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- Lia de Itamaracá
São os múltiplos agentes que modelam o espaço e o confronto entre eles que dita o desen-
volvimento da cidade. Esses sujeitos representam grupos específicos, separados entre aque-
les que historicamente moldam o ambiente urbano às necessidades do capital – os donos
dos meios de produção, de terras ou da incorporação imobiliária – e os grupos sociais excluí-
dos que estão à margem da sociedade e do direito à cidade, sentindo na pele o reflexo da
desigualdade imposta.
É desse modo que se estabelece o processo de segregação socioespacial, uma vez que o solo
passa a custar mais caro em função de sua localização e disposição de serviços. Nessa
perspectiva, a luta de classes pode ser enxergada através do desenho da cidade, comparan-
do sobretudo as formas de morar, desde as áreas centrais, condomínios e bairros residenciais
até os assentamentos informais e favelas.
Por isso, é fundamental o papel do Estado como agente condutor desse processo, uma vez
que ele possui os mecanismos de controle do uso e ocupação do solo através dos instrumen-
tos legais, planos e parâmetros que regem a cidade. Entretanto, as limitações políticas, os
mandatos eleitorais e o próprio sistema econômico trazem as contradições do cumprimento
da função social da terra. São os próprios governos locais em parceria dos grupos detentores
de capital que definem a tomada de decisões nos planos da cidade.
Hoje, é possível perceber que as pessoas não se sentem representadas na maneira como as
decisões sobre as cidades costumam ser tomadas. Um processo de planejamento que
promova o envolvimento das pessoas desde a etapa de concepção dos projetos garante a
participação efetiva dos moradores, que poderão decidir sobre as mudanças que impac-
tarão o lugar onde vivem e, consequentemente, suas vidas.
As cidades como espaço social que ofereçam condições e oportunidades justas ao seus
habitantes, de viverem com dignidade, independente das características sociais, culturais,
étnicas, de gênero e idade devem ser o objetivo dos grupos sociais, organizações da socie-
dade, movimentos populares, instituições religiosas, instituições de ensino, partidos políti-
cos e gestores públicos compromissados em alcançar uma vida melhor, de felicidade, paz,
harmonia e solidariedade.
- Ermínia Maricato
O cenário de contraposição entre uma minoria em território qualificado e uma maioria com
condições urbanísticas precárias se relaciona a todas as formas de desigualdade, correspon-
dendo a uma situação de exclusão territorial. Em uma cidade separada entre as áreas legais,
ricas e com infraestrutura, e as áreas ilegais, pobres e precárias, a população em situação
desfavorável tem pouco acesso a oportunidades de trabalho, cultura e lazer.
Na cidade, vista como mercadoria pelo capital imobiliário, a pequena parte já qualificada e
consolidada – centralidades administrativas, históricas e financeiras – se torna um objeto de
disputa. Desse modo, a população de baixa renda tem apenas a possibilidade de ocupar
terras periféricas – mais baratas pela ausência de serviços – ou ocupar áreas ambiental-
mente frágeis, que teoricamente não poderiam ser urbanizadas. Esse processo consiste em
um dos fatores determinantes para estender a cidade indefinidamente.
Destaca-se ainda nesse contexto espacial a relação estreita com a violência urbana, do qual
os municípios que apresentam as piores condições de exclusão territorial – e não os mais
pobres – são aqueles onde há maior violência. Ou seja, a violência está muito mais associada
às barreiras territoriais do que à pobreza propriamente dita. Entretanto, as políticas sociais
são substituídas por políticas de segurança, mais letais que protetivas dentro de uma socie-
dade marcada pela desigualdade.
