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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS


CURSO DE DIREITO

A TRANSFORMAÇÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA EM


PRISÃO PERPÉTUA

Goiânia
2002
A TRANSFORMAÇÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA EM
PRISÃO PERPÉTUA
MARCIA OLIVEIRA MASCARENHAS

A TRANSFORMAÇÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA EM


PRISÃO PERPÉTUA

Monografia Jurídica apresentada


para conclusão do curso de
graduação em Direito, no
Departamento de Ciências
Jurídicas, na Universidade Católica
de Goiás, sob a orientação do Prof.
Eurípedes Balsanulfo de Freitas
e Abreu.

Goiânia
2002
Banca Examinadora: Nota para a monografia jurídica:

______________________________ __________________________
Professor-orientador:

______________________________ __________________________
Professor-membro:
Para meus pais com eterna
gratidão, por estarem sempre me
incentivando e apoiando nesta
árdua caminhada.

v
Aos professores Eurípedes Balsanulfo
de Freitas Abreu, Altamir Rodrigues
Vieira Júnior e ao Dr. Haroldo Caetano
da Silva por terem, de forma direta ou
indireta, proporcionado a realização
deste valioso estudo.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO......................................... .........................................................01

1. MEDIDA DE SEGURANÇA............... .........................................................06

1.1. Histórico........................................................................................06
1.2. O Sistema Vicariante...................................................................08
1.3. Medida de Segurança..................................................................10
1.4. Previsão legal no Código Penal...................................................13
1.5. Previsão legal na Lei de Execução Penal...................................15

2. DA APLICAÇÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA...................................18

2.1. Hospitais de Custódia...............................................................18


2.2. Período de Internação...............................................................20
2.3. Saídas Terapêuticas..................................................................22
2.4. Verificação da Cessação da Periculosidade.............................23
2.5. Recuperação e Humanização...................................................25

3. A INEFICIÊNCIA DA INTERNAÇÃO NOS MANICÔMIOS


JUDICIÁRIOS...........................................................................................28

3.1. Locais inadequados ao cumprimento da Medida de


Segurança...................................................................................28
3.2. A falta de condições terapêuticas no local de tratamento......32
3.3. A impossibilidade de cura ou amenização dos transtornos
psíquicos diante do tratamento utilizado................................34

4. A APLICAÇÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA E A VIOLAÇÃO AOS


DIREITOS HUMANOS............................................................................38

4.1. O terror dos doentes mentais nos manicômios judiciários....38


4.2. A transformação da medida de segurança em prisão
perpétua...................................................................................41
4.3. O tratamento desumano e degradante aos doentes mentais
nos manicômios judiciários.....................................................43

5. AS ILEGALIDADES NA APLICAÇÃO DA MEDIDA DE


SEGURANÇA...........................................................................................48

5.1. A inexistência de hospitais de custódia e tratamento


psiquiátrico no Estado de Goiás.............................................48
5.2. As condições de aplicação da Medida de Segurança no Estado
De Goiás...................................................................................52
CONCLUSÃO................................................................................................57
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................60
ANEXOS........................................................................................................64
INTRODUÇÃO

