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Ok, então esta é a quarta versão da minha lista FAQ de Whipping Girl2, onde
responderei a perguntas comuns e / ou esclarecerei algumas confusões sobre o que eu
disse (ou tentei dizer) em WG. Esta lista de FAQ discute a distinção cis "/ trans" e o
privilégio de pessoas "cis".
Fiquei
inspirada
a
usar
o
termo
“cissexual”
depois
de
ler
uma
das
postagens
de
“intercâmbio”3
de
Emi
Koyama
em
seu
site
(www.eminism.org/interchange/2002/20020607-‐wmstl.html).
Aparentemente,
o
termo
relacionado
“cisgênero”
foi
cunhado
em
1995
por
um
homem
transexual
chamado
Carl
Buijs.
Eu
não
sei
muito
sobre
Carl
Buijs
ou
sobre
porque
ele
cunhou
o
termo
“cisgênero”.
Mas,
como
sou
uma
cientista
(campo
de
atuação
no
qual
os
prefixos
“trans”
e
“cis”
são
usados
rotineiramente),
essa
terminologia
parece
bastante
óbvia,
em
retrospecto.
“Trans”
signica
“através
de”
ou
“no
lado
oposto
de”,
enquanto
“cis”
significa
“no
mesmo
lado
que”.
Então,
se
alguém
tem
seu
sexo
atribuído
ao
nascer,
mas
posteriormente
passa
a
se
identificar
e
a
viver
como
um
membro
do
outro
sexo,
essa
pessoa
é
chamada
de
“transexual”
(porque
ela
cruzou
de
um
sexo
para
outro),
e
uma
pessoa
que
vive
e
se
identifica
com
o
sexo
atribuído
no
nascimento
é
chamada
de
“cissexual”.
Como
uma
pessoa
que
teve
o
sexo
masculino
atribuído
no
nascimento,
mas
que
vive
e
se
identifica
com
o
sexo
feminino,
eu
posso
ser
descrita
como
uma
mulher
transexual,
uma
mulher
transgênero,
ou
uma
mulher
trans.
Aquelas
mulheres
que
(diferente
de
mim)
tiveram
o
sexo
masculino
atribuído
no
nascimento
podem
ser
de
maneira
similar
descritas
como
mulheres
cissexuais,
mulheres
cisgênero
ou
mulheres
cis.
1
FAQ
retirada
do
blog
da
autora,
http://juliaseano.livejournal.com
traduzida
por
Alice
Gabriel.
2
Whipping
Girl:
A
Transsexual
Woman
on
Sexism
and
the
Scapegoating
of
Femininity
é
o
nome
do
livro
de
Julia
Serano
publicado
em
2007.
Escolhi
não
traduzir
o
título
que
é
algo
como
‘garota
esperta’.
3
Na
seção
de
intercâmbio,
Emi
Koyama
(re)posta
respostas
a
emails
e
fóruns
online.
Eu
suponho
que
pessoas
diferentes
podem
dar
diferentes
respostas
a
essa
questão,
então
é
melhor
que
eu
explique
porque
eu
comecei
a
usar
essa
terminologia
e
porque
eu
escolho
incluí-‐la
em
meu
livro.
Comecei
a
escrever
Whipping
Girl
em
2005,
antes
de
ouvir
falar
da
terminologia
“cis”.
O
foco
principal
do
livro
era
desmascarar
boa
parte
dos
mitos
e
concepções
erradas
que
as
pessoas
têm
a
respeito
de
transexuais.
Inicialmente,
eu
estava
meio
dispersa
em
minha
abordagem:
em
um
capítulo
eu
criticaria
o
jeito
que
o
termo
“passar”
é
usado
com
referência
a
transexuais.
Em
outro
capítulo,
eu
criticaria
o
uso
dos
termos
“garoto
biológico”
ou
“garota
genética”
para
descrever
mulheres
e
homens
não-‐trans.
Em
outro
ainda,
eu
criticaria
a
maneira
que
transexuais
são
sempre
retratadxs
como
imitando
homens
e
mulheres
“reais”
(leia-‐se:
não-‐trans).
E
por
ai
vai.
