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A FESTA
Harold Pinter

Tradução: Vivian Sacarrão

A peça A Festa (Party Time) foi adaptada pelo autor para


televisão em 1992 e foi ao ar no dia 17 de novembro daquele
ano. Essa adaptação é a versão abaixo.

TERRY – homem de 40 anos


GAVIN – homem de 50 e poucos anos
DUSTY – mulher de 20 e poucos anos
MELISSA – mulher de 70 anos
LIZ – mulher de 30 e poucos anos
CHARLOTTE – mulher de 30 e poucos anos
FRED – homem de 40 e poucos anos
DOUGLAS – homem de 50 anos
JIMMY – jovem
SAM – homem de 40 e poucos anos
PAMELA – mulher de 50 e poucos anos
EMILY – mulher de 30 e poucos anos
SUKI – moça de 20 e poucos anos
HARLOW – homem de 30 e poucos anos
SMITH – rapaz de 20 e poucos anos
2 GARÇONETES

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Apartamento de Gavin.

Som distante de um helicóptero.

Há pessoas sentadas e em pé. As DUAS GARÇONETES carregam


bandejas com drinks.

Um bar.

Uma grande porta de entrada.


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GAVIN e TERRY estão em pé segurando copos.


HARLOW e SMITH participam da conversa como ouvintes.

TERRY – Estou te falando, tem tudo.


GAVIN – Tem?
TERRY – Ah, é. Tem classe.
GAVIN – É mesmo?
TERRY – Tem classe. O que eu quero dizer é que você joga um
tênis, dá uma bela nadada, tem um bar pertinho...
GAVIN – Onde?
TERRY – Perto da piscina. Você pode tomar um belo suco de frutas,
sem pagar nada extra, e eles te dão uma toalha quente fantástica...
GAVIN – Quente?
TERRY – Maravilhosa. E é bem quente. Eu não estou brincando.
GAVIN – Como no barbeiro.
TERRY – Barbeiro?
GAVIN – Na barbearia. Quando eu era garoto.
TERRY – Ah é? (Pausa) Como assim?
GAVIN – Eles costumavam colocar uma toalha quente no seu rosto,
sabe, sobre o nariz e os olhos. Eu fiz isso uma porção de vezes.
Você se livra de todos os cravos, todos os cravos do teu rosto.
TERRY – Cravos?
GAVIN – É, o calor os faz saírem. Por isso que as toalhas têm que
ser o mais quente possível. O barbeiro costumava dizer: “Está
quente o suficiente para o senhor?” Sumia com todos os cravos da
tua pele.
(Pausa)
Nasci no interior, claro. Então eu só posso falar das barbearias do
interior. Mas, na verdade, eu tenho praticamente certeza que as
toalhas quentes para cravos eram usadas em toda parte
antigamente. É, eu acho que era um hábito daquela época.
TERRY – É. Tenho certeza que sim. Tenho certeza. Mas não, essas
toalhas de que eu estou falando são toalhas de banho enormes,
toalhas para o corpo, estou falando de puro conforto, é por isso que
estou te dizendo, esse lugar tem classe, tem tudo. Imagina você,
tem uma lista de espera do tamanho de... – você tem que ser
convidado e aceito pelos membros, e aí eles precisam investigar a
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sua vida. Eles não deixam qualquer velhaco pé-rapado entrar lá, e
nem deveriam, não é?
GAVIN – Muito certo.
TERRY – Mas claro que nem é preciso dizer que uma pessoa como
você seria muito bem vinda – como membro honorário.
GAVIN – Muito gentil.

DUSTY entra pela porta e se junta a eles

DUSTY – Vocês ouviram o que aconteceu com Jimmy? O que


aconteceu com Jimmy?
TERRY – Não aconteceu nada.
DUSTY – Nada?
TERRY – Ninguém está discutindo isso. Ninguém está discutindo
isso, docinho. Você me entende? Não aconteceu nada ao Jimmy. E
se você não for boazinha, eu vou te dar umas palmadas.
DUSTY – O que está acontecendo?
TERRY – Fala pra ele sobre o novo clube. Eu estava contando pra
ele sobre o clube. Ela é sócia.
GAVIN – Como é lá?
DUSTY – Ah, é belíssimo. Tem tudo. É belíssimo. A iluminação é
maravilhosa. Não é? Você falou pra ele das cabanas?
TERRY – Então, tem um bar, sabe, com cabanas envidraçadas com
vista pra debaixo d’água.
DUSTY – As pessoas nadam pra você, sabe, enquanto você toma
um drinque.
TERRY – Meninas lindas.
DUSTY – E homens.
TERRY – Na maioria meninas.
DUSTY – Você falou da comida?
TERRY – O caneloni é incrível.
DUSTY - De primeira classe. A comida é realmente de primeira
classe.
TERRY – Eles fazem até picadinho de fígado.
GAVIN – É, esse não é um prato que possa ser chamado de local.