O objeto de estudo de nossa monografia jurídica é a medida de


segurança, tendo a mesma como instrumento de defesa social e tentativa de
recuperação médico-social do indivíduo perigoso que delinqüiu. Claro fica,
portanto, que ao doente mental perigoso, o qual tenha praticado algum delito,
será aplicado medida de segurança e não pena, vez que não é possível cobrar de
quem não possui a noção do valor de seus atos.
É bom frisar, como é de domínio público, que não há manicômio
judiciário em Goiânia. Aliás, a inexistência, em Goiás, de um hospital de
custódia e tratamento psiquiátrico cria um problema de difícil e também graves
conseqüências para a administração da Justiça, com reflexos danosos à
segurança pública e à imagem do Judiciário. O artigo 150, do Código de
Processo Penal diz que, se o acusado estiver solto, deverá internar-se em lugar
adequado, a requerimento dos peritos, por determinação do juiz do feito. Assim
a exigência de internar-se, por exemplo, na Casa de Prisão Provisória é ilegal.
Primeiro, porque afronta o disposto na lei; segundo, porque não é lugar
adequado.
Prevê a lei penal, a imposição de medida de segurança quando se
verificar a inimputabilidade do agente. E essa verificação da inimputabilidade se
dá através de exame médico-legal. Entretanto, se formos analisar de forma
coerente e determinada, o exame deve ser médico-psicológico e social, para ser
completo, tendo em vista a diversidade de fatores que intervêm na causalidade
criminal, sejam de ordem biológica, social, psicológica, econômica ou mesmo
cultural. Assim, após realizado o exame de insanidade mental e tendo a
comprovação da doença mental, deverá o acusado ser internado em manicômio
judiciário ou em estabelecimento adequado, de acordo com as diretrizes
estabelecidas pela legislação penal.
Em termos técnicos, percebemos que o procedimento utilizado na
aplicação da medida de segurança, não tem muitas peculiaridades. Dessa forma,
detectado a inimputabilidade, através de exames psiquiátricos, aplica-se a
medida de segurança. Tal exame é procedimento técnico-científico seríssimo,
capaz de definir o futuro de alguém diante da Justiça. Se malfeito, por falta de
condições elementares, tanto poderá obrar em desfavor da Justiça como em
malefício da pessoa acusada.
O velho brocardo popular ensina-nos: “Onde está o homem, está o
perigo”. Imaginemos agora esse homem doente mental, não gozando da
integridade de todas as suas faculdades e não dando conta de seus atos. Isso tudo
por causa de mórbida condição mental, tem ele modificada a juridicidade dos
seus atos e de suas relações sociais. Para os penalista o que interessa é apenas a
noção de estado perigoso que o delinqüente representa para a sociedade. Desde
o momento que esse estado se comprova, existe a necessidade de defender a
comunidade social.
Quando ocorre a internação do inimputável passa a existir no seio da
sociedade, o entendimento de que ocorre a redução presumida da capacidade
civil do internando, levando os críticos a entender que tal internação coloca os
doentes mentais periculosos em uma classe inferior perante os homens, visto que
lhes é vedado desfrutar dos mesmos direitos e privilégios dos demais homens.
Sendo considerado, portanto, além de uma grosseira violação constitucional, um
vilipêndio aos direitos humanos.
O que seria mais grave que um presídio comum, é o confinamento do
doente mental em um manicômio judiciário, tendo em vista ter decretado sua
prisão perpétua. No primeiro, por mais periculoso que seja o delinqüente, ele
terá liberdade após o cumprimento da pena, em contraposição a este último, aos
quais são aplicadas as medidas de segurança, tem-se o tratamento limitado a
utilização de camisas-de-força e eletrochoques, procedimentos que
impossibilitam a recuperação do insano.
Assim, podemos afirmar que a ineficácia dos tratamentos nos
manicômios judiciários, o despreparo dos profissionais, a utilização de medidas
desumanas nos leva à indignação, no que se refere ao cumprimento das medidas
de segurança. Na realidade ocorre uma camuflagem, pois o Poder Judiciário
ignora insistentemente, a situação, tendo em vista que ocorre uma delegação de
poderes, por parte do juiz, aos médicos dessas instituições. Talvez, o
procedimento mais coerente seria transferir a aplicação da medida de segurança
à Saúde Pública. Dizemos isso pelo fato de que, da mesma forma que o médico
sanitarista visa a medidas preventivas e defensiva, anuladoras da disseminação
de doenças transmissíveis, o psiquiatra legista estabelece dados positivos para a
imposição do tratamento devido aos delinqüentes perigosos. Dessa forma, vê-se
que o tema em comento trata-se de uma doença, a qual é de competência, o seu
tratamento, pela equipe médica que compõe a Saúde Pública.
Assim sendo, é necessário que se encontre meios para solucionar o
problema do incidente de insanidade mental do acusado e da execução das
medidas de segurança. Por isso a necessidade de um estabelecimentos
especializado, de segurança máxima, onde o interno é submetido à execução de
medida de natureza terapêutica, sendo o objetivo dessa medida, a cura, pelo
tratamento psiquiátrico, uma vez que a periculosidade é a razão de ser da medida
de segurança.
É necessário, portanto, repensar o fato de existirem tantas pessoas
submetidas à medida de segurança, porque praticaram fatos tidos como
criminosos, mas por serem inimputáveis, ao invés da pena, cumprem medida de
segurança internadas, em estabelecimentos inadequados, convivendo com toda
sorte de condenados, sem tratamento específico adequado, ficando explícitas as
deficiências ora inadmissíveis e até desumanas.
A partir do momento em que temos instituições não especializadas,

despreparadas para efetivar o verdadeiro tratamento dos insanos mentalmente,

temos uma violação aos próprios princípios constitucionais, no tocante aos

direitos e garantias do cidadão, previstos no artigo 5º da Constituição Federal.

Ademais, tem-se evidenciado tanto socialmente como humanamente, uma marca

profunda e desastrosa nos quesitos sociais e humanos, visto haver uma

descaracterização do ser humano, a partir do momento em que é tido como um

animal a ser domado e mantido enjaulado, passando dias, anos ou mesmo

décadas, dopado e incapaz de responder por si.

Dessa forma, abordaremos a efetiva violação aos direitos humanos ao


transformar a medida de segurança em prisão perpétua, tendo em vista que a
legislação penal prevê a aplicação de condições harmônicas para a integração
social do internado. Ademais, reafirmar a necessidade de utilização de técnicas
adequadas à aplicabilidade da medida de segurança, a fim de evitar a violação
dos preceitos jurídicos, sociais e humanos.
Assim, o presente estudo buscará trabalhar problemas crônicos do
mundo jurídico, os quais apresentam camuflados, mas que vem aniquilando os
próprios direitos fundamentais do homem, chegando a ponto de transformar um
tratamento psiquiátrico em prisão perpétua, em razão do descaso, da indiferença
das autoridades frente ao fantasma da opressão, da ilegalidade, da imoralidade
dos manicômios judiciários. Assim, com este trabalho monográfico tenho o
propósito de abordar as condições díspares em que são tratados os doentes
mentais, vez que não possuem tratamento adequado, como no caso do Estado de
Goiás, não tendo nem mesmo manicômio judiciário.
1. Medida de Segurança

1.1. Histórico

Preliminarmente, devemos mencionar que qualquer que seja o


modelo político-social, a tendência das sociedades modernas é orientar o
indivíduo de acordo com os interesses coletivos e organizar a vida em termos de
civilidade e nivelação dos tipos e dos modos de viver. Essa integração, no
entanto, vem registrando um aumento assustador nos conflitos de relação
interp1essoal e de grupos, com seus desajustes e suas contradições, provocando
um somatório alarmante de violência e criminalidade.
Segundo RENATO POSTERLI (1995)1 os fatores criminogenéticos
surgem da própria constituição do indivíduo infrator, e muita das vezes são
oriundos do meio em que ele vive, podendo-se afirmar que em toda ação
delituosa existiram fatores que a motivaram, que foram capazes de minar a
resistência individual, permitindo que o arbítrio se tornasse cúmplice da conduta
anti-social. Por isso, o julgador tem de ser, antes de tudo, um cientista do
comportamento humano, não pode ser apenas um frio executor de decisões

