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Poder Judiciário da União

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS

Gabinete do Desembargador DIAULAS COSTA RIBEIRO

Órgão: 8ª TURMA CÍVEL


Classe: AGI – AGRAVO DE INSTRUMENTO
Processo nº: 0721738-36.2020.8.07.0000
Agravante(s): DISTRITO FEDERAL
Agravado(s): SINDICATO DOS AUXILIARES E TÉCNICOS DE ENFERMAGEM DO
DISTRITO FEDERAL
Relator: DESEMBARGADOR DIAULAS COSTA RIBEIRO

DECISÃO

Trata-se de agravo de instrumento com pedido de concessão de


efeito suspensivo interposto pelo Distrito Federal contra a decisão
interlocutória da 8ª Vara da Fazenda Pública do DF que, em ação civil
pública proposta pelo Sindicato dos Auxiliares e Técnicos de
Enfermagem do Distrito Federal (autos nº 0704135-90.2020.8.07.0018),
deferiu a tutela provisória de urgência, nos seguintes termos (ID nº
66127319, págs. 1-2):

“[...] O autor requereu a concessão de tutela de urgência para imediata e


ampla testagem dos profissionais da saúde, ainda que não haja sintomas
clínicos da COVID-19 e afastamento daqueles que testarem positivo.
O artigo 12 da Lei nº 7.347 de 24/7/1985 estabelece que o juiz poderá
conceder liminar, mas não dispõe sobre os seus requisitos. No entanto, o
artigo 19 estabelece a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil,
portanto, além do risco de dano é imprescindível que haja um mínimo de
plausibilidade no direito invocado; requisitos presentes neste caso. Vejamos.
Afirma o autor que os réus não estão cumprindo as determinações legais,
pois não estão sendo realizado teste em todos os profissionais da saúde, o
que os expõe a risco de contaminação e transmissão da doença.
Sob o aspecto jurídico a demanda é singela, posto que é obrigação dos réus
assegurar condições de trabalho salubre e em face da atual pandemia do

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coronavírus há recomendação técnica de testagem dos profissionais da
saúde, portanto, indiscutivelmente há plausibilidade no direito invocado
A mídia tem trazido constantemente notícias de profissionais da saúde que
são contaminados e muitas vezes continuam trabalhando ou voltam a
trabalhar antes do período de quarentena recomendada e nem todos são
submetidos a testagem preventiva.
É fato público e notório que muitas pessoas que contraem o vírus
permanecem assintomáticas, mas com capacidade de transmissão, por isso,
é imprescindível que os profissionais de saúde sejam submetido à testagem
ainda que não apresentem sintomas.
Assim, está evidenciado que os pedidos devem ser deferidos.
Por fim, destaca-se que tem sido comum o argumento de interferência do
Poder Judiciário na esfera de competência de outros poderes, porém
verifica-se que isso não ocorre neste caso, posto que o exame que se faz é
restrito ao aspecto da legalidade, sendo que neste caso a omissão da
testagem preventiva caracteriza uma omissão ilegal, justificando-se, assim,
a prolação desta decisão.
Em face das considerações alinhadas DEFIRO A LIMINAR para determinar
aos réus imediata testagem dos profissionais representados pelo autor,
ainda que não apresentem sintomas da COVID-19 e o afastamento daqueles
que testarem positivo. [...]‖

Em seguida, foi proferida decisão que excluiu do feito o Sindicato


Brasiliense de Hospitais, Casas de Saúde e Clínicas ante o
reconhecimento da incompetência absoluta do Juízo para decidir a
questão, pois havia demanda na Justiça do Trabalho tratando de
controvérsia semelhante (ID nº 66630867).

O agravante, em suma, argumenta que adota as medidas


necessárias com o intuito de combater a disseminação da pandemia da
covid-19. Todavia, aduz que a concessão de medidas liminares
individuais pode atrapalhar as políticas públicas de saúde diante do
cenário inédito de enfrentamento da doença, que demanda estudos para
a alocação adequada de insumos, recursos materiais e humanos.

Destaca constar nas informações prestadas pela Secretaria de


Estado de Saúde a adoção de política pública previamente estudada e

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definida para a implantação da testagem para covid-19 na população e


nos profissionais de saúde e de segurança pública do Distrito Federal.

