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caderno temático

“Minha ciranda não é minha só


Ela é de todos nós
A melodia principal quem
Guia é a primeira voz

Pra se dançar ciranda


Juntamos mão com mão
Formando uma roda
Cantando uma canção”

- Lia de Itamaracá

Vitalidade é a capacidade de viver o conjunto de funções fundamentais de um organismo


para se manter e se desenvolver. Pensando a cidade dessa maneira, as infraestruturas
urbanas, os equipamentos e serviços públicos e a habitação são elementos essenciais para
que ela funcione. Porém, a qualidade desse metabolismo depende da relação dos vasos que
ligam todos esses elementos. Na cidade, os vasos são as dinâmicas sociais e são elas que
expressam a luta de classes no território.

São os múltiplos agentes que modelam o espaço e o confronto entre eles que dita o desen-
volvimento da cidade. Esses sujeitos representam grupos específicos, separados entre aque-
les que historicamente moldam o ambiente urbano às necessidades do capital – os donos
dos meios de produção, de terras ou da incorporação imobiliária – e os grupos sociais excluí-
dos que estão à margem da sociedade e do direito à cidade, sentindo na pele o reflexo da
desigualdade imposta.

A existência do sistema capitalista depende da vida das cidades para se sustentar. A


produção e exploração do espaço urbano em função do capital, transforma a cidade em
mercadoria, convertendo cada uma de suas funções vitais em produto. A cidade para a
classe trabalhadora tem valor de uso e o que se espera dela são condições básicas para
moradia e serviços de qualidade com baixo custo. Porém, a cidade mercadoria não contemp-
la as camadas populares, pois seus anseios são opostos por excelência.

É desse modo que se estabelece o processo de segregação socioespacial, uma vez que o solo
passa a custar mais caro em função de sua localização e disposição de serviços. Nessa
perspectiva, a luta de classes pode ser enxergada através do desenho da cidade, comparan-
do sobretudo as formas de morar, desde as áreas centrais, condomínios e bairros residenciais
até os assentamentos informais e favelas.

Por isso, é fundamental o papel do Estado como agente condutor desse processo, uma vez
que ele possui os mecanismos de controle do uso e ocupação do solo através dos instrumen-
tos legais, planos e parâmetros que regem a cidade. Entretanto, as limitações políticas, os
mandatos eleitorais e o próprio sistema econômico trazem as contradições do cumprimento
da função social da terra. São os próprios governos locais em parceria dos grupos detentores
de capital que definem a tomada de decisões nos planos da cidade.

Os interesses dos governos são baseados em interesses político-econômicos específicos, que


não beneficiam todas as camadas da população. Essa lógica estabelece condutas que
moldam gestões públicas com atuação fechada e centralizadora – sem o debate inclusivo e
construção coletiva. Seu funcionamento prático se dá pela criação de um produto vendável
da terra, seja para fins imobiliários e/ou turísticos, que geram lucro para os agentes domi-
nantes.

Para obter adesão, as estratégias utilizadas partem do discurso da geração de empregos


imediata, a exploração do potencial turístico e a realocação de comunidades de “áreas de
risco”, entre outros. Trata-se de um marketing que ressalta ganhos pontuais encobrindo
problemas reais, não resolvendo questões sociais a longo prazo. Se ignora consequências
como a coibição no direito de acesso a espaços centrais, deslegitimação de comunidades
tradicionais e desterritorializações.

O período eleitoral também é amplamente propício para que as intransigências na gestão


pública se apliquem nos municípios. O objetivo é publicizar os feitos na memória do eleito-
rado para fortalecer a imagem do “trabalho feito”. Essa forma de atuação mostra-se bastan-
te ineficiente e danosa, uma vez que ela se dá pela aplicação repentina do recursos e
execução acelerada de obras. A falta reconhecimento da dimensão do território, a não
compreensão sobre o povo e o meio ambiente contribuem para um planejamento defici-
ente.