1
POSTERLI, Renato. A periculosidade do doente mental. Belo Horizonte: Del Rey, 1995. P. 34-41
contra atividades anti-sociais, prendendo infratores das leis. Assim, julgar um
homem sem conhecê-lo, é um charlatanismo jurídico.
Porém, mais complicado é quando o julgador se depara com uma
situação de inimputablidade, onde se faz necessário enviá-lo para manicômios
judiciários, centros de tratamento, caracterizando a aplicação da medida de
segurança. Praticamente demonstrada no Direito Penal moderno a ineficácia da
execução da pena quanto à prevenção e à recuperação do criminosos, quando
inimputável, novos caminhos foram trilhados para obter resultados satisfatórios.
Uma das mais significativas inovações foi a da instituição das chamadas
medidas de segurança, cujos fundamentos encontram apoio na pregação da
Escola Positiva.
Importante ressaltarmos que a origem das medidas de segurança não
se encontra na elaboração teórica e abstrata de uma disciplina jurídica, ao
contrário disso, elas vieram como conseqüência direta da crise de repressão,
durante um século em que a justiça penal assentou as suas bases em conceitos
clássicos. A verdade, porém, é que, embora o instituto já estivesse delineado em
providências penais aplicadas aos insanos de espírito e aos menores, foi no
projeto de Código Penal Suíço, em 1983, que as medidas de segurança aparecem
pela primeira vez como “sistematização de providências cuja finalidade é a
prevenção individual”.2
Entre nós, o primeiro projeto de Código Penal a acolher as medidas de
segurança foi o de Sá Pereira, onde o instituto figurava sob a denominação de
medidas de defesa social. No projeto do mesmo jurista, revisto pela subcomissão
legislativa de que faziam parte Bulhões Pereira e Evaristo de Morais, o
instituto passou a ter o nomem juris hoje adotado pelo Código Penal, de medidas
de segurança. 3

2
MARQUES, José Frederico. V. III. São Paulo: Millenium Editora. 2000. P. 241-252
3
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. P. 524-539
Sabemos que foi alvo de inúmeras críticas a classificação das medidas
de segurança adotada pelo Código Penal de 1940 afirmando que esta “jamais foi
comprovadamente apropriada”4, posto que não revelou ao longo de quarenta
anos de vigor do Código, bons resultados práticos não obstante a minunciosa
especificação legal. Entretanto, há outras opiniões referentes ao nascimento das
medidas de segurança no meio jurídico, que atualmente apresentam grande
relevância. Como diz o professor Ataliba Nogueira:
“A introdução do instituto das medidas de
segurança foi a maior novidade, a mais profunda
modificação ao sistema penal anterior. Nenhum
outro assunto sobreleva a este, nenhuma outra
novidade é maior que esta.”5

1.2. O Sistema Vicariante

De acordo com o anteprojeto de Código Penal de 1969, as medidas de


segurança podiam ser aplicadas, isoladamente, aos inimputáveis e, cumuladas
com penas, aos semi-imputáveis e aos inimputáveis considerados perigosos. A
tendência moderna, porém, é de buscar uma medida unificada, concluindo-se
pela necessidade de adotar o princípio da fungibilidade entre pena e medida de
segurança. Seguindo tal orientação, na reforma penal substitui-se a aplicação
para os semi-imputáveis e imputáveis do sistema duplo binário, que conduz a
aplicação de pena e medida de segurança, para o sistema vicariante ou unitário,
em que se pode aplicar somente pena ou medida de segurança, para os primeiros
e unicamente a pena para os demais.
Assim, se o agente for semi-responsável, nos termos do parágrafo
único do art. 26 do Código Penal, e tiver cometido um fato típico e antijurídico,
deverá ser aplicado o sistema vicariante: pena reduzida ou medida de segurança.

4
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. P. 524-539
5
MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal. V. III. São Paulo: Millenium Editora. 2000. P. 262-277
Foi, dessa forma, extinto o sistema duplo binário, que é um resultado da
concepção de Stoss, que propugna a vinculação da pena à culpabilidade e da
medida de segurança à periculosidade. De acordo com esse sistema, é permitida
a imposição a um mesmo indivíduo de pena e de medida de segurança,
sucessivamente. No regime novo, o juiz, diante das circunstâncias do caso
concreto, deve impor ao condenado só pena ou medida de segurança.
Conforme entendimento do doutrinador JÚLIO FABBRINI
MIRABETE (1999), “o Sistema Vicariante trata-se, dessa forma, de uma
variante do sistema dualista – abolido com a reforma da Parte Geral do Código
Penal brasileiro -, pelo qual se impõe pena ou medida de segurança ao semi-
imputável, vedada a aplicação cumulativa ou sucessiva.”6 Vê-se, portanto, que
se o sujeito semi-responsável necessite de especial tratamento curativo, a pena
privativa de liberdade deve ser substituída pela medida de segurança detentiva –
internação – ou restritiva, que é o tratamento ambulatorial.
Contra o sistema dualista salienta-se, primordialmente, que a
aplicação sucessiva de pena e de medida de segurança lesa o princípio do non
bis in idem, visto que, em verdade, em um mesmo agente se conjugam duas
conseqüências jurídicas advindas de um único delito. A própria Exposição de
Motivos da Lei 7.209/84 afirma que ao réu perigoso e culpável não há razão
para aplicar o que tem sido, na prática, uma fração de pena eufemisticamente
denominada medida de segurança.
Como se vê o sistema adotada pelo Brasil foi, em tese, o mais justo,
tendo em vista que aos inimputáveis e semi-imputáveis aplica-se medidas de
segurança, ficando aos imputáveis o cumprimento de pena. Entretanto, o que
visualizamos é uma aplicação de medida de segurança camuflada de prisão
perpétua em razão dos meios utilizados para o seu cumprimento.

