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Pensamento Social Brasileiro

Unidade II
5 Tendências do pensamento social brasileiro e a Sociologia

Já foi visto que o estudo do pensamento social brasileiro abrange distintas tendências de reflexão
sobre a realidade brasileira sobre o poder, condições do cotidiano e formas de sociabilidade, formando
um conjunto de modalidades de problematização da vida social. No mundo moderno, o pensamento
buscou permanentemente explicações racionais e científicas para essas questões, ancorando alternativas
de resposta na Ciência e na Filosofia, mantendo o critério de coerência com as questões identificadas.
Portanto, o pensamento sociológico, que emerge em uma dada situação social, mantém vínculo com
as condições presentes naquela sociedade e tempo social em que foi produzido, para as quais coloca
questões e busca respostas pertinentes.

Desse modo, as contribuições da Sociologia brasileira, teóricas ou aplicadas, sempre têm como
quadro de referência a sociedade brasileira, considerada em relação a algum dos processos históricos,
econômicos, sociais ou políticos escolhidos.

Embora refletindo a sociedade brasileira e processos de natureza diversa que a percorrem, as


contribuições da Sociologia não se limitam ao espaço “nacional”. Como ciência, ou, mais precisamente,
inserida no episteme do século XXI, a Sociologia não tem fronteiras, nem é “global”, porque, mantendo
a coerência lógica, na investigação do “objeto” e dos dados coletados, pode se valer da experiência
internacional, sem incorporá‑la automaticamente.

Explorando as entrelinhas desses parágrafos, percebe‑se que a Sociologia reserva ao


profissional um olhar especial, um “olhar desconfiado” para a aparência, procurando o sentido
que articula passado e futuro, o sentido que faz a História. Há nessa busca um compromisso
moral e ético que não dá para apagar ou “deixar de lado”: o compromisso com a democracia. Esse
modo de conceber a Sociologia e o papel do sociólogo vem da tradição instaurada pelos antigos
mestres das Ciências Sociais.

Em síntese, na Sociologia que se instala e se desenvolve no Brasil encontram‑se os traços das


duas facetas apontadas: o vínculo com os processos sociais e principalmente políticos em curso
na sociedade nacional e o “olhar desconfiado” com que os sociólogos nacionais examinam tais
processos, colocando questões e buscando respondê‑las. Faremos a seguir uma breve abordagem
sobre a trajetória do pensamento social brasileiro dos anos 1920. Este, além de antecipar o
desenvolvimento da Sociologia brasileira a partir dos anos 1930 ao fim dos anos 1970, aponta
sempre que possível as relações entre o curso da ciência e as questões que se originavam no
ambiente histórico e político.

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6 Pensando o Brasil, integralistas e comunistas dos anos 1920 e


1930

As duas modalidades de construção teórica da realidade brasileira estão em confronto no título,


tal como se colocaram no ambiente político brasileiro dos anos 1920 e 1930, refletindo posições
ideológicas radicalmente distintas: de um lado, o fascismo; de outro, o comunismo vitorioso desde 1917
na Rússia. Duas posições vinculadas à expressão política de contingentes de trabalhadores constituídos
pelo capitalismo industrial urbano. O Brasil ainda era uma economia apoiada na exportação do café,
fracamente industrial, iniciando a substituição de importações e sofrendo efeitos da crise econômica de
1929; a parcela urbanizada da população era significativa, especialmente nos centros como São Paulo
e Rio e, em paralelo ao segmento de classe média, ponderava um proletariado industrial importante,
inclusive pelas lutas sociais desenvolvidas desde o início do século XX.

Enfim, havia se formado uma população urbana que acumulara experiência com os problemas
sociais vividos no cotidiano e estava disponível para o discurso político ideológico. Essa população
não estava nas universidades, nem era leitora assídua dos jornais, mas era um público acessível para
mobilização por um discurso fascista conservador, autoritário, cópia sem retoques do fascismo europeu.
Contudo, nela estavam os que participaram das lutas sociais em São Paulo, os integrantes das correntes
anarco‑sindicalistas, socialistas e os comunistas. A ampliação de alcance dos discursos de mobilização
partidária envolveu essa população.

As mudanças que viriam no panorama político e intelectual brasileiro, em particular de São Paulo, já
se faziam anunciar no âmbito cultural pela Semana de Arte Moderna, evento que marcou o movimento
modernista em São Paulo. Afora a dimensão propriamente estética e da maior relevância para a cultura
brasileira, essa organização significou a relação entre dois segmentos da cultura brasileira, erudito e
popular, especialmente por duas figuras centrais ao modernismo paulista, conforme Bosi (1992, p.
332‑333):

Fique apenas o registro de duas tendências: o nacionalismo estético e crítico


de Mario de Andrade e o antropofagismo de Oswald de Andrade [...] Ambas
as teses, apesar de tão distintas na sua formulação, podem avizinhar‑se
enquanto postulam uma assimilação de códigos europeus por um presumido
caráter (ou não caráter) nacional brasileiro.

Contudo, no intelectualismo modernista de 1922 havia uma dimensão reacionária, representada


por vários intelectuais que integraram o movimento integralista, conforme aponta Vasconcellos
(1979, p. 85):

Se o modernismo trouxe nova visão da realidade brasileira, e ao mesmo


tempo revolucionou a linguagem literária, como então explicar a atividade
intelectual de um Plinio Salgado, futuro líder fascista, Menotti del Picchia,
verboso nacional populista, Tasso da Silveira, representante ao autoritário
grupo Festa, Cassiano Ricardo, adepto do ufanismo verde‑amarelo.(...)
[Havia] Uma ala radical, crítica comprometida com a pesquisa literária;
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outra, passadista, academizante, reacionária do ponto de vista político e


diluidora do ponto de vista artístico.

No prefácio de Ideologia Curupira, de Gilberto Vasconcellos, na análise do discurso integralista,


Florestan Fernandes vê o integralismo como “o contraponto de uma esquerda débil, pouco articulada e
esmagada pelas condições mesmas de existência e de manifestação da classe operária” (VASCONCELLOS,
1979, p. 12). As ideias fascistas no Brasil representavam a expressão extremada da práxis conservadora,
mas o discurso integralista, ainda assim não era de fundamental importância, porque:

Os donos do poder estavam solidamente estabelecidos e podiam manejar


a seu bel‑prazer os “nervos” da sociedade e do Estado, prescindindo de
um oscilação fascista [...] Eles não eram menos fascistas na substância
do comportamento político e do uso dos aparelhos do Estado. Apenas
prescindiam do “discurso integralista” para atingir tais fins (Ibidem, p. 13).

Nesses termos, para Florestan, o discurso integralista nasceu vazio, embora reacionário extremado
e inserido na história brasileira. Daí a representação metafórica do título (Ideologia Curupira), uma
personagem folclórica que despista aos que vão ao seu encalço marcando sua trilha com pegadas
invertidas, o avanço sinalizado pelo calcanhar, ponto de apoio firme no passado; assim, o percurso do
Curupira é o do engodo, deixando a impressão de que avança pelo retrocesso, ou de que avança dando
as costas para o futuro. Esse é o significado de elementos importantes no integralismo, tais como a
utopia nacionalista quimérica de uma autonomia econômica, quando o capitalismo se fortalecia na
expansão internacional, além do desejo sempre renovado das elites brasileiras em uma ordem social,
mas conseguida de cima para baixo, uma ordem mais próxima da “democradura” que da democracia,
enfim, uma democracia à brasileira.

Como movimento político, o integralismo mobilizou civis, emprestando a eles certo perfil militar nos
desfiles, todos fardados marchando de camisas‑verdes, portando a parafernália de bandeiras, símbolos,
erguendo o braço na saudação “Anauê!”, em tupi.

Embora a figura de Plínio Salgado se assemelhasse a um füher tupiniquim, sem a postura orgulhosa
do alemão, o discurso inflamado, a “verborragia” conservadora conquistava o público, e os nomes
dos intelectuais que compunham as fileiras de adeptos emprestavam respeitabilidade aos militantes
orgulhosos de suas camisas. Além do mais, o integralismo tinha um componente religioso, inexistente
nas tendências fascistas e nazistas: Plínio Salgado afirmava que “Um integralista é, antes de tudo, um
soldado de Deus”, e foi esse o título de um documentário focalizando o movimento.

A afinidade entre oligarquia conservadora e integralismo se revela também na oportunidade da


fundação da Ação Integralista Brasileira (AIB), em outubro de 1932, depois da chamada “Revolução
Constitucionalista”. Um resumo do Manifesto de 7 de outubro de 1932, extraído do site integralista,
aponta os aspectos centrais:

Acordava os sentimentos patrióticos e de unidade nacional. Afirmava, de


início, uma convicção espiritualista e cristã. Criticava as revoluções sem
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doutrina. Sustentava o princípio tradicional da Pátria, consubstanciado na


expressão “Deus, Pátria e Família”. Examinava o problema da Federação e dos
Municípios. Detinha‑se na questão social. Debatia o assunto das raças, todas
iguais na formação da nacionalidade. Combatia o cosmopolitismo, como
chaga destruidora das estruturas nacionais. Concitava a união dos brasileiros,
das Forças Armadas e da população civil na luta contra o comunismo e o
capitalismo internacional. Propunha a criação de um Estado em que todas
as forças nacionais se conjugassem com o alto objetivo de se construir o
grande Brasil (SALGADO, [s.d.]).

Na verdade, o integralismo vinha ao encontro do pensamento conservador no Brasil, embora


indicando a necessidade de mudança social, colocava‑se contra as tendências mundiais de pensamento
identificadas como “cosmopolitismo”, avanço do capitalismo, no plano das condições econômicas e das
ideias socialistas identificadas pela rubrica geral de “comunismo”. A elaboração da base doutrinária vinha
da SEP (Sociedade de Estudos Políticos), fundada em 24 de fevereiro de 1932, em São Paulo. A bibliografia
utilizada tinha forte inspiração no pensamento social de Alberto Torres, a filosofia espiritualista de Farias
Brito, o naturalismo de Euclides da Cunha, dentre outros autores.

O caráter conservador e religioso do integralismo atraiu muitas figuras da intelectualidade, inclusive


juristas de renome. Ele despertava certo envolvimento patriótico e intervencionista do qual também
participavam os militares.

Por seu turno, a crítica marxista à sociedade burguesa confirmava a visão que muitos intelectuais já
haviam elaborado sobre essa mesma sociedade, com suas injustiças e problemas. O marxismo apontava
as contradições, e a militância do partido integralista indicava a práxis na direção revolucionária. Mas
o partido, pela direção da III Internacional, assumiu uma linha francamente proletária e, como aponta
Costa (2011), “promoveu a exclusão dos intelectuais da direção e sua marginalização da vida partidária”,
o que não impediu que intelectuais e artistas de todas as áreas fossem simpatizantes e militantes do
partido.

A tendência comunista implicava seguir a linha do partido e, para Prestes, contar com a participação
de “quadros” do exército. Na verdade, entre a militância e a obediência militar havia muitos elementos
em comum. Prestes tinha condições de liderar o movimento de 1930, pois, além da formação militar
(ele era capitão), vinha da experiência com a Coluna, originada no movimento de 1924, em São Paulo, e
que, juntamente com a outra, liderada por Miguel Costa, percorreu o interior do Brasil mais pobre. Esses
aspectos não escaparam ao exame dos tenentes que articulavam a revolução de 1930, os mesmos que
foram contra Arthur Bernardes e que eram contra Washington Luis e, principalmente, contra a política
da oligarquia, com uma possível eleição de Júlio Prestes.

No documentário O velho, (Tony Venturi, 1997) e em Encontros com Prestes, (Magalhães Santeiro,
1987), os depoimento de Miguel Costa e do próprio Prestes confirmam os entendimentos de Getúlio,
então governador do Rio Grande do Sul, com Prestes, então exilado na Bolívia. Os dois partilhavam da
mesma formação militar, Prestes mesmo confessa: “eu era um comandante bem caxias”, e continua,
“na minha coluna só quem conspirava era eu”. Nesse encontro eram duas concepções sobre a finalidade
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de uma revolução que se defrontavam: Getúlio, contra Júlio Prestes, e oligarquia, mas dentro de um
modelo de estado burguês, capitalista; Prestes via na proposta de Getúlio a possibilidade de uma
revolução popular “para extinguir a miséria desse país”, como ele mesmo afirma. Ele ouviu a proposta
de Getúlio, não se convenceu, mas mesmo assim recebeu 800 contos para se associar ao movimento
de 1930, mas não aderiu: “ele não ia me comprar com 800 contos, fiquei com o dinheiro e entreguei
para o Comitê do Partido para América Latina”. Em maio, de Buenos Aires, ele lançou um manifesto à
nação, esclarecendo que a revolução de Getúlio não resolveria as questões básicas da reforma agrária,
da pobreza etc. Somente uma revolução popular ou socialista poderia atingir tais objetivos.

O manifesto marca o afastamento dos militares de Prestes e também delimita o afastamento do


PCB. Perseguido, ele vai para a URSS da III Internacional e de Stalin. De fato, é de lá que chega a ordem
para o PCB aceitar a adesão de Prestes ao partido. Da vitória da Revolução de 1930 à Revolução de
1935 no Nordeste, Prestes já está no Brasil, articulando uma possível revolução, mas sempre sob a
orientação do partido em Moscou. Seguem‑se os insucessos políticos, a perseguição e as perdas pessoais
que caracterizam sua trajetória de luta por uma sociedade mais justa e democrática, aliás, estas duas
palavras utilizadas tanto por toda a esquerda, quanto pela direita mais truculenta.

Evidentemente que a trajetória do PCB não se limita às posições de Prestes. Um artigo sobre a
produção intelectual dos membros do partido demonstra que, apesar da clandestinidade, o aparato
político‑cultural ter se constituído de maneira expressiva de tempos em tempos, como em 1935, nos
anos 1945/47, 1948/52 e 1963/64, comprovam o peso da sua inserção no campo cultural e a capacidade
de fazer circular na sociedade os bens simbólicos produzidos internamente, os quais eram difundidos,
principalmente, pela imprensa partidária (COSTA, 2011).

Nas publicações do partido, e foram várias, havia discussões teóricas em torno de questões
ideológicas, bem como sobre as questões políticas. As trajetórias dos principais nomes do partido revelam
permanente participação política e elaboração teórica, aliás, uma tradição que continua nos dias atuais.

O PCB tinha inserção no campo cultural, apesar de existir a maior parte do tempo na clandestinidade.
Importante que a direção internacional (soviética) do partido (PCUS) durante os anos 1930 e seguintes
decidiu excluir “os intelectuais” da direção do partido, considerando‑os pequenos burgueses e,
internamente, tratando‑os com desconfiança. Tratava‑se de uma “proletarização” do partido, que afetava,
entre muitos, Astrojildo Pereira e Octávio Brandão. Contudo, o ambiente intelectual no partido entre
1931 e 1934 era bastante estimulante: dele participavam Oswald de Andrade e Patrícia Galvão (Pagu);
publicava‑se uma revista de literatura, arte, economia e ciência – Espírito Novo –, na qual colaboravam
Jorge Amado, Alberto Passos Guimarães, Aderbal Jurema, Cândido Portinari, Aníbal Machado, Raquel
de Queiroz, Caio Prado Júnior, Carlos Lacerda, Di Cavalcanti, Tarsila do Amaral; publicava‑se, ainda,
o Boletim de Ariel (revista mensal destinada à divulgação e discussão de livros, na qual se travaram
debates sobre o socialismo soviético e a literatura proletária).

A circulação das ideias se fazia por boletins especiais para os vários segmentos sociais e pelos jornais
diários (A Manhã, no Rio; A Plateia, em São Paulo e Folha do Povo, em Recife). Nessas publicações havia
a colaboração de vários intelectuais importantes e conhecidos, como Anísio Teixeira, Arthur Ramos,
dentre outros.
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A lista dessas grandes personagens colaboradoras das publicações do PCB é surpreendente; são
nomes respeitáveis pela competência acadêmica nas respectivas áreas de conhecimento, Sociologia,
Literatura, Artes, Economia, Política, História. Auxiliavam o PCB de forma sistemática, mesmo durante
o Estado Novo. Segundo Ricardo Costa (2011), “na lista dos colaboradores da revista Problemas, de
orientação nacionalista e antifascista, tratando de temas relativos à Economia, Política, Literatura,
História, reunindo diversos intelectuais de esquerda, comunistas ou não”. O autor destaca, ainda, que as
publicações comunistas em 1946 compreendiam, além dessa revista, a Cultura, Leitura, Esfera e vários
jornais diários (Costa, 2011):

[...] distribuídos propositalmente pelas principais cidades do país (Tribuna


Popular, depois Imprensa Popular, no Rio; Hoje, em São Paulo; O Momento,
Salvador; Tribuna Gaúcha, Porto Alegre; Folha do Povo, Recife; Jornal do
Povo, João Pessoa; Folha Popular, Natal, entre muitos outros).

6.1 Pensamento social e os primeiros anos da Sociologia

Os anos 1930 sinalizaram mudanças sensíveis no ambiente político e econômico brasileiro:


a Revolução de 1930, na síntese de Boris Fausto (1978, p. 112) “põe fim à hegemonia do café,
desenlace inscrito na própria forma de inserção do Brasil no sistema capitalista internacional”.
Contudo, continua Fausto:

A oposição ao predomínio da burguesia cafeeira não provém de um setor


industrial, supostamente interessado em expandir o mercado interno.
Pelo contrário, dadas às características da formação social do país, na sua
metrópole interna há complementaridade básica entre interesses agrários e
industriais, temperada pelas limitadas fricções.

A indefinição política causou instabilidade de poder. Nesse contexto emergem duas forças políticas
significativas: a classe média, associada aos militares, e a classe operária, em parte politizada, e alvo
da articulação do poder do estatal. Em São Paulo, esse cenário é francamente hostil aos interesses de
setores da oligarquia cafeeira, que lideraram o movimento de 1932.

Das lutas políticas que se seguiram à Revolução de 1930 vai se consolidando a tendência conservadora
majoritária em São Paulo, a chamada Revolução Constitucionalista, e a modernização conservadora.
Com a Constituição de 1934, amplia‑se e se diversifica a base política. Contudo, com a Revolução
de 1935, no Nordeste – com participação do PCB –, e a revolta dos integralistas no Rio constituíram
argumento para a declaração do Estado Novo em 1937, com a Constituição de 1937 (a Polaca), redigida
por Francisco Campos. O Estado Novo foi, na verdade, uma ditadura que instituiu um sistema de
“compromisso” entre segmentos das elites e os populares. Também afastou de vez a oligarquia cafeeira
do poder, mas evidentemente sem romper com todos os seus representantes, ao contrário, cooptando
alguns na qualidade de interventores.

Desse processo em cadeia resultaram novas configurações que remeteram diretamente ao rearranjo
dos dispositivos de poder. Atuaram nesse cenário forças externas e internas: as primeiras, a Segunda
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Guerra, que levou o Brasil de Vargas a fechar acordo com os EUA para permanência das tropas americanas
em Natal, e mais empréstimos, em perfeito entendimento, posteriormente reafirmado pela “política da
boa vizinhança”. As forças internas decorriam da própria desarticulação dos dispositivos de poder da
república oligárquica paulistana, que não excluíra seus integrantes da arena política, mas ao contrário,
os membros dessas elites tradicionais foram incorporados ao governo que se formava e que, desde
seu início, apresentava um caráter de duplo jogo, entre setores conservadores e populares, em uma
articulação de compromissos. Basicamente, iniciava‑se uma fase personalista da república brasileira, um
traço que seria reforçado mesmo durante o Estado Novo e no populismo que viria a seguir.

Um reflexo dessas mudanças no ambiente cultural em São Paulo ocorreu com a criação de uma
instituição privada destinada a ampliar e reforçar a competência política e administrativa da elite
paulista: a Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo (ELSP) fundada em 27 de abril de 1933,
período em que a esse grupo amargava as derrotas de 1930 e 1932, conforme consta do manifesto de
fundação:

A falta de uma elite numerosa e organizada, instruída sob métodos


científicos, ao par das instituições e conquistas do mundo civilizado,
capaz de compreender, antes de agir, o meio social que vivemos. Está na
consciência de todos essa grande falta (SIMONSEN, 1933, p. 1). [...] A história
universal encerra exemplos de grandes civilizações construídas sem base
na instrução popular. Mas não há exemplo de civilização alguma que não
tivesse por alicerce elites intelectuais sábia e poderosamente constituídas.
São Paulo, embora moralmente ferido pelos dissabores dos últimos anos,
deixará patente sua considerável força de resistência e dará novo exemplo
de sua tradicional energia construtora se prestar apoio integral ao novo
órgão de ensino (SIMONSEN, 1933, p. 7).

Se a ELSP tinha uma finalidade elitista declarada, a FFCL, criada em 1934 na USP, também a
tinha, mas não a declarava. Os professores das duas instituições mantinham relações estreitas,
caracterizando um convívio acadêmico singular, conquanto, segundo Spirandelli (2008), os cursos
da USP funcionassem na Caetano de Campos e na Faculdade de Medicina, e os da ELSP no prédio da
Rua General Jardim.

As duas instituições tiveram aporte de mestres estrangeiros: europeus da Alemanha e França, e dos
EUA; as duas instituições tiveram eixo curricular voltado para Ciências Sociais, Antropologia e Sociologia.
Entretanto, no que respeita à produção, foram adquirindo perfil distinto, com supremacia inconteste da
FFCL da USP.

Artigos e teses que focalizam o desenvolvimento das Ciências Sociais em São Paulo, referendados
por entrevistas com personagens que viveram esse processo, destacam alguns nomes significativos,
não somente por desenvolverem pesquisas, mas por serem professores em suas respectivas áreas e
instituições, dando início a uma tradição de ciência e pesquisa que se prolonga, no caso da USP, por
mais de meio século.

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O desenvolvimento dos dois campos, Antropologia e Sociologia, nas duas instituições, FFCL e
ELSP, compreendeu refinamento de abordagem teórica, seleção de problemas ou temas considerados
“principais”, segundo a concepção do professor orientador de cada instituição. Dessa forma, instalam‑se
contornos nos modelos e concepções de pesquisa; por fim, instauram‑se as linhas ou projetos de
pesquisa, marcando definitivamente o perfil atribuído a grupos de pesquisadores de cada instituição.
Assim, apesar de elementos do corpo docente lecionarem nas duas instituições, ao longo de poucos
anos criaram‑se distinções significativas entre elas, acentuadas pelas diferenças individuais.