MELISSA entra pela porta e se junta a eles.


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MELISSA – Pelo amor de Deus, o que está acontecendo lá fora? É


como se fosse a Morte Negra.
TERRY – O que é?
MELISSA – A cidade está morta. Não há ninguém nas ruas,
nenhuma alma viva, com exceção de alguns... soldados. Meu
motorista teve que parar numa... sabe... como se diz? ... numa
blitz. Tivemos que nos identificar... foi realmente uma perda de
tempo.
GAVIN – Ah, está havendo um pouco de... você sabe...
TERRY – Não é nada. Posso te apresentar? Gavin White, nosso
anfitrião. Senhora Melissa.
GAVIN – Que bom que você veio!
TERRY – O que vocês estão bebendo? (Uma garçonete se aproxima)
Tome uma taça de champanhe. (Oferece um copo a Melissa)
DUSTY – Fico ouvindo todas essas coisas. Eu não sei em que
acreditar.
TERRY – O que você disse?
DUSTY – Eu disse que eu não sei em que acreditar.
TERRY – Você não tem que acreditar em nada. Você só tem que
calar a boca e cuidar dos teus negócios. Quantas vezes eu tenho
que te dizer? Você vem a uma festa agradável como essa, e tudo o
que você tem que fazer é calar a boca, aproveitar a hospitalidade e
cuidar das tuas malditas coisas. Quantas vezes mais eu vou ter que
falar isso? Você fica ouvindo tudo isso. Você fica ouvindo tudo isso
que se espalha de fofocas sobre fofocas. O que isso tem a ver com
você?
GAVIN (Para Melissa) – Venha cumprimentar os outros
convidados...

Ele leva Melissa embora. Terry fica encarando Dusty.

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SAM e PAMELA.

SAM – O que eu estou dizendo é que você tem que manter a


perspectiva. Você não pode deixar que as pessoas tirem as coisas
do contexto.
PAMELA – Você quer dizer que devemos manter as rédeas curtas?
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SAM – Eu acho. Sim, eu acho. Olha, eu sempre fui um homem


absolutamente direto.
PAMELA – Dá pra notar.
SAM – Mesmo?
PAMELA – Está na sua cara. E na sua postura. Você é franco. Muito
bem. Não podemos nos dar ao luxo de fazer rodeios. Temos que
fazer perguntas diretas. O que é importante? O que tem valor? Essa
é a minha pergunta. Quais são os valores que nós escolhemos
defender e por quê?
SAM – Muito.
PAMELA – Muito o que?
SAM – Não, não – quero dizer – bem, sim... exatamente...

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LIZ e CHARLOTTE.

LIZ – Tão lindo. A boca, sem dúvida. E os olhos, claro.


CHARLOTTE – É.
LIZ – Para não falar das mãos. Vou lhe dizer, eu teria matado -.
CHARLOTTE – Eu percebi –
LIZ – Mas aquela vagabunda estava agarrada nele.
CHARLOTTE – Eu sei.
LIZ – Pensei que ela fosse matá-lo de tanto apertar.
CHARLOTTE – Inacreditável.
LIZ – A saia dela estava quase no pescoço – você viu?
CHARLOTTE – Tão descarada -
LIZ – E um segundo depois ela o estava arrastando escada acima.
CHARLOTTE – Eu vi.
LIZ – Mas no que ele estava indo, sabe o que ele fez?
CHARLOTTE – O quê?
LIZ – Olhou para mim.
CHARLOTTE – Olhou?
LIZ – Juro. No que ele estava sendo arrastado, ele olhou para trás,
olhou para trás, juro, para mim, como um bichinho ferido. Nunca,
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enquanto eu viver, eu vou esquecer isso. Eu nunca esquecerei