6
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 15. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 361-370.
1.3 Medida de Segurança

As medidas de segurança são conseqüências jurídicas do delito, de


caráter penal, orientadas por razões de prevenção especial. Consubstanciam-se
na reação do ordenamento jurídico diante da periculosidade criminal revelada
pelo delinqüente após a prática de um delito. O objetivo primeiro da medida de
segurança imposta é impedir que a pessoa sobre a qual atue volte a delinquir, a
fim de que possa levar uma vida sem conflitos com a sociedade. Pode-se afirmar
que têm a natureza de sanção penal. O Estado as impõe como forma de tutelar
penalmente os bens jurídicos mais essenciais à vida coletiva. Da violação ilícita
de um desses bens é que surge para o Estado o direito de aplicar a medida de
segurança adequada.
O fundamento da aplicação da pena reside, porém, na culpabilidade,
enquanto a medida de segurança assenta na periculosidade, que, na expressão de
Hungria, é um estado subjetivo, mais ou menos duradouro, de anti-sociabilidade
ou, como explica Plácido e Silva:
“É a que se evidencia ou resulta da prática do
crime e se funda no perigo da reincidência. A
medida de segurança não deixa de ser uma
sanção penal e, embora mantenha semelhança
com a pena, diminuindo um bem jurídico, visa
precipuamente à prevenção, no sentido de
preservar a sociedade da ação de delinqüentes
temíveis e de recuperá-los com tratamento
curativo.”7

Segundo JOSÉ FREDERICO MARQUES (2000)8 pena e medida de


segurança constituem espécies de sanção. Naquela prevalece o caráter de

7
Dicionário Jurídico Plácido e Silva. P. 838
8
MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal. Campinas: Millenium, 1999. P. 240-292
providência repressiva, muito embora não esteja ausente, como atrás se expôs,
certa função preventiva. Na medida de segurança, ao revés é a prevenção que
predomina acentuadamente em seus objetivos e fins com instituto jurídico-penal.
“De modo idêntico à pena, a medida de segurança é forma do poder
coativo do estado que se realiza de maneira indireta. Trata-se de providência
do Estado, no exercício de seu império, para evitar que determinada pessoa que
cometeu um crime, e se revela perigosa, venha a reincidir.”9 A medida de
segurança tem caráter jurídico-penal, o que vale dizer que se trata de atividade
do Estado destinada a tutelar, com maior rigor e eficácia, determinados bens
jurídicos. “Pena e medida de segurança não deixam de ter o aspecto de
providência administrativa”10, como foi salientado por Calamandrei. Em ambas,
porém, o que se verifica é a autolimitação do poder estatal no tocante à
executoriedade de sua ação administrativa.
De acordo com LUIZ REGIS PRADO (2000)11 a pena e a medida de
segurança, como sanções penais, apenas diferem entre si pela prevalência, na
primeira, do aspecto de medida repressiva, e na segunda, do caráter de
providência preventiva. A medida de segurança, como seu prolongamento, dá
tonalidade mais forte ao aspecto preventivo da atividade persecutório-penal do
Estado, ligando-se ao crime pelo que de sintomática este revela em relação a seu
autor.
Ante o exposto, podemos afirmar que a medida de segurança é
aplicada quando o acusado de um crime de qualquer natureza, na suspeita da
existência de um transtorno mental, em que o processo encontra-se ainda em
fase de instrução, fica este suspenso instaurando-se então, o Incidente de
Insanidade Mental.

9
Dicionário Jurídico de Plácido e Silva. P. 838.
10
CALAMANDREI, Pierrô. Lince Fondamentali Del Processo Civile Inquisitório. P. 150-151.
11
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. P. 524-539
O acusado é submetido a exame pericial – Insanidade Mental e
comprovada a existência de um quadro mental e se esse tiver relação direta com
o crime cometido que está previsto no art. 26 do Código Penal, que diz: “É
isento de pena o agente que, por doença mental, desenvolvimento mental
incompleto ou retardado era ao tempo da ação ou omissão, inteiramente
incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com
seu entendimento”, e em seu parágrafo único diz:
“A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se
o agente em virtude da pertubação da saúde
mental, ou por desenvolvimento mental
incompleto ou retardado não era inteiramente
capaz de entender o caráter ilícito ou de
determinar-se de acordo com esse
entendimento”.12
O réu é absolvido, sendo-lhe imposta a internação compulsória em
hospital de custódia, por ser considerado perigoso, se todavia o fato for punível
com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial.
A Medida de Segurança, conforme a Lei Penal, embora preveja a
internação compulsória por um período mínimo de um a três anos, não
estabelece o limite máximo para a duração do tratamento condicionando o
término da mesma a “Cessação da Periculosidade” trata-se de instituto penal
que ao tornar indeterminado o prazo de internação compulsória do inimputável,
freqüentemente resulta na prática em verdadeira internação perpétua. Deve-se
ressaltar que tanto a internação compulsória em Hospital de Custódia e
Tratamento Psiquiátrico, quanto à alta do internado estão subordinados à
determinação judicial, fundamentada na evolução psiquiátrica do paciente
somada ao apoio familiar. Assim, não raramente, embora psiquiatricamente o

12
Código Penal, obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a elaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto.
internado melhore ou tenha superado seus transtornos mentais mais graves,
assim como o juízo da execução se manifeste favoravelmente a desinternação,
esbarra-se com a falta de apoio familiar que passa agasalhar a reinserção
familiar do paciente em estado de alta.