Uma figura central no início do ensino e pesquisa de antropologia e Sociologia na FFCL, em São
Paulo, foi Emilio Willems, um professor alemão imigrante formado em Economia pela Universidade de
Berlim, e que lecionava no Paraná e Santa Catarina. Convidado pelo professor Fernando Azevedo, da
Sociologia Educacional, Willems assumiu a cadeira de Antropologia, visto que tinha trabalhos publicados
desde 1934. Na USP, ele fez sua livre‑docência e passou a se dedicar à Antropologia.

Outra figura central a esse início da Antropologia foi um brasileiro, neto de alemães de Santa Catarina,
Egon Schaden, primeiro assistente de Emilio Willems. Segundo o professor João Baptista Borges Pereira
(1994), Schaden assumiu a cadeira em 1950, depois de ter se diplomado em Filosofia na USP, onde
também obteve os títulos de doutor, livre‑docente e catedrático.

Egon Schaden foi hábil e competente para manter o campo da Antropologia abrangendo etnografia
e etnologia nacional, áreas estas centradas nas populações indígenas brasileiras. Em 1953, criou a Revista
de Antropologia, e a manteve até sua aposentadoria, quando então a doou para o Departamento de
Antropologia, assumindo sua direção Borges Pereira.

Fora da FFCL e mais ligado à ESP, Herbert Baldus, diretor do Museu Paulista, foi um etnógrafo e
etnólogo importante tanto no que respeita à teoria antropológica, quanto pela sua larga experiência de
campo. Como professor da pós‑graduação da ELSP coube a Herbert Baldus fazer a ponte formal entre as
duas instituições; foi assim que Florestan Fernandes, figura central à Sociologia brasileira, teve o início
de sua carreira acadêmica, em 1949, com mestrado na ELSP em Antropologia – Organização Social dos
Tupinambá –, orientado por Herbert Baldus, seguindo‑se a tese de doutorado em 1951, com o tema
da função social da guerra entre os Tupinambá. Como relembra João Baptista Borges Pereira, “Quem
provavelmente influenciou Florestan na escolha de sua temática foi seu orientador de mestrado, o
professor Herbert Baldus, que era o grande líder, o grande intelectual da Escola de Sociologia e Política”
(MARRAS, 2003, p. 322).

À época, a ELSP era a instituição que permitia a obtenção de título de mestrado, condição para
continuidade da vida acadêmica. João Baptista, também ex‑aluno, destaca:

A Escola de Sociologia e Política era a única que dava grau de mestre. Por
isso muitos realizaram a pós‑graduação naquela escola. De minha geração,
eu, Carmem Junqueira, José Pastore, Fábio Barbosa da Silva, Manuel Berlinck,
Beatriz Muniz de Souza, entre outros, somos mestres pela Sociologia e
Política. Na verdade, toda a antiga geração obteve lá seu título de mestre.
Entre outros, Sérgio Buarque de Holanda, Florestan Fernandes, Gioconda
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Mussolini, Oracy Nogueira, Virgínia Bicudo, Lucila Herman. Era um meio de


conseguir titulação acadêmica, porque a USP só passou a oferecer cursos
de pós‑graduação em 1969, 1970, quando se criaram os departamentos.
[...] Eu, por exemplo, fiz lá, porque tinha um convite do professor Charles
Wagley para me doutorar na Universidade de Columbia. Os dois campos
foram desenvolvidos nas duas instituições com delineamentos teóricos
que refletiam opções metodológicas com implicações ideológicas. Assim
com Donald Pierson, forte influência americana, e financiamento parcial
da Smthsonian Institution, a ELSP privilegiava os “estudos de comunidade”,
recortes da realidade brasileira fundamentados em estudos empíricos, de
base funcionalista ou estrutural funcionalista; em contrapartida, na FFCL
da USP predominou a influência francesa e europeia (alemã) tanto em
Antropologia, com Emilio Willems regendo a Cadeira desde 1941, quanto
na Sociologia, com Paul Arbousse‑Bastide na Sociologia I, e com Claude
Lévi‑Strauss na Sociologia II. Todavia, Lévi‑Strauss voltou para a França em
1937 e para seu lugar veio Roger Bastide. Um remanejamento interno levou
Roger Bastide para a Cadeira de Sociologia I, Fernando de Azevedo para
a Sociologia II e Paul Arbousse‑Bastide para a Cadeira de Ciência Política.
Quando Roger Bastide retornou à França, em 1954, indicou Florestan
Fernandes para substituí‑lo na direção da Sociologia I (Ibidem, p. 327).

6.2 Pensando o Brasil com as obras de Caio Prado Jr., Gilberto Freyre,
Sergio Buarque e outros

Caio Prado Júnior era paulista de família tradicional, intelectual, empresário de sucesso e militante
comunista, teórico heterodoxo e marxista.

Em 1933, publicou duas obras: Evolução Política do Brasil e Outros Estudos, provocando comentários
e críticas. O autor antecipava essa reação, destacando em seu prefácio o seguinte: “Isto que o leitor vai ler
não é uma História do Brasil. Como o indica o próprio título, é um simples ensaio. Procurei tão somente
dar a síntese da evolução política do Brasil, e não traçar a sua história completa” (PRADO JR., 1980, p. 9).
Em 1942, ele voltou ao ensaio histórico com a clássica formação do Brasil contemporâneo (Colônia); em
1945, publicou mais uma obra da historiografia brasileira de base marxista: História Econômica do Brasil.

Além dessas obras, Caio Prado publicou trabalhos de filosofia, dentre eles Dialética do Conhecimento
(1943). Em 1966, lançou A Revolução Brasileira, obra que propõe uma revisão crítica da “teoria” da
revolução brasileira adotada pela esquerda comunista, e o autor historiador que fazia uma “outra”
historiografia então se valeria dessa metodologia para não somente apontar equívocos, como para
apontar possíveis tendências futuras.

Desde a década de 1930, a posição de método adotada por Caio Prado Jr., o materialismo histórico
dialético com variações, conduz a construção do objeto de conhecimento pelo sujeito. Isso ocorre por
meio de um processo de tecedura entre as condições materiais objetivas selecionadas como significantes
pelo sujeito e tomadas a partir de dados de natureza empírica, assim como as ideias e conceitos que
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municiam o sujeito para tratamento da relevância desses dados na construção do objeto. Evidentemente
que as condições sociais e históricas nas quais se instala o sujeito, sobretudo o modo como ele concebe
essas condições, ou nelas participa, afetam decididamente todo o processo de tecedura. A relação
(dialética) entre o empírico e o conceitual com a intermediação do sujeito é, portanto, central ao método.

Caio Prado Jr. discute procedimentos de sua posição de método, interpretação materialista e pesquisa
crítica: exemplifica a utilização de fontes primárias, secundárias e bibliografia para análise de processos
de transformação das instituições políticas e administrativas, sem ignorar os resquícios do passado.
Também ressalta a importância do rigor de análise, como garantia da validade da empreitada científica.
Essa posição é reafirmada em Revolução Brasileira:

O que precisamente o marxismo, com seu método dialético, introduziu de


novo na análise e interpretação históricas, e que já se integrou no pensamento
científico moderno a ponto de a ele se renderem, embora sem consciência
disso, a maioria dos historiadores, mesmo os largamente afastados do
marxismo em conjunto e, sobretudo, de seu conteúdo social e político, é a
explicação dos fatos e das situações históricas pela emergência progressiva
deles dentro de um processo em permanente devenir, e se projetando assim
para o futuro numa perpétua renovação. Isto é, sem repetir o passado, ou
melhor, sem se modelar segundo formas e circunstâncias prefixadas (PRADO
JR., 1966, p. 191).

Com base no conteúdo apresentado, há a seguinte pergunta: em que aspecto essa posição se
apresenta tão distinta de outros autores como Sérgio Buarque e Gilberto Freyre, ambos no campo das
Ciências Sociais, e ainda dos militantes do PCB, do secretariado do partido, ou como Luis Carlos Prestes,
ou das posições teóricas de comunistas revolucionários como Carlos Marighella?

Antes de tudo: o trecho citado tem sua origem em uma obra política (Revolução Brasileira), enquanto
o Roteiro para Historiografia obviamente se destina a servir de suporte para um estudo histórico
científico do período. Embora os dois excertos estejam articulados pela mesma posição de método, o
segundo aponta para um futuro gestado pelo passado, não como uma simples continuidade, nem como
sucessão de etapas preestabelecidas, portanto para uma prática política, enquanto o primeiro poderá
servir a ela, mas não constitui sua destinação.

Essa observação leva a considerar as obras de Caio Prado sob duas óticas: a das Ciências Sociais,
portanto na galeria das de Sergio Buarque, Gilberto Freyre e outros como Oliveira Viana, e como obra
política, e, nesse caso, dentre outras, as de Carlos Marighella.

Sob o primeiro ângulo de análise, ou da inserção em conjunto de obras distinguido pela metodologia,
claramente os ensaios de Caio Prado distinguem‑se das obras de Gilberto Freyre e Sérgio Buarque.

O “mestre de Apipucos”, como o denomina o documentário de Batista de Andrade, realizou a


obra fundamental e imensa de focalizar a articulação peculiar e escravista em terras brasileiras entre
dois universos culturais distintos: o do europeu português, da casa grande, e o do escravo africano,
128
Pensamento Social Brasileiro

notadamente aquele do serviçal. Outras obras, Sobrados e Mocambos, e O Mulato esmiúçam detalhes
da vivência de contradições instauradas nesse sistema.

Gilberto Freyre (1948, p. 50) desenvolveu o “método do ensaio de Sociologia genética e de história
social, pretendendo fixar e às vezes interpretar alguns dos aspectos mais significativos da formação da
família brasileira”. Em observância a essa postura, ele desceu a pormenores significativos das práticas
sociais, surpreendendo na intimidade das casas grandes, relações confessadas e ocultadas com as
senzalas. Tudo faz sentido para entender e interpretar as complexas relações de arrogância e submissão,
mas ele mesmo exemplifica como:

A interpretação, por exemplo, do 1900 brasileiro – das atitudes, das


tendências, dos preconceitos da primeira geração brasileira depois da Lei
do Ventre Livre e da débâcle de 1888 – deve ser feita, relacionando‑se as
reações antimonárquicas, da classe proprietária, seus pendores burocráticos,
a tendência do grande número para as carreiras liberais, para o funcionalismo
público, para as sinecuras republicanas – sinecuras em que se perpetuasse
a vida de ócio dos filhos de senhores arruinados e desaparecessem as
obrigações aviltantes de trabalho manual para os filhos de escravos ansiosos
de se distanciarem da senzala – relacionando‑se todo esse regime de
burocracia e de improdutividade que no antigo Brasil agrário, com exceção
das zonas mais intensamente beneficiadas pela imigração europeia, se
seguiu à abolição do trabalho escravo, à escravidão e à monocultura. Estas
continuaram a influenciar a conduta, os ideais, as atitudes, a moral sexual
dos brasileiros. Aliás, a monocultura latifundiária, mesmo depois de abolida
a escravidão, achou jeito de subsistir em alguns pontos do país, ainda mais
absorvente e esterilizante do que no antigo regime; e ainda mais feudal nos
abusos (FREYRE, 1948, p. 51).

Em contrapartida, Sérgio Buarque metaforicamente buscou as raízes do Brasil uma aproximação


poética entre uma realidade vivida na experiência dos cotidianos da história e as profundas raízes das
grandes árvores nacionais. Foi de um fazer weberiano que ele se municiou para construir uma história
cultural do Brasil; sem comparações nem construção de tipologias, Sérgio Buarque capta na figura de
personagens típicas o “espírito” de um período. É assim que se pode entender sua própria explicação
para mudanças introduzidas na segunda edição de Raízes do Brasil:

Sobre as mudanças simplesmente exteriores ou formais agora introduzidas


no livro, cabem ainda algumas palavras. Dois capítulos, o III e o IV, que
na 1ª edição traziam um título comum – O passado agrário – passaram a
chamar‑se, respectivamente, Herança rural e O semeador e o ladrilhador,
denominações estas que melhor se ajustam aos conteúdos... (HOLANDA,
1963b, p. 15).

De semelhante posição de método ele se vale para construir a figura do “homem cordial”, debatê‑la
com Cassiano Ricardo, assim como enfrentar o estranhamento de gerações de brasileiros. A palavra
129
Unidade II

cordialidade foi empregada por Sérgio Buarque de forma peculiar, o que causou longo debate. O autor
explica a Cassiano Ricardo como a utilizou: “associo‑a antes a condições particulares de nossa vida rural
e colonial, que vamos rapidamente superando. Com a progressiva urbanização”, [...] “o homem cordial
se acha provavelmente fadado a desaparecer, onde ainda não desapareceu de todo” (Ibidem, p. 213).

No olhar de Gilberto Freyre, as casas grandes ruíam, mas permaneciam suas sólidas e fortes fundações;
Sérgio Buarque via a cordialidade desaparecer no vento da urbanidade supostamente racional e
individualista. Esse tempo social inconcluso em sua transformação “parece construção, mas já é ruína”,
cantou Caetano, está presente no pensamento social brasileiro, embora a tendência para a crença nas
etapas inexoráveis, herança do positivismo, do evolucionismo e de outros “ismos” ainda pontue aqui e
ali no pensamento de alguns teóricos, bem como no discurso de vários políticos brasileiros.

Pois bem, Caio Prado traça linhas mestras da evolução política depois da formação econômica
do Brasil. Parece significativa a substituição de uma palavra “evolução” por “formação”: evolução
dizendo respeito à política, enquanto formação relacionando‑se à economia. Para Caio Prado, os fatos
da economia têm especificações que devem ser compreendidas na sua peculiaridade de realidades
nacionais, embora possa haver semelhanças entre realidades, por exemplo, brasileiras e europeias, não
se pode admitir a priori um curso assemelhado. Como diz Prado Jr. (1966, p. 43):

Nada há, portanto, tão estranho ao marxismo e dele afastado como


pretender dispor a evolução histórica das sociedades humanas em geral
dentro de uma sucessão predeterminada de sistemas econômicos, sociais
e políticos que se encontrariam em todos os povos e que eles devem
necessariamente atravessar.

É por isso que o autor questiona e desacredita algumas das teses de marxistas brasileiros (alguns)
que insistiam em priorizar a teoria em detrimento da evidência empírica, a exemplo da debatida questão
dos “restos feudais”:

O fato, contudo, é que o Brasil não apresenta nada que legitimamente se


possa conceituar como “restos feudais”. Não fosse por outro motivo, pelo
menos porque para haver “restos” haveria por força de preexistir a eles um
sistema “feudal” de que esses restos seriam sobras remanescentes. Ora, um
tal sistema feudal, semifeudal, ou mesmo simplesmente aparentado ao
feudalismo em sua acepção própria, nunca existiu entre nós, e por mais que
se esquadrinhe a história brasileira, nela não é encontrado (PRADO JR., 1966,
p. 51, grifo nosso).

As ideias decorrentes da redescoberta do Brasil, pelos autores citados e outros, percorriam os circuitos
universitários, revistas acadêmicas e uma imprensa paralela especializada: a Revista de Antropologia, e
a revista Sociologia, a Revista de História, fundada por Eurípedes Simões de Paula, da USP, que acolheu
a colaboração de intelectuais e pesquisadores de distintas áreas das Ciências Sociais, mantendo perfil
interdisciplinar que a caracterizou ao longo do tempo.

130
Pensamento Social Brasileiro

Além dessas, duas outras revistas serviam de espaço de discussão de temas e ideias que eram tratados
de forma sistemática pela Sociologia e Antropologia: Anhembi, criada por Paulo Duarte e Brasiliense,
criada por Caio Prado Jr. vinculada à editora de sua propriedade e de mesmo nome. A revista Clima,
por um curto período recebeu a publicação de sociólogos e de críticos literários, dentre eles, Antonio
Candido e Decio Prado, mas depois esses autores passaram a publicar no suplemento literário do jornal
O Estado de São Paulo.

Desse modo, o processo de redescoberta do Brasil não ultrapassara as salas da universidade e as


redações de alguns jornais; era uma modalidade e conteúdo de conhecimento que permanecia delimitado
às elites e segmentos da classe média, não chegando aos contingentes mais amplos da população.

Saiba mais

Para aprofundar seus conhecimentos sobre os temas e os tópicos


trabalhados nesta unidade, assista ao filme:

CASA Grande & Senzala. Dir. Nelson Pereira dos Santos. Brasil: 2001.
231 minutos.

6.3 Pensamento social e político no ambiente do pós‑guerra: tendências

A questão de fundo nos discursos conservadores que vinham desde os anos 1930, e que inspiraram
a criação da ESP, residia em manter controle sobre a classe operária, que havia sido beneficiada com a
política trabalhista, sindicalização, lei de greve etc. Era preciso cuidar para que ela não se organizasse em
movimentos próprios que comprometeriam a “ordem democrática”, colocando em risco a propriedade.
Por isso era necessário criar e tomar medidas de “proteção” contra esse Outro, os trabalhadores
travestidos em desordeiros, agitadores, que eram um risco para as instituições democráticas, para o
“povo brasileiro”, ordeiro e cristão.

Esse discurso “liberal democrático autoritário” predominante na Constituinte de 1946 permaneceu


tendência ideológica, sendo repetido na história política brasileira. Uma variação desse discurso,
constituindo uma tendência, residiu em colocar no Estado a realização do futuro desejado para o “bem
do povo e progresso da nação”. Por decorrência, na medida em que cabia ao Estado, e não à sociedade,
concretizar no futuro esse “progresso”, cumpria eleger um governo que tivesse o mesmo compromisso,
que defendesse todo o povo, protegendo a todos de eles mesmos, ou “dos que perturbam a ordem com
ideias estranhas ao caráter brasileiro”. Em linhas gerais, esse raciocínio constituiu a base do populismo.

Como pano de fundo desse ambiente, e condicionante estratégico decididamente importante, estava
a inserção do Brasil na área de influência dos EUA, condição instaurada durante a Segunda Guerra,
com a política de “boa vizinhança”, mas que se consolidou na história política e econômica do Brasil.
Portanto, mudanças políticas e econômicas se inserem no jogo das “vantagens comparativas” do capital
em fase de expansão multinacional.

131
Unidade II

A ideia de progresso, que fundamentava o discurso político, paulatinamente vai sendo substituída
pela ideia de desenvolvimento, estreitamente relacionada à industrialização, ao consumo de bens e
produtos e ao sentido de nacional, um aspecto associado ao papel do Estado na economia, mas referido
como “governo”.

A propaganda, arma da Guerra Fria, criou uma imagem positiva da sociedade e economia dos EUA,
do american way of life, em contrapartida à imagem negativa, de pobreza e de sacrifício, associada à
URSS, ao seu povo, e ao seu modo de vida. No imaginário popular opunham‑se dois mundos: a feliz
democracia capitalista ocidental (entendida com raízes nos EUA), e a infeliz, sacrificada e autoritária
sociedade “comunista” imposta aos povos da URSS, dominados pela Rússia.

O discurso político dos “democratas autoritários” com tais características alimentou o populismo
e manteve o clima de otimismo que se formava, especialmente com a expansão da classe média. No
entanto, a leitura dos discursos provoca a velha sensação de que a palavra tem maior densidade que as
ações.

Ao final dos anos 1940, os partidos políticos majoritários PSD, PTB e UDN, orquestrados pelos grandes
“nomes” da política populista, estavam posicionados para a sucessão presidencial: a UDN escolheu
seu permanente candidato, o brigadeiro Eduardo Gomes; o PSD, depois de várias hesitações, indicou
Cristiano Machado, mas a grande incógnita era a posição de Vargas, que contou com a aprovação de
Ademar de Barros (PSP). Vargas venceu a eleição presidencial de 1950 com a coligação PTB e PSP, tendo
como vice‑presidente João Café Filho, com a indicação de Ademar de Barros.

Quanto ao PCB, o processo de “democratização” instalado com Dutra servira para condenar o partido
à ilegalidade, portanto à clandestinidade. Todavia, comunistas também votam e, no ambiente eleitoral
populista, “votos são votos”. O jornal Classe Operária, órgão do partido, rejeitou Getúlio, mas “o velhinho”
voltou ao poder, provocando oposição da aeronáutica, dos setores conservadores, e até mesmo dos
comunistas. Do Catete, Getúlio saiu morto, entrando para a História, segundo sua carta, ou um “mártir”
do nacionalismo e do trabalhismo para os trabalhadores, como queriam os que o apoiavam à época.

Embora o partido devesse representar oposição radical à alternativa populista e às políticas


econômicas instaladas no Brasil, elas não foram corretamente analisadas pelo partido, em parte porque
este se colocou sob a proteção do governo, como se fosse um partido burguês, e também parte porque
era suposto que setores ligados ao imperialismo econômico e político dos EUA não teriam interesse em
golpes ou ditaduras, mas foi exatamente o que ocorreu. Em suma, segundo análise de Carlos Marighella
(1979, p. 49):

Quando a liderança do proletariado se subordina à liderança da burguesia ou


com ela se identifica, a aplicação da linha revolucionária sofre inevitavelmente
desvios para a esquerda e a direita. Pois, nesse caso, falta o lastro ideológico,
único recurso capaz de impedir o desvio dos rumos da revolução.

Prestes estava na direção do PCB desde o IV Congresso, em 1954, e insistia em uma linha política
teórica fundamentada no stalinismo mais ortodoxo. Marighella e outros militantes romperam com o
132
Pensamento Social Brasileiro

partido. Contudo, em um documento de 1967, Marighella analisa elementos das “teses” do IV Congresso,
apontando os erros.

Em relação à burguesia nacional, o Programa do Partido (IV Congresso, 1954):

Não só não ameaça seus interesses como defende suas reivindicações de


caráter progressista, em particular o desenvolvimento da indústria nacional.
Essa posição é acertada, decorre de uma justa compreensão do caráter
da revolução brasileira em sua primeira etapa, quando as necessidades já
maduras do desenvolvimento da sociedade brasileira, que exigem solução
imediata, são exclusivamente as de caráter anti‑imperialista e antifeudal.
A burguesia nacional não é, portanto, inimiga; por determinado período
pode apoiar o movimento revolucionário contra o imperialismo e contra o
latifúndio e os restos feudais (SANTOS, 1955).

