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"Há sujeitos que não gostam de fazer coisa nenhuma senão estar a olhar para uma nuvem.

Eu
considero esses tipos utilíssimos, porque ninguém sabe o que sairá dali. Não se conta aquela
história de que a lei da gravitação apareceu por ter caído uma maça na cabeça do Newton?
Não era obrigatório que o Newton estivesse a estudar Matemática na altura em que lhe caiu a
maçã na cabeça... podia estar a dormir debaixo da árvore, ou ter acordado naquele momento,
ou qualquer coisa assim, eu sei lá! Quem me diz que a um homem, cujo ideal é estar de papo
para o ar olhando para as nuvens, de repente não se lhe atravessa na cabeça uma ideia? [...] É
que há pessoas que julgam que fabricam as ideias com a cabeça. É possível, ninguém sabe,
ninguém tem um argumento contrário, e argumento a favor também não há [...] Podemos ter
as cabeças apenas como uma espécie de máquinas transformadoras de ondas misteriosas que
vêm de qualquer parte com a ideia; e qualquer sujeito que já fez versos, ou fez Matemática,
ou qualquer coisa assim, sabe perfeitamente que de vez em quando a cabeça é atravessada por
um verso. [...]
Porque é que existiu a Atenas do século V, de que tanta gente fala? É o Pericles, é o Sócrates,
é o Esdros, é este, é aquele e aqueloutro... por quê? Porque aqueles cavalheiros não faziam
nada todo o santo dia! Nada, todo o santo dia!"

- Agostinho da Silva, IR À ÍNDIA SEM ABANDONAR PORTUGAL (Uma conversa de Gil


de Carvalho e Manuel Hermínio Monteiro com Agostinho da Silva, 1987), IR À ÍNDIA SEM
ABANDONAR PORTUGAL, CONSIDERAÇÕES E OUTROS TEXTOS, Assírio & Alvim,
1994, pp. 16 - 18.

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