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RESENHA - ŽIŽEK, Slavoj. Violência: seis reflexões do WikiLeaks e de Snowden, que se aliam às lutas
laterais. Tradução de Miguel Serras Pereira. São contra o antissemitismo, todas são parte da busca
Paulo: Boitempo, 2014. 195 p. dos homens e mulheres por uma sociedade sem
violência, fundamentada em princípios de liberdade,
igualdade e respeito ao outro.
Mary Ferreira
Na introdução, Žižek esclarece o
Professora da Universidade Federal do Maranhão (UFMA)
sentido da violência, a partir de três concepções: a
violência subjetiva, aquela visível exercida por um
Ao ser lançado
agente claramente identiÞcávell que nos intimida e
no Brasil em abril de
amedronta, pois é perpetrada pelos indivíduos de
2014 o livro Violência:
forma direta. A violência objetiva, que é invisível
seis reflexões laterais de
porque está sustentada em uma “[...] normalidade
Slavoj Žižek promoveu
do nível zero contra a qual percebemos algo como
intensos debates e
subjetivamente violento.” (p. 18) aquela que se
provocou polêmicas e
insinua e cria um ambiente de violência que está
reflexões, fato também
latente, imperceptível, mas que se exprime em
notado em praticamente
atos racistas, atitudes machistas e homofóbicas
todos os países em que e tantas outras formas de expressão que, muitas
o livro foi lançado. O título vezes, são naturalizadas e passam despercebidas.
por si só chama atenção pelo sentido direto, seco, O outro sentido de violência apresentado pelo
intenso, embora tenha um subtítulo que amenize o autor é a violência sistêmica, aquela que nasce
peso ou crueza do título. Aparentemente era o que dos efeitos catastróficos dos sistemas políticos e
o autor se propunha neste ensaio em que manifesta econômicos que se fundamentam na injustiça
sua crítica à sociedade pós-moderna, a partir de um e nas desigualdades perfeitamente visível
olhar cuidadoso sobre vários episódios que marcaram na sociedade brasileira que durante séculos
profundamente a humanidade. estigmatizou a maior parte da população,
Suas referências centradas no principalmente das regiões mais empobrecidas
pensamento de Karl Marx e Jacques Lacan denotam e que, em tempos de eleições, são atacados
uma visão de mundo inquieta, inconformada, radical pela elite brasileira traduzindo os três sentidos
e contestadora a partir da qual dialoga com vários de violência apresentados por Žižek.
campos do saber como a filosofia, a sociologia, a Os seis capítulos do livro apresentados
política, a arte e, em especial, o cinema para criticar por Žižek lançam luzes para que aprofundemos
de forma direta o capitalismo, a globalização, a as diversas dimensões da violência e como esses
religião, os comunistas liberais que para Žižek (p. três sentidos se imbricam na análise do fenômeno.
42) são considerados hoje “[...] o inimigo com que se No primeiro capítulo, Adagio ma non troppo e molto
defronta qualquer tipo de luta progressista.” - e os expressivo, ele nos chama a atenção que opor-se
fundamentalistas cristãos ou muçulmanos, que são a todas as formas de violência - da física e direta
para o autor “[...] uma desgraça para o verdadeiro (extermínio em massa, terror) à violência ideológica
fundamentalista.” (p. 77). (racismos, incitação ao ódio, discriminação racial)
Organizando a obra em seis capítulos, parece ser hoje a maior preocupação da atitude
o autor nos leva a imergir nas diversas formas de liberal, porém não se pode perder de vista que as
violência e nos esclarece que essa violência é ocultada três formas de violência são reflexo do capitalismo
pelo sistema político e econômico. Considera que a defendido intransigentemente pelos mesmos liberais
luta contra os fundamentalismos é também a luta que aparentemente se opõem àviolência. Parece
aqueles por ela excluídos”. (p. 88). próprio gesto de quebrar a cadeia
da justiça através do inexplicável
Nos capítulos quatro e cinco o autor traz
ato de misericórdia, do pagamento
o debate sobre liberalismos e fundamentalismos e da nossa dívida, o cristianismos
discute o holocausto. Nesse ponto, o autor é criticado nos impõe uma outra dívida ainda
mais forte: estamos sempre em
por Luciano Trigo (2014) pela forma dúbia como dívida com Cristo, nunca podemos
descreve o holocausto e ao deixar dúvidas quanto a retribuir-lhe o que fez por nós.