Entretanto, os estudos sobre a burguesia nacional realizados pelas universidades apontavam em outra
direção, e Marighella escolheu um deles, realizado pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, para apontar os erros do partido advindos do apego a posições teóricas,
desconsiderando a análise das condições concretas.

Segundo os dados desse estudo de 1962, não teria sentido considerar uma “burguesia nacional”
independente de vínculos de interesse com o capital internacional, tendo em vista que, dos 55 grandes
grupos que controlavam a economia nacional, à época, a parcela mais significativa era a de empresas
estrangeiras; além disso, conforme relata Marighella (1979):

Os grupos estrangeiros (especialmente norte‑americanos) e os nacionais


estão geralmente entrelaçados. [...] Em geral grandes capitalistas brasileiros
aparecem como diretores de firmas internacionais poderosas. [...] Os grupos
econômicos da burguesia brasileira, com capitais entre 1 e 4 bilhões de
cruzeiros antigos cada um, somam 221 firmas. [...] Há nesses grupos uma
tendência nítida para a associação com o capital estrangeiro. Todos os
grandes grupos econômicos no Brasil, de capital próprio, estão organizados
de acordo com o sistema de empresas com matrizes no estrangeiro ou o
sistema holdings.

Em relação ao mundo rural, o programa do PCB insistia nas teses baseadas na existência de relações
sociais de produção feudais ou semifeudais, no predomínio da grande propriedade (latifúndio) na
estrutura fundiária, e no papel “revolucionário” a ser desempenhado pelo próprio partido ou pelo próprio
Estado. Segundo Oto Santos (1955), o programa do partido:

[...] estabelece a destruição do regime latifundiário com o confisco de todas as


terras dos latifundiários e a entrega dessas terras gratuitamente, e, sob a forma
de propriedade privada, aos camponeses sem‑terra ou possuidores de pouca
terra e a todos que nelas queiram trabalhar, para que as repartam entre si.
133
Unidade II

Todavia, esse discurso não se sustenta nas condições concretas, e sua viabilidade política se
esvanece, permanecendo apenas o jogo de palavras. Marighella aponta esse problema em outro
trecho de sua crítica:

É impossível, porém, para um poder estatal revolucionário do qual faz parte


a burguesia, em regime pluripartidário, realizar os objetivos assinalados,
inclusive a reforma agrária radical. Isto somente se daria com a burguesia
brasileira se ela estivesse desvinculada dos monopólios imperialistas e do
latifúndio (Ibidem).

A formação social contava com uma classe trabalhadora sindicalizada, e com uma classe média,
que era também beneficiada com a política trabalhista e ampliação dos serviços públicos. Contudo, a
industrialização – com a participação do Estado –, embora propiciasse expansão da economia, gerou
áreas de conflito entre interesses nacionais e os do capital externo, sobretudo norte‑americano, esses
embates vão aparecer nos discursos políticos, sensibilizando setores do eleitorado populista. Os senhores
da terra, que controlavam a ordem tradicional patrimonial, aproximaram‑se da nova orientação da
economia, redefiniram as práticas de poder, amenizaram o exercício da violência, mas em linhas gerais
mantiveram privilégios e status, garantindo a sobreposição de sua vontade à de todos.

A questão da propriedade da terra, por exemplo, permanecia intocada. A informalidade das fronteiras
das propriedades rurais, das grandes fazendas de pecuária e latifúndios improdutivos favoreceram
a preservação de privilégios e o avanço sobre terras tidas como devolutas, um processo considerado
“normal” na ordem tradicional. Na verdade, o próprio registro de título de propriedade rural carecia de
uma base cadastral confiável, conforme Vieira (2009) aponta em sua detalhada análise, embora fosse
importante para obter crédito ou garantias.

Holston (1993) é ainda mais radical: em seu artigo Legalizando o Ilegal, o autor faz um estudo de
caso de fraude de terra na periferia de São Paulo, chegando a concluir que:

Em suma, a lei de terra no Brasil promove conflito, e não soluções, porque


estabelece os termos por meio dos quais a grilagem é legalizada de maneira
consistente. É, por isso, um instrumento de desordem calculada, por meio
do qual práticas ilegais produzem lei, e soluções extralegais são introduzidas
clandestinamente no processo judicial. Nesse contexto repleto de paradoxos,
a lei é um instrumento de manipulação, complicação, estratagema e
violência, por meio do qual todas as partes envolvidas – dominadoras ou
subalternas, o público e o privado – fazem valer seus interesses. A lei define,
portanto, uma arena de conflito na qual as distinções entre o legal e o ilegal
são temporárias, e sua relação é instável (HOLSTON, 1993, p. 68).

Interessante notar que os documentos relacionados ao IV Congresso ao qual se referem Marighella


e Santos datam de 1954, ano do suicídio de Vargas, vésperas da ascensão de JK ao poder e cinco anos
antes de João Gilberto lançar o primeiro disco de Bossa Nova.

134
Pensamento Social Brasileiro

6.4 A Sociologia paulista, tendências em formação

Enquanto forças políticas se agitavam no cenário nacional, na USP fora instalada radical divisão
entre as linhas de pesquisa em Sociologia: de um lado, Florestan Fernandes, que deu início à formação
da “Sociologia paulista”, pesquisa e produção teórica voltada para desvendar e atuar no processo de
transformação social em curso, especialmente em São Paulo; de outro lado, como diz Borges Pereira,
“uma Sociologia mais light” e que se aproximava mais da Antropologia, uma linha praticada por Ruy
Coelho, Maria Isaura Pereira de Queiroz, Antonio Candido, Asis Simão e Fernando Azevedo. A dimensão
política tornara‑se realmente significativa para caracterizar linha de pesquisa e a própria ciência. Marras
(2003, p. 338) relembra Borges Pereira:

Lembro‑me, por exemplo, de quando Florestan me perguntou se era


verdade que Schaden havia me convidado para ser assistente dele em
antropologia. [...] Então, eu disse que sim, que Schaden havia me convidado.
Pois Florestan ficou indignado, disse que era um prejuízo, uma perda
desperdiçar meu talento com uma disciplina politicamente alienada. Quer
dizer, nesse período da vida nacional, não havia mesmo o menor estímulo
para a carreira em Antropologia.

De fato, as Ciências Sociais instauradas nas instituições criadas pós‑Revolução de 1930 refletiam
tendências em curso, e havia muito questionamento sobre as novas condições sociais e econômicas.
Em contrapartida, a reflexão, politicamente orientada, sobre a sociedade brasileira – notadamente pelo
Partido Comunista, aparecia inserida no campo das tendências de pensamento social, frequentemente
oferecendo respostas, também politicamente orientadas, para questionamentos das ciências. A reflexão
sobre esse processo foi aparecer bem mais tarde, em fins da década de 1970, já então abrangendo
desenvolvimentos posteriores.

Em 1977, Carlos Guilherme Mota publicou Ideologia da Cultura Brasileira, Pontos de Partida Para
uma Revisão Histórica, analisando o período 1933 a 1974. Alfredo Bosi, à guisa de prefácio, comentou
o trabalho como um “testemunho” do presente, ressaltando o caráter de “balanço dos balanços” que
a obra assumiu, quando esquadrinhou a vastidão de uma produção acadêmica diversificada em áreas,
temas, abordagens e períodos.

No fim desse percurso, Mota (1977) apontou cinco períodos significativos para a historiografia da
cultura brasileira, principalmente a partir da vertente paulista, sobretudo uspiana: Redescobrimento do
Brasil (1933‑1937); Primeiros frutos da universidade (1948‑1951); Era de ampliação e revisão reformista
(1957‑1964); Revisões radicais (1964‑1969); Impasses da dependência (1969‑1974).

Sem dúvida que existe proximidade entre a trajetória do pensamento social brasileiro e as tendências
elaboradas no ambiente universitário, especialmente nos meios das Ciências Sociais, mas a tradição
universitária sempre foi pela opção por “neutralidade”, ou seja, sempre foi compromissada. Nessa direção,

Carlos Guilherme mostra, ao longo da tese, que a Universidade saiu‑se


com as mãos limpas dos embates ideológicos do tempo, mantendo‑se
135
Unidade II

ao largo do nativismo retórico dos isebianos e da demagogia dos


vários populismos. Mãos limpas, mãos vazias, dirá algum maldoso. E
maldosamente perguntará: que esperança ela deu ou podia ter dado
àqueles que ela estudava tão exemplarmente? Aos homens da fábrica,
aos homens do mundo caipira, aos marginais das favelas, aos migrantes
da periferia, aos pretos discriminados, aos índios acuados, a não ser o
prognóstico realista de que todos estavam condenados à urbanização
sociopática, à mais‑valia, à alienação, à miséria, à morte. A ciência, obtida
com tanto labor, duplicava afinal com o signo de sua autoridade, o senso
comum do homem oprimido que vê nos males do presente o triste, mas
fatal preço da civilização que, no caso vertente, se confundia com um
subproduto do desenvolvimento capitalista (MOTA, 1977, p. 6‑7).

Confirmando a tendência prenunciada, o autor aponta como efeitos do “desenvolvimentismo


brasileiro”: “no plano macroeconômico: o triunfo das multinacionais; no plano social: a reprodução
acelerada da divisão de classes; no plano político: o governo autoritário, a tecnocracia; no plano cultural:
a mass comunication e a repressão.” (MOTA, 1977, p. 8).

6.5 Ambiente político, tendências dos anos 1950 aos primeiros anos 1960

Embora Mota (1977) aponte o período 1957 a 1964 como a era de ampliação e revisão reformista,
efervescência e otimismo nos meios estudantis, acadêmicos e intelectuais antecederam à data de início.

Pensar o Brasil passou a ser uma exigência na conversa cotidiana, pelo menos entre os jovens,
identificavam‑se “problemas estruturais, conjunturais”, elaboravam‑se “soluções” sustentadas por
discursos de competência discutível, mas isso também se tornava assunto. Esse ambiente cultural e
político propiciou o início de novas tendências na música brasileira popular, no cinema nacional, nas
artes plásticas e, evidentemente, nas Ciências Sociais.

Esses anos JK (1955‑1960) foram marcados por uma nova fase da modernização conservadora, a
do “nacionalismo” parceiro das multinacionais, grandes projetos, Brasília foi um deles, e a grande dívida
externa. Relativa liberdade política, na qual até o PCB, partido colocado na ilegalidade em 1947, gozava
de certa “clandestinidade autorizada”, posição que somente um presidente bossa‑nova poderia permitir,
da mesma forma que só ele poderia convencer o presidente da UNE, convidado ao Catete, abortar uma
greve geral que ainda não havia sido tornada pública.

Havia uma efervescência intelectual que abrangia o desenvolvimento de linhas de estudos em áreas de
investigação que seguiam em paralelo à Sociologia, mas fornecendo a esse campo as bases para avanço
da pesquisa e construção teórica. Duas palavras, nacional e desenvolvimento, que expressam realidades
históricas, sociais, estavam presentes em distintas elaborações teóricas e, ao mesmo tempo, eram
empregadas como categorias de análise, construção teórica e política sobre a formação social brasileira.

Ambas as palavras foram objeto da produção teórica de autores de áreas distintas, como Economia
(Celso Furtado, dentre outros); Direito, Ciência Política e História, os já mencionados autores: Raymundo
136
Pensamento Social Brasileiro

Faoro, (formação do patrimonialismo), Osny Duarte, (legislação e ordem social); Vitor Nunes Leal,
(legislação e coronelismo); José Honório Rodrigues (estudos sobre reforma e conciliação na política
brasileira); Helio Jaguaribe, (nacionalismo e desenvolvimento, dentre outros), Antonio Candido (literatura
sobre o mundo rural e sobre a formação da literatura brasileira), dentre outros.

Evidentemente que os campos citados são profundamente articulados, mas a referência aos autores
sublinha o fato de os respectivos trabalhos não somente fundamentarem as construções teóricas de
cada campo, como fornecerem dados e pesquisas específicas para elaboração dos temas dos quais se
ocupavam os sociólogos.

Nesse período, o pensamento social brasileiro compreendeu a expressão política de distintas “versões”
para o desenvolvimento, o que implicava entender a conjugação interna, a economia nacional dos
fatores produtivos e sua integração no contexto dinâmico da economia internacional sob a hegemonia
do capitalismo monopolista dos EUA. Isso significa que o pensamento social brasileiro não colocava
como seu objeto de estudo somente a sociedade brasileira, mas principalmente as potencialidades e
possibilidades de mudança social e econômica.

Por consequência dessa ampliação de escopo, colocam‑se novas questões para os sociólogos
brasileiros, dentre elas: o exame crítico da metodologia sociológica, os problemas a serem considerados
relevantes como objetos de pesquisa, e a dimensão política do fazer sociológico.

Essas tendências, que se tornam nítidas já nos anos 1950, acarretam significativas mudanças na
conformação, e posterior institucionalização, das tendências do pensamento social brasileiro pela maior
aproximação entre campos das Ciências Sociais, podendo‑se citar: a) Sociologia e Economia, dando
origem a uma linha de pesquisa especial, a Sociologia do desenvolvimento; b) Sociologia e Filosofia, com
resultados significativos para os estudos das ideias e ideologias e para linhas de pesquisa especiais como
Sociologia do conhecimento, Sociologia política e Sociologia da comunicação; c) Sociologia e História,
aproximação que tornou possível a crítica a alguns modelos importados de interpretação da sociedade
brasileira; d) a aproximação entre Sociologia e Direito, que favoreceu o exame crítico da ordem social
em sua dimensão normativa pela Sociologia jurídica, assim como permitiu a análise crítica das práticas
normativas operantes em seu avesso também pela Sociologia política.

Essas mudanças sofreram processo de institucionalização, que basicamente identificou cada


tendência ou grupo a uma dada instituição ou grupo de pesquisa. Figura com proeminência
acadêmica em uma organização que se forma a partir de meados dos anos 1950, e que permaneceu
até o Golpe de 1964. Em paralelo a esse processo, formaram‑se organizações políticas e culturais
de origem universitária e sindical para atuação cultural e política com grande alcance e penetração
nos meios populares.

No espaço de uma década, a reflexão sobre a sociedade brasileira passou a expressar, além de variantes
teóricas, concepções distintas sobre o papel do Estado, sentido e conteúdo das alternativas de política
econômica. Isso significa que as tendências do pensamento social brasileiro passaram a expressar ideias
sobre possíveis rumos para a política brasileira, as quais estariam supostamente associados a distintas
composições de governo e a distintas concepções de presente e de futuro almejado.
137
Unidade II

Tais características designam um processo de ideologização do pensamento social brasileiro que


abrangeu a dimensão teórica e um mapa de tendências políticas, abrigadas nos partidos políticos
permitidos, mas que eram populistas e governistas, incluindo‑se os partidos das elites tradicionais,
organizações paralelas, governamentais ou não, cujas respectivas linhas de atuação estavam vinculadas
ao reforço das tendências ideológicas em curso.

Em síntese, as duas tendências clássicas do campo político burguês, direita e esquerda, vincavam
e abriam sulcos no campo do pensamento social brasileiro, propiciando, de um lado, a elaboração de
suporte teórico original, assim como a incorporação seletiva da contribuição do pensamento teórico
de base marxista; contudo, de outro lado, agências dos EUA desenvolviam vários programas especiais
de caráter político ideológico e assistencialista, cuja finalidade residia em preservar os elos da política
externa daquele país no período da Guerra Fria. Nessa categoria estão os programas de formação política
para civis, incluindo‑se estudantes universitários e profissionais destacados, programas especiais para
militares com formação no Panamá; ações específicas de combate ao “subdesenvolvimento” destinadas
a regiões carentes, incluindo doação de alimentos, envio de técnicos especializados em ajuda externa
(Peace Corps), além desses, organismos como Ipes e Ibad atuavam no meio político em campanhas de
claro teor ideológico.

As divisões internas ao pensamento social brasileiro acarretaram discussões que abrangiam a


concepção de objetivos, definição dos fins, seleção de meios e recursos para o desenvolvimento
econômico, as quais, por sua vez, conduziram à gradativa polarização ideológica com relação aos rumos
do processo. Evidentemente que esse quadro foi afetado pelas tendências do pensamento econômico,
bem como opções políticas que emergiam em um mundo politicamente polarizado nas condições de
expansão do capitalismo monopolista.

7 O sociólogo, portador de formação em Sociologia,


pensando a sociedade brasileira em processo de mudança ou de
transformação

Inicialmente, o leitor pode estranhar o aparente pleonasmo no título: sociólogo, portador de


formação em Sociologia, mas em São Paulo, foram os sociólogos da USP, divididos entre as cadeiras I
e II de Sociologia que assumiram a posição de pensar a sociedade brasileira em processo de mudança,
nele focalizando aspectos significativos sob o prisma de abordagens sociológicas distintas. Essa postura
reflete a formação profissional, apesar de não ser raro que leigos atuem como sociólogos, ou que
eles pressionem sociólogos a “produzir diagnósticos com dados do conhecimento de senso comum”
(FERNANDES, 1963, p. 3).

Na verdade, dos anos 1950 em diante, coube à Sociologia analisar o processo de mudança social
por que passava o Brasil, identificar, ou mesmo antecipar os problemas eventuais que tais alterações
propiciariam, bem com fundamentar a elaboração de políticas adequadas para diminuir os custos,
ampliando os efeitos positivos.

A passagem do passado agrário recente para a civilização industrial representa


um salto histórico, nem sempre provocado ou amparado por forças sociais
138
Pensamento Social Brasileiro

com autêntico elã revolucionário. Ainda aqui, cumpre reconhecer que


transplantamos a revolução social de outros países, juntamente com as
técnicas, as instituições e os estilos de vida, ou seja, com os modelos de
organização da sociedade. [...] A importância do diagnóstico sociológico,
nesse contexto histórico‑social, reside na clarificação do horizonte cultural
dos grupos empenhados nos processos de mudança e na influência
construtiva que exerce na precipitação das polarizações ideológicas,
variavelmente ignoradas, esquecidas ou encobertas (Ibidem, p. 5).

Em 1959, Florestan Fernandes lançava uma obra clássica na Sociologia brasileira: Fundamentos
Empíricos da Explicação Sociológica. À época, seu propósito era discutir metodologia em Sociologia ao
longo de um percurso em três etapas, todas com foco em Sociologia: de uma introdução ao raciocino
científico na Sociologia, o livro continua para a reconstrução da realidade (parte I), avança para discutir
os problemas da indução (parte II); finalmente (parte III), entra na análise do método de interpretação
funcionalista.

A questão inicial da obra preocupa‑se em discutir o que significa reconstruir a realidade nas Ciências
Sociais. Vejamos o trecho a seguir:

A reconstrução tem que ser entendida como representação analítica, como


reconstituição empírica pura dos caracteres e propriedades da realidade
social. Em segundo lugar, ela precisa ser encarada como representação
sintética, como explanação descritiva e interpretativa da realidade social
mediante categorias universais do pensamento científico. No primeiro
sentido ela não passa de uma fase, embora essencial, da investigação
positiva dos fenômenos sociais. No segundo sentido, pode ser vista como
uma forma do conhecimento empírico indutivo da realidade nas Ciências
Sociais, ou como degrau no encadeamento das explicações generalizadoras,
logicamente possíveis, dos fenômenos sociais (Ibidem, p. 39).

A discussão sobre a indução na Sociologia desenvolvida na parte II ressalta as implicações lógicas


e delicadas existentes na formação dos conceitos, na construção e verificação da inferência indutiva,
trabalhando com autores como Durkheim, Weber e Marx. E o autor ainda lembra que:

[...] os novos desenvolvimentos da teoria sociológica dependem,


fundamentalmente, da capacidade que revelarmos na fusão dessas
orientações, separadas no passado, mas naturalmente interdependentes
e complementares. [...] [As diferenças] podem ser superadas, desde que
se encontrem os princípios que permitam unificar pela base a própria
explicação sociológica (FERNANDES, 1963, p. 121‑122).

Na última parte do livro em foco, Florestan examina criticamente o funcionalismo, a praticidade do


método em pesquisa de campo, sem admitir um “modelo orgânico” a priori. Por fim, ele sintetiza:

139
Unidade II

Nossa sugestão acentua [...] que a importância intrínseca do método de


interpretação funcionalista não se acha na utilidade imediata que nele
encontram os especialistas, nem no conjunto de utilidades possíveis, como
instrumento de investigação sociológica. [...] Ela se evidencia, portanto,
no plano mais elevado de confluência dos métodos de interpretação e de
síntese dos seus resultados (Ibidem, p. 313).

Octavio Ianni, em artigo sobre a Sociologia de Florestan Fernandes (1996) ressalta duas características:
primeira, o fato de a obra acompanhar a trajetória de lutas do povo brasileiro desde as lutas dos povos
indígenas, à inserção do negro na sociedade de classes, às lutas de trabalhadores do campo e da cidade
pela conquista de direitos sociais; segunda, a construção de uma abordagem crítica na análise da
dinâmica das estruturas sociais, discutindo aspectos teóricos em obras como Fundamentos Empíricos da
Explicação Sociológica, Ensaios de Sociologia Geral e Aplicada, e A Natureza Sociológica da Sociologia.

Florestan avança na análise e interpretação das condições e possibilidades de transformação social


valendo‑se da produção da Sociologia clássica e contemporânea além do marxismo. As condições
específicas da realidade brasileira oferecem possibilidades de revisão teórica, visto que elas emergem
de uma histórica: “[...] no escambo e escravidão, no colonialismo e imperialismo, na urbanização e
industrialização, por meio da qual se dá, inicialmente, a formação da sociedade de castas, e,
posteriormente, da sociedade de classes” (Ibidem, p. 26).

Entre 1969 e 1972, Florestan Fernandes publicou Ensaios de Sociologia Geral e Aplicada (1971) e
Comunidade e Sociedade no Brasil (1972), dois trabalhos fundamentais para a formação do sociólogo,
ou, mais precisamente, para a formação do profissional em Ciências Sociais. Outras obras, algumas
anteriores a esse período, como A integração do Negro na Sociedade de Classes (1964), Sociedade
de Classes e Subdesenvolvimento (1968), e outras posteriores a ele formam um conjunto de leituras
obrigatórias e de referências para o sociólogo brasileiro, como: A Revolução Burguesa no Brasil: Ensaio
de Interpretação Sociológica (1975); A Natureza Sociológica da Sociologia (1980); O Que é Revolução
(1981); Poder e Contrapoder na América Latina (1981).