Hoje, é possível perceber que as pessoas não se sentem representadas na maneira como as
decisões sobre as cidades costumam ser tomadas. Um processo de planejamento que
promova o envolvimento das pessoas desde a etapa de concepção dos projetos garante a
participação efetiva dos moradores, que poderão decidir sobre as mudanças que impac-
tarão o lugar onde vivem e, consequentemente, suas vidas.

Ao conciliar demandas da sociedade com as necessidades do setor público, a participação


cidadã ajuda a aumentar a efetividade dos projetos e políticas e, em contrapartida, a reduzir
a ineficiência da gestão pública. O processo está relacionado a descentralização de poder,
ao compartilhamento de responsabilidades e à criação de canais que favoreçam o diálogo,
a transparência e a disponibilização de informações. Trata-se, em suma, de promover a
democracia urbana.

As práticas da participação fornecem contribuições significativas à política espacial,


ajudando a criar espaços públicos mais democráticos, equitativos e consonantes às necessi-
dades e demandas da população. Geram dados estratégicos para embasar decisões justas e
eficientes por parte da administração pública. Ajudam, enfim, a criar novos modelos de
planejamento e governança, capazes não só de ouvir as pessoas, mas de levar para os proje-
tos urbanos e rurais o que essas vozes têm a dizer.

As cidades como espaço social que ofereçam condições e oportunidades justas ao seus
habitantes, de viverem com dignidade, independente das características sociais, culturais,
étnicas, de gênero e idade devem ser o objetivo dos grupos sociais, organizações da socie-
dade, movimentos populares, instituições religiosas, instituições de ensino, partidos políti-
cos e gestores públicos compromissados em alcançar uma vida melhor, de felicidade, paz,
harmonia e solidariedade.

Assim, o Encontro Regional Nordeste de Estudantes de Arquitetura e Urbanismo, no ano de


2020, na cidade de Parahyba, tem como propósito DEBATER e PROPOR governanças
democráticas da cidade – vila, aldeia, capital, localidade, subúrbio, município, povoado
organizado institucionalmente como uma unidade local de governo de caráter municipal ou
metropolitano, seja urbano, semi-rural ou rural – de modo que sejam respeitados os direitos
dos seus habitantes.
território E
segregação
Indicação de Leitura

Livro: Para entender a crise urbana


Autora: Ermínia Maricato
Ano: 2015
Editora: Expressão Popular
“A minha explicação é que há
luta de classes na cidade.
Ou se remunera os capitais (...)
ou se investe na reprodução
do trabalhador: saúde,
educação, transporte,
moradia, saneamento”

- Ermínia Maricato

As cidades brasileiras, independentemente do seu tamanho, região, economia ou história,


têm como característica comum o fato de apresentarem um contraste claro entre uma parte
do território que possui maiores condições de urbanidade – com arborização, pavimen-
tação, saneamento, equipamentos de cultura e lazer, etc. – e outra parte, amplamente maior
do que a primeira, cuja infraestrutura é incompleta ou inexistente.

O cenário de contraposição entre uma minoria em território qualificado e uma maioria com
condições urbanísticas precárias se relaciona a todas as formas de desigualdade, correspon-
dendo a uma situação de exclusão territorial. Em uma cidade separada entre as áreas legais,
ricas e com infraestrutura, e as áreas ilegais, pobres e precárias, a população em situação
desfavorável tem pouco acesso a oportunidades de trabalho, cultura e lazer.

Na cidade, vista como mercadoria pelo capital imobiliário, a pequena parte já qualificada e
consolidada – centralidades administrativas, históricas e financeiras – se torna um objeto de
disputa. Desse modo, a população de baixa renda tem apenas a possibilidade de ocupar
terras periféricas – mais baratas pela ausência de serviços – ou ocupar áreas ambiental-
mente frágeis, que teoricamente não poderiam ser urbanizadas. Esse processo consiste em
um dos fatores determinantes para estender a cidade indefinidamente.

Além de mais investimentos em infraestruturas e equipamentos públicos para suprir as


necessidades do novo espaço – que beneficia capitais, como de construção e serviços –, ao
concentrar oportunidades em um ponto da cidade e estender a ocupação a periferias
precárias e cada vez mais distantes, surge a necessidade de transportar a força de trabalho
para determinada centralidade, e devolvê-la a seus bairros no fim do dia, gerando super-
lotação nos sistemas de circulação.

Destaca-se ainda nesse contexto espacial a relação estreita com a violência urbana, do qual
os municípios que apresentam as piores condições de exclusão territorial – e não os mais
pobres – são aqueles onde há maior violência. Ou seja, a violência está muito mais associada
às barreiras territoriais do que à pobreza propriamente dita. Entretanto, as políticas sociais
são substituídas por políticas de segurança, mais letais que protetivas dentro de uma socie-
dade marcada pela desigualdade.

A precariedade dos assentamentos populares, em todos os sentidos, não é uma questão que
se encerra neles, mas envolve o modo de funcionamento da cidade em sua totalidade. As
políticas urbanas estão cada vez menos presentes na agenda política nacional, apesar de ser
papel do Estado a regulamentação sobre o uso e ocupação do solo e o controle do fundo
público para investimentos. O que podemos fazer para construir uma política urbana que
consiga reverter a lógica de produção da exclusão territorial?
diversidade de
corpos e
exclusão
Indicação de Leitura

Livro: Quarto de despejo


Autora: Carolina Maria de Jesus
Ano: 1960
Editora: Ática
“Escrevo a miséria e a vida infausta dos favelados.
Eu era revoltada, não acreditava em ninguém.
Odiava os políticos e os patrões porque o meu
sonho era escrever e o pobre não pode ter ideal
nobre. Eu sabia que ia angariar inimigos (...)
seja o que Deus quiser.”

- Carolina Maria de Jesus

Desde 1995, ocorrem no Brasil um conjunto de manifestações populares ao longo da


semana da pátria – e que culminam com o dia da Independência do Brasil em 7 de Setembro
– cujo objetivo é denunciar instrumentos sociais que promovem desigualdade. O Grito dos
Excluídos, assim chamado, procura abrir caminhos a população excluída da sociedade,
reivindicando um horizonte político mais justo e inclusivo.

Contudo, o que a história tem nos mostrado desde muito cedo – com destaque para as
últimas décadas, quando a crise urbana tem evidenciado as cidades enquanto periferias do
capitalismo – é que populações excluídas nunca aceitaram a negação de espaços passiva-
mente. Seus gritos vêm ecoando dentro das cidades como quem inspira Clara Nunes,
cantando alto e cantando dor.

É certo que uma sociedade capitalista, apoiada no tripé racista, patriarcal e LGBTfóbico, não
existe sem promover a desigualdade de classes. A fim de aprofundar as contradições de
classe dentro da cidade, as necessidades e interesses das chamadas minorias são ignoradas
ou atendidas superficialmente, e quando adquiridas, são facilmente retirados a depender da
conjuntura política, mostrando o quão sua existência denota fragilidade.

Essa estrutura se reflete na falta de oportunidades para aqueles que, apesar de não serem
minoria em número, o são em direitos garantidos, apresentando pouca ou nenhuma repre-
sentatividade nas instâncias de poder e pouca visibilidade no cenário social. As consequên-
cias desse processo de acúmulo de privilégios dos grupos dominantes – essencialmente
homens, brancos, héteros – traduzem-se na contínua construção de cidades excludentes.

Diante da urgência de gerar cidades mais justas e acessíveis, é imprescindível assumir o


compromisso de pensar a construção de espaços que contemplem a diversidade de corpos,
vivências e necessidades. É preciso dar voz aos grupos historicamente silenciados – negros e
negras, mulheres, LGBTQI+, ciganos, indígenas, entre outros – possibilitando o direito à
cidade.

A luta por uma cidade não somente igualitária, mas equitativa, perpassa pela formação de
novos homens e mulheres que possam fazer ecoar cada vez mais alto gritos que se tornarão
coro. O Estado, maior responsável por escutar e atender as demandas populares, tem o
papel de compreender e institucionalizar políticas públicas que garantam toda pessoa ser
um humano por direito, assumindo conceitos como emancipação e diversidade.
Porém, como pontua Paulo Freire em sua obra Pedagogia do oprimido, de 1968, não existe
libertação feita pelo opressor. Cada conquista vista no seio da sociedade só foi possível
graças a sujeitos que em algum momento da história entenderam o conceito de desobediên-
cia civil e questionaram interesses elitistas de segregação. De que maneira podemos então
protagonizar dentro das cidades as vozes dos grupos historicamente silenciados? Como
fazer disso um processo permanente?
lutas sociais e
coletividade
Indicação de Leitura

Livro: Ideias para a luta


Autora: Marta Harnecker
Ano: 2018
Editora: Expressão Popular
“Vamos que vamos,
vou traçando vários planos.
Vou seguir cantarolando
pra poder contra-atacar
(...)
Nas veias abertas da América Latina,
tem fogo cruzado queimando nas esquinas
(...)
Inflama!”

BaianaSystem

O que é o coletivo dentro de uma cidade que se molda cada vez mais como um território
segregador? O que é coletivo quando se vive na margem e a mobilidade urbana não te
permite acessar os centros de consumo e lazer? Ou quando se perde o direito básico à mora-
dia? O que é coletivo quando a violência familiar e social te nega vínculos e humanidade? O
que é coletivo dentro da lógica capitalista contemporânea, que tenta a todo custo formar
sujeitos cada dia mais dispostos a travar batalhas de interesse individual?

É errôneo falar em coletividade como a congruência de desejos individuais que se tornam


eles mesmos possibilidades do coletivo. Temos visto, na história e no dia a dia, lutas travadas
dentro da cidade – compreendendo esta enquanto território rural e urbano – por pessoas e
comunidades que têm se rebelado contra os mais diversos problemas sociais.

Porém, por mais justo que seja o ideal, nem toda força e combatividade é eficaz dentro de
qualquer estrutura se não acompanhada de força social. Marta Harnecker coloca em seu
livro Ideias para a luta, de 2018, que “aqueles que enchem a boca de exigências de radical-
ização, deve-se perguntar: o que vocês estão fazendo para construir força social e política
que permita fazer o processo avançar?”

A história de revoluções vitoriosas nos mostra que um programa alternativo de sociedade só


é possível se acompanhado de organização política, onde possamos canalizar toda indig-
nação e luta dos atores sociais para um objetivo comum. Criando espaços de convergência
para aqueles que têm diferenças, mas lutam contra um mesmo inimigo. Esse processo só é
possível se estimularmos cada vez mais cidadãos a participação política, mesmo dentro de
um contexto de fragmentação e crescente desigualdade. Um dos mecanismos para isso é o
trabalho de base.

Movimentos sociais, cooperativas de bairros, grupos culturais, entre outras organizações


têm-se mostrado, enquanto forças organizadas de resistência – inclusive dentro da conjun-
tura atual – como grande catalisadoras de povo e de ideias. Organizações capazes e dispos-
tas, dia após dia, a elevar o nível de consciência de uma sociedade que precisa caminhar
rumo a uma educação política emancipatória.

É bem verdade que não existe nada tão longe que o braço da coletividade não alcance. E no
contexto de luta por direitos, a importância da sociedade civil se faz não apenas pela
ocupação de espaços, mas para a democratização da gestão e inversão das prioridades e
interesses econômicos das administrações públicas. Dessa maneira, como podemos fazer da
cidade um ambiente que estimule de forma mais eficaz a participação política dos seus
cidadãos? E o que podemos aprender com as experiências das organizações e movimentos
sociais para que possamos lutar por uma cidade mais justa e de qualidade para todas e
todos?
REALIZAÇÃO:
COMISSÃO ORGANIZADORA

P ROMOÇÃO:

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