Sustenta que, além dos profissionais de saúde representados pelo


agravado, devem ser consideradas outras categorias prioritárias, listadas
de forma detalhada nas informações do referido órgão e que são
imprescindíveis para garantir a efetividade no tratamento que será
prescrito.

Por essa razão, defende que é dever do órgão técnico competente a


adoção e a definição dessas políticas públicas, inclusive no que tange à
testagem para identificação da covid-19, cuja controvérsia não poderia
ser dirimida pelo Poder Judiciário de modo a privilegiar apenas uma
categoria em detrimento de outras.

Narra que o autor, ora agravado, não teria demonstrado que no


Guia de Recomendações da OMS há obrigatoriedade de testagem dos
profissionais assintomáticos, além deste não ter vinculação obrigatória, o
que afastaria a probabilidade do direito.

Esclarece que todos os profissionais que apresentam sintomas


semelhantes à covid-19 são testados e, caso o resultado seja positivo, são
imediatamente afastados do trabalho. Nesse contexto, alega que são
adotadas as medidas necessárias para preservar a saúde dos servidores e
colaboradores, sendo que a realização de testes em todos, inclusive
quando não apresentam sintomas, poderia prejudicar aqueles que estão
aguardando a realização dos exames.

Por essas razões, a decisão recorrida não seria razoável e poderia


comprometer as estratégias de políticas públicas, além de interferir na
Separação dos Poderes, por extrapolar a atuação conferida pela
Constituição Federal ao Poder Judiciário.

Pede a concessão de efeito suspensivo ao recurso para sobrestar as


determinações constantes na decisão recorrida e, no mérito, a reforma da
decisão.

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É o necessário. Decido.

O relator pode conceder efeito suspensivo ao recurso, total ou


parcial, quando estiverem presentes os requisitos relativos ao perigo de
dano grave, de difícil ou de impossível reparação, bem como a
demonstração da probabilidade do provimento do recurso (art. 995,
parágrafo único e art. 1.019, inciso I, ambos do CPC).

Passo à análise desses pressupostos.

A pandemia da doença denominada covid-19, provocada pelo


vírus SARS-CoV-2, é fato notório, sendo dispensáveis quaisquer
explicações sobre as consequências que trouxe à humanidade. É de
compreensão geral que os profissionais da saúde estão mais propensos à
contaminação.

Desde os primeiros casos confirmados no Distrito Federal, o


Governo local editou mais de uma dezena de atos normativos com o
intuito de minimizar as consequências advindas da pandemia. Alguns
dispõem sobre a necessidade de uso de máscaras, fechamento de
comércios que não desenvolvem atividade classificada como essencial,
proibição de cultos e cerimônias religiosas coletivas, o que inclui
proibição de casamentos, batizados, funerais; proibiu espetáculos
artísticos de qualquer natureza e dimensão; aulas e demais atividades
acadêmicas em escolas de todos os graus de educação; abertura de
shoppings centers etc.

Em resumo, o Governo proibiu todas as formas de expressão de


atividades humanas que geram aglomeração em espações públicos,
cobertos ou não, salvo aquelas atividades consideradas essenciais. Além
disso, tanto o Governo Federal quanto o Distrital adquiriram milhares de
testes com o intuito de facilitar a identificação de indivíduos
contaminados.

Posteriormente, as proibições foram flexibilizadas, havendo


ordem judicial para que fosse suspensa a flexibilização.

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Na quarta-feira (8/7/2020), para cumprimento da ordem judicial


do MMº Juiz da 2ª Vara de Fazenda Pública, foi editado o Decreto
Distrital nº 40.961/2020, que suspendeu as permissões de
funcionamento para alguns setores da economia e demais atividades que
iriam ser retomadas em razão das autorizações do Decreto Distrital nº
40.939/2020, de 2/7/2020.

Essa ordem foi suspensa ontem à noite pelo eminente


Desembargador Eustáquio de Castro, no Agravo de Instrumento
nº 0722106-45.2020.8.07.0000, interposto pelo Distrito Federal.
Espera-se outro Decreto com ajustes decorrentes dessa decisão, da qual
transcrevo o seguinte excerto:

“Por fim, não se vislumbra vício no elemento motivo do ato impugnado,


pois, embora decretado o Estado de Calamidade Pública, tal situação não
retira do administrador a capacidade de decidir os aspectos técnicos da saída
do cerco sanitário. Ao contrário, dota o administrador de mais recursos e
flexibilizações fiscais para garantir a ampliação do serviço público de saúde.
Assim, em resumo, concluo pela impossibilidade de o Poder Judiciário
interferir no mérito da abertura das atividades econômicas e demais medidas
para criação de isolamento social, cabendo ao Chefe do Executivo sobre elas
decidir, arcando com as suas responsabilidades.