1.4. Previsão legal no Código Penal

Nos termos do art. 97, caput, do Código Penal, se o agente for


inimputável, o juiz, absolvendo-o, determinará sua internação. Se contudo, a
pena abstrata prevista para o crime por ele cometido for de detenção, poderá
submetê-lo a medida de segurança restritiva e não detentiva, que é a sujeição a
tratamento ambulatorial.
A medida de segurança da proibição de freqüentar determinados
lugares é mais branda que a de liberdade vigiada. Mesmo porque essa proibição
pode estar contida nas obrigações impostas ao indivíduo em virtude da medida
de segurança do artigo 94. A finalidade da medida de segurança em apreço, que
o Código Penal disciplina no artigo 98, é a de afastar o indivíduo do meio em
que ele se torna perigoso. Sua duração mínima pode ser de um ano ou de três
meses, conforme dispõe o artigo 98 do Código Penal. Entretanto, proibição de
maior alcance é a contida no artigo 97. Nesse caso o que se proíbe é a
permanência ou residência em localidade, município ou comarca em que o crime
foi praticado. Essa medida de segurança, que nunca se aplica às contravenções,
tem por finalidade afastar o condenado do teatro do crime, ou porque ali é que se
torna perigosa a sua conduta, ou ainda para evitar ódios e ressentimentos contra
o próprio criminoso.
Embora de forma implícita, permanecem os pressupostos para a
aplicação das medidas de segurança – a prática de fato previsto como crime e a
periculosidade do agente. É o que diz os artigos 97 e 98 do Código Penal. Não
basta a periculosidade, presumida pela inimputabilidade, ou reconhecida pelo
juiz em casos de semi-imputabilidade. Necessário e imprescindível que, na
condição de sujeito ativo, tenha a pessoa cometido um fato típico punível. Não
se aplica medida de segurança no caso de não haver provas que confirmem a
imputação, assim como se o fato não constituir ilícito penal ou se o agente tiver
praticado o fato, protegido por uma excludente de antijuridicidade. Ademais,
tem-se que a periculosidade também enquadra os pressupostos para a aplicação
da medida de segurança. 13
Devemos ressaltar que não é mais previsto a aplicação da medida de
segurança para os autores de crime impossível, assim como nas hipóteses de
ajuste, determinação, instigação ou auxílio se o crime não chega ao menos a ser
tentado. Com a reforma penal ficaram extintas as medidas de segurança
impostas aos semi-imputáveis que estão cumprindo ou já cumpriram pena, e aos
imputáveis considerados real ou presumidamente perigosos. Ainda fazendo
referência ao Código Penal, temos que o artigo 93, trata da internação em
colônia agrícola, ou em instituto de trabalho, de reeducação ou de ensino
profissional.
Dessa forma, percebe-se que a legislação penal trata das medidas de
segurança não apenas em suas generalidades, mas também aborda todas as suas
condições de aplicação, assim como o prazo mínimo de execução, entre outras
peculiaridades. Alguns doutrinadores chegam a mencionar que o Código Penal
de 1940 procurou inovar, mas manteve-se no mesmo patamar. Entretanto, o
assunto é de extrema relevância no mundo jurídico, principalmente no âmbito
penal.
O Código Penal, em seu artigo 99, aderiu à tutela dos direitos dos
submetidos às medidas de segurança, prescrevendo:

13
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. P. 524-539
“ O internado será recolhido a estabelecimento
dotado de características hospitalares e será
submetido a tratamento.”14

Dessa forma, a intenção foi evitar que o inimputável seja recolhido à


cadeia ou ao presídio comum, deixando de receber o tratamento psiquiátrico
necessário em hospital ou em local com dependência médica adequada, enfim
que seja submetido à condições degradantes e inconcebíveis ante aos princípios
de dignidade humana.

1.5. Previsão legal na Lei de Execução Penal

De acordo com os dispositivos da referida lei, a pessoa portadora de


deficiência deve receber tratamento prioritário por todos os órgãos da
Administração Pública. A medida de internação aplicada ao doente mental
deverá ser executada em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou outro
estabelecimento adequado. Em hipótese alguma autoriza a Lei de Execuções
Penais a execução da internação em penitenciária. A obrigatoriedade da
internação do doente mental em estabelecimento adequado deriva, obviamente,
da necessidade do tratamento psicoterapêutico, visando à sua recuperação e,
conseguida esta, sua reinserção à família e à sociedade.
Essa distorção com a qual convive, principalmente, o Estado de Goiás,
com o tratamento desumano de seus doentes mentais era inclusive uma das
principais preocupações do legislador por ocasião da edição da Lei n.º 7.210, de
11 de julho de 1984, a qual é denominada de Lei de Execução Penal. Conforme
se vê, diz em seu item 158 da Exposição de Motivos:

14
Código Penal, obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto
e Marcia Cristina Vaz dos Santos Windt. 36. ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 49.
“A pesquisa sobre a condição dos internados ou
dos submetidos a tratamento ambulatorial deve
ser estimulada com rigor científico e desvelo
humano. O problema assume contornos
dramáticos em relação aos internamentos que
não raro ultrapassam os limites razoáveis de
durabilidade, consumando, em alguns casos, a
perpétua privação da liberdade.”15

Adiante, a Lei de Execução Penal, traz em seu artigo 185: “Haverá


excesso ou desvio de execução sempre que algum ato for praticado além dos
limites fixados na sentença, em normas legais ou regulamentares.” Ora,
havendo doentes mentais recolhidos na penitenciária, local absolutamente
inadequado à execução de medidas de segurança, está evidenciado o excesso de
execução. Assim, quando a lei referida anteriormente apresenta uma roupagem
de um tratamento prioritário.
Percebemos, portanto, que a Lei de Execução Penal demonstrou
grande interesse em resguardar os direitos dos inimputáveis, tendo em vista a
imposição de locais adequados para o cumprimento das medidas de segurança,
as condições psicológicas que devem ser oferecidas, entre outras exigências.
Conforme dispõe o artigo 172 da LEP, a internação ou o tratamento
ambulatorial só será permitido quando for expedida guia pela autoridade
judiciária. Entretanto, essa expedição deverá aguardar o trânsito em julgado da
sentença que aplicar a medida de segurança.
De acordo com o artigo 101 da LEP, permite-se a assistência média
em outro local com dependência média adequada e ainda é garantida a liberdade
de contratar médico de confiança pessoal, a fim de orientar o tratamento, tendo
em vista o disposto no artigo 43 da LEP.