Nesses últimos trabalhos de Florestan, nota‑se o cuidado em trabalhar as relações de sentido entre
o “momento teórico” e o “momento prático”, o que se explicita como “momento político”. Esse cuidado
aparece, por exemplo, na discussão das noções de “burguês” e de burguesia, entendidas como categorias
histórico‑sociais e “como meios heurísticos legítimos da análise macrossociológica do desenvolvimento
do capitalismo no Brasil” (FERNANDES,1976, p. 20).

A busca pela especificidade brasileira implica relacionar os dois modelos, o de sociedade burguesa e
o patrimonialista desenvolvido no Brasil. É essa relação que o autor focaliza quando afirma:

[...] aí estava uma revolução demasiado complicada e difícil, não por causa do
elemento oligárquico em si mesmo, mas porque era preciso extrair o ethos
burguês do cosmos patrimonialista em que fora inscrito, graças a quase
quatro séculos de tradição escravista e de um tosco capitalismo comercial
(FERNANDES, 1976, p. 310, grifo do autor).
140
Pensamento Social Brasileiro

Para o sociólogo, o fazer do sociólogo sempre é a mediação entre o fato empírico, recortado pela
observação, e sua construção “pensada”, articulada pela teoria. Assim, é possível falar da integração “do
negro” na “sociedade de classes”, expressões que não são ingênuas referências, mas construções a partir
de evidências empíricas e documentação histórica.

Em 1978, Florestan Fernandes confessava aos alunos de pós‑graduação em um curso na PUC de São
Paulo ter enfrentado uma crise que se estendeu de 1969 a 1972, em Toronto: “A Sociologia perdeu seu
encanto para mim; e o sociólogo profissional converteu‑se em uma pessoa que luta mais para sobreviver
e ganhar a vida [...] do que pela verdade inerente à natureza científica e, portanto, revolucionária da
explicação sociológica” (FERNANDES, 1978, p. 12).

Embora reconhecendo que, nas condições instauradas no capitalismo pós‑golpe, as possibilidades


abertas à Sociologia eram limitadas, ele não se pôs a defender a ordem capitalista:

Quando alguém se lança à frente e descobre que não tem cobertura, a


verdade sobre as instituições e os tipos humanos, os movimentos políticos e
sua consciência sobem à tona. [...] A Sociologia está sujeita a ambiguidades
circulares, e mesmo os expoentes da chamada Sociologia crítica acabaram
cedendo terreno ao rolo compressor do cerco capitalista à revolução
socialista mundial (Idem).

Em síntese, para Octavio Ianni (1996, p. 33), a Sociologia brasileira é marcada pela obra de Florestan
Fernandes por dois modos particularmente notáveis:

Primeiro, entra de maneira decisiva na construção da Sociologia como um


sistema de pensar a realidade social. O seu compromisso com as exigências
lógicas e teóricas da reflexão científica representam uma contribuição básica,
no sentido do amadurecimento da Sociologia. As próprias controvérsias que
esse padrão intelectual suscita revelam que a Sociologia brasileira ultrapassa
uma fase de timidez metodológica e teórica, ingressando em uma etapa em
que todas as implicações teóricas e históricas desse sistema de pensar a
realidade social são assumidas no cotidiano de ensino e pesquisa. Muito
do que vinha sendo ensaiado de maneira episódica, aqui e acolá, adquire
maior sistemática, outro ímpeto. Simultaneamente, as pesquisas realizadas
e suscitadas por Florestan Fernandes, bem como por sua influência, abrem
novos horizontes para a reflexão sobre a sociedade e a história.

Segundo, cria um novo estilo de pensamento na Sociologia brasileira. A


Sociologia crítica, compreendendo teoria e história, sintetiza um estilo
de pensar a realidade social. Ao resgatar o ponto de vista crítico da
Sociologia clássica e moderna, com base nos ensinamentos do marxismo,
e recuperar o ponto de vista crítico oferecido pelas condições de vida
e trabalho dos oprimidos da cidade e do campo, a obra de Florestan
Fernandes cria e estabelece um novo estilo de pensamento. Assim, a
141
Unidade II

Sociologia brasileira adquire outra dimensão, alcança outro horizonte. É


a partir desse horizonte que se torna possível revoltar às raízes pretéritas,
presentes; descortinar o futuro.

7.1 A Sociologia crítica paulista de Florestan Fernandes e de seu grupo da


Sociologia I

Desde o início na direção da Cadeira de Sociologia I, Florestan Fernandes teve o cuidado de criar um
grupo de sociólogos que, com maior ou menor liberdade de temática e metodologia, desenvolvesse as
respectivas dissertações de mestrado, teses de doutorado, livres‑docências e de titularidade dentro de
linhas de pesquisa previamente estabelecidas, assegurando ao grupo perfil próprio e profundidade de
análises.

Dentre os primeiros integrantes desse grupo de Florestan constam figuras como: Fernando Henrique
Cardoso, Octavio Ianni, Marialice Minccarini Foracchi, Maria Sylvia Carvalho Franco, Celso Rui Beisegel,
Gabriel Bolaffi, Leoncio Martins Rodrigues, Jose Carlos Pereira e Lourdes Sola. Alguns desses integrantes
foram para outras áreas, como: educação, urbanismo, sindicato e trabalho etc. Assim, esse departamento
de Sociologia passou a contar com profissionais como Gabriel Cohn, Sedi Hirano e outros.

Fernando Henrique Cardoso, ou FHC, como ficou conhecido depois de assumir a presidência da
república, defendeu seu doutoramento em Ciências Sociais em 1961, com tese intitulada Capitalismo e
Escravidão do Brasil Meridional. Na obra publicada em 1962, seu autor explica que:

O livro reúne resultados parciais de um programa de investigações sobre


a sociedade e o negro no Brasil Meridional (Paraná, Santa Catarina e
Rio Grande do Sul) executado entre 1955 e 1960 como parte das
atividades regulares de pesquisa da Cadeira de Sociologia I da FFCL da
USP. O programa foi inicialmente proposto por Florestan Fernandes
para ampliar o conhecimento sociológico sobre o preconceito no Brasil
(CARDOSO, 1962, p. 7).

Todo o trabalho, realizado no RGS, mostrou a precariedade da ordem democrática supostamente


instalada com a abolição. Assim:

[...] o “preconceito” apareceu no novo contexto como uma técnica de


ajustamento entre os grupos étnicos a partir do reconhecimento necessário
e prévio da existência de desigualdades sociais expressas sob a forma de
desigualdades naturais. A maior parte dos negros ratificou essa situação pela
aceitação do “ideal do branqueamento” e pelo estímulo a uma ideologia de
compromissos (IANNI, 1996, p. 316).

Assim como FHC, Octavio Ianni também defendeu seu doutoramento em 1962, com tese sobre
escravidão e capitalismo: As Metamorfoses do Escravo, Apogeu e Crise da Escravatura no Brasil Meridional.
Um título poético para um trabalho árido, que visa responder à questão: quando e como um escravo se
142
Pensamento Social Brasileiro

torna sujeito do assujeitamento? Quando se esgotam as possibilidades da sociedade instaurada com o


trabalho escravo, surgem as condições geradoras da demanda pelo trabalho livre. Quanto ao negro, ele
ainda está em processo de absorção do novo, assim como também ele é um “novo” agente de produção,
que vai ser incorporado abaixo das categorias criadas pelo branco para descrevê‑lo a si mesmo.

No período 1962‑1964, os profissionais ligados à Cadeira de Sociologia I participaram do seguinte


projeto de pesquisa: Economia e Sociedade no Brasil – Análise Sociológica do Subdesenvolvimento, com o
apoio de instituições de pesquisa e do Centro de Sociologia Industrial e do Trabalho (Cesit). Enfim, em 1965
Ianni publicou Estado e Capitalismo, tese de livre‑docência relacionada a esse projeto de estudo. A obra, de
grande importância à época, continua sendo um registro histórico significativo das propostas, notadamente
relativas à participação do Estado na economia. Note‑se que Ianni não aceita a tese da neutralidade do
Estado, nem pressupõe nele um papel além da condição necessariamente burguesa, associada à origem.

Em 1963, FHC defendeu sua livre‑docência com a tese: Empresário Industrial e Desenvolvimento
Econômico no Brasil, publicada em 1964. O trabalho foi inovador, sobretudo porque focalizou um “tipo
social”, embora não tenha mantido uma análise weberiana. Vejamos o que o autor conclui:

Procuramos circunscrever as formas de comportamento empresarial, em


tempos das situações particulares que os industriais enfrentam. Partindo de
que a garantia do lucro é o limite de validade da ação empresarial capitalista,
[...] mostramos como a passagem do “irracional” para o “racional” fez‑se
concretamente na situação brasileira por meio de tipos de ação empresarial,
cujo sentido é definido pela “situação do Mercado”, que reflete, por sua vez,
um padrão societário (CARDOSO, 1964, p. 184‑185, grifo do autor).

O ex‑presidente relata que a modernização da economia brasileira se fez pelo “aproveitamento e


redefinição paulatina de formas tradicionais” (Idem). A modernização constituía um campo de aspirações,
talvez modelos inspiradores à época, mas não padrões ou práticas empresariais correntes.

Além dessas obras mencionadas, não se pode esquecer Maria Sylvia Carvalho Franco, que publicou o
clássico de leitura obrigatória: Homens Livres na Ordem Escravocrata.

Enfim, a Sociologia ensinada por Florestan Fernandes tinha por foco a sociedade brasileira, contudo,
como diz Ianni (1996, p. 29), ela era “uma forma de apropriação e constituição do mundo social gerada
por dissolução da comunidade, emergência da sociedade burguesa, dinâmica de uma sociedade fundada
nas desigualdades social, econômica, política e cultural”. As diferenças e desigualdades só poderiam
ser apreendidas quando examinadas as distintas perspectivas dos agentes, segmentos e classes
envolvidos nos processos analisados. Essa abordagem consolidou a tendência de estudar os processos
de transformação pelos quais passou a sociedade brasileira como centro de interesse da Sociologia.

Contudo, entre o desenvolvimento e trajetória da Sociologia e os percursos do pensamento social


brasileiro há implicações que remontam às contradições entre as ideias gestadas nos anos 1950 e 1960
e as restrições conservadoras que vinham se formando, gerando uma oposição política civil e golpista,
sustentada pelas armas e ideias militares, conforme discutiremos subsequentemente.
143
Unidade II

7.2 Tendências do pensamento social, ideias e personagens dos anos 1960


ao Golpe de 1964

Em 1960, a sucessão presidencial tirou Minas Gerais do poder, mas o apoio de JK trouxera para o
Planalto um São Paulo de raízes pantaneiras (Jânio), cabelos revoltos, discursos inflamados, diretos,
talvez radicais: outro modelo de populismo? Com certeza, mas o regime da democracia à brasileira
logo revelou seu avesso, fazendo lembrar a sabedoria de outro mineiro, Drummond, que dizia que uma
eleição é feita para corrigir o equívoco da anterior, mesmo que a situação se agrave.

A eleição realmente colocou na presidência uma figura carismática, não disposta a cumprir “as
regras” do acordo. Na vice‑presidência ficou um estancieiro do PTB acusado de pretender reformas de
base, inclusive a agrária. A combinação dos dois tipos vinha ao encontro das preferências do eleitorado,
mas não contava com apoio dos “democratas” do Congresso. Quando o presidente carismático
intempestivamente renunciou ao poder que lhe conferira o eleitorado, possivelmente esperando apoio
militar para que continuasse no controle, esse apoio não veio, ao contrário, Congresso e militares
aceitaram a renúncia, e se recusaram a dar posse ao vice‑presidente, considerado “esquerdista e um
risco para a democracia brasileira”.

A resistência a favor da legalidade desenvolvida por Leonel Brizola, então governador do Rio Grande
do Sul, movimentou parcela significativa da população, criando um clima tenso, cuja solução foi a
mudança do regime: de presidencial, conforme rezava a Constituição, para parlamentar, conforme
desejavam os setores conservadores, ligados aos interesses do capital externo e ao jogo político dos
EUA. Na verdade, a mudança do sistema de governo consistiu em um acordo entre setores de distintas
gradações conservadoras, e novamente trouxe Minas Gerais ao poder, na figura de Tancredo Neves,
“feito” primeiro ministro, um habilidoso político conservador, trabalhista de origem, proseador por gosto
e necessidade, um mestre dos acordos de compromisso.

A alteração constitucional se destinava a retardar as reformas de base, aprofundar ainda mais a


dependência da economia brasileira ao capital externo, sobretudo manter inalterado o regime fundiário.
A convocação de um plebiscito para referendar o parlamentarismo ou retornar ao presidencialismo
resultou no retorno ao regime presidencial. Encerrava‑se um golpe da direita, tinha início uma
conspiração por outro golpe, esse vitorioso, em 1964.

Os dois períodos antes referidos e apontados por Mota (1977), a Era de ampliação e revisão
reformista (1957‑1964) e a das Revisões radicais (1964‑1969), cobrem doze anos (1957 a 1969), e são
extremamente significativos no curso do pensamento social brasileiro: de um ambiente de liberdade
democrática, otimismo e crescimento da economia, em meio ao governo JK, para um golpe militar
que inicia um longo período de ditadura, supressão da liberdade e dos direitos constitucionais, um
sistema que se agravou nos anos seguintes para satisfação de uns e desespero de muitos, com efeitos
desastrosos para a cultura e sociedade brasileiras.

Os anos entre 1961 e 1964 foram caracterizados pela sensibilização política de amplos segmentos
sociais: universitários, operários, trabalhadores rurais e urbanos. A discussão da política nacional e
internacional estava em toda parte, em tendências políticas diversificadas e nos discursos radicais a
144
Pensamento Social Brasileiro

favor da reforma econômica, educacional, jurídica, e principalmente da reforma agrária; todas elas
necessárias, tanto que foram realizadas, favorecendo interesses das elites e da classe média.

O Golpe de 1º de Abril, como dizem alguns, ou a Revolução de 31 de março, como dizem os que são
favoráveis à deposição de um presidente eleito e instalação de governo militar, foi realizado com várias
alegações. Todavia, “Jango não foi deposto pelos erros, mas pelos seus acertos”, dizia‑se então, mas em
voz baixa...

Recentemente, o Congresso procurou “apagar essa mancha histórica”, anulando a sessão, presidida
pelo senador Auro de Moura Andrade, que declarou vaga a presidência da república, conforme noticia
o jornal Folha de São Paulo:

O Congresso Nacional aprovou na madrugada desta quinta‑feira (21) um


projeto que anula a sessão realizada pela Casa no dia 2 de abril de 1964, que
declarou vaga a Presidência da República exercida na época pelo presidente
João Goulart, o Jango (1919‑1976), viabilizando o reconhecimento do novo
governo militar (1964‑1985) (FALCÃO, 2013).

Todavia, à época, o Golpe completou a sucessão de pequenos golpes que vinham se sucedendo
desde a eleição de Getúlio Vargas, em processo político de adequação da economia nacional aos
interesses externos, econômicos e estratégicos. Esse processo implicou torção dos dispositivos de poder
até se configurar uma ruptura da ordem institucional, com instalação do regime de exceção, seguida de
recondução à ordem por meio de uma constituição outorgada.

Os modelos políticos predominantes no período foram os gestados nas contradições entre o rural,
que não se modernizava, e o urbano, o qual a industrialização vinha modernizando, porém mantendo o
perfil conservador. Desse modo, boa parte dos “políticos” de então era constituída por figuras formadas
no populismo, criadas à sombra da ordem patrimonial oligárquica e das práticas autoritárias de
preservação do poder.

Contudo, o espaço político desde muito antes saíra do âmbito das pequenas cidades, tornara‑se mais
amplo, abrangendo todo o país pelas ondas de rádio: a “voz de um Brasil” podia ser ouvida desde 1934,
orientando o imaginário popular, ou simplesmente veiculando informações sobre a política nacional, visto
que o Executivo (Getúlio) assumiu esse papel “para o bem dos trabalhadores”. Esse modelo de atuação
política, que substitui a participação popular na política pela comunicação de massa, é tipicamente
autoritário, foi utilizado durante o Estado Novo e durante os vinte anos de Ditadura civil militar.

Importante registrar que, em paralelo à comunicação com o povo pelos meios de comunicação
de massa, imprensa e rádio durante o Estado Novo, na Ditadura incluiu‑se a TV, além do cinema,
rádio e imprensa.

Ampliaram‑se também os aparelhos de vigilância e repressão policial (Dops ou Deops), que visaram os
movimentos sindicais e de militância partidária e ideológica nas décadas de 1920 e de 1930, em nome da
ordem social e política, além do DIP, criado por Getúlio para controle e censura da imprensa e propaganda.
145
Unidade II

Durante o movimento de repressão, o Departamento de Ordem Política e Social (Dops) foi ampliado,
integrado em um sistema DOI‑Codi – Destacamento de Operações de Informações do Centro de
Operações de Defesa Interna –, destinado à investigação e repressão de manifestações contrárias ao
regime instalado e, por sua vez, articulado em todas as instâncias político‑administrativas do Estado pelo
SNI (Serviço Nacional de Informações), além de organizações para militares como a Oban – Operação
Bandeirantes –, financiada por empresários paulistas. Esses organismos de vigilância e repressão, que
supliciam os corpos visando às ideias, constituem a base maldita, oculta, antiética, mas importante para
manter a hipocrisia de uma “liberdade” em meio à ditadura.

Alguns traços da atuação da personagem de Filinto Müller, chefe da polícia política, permitem
explorar as relações entre a ordem social e seu avesso de violência em dois momentos do autoritarismo
no Brasil: com Vargas (Estado Novo), quando era chefe de polícia da capital, e na Ditadura Militar como
senador por Mato Grosso, presidente da Arena e do Senado. Nas referências ao seu nome figura com
destaque o papel de chefe de polícia, hábil em obter confissões com tortura, mas também o papel de
articulador político por Mato Grosso, e que ocupou, assim como José Sarney, a presidência do Senado
e da Arena.

O modo de exercício do poder de polícia abrange duplicidade de práticas, o sigilo acoberta a violência,
um dos aspectos significativos na constituição do político em períodos autoritários. Nesses momentos
as práticas de poder diluem os limites entre violência e justiça, repressão e liberdade em nome da
imposição de uma vontade política cujos objetivos são sempre distintos dos que são tornados públicos.
Também por isso toda ditadura é imoral, por mais que em seu discurso afirme a defesa da sociedade e
da moral, pois sempre suprime a liberdade, o que implica na maior imoralidade.

Filinto Müller teve papel importante na expulsão da esposa de Prestes, grávida, judia e militante do
PC, para a Alemanha. Contudo, examinando o processo, e segundo outras fontes consultadas, a expulsão
foi determinada pelo então ministro da justiça, Vicente Rao. O advogado Heitor Lima, indicado por
Prestes, entrou com pedido de habeas corpus no STF, cujo presidente, Edmundo Lins, exigiu o pagamento
do selo para depois dar conhecimento ao processo. Pago o selo pelo advogado Heitor Lima, o processo
foi julgado. Entretanto, conforme (PAULO FILHO, 2003):

O ministro Bento de Faria, relator do processo, considerou que o


habeas‑corpus estava suspenso no país em virtude do estado de sítio e
do estado de guerra decretados por Getúlio Vargas, e decidiu não tomar
conhecimento do pedido. Votaram com o relator, contra o habeas‑corpus,
o presidente da Corte, Edmundo Lins, e os ministros Hermenegildo de
Barros, Plínio Casado, Laudo de Camargo, Costa Manso, Otávio Kelley
e Ataulfo de Faria. Os três ministros restantes, Edmundo Espinola,
Carvalho Mourão e Carlos Maximiniano, reconheceram o pedido, mas
negaram o habeas‑corpus.

A figura de Vicente Rao, jurista e ministro da justiça à época, ilustra a face legalista, supostamente
legitimadora de atos de exceção. O político foi o autor da Lei de Segurança Nacional, sancionada em
abril de 1935, também responsável pelo fechamento da Aliança Nacional Libertadora (ANL). Com sua
146
Pensamento Social Brasileiro

orientação, foi criada em janeiro de 1936 a Comissão Nacional de Repressão ao Comunismo, de atuação
sobre todo o território nacional. A “democracia” dos “democratas autoritários” reproduzia aqui, sem o
alarde das comissões semelhantes existentes nos EUA, a mesma caça às bruxas. Assim como nos EUA,
aqui também a “caça” produziu seus efeitos. Vejamos o excerto a seguir:

Em fevereiro [de 1936], a comissão requereu a prisão de Pedro Ernesto


Batista, então prefeito do Distrito Federal, do coronel Filipe Moreira Lima, do
jornalista Maurício de Lacerda e do educador Anísio Teixeira, entre outros.
Em 21 de março, foram detidos deputados e senadores membros do Grupo
Parlamentar Pró‑Liberdades Populares (FGV, [s.d.]).

A ligação entre a violência policial da repressão e uma “justiça” que acata e legitima pela legalidade
determinações do autoritarismo do momento constitui uma constante na história política brasileira,
uma demonstração das práticas de poder em curso no período Vargas, reproduzidas em 1964, inclusive
com várias das mesmas personagens e a alegação de preservar a democracia contra o comunismo. Nessa
posição estão juristas como Francisco Campos (autor da Constituição de 1937 e dos Atos Institucionais
I e II), Vicente Rao, dentre outros, além da expertise de Filinto Müller, o ex‑capitão e chefe de polícia, e
Senador, que só foi superado por outro delegado e advogado, Sergio Paranhos Fleury.

Quando do suicídio de Vargas, foi uma população simples, de homens e mulheres, que encheu as
praças chorando o desamparo experimentado. A indignação popular depredou A Tribuna da Imprensa,
jornal em que Carlos Lacerda escrevia contra Getúlio, com apoio dos militares, o mesmo conteúdo que
vociferava na Câmara.

Entretanto, uma pergunta rondava os pensamentos dos homens de poder: Quem poderia substituir
aquele que “entrara para a História?”

O mineiro Juscelino Kubitschek, ou Nono, para os íntimos, JK ou Juça, para os que se atrapalhavam
com a grafia de seu nome, era figura elegante, “simpático e original”, como o cantou Juca Chaves dizia,
um presidente “bossa‑nova”, um populista sorridente, disposto a desenvolver o Brasil a toque de caixa, um
“realizador”. Trouxe para sua equipe gente de tendências políticas diversas, mas de grande competência,
como Celso Furtado, responsável pelo plano de metas de seu governo, que logo foi apelidado de “50
anos em 5”, destinou a realização de seu grande projeto, construção de Brasília, a Lúcio Costa, Oscar
Niemeyer, Bernardo Saião, além muitas outras personagens.