Depois
de
um
tempo,
ficou
óbvio
para
mim
que
todos
esses
fenômenos
decorriam
da
mesma
suposição:
que
as
identidades
de
gênero
e
os
encorporamentos
de
sexo
de
pessoas
transexuais
são
inerentemente
menos
naturais
e
menos
legítimos
que
aqueles
de
pessoas
não-‐transexuais.
Eu
percebi
que
faria
muito
mais
sentido
escrever
um
capítulo
do
livro
que
expusesse
completamente
esse
uso
de
dois
pesos
e
duas
medidas
e
descrevesse
as
diferentes
formas
que
é
empregado
de
maneira
a
marginalizar
transexuais.
Enquanto
pensava
nisso,
tropecei
na
já
mencionada
postagem
de
Emi
Koyama,
no
qual
discute
a
utilidade
dos
termos
cissexual,
cisgênero
e
cissexismo.
Ela
diz:
“eles
[esses
termos]
descentralizam
o
grupo
dominante,
expondo-‐o
como
apenas
uma
alternativa
possível
e
não
a
‘norma’
contra
a
qual
pessoas
trans
são
definidas.
Eu
não
espero
que
a
palavra
se
popularize
logo,
mas
eu
sinto
que
é
um
conceito
interessante
–
um
conceito
feminista,
de
fato
–
e
é
por
isso
que
o
uso.”
Foi
quando
eu
percebi
que
os
‘dois
pesos’
que
eu
estava
escrevendo
sobre
já
possuíam
um
nome:
cissexismo.
E
o
capítulo
de
WG
dedicado
a
desmitificar
o
cissexismo
acabou
tendo
o
seguinte
título:
“desmantelando
o
privilégio
cissexual”.
As
pessoas
as
vezes
se
assustam
quando
confrontam-‐se
com
novos
termos/linguagem.
Então,
quando
faço
apresentações
eu
normalmente
uso
a
seguinte
analogia
para
ajudar
a
entender
a
utilidade
dessa
terminologia:
Há
cinqüenta
anos,
homossexualidade
era
quase
que
universalmente
vista
como
não
natural,
imoral,
ilegítima,
etc.
Nessa
época,
as
pessoas
falavam
regularmente
sobre
“homossexuais”,
mas
ninguém
falava
sobre
“heterossexuais”.
Em
certo
sentido,
não
existiam
“heterossexuais”
–
todas
aquelas
pessoas
que
não
praticavam
sexo
com
pessoas
de
mesmo
sexo
eram
consideradas
simplesmente
“normais”.
Suas
sexualidades
eram
não
marcadas
e
pressupostas.
Se
você
fosse
lésbica
gay
ou
bissexual
(LGB)
nessa
época,
não
havia
jeito
de
convencer
o
resto
da
sociedade
que
você
era
marginalizada
injustamente.
Aos
olhos
da
sociedade,
ninguém
estava
te
oprimindo,
era
simplesmente
sua
culpa
ou
problema
seu
que
você
fosse
uma
“anormal”.
De
fato,
era
bastante
comum
que
as
próprias
pessoas
LGB
comprassem
essa
pressuposição
de
anormalidade,
já
que
não
havia
outro
caminho
óbvio
para
encarar
sua
situação.
Mas
então,
ativistas
do
direito
das
pessoas
gays
começaram
a
desafiar
essa
noção.
Eles
apontavam
para
o
fato
de
todas
as
pessoas
terem
sexualidades
(não
apenas
pessoas
homossexuais).
As
chamadas
pessoas
“normais”
não
eram
realmente
“normais”
per
se,
mas
sim
“heterossexuais”.
E
as
ativistas
apontavam
que
heterossexuais
não
eram
necessariamente
melhores
ou
mais
corretos
do
que
homossexuais.
Mas
sim
que
o
heterossexismo
–
a
crença
de
que
a
atração
e
os
relacionamentos
entre
pessoas
de
mesmo
sexo
sejam
menos
naturais
e
legítimos
que
os
heterossexuais
–
institucionalizado
em
nossa
sociedade
funciona
de
maneira
a
injustamente
marginalizar
aquelas
pessoas
que
participam
de
relacionamentos
de
mesmo
sexo.