A interferência judicial provoca insegurança jurídica, desorientação na


população e, embora fundada na alegação de atendimento ao bem comum,
pode justamente feri-lo. Por fim, esclareço, por oportuno, a presente decisão
não tem o condão de dizer se as atividades de abertura do comércio, de
parques, etc., são adequadas, são responsáveis. Ao contrário, apenas aponta a
competência do Governador para decidir sobre elas, arcando com seu custo
político, repito e friso.

Diante do exposto, DEFIRO o pedido de efeito suspensivo para


SUSPENDER a decisão agravada.”

No sítio eletrônico da Agência Nacional de Vigilância Sanitária -


ANVISA, constam informações sobre os exames para detecção de

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infecção pelo SARS-CoV-2 e quais as situações em que cada um deles


deve ser utilizado:

"Os testes para covid-19 são produtos para diagnóstico de uso in vitro, nos
termos da RDC 36/15, e podem identificar: a) anticorpos, ou seja, uma
resposta do organismo quando este teve contato com o vírus, recentemente
(IgM) ou previamente (IgG); ou b) material genético (RNA) ou ―partes‖
(antígenos) do vírus (RT-PCR)." (informação disponível em:
http://portal.anvisa.gov.br/documents/219201/4340788/Perguntas+e+resp
ostas+-+testes+para+covid-19.pdf/9fe182c3-859b-475f-ac9f-7d2a758e48e7,
acesso dia 9/7/2020 às 13:35 horas)

A Lei Distrital nº 5.321, de 6 de março de 2014, que instituiu o


Código de Saúde do Distrito Federal, prevê em seu art. 95:

“Art. 95. Compete ao Sistema Único de Saúde do Distrito Federal realizar


ações e serviços de prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças
transmissíveis com o objetivo de suprimir ou diminuir os riscos à saúde,
interromper ou dificultar a ocorrência delas e proteger a população em
perigo.
Parágrafo único. As ações de prevenção, controle, diagnóstico e
tratamento das doenças a que se refere o caput devem ser
desenvolvidas, de modo integrado, por órgãos e unidades do
Sistema Único de Saúde do Distrito Federal, conforme normas
técnicas específicas. [grifo na transcrição].

O art. 97 determina que, no caso de suspeita de epidemia, deverão


ser adotadas medidas imediatas, razoáveis e pertinentes, disciplinadas
em normas técnicas da vigilância em saúde:

―Art. 97. Se ocorrer suspeita de epidemia ou surto em determinada região,


deverão ser tomadas medidas imediatas, razoáveis e pertinentes.
§ 1º As medidas a que se refere o caput são disciplinadas em normas
técnicas da vigilância em saúde. (Parágrafo renumerado(a) pelo(a) Lei
6554 de 23/04/2020)‖

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A Portaria nº 3.252/GM/MS, de 22 de dezembro de 2009, trata


das diretrizes para execução e financiamento das ações de Vigilância em
Saúde pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, sistematizando
os conceitos que orientam o Sistema Nacional de Vigilância em Saúde no
Sistema Único de Saúde.

Extrai-se das Diretrizes Nacionais da Vigilância em Saúde que a


vigilância epidemiológica é um “conjunto de ações que proporciona o
conhecimento, a detecção ou prevenção de qualquer mudança nos
fatores determinantes e condicionantes da saúde individual ou coletiva,
com a finalidade de se recomendar e adotar as medidas de prevenção e
controle das doenças ou agravos”.

No âmbito federal, a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020,


dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde
pública de importância internacional decorrente do novo coronavírus.

O art. 2º, parágrafo único dessa norma prevê que as definições


estabelecidas no art. 1º do Regulamento Sanitário Internacional (RSI -
2005), anexado ao Decreto nº 10.212 de 30 de janeiro de 2020, serão
aplicáveis à Lei no que couber, o qual preceitua que “medida de saúde”
“significa os procedimentos aplicados para evitar a propagação de
contaminação ou doença; uma medida de saúde não inclui medidas
policiais ou de segurança‖.