15
Lei de Execução Penal – Lei n.º 7210 de 11 de julho de 1984. P. 343.
Vemos, dessa forma, que a lei, em seu inteiro teor, buscou proteger os
inimputáveis favorecendo aos mesmos, condições dignas de tratamento,
recuperação e ao mesmo tempo a reintegração no próprio âmbito social.
Os direitos do internado e do submetido a tratamento ambulatorial
desenvolveram-se lentamente, ao lado da luta pelos direitos dos presos. No
Brasil, a matéria só foi efetivamente implantada no Anteprojeto de Lei de
Execução Penal de 1981, que garantia aos internados todos os direitos inerentes
à sua condição humana e jurídica.
2. Da Aplicação da Medida de Segurança

2.1. Hospitais de Custódia

A internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico constitui


modalidade de medida de segurança detentiva, prevista no artigo 96, inciso I, do
Código Penal. A medida destina-se obrigatoriamente aos inimputáveis que
tenham cometido crime punível com pena de reclusão e facultativamente aos
que tenham praticado delito cuja natureza da pena abstratamente cominada é de
detenção. Também, o semi-imputável poderá ter a pena privativa de liberdade
substituída por medida de segurança, inclusive na modalidade de internação, em
se comprovando a necessidade de especial tratamento curativo. O hospital de
custódia e tratamento psiquiátrico, local em que devem ser feitas as internações,
veio substituir os antigos manicômios judiciários presentes na legislação de
1940. Entretanto, a quase ausência de estabelecimentos do gênero acaba por
conduzir à utilização dos antigos manicômios. De acordo com a legislação, caso
o local não esteja adequadamente aparelhado para prover assistência médica
psiquiátrica, a mesma pode ser prestada em outro lugar mediante autorização da
direção do estabelecimento. É também assegurada a liberdade de contratar
médico de confiança pessoal do internado, a fim de que acompanhe o
tratamento, tanto nos casos de internação quanto nos de tratamento
ambulatorial. 1
Os Hospitais de Custódia destinam-se a custódia e tratamento de pacientes
que cometeram delitos em virtude de serem portadores de condutas anti-sociais,
doenças mentais, desenvolvimento mental incompleto, dependência química,
sendo considerados de alta periculosidade. Sua população é oriunda de
delegacias, presídios e hospitais de várias regiões do Estado, internados por
determinação judicial para observação, tratamento e exames de sanidade mental
por peritos forenses.
Cabe ao juiz absolver o paciente da responsabilidade penal, aplicando-se
como medida de segurança a internação por um prazo variável de um a três
anos, que só poderá ser cumprida em hospital que assegure a dupla função de
custódia e tratamento, já que por serem tais pacientes duplamente
estigmatizados, pela doença e pelo delito cometido, estarão sujeitos ao
hospitalismo, ao abandono familiar e a inúmeros outros problemas, como a
dificuldade para obter a aceitação da família, ou para a reintegração na
sociedade.
Ao concluir o prazo de medida de segurança, o paciente é submetido a
novo exame por perito forense, para verificação de cessação de periculosidade,
incluindo neste exame avaliações de Equipe Técnica Multidisciplinar, composta
de profissionais do Serviço Social, Psicologia e do Médico Assistente os quais,
individualmente, devem relatar como está evoluindo o tratamento do paciente,
desde a internação até o momento do exame. 2
Pelas características dos pacientes considerados de periculosidade, e por
envolver questões judiciais, os mesmos são impedidos de serem tratados em
outros hospitais psiquiátricos convencionais. Os Hospitais de Custódia devem

1
PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 524-539.
possuir uma equipe de agentes penitenciários que, além de treinados para manter
a segurança, evitar fugas e ocorrências de novos delitos. Esses hospitais devem
manter um bom nível de relacionamento médico/paciente/família.
Entretanto, necessário se faz ressaltar que em qualquer fase do tratamento
ambulatorial, o juiz poderá determinar a conversão do mesmo em medida
detentiva, ou seja, internação em hospital de custódia.

2.2. Período de Internação

Conforme entendimento dos doutrinadores, a medida de segurança só


pode ser executada após o trânsito em julgado da sentença. Assim, para o início
da execução, faz-se indispensável a expedição de guia de internamento ou de
tratamento ambulatorial. De acordo com a Exposição de Motivos da Lei de
Execuções Penais, trata-se de reafirmação da garantia individual da liberdade,
que deve existir para todas as pessoas, independentemente de sua condição,
salvo as exceções legais. Desse modo, não é mais possível a imposição de
medida de segurança provisória, como constava anteriormente do Código Penal
de 1940.
“O prazo mínimo de cumprimento da medida de segurança fixado por lei
é de um a três anos, conforme dispõe o artigo 97 e 98 do Código Penal,
invariável, qualquer que seja o delito praticado. O critério para fixação do
mínimo exato de cumprimento da medida de segurança para cada caso varia de
acordo com a maior ou menor periculosidade do agente, não mais estando
relacionado, como ocorria na legislação pretérita, como a quantidade da pena
privativa de liberdade cominada ao delito.”3

2
RIBEIRO, Bruno de Morais. Medidas de Segurança. São Paulo: Livraria do Advogado, 2000, p. 75-89.
3
POSTERLI, Renato. A Periculosidade do doente mental. Belo Horizonte: Del Rey. P.09-57.
“Estabelece o parágrafo 1º do artigo 97 do Código Penal que a internação
e o tratamento ambulatorial serão por tempo indeterminado, perdurando
enquanto não for verificada, através de perícia médica, a cessação da
periculosidade.”4
Adverte-se acerca da inconstitucionalidade de tal dispositivo, sob o
argumento de que contraria a proibição das penas perpétuas. O direito de um
condenado saber a duração da sanção que lhe será imposta, sustenta-se, é
inerente ao próprio princípio da legalidade dos delitos e das penas. Sugere-se,
como alternativa à indeterminação, a imposição de medida de segurança
somente pelo prazo máximo da pena abstratamente cominada ao delito, para os
inimputáveis, e, no caso dos semi-imputáveis, pela quantidade de pena que seria
cumprida por ele, se não tivesse sido substituída. Em sentido oposto, salienta-se
que a indeterminação é inerente à própria finalidade das medidas de segurança,
cuja duração não pode ser prefixada. A medida de segurança deve, por
conseguinte, ser indeterminada no tempo, não excluída a hipótese de se
prolongar por toda a vida do condenado.
“Tais diretrizes, marcadamente extremistas, não são as mais
recomendáveis. De primeiro, cabe frisar que se o fundamento das medidas de
segurança reside na periculosidade do agente e seus fins são os da prevenção
especial, tem-se que tal medida deverá ser proporcional à periculosidade do
agente e à gravidade dos delitos que poderá praticar no futuro. Posto que as
medidas de segurança visam a afastar lesão futura de bens jurídicos, resta claro
que o fato já praticado não pode ter relevância para determinar a espécie ou a
duração da medida.”5
Em síntese, sendo a periculosidade um estado do agente que perdurará por
um tempo maior ou menor, sem que sua duração passa ser previamente fixada,