Enquanto Lacerda (da UDN) apoiava a participação dos militares na política, vociferando no jornal
contra a candidatura de JK e Jango à presidência pelo PSD, articulava‑se o golpe palaciano e militar,
que levou Café Filho, então vice‑presidente, para um “afastamento” adequado; Carlos Luz, presidente da
Câmara dos Deputados, assumiu a presidência da república nos termos da Constituição de 1946, e daria
posse aos eleitos. Novamente Carlos Lacerda se posicionava contra: “Não tomarão posse”, escreveu ele,
apoiado por militares e udenistas do Clube da Lanterna, organização da oposição que ele criara.

O Marechal Lott, depois de alguma vacilação, interveio na política. Também apoiado pelos militares,
garantiu a posse dos eleitos e depôs Carlos Luz, e o presidente do Senado Nereu Ramos assume a
147
Unidade II

presidência. O clube da Lanterna foi fechado, e Carlos Lacerda, depois de se asilar na embaixada de Cuba
(de Baptista), foi morar nos EUA, de onde continuou colaborando com jornais brasileiros; em 1956,
retorna ao Brasil e continuou a fazer violenta oposição a JK e Jango. Apoiou a candidatura de Jânio à
presidência e se elegeu governador do Estado da Guanabara em 1960.

Dos anos 1950 aos 1960, a imagem considerada adequada ao cenário da política foi se deslocando,
da figura do fazendeiro, do populista bacharel em Direito, e até paternalista, para as redações dos
jornais, de onde jornalistas inteligentes e bem‑apessoados ditavam os rumos “certos” para a história
brasileira, e a confirmavam para a audiência de rádio, e depois a mostravam nas telas da TV.

Carlos Lacerda, ou “O corvo”, apelido que lhe deu a oposição, posava de imaculado cavaleiro
andante dos discursos inflamados, em oposição a tudo que fosse nacionalismo, da economia à
arquitetura. Representava na arena política a força do discurso, não só nos jornais, mas também no
rádio e televisão. Suas palavras bonitas, a voz de locutor de rádio, a imagem de um homem alto, sério,
óculos de aros escuros, quase sempre em ternos claros – às vezes de linho branco –, conquistava mais
que a mente das ouvintes, sobretudo mulheres, apontadas como “as viúvas de Lacerda”, viúvas antes
de sua morte, é claro.

A UDN e as alas conservadoras do PSD e dos militares apoiavam esse cavaleiro andante da
“democracia autoritária”, do moralismo, contra a corrupção, no país dos “jeitinhos”. Ninguém havia que
o vencesse em popularidade de imagem: nem Eduardo Gomes, eterno candidato à presidência, alto,
bonito, mas em silêncio, nem Juarez, falante “tenentista” de voz rachada, e cara feia. No quesito beleza,
talvez Andreazza, também da Aeronáutica, o vencesse, mas quando este subiu ao poder, Lacerda já fora
cassado pelo mesmo golpe que ajudou a conspirar.

O discurso de Lacerda era “entreguista”, conforme palavras da época, o que significava atrelar o
Brasil à política externa dos EUA, criar aqui um campo de “vantagens comparativas” para o investimento
norte‑americano; de fato isso foi feito depois nos governos militares. Sua fala bonita sonora conquistava
o ouvinte mais para sua voz e imagem que para suas teses sobre a modernidade da privatização da
economia e do atraso de tudo que fosse nacional estatal.

Lacerda, com financiamento da “Aliança para o Progresso” (Usaid), criou o primeiro “conjunto
residencial popular”, a Vila Kennedy, que foi modelo para a Cidade de Deus e assemelhados.

Tenório Cavalcanti, o homem da capa preta, representava um contraponto à figura de Lacerda, e era
seu desafeto. Sua imagem de metralhadora a tiracolo, cavanhaque, olhar firme atrás dos óculos, sempre
pronto para se defender com violência, ficou na história do país como figura singular, incômoda para a
elite da política, que o denominava “deputado pistoleiro”. Para seus eleitores, ele combinava o carisma
urbano com modelo de exercício de poder nordestino, defendendo a população carente da Baixada, e
não só os nordestinos como ele, mas todos os que chegavam àquelas paragens, sem eira nem beira.
Tenório fez carreira política na UDN, um partido conservador e elitista. Seu percurso de desassombrado
clientelismo foi interrompido com a cassação de mandato (deputado federal pelo PTN) e dos direitos
políticos pelo Primeiro Ato Institucional, em 1964.

148
Pensamento Social Brasileiro

7.3 Pensamento social brasileiro, ideias e instituições, Cepal e Iseb

O diretor do filme Linha de Montagem, João Batista de Andrade, deu um depoimento à Revista
Estudos Avançados (2000), no qual ele relembra o ambiente intelectual de sua geração, dos anos 1950
e 1960, da importância do pensamento social e de se sentir parte da sociedade brasileira e da História:

Nós nos preparamos na era juscelinista, acreditando na democracia,


cultuando seus valores até no campo simbólico, como na construção de
Brasília – e acreditando que o país podia sair do atraso, podia se livrar dos
latifúndios e dos latifundiários, podia sair da ignorância e do analfabetismo,
podia superar o grau quase insuportável de miséria da maioria de nosso
povo. Ensaiamos um teatro crítico, viramos a música de ponta‑cabeça,
propusemos um cinema capaz de revelar a riqueza cultural e criticar as
mazelas de nossa sociedade.

Minha geração acreditou nas ideias transformadoras, acreditou que elas


agiriam sobre o real, modificando‑o, empurrando o mundo para uma
maior justiça, para o fim dos privilégios, para a democratização radical da
sociedade. Era preciso ter, como parecia que tínhamos, no período de pelo
menos uma década antes do golpe de 1964, um movimento social crescente
gerando uma imagem nova do povo como força capaz de impulsionar nossa
imaginação e para a qual poderíamos dirigir nossas ideias, nossas imagens,
nossos textos e nossas inquietações. O povo aparecia, finalmente o povo,
com o qual nós, jovens intelectuais, poderíamos realizar nossos projetos
de futuro para a sociedade brasileira, afastando a velha imagem do país
atrasado e inerme (BONAVIDES, 2000, p. 40).

Há no depoimento de Andrade um “povo” que seria um sujeito na história construída com os


intelectuais, que eram jovens à época, e acalentavam tais ilusões. Esse sentimento desapareceu, ou
quase, mas à época foi estimulado pela produção intelectual em áreas de saber que tinham por centro
a sociedade brasileira e problematizavam suas condições sociais, culturais e econômicas.

Nesse sentido, é importante salientar que Jacques Lambert publicou um ensaio de grande
importância nos anos 1950: Os Dois Brasis. A obra mostra a contradição entre pobreza e modernidade
como característica do espaço geográfico e político brasileiro. Todavia, as oposições entre tradicional
e moderno, desenvolvimento e subdesenvolvimento, e outras do gênero, escamoteiam a dimensão
histórica e estrutural dos processos econômicos e sociais dos quais resultam tais realidades, que, na
verdade, são notórias em todos os países que sofreram a expansão do capitalismo internacional, em
posição dependente e retardatária. Para Lambert, os efeitos dessa situação no Brasil seriam agravados
pela extensão e diversidade do território.

Também franceses, Roger Bastide e Pierre Monbeig trabalharam a questão da diferenciação


encontrada na sociedade brasileira, mas a focalizaram com outras perspectivas, em obras que não
alcançaram a popularidade da obra de Lambert.
149
Unidade II

Em 1953, Ignácio Rangel, brasileiro, economista e consultor, publicou Dualidade Básica da Economia
Brasileira, uma obra em que, segundo Fernandes (2011, o autor discute as especificidades que teriam
possibilitado o país realizar uma industrialização sem reforma agrária prévia, diferente, portanto, do que
afirmava o Partido Comunista.

Ignácio Rangel, como vários outros intelectuais, fora integrante do PC, e também não concordara
com as posições ortodoxas e radicais do partido. Na verdade, pensar a economia nacional nos anos 1950
implicava considerar o quadro econômico internacional do capitalismo monopolista e, nesse cenário,
a inserção do “nacional” significava expansão da industrialização associada às tendências externas
hegemônicas.

Em síntese, essas ideias refletiam com originalidade as principais teses desenvolvidas por Raul Prebish
na direção da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina), órgão da ONU. Segundo Colistete
(2001), as teses da Cepal influíram decididamente no pensamento econômico brasileiro “em quatro
dimensões relacionadas: a ênfase nas estruturas, o papel reduzido dos atores sociais, a predominância
de uma perspectiva macro e o desenvolvimento de uma visão peculiar da história”.

As teorias desenvolvidas na Cepal apresentavam originalidade teórica e certa dimensão otimista,


favorecendo a aceitação e propagação nos meios empresariais, governamentais e entre políticos,
marcando a década de 1950 e primeiros anos de 1960.

Celso Furtado se destaca entre os autores que partilharam da influência da Cepal na medida em que
explorou as condições históricas responsáveis pela estrutura da sociedade e economia brasileiras. Nesses
termos, “a obra de Celso Furtado faz parte de um “quase” gênero brasileiro: os livros sobre a formação
de nossa sociedade” (RICUPERO, 2005). E continua o autor apontando Caio Prado Jr., Antonio Cândido,
Gilberto Freyre, Raymundo Faoro e Raízes do Brasil.

Nota‑se em Furtado a preocupação com o fortalecimento do papel do Estado como suporte e


agente de políticas públicas na área do desenvolvimento econômico, promoção da industrialização
e preocupação com o mercado interno. Como integrante do governo, promoveu a criação da Sudene
(1959), órgão vinculado à Presidência da República e do qual Celso Furtado foi secretário executivo; era
destinado à promoção do desenvolvimento da região, atuando em várias frentes, principalmente na
modernização do setor primário e na expansão industrial.

É verdade que o pensamento social brasileiro ficou decididamente influenciado pelas teses elaboradas
pela Cepal e pelas alterações introduzidas por Celso Furtado; dessas influências Colistete (2001) seleciona
duas correntes: nos anos 1970, a teoria da dependência, desenvolvida por FHC e Enzo Falleto, e a teoria
do capitalismo tardio, desenvolvida por João Manuel Cardoso de Melo em sua tese de doutoramento
(1975), amplamente divulgada e comentada, mas publicada mais tarde com aperfeiçoamentos, em 2009.

Em 1972, Francisco de Oliveira publicou pelo Cebrap Economia Brasileira: Crítica da Razão Dualista,
trabalho que teve grande repercussão e que pretendia uma “revisão do modo de pensar da economia
brasileira”. Segundo Oliveira (1977, p. 5):

150
Pensamento Social Brasileiro

O exame que se tentará vai centrar sua atenção nas transformações


estruturais, entendidas estas no sentido rigoroso da reposição e recriação
das condições de expansão do sistema enquanto modo capitalista de
produção. Não se trata, portanto, nem de avaliar a “performance” do
sistema numa perspectiva ético‑finalista de satisfação das necessidades
da população, nem de discutir magnitudes de taxas de crescimento: a
perspectiva ético‑finalista muito associada ao dualismo cepalino parece
desconhecer que a primeira finalidade do sistema é a própria produção,
enquanto a segunda, muito do gosto dos economistas conservadores
do Brasil, enreda‑se numa dialética vulgar como se a sorte das “partes”
pudesse ser reduzida ao comportamento do “todo”, a versão comum da
“teoria do crescimento do bolo” (grifo do autor).

Segundo o autor, não se deve esquecer de “que ‘subdesenvolvimento” é precisamente uma ‘produção’
da expansão do capitalismo” (Ibidem, p. 8). Todavia, a promoção do desenvolvimento constituíra
preocupação predominante nos meios acadêmicos e setores das Ciências Sociais desde os anos 1950
até o Golpe de 64, razão pela qual o entendimento da dinâmica da economia brasileira aparecia como
prioridade na produção acadêmica.

Contudo, na medida em que a elaboração teórica passa a fundamentar a intervenção política,


registra‑se a convergência de dois modos de pensar: aquele que seria o científico, que investiga e
questiona, com aquele que busca estabelecer as finalidades e objetivos para a ação política e cultural
ancorada na ciência. Esse modo de pensar se alimenta e exercita o espírito crítico em relação ao que
é revelado pela ciência, opera com valores e ideias, buscando a transformação da realidade, sendo
caracterizado pela dimensão ideológica.

Na verdade, esse foi o papel do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb), órgão sediado no
Rio de Janeiro, que contava com sociólogos, economistas e filósofos da mais alta competência, como:
Ignácio Rangel, Helio Jaguaribe, José Honório Rodrigues, Guerreiro Ramos, Álvaro Vieira Pinto, Gilberto
Paim, Roland Corbusier, dentre outros.

O Iseb (Instituto Superior de Estudos Brasileiros) tinha por objetivo constituir


ou lançar as bases de um “pensamento brasileiro” autentico ou não‑alienado,
através de um projeto teórico‑ideológico de natureza totalizante, onde
confluiriam disciplinas e ciências diversas: Sociologia, história, política,
economia e filosofia (TOLEDO, 1997, p. 25‑26).

Os conhecimentos elaborados nos campos dessas disciplinas convergiriam no esforço de levar a


nação ao reconhecimento do subdesenvolvimento e ao esforço de superação dessa condição por meio
de uma prática política de desenvolvimento. O trabalho de Toledo, Iseb: Fábrica de Ideologias, desvenda
a ideologização do pensamento isebiano quando adota como procedimento de análise:

Mostrar os nexos que articulam conceitos mal formulados, distinções teóricas


pouco rigorosas, conhecimentos parciais e imprecisos de um discurso (com
151
Unidade II

pretensões teóricas) a interesses determinados de grupos no interior da


prática social. [E continua o autor] Para nós, contudo, a ideologização do
pensamento isebiano ocorre quando se conferem à prática ideológica (em
particular à ideologia do desenvolvimento) os protocolos de validação de
toda produção teórica (Ibidem, p. 177).

O confronto entre os comentários críticos de Toledo e o depoimento de Helio Jaguaribe (1979),


que foi membro ativo do Instituto de 1955 a 1958, revela a distância geracional entre ambos. A crítica
detalhada de Toledo aponta como “falhas” da reflexão teórica do Instituto os elementos desenvolvidos
no âmbito da produção teórica posterior, sobretudo francesa. Para ele, a dimensão ideológica da
produção isebiana (orientada pelo desenvolvimento do capitalismo nacional, embora estivesse em meio
às tensões de expansão do capitalismo monopolista) apresentava profundos equívocos teóricos, e se
mostrou ineficiente na superação das condições formuladas pelo subdesenvolvimento, mesmo porque
a “burguesia nacional”, supostamente comprometida com a autonomia do desenvolvimento capitalista
nacional, demonstrou, nas tramas do Golpe de 64, maior eficiência em estabelecer alianças fora do marco
nacional. Por fim, destaca que apresentava maior clareza nas práticas políticas que a beneficiavam, uma
postura que não fora admitida pelo Iseb.

O Iseb teve origem nas discussões de intelectuais, primeiramente o grupo que publicava um
suplemento no Jornal do Comércio, e, na sequência, pelo grupo de Itatiaia, que se reunia na sede
do Parque Nacional de Itatiaia, a partir de 1952. Dele participavam pensadores cariocas e paulistas,
com orientações diferentes. Dentre os paulistas, destaca‑se Rolan Corbisier; dentre os cariocas, Ignácio
Rangel, Guerreiro Ramos e o próprio Helio Jaguaribe, que relembra:

Os estudos e debates do grupo se orientavam no sentido de tentar uma


integração entre uma compreensão geral da problemática sociocultural
de nosso tempo e uma compreensão econômica, social, política e
cultural da realidade brasileira. O grupo era bastante heterogêneo.
Os paulistas, de formação e vocação filosófica, tinham posições de
direita, muitos oriundos do integralismo. Os cariocas eram estudiosos
das Ciências Sociais e tinham posições tendencialmente de esquerda
(JAGUARIBE, 1979, p. 95).

Dessa formação original constituiu‑se mais tarde, em 1953, o Ibesp (Instituto Brasileiro de Economia,
Sociologia e Política) assumido por Jaguaribe, mas os paulistas se afastaram, “com exceção de Corbisier
que superou suas anteriores posições de direita, e se transferiu para o Rio”. O Iseb foi criado em 1955,
com a finalidade de assegurar, junto ao Ministério de Educação, a continuidade e fortalecimento dos
estudos e projetos que vinham sendo desenvolvidos, mas com total autonomia.

Em 1958, Jaguaribe publicou O Nacionalismo na Atualidade Brasileira, livro que provocou debates
acirrados entre os integrantes do Iseb: de um lado, aqueles que entendiam como tarefa do instituto
permanecer na linha teórica “problematizante”; de outro, os que julgavam necessário assumir uma
atuação de militância política.

152
Pensamento Social Brasileiro

O Iseb tinha como linha de atuação superar a ortodoxia do marxismo e as limitações do positivismo,
duas tendências que estavam presentes na cena intelectual brasileira, e, ao mesmo tempo, encetar
estudos e análises de cunho estrutural da realidade brasileira, visando à elaboração de uma política
de desenvolvimento nacional. Por essa preocupação é que se manifesta a ideologia do nacionalismo
desenvolvimentista.

Em seu depoimento, Jaguaribe revela que a experiência do Iseb se deu em três níveis, distintos
e articulados: um nível teórico geral, – porém, para ele, a reflexão teórica e epistemológica do Iseb
poderia ter sido mais aprofundada –, um nível de análise estrutural, e um nível de estudos focados
na ação política, ou melhor, na elaboração de uma política de mobilização ideológica dirigida para o
desenvolvimento nacional. Essas posições, e as modalidades de estudos a elas associados, deram origem
a uma produção significativa nas áreas das Ciências Sociais, destinada não apenas ao público acadêmico,
mas também ao público em geral, como a série Cadernos do Nosso Tempo.

No depoimento de Jaguaribe, especialmente por não tecer uma reapreciação do nacional


desenvolvimentismo, o autor reconhece que o Iseb desempenhou o papel de uma intelligentsia
contestatória do Brasil, pois representou propostas de projetos de mudança social a serem difundidos
e incorporados pela sociedade civil. Importante notar que, nesse processo, considerando as condições
históricas brasileiras, o comportamento das elites é de fundamental importância, na medida em que
as condições oferecidas por pressão externa ao capitalismo nacional podem ser mais vantajosas que
as possíveis no ambiente nacional. Por isso Jaguaribe (op. cit.: idem) traça um perfil nada favorável às
elites: “cabe dizer das elites, entretanto, como da espécie canina, que oscilam da condição de cão à de
chacal ou à de lobo, por mutações condicionadas pelo meio ambiente” (Idem).

Finalmente, Jaguaribe conclui seu depoimento em 1979 lançando uma dúvida até hoje sem resposta:
que rumos pode tomar este país? Em parte, as condições de expansão do capitalismo internacional
impuseram o delineamento da resposta, na medida em que o campo das decisões de autonomia
nacional na economia brasileira se torna cada vez mais restrito; em contrapartida há segmentos da
economia internacional (notadamente dos EUA) que foram interiorizados na economia brasileira,
ponderando significativamente no perfil das decisões políticas.

7.4 O pensamento autoritário e resistência, bases teóricas e práticas


políticas

O Golpe militar‑civil de 1964 representou ruptura com as concepções elaboradas pelo Iseb: os
militares e civis que assumiram o poder consideravam‑se nacionalistas, mas de um nacionalismo
tutelado, e favoráveis ao desenvolvimento econômico integrado na economia capitalista, ou, no dizer
de então, integrado “no bloco do Ocidente”. O Golpe instaurou um regime de exceção e supressão de
direitos civis que se estendeu por 24 anos. O movimento que se instalou como militar, na “defesa da
democracia”, vinha de longa data sendo planejado, com a participação de organismos como Ipes, Ibad,
Conclap; dentre eles, a ESG (Escola Superior de Guerra), que ocupava lugar de centro intelectual na
elaboração de uma “política nacional de segurança”, interna e externa. De fato, toda essa preparação
visava construir uma base de legitimidade para o movimento. Como afirma Rezende (2013, p. 31):

153
Unidade II

A pretensão de legitimidade da ditadura [...] ia além da tentativa de se


conseguir obediência para um determinado sistema de poder. Ela significava
um processo muito mais complexo do que isto, na medida em que se
procurava construir, de maneira contínua, uma determinada ordem, em que
todos aderissem, nos âmbitos objetivo e subjetivo, a uma dada forma de
organização social.

Evidentemente que a participação de um Francisco Campos foi fundamental para dar forma
jurídica final aos Atos Institucionais I e II, assim como Luiz Antonio Gama e Silva procedeu em relação
ao AI‑5, e Suplicy de Lacerda, engenheiro, para o acordo MEC‑USAID, que alterou radicalmente o
modelo de universidade brasileira. Contudo, a Política de Segurança Nacional ocupava lugar em nível
mais amplo e abrangente que os atos institucionais e constitucionais, ou reformas em conformidade
com interesses externos.

A segurança nacional dependia, assim, para os civis e militares que


compunham a ESG antes e durante o regime militar, de uma ampla sondagem
que deveria ser feita por diversos pesquisadores sobre as condições naturais,
culturais e sociais em todo o território nacional. O objetivo deste processo era
detectar os sentimentos, a mentalidade, as atitudes, as aspirações, os sonhos,
os desejos, os ideais, enfim, todos os valores que moviam e organizavam a
vida social brasileira (REZENDE, 2013, p. 43).

Por meio desses estudos, supunham os militares e civis ligados ao grupo de poder que seria
desenvolvida uma estratégia psicossocial que, segundo o autor:

[...] deveria, então, enfatizar que os valores de preservação da família,


da moral, dos costumes, da pátria, do patriotismo e da propriedade
eram o fundamento do próprio regime em vigor naquele momento. A
consubstanciação destes valores presentes na maioria dos segmentos
sociais com aqueles defendidos pelos condutores do regime era, assim,
o elemento central do ideário de democracia que fundamentava o seu
intento de se legitimar (Ibidem, p. 48).

