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Manuel Catombela Filipe

Mestrado em Língua Portuguesa

REIS, Mário J. Aires dos (2013, 13 a 26 de Maio). «O espectador e a representação do real


na Ficção Cinematográfica Angolana». Cultura, p. 23-24-25.

O artigo em apreciação neste trabalho, «O espectador e a representação do real na Ficção


Cinematográfica Angolana», de autoria de Mário J. Aires dos Reis, foi publicado no dia 13
de Maio de 2013 no Cultura, — um jornal de referência cultural em Angola—, no âmbito
de uma secção dedicada à produção cinematográfica das duas últimas décadas.

Mário Joaquim Aires dos Reis, Doutorado em Literatura Angolana no CLEPUL, crítico e
especialista nessa literatura, Leitor IC, na Universidade Katyawala Bwila, apresenta neste
artigo uma abordagem cinematográfica sobre a representação do real na ficção angolana,
dando a conhecer os aspectos técnicos em falta, e em falha, nalguns realizadores de filmes
em Angola, como Narciso Dito e Biju Garizin. Ou seja, aponta erros de produção que
deveriam ser evitados durante as filmagens e a pós-produção.

O primeiro aspecto abordado pelo autor, no seu texto de artigo, diz respeito ao
enquadramento teórico, citando autores como o professor e documentarista François Niney,
o filósofo Jean-Marie Schaeffer e outros, no qual, de seguida, faz constatações de
afirmações triviais como, por exemplo, na concepção bizantina, no cinema não se pretende
dizer o real, e sim apenas captá-lo.

Para o autor, em matéria do real, a ficção angolana tem muito o que aprender com o
documentário, aludindo que os filmes angolanos são mais documentários do que
propriamente ficcionais, preocupando-se exageradamente em narrar a realidade. Daí que o
objectivo do seu artigo está dividido em duas fases. A primeira consiste em referenciar os
traços documentarizantes em algumas ficções contemporâneas; a segunda, analisar os
efeitos estéticos rebuscados e produzidos, colocando-se ora na perspectiva do espectador
ora na perspectiva do realizador, procurando definir a posição que o cinema contemporâneo
angolano propõe ao espectador.

Se os filmes têm a missão de apresentar uma narrativa logicamente coesa que contenha o
máximo de emoção e vigor estimulante, para Mário Reis, o realizador tem a tarefa de levar
o espectador para um lugar novo, concedendo-lhe sensações e pontos de vista singulares.
Citando Hambúrguer e Harweg, Mário Reis diz que a ficção clássica apresenta traços de
ficcionalidade, revelando-se também pela criatividade dos actores na forma como partilham
os efeitos de sentido com o espectador. Em contrapartida, a ficção angolana foge à regra
relativamente aos traços da sua singularidade estética. Essa colocação faz jus à ideia
referida por Sergei Einstein (1898) de que a identidade, a estética da obra só se faz conjunta
e coerente a partir do momento em que as questões de montagem estão bem definidas.
Um outro aspecto também abordado por Mário Reis tem a ver com os traços próprios de
filmes documentários de tipo reportagem que, resumindo, classifica-os em duas categorias:
os que colocam o acento tónico no ponto de vista e os que mostram o movimento da câmara
de filmar. Na primeira assinala-se distância da câmara. Para o movimento, assinala-se o
tremido da câmara, os movimentos irregulares; o que, certamente, embaraça o espectador,
fazendo-o perceber que alguém está a interferir no enredo.

Por outro lado, tal como bem referenciado pelo autor do artigo, as cenas dos filmes dos
realizadores em questão raramente apresentam sequências logicamente organizadas, e a
organização dessas cenas dependem de como a história contada em imagens for disposta em
secessão.

Com base nisso, o autor do artigo diz que os filmes dos cineastas anaforizados apresentam
esses traços do final do Século XIX, conforme Sergei Einstein, em O Sentido do Filme, diz:

“Nos finais do Século XIX, as câmaras dos cineastas permaneciam estáticas diante da
acção”.

Diante disso, Reis, ao apresentar os erros de enquadramento em planos que esses filmes
apresentam, acentua a ideia de Sergei que a montagem é uma ajuda poderosa para estimular
o espectador a conectar a empatia dos personagens com a estética envolta da justaposição
dos planos. Caso contrário, conforme aponta Pudovkin, ao fim da projecção, apenas os
rostos as faces das personagens serão lembradas, porém o filme no qual participaram
perderá o encanto no primeiro piscar de olhos do pós-sessão.

Para além dos aspectos acima ditos, o autor do presente artigo fala também da forma como
os diálogos são levados ao produto final: o som é muitas vezes ruidoso, quase nada se
percebem as mensagens e isso, até certo ponto, acaba por influenciar na maneira como o
filme é interpretado, tal como diz Pudovkin “A palavra é a matéria-prima do cinema”. Se o
que dizem os actores não se percebe por causa da imperícia técnica, por melhor história que
o filme tenha, não passará de um conjunto de filmagens.

Em conclusão, embora os aspectos abordados pelo autor do artigo tenham trazido mais
pontos negativos do que propriamente alguns positivos, importa dizer que os realizadores
angolanos, para além de uma formação rigorosa e disciplinada, carecem de apoio cultural e,
sobretudo, financeiro; pois fazer filme é muito caro, por um lado. De outro, este trabalho
vem preencher uma lacuna no universo cinematográfico angolano e contribuir de forma
decisiva para o seu conhecimento e, por isso, deve ser aproveitado por aqueles interessados
em aprofundar-se em matéria de cinema.

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