aquele olhar.
CHARLOTTE – Que lindo.
LIZ – Eu poderia ter cortado o pescoço dela, aquela ninfomaníaca
sem-vergonha.
CHARLOTTE – Eu sei, mas pense no que aconteceu. Pense no lado
bom disso. Porque para você foi amor, foi se apaixonar. Foi isso,
não foi? Você se apaixonou.
LIZ – Foi. Você está certa. Eu me apaixonei. Eu estou apaixonada.
Não dormi a noite toda. Estou apaixonada.
CHARLOTTE – Quantas vezes isso acontece? Aí é que está. Quantas
vezes isso realmente acontece? Quantas vezes alguém sente uma
coisa dessas?
LIZ – É, você está certa. Foi o que aconteceu comigo. Foi isso que
aconteceu – comigo.
CHARLOTTE – É por isso que você está sofrendo.
LIZ – É porque aquela putinha irritante...
CHARLOTTE – Atacou o homem que você ama.
LIZ – É, atacou. Foi isso o que ela fez. Ela atacou o meu amor.

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FRED e DOUGLAS.

FRED – Temos que fazer funcionar.


DOUGLAS – O quê?
FRED – O país.
(Pausa)
DOUGLAS – Você merece aplausos por essa, Fred.
FRED – Mas é isso que importa. É isso que importa. Não é?
DOUGLAS – Ah, importa. É o que importa. Devo dizer que é o que
importa. Toda essa merda tem que parar.
FRED – Você está falando sério?
DOUGLAS – Claro que sim.
FRED – Eu admiro pessoas como você.
DOUGLAS – Eu também.
(Fred aperta seu pulso)
FRED – Um pouco disso.
(Douglas aperta seu pulso)
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DOUGLAS – Um pouco disso.

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EMILY e SUKI.

EMILY – Nós vamos para Sorley no próximo final de semana para a


prova de cavalos. As crianças adoram.
SUKI – O seu marido salta?
EMILY – Bom, na verdade quem salta é o cavalo. O meu marido
compete.
SUKI – Eu já o vi saltar. Ele é muito bom!
(Emily a olha)
Bem, você sabe o que eu quero dizer -
EMILY – Você o viu saltar? Aonde?
SUKI – Ah, em algum lugar no norte, eu acho.
EMILY – Tenho certeza de que os meninos vão seguir os passos
dele. Eles veneram o pai.
SUKI – Então, ele não vem hoje?
EMILY – Bem, claro que não. Ele está ocupado. (Ela aponta para a
janela). Lá embaixo.
SUKI – Ah, é claro.

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FRED e DOUGLAS.

FRED – Como está indo essa noite?


DOUGLAS – Como um relógio. Olha. Deixa eu te dizer uma coisa.
Nós queremos paz. Nós queremos paz e nós vamos conseguir.
FRED – Está certo.
DOUGLAS – Nós queremos paz e nós vamos conseguir. Mas nós
queremos que essa paz seja como ferro fundido. Sem fendas. Sem
arranhões. Ferro fundido. Firme como um tambor. Esse é o tipo de
paz que queremos e é essa a paz que vamos conseguir. Uma paz de
ferro fundido. (Ele aperta seu pulso) Como isso.
FRED – Você sabe, eu realmente admiro pessoas como você.
DOUGLAS – Eu também.
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Eles saem.

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HARLOW, SMITH e PAMELA.

HARLOW – Mike Harlow.


SMITH – Simon Smith. Assistente do Sr. White.
PAMELA – Você é filho da Cynthia Harlow.
HARLOW – Sou sim.
PAMELA – Nós fizemos Oxford juntas. Ela ainda é apaixonada por
cachorros?
HARLOW – Os cães são a vida dela.
PAMELA – Na faculdade todos diziam que ela se casaria com um
cachorro.
(Ela estuda Harlow).
Pelo jeito não se casou.

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MELISSA, DUSTY, TERRY e GAVIN.

MELISSA (para Dusty) – Gentileza sua dizer isso.