Para o enfrentamento da pandemia, o art. 3º da Lei nº


13.979/2020 estabelece que as autoridades poderão adotar, no âmbito de
suas competências, dentre outras, as seguintes medidas:

“I – isolamento;
II – quarentena;
III – determinação de realização compulsória de: a) exames
médicos; b) testes laboratoriais [...].

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§ 4º - As pessoas deverão sujeitar-se ao cumprimento das medidas previstas
neste artigo, e o descumprimento delas acarretará responsabilização, nos
termos previstos em lei. [...] [grifo na transcrição].

Essas deliberações poderão perdurar durante o estado de


emergência de saúde internacional, nos termos do seu art. 8º:

―Art. 8º - Esta Lei vigorará enquanto perdurar o estado de emergência de


saúde internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de
2019, exceto quanto aos contratos de que trata o art. 4º-H, que obedecerão
ao prazo de vigência neles estabelecidos.”

O Supremo Tribunal Federal (STF), ao referendar liminar deferida


na Ação Direta de Inconstitucionalidade de nº 6.341/DF, decidiu que os
Prefeitos e Governadores possuem autonomia para determinar a
intensidade e a forma de execução do isolamento social nas regiões
administradas, atribuindo interpretação conforme às alterações
provocadas pela Medida Provisória nº 926, de 20 de março de 2020 no
art. 3º, caput, incisos I, II e IV e §§ 8º, 9º 10 e 11 da Lei nº 13.979/2020.

Confiro trecho da decisão proferida pelo Relator, Ministro Marco


Aurélio Mello:

―Vê-se que a medida provisória, ante quadro revelador de urgência e


necessidade de disciplina, foi editada com a finalidade de mitigar-se a crise
internacional que chegou ao Brasil, muito embora no território brasileiro
ainda esteja, segundo alguns técnicos, embrionária. Há de ter-se a visão
voltada ao coletivo, ou seja, à saúde pública, mostrando-se interessados
todos os cidadãos.
O artigo 3º, cabeça, remete às atribuições, das autoridades, quanto às
medidas a serem implementadas. Não se pode ver transgressão a preceito
da Constituição Federal. As providências não afastam atos a serem
praticados por Estado, o Distrito Federal e Município considerada a
competência concorrente na forma do artigo 23, inciso II, da Lei Maior.

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Também não vinga o articulado quanto à reserva de lei complementar.
Descabe a óptica no sentido de o tema somente poder ser objeto de
abordagem e disciplina mediante lei de envergadura maior.
Presentes urgência e necessidade de ter-se disciplina geral de abrangência
nacional, há de concluir-se que, a tempo e modo, atuou o Presidente da
República – Jair Bolsonaro – ao editar a Medida Provisória.
O que nela se contém – repita-se à exaustão – não afasta a competência
concorrente, em termos de saúde, dos Estados e Municípios. Surge acolhível
o que pretendido, sob o ângulo acautelador, no item a.2 da peça inicial,
assentando-se, no campo, há de ser reconhecido, simplesmente formal, que
a disciplina decorrente da Medida Provisória nº 926/2020, no que
imprimiu nova redação ao artigo 3º da Lei federal nº 9.868/1999, não
afasta a tomada de providências normativas e administrativas pelos
Estados, Distrito Federal e Municípios.
3. Defiro, em parte, a medida acauteladora, para tornar explícita, no campo
pedagógico e na dicção do Supremo, a competência concorrente.‖

E o correspondente referendo pelo Pleno:

―O Tribunal, por maioria, referendou a medida cautelar deferida pelo


Ministro Marco Aurélio (Relator), acrescida de interpretação conforme à
Constituição ao § 9º do art. 3º da Lei nº 13.979, a fim de explicitar que,
preservada a atribuição de cada esfera de governo, nos termos
do inciso I do art. 198 da Constituição, o Presidente da República
poderá dispor, mediante decreto, sobre os serviços públicos e
atividades essenciais, vencidos, neste ponto, o Ministro Relator e o
Ministro Dias Toffoli (Presidente), e, em parte, quanto à interpretação
conforme à letra b do inciso VI do art. 3º, os Ministros Alexandre de Moraes
e Luiz Fux. Redigirá o acórdão o Ministro Edson Fachin. [...] (Sessão
realizada inteiramente por videoconferência - Resolução
672/2020/STF)‖ [grifo na transcrição].