Uma
vez
que
reconheçamos
que
heterossexismo
é
um
uso
de
dois
pesos
e
duas
medidas,
torna-‐
se
evidente
(percebamos
ou
não)
que
heterossexuais
são
privilegiados
me
nossa
sociedade.
Podem
casar
legalmente,
podem
demonstrar
publicamente
o
seu
afeto
por
seu
outro
significativo
sem
o
medo
de
ser
atacado,
suas
relações
são
tipicamente
aprovadas
e
até
mesmo
comemoradas
por
outras
pessoas,
e
por
ai
vai.
Como
todas
as
formas
de
privilégio,
o
privilégio
heterossexual
é
invisível
para
aquelxs
que
o
experienciam
–
o
privilégio
é
simplesmente
pressuposto.
Ao
discutir
heterossexismo
e
o
privilégio
heterossexual
as
ativistas
LGB
fizeram
grandes
ganhos
ao
longo
do
tempo
no
esforço
de
nivelar
o
terreno
da
orientação
sexual
em
nossa
cultura.
Apesar
de
cissexismo
e
privilégio
cissexual
serem
conceitos
úteis,
já
encontrei
muitas
pessoas
(tanto
cis
como
trans)
que
não
gostam
da
distinção
cis/trans.
Aqui
se
segue
o
que
penso
sobre
as
críticas
mais
comuns:
1)
a
distinção
soa
muito
acadêmica/jargônica;
não
podemos
falar
em
uma
linguagem
mais
simples?
Primeiro
de
tudo,
“cis”
não
é
um
termo
acadêmico,
é
um
termo
que
veio
do
ativismo.
E
soa
como
um
jargão
simplesmente
porque
a
maioria
das
pessoas
não
esta
familiarizada
a
ele.
Num
postagem
recente
do
Feministing4
sobre
esse
tópico,
cannonball
coloca
a
seguinte
questão:
“palavras
que
começam
com
cis
podem
parecer
esotéricas,
mas
quantas
vezes
criticou-‐se
o
uso
de
palavras
como
“sexismo”
e
“heterossexismo”
por
grupos
que
trabalham
para
o
fim
da
opressão,
alegando-‐se
que
tais
palavras
eram
acadêmicas
demais?
(note-‐se:
a
postagem
de
cannonball
foi
uma
resposta
a
dois
excelentes
postagens
anteriores
feitas
por
Queen
Emily
no
blog
Questioning
Transphobia,
chamadas:
Cis
is
not
an
“academic”
4
http://community.feministing.com/2009/05/cis-‐as-‐an-‐academic-‐term.html
term
e
Cis
(2)5.
Nessas
postagens,
ela
entra
mais
profundamente
na
questão
de
se
cis-‐é-‐um-‐
termo-‐acadêmico
do
que
eu
faço
aqui.)
2) comentário frequente entre pessoas cis: “mas eu não me identifico com o termo cis”
Cis
não
é
para
ser
uma
identidade.
Ao
invés
disso,
o
termo
simplesmente
descreve
a
forma
que
uma
pessoa
é
percebida
por
outras.
Geralmente,
apenas
nos
identificamos
com
aqueles
aspectos
de
nós
mesmas
que
são
marcados.
Por
exemplo,
eu
me
identifico
como
bissexual,
e
como
uma
mulher
trans,
porque
essas
são
questões
que
eu
tenho
que
lidar
o
tempo
todo
(por
causa
do
preconceito
de
outras
pessoas).
Apesar
de
não
me
identificar
fortemente
como
branca
ou
não-‐deficiente,
tenho
a
possibilidade
de
me
livrar
completamente
desses
rótulos,
isso
seria
negar
o
privilégio
branco
e
não-‐deficiente
que
eu
experimento
regularmente
3)
comentário
frequente
entre
pessoas
trans:
“eu
não
gosto
da
distinção
entre
cis/trans
porque
eu
não
acho
que
eu
sou
diferente
de
uma
mulher
(ou
homem)
cis.”
Eu
consigo
me
relacionar
a
esse
sentimento.
Porque
no
fim
das
contas,
eu
não
acredito
que
eu
(como
uma
mulher
trans)
seja
inerentemente
diferente
de
uma
mulher
cis.