DUSTY – Mas você realmente tem uma ótima aparência.
Honestamente. Não tem?
TERRY – Conheço essa dama há anos. Não é? Há quantos anos eu
te conheço? Anos. E ela sempre foi assim. Não é? Ela sempre
pareceu a mesma. (para Dusty) Não é verdade?
GAVIN – É?
DUSTY – Sempre. (Para Melissa) Não é?
TERRY – Sempre a mesma. Não é verdade?
MELISSA – Ah, vocês estão brincando.
TERRY – Eu não. Eu nunca brinco. Você já me viu contando uma
piada?
MELISSA – Não, e se eu ainda pareço bem, é provavelmente porque
eu acabei de entrar esse novo clube – (Para Gavin) Você conhece?
TERRY – Nós estávamos falando para ele. Acabamos de contar pra
ele sobre o clube.
MELISSA – Ah, é?
GAVIN – É, agora mesmo. Parece fantástico. Você é sócia, não é?
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MELISSA – Ah sou. Acho que salvou a minha vida. A natação. Por


que você não entra? Você joga tênis?
GAVIN – Sou jogador de golfe. Jogo golfe.
MELISSA – O que mais você faz?
GAVIN (sorrindo) – Não entendi a pergunta.
TERRY – O que mais ele faz? Ele não faz mais nada. Ele joga golfe.
É isso o que ele faz. É tudo que ele faz. Ele joga golfe.
GAVIN – Bem... eu velejo. Eu tenho um barco.
DUSTY – Adoro barcos.
TERRY – O quê?
DUSTY – Adoro barcos. Adoro velejar.
TERRY – Velejar. Você ouviu isso?
DUSTY – Adoro cozinhar em barcos.
TERRY – A única coisa que ela não gosta nos barcos é ser fodida
dentro deles. Disso ela não gosta.
MELISSA – Engraçado. Eu achei que todo mundo gostasse disso.
(Gavin e Terry riem).
DUSTY – Alguém sabe o que aconteceu com o meu irmão Jimmy?
TERRY – Eu não sei o que é. Talvez ela seja surda ou talvez minha
voz não seja forte o suficiente, ou clara o suficiente. O que vocês
acham, pessoal? Talvez haja alguma coisa errada com a minha
dicção. Sou forçado a levar em conta em todas essas possibilidades
porque eu pensei que tivesse dito que não discutimos a questão do
que aconteceu com Jimmy; não é para discutir, não está na pauta
de ninguém. Achei que já tivesse deixado isso bem claro. Mas talvez
minha voz não seja forte o suficiente ou talvez minha articulação
não seja suficientemente boa ou talvez ela seja surda.
DUSTY – Está na minha pauta.
TERRY – O que você disse?
DUSTY – Eu disse que está na minha pauta.
TERRY – Não, não, você está errada, minha querida. Você está
completamente errada, minha querida, completamente errada, você
não tem nenhuma pauta. Entendeu? Você não tem pauta. O caso é
absolutamente o contrário. (Para os outros) Já vi que eu vou ter de
ter uma conversa séria com ela quando chegarmos em casa, já vi
tudo.
GAVIN – É tão estranho, o número de homens que não conseguem
controlar suas esposas.
TERRY – O quê?
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GAVIN (para Melissa) – É a raiz de tantas doenças, você sabe.


Esposas incontroláveis.
MELISSA – É, eu sei o que você quer dizer.
TERRY – O que é que você está me dizendo?
GAVIN (para Melissa) – Outro dia eu fui passear no bosque. Eu não
tinha idéia de quantos esquilos ainda existem neste país. Eles são
umas criaturas tão vivas, encantadoras.
MELISSA – Eu adorava esquilos quando era criança.
GAVIN – É mesmo? E falcões?
MELISSA – Ah, eu adorava falcões também. E águias. Mas com
certeza falcões. E pombos. O jeito que eles voavam, flutuavam, por
cima do vale. Me faziam chorar. Eu ainda choro.

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A porta da casa está entreaberta. A luz da porta aberta
gradualmente se intensifica. Atravessa a sala. Silhuetas se movem
no primeiro plano.

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DOUGLAS, FRED, LIZ e CHARLOTTE.

DOUGLAS – Ah, você conhece a minha esposa?