4
Código de Processo Penal, obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto e Márcia
Cristina Vaz dos Santos, 39. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.
5
POSTERLLI, Renato. A Periculosidade do Doente Mental. Belo Horizonte: Del Rey. 2000. P. 09-57.
também a duração da medida de segurança será, a princípio, indeterminada,
ainda que submetida a rígido controle periódico. Não obstante, por razões de
segurança jurídica a lei deveria estabelecer um limite máximo, determinado em
função da duração regular do tratamento cientificamente recomendado ao
agente. Muito embora se transcorrido esse lapso temporal ainda persistisse o
estado de periculosidade, nada obstaria a liberação do condenado, pois o poder
de punir não pode se estender indefinidamente no tempo.
Temos que, hoje, em razão dos princípios da legalidade, da
proporcionalidade, da igualdade, da intervenção mínima e da humanidade, tem-
se falado em um prazo máximo de duração da medida de segurança, a fim de
que não ofende os direitos humanos, entre eles a própria dignidade do internado.

2.3. Saídas Terapêuticas

Este foi um dos projetos mais importante e revolucionário da história


da psiquiatria forense. O que antes era apenas Internação ou Desinternação,
trouxe a readaptação gradual com as Saídas Terapêuticas. Com a reaproximação
das famílias as possibilidades das altas ficam viáveis e as Saídas Terapêuticas
vieram servir para diminuir a ansiedade do paciente no momento da alta
definitiva, quando muitos por conta dessa ansiedade apresentam piora dos seus
sintomas psiquiátricos, justamente quando iriam sair do hospital
definitivamente.
“A Saída Terapêutica é uma concessão de benefício dada pelo Juiz da
Vara de Execução Penal embasada nos pareceres elaborados pelas equipes
multidisciplinares que atendem aos pacientes, e consiste em saídas em final de
semana, podendo estas, ser mensal, quinzenal ou semanal. O critério relacionado
ao tempo da saída é discutido com a família de acordo com as possibilidades,
seja distância da moradia, gasto com passagem, entre outras peculiaridades.
Nestas saídas o paciente leva os seus medicamentos e a família é orientada como
proceder caso encontre dificuldade.”6
Essas saídas são de grande importância para a observação do paciente no
retorno ao seu meio sócio-familiar e são indicadores de que determinados
pacientes podem ou não obter a sua saída definitiva, dependendo do seu
comportamento, da resposta ao tratamento e do apoio familiar.

2.4. Verificação da Cessação da Periculosidade

Estabelece o Código Penal em seu artigo 97, parágrafo 2º, que a


perícia médica para verificação da cessação da periculosidade será realizada ao
fim do prazo mínimo fixado e deverá ser repetida de ano em ano, ou a qualquer
tempo, se assim determinar o juiz da execução. Entretanto, esse juiz pode
determinar, ex officio, a repetição do exame a qualquer tempo, desde que
transcorrido o prazo mínimo. Permite-se, porém, uma exceção à determinação
legal de que as medidas de segurança devem durar no mínimo um ano. Antes de
escoado esse prazo, poderá o exame ser realizado mediante provocação do
Ministério Público ou do interessado, seu procurador ou defensor, mas nunca de
ofício.
No que diz respeito à permissão para a interveniência do médico
particular no exame de verificação da cessação de periculosidade (art. 43, LEP),
apesar da omissão da lei a respeito, a doutrina tem se manifestado favorável a
que ele possa participar como assistente técnico, com base no princípio
constitucional da ampla defesa.
“O exame deve ser remetido ao juiz pela autoridade administrativa
competente, em forma de minucioso relatório instruído com laudo psiquiátrico,

6
RIBEIRO, Bruno de Morais. Medida de Segurança. São Paulo: Livraria do Advogado. P. 75-89.
em virtude de ser o diagnóstico da periculosidade tarefa difícil e imprecisa. Daí
a razão porque o exame só poderá ser realizado por médicos especializados,
cujas conclusões deverão se basear em rigorosas provas, após detida
ponderação.”7
Comprovada mediante perícia a cessação da periculosidade, o juiz da
execução determinará a revogação da medida de segurança, com a desinternação
do agente em caráter provisório, aplicando ao beneficiário as condições próprias
do livramento condicional, conforme estabelecido no artigo 178 da Lei de
Execução Penal. Dessa maneira, pode-se falar não em revogação, mas em
suspensão da medida de segurança, uma vez que o liberado só terá efetivamente
revogada a medida a que estava submetido se durante um ano não praticar fato
indicativo de persistência da periculosidade. Deve-se ressaltar que o simples
não-comparecimento ou o descumprimento pelo agente das condições impostas,
não são suficientes para se restabelecer a medida de segurança.
Os pacientes que são autorizados pelos juizes a sair a passeio, logo após o
mesmo, exibem melhora significativa em seu quadro mental. Também os
pacientes que desfrutam de saídas terapêuticas regulares têm maior chance de
sucesso na reinserção sócio familiar, do que os que não passam por esse
processo. Esses dois tipos de saídas, pressupõem sempre avaliação e indicação
pela equipe responsável ao atendimento do paciente e são encaminhados à Vara
de Execuções Penais, cabendo sempre a decisão judicial, a liberação ou não do
paciente. Entretanto, vê-se que apesar de todo o trabalho desenvolvido, alguns
pacientes acabam não obtendo a liberdade em razão da total falta de apoio sócio-
familiar e da sociedade.
Os exames de Cessação de Periculosidade, são previsto na Lei de
Execuções Penais em seu artigo 26 e devem ser realizados anualmente em todos
os pacientes que cumprem Medida de Segurança. São de extrema importância