A pandemia trouxe-nos dilemas que devem ser ponderadas pelo


exercício da razoabilidade. O estado de calamidade pública (Decreto
Distrital nº 40.924, de 29 de junho de 2020) não é a prova documental

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da tragédia reconhecida, mas da esperança de que a pandemia será


vencida.

Transcrevo, mais uma vez, excerto da decisão do Desembargador


Eustáquio de Castro sobre o estado de calamidade pública decretado pelo
Governador do Distrito Federal:

“Por fim, não se vislumbra vício no elemento motivo do ato impugnado, pois,
embora decretado o Estado de Calamidade Pública, tal situação não retira do
administrador a capacidade de decidir os aspectos técnicos da saída do cerco
sanitário. Ao contrário, dota o administrador de mais recursos e
flexibilizações fiscais para garantir a ampliação do serviço público de saúde.”

O Decreto de Estado de Calamidade Pública teve, precipuamente,


finalidade administrativa para recebimento de recursos da União e para
gestão orçamentária. Isso não significa que o quadro geral não seja
relevante, mas não é sinônimo de descontrole. O Decreto preenche uma
exigência legal e constitucional.

Com Decreto ou sem Decreto as medidas cabíveis estavam e estão


sendo tomadas e não há contradição absoluta entre decretar estado de
calamidade pública e flexibilizar o funcionamento de atividades não
essenciais. Ao contrário, o Decreto de Estado de Calamidade Pública
assegura mais recursos para enfrentamento à pandemia, o que dá ao
Governador possibilidades de flexibilização do cerco sanitário.

As informações prestadas pela Secretaria de Saúde indicam que já


estão sendo adotadas medidas com o intuito de testar os profissionais de
saúde, assim como os demais colaboradores (ID nº 17533244, pág. 11):

“[...] Na primeira fase foi elencado os Grupo 1, seguindo as recomendações


do MS. Foi distribuído testes rápidos para as Unidades de Saúde da SES e
para as policlínicas das forças de segurança pública do DF.
Ressaltamos que ação de testagem dos servidores de saúde, a qual
contempla os auxiliares de técnicos de enfermagem, é uma ação contínua e

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que além dos profissionais de saúde das unidades de saúde, a testagem nas
Unidades de Saúde da Rede SES-DF contemplam também os profissionais
terceirizados das áreas de segurança, limpeza, alimentação, banco de leito,
serviços gerais, residentes, conforme circular enviada as unidades de saúde
em 22 de maio de 2020;
Para tanto as unidades de saúde estão recebendo testes continuamente
conforme disponibilidade dos recursos na SES-DF para realização das
testagens;”

Isso reforça que o Governo acompanha os dados provenientes dos


órgãos técnicos e adota medidas de proteção, tanto aos profissionais e
colaboradores que atuam na área de saúde, quanto à população do
Distrito Federal, de acordo com as suas possibilidades.

Não é razoável determinar a realização de testes em todos os


profissionais da saúde filiados ao Sindicato agravado, de maneira ampla,
geral e irrestrita, ainda que não apresentem sinais ou sintomas, enquanto
não houver meios suficientes para a testagem de todos os profissionais de
saúde, filiados a outros sindicatos ou não filiados a qualquer sindicato. É
preciso ter razoabilidade no uso de recursos limitados.

Conceder o pedido do Sindicato autor e proteger apenas os seus


filiados em detrimento dos demais profissionais de saúde em sentido
lato, é uma violação ao mais elementar direito constitucional, seja de
igualdade, seja de fraternidade.

É inevitável otimizar os testes e assegurá-los aos que apresentam


sinais ou sintomas, o que permitirá, se confirmada a infecção, o
afastamento imediato de suas atividades, independente de filiação
sindical.

A otimização, enquanto não se concretizar a aquisição de meios


para testagem maciça de servidores da Secretaria de Saúde, de servidores
de outras Secretarias, órgãos públicos e entidades privadas, também
vulneráveis, até chegarmos à testagem da população sem sinais ou
sintomas, é uma forma constitucional e juridicamente fraterna de aplicar
o princípio da reserva do possível.