FRED (para Liz) – Como vai você?
LIZ – Esta é Charlotte.
FRED – Já nos encontramos antes.
LIZ – Vocês já se conheciam?
CHARLOTTE – Ah é. Nos conhecemos. Ele me deu um empurrão na
vida.
DOUGLAS – É mesmo? Que excitante!
FRED – Foi.
DOUGLAS – Foi excitante pra você também? Levar um empurrão?
CHARLOTTE – Mmmmmm. Foi. Ah, foi. Ainda estou tremendo.
DOUGLAS – Que excitante.
LIZ – Estou achando essa festa tão deslumbrante. Vocês não
acham? Quero dizer apenas que acho que é uma festa
deslumbrante. Vocês não acham? Eu acho que está tão divertido.
Adoro o fato de ver as pessoas tão bem vestidas. Simples, mas bem
vestidas. Vocês entendem o que eu quero dizer? É bobo eu dizer
que me sinto orgulhosa? Orgulhosa em fazer parte de uma
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sociedade de pessoas tão bem vestidas! Meu Deus, eu não sei,


elegância, estilo, graça, gosto, será que essas palavras, esses
conceitos não significam mais nada? Eu não sou a única, sou, que
acha que essas coisas são extremamente importantes? De qualquer
maneira eu amo tudo que flui. Não consigo dizer como estou feliz.
FRED (para Charlotte) – Você casou com alguém. Me esqueci quem
era.
(Longo silêncio)
CHARLOTTE – Ele morreu.
(Silêncio)
DOUGLAS – Se você estiver livre neste verão, você pode vir à nossa
ilha. Nós alugamos uma ilha este verão. Venha. Não tem quase
ninguém lá. Só alguns nativos que nos dão orgulho. Terrivelmente
civilizado. Tudo funciona. Tenho meu próprio gerador. Mas as
tempestades são terríveis, não são, querida? Se você gosta de
tempestades. Sirocos. Fazem você se sentir vivo. Verdadeiramente
vivo. Fazem teu pulso fazer rat-at-tat-tat. Deus pode se tornar
selvagem, não pode, querida? Fazem teu pulso fazer rat-at-tat-tat.
Aumenta a tensão. Você sabe. A pressão sanguínea sobe. Na
verdade, quando eu estou naquela ilha eu me sinto dez anos mais
jovem. Encaro qualquer um. Homem, mulher ou criança, o que vier.
(Ri)
Enfrento até um animal selvagem. Mas quando a tempestade
acaba, e a noite cai, e a lua sai em toda a sua glória, e você fica
sozinho com o ritmo do mar, das ondas, você percebe o que Deus
planejou para a raça humana, você conhece o paraíso.

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SAM, HARLOW e SMITH.

SAM – O que está certo está certo, isso é o que eu tenho a dizer.
HARLOW – Exatamente.
SAM – Quero dizer, se uma coisa funciona, se ela está certa,
respeite isso, reconheça, respeite e agarre-se a isso.
SMITH – Espere por isso.
SAM – Agarre-se a isso. Nós estamos falando de princípios. Quero
dizer, eu conheci um homem em uma festa outro dia – eu não pude
acreditar – ele estava falando as maiores bobagens – suas idéias
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sobre o mundo, esse tipo de coisa – ele era um completo, absoluto


e total idiota – um músico ou algo assim...
SMITH – Stoddart?
SAM – Isso mesmo. Agora, você vê, esse tipo de gente é uma
peste.
SMITH – Não se preocupe com o Stoddart. Nós nos despedimos
dele.
HARLOW – Nós o comemos no café da manhã.

Smith e Halow riem.

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TERRY e DUSTY.

TERRY – Você está louca? Você sabe quem é esse homem?


DUSTY – É, eu acho que eu sei quem é esse homem.
TERRY - Você não sabe o que ele é. Você não tem idéia. Você não
conhece a posição dele. Simplesmente você não tem idéia. Você
simplesmente não tem idéia.
DUSTY – Ele tem belos modos. Ele parece vir de outro mundo. Um
mundo cortês, atencioso. Ele me mandaria flores pela manhã.
TERRY – Não, ele não mandaria. Ah, não, ele não mandaria.
DUSTY – Meu pobre querido, você está decepcionado? Te magoei?
Eu te magoei. E eu sempre tentei ser uma esposa tão boa. Uma
esposa tão boa.
(Eles se encaram)
Talvez você me mate quando chegarmos em casa? Você acha que
vai me matar? Você acha que vai por um fim a tudo isso? Você acha
que isso tudo tem um fim? O que você acha? Você acha que se você
acabar comigo, seria um fim para tudo e para todos? Será que tudo
e todos morreriam comigo?
TERRY – É, todos vocês vão morrer juntos, você e todo o seu
bando.
DUSTY – Como você vai fazer? Me conta.
TERRY – Fácil. Temos dúzias de opções. Poderíamos sufocar cada
um de vocês num sinal combinado ou podíamos empurrar um cabo
de vassoura na bunda de cada um, também num sinal combinado,
ou poderíamos envenenar o leite de todas as mães do mundo para
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que cada bebê caísse morto antes que pudesse abrir a sua maldita
boca pervertida.
DUSTY – Mas vai ser divertido para mim? Vou me divertir?
TERRY - Você vai adorar. Mas eu não vou contar qual o método que
vamos usar. Eu só quero que você tenha muitas preliminares. Eu
quero que você fique ansiosa em saber que método será usado,
mas com muita preliminar.
DUSTY – Mas você ainda me ama?
TERRY – Claro que eu te amo. Você é a mãe dos meus filhos.
DUSTY – Ah, aliás, o que aconteceu com Jimmy?

