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Narrativas Indígenas e o Clamor da Majestade Dourada

Resenha da Dissertação “Histórias de Brancos: Memória, Historiografia dos Índios Manao do


Rio Negro (século XVIII-XX)

Eloan Gabriel Ribeiro Serrão

Belém
2020
Preâmbulo

Um episódio em especial da história amazônica em especial principia o estudo realizado


pelo Dr. Décio Guzmán, ao qual os índios Manao entraram em conflito com os padres e
soldados portugueses sob a alegação destes indígenas estabelecerem relações comerciais com os
holandeses residentes nas Guianas, eclodindo no confronto entre os Manao e as “tropas de
resgate” entre os anos de 1723 e 1727.

Com isso, objetiva-se apurar as relações entre os fatos, as concepções míticas e a


memória historiográfica erigida acerca dos índios Manao até a metade do século XX. Além de
averiguar as distintas figurações destes indígenas nas narrativas e os contatos nas interpretações
modernas, e para tanto, a imagem do chefe Ajuricaba é deveras importante no que se refere a
edificação de uma figura heroica.

Estruturando a pesquisa, há a utilização dos documentos coloniais do século XVII ao


XVIII (crônicas e relatos de religiosos) e a historiografia do século XX, esta última por sua vez,
contribuiu na geração uma “identidade” local das elites amazonenses, exemplo de uma
“invenção documentada” que ratifica a construção do herói.

Silêncios da Historiografia Clássica

Nesse sentido, durante o que se tem produzido acerca da história colonial amazônica,
nota-se a presença indígena ligados a subtemas ou em segundo plano em demais problemáticas.
Isso é reflexo de uma concepção institucional que contaminou essa historiografia clássica com
um caráter colonizador.

Em relação a documentação colonial, ao qual, explicita claramente o intento de difundir


a ação missionária entre os autóctones, além de consolidar as marcas da colonização e ada
soberania através das águas amazônicas.

Todavia, isto se deve as influências que impregnaram tanto a documentação (refere-se,


aos registros de naturalistas, diários de viajantes) com a inflexão do iluminismo setecentista,
quanto do alvorecer de uma historiografia assinalada pelo positivismo no epílogo do século XIX
e aurora do século XX.

Além da corrente cientificista, com o estímulo do IHGP e do próprio D. Pedro II, que
fomentavam a “vida intelectual” e ao qual, a temática indígena era bastante forte, embora
“sabia-se muito pouco a respeito dos indígenas, mas a literatura carrega a imagem do chefe e do
indígena heroicos” (SCHWARCZ, 1999, p. 131. Grifos meus).
História dos Índios: Uma História Relacional

Uma problemática urge, “até que ponto é historicamente legítimo propor uma história
dos índios?”. Nesse sentido, evidencia-se dois pontos, a visão dos brancos e o relato dos
contatos entre os índios e europeus. Ademais, é deveras importante realizar a história dos índios
junto a história dos portugueses, mestiços, negros e demais povos. É na diferença, no atrito entre
as culturas que se pode fazer as comparações, ou seja, só há como definir “índios” se estiverem
em relação aos “não-índios”.

Mais à frente, cita-se a importância de dois etnólogos que contribuíram


excepcionalmente, Curt Nimuendajú Unkel e Theodor Koch-Grumberg, ambos sobre os grupos
indígenas, os Manao são citados, ainda que um interesse direto sobre eles não se efetivou. Ainda
que uma série de elementos, tais quais, uma densa rede de comércio, um sistema de amizade,
mais as narrativas sobre os Manao tornam possível um vislumbre desse passado.

Capítulo I: Histórias de Brancos: A Guerra contra os Manao

Destarte o ano de 1723, o chefe Manao Ajuricaba atirou-se ao rio e morreu afogado da
embarcação ao qual era cativo, isto foi o ponto de ignição para vários conflitos entre os
portugueses e os grupos autóctones do Médio Rio Negro, e com isso, o jogo político colonial
ganha nova configuração.

O caminho das cachoeiras do Rio Negro representou um local importante de


colonização desde o século XVII, além de uma paisagem extraordinária. Sua importância
residia no tráfego dos índios oriundos de Quito e das Guianas, indicando as relações comerciais
quer eram estabelecidas e densas redes políticas.

