Você está na página 1de 2

Pausa para um café V:

Sobre a mentalidade pequeno-burguesa

Olhando com cuidado, e examinando bem a situação do Brasil, creio não ser totalmente
errado se dissermos que a classe mais prejudicial ao país seja a classe média. Contrariamente ao que
poderíamos crer, as classes rica e pobre são mais inofensivas. Guardemos em mente, aqui, a
extrema imprecisão de se classificar a sociedade por meio desse conceito já meio decadente, de
classes, mas ele nos serve a uma ilustração.
Vejamos: por um lado, não podemos acusar a classe rica de jamais ter agido
diferentemente do que age, ou seja, motivada pela ânsia de manutenção de seus benefícios. Se
podemos por um lado dizer que se trata de um anseio mesquinho, por outro em nada isso destoa de
uma posição historicamente constituída. Ainda assim, esta classe se responsabiliza por uma parcela
importante da produção de riquezas do país.
No que tange à classe pobre e no seu extremo a miserável, esta sempre em movimento, no
mínimo pelo fato de não ter um teto fixo, mas também por ser assolada pelas necessidades mais
básica e isso exigir respostas urgentes. Assim, esta faixa da população está em tese sempre pronta a
remodelar seu cotidiano, nem que seja de maneira abrupta ou violenta, não necessariamente
louvável (Saiamos do falso cristianismo que associa diretamente pobreza e virtude...). Fato é,
porém, que com todo direito estas pessoas podem revindicar transformações sociais. E o estado de
instabilidade que provocam é potencialmente bom para a sociedade como um todo, pois que outras
esferas, outras classes, são obrigadas a fornecer respostas constantes, não necessariamente
louváveis.
Já a classe média... ah, é uma faixa de gordura saturada, almejando a riqueza e repudiando
a pobreza. É como filho do meio, sempre acaba injustiçada dos dois lados. Mas para além da
vitimização, há também uma dose de responsabilidade. De fato, a classe média, embora diretamente
ligada à manutenção das engrenagens sociais, é conservadora no sentido mais retrógrado do termo.
Trata-se de uma burguesia que se acostumou à força do trabalho a certos luxos e agora teme perdê-
los. Esse temor, por sua vez, torna seu pensamento imediatista e por isso são as vítimas preferidas
de políticas que prometem a manutenção do bem estar social a quem jà o possui, mesmo que isso
seja um absurdo se pensado no macro-contexto. Mas para quê pensar além de nossa esquina e dos
buracos das ruas pelas quais passeamos, se isso basta ao usufruto de nossas vidas cotidianas?
Claro, nosso pietismo cristão finge se inquietar com a sorte dos haitianos soterrados, ou
com chilenos presos no fundo de uma mina, ou com o apedrejamento de uma mulher no Irã. Não
digo que seja inútil inquietar-se por isso, mas na classe média isso vira adesivo, camiseta, conversa
de porta de igreja, reunião de clube, e por fim a velha estratégia de chorar pelo mundo dos
desgraçados mas operar secretamente para que tal mundo continue o mesmo.
E esse conservadorismo essencial tem por resultado a estagnação, não dos meios de
produção nem das tecnologias, mas da mentalidade. Assim, a classe média, seduzida pelas graças do
conforto, acaba por alinhar-se à mentalidade das elites conservadoras, as quais não têm tampouco
interesse em ver suas fatias do bolo serem repartidas.
Perdoe-me o caro leitor estas linha desatentas, essas reflexões sem cuidado e mesmo talvez
inapropriadas, ou simplesmente idiotas. Fato é, porém, que o resultado das eleições em Joaçaba e
Santa Catarina simplesmente me fizeram duvidar da capacidade humana a distinguir momentos
importantes para a coletividade. Uma vez que poderíamos dizer que a classe média é bastante forte
em nossa cidade e nosso estado, ambos marcados pela força do trabalho incansável, ocorreu-me por
um lado que o trabalho árduo não torna ninguém imune à estreiteza de visão; e por outro que a
classe média talvez tenha um papel decisivo nesse resultado eleitoral. Se é isso mesmo, então sou
forçado a pensar que esse conservadorismo catarinense é representante de uma alienação de outro
gênero, distinta da que costumamos atribuir aos nordestinos: trata-se da alienação douta; da
alienação motorizada; da alienação que come bem e esbanja inteligência para falar da alienação dos
outros.
Sim, nós, os decadentes representantes da classe média do Brasil, como o verdadeiro
motor da estagnação social.

Você também pode gostar