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PAMELA, EMILY e SUKI.

PAMELA – Ah, sim, eu costumava jogar, quando era pequena. Eu


adorava! Meu pai era um jogador maravilhoso. Um arraso nas
redes.
SUKI – Você conhece o Robert Cowley? O marido da Emily? O que
salta em exibições?
PAMELA – Não pessoalmente.
SUKI – Ele é um ótimo tenista. (para Emily) Não é?
EMILY – Ele o primeiro da escala no clube.
PAMELA – Escala?
Emily – É, a escala de tênis no clube – você sabe – nosso clube –
ele é o primeiro da escala.
SUKI – Forehand espetacular (golpe com a palma da mão virada
para frente – no tênis). Literalmente espetacular.
EMILY – Bem, na verdade, ele é um perfeito atleta em todas as
modalidades.
SUKI – Ele não salta para o exército também?
(Emily a encara)
PAMELA – (para Emily) Você deve ter tanto orgulho dele!

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FRED e CHARLOTTE.

FRED – Quanto tempo.


CHARLOTTE – Quanto tempo.
FRED – Não é?
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CHARLOTTE – Ah, é. Anos.


FRED – Você está mais bonita do que nunca.
CHARLOTTE – Você também.
FRED – Eu? Eu não.
CHARLOTTE – Ah, está sim. Bem, é uma maneira de falar.
FRED – O que você quer dizer com uma maneira de falar?
CHARLOTTE – Ah, eu quis dizer que você está bonito como sempre
foi.
FRED – Mas eu nunca fui bonito. De maneira nenhuma.
CHARLOTTE – Não, é verdade. Você não era. De maneira nenhuma.
Estou falando merda, por assim dizer.
FRED – Sua linguagem sempre foi deplorável.
CHARLOTTE – É. Pavorosa.
FRED – Está gostando da festa?
CHARLOTTE – A melhor festa que estive em anos.
(Pausa)
FRED – Você disse que o seu marido morreu.
CHARLOTTE – Meu o quê?
FRED – Seu marido.
CHARLOTTE – Ah, meu marido. Ah, é. Verdade. Ele morreu.
FRED – Foi uma doença longa?
CHARLOTTE – Curta.
FRED – Ah. (Pausa) Rápida então.
CHARLOTTE – Rápida, é. Curta e rápida.
(Pausa)
FRED – Melhor assim.
CHARLOTTE – Você acha?
FRED – Eu acho.
CHARLOTTE – Ah. É. (Pausa) Melhor pra quem?
FRED – O quê?
CHARLOTTE – Você disse que era melhor assim. Melhor pra quem?
FRED – Pra você.
(Charlotte ri)
CHARLOTTE – Claro! Ainda bem que você não disse para ele.
FRED – Bem, eu poderia dizer pra ele. Uma morte rápida pode ser
melhor que uma morte lenta. É lógico.
CHARLOTTE – Não, não é.
(Pausa)
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De qualquer maneira, aposto que pode ser rápida e devagar ao


