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Como entender a expressão “Ele (Jesus) vos batizará com Espírito Santo e com fogo” nos
textos de Mateus 3. 11-12 e Lucas 3. 15-17? Será que o batismo no Espírito Santo tem
um aspecto purificador (santificador) do homem já regenerado ou esse fogo é
simplesmente escatológico e, portanto, indica o juízo futuro sobre o ímpio?
D. A. Carson chama a atenção para a expressão grega βαπτίσει ἐν Πνεύματι Ἁγίῳ καὶ
πυρί (Mateus 3.11) onde a preposição ἐν (com) não aparece antes da
palavra πυρί (fogo). Logo, a palavra com que liga dois elementos de uma frase,
estabelecendo uma relação entre eles, está apenas após “do Espírito”, indicando assim
a natureza dupla de um único batismo. Sem uma segunda preposição a tradução poderia
ser: “batismo no Espírito, ou seja, fogo”. Carson comenta: “O batismo de água de João
relaciona-se com arrependimento; mas aquele de quem ele prepara o caminho
administra o batismo de Espírito-fogo que purifica e refina a pessoa”[2]. Ou ainda como
escreveu Leon Morris: “Parece melhor entender que João está pensando nos aspectos
positivos e negativos da mensagem do Messias. Os que O aceitam serão purificados
como pelo fogo e fortalecidos pelo Espírito Santo”.[3]
Interpretes já no século XIX apontavam nessa direção. Exemplo é o exegeta inglês Henry
Alford (1810-1871). Ele via esse batismo como único em uma dupla função e achava um
erro básico separar o público destinatário de cada elemento (Espírito e fogo) se o texto
em grego assim não o faz. Alford dizia que essa promessa foi plenamente cumprida no
Dia de Pentecostes (Greek Testament Critical Exegetical Commentary). Entre outros
exegetas antigos que concordaram com essa posição temos nomes como de George
Campbell Morgan (1863-1945) e Philip Arthur Micklem (1876–1965)[4].
2ª opção: “O batismo de fogo é uma metáfora escatológica que indica o juízo vindouro
sobre os ímpios”
E é bem verdade que na maioria das vezes quando a palavra fogo é mencionada em o
Novo Testamento há a ideia de juízo embutida (cf. Mateus 7.19; 13.40; Lucas 9.54;
17.29; João 15.6; 1 Coríntios 3. 13, 15; Hebreus 10.27; 12.29; Tiago 5.3; 2 Pedro 3.7;
Apocalipse 8.7; 9.17; 11.5). Além disso, os textos de Mateus 3. 11-12 e Lucas 3. 15-17
não apresentam conotação litúrgica ou sacramental, mas preditiva. O fogo como
elemento litúrgico está tão somente associado ao altar e, nesse ponto, essa figura perde
sentido como elemento do culto neotestamentário.
Não é possível afirmar que o auditório de João Batista fosse constituído apenas de
crentes (cf. Mateus 3.7). A mensagem de juízo fazia todo o sentido para uma “raça de
víboras” que ouvia João na busca de implicá-lo em um crime. O contexto como um todo
aponta para a ideia de juízo dos fariseus e saduceus. A mensagem de João, assim como
de Jesus, sempre foi muito dura para essa classe de religiosos.
Então por que João Batista coloca na mesma frase uma promessa que se concretiza na
festa de Pentecostes (cf. Atos 1.5; 2.1-4) e uma sentença de juízo que se realizará apenas
no final dos tempos? Stanley Horton responde que João Batista fazia parte do
profetismo veterotestamentário onde “não foi relevado o intervelo entre a primeira e a
segunda vinda de Cristo”[7]. Assim como a profecia de Joel no Antigo Testamento
relacionava o derramamento do Espírito e o juízo sobre o mundo (cf. Joel 2, 28-32) e os
discípulos relacionaram a promessa do derramamento do Espírito ao fim dos tempos
(cf. Atos 1. 1-14), João não discernia entre os intervalos do Dia do Senhor.
Associar o “batismo de fogo” com “línguas de fogo”, como faz alguns exegetas, é bem
problemático. Como lembra o teólogo pentecostal Anthony D. Palma: “precisamos
perceber; no entanto, que o vento e o fogo precederam o enchimento do Espírito; não
foram parte dele”[12]. Ou ainda, as línguas de fogo foram uma imagem associada
unicamente ao evento do Pentecostes sem uma ligação de continuidade entre outras
manifestações do Espírito no decorrer do livro de Atos.
Conclusão
Diferente de alguns teólogos que vivem de polêmicas e tratam opiniões contrárias com
gracejos vemos que, em matéria exegética, muitas vezes há mais complexidade do que
simplicidade diante de textos difíceis das Escrituras. Outrossim, o pentecostalismo é
complexo e não é unânime nessa questão, como já visto acima, e indica que associar
uma interpretação ao nosso grupo só demonstra ignorância. Eu, apesar dos bons
argumentos do primeiro grupo, concordo com Stanley Horton e a maioria dos exegetas:
o “batismo de fogo” é o juízo escatológico do Senhor.