre-inteligencia-e-investigacao. Acesso em: 30 jan. 2010.
60. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. v. 1, 18. ed. São Paulo:
Saraiva, 1997.
61. VANOSSI, Jorge Reinaldo. La doctrina de la seguridad nacional: su
inconsistência e inseguridad jurídica. Revista de Direito Constitucional e Ciência
Política, 4 (131-136), Rio de Janeiro: Forense, 1985.
62. VILLALOBOS, Maria Concepción Pérez. Derechos fundamentales y servicios de
inteligencia. Granada: Grupo Editoral Universitário, 2002.
63. WERNER, Sérgio Andrade. A interceptação telefônica de Inteligência de
Segurança Pública: limites legais e éticos. Monografia. (Especialização em
Inteligência de Estado e Inteligência de Segurança Pública). Belo Horizonte,
FESMPMG, 2008.

Você também pode gostar