mesmo tempo. Aposto que pode. Aposto que a morte pode ser
ambas as coisas ao mesmo tempo. Ah, por falar nisso, ele não
estava doente.
(Pausa)
FRED – Você ainda está muito bonita.
CHARLOTTE – Acho que está acontecendo alguma coisa na rua.
FRED – O quê?
CHARLOTTE – Acho que está acontecendo alguma coisa na rua.
FRED – Deixe a rua com a gente.
CHARLOTTE – Quem é a gente?
FRED – Ah, só nós... você sabe.
(Ela olha para ele)
CHARLOTTE – Meu Deus, o seu semblante! Não, sério. Você ainda
está tão bonito! Como você consegue? Como é a sua alimentação?
Qual é o seu regime? Por falar nisso, qual é o seu regime? O que
você faz para se manter tão... eu não sei... tão... ah, eu não sei...
tão bem disposto, tão elegante?
FRED – Eu levo uma vida limpa.
(Douglas e Liz se juntam a eles)
CHARLOTTE (para Douglas) – Você também?
DOUGLAS – Eu também o quê?
CHARLOTTE – Fred disse que ele está em boa forma e... bonito...
porque leva uma vida limpa. E você?
DOUGLAS – Eu levo uma vida inacreditavelmente limpa. Não me
deixa bonito, mas me deixa feliz.
LIZ – E me deixa feliz também. Tão feliz.
DOUGLAS – Mesmo assim eu não sou bonito?
LIZ – Mas você é. Você é. Não é? Ele é. Você é. Ele não é?
(Douglas põe seu braço ao seu redor)
DOUGLAS – Quando nos casamos, morávamos numa sala e dois
quartos. Eu era – vou ser franco – eu era um representante
comercial, um vendedor – é verdade, era o que eu era e eu não
nego – e viajava muito. Não era? Viajava muito. Porque a minha
garotinha aqui me deu gêmeos.
(Ri)
Vocês acreditam? Gêmeos. Tive que me matar de trabalhar, podem
acreditar. Mas essa garota aqui, essa garotinha aqui, vocês sabem o
que ela fez? Ela cuidou desses gêmeos sozinha. Sem empregada,
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sem ajuda, nada. Ela fazia tudo sozinha – tudo sozinha. E quando
eu voltava de viagem, eu encontrava o apartamento imaculado, os
gêmeos de banho tomado, na cama, cobertos na cama, já
dormindo, e minha mulher linda com meu jantar no forno.
(Fred aplaude)
E é por isso que ainda estamos juntos.
(Beija Liz no rosto)
É por isso que ainda estamos juntos.

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HARLOW e Smith andam pelo hall vazio. A porta da frente está
fechada. Eles param, olham para os corredores fora do
apartamento e então saem de cena. A porta fica entreaberta. A luz
da porta aberta gradualmente se intensifica. Penetra na sala.

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TERRY, DUSTY, GAVIN, MELISSA, FRED, CHARLOTTE, DOUGLAS,
LIZ, SAM, PAMELA, EMILY, SUKI, HARLOW e SMITH.

TERRY – Nesse negócio, o teu dinheiro é bem gasto. Hoje em dia


isso é uma coisa muito, muito rara. É extremamente raro hoje em
dia o seu dinheiro ser valorizado. Lá você põe a mão no seu bolso,
tira o dinheiro e você sabe o que está ganhando. E o que você está
recebendo é um serviço completo, cinco estrelas. Cinco estrelas
para todos os departamentos. Você tem uma infra-estrutura. Você
tem infra-estrutura para tudo. Não é só uma grande infra-estrutura
em si – sabe: comida, esse tipo de coisa – guardanapos – sabe,
tudo isso, maravilhoso, primeira classe – mas você também tem
infra-estrutura artística – você tem uma atmosfera – neste clube –
que combina artisticamente com a sua clientela. Estou me referindo
ao tipo de iluminação, ao tipo de pintura, ao estilo de música, ao
que o clube oferece. Estou falando sobre o ambiente
verdadeiramente aconchegante e harmonioso. Você não ouve
pessoas falando em voz alta no clube. As pessoas não fazem coisas
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vulgares, sórdidas e ofensivas. E se fazem, nós chutamos seus