Enselvados em complexas e intricadas relações intertribais, a existência de europeus (a


especificar, holandeses, ingleses, franceses e espanhóis) em terras lusitanas exigiu uma ação
defensiva dos portugueses mais uma imisção pujante e efetiva contra seus inimigos. Desde os
primórdios do século XVII que os portugueses resguardavam seus domínios, a exemplo da
expulsão dos franceses das costas maranhenses e o rechaço contra os holandeses (em dois
ataques em 1648 e 1649 respectivamente) do litoral pernambucano que ficou conhecido como a
“Guerra dos Guararapes”. Curiosamente, o descuido e desinteresse quase culminou na
desapropriação da Amazônia

No que se refere as missões, o padre Samuel Fritz, da Companhia de Jesus, erigiu


capelas e converteu “milhares”, alegou, além de outras grandes missões de catequese dos índios
serem firmadas. Com o crescimento dessas missões, culmina no crescimento da coleta e
produção de cacau, onde nota-se que durante 1723 e 1729, a quantidade de canoas com
permissão de percorrer o rio Amazonas com o fim de coletar o cacau expandiu de 80 para 110
por ano e em 1736, o índice atingiu 320 ao ano.

Os Manao

Sobre os Manao, caracteriza-se como “uma numerosa e poderosa tribo de traficantes do


vale médio do Rio Negro”. Eram guerreiros e sua subsistência era a guerra. Detinham a posse
do vale até o crepúsculo do período colonial, mesmo após a evaporação dos falantes de sua
língua e de sua cultura própria.

Eles também foram associados à localidade de Manoa, nas proximidades do lago


Parima (Lago Dourado), e de acordo com a lenda, foi onde residiu o último dos Incas, um
fugitivo da invasão de Cuzco por Pizarro. Outro detalhe é o interesse dos portugueses neste
povo, não pela lenda, mas pelo contato com os holandeses.

A Guerra Contra os Manao

O ingresso a do médio Rio Negro era deveras significativo, porque permitia fundar uma
rota para os rios Solimões, Branco e Orinoco, embora o território era historicamente ocupado
por vários aldeamentos Manao e desde o fim do século XVII ou antes, havia um comércio
volumoso de ouro, armas e escravos por parte dos Manao, os holandeses e quem falava a língua
Caribe, claro, desde que na área ao qual havia interesse dos portugueses em possuí-la.

Outra razão para que a Guerra Justa fosse estabelecida, se deu no assassinato do
Principal Carunamã, um “fiel vassalo de Sua Majestade e amigo dos portugueses”, isto
tensionou o declamo da guerra entre os Mayapenas e os Manao. Outro fator também, remete-se
no ato do chefe Ajuricaba, portar uma bandeira em sua condução marítima e expô-la por todo o
rio Negro.

Interessante notar que a relação entre os índios Manao e os holandeses não era tão
amistosa e com isso, indica que os “Maganout” geravam consternação aos colonos holandeses
de Essequibo. Logo, o Conselho Político de Essequibo tramou um ataque defensivo, já no ano
posterior de 1724 foi notificado de novos rechaços dos índios Manao contra os Akawaio e
Caribes, provocando uma investida por parte deste Conselho de “extirpar e aniquilar” os Manao.

Em consequência disto, nenhuma aliança junto dos holandeses fora registrada.


Outrossim, um ponto fundamental, é a rede de alianças dos portugueses mais pingos de chefes
indígenas da própria tribo Manao, ao passo que estes atuam como intermediários entre os
portugueses e as populações locais.
Em virtude disto, se deu uma votação pela Junta das Missões para se averiguar se os
delitos seriam suficientemente favoráveis para se clamar guerra aos índios, e portanto, uma
Devassa estabeleceu-se para verificar “todos os danos e mortes feitas aos vassalos de Sua
Majestade”. O resultado foi que, ao enviar uma canoa com soldados e munições com o intuito
de realizar resgates nas “cachoeiras do Rio Negro” acarretou em um afronte indígena.

Escravidão e Repartimento dos Índios

Outro ponto a instigar a guerra contra os Manao e Mayapenas, tange a repartições de


índios cativos que os referidos conflitos geraram. A legislação da época, determinou que 1/5
autóctones apresentados dever-se-á pertencer a Fazenda Real após os exames do missionário
que seguia as tropas.

No século XVIII, algumas etnias eram vistas como pagãs pela Legislação Indigenista, e
permitia de forma jurídica a “guerra justa” contra outras tribos e exigia ainda, o trabalho
missionário de “conversão”. Logo, nos conflitos lusitanos havia a inevitável escravidão e as
alianças, e com isso, os aldeamentos e a catequese, essa escala, claro, não se configurava da
mesma forma todas as vezes, assim como a própria legislação que era aplicada com diferentes
fins.

Capítulo II: O Eldorado: Narrativas do Contato entre Mitos e Realidades

Nesta secção há de se determinar a ligação entre as múltiplas narrativas de contato dos


europeus com os Manao. E a análise tratar-se-á também sobre a sua constância na
documentação colonial, no caso, em uma conjuntura de descoberta ou comércio de objetos de
ouro. Dentro dos limites em que se expande pelos rios Negro, Branco, Orenoco, Essequibe e por
fim, o Solimões.

A Amazônia no Contexto de Disputas Coloniais

Sabe-se que havia um interesse mútuo das nações europeias nos territórios das Guianas
e da Amazônia desde o século XVI com as diversas expedições se enselvaram nestas áreas.
Além de uma primeva ocupação no Pará no mesmo século planejada pelos ingleses e
holandeses.

Nesse contexto três questões alvorecem. “1) Qual a importância política e econômica da
região entre a bacia hidrográfica do rio Orinoco e o vele do Amazonas no processo de expansão
dos Estados europeus, no século XVI? 2)Como compreender as interações dos interesses
políticos e militares europeus que enforcaram o noroeste da Amazônia, entre os séculos XVI e
XVII, mais as relações políticas expressas na rede de comércio entre os grupos indígenas que
habitavam a mesma região? 3) Que papel exercem os índios Manao na rede de alianças e
conflitos intertribais e interétnicos que caracterizam o processo de contatos entre os europeus e
as sociedades indígenas, no noroeste da Amazônia?”

As conclusões à essas questões podem emergir, em parte, nos relatos das expedições
realizadas, ao passo que o terreno púbere estava a ser desbravado, consequentemente, haveriam
especulações, boatos acerca das possíveis, inúmeras e pujante riquezas que ali residiriam. Logo,
mitos e lendas mesclavam-se com a bagagem cultural em um caldo, junto das realidades que os
oprimia de todas as direções.

Mais além, vale ressaltar a “exterioridade” da grande parcela dos relatos acerca do
terreno analisado. Onde nota-se como a Inglaterra renascentista, a Espanha barroca, a Boêmia
dos jesuítas desejava estas terras. Ainda que por mais contraditório que pareça, não há como
distinguir a história da Amazônia da história das nações europeias (especificando os ingleses,
holandeses, espanhóis, franceses e também os portugueses).

Walter Raleigh: Propagandista de Ideias Colonialistas

Uma parte considerável das descrições acerca de Manoa, é oriunda nas narrativas
inglesas e do epistolário espanhol. Ainda que Sérgio Buarque de Holanda em seu Visão do
Paraíso apresente as “Índias de Castela” como origem da lenda, Luis Weckmann, recorda a
primeira aparição de Eldorado na cartografia portuguesa sobre o Brasil.

Essa temática mitológica aparece em múltiplas ocasiões da partida de conquista do


território brasileiro ainda no século XVI, ao qual, forneceu o “gás” necessário para impulsionar
a imersão no interior do Brasil pelo “sertão”.

Não obstante, Walter Raleigh foi o pioneiro em fornecer dados substanciais dos
costumes das tribos indígenas guianenses. O aventureiro, colonizador e intelectual inglês,
favorito de Elizabeth I, conquistando o seu espaço na corte inglesa como um notável
conhecedor da arte náutica, alquimia, história e poesia, ao qual, lhe foi atribuído as “origens
intelectuais da Revolução Inglesa”.

Raleigh estava determinado a ratificar a existência do ouro das Guianas e, portanto, era
imperativo que a Inglaterra instaurasse a sua conquista de territórios coloniais na América e
contrapor-se ao império espanhol. Posteriormente, os franceses, holandeses e portugueses
ingressariam nessa disputa para possuir “os melhores quinhões da América”, em confronto com
a Inglaterra e Espanha.
Raleigh, honrado em ser o fundador do império colonial inglês, erigiu um discurso
colonialista explicitando provas contundentes acerca da viabilidade e necessidade de
investimentos coloniais na América, visando a urgência dos ingleses em chegarem à Amazônia.
Com isso ele elaborou descrições com finalidades políticas para induzir o colonialismo inglês
nessas terras, e por isso, além das paisagens, indígenas, há a citação de monstros, animais
fantásticos ou sinistros.

Manoa, ou “El Dorado”

Ainda que comparada as demais cidades do Império espanhol, Manoa as sobrepunha em


seu tamanho, riquezas e “excelente situação”. Era a capital de um império que detinha mais
ouro que todo o Peru em toda a sua pujança. A ciência da existência de Manoa vinha para
Raleigh dos relatos de Juan Martínez, chefe da artilharia da expedição de Ordaz. Levado pelos
Guianenses até a “grande cidade de Manoa”. Viveu lá por 7 meses, embora não lhe era
permitido vagar pelo país como desejar.

Este tempo lhe foi suficiente para registrar a abundância de ouro entre seus habitantes,
um dos rituais registrados, “os guerreiros eram banhados com o ouro em pó, soprado com um
tubo sobre os corpos nus, até que brilhassem dos pés à cabeça”. A visualização da presença do
ouro nos templos, placas, armaduras e escudos utilizados nas guerras, ocasionou por Martínez
conferir à cidade a alcunha de “El Dorado”.

A cidade de Manoa permaneceu oculta para Raleigh, e embora não ter êxito em carregar
seus navios com a abundância de ouro que ansiava, ele deixou as Guianas com a convicção que
a cidade existia, junto do mesmo ouro que enriqueceu os espanhóis. Mas também, a figura dos
homens acéfalos, as amazonas, os macróbios, podem ser entendidos como uma criação europeia
que que foi introduzido no processo de (re)significação, há uma releitura de insígnias, imagens
de uma bagagem cultural externa e que entra em contato com o repertório do “Novo Mundo”,
há um “estranhamento” com o que foi presenciado e isso gera uma boa parte dos mitos e lendas
que sobrevoam esse imaginário e integram uma “nuvem simbólica, mística”.

Os Holandeses e os Índios “Maganouth”

Em continuidade a busca do ouro feita por Raleigh, vários ingressos aos rios Amazonas
e Negro foram estabelecidas, isto na primeira metade do século XVII. Houve diversas tentativas
de os holandeses em se fixar na Amazônia no século XVI. O primeiro forte erigido em 1613
pelos batavos, exprimiu esse objetivo, “Kilkoveral” representou a sua instalação.
Em um dos documentos que trata do modo de estabelecer e manter esses contatos (o
comércio com os índios, mas nos conformes da natureza comercial), nota-se algo recorrente, a
associação constante entre o comércio objetivado pela Companhia de Comércio holandesa com
intuito em chegar a El Dorado, a cidade de Manoa, ou seja, os holandeses ansiavam por
descobrir o Eldorado.

Os itens a serem trocados com os “naturais” ou com seus chefes, viriam junto de outros
objetos e ferramentas aptas a auxiliar a análise e detecção de uma provável existência de ouro
ou prata no subsolo dos domínios indígenas. O envolvimento dos Manao nesse tráfico se dá em
1724, período este ao qual, ocorre a guerra dos portugueses contra os Manao nas áreas do rio
Negro, já os Maganout confrontavam os Karinya, (aliados dos holandeses). A origem deste
confronto se justifica na “supremacia e acesso privilegiado ao tráfico [de escravos indígenas]”.

O “Rio do Ouro” (El Rio de Oro)

A busca por ouro fomentada com o triunfo da exploração colonial espanhola, continuou
suscitando expedições inéditas e pelas terras amazônicas já na primeira metade do século XVII.
E com isso, na referida data de 28 de outubro de 1637, o “sertanista” Pedro Teixeira determinou
(com a recomendação pelo então governador-geral do Estado do Maranhão e Grão-Pará, Jácome
Ribeiro de Noronha) uma Jornada Fluvial pelo Amazonas no caminho entre Belém e Quito.

Ressalta-se a função dos mamelucos como detentores de um conhecimento técnico


acerca da Amazônia e também como mediadores privilegiados entre os chefes indígenas e os
europeus. A exemplo de Bento da Costa, responsável por elaborar o mapa do rio Amazonas.

Nesta aventura, seguiam Teixeira, aproximadamente 2.500 pessoas, dentre estes


especificam, 70 soldados divididos em 47 conduções navais. Esta empreitada intentava chegar
ao famigerado “Rio do Ouro”. O incumbido de registrar os eventos desta jornada foi o padre
Cristóbal de Acuña, que foi publicado em 1641.

Em seu diário de viagem, o padre reportou o contato com os indígenas que viviam às
margens do rio Juruá, e os nomeou de “Managus”. Este é o primeiro registro que há acerca do
encontro entre os europeus e os que foram alcunhados por Manao. Havia relatos da presença de
minas de ouro no rio Yquiari, Acuña o denominou de “que é o rio do ouro”. A repartição do
ouro não se dava pelos mesmos que índios que o extraiam, mas pelos “Managus”.

O povoado de Franciscana representa a marca da entrada dos portugueses na região do


rio Amazonas, ao qual, o padre Acuña também estava presente e adentram os afluentes do “rio
mar.
Um Jesuíta Boêmio no Jardim das Espérides

O rio Negro contava com a presença dos padres jesuítas desde 1657. Logo, com o
estabelecimento das missões e a fundação de povoados, é possível perceber, a exemplo do
comércio a longa distância que se expandiu à uma vasta área, chegando talvez até o rio Madeira.
E com isso, percebe-se a extensão do rio Negro como uma zona intermediária de comércio,
ultrapassando as próprias ações comerciais dos Manao que trafegavam em amplas áreas do vale
amazônico estabelecendo trocas com “estrangeiros” e demais grupos indígenas.

Sabe-se pouco da vida do padre Samuel Fritz antes de seu ingresso na Companhia.
Nasceu em Ornavia, um lugarejo na Boêmia, em 1654 foi admitido na Companhia de Jesus
quando chegou aos 19 anos de idade. Estudou, humanidades, filosofia e teologia. Logo,
distinguindo-se dos demais, ocasionalmente, lhe é designado deveres dos altos cargos pelos seus
superiores na Companhia.

Após se aventurar pelo Amazonas e lá se estabeleceu, e no ano de 1689 relatou em seu


diário sobre alguns contatos com os Manao, e havia mais detalhes sobre os costumes do que os
de Acuña, e refere-se aos índios em dois modos: o comércio de objetos de ouro sustentado pelos
Manao; já outra, ao “Rio de Ouro” citado por Acuña.

Rastreando os passos deste último, Fritz trabalha no tema “rio do ouro”, e cria uma
intrigante analogia entre o rio do ouro, ou o Eldorado e a mitologia do “Jardim das Espérides”
relatado em “Metamorfoses” de Ovídio. E com uma das descrições em sua documentação, Fritz
mescla dois mitos ocidentais na Amazônia espanhola-portuguesa, para atribuir a existência de
ouro nos domínios ao qual, alegou ser espanhol, isto se dá na conjuntura fronteiriça dos litígios
coloniais ibéricos, mais holandeses, ingleses e franceses.

Um Ilustrado Francês e a “Fábula” do Eldorado

O naturalista francês Charles-Marie de La Condamine se aventurou pelo Amazonas, e


lá, regressou aos registros de Fritz, Delisle e Acuña, utilizando-os no objetivo de encontrar o
“Rio do Ouro”. Ele retomou aspectos dos relatos anteriores sobre os Manao, confirmando
alguns e negou outros com base em suas próprias observações e conhecimentos. Logo, os
Manao organizavam, um comércio de escravos, um comércio de objetos, além de serem
conhecidos como “uma nação belicosa, e temida por seus vizinhos”.

Inspirando-se “na versão autêntica e definitiva sobre os Manao”, La Condamine


descreve que as “fábulas” sobre Manoa e o lago dourado são “deu um lado, o produto da avidez
e [d]a preocupação dos europeus que desejavam a todo custo encontrar o [o ouro] que
buscavam, e por outro, [d]o caráter mentiroso e exagerado dos índios interessados em afastar
hóspedes incômodos”.

Capítulo III: Histórias de Brancos: Uma Historiografia Amazonense dos Índios Manao

No seguinte capítulo, tratar-se-á de um debate da memória historiográfica e etno-


historiográfica ao qual, “construiu” de certa forma o evento da guerra de destruição contra os
Manao do rio Negro no ano de 1720.

Mas também, em uma conjuntura de negociações diplomáticas das fronteiras territoriais


entre o Brasil e a Guiana Inglesa, tentar entender, esboçar, descrever as aspirações de Joaquim
Nabuco em sua leitura e confecção dos artifícios da história do rio Negro, ao qual, era o relator
principal da Comissão de demarcações de limites.

Em um contexto de grande efervescência política e cultural, há uma reconstrução das


múltiplas organizações da intelectualidade amazonense dos anos 20, 30 e 40, e com isso,
produzir um aclaramento no plano político e ideológico de um episódio sobre os Manao, com a
apresentação das notáveis versões “construídas” deste evento pela “inteligentzia” do Estado do
Amazonas, mostrando o contexto (acima citado) em foi gerado.

Joaquim Nabuco: A Comissão de Demarcação de Limites entre o Brasil e a Guiana


Inglesa

Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo foi conclamado advogado da colocação


brasileira no que tange a demarcação dos limites territoriais entre o Brasil e a Guiana Inglesa,
ocorrendo no governo de Francisco de Paula Rodrigues Alves na referida data de 5 de abril de
1900. A pauta dos limites retrata, em princípios do século, um empecilho a ser solucionado de
forma diplomática, evadindo-se de um conflito armado.

A Guiana aparentava uma área inédita de interesses do imperialismo britânico. Depois


de aproximadamente 100 anos de acordos bilaterais falhos, apesar de, Lord Salisbury inferir
uma configuração ao qual, Rio Branco discorda e lança uma contraproposta que também é
rejeitada pelos plenipotenciários ingleses, ao menos, o acordo se dá na forma da pauta de limites
seja resolvida por arbitramento.

A Inglaterra detinha os louros quanto à Venezuela, e por conseguir força moral com
essa vitória, aproveitaria e as utilizaria as mesmas técnicas com a qual vencera a Venezuela e as
aplicaria ao Brasil. Enfim, com a conclusão do arbitramento, estava pendente a feitura da
primeira Memória a ser entregue em março de 1903, o que demandaria de Nabuco um extenso
trabalho de pesquisa e aquisição de dados.
O volume “Le Droit du Brésil” foi redigido em virtude de validar os direitos brasileiros
acerca dos territórios em litígio, resultado este do “Artigo V” do tratado estabelecido por entre
as partes litigantes, no qual, “deveria ser apresentada uma Memória impressa por cada uma
partes, acompanhada de documentos, de correspondência oficial e de outras provas sobre as
quais cada uma se apoiaria”. A primeira Memória foi dado a Vítor Emanuel em 26 de fevereiro
de 1903 e continha 8 volumes massivos.

Com isso intentava em ratificar a ocupação lusitana desde o período colonial,


“demonstrando a antiguidade da ocupação portuguesa do rio Amazonas e do rio Negro”.
Redigida em um semestre, a Réplica somava a Tréplica, ao qual, foi escrita em três meses e
juntas formam 18 exímios volumes que contam a memória brasileira sobre o litígio com a
Inglaterra sobre a Guiana.

Esse trabalho monumental, se debruça sobre a história da colonização dos rios Negro e
Branco entre os séculos XVI e XVIII, até então um marco na historiografia nacional do período,
e por isso, ela se tornou referência a todos os pesquisadores que buscam “narrar, comentar ou
simplesmente compreender a história da colonização dos rios Negro e Branco”.

Perfil da Intelectualidade Amazonense: Anos 20 e 30

No período dos anos de 1920 e 1930 que a historiografia colonial do rio Negro e no
Amazonas se fixou e ganhou potência de ideologia fixadora de uma “identidade” regional. Para
tanto, os atores deste processo de “afirmação cultural” eram bacharéis (pessoas de nível
universitário, médicos ou advogados) ou jornalistas empenhados na política profissional.

Tendo em vista que a maioria era formada por docentes com obras publicadas, cujo foco
era a Amazônia em seu meio geográfico e sua história. No qual, em dos elementos
predominantes em sua produção literária e científica dos atores imersos na criação de um
pensamento sobre a Amazônia é a função fundamental da pesquisa histórica e da descrição
geográfica. Mas também, complementa-se a relevância de conhecimentos nas áreas da
etnografia, folclore, “etno-botânica” e “etno-farmacologia”.

Para tanto, o Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA) e a Academia


Amazonense de Letras (AAL), abrigavam muitos dos intelectuais que confeccionaram obras
substanciais acerca da Amazônia e sua história durante os anos 20, 30 e 40.

Erigida em 1917, o Instituto Geográfico e Histórico atuou de forma significativa na


construção de conhecimentos históricos, tecendo a história do Estado, seguindo as diretrizes e
cânones determinadas pelo Órgão Central que residia no Rio de Janeiro, além de continuando
em seu dever “cívico” de pensar a sociedade amazônica, de modo a ratificar que o mito das
“três raças” formaram o Brasil.

Por sua vez, a Academia Amazonense de Letras acolhia os literatos, poetas, romancistas
e também, historiadores. Principiando sob a alcunha de “Sociedade Amazonense de Homens de
Letras”, foi instaurada na data de 17 de janeiro de 1918. É interessante notar, que os grupos
ligados ao IGHA e AAL, estavam imersos no processo da Revolução de 30.

Embora, houvesse essa ligação com a revolução, textos escritos na mesma época
revelam que na explosão do evento, o Estado do Amazonas não tinha ciência das ações
ocorridas no sudeste do país, desorientando as mentes da população sobre os que realmente
acontecia no restante do país, demonstrando o isolamento que o Norte brasileiro se encontrava.

Arthur César Ferreira Reis: A Heroicização de Um Mito

1931, ano da publicação de “Histórias do Amazonas” por Arthur César Ferreira Reis, e
com ele, após Joaquim Nabuco, Reis é o primeiro a retornar com o tema das guerras luso contra
os Manao. Antes de prosseguir, é importante ressaltar que se deve ter um olhar crítico sobre a
historiografia do período em virtude da revolução de 30 e consequentemente, uma mudança
política, e houve reinterpretações antes desse período em obras históricas antes da década de 30.

Assim sendo, em Ajuricaba, vê-se a personificação da figura do herói, ao qual, “a sua


gente amava e temia”, aludindo à Maquiavel em seu “Príncipe” de acordo com o autor desta
dissertação, de modo que, em consonância com Reis, afirma que, “ele possuía as qualidades
perfeitas para liderar a maior confederação ameríndia da Amazônia”.

Logo, percebe-se que o Ajuricaba de Arthur Reis era “O Guerreiro” em todos os seus
atributos e qualidades, típico dos romances indianistas inspirado no romantismo brasileiro. Por
conseguinte, é uma “figura indomável, toda a ação de Ajuricaba é descrita por Arthur Reis
como um ataque frontal aos domínios e à posição portuguesa na região”.

Os Manao e as “Origens” do Homem Amazonense

Nesse contexto de ebulição dos anos 30 e as transformações que vieram, os pensadores


da equipe em que Arthur Reis estava inscrito, declamavam valores como o regionalismo, dando
créditos à cultura e ao nativo da Amazônia (em especial, ao rio Negro), resgatando esses
princípios no passado, e assim estariam “inventando tradições”.

De acordo com Reis, os índios enquadram-se a dois fins: realçam a vitória portuguesa e
são instrumento do resgate das “origens” civicamente elogiosas do homem amazônico. Os
Manao são tidos por “indômitos” e “superiores”, referindo-se ao valor duplo da conquista
portuguesa no rio Negro. Mas também, “custosa” significa que vencer de índios mais corajosos
maximiza o “valor de sua derrota”.

O “elogio” por sua vez, “dá mais sabor” ao triunfo sobre os Manao insubmissos a
qualquer submissão, a “zombaria” e o “pouco caso” dos Manao em conexão aos portugueses
faculta a concepção do orgulho “nativo”, qualidade popular e bastante prezada entre os
intelectuais amazonenses dos anos 30.

As primeiras comunicações dos Manao com os europeus relatados por Arthur Reis, tem
vários altos e baixos, levando, no início do século XVIII, a resistência à escravização mais e
mais recorrente, por meio de uma “Confederação” que unia os Manao chefiados por Ajuricaba e
os Mayapenas, residentes do rio Curicuriari. A união de tribos indígenas distintas, será uma
razão que justificará as ações da guerra justa, o Regimento de Guerra e as Tropas de Resgate do
rio Negro de 1726.

Holandeses

Havia ainda, a correlação de Ajuricaba com os holandeses, um estorvo primário quanto


à ocupação portuguesa na região do rio Negro na primeira metade do século XVIII. Arthur Reis,
no entanto, definiu a guerra Manao como um “conflito diplomático [...], no qual, a justificação
dos direitos brasileiros foi um objetivo constante”.

Logo, Reis suscita questões tais quais: “Ajuricaba foi traidor? Ajuricaba manteve
aliança com os holandeses? Eis a grande questão”. Apesar de ser suspeito por atacar as aldeias
carmelitas, matar um índio aliado dos portugueses e um cabo da tropa de resgates, também ser
declarado culpado da aliança com os holandeses pela devassa executada sob mando da Junta das
Missões de 1727.

Enfim, Arthur Reis absolve o “tuxaua Manao”, pois, no contexto da história geopolítica
amazônica e ainda sob a perspectiva portuguesa, a bandeira holandesa que apresentava pelo rio
Negro injuriando os portugueses, não era um presente dos holandeses, mas havia sido
“arrebatada” da posse dos índios “Caraíbas”, com os quais manteram relações guerreiras em
1723.

Tem-se o comércio como fração de uma reunião de estratégias que intentavam a


expansão de territórios, ao passo que, os índios são mostrados como “marionetes”, sujeitos
desprovidos de quaisquer consciências de suas ações. Para tanto, Arthur Reis busca salvar o
sujeito “ilibado” Ajuricaba, oprimido por uma trama maléfica fomentada pela cobiça e ânsia por
escravos por parte dos portugueses.

Assim, o comércio dos Manao com os holandeses foi uma invenção dos portugueses
para adquirir mais terras e escravos para o Grão-Pará. Ainda assim, os Manao eram aliados dos
holandeses? Tal “inverdade” foi aprovada por Portugal para se atingir a guerra tão desejada. De
acordo com Guzmán, “em diversos momentos da colonização, a necessidade de escravo fez com
que muitas etnias fossem acusadas injustamente de barbas ou selvagens, sendo passíveis de
guerra justa” (2008, p. 117). Também, Reis conclui seu capítulo declamando que Ajuricaba é
“um guerreiro ilustrem dos primeiros a batalhar pela liberdade da América. Este é o título a que
tem direito”.

Alfred Métraux e os Primeiros Ensaios de Etno-História Manao

Publicada em 1928, “A Religião dos Tupinambás e suas relações com a das demais
tribos Tupi-Guarani” de Alfred Métraux, cuja pesquisa inédita e pioneira de natureza
etnológica, utilizou-se de fontes quinhentistas e seiscentistas para resgatar as crenças e rituais
dos “tupu-guaranis” nos séculos XVI e XVII. Embora deva ser considerada como um
seguimento das pesquisas acerca de “la Civilization Matérielle des Tribus tupi-Guarani”.

Ainda que fosse pupilo de Marcel Mauss, suas influências advêm dos estudos de Curt
Nimuendajú, suas fontes são tanto trabalhos de cronistas quanto em fontes mais recentes. Focou
os temas de estudo da mitologia Tupi-Guarani, analisou a cosmologia e isolou os dois grandes
complexos simbólicos dos Tupi-Guarani: “a antropofagia ritual, e o tema da Terra Sem Males
como impulsor do profetismo”.

Métraux também principiou as pesquisas sobre os Manao, embora, tudo o que relata
sobre eles em seu Handbook of South American Indians, estabelece uma projeção de saberes
etnológicos gerais. Ele trivializou os dados em função da organização social dos Manao, para
reconstruir um modelo de organização social e religiosa dos mesmos índios Manao, ao qual,
mostrou-se “estático e anacrônico”. Seu trabalho é considerável, embora não seja suficiente para
a compreender a sociedade Manao em sua historicidade.

Epílogo

Nesta pesquisa, objetivou-se interpretar o processo de confecção da memória


historiográfica acerca dos índios Manao oriundos do rio Negro e seu conflito com os
portugueses e holandeses, durante os anos de 1720.
Portanto, é importante ressaltar a incessante busca pela cidade dourada de Manoa ou
Eldorado, objetivo para várias expedições que alimentam o imaginário com uma nuvem de
simbologias e significados, daqueles que a almejam.

Mas também, perceber o cenário amazônico como um palco de disputas territoriais para
além do local, a exemplo dos ingleses, holandeses, franceses, portugueses e os próprios
indígenas. Atores estes, que conectam-se direta ou indiretamente em uma teia complexa e
imbricada que a história busca reconstruir, além de, não só tem a responsabilidade de agir como
tem o dever de agir em prol das “inverdades” e injustiças, como do chefe Ajuricaba, acusado em
prol de interesses dos portugueses que ansiavam por mais terras e mais escravos, e com isso,
esclarecer esses furos que marcaram o tempo inevitavelmente irá deixar.

Referência;

GUZMÀN, Décio Marco Antônio de Alencar. Histórias de Brancos: Memória,


Historiografia dos Índios Manao do Rio Negro (século XVIII-XX). 1997. 175f. Dissertação
(mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas,
Campinas, SP. Disponível em: <http://www.repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/280736>.
Acesso em: 21 mai. 2020.

Bibliografia Complementar;

_________. A Colonização nas Amazônias: Guerras, Comércio e Escravidão nos Séculos


XVII e XVIII. Revista de Estudos Amazônicos, PPHIST – Programa de Pós-Graduação em
História Social da Amazônia. Belém: Editora Açaí, p. 103-139, v. 3, n. 2, 2008.

SCHWARCZ, Lilia Moritz. As Barbas do Imperador – D. Pedro II, um monarca nos trópicos.
São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
_________. O Espetáculo das Raças – Cientistas, Instituições e Questão Racial no
Brasil, 1870 – 1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
Obs: Esta resenha buscou sintetizar na medida do possível, uma obra de densidade
magnânima e trouxe as frases e termos originais da dissertação em função de não perder a linha
de raciocínio, e significados, além de contextualizar com outras obras.

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