Em decorrência, toda e qualquer oposição não poderia ser tolerada. Se admitiam esses grupos
para “salvar a democracia”, era necessário conquistar “corações e mentes”, desfazer toda e qualquer
contestação, instaurar a supressão de direitos, a repressão militar e política: em poucas palavras, para
salvar a democracia, era necessário suprimir a democracia. Essa política veio justificar os mecanismos
instalados de censura, o sistema de investigação, emprego da tortura, dos assassinatos e desaparecimentos.

Nesses termos, o poder se instalava em 1° de abril de 1964, e era exercido por um sujeito defensor
da ordem e da disciplina, secundado por uma figura feminina defensora da família, da educação e da
democracia à brasileira. Ambas as figuras imaginárias se corporificavam nas manifestações da direita,
em Marchas com Deus pela Família e Propriedade.

154
Pensamento Social Brasileiro

Manifestações de rua, mas da oposição, eram denominadas “passeatas”, menos militares que as
“marchas”, surgiram depois da instalação do Golpe. Nelas as mulheres assumiram a posição de sujeitos
de uma história que estavam a construir, na preservação da cultura, liberdade e democracia, papéis que
não se coadunavam com o “lugar” da mulher na “democracia fardada”, na qual a mulher não “precisaria
ser” um sujeito pensante. De fato, não havia mulheres nas turmas de formandos da Escola Superior de
Guerra, centro de elaboração teórica da tendência instalada, até 1973, mas depois dessa data havia duas
ou três por turma.

Uma testemunha ocular da deflagração do “movimento”, no Posto Seis, Copacabana, foi Carlos
Heitor Cony, então jornalista do Correio da Manhã, no Rio de Janeiro, autor de O Ato e o Fato (1964).
Diz ele que foi à rua, no dia 1º de abril, quando informado de que havia uma revolução, e lá estava
quando “foi anunciada a vitória dos rebeldes”. A notícia o surpreendeu quando soube que “os rebeldes
eram homens como Eugenio Gudin, Augusto Frederico Schmidt, almirante Pena Boto, Marechal Gaspar
Dutra”. Contudo, na rua ele viu “senhoras de terço na mão, chorando porque a ‘revolução’ foi ganha por
nós”. Cony “confessa que esperava ver o povo e a história” sendo feita, mas o relato do que viu naquele
momento o atual ocupante da Cadeira nº 3 da ABL é cinematográfico:

E vejo. Vejo um heroico general, à paisana, comandar alguns rapazes


naquilo que mais tarde o repórter da TV‑Rio chamou de “gloriosa barricada”.
Os rapazes arrancam bancos e árvores. Impedem o cruzamento da Av.
Atlântica com a rua Joaquim Nabuco. Mas o general destina‑se à missão
mais importante e gloriosa: apanha dois paralelepípedos e concentra‑se na
brava façanha de colocar um em cima do outro. [Perguntando ao general
o porquê, ouve a resposta] — “Isso é para impedir os tanques do I Exército!”
(CONY, 1964, grifo do autor).

Depois, em companhia de Carlos Drummond de Andrade, que também foi à rua, continua Cony:

Ouço pelo rádio que os dois paralelepípedos do general foram eficazes: o I


Exército, em sabendo que havia tão sólida resistência, desistiu do vexame:
aderiu aos que se chamavam de rebeldes [...]. Os rapazes de Copacabana,
belos espécimes de nossa sadia juventude, bem nutridos, bem fumados, bem
motorizados, erguem o general em triunfo. Vejo o bravo cabo de guerra
passar em glória sobre minha cabeça (Idem).

Em seu livro de crônicas políticas, quase diárias, Cony se posiciona não somente como testemunha do
que se poderia designar pelo clichê “evolução dos acontecimentos”, mas principalmente como analista
das práticas de poder em curso. É desse ângulo que ele nota a mudança de titulação do grupo de poder,
de rebeldes, para comando revolucionário, e, finalmente, após o Ato Institucional, na autoimposição no
poder se conferindo o título de Alto Comando Revolucionário.

O movimento instituía pelo Ato uma radical alteração na configuração constitucional do país, mas
lhe faltava legitimidade, reconhecimento popular que vem no bojo de um processo histórico e social.
Desse modo, o Ato instaurava um fato, o momento de uma torção nos dispositivos de poder em curso,
155
Unidade II

mesmo porque, deposto o presidente, não foi dada posse ao vice (Pedro Aleixo), que seria o sucessor pela
Constituição. A suposta legalidade do Ato instaurava a tirania, contudo, essa designação não convinha
a um golpe que se dizia democrático e, consequentemente, como apresentar a situação criada? Cony
(1964, p. 15) descreve esse dilema com ironia:

Lendo o preâmbulo do Ato tive repugnância pelos seus relatores. Mas tive de
sorrir ante a dificuldade com que o Alto Comando se deparou: “promulgava”
ou “dava” um Ato Institucional à Nação? Os juristas de sempre, sempre
subservientes, cooperaram com suas luzes: e arranjaram o termo antigo,
romano: “editar”. E o Alto Comando editou.

Não cabe aqui analisar a vasta bibliografia que foi produzida desde os anos 1970 sobre a participação
dos militares brasileiros na política. Contudo, alguns aspectos fundamentais a essa cooperação devem
ser apontados, ainda que resumidamente, na medida em que não só o movimento sinalizou uma torção
nos dispositivos de poder, como também emprestou um perfil peculiar sujeito da ordem e de seu avesso.

No que respeita aos dispositivos de poder, a convivência entre militares e civis na condução da política
apresentava uma dinâmica peculiar, na qual militares, conquanto heterogêneos, deveriam ser politizados;
os civis os reconheciam na condução da política, na arbitragem pela intervenção em situações mais
complexas, formando o que Stepan (1975, p. 51) caracterizou como “coalizão golpista vencedora”. Na
dinâmica estabelecida, o exercício do poder pelos militares por longo tempo seria considerado ilegítimo
por setores dos dois grupos, o que levaria à cooptação de civis para liderança política, assim como civis
recorreram aos militares para condução de ações consideradas necessárias, tanto para manutenção da
ordem quanto refreando as forças de reforma que abalariam privilégios e interesses.

Essa dinâmica peculiar fazia que os dois segmentos partilhassem de um mesmo universo de ideias
e valores, ainda que a partir de perspectivas distintas (civil e militar). A construção da necessária
weltanshauugen em comum foi a tarefa sistemática à qual se dedicou o G. al. Golbery do Couto e Silva,
mas sua política de segurança nacional é menos geopolítica que ideológica, seu pensamento é marcado
pelo medo, por isso, como afirma Ferreira (2004, p. 20), “a noção de guerra subversiva fazendo que seu
liberalismo seja hobbesiano, sem cidadãos. É a segurança que o inspira”.

Nesse contexto, tanto a ideia de liberdade quanto a de propriedade adquirem dimensão instrumental,
à disposição do Estado, ou do planejamento, visando aos objetivos nacionais permanentes. Ao longo de
sua análise, o autor ainda comenta que o povo não é ator da História, nem a sociedade civil, cujas forças
hegemônicas não são reconhecidas. “Por isso, e também por não saber fundir a vontade organizadora
num projeto autenticamente democrático, nacional e popular – participativo –, a revolução que sugere
em Geopolítica do Brasil é a revolução do Estado contra a sociedade” (Ibidem, 24). Nesses termos, o
grupo que assumiu o Estado “retira sua legalidade do próprio Estado, mas não tem força social em que
se apoiar para buscar legitimidade de sua dominação” (Ibidem, p. 56‑57).

É nesse quadro que a busca por legitimidade vai ser encetada na direção do que os militares
chamavam de “poder psicossocial”, ou o nível dos valores, dos supostos objetivos coletivos.

156
Pensamento Social Brasileiro

Uma estratégia psicossocial teria, então, que ser construída a partir da


compreensão da estrutura e das dinâmicas sociais e psicológicas, as
quais envolveriam o desenvolvimento de formas de atuação sobre os
padrões culturais, atitudes sociais e mentalidades de todos os brasileiros
(REZENDE, 2013, p. 40).

O “desenvolvimento econômico” constituía, na política militar, a dimensão material da “legitimidade”


buscada; para tanto, os planos econômicos desenvolvidos pelo sistema de planejamento cumpriam a
dupla finalidade de confirmar aceitação e colaboração financeira do grande empresariado nacional
(OBAN). Isso englobava os segmentos vinculados à internacionalização da economia, com ampliação
da presença do Estado (crescimento do sistema nacional de planejamento), vantagens para as elites
e classe média – apesar do arrocho salarial –, expansão da fronteira econômica pela Amazônia e pelo
cerrado, construção de grandes projetos hidrelétricos, expansão da rede de comunicações via satélite,
permitindo suporte midiático à ditadura, por agências de publicidade e empresas de comunicação.
Outros elementos fundamentais na instalação, sustentação e continuidade do regime foram: o apoio
financeiro, político e técnico dos EUA às ditaduras do chamado Cone Sul, inclusive no Brasil, propiciado
pela Operação Condor.

Enquanto as reformas introduzidas em todos os setores supostamente visavam tornar a sociedade


brasileira homogênea, silenciando as contradições e diferenças, o modelo de economia excludente
instaurado mantinha privilégios em relação à estrutura fundiária e expandia a industrialização à custa do
“arrocho salarial”. Essa política de “fazer crescer o bolo para depois dividir” acentuava todos os problemas
objeto das reivindicações populares, e com as quais também os jovens estudantes e universitários,
inclusive de classe média, se solidarizavam, como a demanda por moradia, por educação pública e pela
reforma agrária. A análise dos processos sociais e históricos que geraram as questões que justificavam
as reivindicações deveria ser abolida, e as reivindicações silenciadas em nome da homogeneidade
autoritária.

A introdução da disciplina Problemas Brasileiros nos cursos universitários teve um caráter decorrente
dessa preocupação de apagar o entendimento das contradições sociais – perceptíveis no cotidiano –
como resultantes engendradas na história da formação social brasileira. As diferenças sociais deveriam ser
focalizadas como “problemas” solucionáveis pelo planejamento do “governo democrático” instaurado:
casa popular, pelo remanejamento e “urbanização” das favelas; estabilidade no emprego, pelo FGTS;
o analfabetismo e falta de escolas de bom nível, pelo Mobral e educação privada; reforma agrária,
pelos projetos de colonização associados à expansão da fronteira agrícola pelas terras da Amazônia e
do cerrado. Assim, uma série de projetos compôs o que a mídia, na análise das aparências, chamou de
projetos de impacto do milagre brasileiro. Coimbra (2000) sintetiza esse ambiente trazido às telas da TV,
especialmente pela Rede Globo:

Vendia‑se massivamente a imagem do Brasil como a “ilha de tranquilidade”,


de “progresso”, de “bem‑estar” e de euforia. Vivia‑se um clima de ufanismo
com a classe média, ascendendo e aproveitando‑se das sobras do “milagre”. Ao
som do pregão das Bolsas de Valores e do slogan “Brasil: ame‑o ou deixe‑o”,
a ascendente classe média vivia momentos inesquecíveis de consumismo
157
Unidade II

com a “modernização”, levada ao ritmo de “Brasil Grande”. [...] Foi produzida


uma aceitação quase unânime das regras do sistema: a população passava a
aceitar passivamente que compete ao governo a resolução dos problemas; a
nós, compete trabalhar e/ou estudar e não nos imiscuir em política (Ibidem,
grifo do autor).

Duas modalidades de poder‑saber compunham um campo “de fora” dessa ordem: de um lado, o
poder dos intelectuais não comprometidos; de outro, o poder dos artistas, dos não cooptados. A arte,
em uma acepção mais ampla do termo, mantinha‑se a distância do jogo de poder na formação social,
posição que permitia, a todas as suas modalidades, o exercício da comunicação crítica. As formas de
resistência política, os núcleos e organizações de militância, assim como os movimentos de guerrilha
integravam desde o início do Golpe o campo mais explícito e consequente de oposição e de resistência
ao modelo autoritário instalado. Nesse campo, tanto homens quanto mulheres se construíam como
sujeitos na disposição de fazer história, por isso não podem ser considerados como “de fora”, nem
mesmo como a outra face do modelo instaurado, mas como sua radical alternativa. Exatamente por isso
todos os movimentos foram considerados na qualidade de subversão da ordem, e seus integrantes tidos
como criminosos.

Ao lado do discurso legitimador da Ditadura, na produção teatral e na música brasileira popular


encontra‑se a reflexão crítica em letras antológicas da música nacional, mas outras revelam o adesismo
às condições favoráveis à classe média que se instalava com o regime. No âmbito da produção
cinematográfica do período, ao lado da lucidez dos filmes de Glauber e de outros integrantes do
Cinema Novo, constata‑se a “representificação” da figura de poder a partir da relação poder, riqueza e
sexualidade, principalmente nos filmes da chamada “pornochanchada” e alguns da “boca do lixo”.

Dentre os filmes disponíveis relativos ao período, Operação Condor aponta e discute os interesses
externos, precisamente dos EUA, na condução de “governos favoráveis” no Cone Sul, por questões
estratégicas relacionadas em parte à Guerra Fria, e à manutenção da posição hegemônica de “Grande
Irmão”. Esse tema tem sido focalizado em vários trabalhos, dentre eles o livro de Parker (1977): 1964: O
Papel dos Estados Unidos no Golpe de Estado de 31 de Março. A autora investiga a policy do governo
norte‑americano no Golpe de 1964, mas começa em 1958, com a proposta de JK para uma ação em
todo o continente sul‑americano, visando melhorar as condições precárias de existência, tendo em vista
o risco de perder Cuba, como de fato ocorreu em 1959.

A Revolução parece ter acelerado o interesse no progresso latino‑americano. Em 1961, JK lançou o


Programa Aliança para o Progresso, cujo objetivo seria o desenvolvimento democrático desses países,
com substancial ajuda do norte.

Parker, ao tratar da política externa brasileira, coloca entre aspas a expressão “política externa
independente”, mostrando ao longo dos capítulos a tecitura de interesses, o controle ideológico, e certa
subserviência dos militares brasileiros e de civis ao Departamento de Estado e à CIA:

Lincoln Gordon, então embaixador dos EUA no Brasil, Werner Walters, adido militar, e outras
personagens avaliam, apreciam, recomendam, financiam campanhas eleitorais, reprovam tendências e
158
Pensamento Social Brasileiro

personagens da política brasileira, em última instância, realizam a tecitura do que seria o Golpe, inclusive
escolhendo seu líder e condutor da política econômica: Castello Branco e Roberto Campos. Contudo,
a autora afirma a decepção do embaixador (Lincoln Gordon) com os rumos da política brasileira, e
continua:

Não há provas sugestivas de que a assistência econômica dos Estados


Unidos tenha causado a queda de Goulart. Há evidência de que a ajuda dos
Estados Unidos enfraqueceu ainda mais um Governo central já fraco, não
somente negando assistência ao governo de Goulart – que os Estados Unidos
achavam que não tinha capacidade ou condição para utilizar a ajuda de
maneira responsável – mas também passando efetivamente por cima desse
governo ao tratar diretamente com outros grupos, líderes e instituições do
país, apoiando‑os claramente, ao conceder frequentemente essa assistência
aos elementos da sociedade brasileira que finalmente derrubaram Goulart
(PARKER, 1977, p. 123).

Instaurado o regime, os militares deram início a uma onda de perseguições e prisões dos chamados
“subversivos”, “perigosos comunistas” e outros tantos, e o cronista Sergio Porto, ou Stanislaw Ponte Preta,
seu pseudônimo, ironizou o movimento lançando em 1964 o Febeapá: Festival de Besteira que Assola
o País. Nessa época, um livro de nome estranho, Mater et Magistra, de capa vermelha, foi considerado
prova do “comunismo” de seu proprietário, e os fuzis de madeira foram fotografados como “prova” das
armas existentes na UNE, fatos que demonstravam a “cultura” e intenções dos investigadores, policiais,
e de seus comandantes.

A caça aos comunistas também fez vítimas entre empresas, como demonstra o documentário Panair
do Brasil, um escandaloso processo de falência imposta pelo governo a uma empresa aérea de renome e
tradição. Em 1984, a falência foi julgada uma fraude pelo STF, “mas já era um pouco tarde demais”, informa
o site da empresa. Segundo Sasaki (2012), o “perigo” da Panair residia no fato de seus donos serem:

[...] muito próximos ao ex‑presidente Juscelino Kubitschek e pretendiam


financiar sua candidatura nas eleições seguintes. Legalistas, tinham ficado
marcados pelos militares por causa do apoio à posse de João Goulart três
anos antes. Uma a uma, suas empresas passaram a sofrer intervenções ou
sérias restrições de crédito.

Os movimentos organizados de oposição agitavam as cidades com assaltos ou expropriações para


obtenção de fundos, enquanto a polícia e militares prendiam, sequestravam e matavam militantes,
estudantes e trabalhadores. Laque (2010) descreve a trajetória de um dos importantes membros dessas
organizações de resistência armada, a Val Palmares, Pedro Lobo de Oliveira, responsável pelo comando
que “justiçou” o capitão Chandler, supostamente agente da CIA e mestre em tortura.

Na verdade, pode ser que Chandler não fosse parte do “programa de ajuda externa” dos EUA ao
Brasil, visto que muitos militares brasileiros frequentaram os cursos da School of the Americas (SOA),
cujo currículo, segundo Aluizio Palmar (2012):
159
Unidade II

[...] inclui cursos de guerra psicológica, contra insurreição, técnicas de


interrogatório e táticas de infantaria e comandos. Dispondo das mais
sofisticadas e modernas técnicas dos melhores instrutores do exército dos
EUA, esses cursos ensinam oficiais e soldados de países do terceiro mundo
como subverter a verdade, silenciar sindicalistas, clero militante, e jornalistas,
e mover guerra contra seu próprio povo. Prepara‑os para subjugar as vozes
dissidentes e fazer com que os que protestam desistam. Os instrui em
técnicas de marginalização dos pobres, dos famintos, e dos despossuídos.
Diz a eles como sufocar a liberdade e aterrorizar seus próprios cidadãos.

O documentário Cidadão Boilesen focaliza outro “justiçado”, agora um empresário, presidente


do Grupo Ultra, dinamarquês, “pessoa afável e alegre”, segundo se diz no documentário, mas que
não somente financiou a Oban (Operação Bandeirantes), organização privada, de caça e tortura de
supostos comunistas, como também se comprazia em torturar ele mesmo os presos em “investigação”
ou em presenciar tais sessões. Boilesen era amigo do delegado Sergio Paranhos Fleury e o visitava
nas instalações do DOI‑Codi, época em que Fleury assumiu sua direção. A instituição especializada na
segurança interna, ou seja, em caçar, torturar, fazer desaparecer ou “suicidar” supostos comunistas,
como foi feito com Vlado, Manuel Fiel Filho e tantos outros.

A prática da tortura, mesmo por parte das patentes inferiores, não exime de responsabilidade
aqueles militares que se afirmavam defensores da democracia e do cristianismo: não foi o general
Ednardo quem matou Vlado, nem foi ele quem amarrou o corpo a uma grade, mas ele sistematicamente
oferecia encobrimento à tortura como processo de investigação. Haveria alguma vantagem a ser
extraída dessa atitude? Talvez não, mas possivelmente havia um não confessado medo, e todo e
qualquer acusado de comunismo constituía um “inimigo interno” que precisava ser extirpado da
“democracia de farda”, porque representava um perigo, era a maçã podre em meio à homogeneidade
saudável do poder psicossocial.

“Ordens são ordens” é o lema desses pequenos covardes, assim como “manda quem pode, obedece
quem tem juízo” é outra regra, e finalmente ditos como: “era o meu trabalho”.

Essas regras eram várias vezes repetidas no Tribunal de Nuremberg e nos tribunais simbólicos, como
o de Bertrand Russell, e o que aparece no documentário Em Nome da Segurança Nacional.

Não se pode dizer que o período tenha propiciado o aparecimento de figuras do heroísmo
romântico, também as personagens não são de aventureiros, nem de “comunistas empedernidos”.
São jovens corajosos, não são “os idealistas”, um rótulo que os apequena nas conversas da classe
média, são sujeitos confiantes na causa revolucionária e na solução armada. Esse perfil, que
aparece em O Que É Isso, Companheiro?, é discutido pelos participantes muito tempo depois, em
Hércules 56. Nessa discussão, faltavam alguns companheiros do sequestro, especialmente aquele
que assumira o “comando da operação” e que fora morto pelos militares ao retornar ao Brasil.
Apesar do improviso em alguns momentos, dos enganos em outros, todos esses homens jovens
fizeram história, ou, pelo menos, uma parte dela, e nesses momentos deram esperança à maioria
dos jovens brasileiros.
160
Pensamento Social Brasileiro

Na verdade, faltava esperança naqueles tempos, não por acaso denominados “anos de chumbo”. O
ambiente de suspeita e delação estimulava o medo, exatamente o sentimento do qual partira Golbery
na elaboração de sua teoria de segurança nacional, da democracia sem povo.

Não é raro encontrar entre os jovens de hoje o olhar que apenas enxerga do tricampeonato. Talvez
a história lhes tenha sido roubada. Afinal, por que se ocupar do passado?

O fim dos anos 1970 marca decididamente o desgaste do regime, tendo início as negociações políticas
em torno da chamada “abertura gradual”, projeto do carrancudo presidente Geisel, mas continuado pelo
truculento João Baptista Figueiredo. Alguns nomes da “velha tradição liberal” entraram em campo,
articulando a Lei da Anistia, como: Teotônio Villela, Tancredo Neves, Sobral Pinto, Barbosa Lima Sobrinho,
Ulysses Guimarães, dentre muitos outros. A esses nomes devem ser acrescidos os religiosos: Dom Helder
Câmara, cardeal Paulo Evaristo Arns e o reverendo Jaime Wright, da Igreja Presbiteriana, os dois últimos,
juntamente com o escritório de Sobral Pinto, responsáveis pelo Projeto Brasil Nunca Mais!

8 Pensamento social brasileiro, democracia à brasileira no


neoliberalismo e no pós‑neoliberalismo

A restauração do regime representativo, embora nos moldes da democracia à brasileira, ocorreu após
inúmeros “showmícios” a favor das eleições diretas, muitos palanques, discursos, conversas mineiras e
paulistas em tons diferentes. Estranhamente, figuras que defendiam a chamada “Revolução” estavam
agora nos comícios, tornaram‑se arautos da democracia e outros títulos assemelhados. Do ponto de vista
político, as tendências ideológicas que marcaram o século passado, comunismo, socialismo, liberalismo,
perderam o poder de orientar concepções de mundo distintas, e o antagonismo foi esvaziado com o
desmonte da URSS. Diante das novas condições políticas e econômicas cabia a pergunta de Drummond:
“E agora, José?”