A precariedade dos assentamentos populares, em todos os sentidos, não é uma questão que
se encerra neles, mas envolve o modo de funcionamento da cidade em sua totalidade. As
políticas urbanas estão cada vez menos presentes na agenda política nacional, apesar de ser
papel do Estado a regulamentação sobre o uso e ocupação do solo e o controle do fundo
público para investimentos. O que podemos fazer para construir uma política urbana que
consiga reverter a lógica de produção da exclusão territorial?
diversidade de
corpos e
exclusão
Indicação de Leitura
Contudo, o que a história tem nos mostrado desde muito cedo – com destaque para as
últimas décadas, quando a crise urbana tem evidenciado as cidades enquanto periferias do
capitalismo – é que populações excluídas nunca aceitaram a negação de espaços passiva-
mente. Seus gritos vêm ecoando dentro das cidades como quem inspira Clara Nunes,
cantando alto e cantando dor.
É certo que uma sociedade capitalista, apoiada no tripé racista, patriarcal e LGBTfóbico, não
existe sem promover a desigualdade de classes. A fim de aprofundar as contradições de
classe dentro da cidade, as necessidades e interesses das chamadas minorias são ignoradas
ou atendidas superficialmente, e quando adquiridas, são facilmente retirados a depender da
conjuntura política, mostrando o quão sua existência denota fragilidade.
Essa estrutura se reflete na falta de oportunidades para aqueles que, apesar de não serem
minoria em número, o são em direitos garantidos, apresentando pouca ou nenhuma repre-
sentatividade nas instâncias de poder e pouca visibilidade no cenário social. As consequên-
cias desse processo de acúmulo de privilégios dos grupos dominantes – essencialmente
homens, brancos, héteros – traduzem-se na contínua construção de cidades excludentes.
A luta por uma cidade não somente igualitária, mas equitativa, perpassa pela formação de
novos homens e mulheres que possam fazer ecoar cada vez mais alto gritos que se tornarão
coro. O Estado, maior responsável por escutar e atender as demandas populares, tem o
papel de compreender e institucionalizar políticas públicas que garantam toda pessoa ser
um humano por direito, assumindo conceitos como emancipação e diversidade.
Porém, como pontua Paulo Freire em sua obra Pedagogia do oprimido, de 1968, não existe
libertação feita pelo opressor. Cada conquista vista no seio da sociedade só foi possível
graças a sujeitos que em algum momento da história entenderam o conceito de desobediên-
cia civil e questionaram interesses elitistas de segregação. De que maneira podemos então
protagonizar dentro das cidades as vozes dos grupos historicamente silenciados? Como
fazer disso um processo permanente?
lutas sociais e
coletividade
Indicação de Leitura
BaianaSystem
O que é o coletivo dentro de uma cidade que se molda cada vez mais como um território
segregador? O que é coletivo quando se vive na margem e a mobilidade urbana não te
permite acessar os centros de consumo e lazer? Ou quando se perde o direito básico à mora-
dia? O que é coletivo quando a violência familiar e social te nega vínculos e humanidade? O
que é coletivo dentro da lógica capitalista contemporânea, que tenta a todo custo formar
sujeitos cada dia mais dispostos a travar batalhas de interesse individual?
Porém, por mais justo que seja o ideal, nem toda força e combatividade é eficaz dentro de
qualquer estrutura se não acompanhada de força social. Marta Harnecker coloca em seu
livro Ideias para a luta, de 2018, que “aqueles que enchem a boca de exigências de radical-
ização, deve-se perguntar: o que vocês estão fazendo para construir força social e política
que permita fazer o processo avançar?”
É bem verdade que não existe nada tão longe que o braço da coletividade não alcance. E no
contexto de luta por direitos, a importância da sociedade civil se faz não apenas pela
ocupação de espaços, mas para a democratização da gestão e inversão das prioridades e
interesses econômicos das administrações públicas. Dessa maneira, como podemos fazer da
cidade um ambiente que estimule de forma mais eficaz a participação política dos seus
cidadãos? E o que podemos aprender com as experiências das organizações e movimentos
sociais para que possamos lutar por uma cidade mais justa e de qualidade para todas e
todos?
planos diretores e
participação
Indicação de Leitura
Raquel Rolnik
Em seu texto, o Estatuto dispõe que a participação popular nos planos diretores deve ocorrer
através de quatro canais para garantia de uma gestão democrática: os órgãos colegiados de
política urbana nos níveis nacional, estadual e municipal; os debates, as audiências e as
consultas públicas; as conferências sobre assuntos de interesse urbano nos níveis nacional,
estadual e municipal; e a iniciativa popular de projeto de lei e de planos, programas e proje-
tos de desenvolvimento urbano.
