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Covid-19: a Suécia está próxima da

imunidade coletiva?

No terraço de um restaurante em Estocolmo, 26 de abril. Foto: ​Jessica Gow. Agência de Notícias TT.
Reuters

Traduzido do francês por Julia Duarte. Publicado originalmente por Jacques Pezet, no jornal
Libération, em 5 de maio de 2020.

O epidemiologista responsável pela estratégia


de não contenção na Suécia acredita que a
região de Estocolmo pode alcançar imunidade
coletiva, o que pode impedir a propagação do
vírus, já em maio.
Pergunta feita em 05/04/2020

Olá

Sua pergunta se refere a uma declaração de 26 de abril da embaixadora sueca nos


Estados Unidos, Karin Ulrika Olofsdotter, que​ disse à rádio americana NPR​: "Cerca
de 30% das pessoas em Estocolmo atingiram um nível de imunidade. Poderíamos
alcançar imunidade coletiva na capital no próximo mês ". Enquanto a imunidade
coletiva (que pode ser alcançada quando dois terços da população está em contato
com o vírus) é frequentemente apresentada como um dos meios para acabar com a
epidemia, esse resultado é apresentado pelos comentaristas como um sinal de que
a estratégia sueca, rompendo com as medidas de contenção adotadas pela maioria
dos países, poderia ser a correta.

Imunidade coletiva prevista para o final de maio em


Estocolmo?

A embaixadora sueca não é a única a ter produzido esses números. No mais


alto nível da Suécia, o epidemiologista estadual Anders Tegnell, que decide a
estratégia excepcional do reino, seguida pelo governo, garantiu à mídia americana
USA Today​ em 28 de abril: "Poderíamos alcançar imunidade coletiva em Estocolmo
em algumas semanas. " "Acreditamos que até 25% das pessoas em Estocolmo
foram expostas ao coronavírus e podem estar imunes. Uma pesquisa recente em
um de nossos hospitais em Estocolmo descobriu que 27% dos funcionários estão
imunizados, diz o epidemiologista chefe da Agência de Saúde Pública da Suécia.
Acreditamos que a maioria deles foi imunizada por transmissão fora do local de
trabalho.” Os dados saem de uma​ modelagem calculada pela Agência Sueca de
Saúde Pública​, que observa em um relatório divulgado em 21 de abril que "26% da
população do Condado de Estocolmo estará infectada com a Covid-19 até 1º de
maio 2020” e de um estudo de rastreamento de anticorpos do Covid-19 que está
sendo realizado atualmente no Danderyd Hospital, localizado no norte da Grande
Estocolmo, cujos ​primeiros resultados​ foram publicados na imprensa em 27 de abril.
De uma amostra de 527 trabalhadores de hospitais, aproximadamente um quinto
possui anticorpos para o Covid-19.

A previsão de imunidade coletiva alcançada em maio também é sustentada


por Johan Giesecke, ex-epidemiologista estadual da Suécia de 1995 a 2005, que
em uma​ live​ em inglês​, transmitida em 29 de abril pelo instituto de pesquisa
Chatham House de Londres, estima: "Acreditamos que devermos atingir esse nível
até o final de maio", na região de Estocolmo". O resto do país está um pouco
atrasado". Tom Britton, professor de matemática da Universidade de Estocolmo e
especialista em modelagem de doenças infecciosas, também chegou ​em meados
de abril ​à mesma previsão de imunidade coletiva em Estocolmo. Ele estima que,
nos países vizinhos, que aplicaram medidas de contenção, a parcela da população
infectada será de apenas 20%. Na França, um estudo do Instituto Pasteur obteve
recentemente um resultado muito mais baixo, estimando que, a partir de 11 de
maio, menos de 6% da população francesa entraria em contato com o vírus. Essa
taxa ​varia muito dependendo de acordo com a região.

Recusa de confinamento estrito

Ao contrário da maioria dos países afetados pelo coronavírus, o governo sueco,


seguindo a tradição do país de respeitar as liberdades individuais, não escolheu a
contenção, mas optou por uma estratégia que consiste principalmente em confiar
seus residentes a cumprirem as ​recomendações de distanciamento social​ (ficar em
casa, lavar as mãos,​ home office​) e impôs algumas restrições (proibição de eventos
com mais de 50 pessoas e fechamento de escolas e universidades). Como
resultado, neste país de 10 milhões de pessoas, onde ainda existem restaurantes e
bares, a epidemia deixou 2.769 mortos, incluindo 1.463 no Condado de Estocolmo,
a principal região afetada pelo coronavírus.
É muito mais do que entre seus vizinhos nórdicos que optaram pela contenção (e onde o
número de mortes confirmadas do Covid-19 é de centenas: 493 mortes na Dinamarca,
240 na Finlândia e 214 na Noruega), mas é menos do que em muitos países europeus.
Se analisarmos a ​base de dados Euromomo​, apresentada pela CheckNews, e que
possibilita comparar a taxa de mortalidade na Europa, a Suécia é um dos oito países da
Europa (dos vinte ou mais países estudados) que mostram uma alta taxa de mortalidade
nas últimas semanas (mesmo que o país esteja em níveis inferiores aos observados na
França, Bélgica, Itália, Holanda, Espanha ou mesmo no Reino Unido). O país reconhece
uma mortalidade mais alta que seus vizinhos e o culpa parcialmente por falhas nos
centros de atendimento a idosos, onde o vírus foi capaz de se espalhar, apesar das
recomendações para não haver visitas. “A alta taxa de mortalidade que podemos ver na
Suécia está muito relacionada aos nossos lares de idosos na Suécia. Esse é muito
menos o caso da Noruega e da Finlândia", disse Anders Tegnell ao jornal ​The
Australian.

Porém, para seu antecessor, Johan Giesecke, a comparação de mortalidade nesta fase
do desenvolvimento da epidemia não é relevante e não é capaz de validar (ou invalidar)
a estratégia de combate à epidemia. O que ele explica no ​Good Morning Britain​: "Acho
que devemos esperar um ano para comparar as mortes em diferentes países, porque os
casos que morreram na Suécia são semelhantes aos que vocês terão quando
flexibilizarem a contenção. Vocês terão mais mortes e, no final, acho que elas serão
iguais em todos os países. [...] você adia o que vai acontecer. [...] Em um país ocidental
democrático, você não pode prender as pessoas por dezoito meses.”

Enquanto essa estratégia alternativa de contenção continua sendo criticada por alguns
especialistas, o anúncio da ​imunidade coletiva ​que pode ser alcançada já em maio na
Suécia (enquanto muitos países estão iniciando seu desconfinamento) aparece como
uma boa notícia. A imunização coletiva é frequentemente apontada como o meio mais
eficaz para acabar com uma epidemia, na ausência (ou espera) de uma vacina. Dadas
as características conhecidas do Sars-Cov2, acredita-se que ela seja atingida quando
dois terços da população estiverem infectados. Em teoria, os habitantes que sobrevivem
à doença desenvolvem anticorpos e, portanto, são imunes. Sem mais pessoas para
infectar, o vírus luta para se espalhar e desaparece. A Suécia teria, portanto, percorrido
um longo caminho neste sentido.

Uma imunidade cuja duração ainda é desconhecida

Embora a imunidade coletiva não seja oficialmente anunciada como um objetivo na


Suécia, as hipóteses apresentadas foram anunciadas com entusiasmo pelas autoridades
de saúde. No entanto, estes últimos reconhecem que ainda não há certeza sobre o
assunto. O vice-epidemiologista estadual Anders Wallensten disse no ​início de abril​ que
"até agora não vimos evidências conclusivas da duração exata da imunidade". Em 24 de
abril, a ​Organização Mundial da Saúde (OMS)​ acrescentou que, nesta etapa, "nenhum
estudo avaliou se os anticorpos contra o Sars-Cov-2 conferem imunidade contra uma
nova infecção desse vírus no homem", afirmando mais tarde que "espera que a maioria
das pessoas infectadas com Covid-19 desenvolva uma resposta de anticorpos que lhes
proporcione algum nível de proteção ".

Uma opinião compartilhada por ​Gunilla Karlsson Hedestam​, professora de imunologia do


Instituto Karolinska em Estocolmo, que pensa que "é certo que formamos anticorpos,
mas se você teve uma infecção leve, os níveis serão mais baixos, nós já sabemos disso.
Se você teve uma infecção séria que dura mais tempo, terá uma maior concentração de
anticorpos no sangue."

A CheckNews examinou o assunto, concluindo que ainda há ​muito a ser demonstrado.

Atenciosamente.

*Vários meios de comunicação, mas também autoridades de saúde, agora contam com
números de mortes de todas as causas para tentar fazer um balanço da epidemia. Ao
investigar as estatísticas, Fabien Leboucq e Cédric Mathiot encontraram um indicador
que permite uma melhor comparação do número de mortes nos países afetados pelo
Covid-19.

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