Passado o luto pela morte de Tancredo Neves, em 1985 José Sarney assume a presidência. O
maranhense era dono de longa carreira política, ex‑presidente da Arena, depois membro PMDB e membro
da ABL. Seguiu‑se um curto período de campanha para eleição à Assembleia Nacional Constituinte, que
iniciou os trabalhos em 1987 e concluiu em 1988, ano de promulgação da nova CF.

Desde meados dos anos 1970 a economia capitalista entrara em expansão global, movida por elevação
das taxas de acumulação graças às inovações tecnológicas. O processo denominado globalização teve
como fator da própria dinâmica a derrubada de fronteiras econômicas nacionais, acarretando grandes
fluxos migratórios, esvaziamento do próprio Estado e dos controles exercidos. Registrou‑se diminuição
acentuada dos postos de trabalho, em paralelo a taxas de acumulação crescentes, resultando elevadas
taxas de desemprego, especialmente nos setores industriais, que rapidamente incorporaram robôs nas
linhas de montagem, ou no setor de serviços, nos quais as tecnologias substituíram as ocupações de
atendimento ao público.

Esses processos constituíram um dos principais motivos para o término do regime militar, na
medida em que afetaram o quadro de sucesso econômico que favorecera as elites e a classe média alta,
sustentáculos internos do regime. Nessas condições, para Bresser Pereira (1979, p. 26):
161
Unidade II

Quando o Estado desenvolvimentista, que fora tão bem‑sucedido em


promover o desenvolvimento nacional, entrou em crise nos anos 1980,
nossas elites perderam rumo. Nesse momento, a ideologia neoliberal,
senão ultraliberal, tornara‑se dominante em Washington e Nova York, e se
transformava em ofensiva sobre os países em desenvolvimento.

Muito embora as forças políticas que precipitaram a redemocratização fossem justamente


constituídas pelos segmentos dos trabalhadores mais afetados pela crise interna, provocada pela
globalização, a opção do eleitorado se voltou para os partidos liberais e conservadores (Collor de Mello,
PRN, sucedido por Itamar Franco, do mesmo partido, e depois Fernando Henrique, do PSDB), aliás, essa
era uma tendência que se mantinha desde antes do Golpe.

A preferência do eleitorado em 1989 foi pelo político jovem, bem‑falante, relativamente bonito,
defensor da moralidade, da modernidade internacional e da democracia cristã nacional, o grande
acusador da “corrupção que grassa no mar de lama do governo”, denunciante dos privilégios das
elites em detrimento dos interesses do povo; um modelo que correspondia às exigências televisivas
e ideológicas; ele não se dirigia ao “povo”, mas “à minha gente”, utilizando expressões atualizadas,
como “mordomia”.

Um processo rumoroso, com ampla participação popular e efeitos de mídia, com o uso das cores
nacionais – rosto pintado em verde e amarelo –, ou uso do preto para reprovação, emprestou significação
ao impeachment do presidente por corrupção.

Outro modelo de político subiu ao poder em 1995, FHC, um brilhante intelectual, elegante, político
experiente, enfim, um príncipe. Com ele, o Brasil se tornara “pós‑moderno”, embora essa expressão não
fosse utilizada por ele, mas havia um outro Brasil alvo de políticas públicas, da economia solidária, das
ONGs e projetos de inclusão social. Em 2002, ao fim do governo FHC, Bresser Pereira, que participara do
governo anteriormente, e figura insuspeita para apreciações sobre as elites brasileiras, perguntava‑se:

Se o erro de agenda, privilegiando o combate da inflação e não o


desequilíbrio externo foi resultado do Segundo Consenso de Washington,
por que o Brasil aceitou sem crítica esse consenso? Minha resposta a esta
pergunta só pode ser uma: porque não apenas as autoridades econômicas,
mas, mais geralmente, as elites brasileiras demonstraram‑se alienadas,
incapazes de definir e defender o interesse nacional. A política econômica
no governo Fernando Henrique foi desastrosa na medida em que refletiu a
incapacidade das elites brasileiras de pensar por conta própria e de criticar
o Segundo Consenso de Washington. [...] Este é um problema cultural
difícil de ser solucionado, especialmente enquanto as elites brasileiras se
revelarem incapazes de se identificar com a própria nação. Minha impressão,
entretanto, é a de que os pobres, ou o povo, têm avançado nesta matéria.
São capazes de absorver a cultura estrangeira e incorporá‑la criativamente
na nossa própria cultura (BRESSER PEREIRA, 1979, p. 25).

162
Pensamento Social Brasileiro

Seria simplista dizer que foi realmente o que aconteceu: em 2003 FHC é substituído por Luís Inácio
Lula da Silva, do PT, partido resultante das greves que abalaram o ABC em 1978 e 1981. As reivindicações
nessa época apareceram em 2003 na campanha eleitoral, e se repetiriam na campanha pela reeleição.

Entre os anos da greve e a ascensão do líder sindical ao poder, em 2002, houve mudanças significativas
na formação social, resultantes da opção neoliberal dos governos Collor e FHC. O desafio a ser enfrentado
pelo novo presidente residia em desenvolver uma política pós‑neoliberal, com as heranças deixadas
pelas políticas anteriores, mas com a promessa de primeiro fazer o necessário, depois o possível e,
quando menos imaginar, “o impossível”. Segundo Sader (2013, p. 139):

[...] a construção da hegemonia política do governo foi produto da intuição


e do pragmatismo do Lula como presidente. Ele combinou estabilidade
monetária e retomada do desenvolvimento econômico e políticas de
distribuição de renda, que assumiu centralidade nas políticas de governo.
Essa combinação é a chave do enigma Lula.

Era um novo tipo de político, recebia críticas de todos os lados, mas precisava fazer política, o que
significava articular, encontrar pontos de apoio, como foi a escolha do vice, José de Alencar. Em suas
articulações, ele sempre deixou claro que governava para todos, mas que seu olhar preferencial era
voltado para a classe mais pobre do Brasil.

Em 2004, Coutinho lançou Peões, filme rodado em 2002 às vésperas da eleição de Lula à presidência.
O interesse do filme reside nos depoimentos de antigos companheiros de luta, então fora da política, dos
sindicatos e movimentos sociais. São trabalhadores, quase anônimos, aposentados, mas que guardam
do tempo das greves a lembrança orgulhosa da militância. Nos dizeres dessas personagens é resgatada
a figura do líder sindical, companheiro que à época era o presidente eleito. Na verdade, entre o período
das greves e a eleição para o primeiro mandato, houve mudança sensível na figura de Lula, ele não era
mais o companheiro, mas ainda mantinha certos traços que remetiam àquele tempo.

Dois filmes completam esse perfil: Lula, filho do Brasil, e O Mundo Segundo Lula. O primeiro
relata a penosa trajetória do presidente, desde a infância à posição de líder sindical; o segundo, uma
produção francesa, procura compreender as propostas do presidente eleito especialmente em relação à
política internacional. O filme realizado em 2003 não focaliza os resultados alcançados, mas explora as
dificuldades que se apresentavam.

Seus opositores brasileiros nunca o perdoaram por faltar‑lhe a origem da elite, o brilho acadêmico,
o savoir faire, enfim, todos os atributos que, na história brasileira, estavam associados aos políticos,
especialmente da região sudeste, mas Lula ainda é nordestino, para completar. Em compensação,
no exterior, cresceu o interesse por essa figura que montara uma equipe capaz de fazer frente ao
pós‑neoliberalismo.

A oposição política interna ao país desenvolveu sistemática campanha de descrédito ao governo


Lula e ao partido, PT: os processos judiciais por corrupção, suborno e outras falcatruas ocuparam a
imprensa e os juristas, e os tribunais foram transformados em capítulos de uma novela de mau gosto.
163
Unidade II

Tomada por uma febre moralista, a oposição agitou os meios de comunicação, ocupou as redes sociais
com palavras de ordem e acusações, pretendendo desacreditar o partido, as políticas adotadas e tudo o
que dissesse respeito ao PT.

Em 2011, o PT elegeu a primeira mulher presidente do Brasil: Dilma Roussef, economista,


ex‑guerrilheira, presa e torturada pela ditadura militar civil. Dois anos depois, eclodiram manifestações
políticas e reivindicações em todas as capitais e centros urbanos de destaque. Eram exigências por
melhores condições de vida, críticas aos ineficazes serviços públicos (saúde, habitação, educação,
transporte, energia) e oposição ao aumento da passagem de ônibus.

Em 2014, Dilma conseguiu se reeleger, mas não contou com a maioria no Legislativo. Nova
onda de acusações de caráter moral atingiu setores do governo, bancos e a principal empresa
brasileira: a Petrobras. A direita veio às ruas, batendo panelas, exigindo o impeachment. Em São
Paulo, algumas pessoas até pleitearam o retorno da ditadura, outras, mais cuidadosas, discutiram
a viabilidade jurídica e política de um novo impeachment. Essa febre moralista acomete
sistematicamente os brasileiros, embora contravenção e crime sejam práticas de indivíduos,
isolados ou organizados, e não de partidos políticos, que foram aprovados e reconhecidos pela
Justiça Eleitoral. Nesses termos, cabem punições aos indivíduos que praticaram tais atos, um
procedimento previsto na legislação.

De um ponto de vista mais abrangente, vale questionar o rumo impresso à política brasileira: estará
essa política voltada para toda população, para os contingentes mais amplos, ou para as elites? A
questão antiga é de difícil resposta, uma vez que a herança neoliberal deixada por Collor e FHC ainda
não foi desfeita, embora se possa falar de uma reação pós‑neoliberal, tanto no governo Lula quanto
nas políticas adotadas no período Dilma. Na verdade, superar essa herança implica, segundo Eder Sader
(2013, p. 143), superar um tipo de sociedade fundada no poder do dinheiro, da desigualdade econômica
e social supõe contar com a consciência e a mobilização popular, o que requer a democratização dos
meios de comunicação e da representação política.

8.1 O pensamento social brasileiro à guisa de conclusão

Para concluir essa trajetória do pensamento social brasileiro, vale a pena considerar modos em que
ele se apresenta como objeto de reflexão para brasileiros ou não. Nesse sentido, é possível distinguir:

• o pensamento engajado em um processo de mudança social, compreendendo tendências


ideológicas diferenciadas, mas, ainda assim, mais reformista que revolucionário. No conjunto das
tendências, um divisor parece residir na contradição entre soberania nacional e modernidade, como
se, para atingir a modernidade, fosse necessário abrir mão do conceito considerado “antiquado”
de soberania nacional.

• o pensamento voltado para o próprio modo de pensar e de agir do brasileiro, por isso ele se faz
irônico, explora as contradições presentes no cotidiano. Nessa tendência incluem‑se várias obras
e autores da literatura brasileira, como também comediantes, cronistas e humoristas.

164
Pensamento Social Brasileiro

Tomando por referência essas duas modalidades de pensamento social, podem‑se apontar variações
em cada uma delas, seja conforme o momento histórico, personagens focalizadas, seja conforme noções
diferenciadas em relação às práticas políticas e sociais.

Estudaremos a seguir essas duas modalidades, mas apenas em alguns dos aspectos cabíveis, deixando
a sugestão para futuras pesquisas.

O pensamento voltado para a ação política de mudança foi considerado utópico quando focalizado
a partir de um sujeito em particular, o estudante universitário. Esse prisma, foi estudado por Bresser
Pereira (1979), contudo não englobando apenas propostas impossíveis, mas de difícil implantação.
Segundo o autor, a dificuldade estaria associada ao repúdio de todo jovem à “hipocrisia” do mundo
dos adultos. A intolerância dos jovens teria crescido nos anos 1960, atingindo um nível insuportável, e
explodido nas manifestações do fim dos anos 1960 nas capitais do mundo desenvolvido e também no
Brasil. Mas aqui o Golpe Militar e o regime crescentemente repressivo, que se instalou a partir de 1964,
induziram mudanças na constituição e expressão ideológica do segmento “jovem” da formação social.

Na verdade, rapidamente a política econômica excludente promoveu ascensão da classe média e


acesso ao consumo, embora desde o início tenha se instalado a repressão política. Essa combinação de
fatores se refletiu diretamente nas trajetórias assumidas pelos “jovens” na formação social, especialmente
no que respeita às perspectivas ideológicas adotadas e às práticas delas decorrentes.

Enquanto “os estudantes universitários” prosseguiam durante alguns anos em sua luta política,
sofrendo as consequências nas prisões e nas ruas, outro segmento vai se formando na mídia e nas
certidões de idade: “jovens” são então os mais jovens, aqueles alimentados por outros “discursos de
verdade”, das aulas de “moral e cívica” e “estudos de problemas brasileiros”. Na verdade, eles integram
a “Guarda Jovem” da Ditadura, crentes do “milagre brasileiro”, suas preocupações se resumem aos
“carrões”, “calhambeques”, em “amar o Brasil” e a mandar “tudo o mais para o inferno”.

Considerando‑se que entre um segmento e outro, em média, havia quatro anos de diferença, os
iniciantes nas universidades aos 18 anos em 1960 completavam 22 anos no fim. Em 1960, possivelmente
entendiam (e cantavam) Carcará (João do Vale e José Cândido), enquanto os novos iniciantes na
universidade cantavam e apludiam Quero que vá tudo para o inferno (Roberto Carlos e Erasmo Carlos).

É importante reconhecer a existência de diversidade política entre os jovens, especialmente entre


universitários, comumente apontados identificados como um grupo coeso de rebeldes, inconformados
e outros jargões. Em São Paulo, a grande imprensa associava os “novos estudantes” aos outros grupos
de “jovens idealistas” dos anos 1920 e 1930, sobretudo aos que participaram da política, dentre eles o
grupo MMDC, da Revolução de 1932.

Contudo, esse passado de 1932, até certo ponto heróico, já desaparecera no horizonte da sucessão
de populismos e conivências, tanto que logo os jovens universitários brasileiros, de 1964 em diante,
passaram a ser apontados como “terroristas”. O passado da “gloriosa juventude paulista” abrangia os
integralistas orgulhosos de suas camisas verdes, assim como nos anos 1960, abrangia os mackenzistas
do CCC (Comando de Caça aos Comunistas), que atiravam nos estudantes da rua Maria Antonia, e os
165
Unidade II

jovens da organização Tradição Família e Propriedade, que agitavam suas bandeiras vermelhas, arremedo
constrangedor, fora da história e da circunstância dos Templários.

Por seu turno, o discurso que fundamentava a rebeldia política dos jovens era principalmente
generoso, comprometido com mudanças sociais que, de um lado, corrigiriam as desigualdades brasileiras
pela ação planejada do Estado; de outro lado, estimulariam os brasileiros na tomada de consciência da
realidade nacional e da cultura popular. Esse propósito seria atingido pela ação planejada de grupos de
intelectuais comprometidos e jovens universitários.

O apego à interpretação e análise da realidade brasileira fortaleceu nos jovens a adoção da postura
política, tornando‑os participantes do cenário político e universitário brasileiro, ainda que em trajetórias
políticas distintas. Se os jovens descobriram a dimensão política de suas vidas, construíam no imaginário
um projeto de futuro que ultrapassava os limites da individualidade; exatamente por isso, ampliavam
essa mesma individualidade vinculando‑a à história da sociedade brasileira e se aproximavam do “povo”
com um discurso mediatizado, de “conscientização” do outro. Essa mensagem pressupunha como sujeito
das práticas o outro (o povo), mas que seria incapaz de conduzir ele próprio sua “trajetória de libertação”
sem a “aliança” com outros setores sociais, especialmente os “intelectuais” que, voltados para o público,
pertenciam de fato às elites e à classe média.

O debate em torno da cultura popular se apresentava nesse campo como elemento de fundamental
importância política. Em que pesem divergências internas, a UNE desenvolveu pelo CPC programas de
elaboração, estímulo e produção cultural que renovaram a cultura brasileira, correspodendo, no dizer de
Carlos Estevam (1963, p. 4‑5), a:

[...] uma forma legítima de trabalho revolucionário, na medida em que tem por
objetivo acelerar a velocidade com que se transformam os suportes materiais
da sociedade [...] não se trata, pois, de revolucionar a cultura existente,
eliminando‑a e substituindo‑a por uma outra qualitativamente nova.

Manoel T. Berlinck (1984) estudou o CPC da UNE, movimento cujos integrantes tiveram papel
decisivo na cultura brasileira, dentre eles Oduvaldo Vianna Filho, Glauber Rocha, Cacá Diegues, Leon
Hirszman. Em sua pesquisa, o autor conclui que o papel de uma política cultural, nos moldes do CPC,
foi o de abrir espaço para o Outro, o diferente, construindo‑o como um igual em direitos, sobretudo no
direito à diferença.

O movimento estudantil universitário foi examinado mais tarde por Martins Filho (1987) em uma
dissertação de mestrado de grande significado. Nela o autor explora nuances e tendências que se
formaram no período de 1964 a 1968 no meio universitário brasileiro, mas que se projetaram nas
várias correntes posteriores em que se dividiu a esquerda brasileira. Por seu turno, as tendências da
esquerda estudantil de 1968 também se refletiam no Brasil, tornando cada vez mais difícil a passagem
das questões teóricas às ações práticas consequentes. Entretanto, há uma herança que, segundo Martins
Filho (1987, p. 204): mesmo a apatia política que tomou conta dos estudantes nos anos recentes tem‑se
revelado mais débil que a imagem construída no passado, de um movimento ativamente “progressista”,
“nacionalista” ou “revolucionário”.
166
Pensamento Social Brasileiro

De fato, quando palavras são tomadas como rótulos de algo, assim como nas embalagens, elas mais
ocultam indefinições que esclarecem conteúdos. Esse é o caso especialmente da expressão “progressista”.
Em geral a expressão se refere ao avanço para diante, marcha para frente, o que supõe a colocação de
um futuro melhor que o presente e muito melhor que o passado. Contudo, não se esclarece a que esse
“melhor” está referido, muito menos fica claro se a direção do avanço é aceita por todos ou não.

Para os positivistas que utilizavam a expressão e a associavam à ordem, progresso seria o avanço
da razão positiva, especialmente no campo das ciências e do ordenamento moral da socioedade. Daí a
associação “ordem e progresso” na bandeira republicana. Todavia, quando se reconhece que a ordem
social é injusta, ou mesmo quando se reconhece a ordem socioal brasileira como representação do
subdesenvolvimento, deixa ter ter sentido a preservação dessa ordem, e muito menos o seu progresso...

Ainda dentro da primeira tendência apontada, cabe a produção dos intelectuais do Grupo do Itatiaia,
depois reunidos no Ibesp, e este teve fundamental importância na formação dessa tendência, em parte
já mencionada.

Essa vertente do pensamento brasileiro foi combatida, com armas e arrogância, pelos “senhores
da ditadura”, civis e militares. Esses mesmos “senhores” que invadiram a Universidade de Brasília com
a violência típica, praticamente a destruíram na época, para desespero de Darcy Ribeiro e de todos os
intelecgtuais brasileiros. Essa violência foi registrada no documentário de 2000, dirigido por Vladimir
Carvalho, Barra 68, Sem Perder a Ternura.

Os jovens descobriam a “realidade brasileira” cindida em dois brasis, e na mais pobre das partes, o
povo trabalhador, injustiçado e produtor de uma cultura ocultada, desvalorizada pelas elites, uma cultura
popular. Contudo, esse Brasil pobre não estava longe, o cinema o trouxe para perto da classe média ao
filmar as favelas, discuti‑lo no teatro, explicá‑lo em letras de música e, principalmente, estudá‑lo nas
salas de aula e nas pesquisas de campo.

Enfim, não bastava pensar o futuro como extensão do presente, e este se estender do passado. O
presente era visto como transição, primeiro passo para o futuro; participar da mudança das condições
sociais existentes parecia ser condição fundamental para viver o presente. Esse compromisso com a
mudança representava um perigo, era preciso extirpá‑lo, como foi tentado fazer em Brasília.

Curiosamente, em 1981, portanto 13 anos depois da invasão, a UnB tinha como reitor José Carlos
de Almeida Azevedo. Na editora da universidade, o Conselho Editorial era constituído por figuras
representantes de várias tendências de pensamento, inclusive Hélio Jaguaribe e José Honório Rodrigues,
ambos do Ibesp e Iseb. Foi esse Conselho que aprovou a publicação Pensamento Nacionalista e os
Cadernos de Nosso Tempo, como parte da série Biblioteca do Pensamento Republicano.

É verdade que nesse tempo, início dos anos 1980, o desgaste da Ditadura era tão visível, que o
presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maciel, foi quem estimulou a publicação da série
Pensamento Republicano. De fato, o pensamento nacionalista guardado dentro das capas de um livro
não representava perigo. Por isso, os encarregados da organização do volume, Vicente Barreto e Antonio
Paim, afirmavam na orelha do livro, com uma ponta de ironia, ou de esquecimento da história:
167
Unidade II

Ao dar por concluído o nosso trabalho, entendemos que a instituição


adequada a acolhê‑lo seria a Universidade de Brasília, pelo fato de que,
sob a competente direção do reitor José Carlos de Almeida Azevedo, vinha
procurando romper com o dogmatismo e o engajamento na área da ciência
política com o propósito de fazer emergir a diversidade de opiniões, que é
inerente e essencial à política mesma (BARRETO; PAIM, 1989).

Essa capacidade brasileira de “esquecer” o que um dia ofendeu equivale à capacidade de rir do que
constrage sempre que for lembrado, talvez seja condição para o segundo modo de pensar e de agir do
brasileiro, voltado para ele mesmo, como que ruminando, situações e ideias que o circulam.

Em 1980, Roberto Gomes, escritor, filósofo sério nas horas vagas, publicou um pequeno livro que
já passou da 10ª edição: Crítica da Razão Tupiniquim. O livro dava início à providência que o autor
mesmo indicava necessária, embora reconhecendo claramente: “Não é fácil escrever sobre algo que só
existirá se for inventado. Uma razão brasileira, não existindo atualmente, precisaria antes do mais ser
providenciada, vindo à tona” (GOMES, 1981, p. 9). O livro foi escrito porque seu autor foi resgatando
indícios nas diferentes manifestações artísticas, culturais, e “até mesmo”, diz ele com ironia, “nalguns
livros de filosofia”...