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Fraternidade não é empregada nesta decisão com sentido


religioso, Cristão ou não, mas como direito fundamental no Estado
Democrático de Direito:

“[...] Podemos aferir que a fraternidade se dá não no estado ferino, mas


no estado de liberdade e de igualdade, nos estritos limites da lei. Mas nem no
estado de natureza onde somente há indivíduos sem ligações uns com os
outros, cada qual se preocupando apenas consigo, com interesses que
suplantam os interesses dos demais, nem no Estado orgânico onde importa
mais o todo que o indivíduo, a fraternidade se pode realizar. E isso porque
não se há de falar em ser humano, se o homem já designado ente não se pode
qualificar fraterno em relação ao outro ou receber do outro a fraternidade. Na
concepção organicista da sociedade, a justiça se realiza quando cada qual
desempenha a função que lhe é própria no corpo social, estando o Estado
acima do indivíduo, o Estado enquanto “homem artificial” (Hobbes), no qual
o soberano é a alma, os magistrados, as articulações, as penas e os prêmios,
os nervos, etc.; na concepção individualista, apondo-se contrariamente, justo
é que cada um seja tratado de modo que possa satisfazer as próprias
necessidades e atingir os próprios fins, antes de mais nada a felicidade, que é
um fim individual por excelência.
Fraternalmente, ao homem importa o todo como ao todo, o homem,
haja vista que a justiça se realiza quando cada um, desempenhando a função
que lhe é própria no corpo social, intenciona o indivíduo, devendo ser tratado
por esse mesmo corpo social individualmente, com necessidades e fins
próprios, de modo que a felicidade, que é um fim individual por excelência, se
realize em sociedade. Nesse diapasão, não há que se falar em inversão de
direitos e deveres, quando o tempo todo Estado e indivíduo se
complementam na realização da ideia de fraternidade. Então, tanto há de se
dizer de direito à fraternidade quanto de dever de fraternidade, de modo que
o ser humano realizado a partir da existência do outro proceda, por meio do
Estado de direito, o dever ser humano.”

(MARIA INÊS CHAVES DE ANDRADE. A Fraternidade como Direito


Fundamental entre o Ser e o Dever ser da Dialética dos Opostos de
Hegel. Coimbra: Almedina, p. 45-46).

Quanto à revisão das políticas públicas pelo Poder Judiciário, o


que seria o controle da legalidade do ato administrativo senão controlar

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a ação da Administração Pública? Tratei desse tema em outro


contexto (Ministério Público: Dimensão Constitucional e Repercussão
no Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 183-185). A conclusão a
que cheguei continua a mesma:

“A pergunta [O que seria o controle da legalidade do ato administrativo


senão controlar a ação da Administração Pública?] é daquelas que Einstein
julgava que só uma criança poderia fazer, mas que depois de feita causaria
uma nova perplexidade, pela dúvida entre o aparente do aparente — a
dimensão do óbvio e do concreto — e o aparente propriamente dito: o oculto
do oculto. O início estaria no substantivo controle, que expressa duas
realidades jurídicas distintas: a de origem francesa, segundo a qual
controle é fiscalização formal, seja ela hierárquica, administrativa (de
tutela) ou judiciária, é sempre um instrumento sancionatório; a de origem
anglo-saxônica, na qual control é comando, domínio, direção e governo.
Ambas foram acolhidas pelo sistema jurídico brasileiro.
Com o sentido de comando, domínio, direção, governo, o termo controle foi
usado nos artigos 22, XXVII; 24, VI; 30, VIII; 192, § 1.º; 197; 200, VI; e 204,
II, da Constituição, sempre isolado. É o caso, por exemplo, das empresas sob
controle do Governo; da transferência do controle da pessoa jurídica; ou da
participação popular no controle das ações governamentais, na área da
assistência social. Outras vezes, foi usado como verbo. Mas independente da
classificação gramatical, controlar é fiscalizar. Com este sentido, a
Constituição foi uma intérprete autêntica do termo, associando, ora dois
verbos, ora dois substantivos. A fiscalização do Município, diz o artigo 31, é
exercida mediante controle externo do Poder Legislativo municipal. O
mesmo acontece com os Estados e com a União.
Por fim, os verbos controlar e fiscalizar foram empregados distintamente,
unidos por uma conjunção aditiva. O primeiro, mantendo o sentido de
direção, gerenciamento ou comando; o segundo, no sentido de velar, vigiar
ou inspecionar, como nos artigos 197 e 200, VII. Este último cuida do
controle e da fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de
substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos. Nesses casos de
associação dos dois sentidos, a distinção se dá ou pela natureza da conduta
ou pela condição de quem a desempenha. Mas nunca incidem, ao mesmo
tempo, a superintendência, o comando, e a fiscalização.
A fabricação de produtos psicoativos, tóxicos e radioativos está sujeita ao
gerenciamento, à direção, à administração do poder público; a utilização
está sob fiscalização. Nos serviços de saúde prestados diretamente pelo
poder público, o controle consiste em sua gerência, em sua