sua postura em relação a essa trágica passagem da
história, quando milhares de judeus foram mortos de Em entrevista recente sobre o seu livro
forma cruel deixando marcas profundas na vida deste dada a Ivan Marsiglia (2014) do Jornal Folha de São
povo e nas gerações futuras. Para Trigo (2014, p. 2, Paulo, ao ser questionado se as manifestações de
grifos do autor) rua no Brasil teriam perdido o fôlego, em virtude da
repressão policial, Žižek foi enfático ao dizer:
[...] Zizek já afirmou que Hitler
“não foi suficientemente violento”. Essa discussão serve para encobrir
Ou ainda, que “o antissemita o que realmente interessa, que é,
também está no judeu”. Esse em primeiro lugar, entender por que
padrão é recorrente nas análises os protestos emergiram no Brasil.
de Zizek: ele pensa de uma E, em segundo, por que todas as
maneira contra intuitiva, chegando tentativas de canalizar a energia
a conclusões duvidosas a partir de mobilizada nas ruas em políticas
dados verdadeiros e raciocínios e programas concretos fracassou.
engenhosos. Esse é o grande problema, e não
estou muito otimista em relação a
ele. Vemos explosões de violência
Em outro momento do capítulo quatro o em toda a parte, como se algo
autor lembra a violência religiosa provocada pelas diferente estivesse por emergir, mas
visões fundamentalistas que atinge de forma muito sem que nenhuma delas resulte em
uma perspectiva nova de futuro.
direta as mulheres e os gays. Ao refletir sobre o
problema, o autor expressa a fala do cantor Elton As palavras de Žižek remetem a muitas
John, conhecido pela sua luta contra a homofobia. reflexões e nos intima ao debate para que possamos
Elton John considera que “A religião sempre tentou buscar formas de enfrentar os desafios que nos
suscitar o ódio contra os homossexuais. Do meu apresentam neste País considerado o sétimo
ponto de vista, gostaria que a religião fosse banida mais rico do mundo, mas que ainda se depara
por completo.” (p. 111). com desigualdades intoleráveis e contradições
O último capítulo do livro dedicado à que desnudam um Brasil que imaginávamos
discussão sobre a violência divina, que o autor traduz superadas. As discussões acaloradas nas eleições
como sendo a violenta explosão de ressentimento de 2014 entre os dois projetos que polarizaram os
que vai dos linchamentos de massa ao terror nossos corações e mentes, mostram claramente os
revolucionário organizado. Aqueles aniquilados pela lugares determinados para pobres e nordestinos:
violência divina são, em geral, culpados, não são a cozinha das elites. Para essa elite, o Bolsa
dignos de Deus. Žižek (p. 150) considera ainda que Família é responsável pela eleição da presidenta
a visão cristã nos aprisionou a uma camisa de força Dilma Rousseff. Não é observado o fato de que
que nos aliena e nos mantêm presos a uma dívida os cidadãos que usufruem desse benefício social,
eterna e impagável: dificilmente terão à mesa o vinho francês, o caviar,
ou o queijo suíço que hoje abunda em suas mesas
A nossa única salvação reside
na misericódia de Deus, em seu (APÓS ..., 2014).
sacrifício supremo. Todavia, no
REFERÊNCIAS
NOTA
1
Possui graduação em Biblioteconomia pela Universidade
Federal do Maranhão (1981), Especialização em
Organização de Arquivos pela USP (1991), Especialização
em Metodologia do Ensino Superior (UFMA, 1995);
Mestrado em Políticas Públicas pela Universidade Federal
do Maranhão (1999) e doutorado em Sociologia pela
Universidade Estadual Paulista (2006). Fez Estágio doutoral
na Universidade de Coimbra em Portugal.