Embora os planos diretores e a participação constituam uma exigência legal, a conduta das
gestões públicas nesse processo variam entre governos. Por isso a eficácia da absorção das
demandas populares pelo poder público demandam a alta organização da sociedade civil de
reivindicação de direitos. Ademais, como aponta Norberto Bobbio em seu livro O futuro da
democracia: uma defesa das regras do jogo, de 1986, “o certo é procurar perceber se aumen-
tou não o número dos que têm direito de participar das decisões que lhes dizem respeito,
mas os espaços nos quais podem exercer esse direito”.
Por meio dos Planos Diretores Participativos se torna possível a funcionalidade social das
cidades, com reflexos positivos da urbanização para toda população. Esses reflexos benéfi-
cos vão propiciar aos cidadãos um Estado de bem-estar, essencial para o exercício de seus
direitos fundamentais. No entanto a efetividade desses planos é complexa, e, em determina-
dos situações, controversa. Na prática, quais as possibilidades concretas e positivas de
aplicação desse marco legal e seus instrumentos nas cidades? Como popularizar o Estatuto
da Cidade e o Plano Diretor Participativo às pessoas?
poder popular e
transformação
Indicação de Leitura
-Ladislau Dowbor
Com a volta dos investimentos federais em políticas públicas no início do governo Lula, e,
consequente, o enfraquecimento dos movimentos de luta pela Reforma Urbana, tornou-se
comum atribuir unicamente ao Estado e ao capital financeiro a responsabilidade sobre a
forma como as cidades são administradas e construídas. Historicamente, fomos condiciona-
dos a considerar que nossa forma de intervir nesses processos se daria apenas através das
esferas político-partidária ou sindical-trabalhista, desacreditando na transformação urbana
e social através do poder local.
Assim, num cenário de fortalecimento do poder popular, a prática da autogestão é vista, por
exemplo, como uma alternativa ao déficit de moradia e de espaços urbanos de qualidade.
Teorizada por comunistas e anarquistas, foi idealizada com base numa sociedade livre e
autogovernada. Essa prática popular, independente do financiamento do Estado e do
capital fundiário e imobiliário, busca a construção e gestão de espaços sustentáveis, produz-
idos muitas vezes com foco na subsistência.
Além disso, essas ações incluem também grupos de diferentes origens que compartilham da
luta do povo organizado. Entre eles estão os estudantes e profissionais de arquitetura e
urbanismo que criam através da assessoria ou extensão um vínculo com a construção da
cidade real. A organização coletiva em todo o processo permite além da troca de saberes
multidisciplinar, a democratização do conhecimento acadêmico, de modo que, a partir
deste, as comunidades consigam reivindicar os seus direitos e garantir sua autonomia nas
tomadas de decisão.
Ao longo dos anos, visando a Reforma Urbana, as organizações populares alcançaram diver-
sas transformações urbanas e sociais. Apesar da prática da autogestão ter contribuído para
algumas dessas conquistas, esta não pode ser utilizada como justificativa para o descompro-
metimento do poder público com as políticas urbanas. Cabe aos governos a elaboração de
uma agenda para as cidades articulada com as práticas autônomas populares. Como garan-
tir a união dos poderes popular e público no planejamento urbano? Quais são as práticas
possíveis para a construção de uma cidade mais justa e igualitária?
REALIZAÇÃO:
COMISSÃO ORGANIZADORA
P ROMOÇÃO: