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ORALIDADE E LETRAMENTO
MARCUSCHI, L.A. Da Fala para a Escrita: atividades de retextualização. SP: Cortez, 2001.

1. Oralidade e letramento como práticas sociais


Antes da década de 80, a oralidade e a escrita eram freqüentemente consideradas opostas.
Mudança de perspectiva: hoje, pode-se conceber oralidade e letramento como atividades interativas e complementares no contexto das
práticas sociais e culturais.
o Língua e texto vistos como um conjunto de práticas sociais.
o A língua se funda em usos.
o As variações lingüísticas são determinadas pelos usos que fazemos da língua.
o As formas se adequam aos usos.
A escrita é a manifestação formal dos diversos tipos de letramento. É um bem social indispensável, um bem cultural desejável.
A avaliação da sociedade a respeito da escrita a eleva ao status de simbolizar educação, desenvolvimento e poder.
Não se pode definir o homem como um ser que escreve, mas é possível defini-lo como um ser que fala.
A oralidade tem uma primazia cronológica sobre a escrita.
Não se pode sustentar a tese da grande virada cognitiva que a escrita teria proporcionado para a humanidade.
Oralidade e escrita são práticas e usos da língua com características próprias, mas não são dicotômicas.
A fala é adquirida naturalmente, em contextos informais.
A escrita (manifestação formal de letramento) é adquirida formalmente na escola.
A alfabetização pode ser desvinculada da escolarização.
A relação entre a oralidade e escrita deve ser considerada a partir de um contínuo, gradação ou mesclagem.
Exemplos:
 Leituras e respostas coletivas de cartas pessoais em família.
 Comunicações escritas síncronas na Internet: os bate-papos.

2. Presença da oralidade e da escrita na sociedade


A escrita permeia quase todas as práticas sociais dos povos em que penetrou.
Não existe apenas um letramento; ele não equivale à aquisição da escrita.
Padrões de alfabetização: apropriação e distribuição da escrita e da leitura do ponto de vista formal e institucional.
Processos de letramento: usos e papéis da escrita e da leitura enquanto práticas sociais mais amplas.
Sabe-se muito sobre métodos de alfabetização, mas pouco sobre processos de letramento.
Que tipo de valorização se dá à escrita e à oralidade na vida diária?
Exemplo:
 No contexto de trabalho, sempre alguém é considerado “ideal” para escrever.
 No ambiente familiar, jornais, revistas, cheques, listas, contas, televisão, rádio, fofocas etc.
ORALIDADE E LETRAMENTO
MARCUSCHI, L.A. Da Fala para a Escrita: atividades de retextualização. SP: Cortez, 2001.

LETRAMENTO ALFABETIZAÇÃO ESCOLARIZAÇÃO


Processo de aprendizagem social e histórica Aprendizado mediante ensino, domínio ativo
Prática formal e institucional de ensino que
da leitura e da escrita em contextos e sistemático das habilidades de ler e
visa a uma formação integral do indivíduo.
informais e para usos utilitários. escrever.
Questões:
o Quais são as demandas básicas da escrita em nossa sociedade, relativamente ao trabalho?
o Em que condições e para que fins a oralidade é usada?
o Qual a interface entre a escola e a vida diária no que respeita à alfabetização?
o Como se comportam os nossos manuais escolares no que respeita à alfabetização?
o Que habilidades são ensinadas na escola e com que tipo de visão se passa a escrita?
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o O que é que o indivíduo aprende quando aprende a ler e escrever?
o Que tipo de conhecimento é o conhecimento da escrita?
o Em que contextos e condições são usadas a oralidade e a escrita, isto é, quais são os usos da oralidade e da escrita em nossa
sociedade?

Redescobre-se, hoje, que o homem é um ser eminentemente oral, mesmo que inserido em culturas amplamente alfabetizadas.

3. Oralidade versus letramento ou fala versus escrita?


Oralidade e letramento: são práticas sociais.
Fala e escrita: são modalidades de uso da língua.

PRÁTICAS SOCIAIS MODALIDADES DE USO DA LÍNGUA

ORALIDADE LETRAMENTO FALA ESCRITA


Todas as manifestações textuais- Todas as manifestações textuais-
Prática social interativa para fins Práticas da escrita, nas suas discursivas para fins discursivas para fins
comunicativos que se apresenta variadas formas na sociedade. O comunicativos na modalidade comunicativos com certas
sob variadas formas ou gêneros analfabeto é minimamente oral. especificidades materiais.
textuais fundados na realidade letrado na medida em que Uso da língua na sua forma de Manifesta-se entre nós por meio
sonora. convive e se apropria de gêneros sons sistematicamente da forma alfabética e pode
Uma sociedade pode ser textuais escritos minimalistas. articulados e significativos, empregar recursos de ordem
totalmente oral ou de oralidade Letrado é o indivíduo que aspectos prosódicos e outros pictórica.
secundária. participa de forma significativa recursos expressivos. Modalidade de uso
de eventos de letramento. Situa-se no plano da oralidade. complementar à fala.
Situa-se no plano do letramento.

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MARCUSCHI, L.A. Da Fala para a Escrita: atividades de retextualização. SP: Cortez, 2001.

4. A perspectiva das dicotomias


As dicotomias estritas voltam-se para o código e permanecem na imanência do fato lingüístico.
Fala (menor complexidade): contextualizada, dependente, implícita, redundante, não-planejada, imprecisa, não-normatizada, fragmentária.
Escrita (maior complexidade): descontextualizada, autônoma, explícita, condensada, planejada, precisa, normatizada, completa.
Crítica à perspectiva dicotômica: trata-se de uma visão distorcida e caricatural dos usos da língua. Visão imanentista que deu origem à
maioria das gramáticas pedagógicas.

5. A tendência fenomenológica de caráter culturalista


A visão culturalista preocupa-se em identificar as mudanças operadas nas sociedades em que se introduziu o sistema da escrita.
Trata-se de perspectiva epistemológica que postula que a escrita representa um avanço na capacidade cognitiva dos indivíduos e uma
evolução do pensamento de modo geral.
Cultura oral: pensamento concreto; raciocínio prático; atividade artesanal; cultivo da tradição; ritualismo.
Cultura letrada: pensamento abstrato; raciocínio lógico; atividade tecnológica; inovação constante; analiticidade.
“A escrita trouxe imensas vantagens e consideráveis avanços para as sociedades que a adotaram, mas é forçoso admitir que ela não possui
nenhum valor intrínseco absoluto.”
Crítica à perspectiva culturalista:
o Etnocentrismo  ver as culturas alienígenas a partir de sua própria cultura; as formas de raciocínio das camadas analfabetas não
são completamente diversas das camadas alfabetizadas; o letramento é um processo que penetra a sociedade independentemente
da escolarização formal.
o Supervalorização da escrita  considerada responsável pelo surgimento do raciocínio silogístico, tendo em vista o fato de ela
contribuir essencialmente para a descontextualização dos significados que criariam autonomia ao passarem da “cabeça” para o
“texto no papel”, fazendo assim surgir a descentralização do pensamento que passaria do concreto para o abstrato.
o Tratamento globalizante  na realidade, não existem “sociedades letradas”, mas sim grupos de letrados que detêm o poder
social, já que as sociedades não são fenômenos homogêneos, globais, mas apresentam diferenças internas.
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6. A perspectiva variacionista
Tendência que se preocupa com as variações de usos da língua sob sua forma dialetal e socioletal. Trata do papel da fala e da escrita sob o
ponto de vista dos processos educacionais e faz propostas a respeito da variação na relação entre padrão e não-padrão lingüístico nos
contextos de ensino formal.
Tanto a fala quanto a escrita apresentam: língua padrão e variedades não-padrão; língua culta e língua coloquial; norma padrão e normas
não-padrão.
Crítica à perspectiva variacionista: Fala e escrita não são propriamente dois dialetos, mas sim duas modalidades de uso da língua, de maneira
que o indivíduo, ao dominar a escrita, se torna bimodal.

ORALIDADE E LETRAMENTO
MARCUSCHI, L.A. Da Fala para a Escrita: atividades de retextualização. SP: Cortez, 2001.

7. A perspectiva sociointeracionista
Trata-se de uma perspectiva dialógica que apresenta uma série de postulados um tanto desconexos e confusos. No entanto, é ideal para tratar
dos fenômenos de compreensão na interação face a face e na interação entre leitor e texto escrito, de maneira a detectar especificidades na
própria atividade de construção dos sentidos.
Tanto a fala quanto a escrita apresentam: dialogicidade; usos estratégicos; funções interacionais; envolvimento; negociação;
situacionalidade; coerência e dinamicidade.
Tendência adequada que se orienta numa linha discursiva e interpretativa para a observação do letramento e da oralidade como práticas
sociais.
Grande sensibilidade para as estratégias de organização textual-discursiva.
Os processos de produção de sentido são situados em contextos sócio- historicamente marcados por atividades de negociação ou por
processos inferenciais.
Crítica à perspectiva sociointeracionista: baixo potencial explicativo e descritivo dos fenômenos sintáticos e fonológicos da língua, bem
como das estratégias de produção e compreensão textual.

8. Aspectos relevantes para a observação da relação fala e escrita


A língua, seja na sua modalidade falada ou escrita, reflete, em boa medida, a organização da sociedade.
A língua mantém complexas relações entre as representações e as formações sociais.
A língua é uma parte da cultura, mas uma parte tão decisiva que a cultura se molda na língua. No entanto, conhecer uma não equivale a
conhecer a outra.
A língua, não importa se na modalidade falada ou escrita, é um ponto de apoio e de emergência de consenso e dissenso, de harmonia e de
luta. Tanto a fala quanto a escrita são modos de representação cognitiva e social que se revelam em práticas específicas.
Do ponto de vista cronológico, a fala tem uma grande precedência sobre a escrita; do ponto de vista do prestígio social, a escrita é vista
como mais prestigiosa que a fala. Por outro lado, há culturas em que a fala é mais prestigiosa que a escrita.
Hipótese defendida por Marcuschi: as diferenças entre fala e escrita se dão dentro do continuum tipológico das práticas sociais de
produção textual e não na relação dicotômica de dois pólos opostos.
Os textos orais (palavras, gestos etc.) e os textos escritos (alfabeto, fotos, todos os tipos de grafismos etc.) têm realizações
multissistêmicas distintas. No entanto, no aspecto central das articulações estritamente lingüísticas, ambos apresentam uma simetria
sistêmica.
A fala é de concepção oral e meio sonoro. Ou seja, sua concepção discursiva é oral e seu meio de produção é sonoro.
A escrita é de concepção escrita e meio gráfico. Ou seja, sua concepção discursiva é escrita e seu meio de produção é gráfico.

Os gêneros textuais podem ser classificados a partir de sua localização nos domínios estabelecidos
pelas coordenadas “meio de produção – concepção discursiva”.
MEIO DE PRODUÇÃO CONCEPÇÃO DISCURSIVA
GÊNERO TEXTUAL DOMÍNIO
SONORO GRÁFICO ORAL ESCRITA
Conversação espontânea a
Artigo científico d
Notícia de TV c
Entrevista publicada na Veja b

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