colhões e os jogamos escada abaixo, sem problemas.
MELISSA – Posso endossar tudo que foi dito?
(Pausa)
Gostaria de endossar tudo que foi dito. Gostaria de confirmar com
minha voz. Já pertenci a muitos clubes de tênis e de natação.
Muitos clubes de tênis e natação. E foi em alguns desses clubes que
encontrei meus amigos mais queridos. Todos eles estão mortos
agora. Cada amigo que eu tinha. Ou que encontrei. Mortos. Todos
eles estão mortos. Cada um deles. Não tenho mais absolutamente
ninguém. Não restou ninguém. Não restou nada. Para que serve
isso tudo? Os clubes? Pra que servem? Pra quê?
(Silêncio)
Mas os clubes morrem também e imediatamente. Quero dizer que
deve ser feita uma distinção. Meus amigos foram no caminho do
material e eu não lamento. De qualquer maneira eles não foram
meus amigos. Não conseguia suportar a metade deles. Mas os
clubes! Os clubes morreram, os clubes de natação e de tênis
morreram porque eram baseados em idéias que não tinham
nenhum fundamento moral, não tinham fundamento moral
qualquer. Mas nosso clube, nosso clube - é um clube que é ativado,
inspirado pelo sentido moral, uma preocupação moral, com valores
morais que – tenho que dizer – são inalteráveis, rigorosos,
fundamentais e constantes. Obrigada.
(Aplausos)

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Telefone toca. Halow atende.

HALOW – Alô? ... Obrigado.

Ele desliga o telefone.

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O grupo.

GAVIN – É, estou muito contente de você ter dito tudo isso.


(Harlow se aproxima e cochicha em seu ouvido. Gavin acena com a
cabeça e se vira para os outros).
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Vocês não estão?


DOUGLAS – Primeira classe.
LIZ – Tão emocionante.
Pámela – Absolutamente certo.
TERRY – Fantástico.
EMILY – Encantador.
FRED – Na bucha.
SUKI spot on!
CHARLOTTE – Pura verdade.
SMITH – Ótimo!
DUSTY – Ah é.
(Bate palmas)
Ah é.
SAM – Extraordinário.
DOUGLAS – Absolutamente de primeira classe.
GAVIN – É, foi de primeira classe. E é necessário dizer. Como foi
esplendidamente dito essa noite, numa festa agradável, com tão
boa companhia. Devo dizer que falo como anfitrião muito feliz. E
por falar nisso, eu realmente tenho que me juntar neste
maravilhoso clube de vocês, não tenho?
TERRY – Você está eleito. Você é o nosso sócio honorário. Foi eleito
hoje.
(Risos e aplausos)
GAVIN – Muito obrigado mesmo. Agora eu acredito que um ou dois
convidados encontraram problemas no trânsito quando estavam
vindo para cá. Peço desculpas por isso, mas gostaria de afirmar que
todos esses problemas e todos os problemas relacionados a isso
serão resolvidos brevemente. Ouvimos alguns boatos essa noite.
Esses boatos estão chegando a um fim. Na verdade os serviços
normais vão ser retomados brevemente. Esta é, de qualquer
maneira, a nossa meta. Serviço normal. Se vocês gostarem, nós
vamos insistir nisto. Nós vamos insistir nisto. Vamos. Isso é tudo
que pedimos, que o serviço que este país fornece corra normal,
seguro e legitime caminhos e que o cidadão normal possa fazer seu
trabalho e se divertir em paz. Muito obrigado por vocês terem vindo
aqui essa noite. Foi realmente muito bom ver vocês, esmagador.

GARÇONETE entra com champanhe. Risos. Tumulto de vozes.


19

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Risadas continuam. As pessoas se movem. A porta do hall está
aberta. A luz da porta se intensifica, penetrando na sala. Todo
mundo está parado, em silhueta. Um homem vem da luz e fica
parado na porta. Está vestindo uma roupa leve.

JIMMY – Algumas vezes ouço coisas. Depois pára.


Eu tinha um nome. Era Jimmy. As pessoas me chamavam de
Jimmy. Era esse o meu nome.
Algumas vezes eu ouço coisas. E aí tudo fica quieto. Quando tudo
está quieto eu ouço meu coração.
Quando os barulhos terríveis vêm, eu não ouço nada. Não ouço,
não respiro, fico cego.
Então tudo fica quieto. Ouço uma batida de coração. Provavelmente
não é a batida do meu coração. Provavelmente é a batida do
coração de alguém.
O que sou eu?
Às vezes a porta bate, eu ouço vozes, e aí pára.
Tudo pára. Tudo isso pára. Tudo fecha. Fecha. Se tranca. Tudo se
tranca. Se cala. Se tranca. Não vejo mais nada em nenhum
momento. Fico sentado chupando o escuro.
É o que eu tenho. O escuro está na minha boca e eu o chupo. É a
única coisa que eu tenho. É meu. Me pertence. Eu chupo.

FIM

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