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superintendência. Nos serviços prestados por terceiros, o controle do poder
público implica fiscalização.
Não há dúvidas de que o controle judicial da legalidade do ato
administrativo, no Brasil, segue o modelo francês: é fiscalização
formal. Seja ele hierárquico, administrativo (de tutela) ou
judiciário, é sempre um instrumento sancionatório.
No outro extremo, jamais o Poder Judiciário poderá, na acepção
anglo-saxônica do termo, adotar condutas próprias
de control, de comando, domínio, direção e governo, substituindo
o ato administrativo do Poder Executivo por mera conveniência
do Juiz.”

Não está demonstrada conduta omissiva do Distrito Federal na


realização de exames com a finalidade de identificar pessoas
contaminadas pelo vírus SARS-CoV-2, sejam profissionais da saúde –
filiados ao Sindicato agravado ou não –, como mecanismo de orientação
para a formulação das estratégias necessárias ao enfretamento da
pandemia, o que mitiga a probabilidade do direito pleiteado e afasta a
ocorrência de dano grave, de difícil ou impossível reparação.

Além disso, a Recomendação nº 66, de 13 de maio de 2020, do


Conselho Nacional de Justiça (CNJ) prevê em seu art. 2º, I que devem
ser priorizadas a concentração de recursos financeiros e humanos em
prol do controle da pandemia e a mitigação de seus efeitos, por todos os
Juízos com competência para o julgamento de ações que versem sobre o
direito à saúde, dentre outras, com “a adoção das medidas
preventivas de contágio fixadas pela respectiva autoridade
competente, como: distanciamento social, restrição de
aglomeração de pessoas, suspensão de aulas, organização da
Administração e do setor privado para trabalho remoto, e
continuidade dos serviços essenciais, entre outras” [grifo na
transcrição].

Neste juízo de estrita delibação, no qual a apreciação do contexto


fático-jurídico ocorre de maneira sumária, sem prejuízo da reanálise da
matéria, vislumbro os requisitos necessários à concessão do efeito
suspensivo pleiteado.

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A10

DISPOSITIVO

Nos termos dos arts. 1.015, inciso I e 1.019, inciso I, ambos do


CPC, defiro o efeito suspensivo para sobrestar a determinação de
testagem (apenas) dos profissionais de saúde filiados ao Sindicato dos
Auxiliares e Técnicos de Enfermagem do Distrito Federal, com ou sem
sinais ou sintomas compatíveis com a covid-19, até a análise do mérito
recursal ou ulterior decisão desta Relatoria. A determinação de
afastamento funcional, no caso de diagnóstico positivo de infecção dos
filiados ao mesmo Sindicato, também fica suspensa por absoluta
desnecessidade dessa ingerência do Poder Judiciário na atuação do
Gestor Público.

Qualquer pessoa, com diagnóstico confirmado de covid-19, deve


ser afastada de funções/atividades, seja o Presidente da República, seja
outro ser humano. O contrário pode caracterizar, inclusive, crime. Não
há quanto a esse ponto da liminar, qualquer caso concreto de desrespeito
aos Direitos Humanos e não só, que justificasse liminar do Poder
Judiciário.

Comunique-se à 8ª Vara da Fazenda Pública do Distrito


Federal, encaminhando-se cópia desta decisão. Fica dispensada a
prestação de informações.

Intime-se o agravado para, querendo e no prazo legal


manifestar-se quanto ao recurso, nos termos do art. 1.019, II do CPC.

Após, encaminhe-se ao Ministério Público (art. 178, I do CPC).

Concluídas as diligências, retornem-me os autos.

Publique-se.

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Poder Judiciário da União
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS
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A10

Brasília, DF, 10 de julho de 2020.

O Relator,

Desembargador DIAULAS COSTA RIBEIRO

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