Essa modalidade de pensamento que se volta sobre si próprio se faz presente na música brasileira
popular, como pode ser ilustrado pela canção Subdesenvolvido, de Carlos Lyra e Francisco de Assis,
sobretudo na interpretação escancarada de Tom Zé. Outras do mesmo Zé mantêm o Tom de dizer o
que se deve, como em Parque Industrial, em que toda modernidade “já vem pronta engarrafada, é só
requentar e usar, porque é made, made in Brasil” Essa ironia mordaz parece ser um traço do poeta que
se vale da música: com pequeno verso de uma grande canção, Fora da ordem, Caetano Veloso diz: “Aqui
tudo parece que era ainda construção e já é ruína”; nesse flagrante do tempo que destrói na construção,
Caetano abrange a fluidez do cotidiano, das coisas “deixadas prá lá”, e de todos os frequentes dizeres
conformados.

Talvez nesse “deixar como está pra ver como é que fica” tenha origem o veio piadista do brasileiro, “que
perde o amigo para não perder a piada”, parecendo que a piada é uma espécie de pequena vingança que
antecede o conformismo: “fazer o quê?”, ou a sabedoria esperta das ruas: “malandro que é malandro não
estrila”. Ser “malandro” e ser esperto é suportar os efeitos da ordem patrimonial, da perseguição política,
das políticas de privilégios. É exercer uma consciência crítica para si, mas se fazer conhecido pelo discurso
que confirma a do Outro. Por isso, diz Gomes, não se encontra um pensamento brasileiro entre alguns
“filósofos oficiais” simplesmente porque eles “são vítimas de um discurso que não pensa, delira”.

Todavia, esse delírio não é o autêntico delírio da lucidez, daquele que desvinculado de liames convencionais
se atreve a dizer o avesso, mas o discurso concatenado pela estética, aquele que Gomes chama de razão
ornamental, tão vazio quanto o cumprimento de bom‑dia só porque já passou da meia noite.

Entretanto, o que dizer sem esse discurso? É possível filosofar sem ser em alemão? Não se trata da
língua, mas do pensamento: não adianta pensar a história brasileira comparando‑a com a francesa ou
outra qualquer. Afinal, apesar de criativos, só no Brasil foi possível a facção escravocrata de um partido
168
Pensamento Social Brasileiro

liberal, sendo o único local onde se fez uma ditadura para garantir a liberdade da família cristã. Então,
apesar de criativos, os que pensam o Brasil insistem na originalidade, na criatividade de fazerem omelete
sem quebrar os ovos.

Assim, o discurso ornamental “enfeita” a ausência de realidade, oculta intenções verdadeiras, mas
é, enfim, o discurso de palanque, não aquele da negociação mineira, pragmática, ritualística, que só
Guimarães Rosa soube descrever, e Tancredo soube pôr em prática. Nem sempre essa negociação se
resume ao “toma lá, dá cá”, nem ao “é dando que se recebe” de certos políticos nordestinos. Mais
frequente, essa modalidade de negociação envolvia acordos e consensos.

Aqui reside uma questão da maior importância, um traço peculiar ao pensamento das elites
brasileiras: a conciliação; os omeletes são servidos, mas os ovos continuam intactos. Uma conciliação
que incorpore questões de princípio não é conciliação, é derrota, não é mudança, mas permanência. É
aparência, e não essência.

No Golpe de 1964 o limite da conciliação foi rompido, sobreveio a Ditadura de 1968 em diante e,
quando desgastada, instaurou‑se novo período de negociação, dando origem a uma anistia “possível”,
dentro do jogo político, e os assassinos continuaram impunes.

Contudo, os anos que se seguiram ao Golpe trouxeram à tona algumas manifestações significativas
desse pensamento brasileiro: Sergio Porto publicou vários livros sobre o Febeapá, incluindo Garota Linha
Dura. Nas histórias do livro sobressaem as manifestações de uma “lógica militar de terceiro escalão”,
fervorosa no cumprimento do “dever cívico”, mas decididamente incapacitada por vários fatores,
inclusive pelo manejo do vernáculo. Assim, Sergio Porto (1966, p. 9) relata que em março de 1966,
em uma feira de livros na Praça Martim Afonso, em Niterói, a polícia apreendeu “vários exemplares da
encíclica papal Mater et Magistra, sob alegação de que aquilo era material subversivo”.

Na verdade, a redentora demonstrava a baixa qualificação profissional de seus fiéis servidores, mas
essa característica não estava associada à posição hierárquica, como ficou sobejamente demonstrado.
Contudo, a análise de Stanislaw revelava uma dinâmica interna à ordem social, manifestada no modo
como indivíduos a pensam, e principalmente como agem no cotidiano em face das determinações
normativas, e como as contornam, instaurando novas práticas.

Esse é o agir do jeitinho brasileiro, tema clássico de Roberto DaMatta, mas que nos distantes anos de
1961 foi tema de um húngaro, Peter Kelleman, que publicou Brasil para Principiantes. A 6ª edição data
de 1962, o que permite avaliar a repercussão do “livrinho”, como o autor o designa.

Para o autor, capítulo por capítulo, a expressão brasileira “dar um jeito” vai se constituindo uma
interpretação pessoal e pragmática das normas e convenções; ao mesmo tempo, é um traço da cultura
brasileira, encarada com certo “espírito esportivo”. Em 2000, Tunico Amancio publicou O Brasil dos
Gringos: as Imagens no Cinema.

Os dois livros apresentados poderiam oferecer um interessante confronto, porém Kelleman comenta
práticas de comportamento que ele vai descobrindo e se surpreendendo, enquanto os gringos que
169
Unidade II

olharam o país o viram como cenário onde construíram clichês e estereótipos do Brasil imaginário,
antecipadamente “conhecido” com mulatas, carnavais, sambas, Rio e selva amazônica. Essa distância
seria interessante explorar no futuro.

Talvez, seguindo a orientação de DaMatta, o húngaro estivesse discutindo traços positivos e


negativos da identidade brasileira, mas é interessante notar que mesmo o antropólogo emprega
“jogo de cintura” como metáfora para “jeitinho”, contudo parece haver uma delicada diferença entre
“dar um jeito” e “jeitinho”: a interpretação prática da norma ou das convenções está na primeira
expressão, enquanto a segunda parece remeter a uma prática inovadora, ou ao aprimoramento de
alguma já conhecida.

Vão nessa direção as conclusões de Lívia Barbosa, para quem, como antecipa o título de seu livro,
Jeitinho Brasileiro, é a arte de ser mais igual que os outros. Parece que no jeitinho o brasileiro articula
valores universais a condições particulares e pessoais, como se ele “customizasse” as normas que
presidem as relações sociais. Embora possa haver nessa direção o risco inegável do autoritarismo ou,
mais ainda, da ordem patrimonial, mas não parece ser esse o vínculo mais consistente para entender o
emprego do “jeitinho”.

Para concluir esses parágrafos finais nos quais questões emergentes apontam para caminhos ainda
mais instigantes, vale mencionar um livro publicado em 2007 com o sugestivo título de A Cabeça do
Brasileiro, de Alberto Carlos Almeida e colaboração de Clifford Young. O livro busca respostas para
questões amplas usando metodologia quantitativa. As mais gerais dessas questões estiveram em todos
os capítulos desse livro:

Até que ponto os brasileiros mostram, no cotidiano das relações


interpessoais valores compatíveis com a prática democrática? Como eles
veem as noções de igualdade, os princípios do universalismo e a obediência
às leis? Há uma base cultural emergente para a democracia brasileira? E,
sendo assim, que fatores influenciam a expansão ou erosão dessas bases?
(BARBOSA, 1992, p. 275).

Não se pode, a princípio, considerar as respostas encontradas pelo livro satisfatórias, afinal, “cabeça
do brasileiro” indica o modo de pensar, e esse é um processo histórico, enquanto a pesquisa social
por survey não tem esse alcance. Por seu turno, as tentativas de comparar resultados encontrados
para o Brasil com outros países como Espanha, Coreia, Alemanha e os EUA são desnecessárias e
poderiam ser evitadas. Como resultado das questões, fica a ideia de que o Brasil, com seus jeitinhos,
continua em processo, poder‑se‑ia dizer até que a contraposição entre moderno e arcaico foram
superadas há muito, embora ainda sirvam em uma pesquisa como esquema descritivo esquemático.
O dado mais importante revelado na pesquisa reside no fato de a cabeça do brasileiro se pensar
como sociedade, inclusive começa a se pensar em relação às suas lamentáveis elites e tentativas
de comparação...

170
Pensamento Social Brasileiro

Resumo

Nesta unidade exploramos as tendências de pensamento emergentes


na formação social espelhando as condições sociais e políticas internas
dos anos 1920, que, subsequentemente, refletiram‑se na Revolução de
1930. Nesse ambiente, duas tendências apareciam significativas e opostas:
o Partido Comunista, formado em 1922, e sob a liderança de Luis Carlos
Prestes, e a Ação Integralista Brasileira (1932), liderada por Plínio Salgado.
Nessa conjuntura, com a desarticulação da oligarquia agrária, Vargas deu
início a um duplo jogo de conciliação conservadora, que mais tarde se
consolidou no Estado Novo.

Em São Paulo, com a derrota no movimento de 1932, os paulistas


criaram a Escola de Sociologia e Política (1933), instituição privada e,
logo a seguir, a USP, instituição pública, estadual. Com os estudos desta
obra, notamos que as obras de Caio Prado Jr., Sergio Buarque de Holanda
e Gilberto Freyre são fundamentais para entender o Brasil nesses tempos
de “modernização conservadora”, tendência que se projeta para os anos
1940, quando os “liberais autoritários” modelaram a Constituição de 1946.
A pesquisa nas Ciências Sociais e, em especial, a pesquisa sociológica,
trouxeram contribuições essenciais para clarificar as transformações
em curso na sociedade brasileira, porém, do ponto de vista político, o
populismo se consolidou como tendência predominante na composição
do governo.

Nesse período, verifica‑se a elaboração sistemática de tendência


do pensamento brasileiro no âmbito de instituições comprometidas
com o desenvolvimento nacional e, em decorrência, teses reformistas
e de cunho nacionalista predominam na política brasileira. O Golpe
Militar e a subsequente Ditadura Civil Militar corresponderam a
uma estratégia dos EUA, a qual foi suportada pelos segmentos mais
autoritários das elites brasileiras. A base ideológica instaurada por
ampla campanha publicitária era o medo e a insegurança, e essas
condições fundamentavam no imaginário um autoritarismo sem
limites nem decência.

Finalmente, a obra destaca que a restauração da democracia


representativa não eliminou os problemas sociais e políticos que marcaram
a sociedade brasileira, especialmente as diferenças sociais, culturais e
econômicas acentuadas em certos aspectos pelas políticas neoliberais.

171
Unidade II

Exercícios

Questão 1. Analise o texto a seguir:

O culto a Getúlio Vargas: um “santo secular”?

Quando, em 24 de agosto de 1954, uma bala de revólver atravessou o peito de


Getúlio Vargas em pleno Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, ele, segundo sua famosa
carta‑testamento, deixava a vida para entrar na História. O gesto trágico do suicídio
forneceu munição para alimentar o mito que se construiu em torno desse líder político,
uma esfinge a desafiar permanentemente o esforço de decifração dos que ousam
aproximar‑se dela.

Ainda hoje ressoam muitas palavras que cobrem de elogios a figura de Vargas. Ao longo
do tempo ele foi cultuado principalmente por gente ligada às classes populares.

[...] Suas origens situam‑se, em larga medida, na legislação trabalhista e social


implementada em seu governo, ao lado da mobilização de recursos simbólicos para
estabelecer elos, do ponto de vista ideológico, entre o Estado e as classes trabalhadoras.
Seja como for, o atendimento, mesmo que parcial, de algumas demandas históricas
mais imediatas dos trabalhadores foi o ponto de apoio de sua política de aproximação
das massas. Sem isso e se o verbo não se convertesse em verbas, a pregação trabalhista
certamente cairia no vazio e revelar‑se‑ia ineficaz, trazendo à luz apenas o tratamento
da “questão social” como questão de polícia (algo que, de uma forma ou de outra,
perdurou, para dizer o mínimo, no decorrer dos primeiros 15 anos em que Vargas
governou o país).

O exame do período do Estado Novo, em especial, fornece a chave de acesso


ao mito Getúlio Vargas. Calcado nas realizações materiais governamentais (reais e/
ou fictícias), a imagem do ditador foi propagada por todos os cantos. A ideologia
do trabalhismo, conectada ao pensamento político autoritário que conformava a
ideologia de Estado no Brasil, atribuía a Vargas predicados extraordinários, quando
não extra‑humanos. Daí se originou uma espécie de “religião civil” empenhada em
formar um exército de fiéis seguidores de seu chefe, que, nas palavras de um dos
apologistas do regime, era o chefe de Estado de um “Estado de chefe” (CAMPOS,
1940, p. 213).

Complexos mecanismos de persuasão foram postos em funcionamento,


trabalhando com processos conscientes e inconscientes de identificação entre líder e
massas profundamente arraigados na tradição cristã. Se, para Carlyle, a exaltação da
submissão está no cerne do cristianismo, Vargas, à maneira de um herói “carlyliano”,
despontava, então, como um “santo secularizado”, “homem providencial”, chefe do

172
Pensamento Social Brasileiro

“Estado‑Providência”, que deveria inspirar o respeito e o acatamento devidos aos que


são “escolhidos do Céu”.

As massas às quais se dirigia a ideologia do trabalhismo não seriam, evidentemente, as


“massas de inversão”, que Elias Canetti considera típicas de tempos revolucionários. Pelo
contrário, o trabalhismo varguista dos anos 1930 e 1940 voltava‑se, com todo o seu poder
de sedução, para o disciplinamento e a subordinação das massas. Ele ancorava‑se, ainda
aqui, na tradição católica, que, de acordo com Canetti, consagra o temor da “massa aberta”
e da “supressão das distâncias obrigatórias”, ao mesmo tempo que reverencia uma “fonte
superior” (CANETTI, 1983, p. 61, 170/1).

E essa “fonte superior” ora era a personificação do Estado Novo, Getúlio Vargas, ora o
próprio Estado, concebido como uma extensão das virtudes pessoais do ditador. Afinal,
na ideologia autoritária, o mito da personalidade e o mito do Estado entrelaçavam‑se.
Nada de mais, se levarmos em conta quantas vezes, na história, os “santos seculares”
apareceram em meio à deificação do Estado – no caso brasileiro, o “Estado Nacional”.
Não é à toa que a política trabalhista da ditadura reforçará a todo momento, ao se
dirigir aos trabalhadores, a necessidade de fidelidade em relação às ordens emanadas do
chefe. Centro simbólico da vida política nacional da época, Vargas como que eclipsava
seus parceiros ou adversários do jogo político, sendo estes condenados a desempenhar
o papel de personagens satélites. Quanto às classes trabalhadoras, convertidas na
retórica oficial numa legião de seguidores de seu “guia genial”, delas esperavam‑se
crença, obediência e disponibilidade para a ação em defesa, acima de tudo, de seu
“salvador”. Logo se vê que essa ladainha exalava forte conteúdo religioso, nos moldes
de uma religião secular ou civil.

O texto faz referência a Getúlio Vargas, que governou o Brasil no período de 1930 a 1945. Sobre o
período Vargas, podemos afirmar que:

I – A ideia de progresso, que fundamentava o discurso político, paulatinamente foi substituída


pela ideia de desenvolvimento, estreitamente relacionada à industrialização, ao consumo de bens e
produtos, e pelo nacionalismo, um aspecto associado ao papel do Estado na economia, mas referido
como “governo”.

II – A propaganda, arma da Guerra Fria, criou uma imagem positiva da sociedade e economia
dos EUA, do american way of life , em contrapartida à imagem negativa, de pobreza e de
sacrifício, associada à URSS, ao seu povo, e modo de vida. No imaginário popular opunham‑se
dois mundos: a feliz democracia capitalista ocidental (entendida com raízes nos EUA) e a
infeliz, sacrificada e autoritária sociedade “comunista”, imposta aos povos da URSS, dominados
pela Rússia.

III – O governo de Vargas promoveu um intenso combate ao comunismo e aos políticos e intelectuais
que defendiam ideias socialistas ou comunistas.

173
Unidade II

Assinale a alternativa correta.

A) Somente a afirmativa I está correta.

B) Somente as afirmativas I e II estão corretas.

C) Somente as afirmativas II e III estão corretas.

D) Somente as afirmativas I e III estão corretas.

E) Todas as afirmativas estão corretas.

Resposta correta: alternativa E.

Análise das afirmativas

I – Afirmativa correta.

Justificativa: embora Vargas buscasse preservar os privilégios do setor do café, seu apoio à
industrialização foi decisivo para a burguesia nacional e para o proletariado. Assim, não apenas Getúlio
buscou investir e promover investimentos no parque industrial brasileiro, mas também produziu uma
legislação trabalhista que procurava criar uma teia de produção aos trabalhadores e operários. Assim, o
ideal desenvolvimentista permeou a sociedade brasileira como um todo.

II – Afirmativa correta.

Justificativa: em oposição ao comunismo e ao socialismo (e não à toa o Brasil aliou‑se aos Estados
Unidos durante a II Guerra Mundial), o período varguista foi pródigo na defesa dos ideais americanos, o
que incluiu a propaganda maciça dos benefícios trazidos pelo capitalismo, em especial os relacionados
ao padrão de vida norte‑americano.

III – Afirmativa correta.

Justificativa: Vargas nutria verdadeiro ódio aos comunistas. Em função disso, colocou na ilegalidade
a ANL, organização política brasileira apoiada pela Internacional Comunista. Ainda perseguiu Prestes e
sua esposa, a judia Olga Benário, chegando a deportá‑la, grávida, para a Alemanha, o que representou
a morte de Olga em um campo de concentração.

174
Pensamento Social Brasileiro

Questão 2. Leia os dois textos a seguir:

Texto 1

Figura 1

Texto 2

A ditadura brasileira foi uma das mais longas do continente latino‑americano. Um golpe
de Estado, que teve à frente os militares com apoio de setores civis, instaurou um governo
autoritário que durou de 1964 a 1985. Durante esse período, nosso país sofreu intensa
repressão e censura. Graves violações de direitos humanos foram praticadas por agentes
públicos contra aqueles que discordavam politicamente da ditadura. A criação da Comissão
Nacional da Verdade e da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva” é
fruto de uma longa luta dos familiares de mortos e desaparecidos políticos.

O que faz uma Comissão da Verdade?

Após momentos históricos marcados por graves violações de direitos humanos, tal como
a ditadura militar brasileira, há diversos instrumentos e medidas que podem e devem ser
utilizados pelos governos e instituições internacionais para reparar as vítimas e evitar que
as violências se repitam.

Apesar das particularidades de cada país, as normas de direito internacional e os estudos


no campo chamado “justiça de transição” apresentam uma série de tarefas que devem
ser cumpridas pelos Estados nacionais para lidar com o legado de violências de regimes
autoritários. É possível agrupá‑las, de forma didática, em cinco grandes eixos: verdade,
memória, reparação, justiça e reforma das instituições.

[...] De forma geral, as Comissões da Verdade são órgãos oficiais ou extraoficiais,


instituídos com a função de construir uma narrativa de um período de graves violações
175
Unidade II

de direitos humanos, apontando os crimes que foram cometidos, as circunstâncias dessas


violências, pessoas envolvidas etc. Podem ou não ter a finalidade expressa de julgar os
responsáveis pelos crimes a depender de cada legislação. Algumas delas têm também a
atribuição de promover a reconciliação nacional. Mas isso depende da realidade de cada
conflito e de cada nação.

Os principais objetivos das Comissões da Verdade, de acordo com a literatura especializada


nesse campo, são “estabelecer uma lembrança autorizada e historicamente acurada do
passado; superar a negação oficial e comunitária das atrocidades, violências ou abusos e
lograr o conhecimento público deles; identificar vítimas das violações de direitos humanos
e abusos para promover políticas de reparação efetivas; conhecer as circunstâncias em que
ocorreram; identificar os artífices das violências e envergonhar socialmente os perpetradores
pelos atos praticados (se possível, colhendo elementos que permitam o processamento
penal); criar uma memória coletiva ou uma história comum, para um novo futuro; restaurar
a dignidade das vítimas, encerrar os abusos, legitimar e promover a estabilidade do novo
regime, promover a reconciliação sobre as divisões do passado, educar a população sobre o
ocorrido, e recomendar caminhos para coibir a repetição dessas prática”.

Em relação aos dois textos, é possível afirmar que:

I – Há oposição entre os dois textos: enquanto o texto 1 sugere que o período da ditadura deva ser
esquecido, o texto 2 afirma a necessidade de averiguação dos crimes cometidos e de reparação aos que
foram prejudicados por esses crimes.

II – Há complementaridade entre os dois textos, já que a Comissão da Verdade não tem como foco
a punição aos que perpetraram crimes; assim, seu efeito é quase nulo do ponto de vista da construção
narrativa histórica do período da ditadura.

III – Não há relação entre os textos, já que o primeiro usa o humor e o segundo, com uma linguagem
mais formal, esclarece de forma rigorosa qual é o papel da Comissão da Verdade instituída no Brasil.

Assinale a alternativa correta:

A) Somente a afirmativa I está correta.

B) Somente as afirmativas I e II estão corretas.

C) Somente as afirmativas II e III estão corretas.

D) Somente a afirmativa II está correta.

E) Somente a afirmativa III está correta.

Resolução desta questão na plataforma.


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Audiovisuais

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CASA Grande & Senzala. Dir. Nelson Pereira dos Santos. Brasil: 2001. 231 minutos.

CASEI‑ME com um Xavante. Dir. Alfredo Palácios. Brasil: 1958. 88 minutos.

DESCOBRIMENTO do Brasil. Dir. Humberto Mauro. Brasil: 1937. 90 minutos.

ESTRATÉGIA Xavante. Dir. Belisário França. Brasil: 2007. 86 minutos.

LULA, filho do Brasil. Dir. Fábio Barreto. Brasil: 2010. 130 minutos.

O MUNDO segundo Lula. Dir. German Gutierrez. Brasil: 2007. 52 minutos.

TABU, uma lenda amazônica. Dir. Eurico Richers. Brasil: 1949. 5 minutos.

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Informações:
www.sepi.unip.br ou 0800 010 9000

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