Tal
ponto
de
vista
seria
essencialista/universalista,
uma
vez
que
assumiria
que
todas
as
mulheres
cis
são
“as
mesmas”
entre
si
e
inteiramente
distintas
de
mulheres
trans.
Isso
ignora
a
grande
variação
entre
e
a
sobreposição
entre
mulheres
cis
e
trans.
Quando
uso
os
termos
cis/trans
na
é
para
falar
sobre
diferenças
reais
entre
corpos/identidades/gêneros/pessoas
cis
e
trans,
mas
sobre
diferenças
percebidas.
Em
outras
palavras,
apesar
de
não
achar
que
meu
gênero
seja
inerentemente
diferente
do
de
uma
mulher
cis,
estou
ciente
de
que
a
maioria
das
pessoas
tendem
a
ver
meu
gênero
de
forma
5
Respectivamente:
http://questioningtransphobia.wordpress.com/2009/04/25/cis-‐is-‐not-‐an-‐academic-‐
term/
e
http://questioningtransphobia.wordpress.com/2009/04/30/cis-‐2/
6
Uso
a
expressão
‘corporalmente
não-‐deficiente’
para
traduzir
a
expressão
‘able-‐bodied’.
É
complicado
traduzir
as
expressões
‘able’,
‘ableism’
porque
a
noção
de
deficiência
parece
bastante
complicada.
diferente
(isso
é,
como
menos
natural/válido/autêntico)
da
que
vêem
o
gênero
de
uma
mulher
cis.
[Algumas
pessoas]
podem
recusar
boa
parte
dessa
linguagem
como
algo
que
contribui
para
um
“discurso
reverso”
–
isto
é,
ao
descrever-‐me
como
uma
transexual
e
ao
criar
termos
trans-‐
específicos
para
descrever
minhas
experiências,
eu
estaria
simplesmente
reforçando
a
distinção
entre
transexuais
e
cissexuais
que
me
marginalizaram.
Minha
resposta
a
esses
dois
argumentos
e
a
mesma:
eu
na
acredito
que
transexuais
e
cissexuais
são
inerentemente
diferentes
entre
si.
Mas,
as
formas
vastamente
diferentes
pelas
quais
somos
percebidas
e
tratadas
por
outras
pessoas
(baseadas
em
sermos
ou
não
trans)
e
o
modo
que
essas
diferenças
têm
impacto
sobre
nossas
experiências
sociais
físicas,
tanto
com
a
masculinidade
quanto
com
a
feminilidade,
que
são
únicas,
levou
muitas
transexuais
a
verem
e
entenderem
o
gênero
de
maneira
muito
diferente
de
suas
contrapartes
cissexuais.E,
enquanto
transexuais
são
extremamente
familiares
com
as
perspectivas
cissexuais
do
gênero
(na
medida
em
que
elas
são
dominantes
em
nossa
cultura),
a
maioria
das
pessoas
cissexuais
não
tem
qualquer
familiaridade
com
as
perspectivas
trans.
Assim,
pedir-‐me
para
usar
apenas
as
palavras
com
as
quais
pessoas
cis
estão
familiarizadas
para
descrever
minhas
experiências
gendradas
é
parecido
com
pedir
para
uma
musicista,
quando
for
descrever
música,
usar
apenas
palavras
que
não-‐musicistas
entendem.
Pode
ser
feito,
mas
alguma
coisa
crucial
certamente
seria
perdida
na
tradução.
Assim
como
uma
musicista
não
pode
explicar
completamente
sua
ração
a
uma
música
particular
sem
trazer
conceitos
como
“tom
menor”
ou
“compasso”,
existem
também
certas
palavras
e
idéias
trans-‐específicas
que
aparecerão
ao
longo
desse
livro
e
que
são
cruciais
para
que
eu
posa
transmitir
precisamente
meus
pensamentos
e
experiências
com
relação
ao
gênero.
Para
ter
uma
discussão
iluminada
e
cheia
de
nuances
sobre
minhas
experiências
e
perspectivas
como
uma
mulher
trans,
nós
precisamos
começar
a
pensar
em
termos
de
palavras
e
idéias
que
descrevam
de
maneira
acurada
essa
experiência.
Uma
amiga
minha
me
contou
recentemente
de
uma
mulher
trans
que
ela
conhece
e
que
reclamou
que
outras
mulheres
estavam
exercendo
seu
privilégio
cis
sobre
ela
sempre
que
elas
reclamavam
sobre
sua
menstruação.
Disse
o
seguinte
a
essa
amiga:
Eu
entendo
o
que
ela
quer
dizer,
mas
eu
hesitaria
em
chamar
isso
de
privilégio
cissexual.
Eu
procuro
usar
esse
termo
apenas
quando
me
refiro
a
legitimação
social
e
lega
(isto
é,
que
o
sexo
legal
e
identidade
de
gênero
de
pessoas
cis
sejam
pressupostos
e
considerados
válidos
de
uma
forma
que
os
de
uma
pessoa
trans
não
são).
Nesses
casos,
there
is
a
blatant
societal
Double-‐
standard
at
work,
and
cis
folks
should
be
made
aware
that
they
are
taking
something
for
granted
that
others
cannot.
Mas
uma
vez
que
entramos
na
questão
da
biologia
ou
dos
corpos
(e
não
os
direitos
associados
a
eles),
a
coisa
se
torna
mais
assustadora.
Por
exemplo,
eu
tenho
privilégios
de
cor,
não
porque
minha
pele
é
menos
pigmentada
do
que
a
pele
de
pessoas
de
cor,
mas
porque
minha
brancura
me
permite
não
ter
que
enfrentar
cotidianamente
o
racismo.
Eu
tenho
privilégios
ligados
a
não
ser
deficiente
física,
não
porque
eu
posso
ver
ou
andar
“de
boa”,
mas
porque
(numa
sociedade
que
presume
que
todo
mundo
pode
ver
placas
ou
subir
um
lance
de
escadas
se
necessário)
eu
não
enfrento
os
mesmos
obstáculos
ou
barreiras
em
minha
vida
cotidiana
que
pessoas
com
diferentes
capacidades
enfrentam.
Às
vezes,
quando
outras
mulheres
reclamam
sobre
suas
menstruações
ou
gravidezes,
eu
fico
bem
triste.
Apesar
de
não
duvidar
que
essas
experiências
sejam
doloridas
e
difíceis,
eu
me
sinto
mal
por
não
ter
a
oportunidade
de
escolher
engravidar
se
eu
quisesse
(eu
não
tenho
certeza
que
eu
gostaria
de
engravidar
se
eu
pudesse,
mas
seria
bom
ter
essa
opção
aberta
para
mim).
Eu
tenho
uma
prima
cis
que
sempre
teve
uma
menstruação
irregular
e
ficou
perturbada,
quando
já
na
idade
adulta,
descobriu
que
não
conseguia
engravidar
(ela
e
seu
marido
acabaram
por
adotar
depois
de
anos
de
tratamento
para
fertilidade).
Mesmo
que
nunca
tenhamos
conversado
sobre
esse
assunto,
eu
tenho
certeza
que
nós
duas
nos
relacionamos
com
nossa
situação
parecida
de
maneiras
bem
diferentes.
Para
mim,
essa
questão
está
embalada
pela
minha
tristeza
de
não
ter
nascido
fêmea.
Para
ela
(tendo
sido
socializada
como
mulher)
está
mais
ligada
a
ter
imaginado
desde
criança
que
algum
dia
ela
ficaria
grávida
e
teria
suas
próprias
crianças.
Eu
e
minha
prima
partilhamos
algumas
similaridades,
mas
também
algumas
diferenças.
Ela
foi
qualificada
para
adoção
apesar
de
ser
infértil.
É
bem
provável
que
se
eu
requeresse
adoção
(com
base
na
minha
infertilidade
por
causa
da
transexualidade)
ela
seria
negada
por
causa
do
meu
status
trans.
Seria
um
caso
evidente
de
privilégio
cis,
se
a
adoção
fosse
negada
por
essa
razão.
E
apesar
de
não
considerar
privilégio
cis
quando
outras
mulheres
reclamam
de
suas
menstruações,
eu
já
tive
que
ouvir
de
algumas
mulheres
cis
o
quanto
eu
sou
“sortuda”
de
não
menstruar.
Eu
sei,
de
fato,
que
elas
nunca
diriam
a
alguém
como
minha
prima
(uma
mulher
cis
infértil)
que
ela
é,
pela
mesma
razão,
sortuda.
Neste
caso,
eu
posso
dizer
que
o
privilégio
cis
está
operando
(por
causa
dos
dois
pesos...)
Fico
feliz
que
WG
tenha
ajudado
a
popularizar
o
uso
dos
termos
cissexismo
e
privilégio
cis.
Mas
é
importante
lembrarmos
que
todas
nós
somos
privilegiadas
de
algumas
formas
e
marginalizadas
em
outras.
Como
pessoa
trans,
eu
sou
muito
sensível
ao
privilégio
cis,
mas
não
tão
ligada
aos
meus
privilégios
de
pessoa
banca
ou
capaz.
No
passado,
eu
presumi
que
uma
pessoa
estava
exercendo
seu
privilégio
cis
sobre
mim
e
depois
descobri
que
ela
nem
sabia
que
eu
era
trans.
E
eu
já
fui
chamada
atenção
(corretamente)
quando
inadvertidamente
disse
algo
que
estava
calcado
em
meu
privilégio
branco
ou
capaz,
sem
ter
consciência
disso.
É
especialmente
importante
que
tenhamos
isso
em
mente
em
contextos
feministas,
uma
vez
que
tanto
mulheres
trans
como
cis
são
marginalizadas
de
maneiras
que
se
sobrepõem
em
grande
parte,
mesmo
que
sejam
as
vezes
diferentes.
Em
geral,
foi
uma
merda
ter
sido
forçada
contra
minha
vontade
a
ser
um
menino,
mas
eu
estaria
mentindo
se
eu
dissesse
que
eu
não
experimentei
algumas
vantagens.
Por
exemplo,
em
certo
sentido,
eu
tive
bem
mais
liberdade
do
que
minhas
irmãs.
E
eu
não
posso
dizer
honestamente,
caso
tivesse
sido
criada
como
uma
mulher,
se
eu
me
tornaria
uma
cientista
ou
não.
De
mesmo
jeito
que
eu
não
tenho
dúvida
de
que
existem
alguns
aspectos
de
ser
criada
como
mulher
que
são
uma
merda.
Mas
também
existem
algumas
vantagens
(como
por
exemplo,
que
as
pessoas
levem
a
sério
a
sua
identidade
de
gênero,
não
ser
forçada
a
ser
um
menino,
etc)
Eu
quero
ser
parte
de
uma
comunidade
feminista
na
qual
possamos
falar
de
assuntos
específicos
a
cis-‐mulheres
e
assuntos
específicos
de
trans-‐mulheres
sem
que
o
primeiro
grupo
seja
automaticamente
recriminado
por
exercer
privilégio
cis
e
o
segundo
grupo
seja
automaticamente
recriminado
por
exercer
um
suposto
privilégio
masculino.
Para
alcançarmos
isso,
é
importante
desafiar
a
opressão
e
o
privilégio
sempre
que
eles
ocorrerem.
Mas
também
é
importante
escutarmos
ao
que
as
outras
têm
para
dizer,
dar
as
pessoas
o
benefício
da
dúvida
sempre
que
for
possível.
Algumas
pessoas
são
teimosamente
preconceituosas
e
repetem
ofensas,
e
é
óbvio
que
elas
têm
que
responder
a
isso.
Mas
a
maioria
de
nós
(espero
eu)
quer
genuinamente
entender
e
ser
entendida.
Discussões
sobre
“privilégio”
deveriam
servir
para
ensinar
(e
aprender)
como
vemos
e
experimentamos
o
mundo
de
maneira
distinta;
como
cada
uma
de
nós
tem
pontos-‐cegos;
como
cada
uma
de
nós
faz
pressuposições
incorretas
e
prejudiciais
a
outras
pessoas.
Discutir
“privilégios”
deveria
servir
como
uma
ferramenta
e
não
como
uma
arma
a
ser
empunhada.