7
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. 20 ed., São Paulo: Saraiva, 1997. P. 535-540
para a realização destes exames, os relatórios da equipe técnica responsável pelo
atendimento do paciente durante a internação, informando à perícia como foi a
avaliação clínica do paciente nesse período. Após a finalização do exame, o
laudo com os pareceres da equipe, são enviado ao Juiz da Vara de Execuções
Penais, que também, pode ou não seguir o recomendado pelo perito, e pela
equipe técnica.
A Lei de Execuções Penais preceitua que após a obtenção do benefício da
alta, esta é condicional, isto é, a alta é subordinada a Acompanhamento
Ambulatorial compulsório por um ano e o paciente tem que comparecer ao
ambulatório semanalmente, quinzenalmente ou mensalmente, e nesse período se
a família não souber administrar o paciente em sua residência ou se ele tiver
reagudização do quadro clínico ou ainda, se ele cometer novo delito, é
novamente internado compulsoriamente, até que seja feito novo Laudo de
Cessação e tudo se recomeça. Tem-se verificado, que dentre os diversos fatores
que levam a reinternação, o mais comum é a solicitação desta pela família ao
juiz da Vara de Execuções Penais, o que acontece pelas dificuldades em lidar
com esse paciente em seu meio, eis que, algumas vezes ele é retirado desse
convívio por um longo período e a família se adapta a sua ausência. Além disso,
o estigma do paciente que cumpriu Medida de Segurança, aliado ao fato da
problemática de funcionamento dos acompanhamentos ambulatoriais externos,
favorece a reagudização do quadro clínico e a sua reinternação em Hospital de
Custódia, já que tais pacientes não são aceitos.

2.5. Recuperação e Humanização

O texto constitucional vigente no Brasil prevê no artigo 5º, XLIX, “o


respeito à integridade física e moral dos presidiários”. Assim, vê-se que o
respeito a essa integridade se dá a todos aqueles que em razão de um fato ou
outro lhe foi restringido a liberdade, seja em termos de punição ou tratamento.
No tocante aos inimputáveis criminosos, submetidos à medida de segurança
temos que a sua recuperação é mais complexa. Enquanto os presidiários ficam
reclusos em penitenciárias a fim de cumprirem penas, em razão da prática de
delitos, os inimputáveis recolhem-se a manicômios judiciários com o intuito de
receberem tratamento, para que possam curar da insanidade ou ao menos
amenizar a deficiência mental.
Assim sendo, todo o procedimento de recuperação dos internados requer
meios próprios e viáveis para alcançar um maior número de altas e a diminuição
de reinternações. O que se visa é a reinserção dessas pessoas no meio social,
mas devem ser recuperados de forma humanitária. Dessa forma, os manicômios
e todos os hospitais do Sistema Penitenciário deve contar com recursos para as
obras de recuperação e a criação de outros espaços e ambientes, visando a
humanização do tratamento. Ademais, necessita de adequações, a fim de que os
funcionários desses estabelecimentos possam ter melhores condições de
trabalho.
Deve-se ter em vista que o ponto primordial em relação aos internados
submetidos à medida de segurança é a recuperação ou ao menos a amenização
da insanidade. Entretanto, todo esse processo deve se dá de forma coerente e
digna. Para ratificar o entendimento nesse sentido temos o posicionamento da
incontestável autoridade intelectual, Hilde Kaufmann, que afirma: “A destruição
da vida humana e a supressão eterna da liberdade negam aprioristicamente, o
valor do homem como esperança de redenção e caracterizam reações
desproporcionais ao delito, convertendo a pena em um instrumento de terror.”8
Tem-se, portanto, que é através da forma de punir que se verifica o avanço
moral e espiritual de uma sociedade, não se admitindo, em pleno limiar do
século XX, qualquer castigo que fira a dignidade e a própria condição do
homem, sujeito de direitos fundamentais invioláveis. Porém, infelizmente o que

8
MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal. Campinas: Millenium, 1999. P. 240-292
vislumbramos no dia-a-dia dos manicômios judiciários é a utilização de meios
inadequados, sendo os internados tratados em estabelecimentos comuns, não
tendo a mínima perspectiva de cura ou de amenização de seus transtornos
psiquiátricos. Pelo contrário, em razão dessa convivência promíscua e
desassistida, as enfermidades tendem a se agravar. Logo, temos seres humanos,
embora portadores de sérios transtornos mentais, estão abandonados à própria
sorte, sobrevivendo em situação deplorável e sem receber o necessário e
adequado tratamento médico-psiquiátrico.
No limiar do Terceiro Milênio, em plena era da cibernética, dos avanços
da tecnologia e da conquista espacial, não se pode admitir tanta ilegalidade e
imoralidade, sendo inconcebível o tratamento desumano e medieval a que são
submetidos os doentes mentais, que hoje encontram-se recolhidos na mais
absoluta indignidade, longe dos olhos da sociedade, esquecidos em celas
comuns, alguns em inegável prisão perpétua, lá estando presos já há mais de
uma década. Diante dos fatos, deve-se viabilizar meios de tratamentos
adequados e eficazes, a fim de propiciar uma digna recuperação através da
utilização de métodos que propiciem a humanização dos internados.
3. A ineficiência da internação nos manicômicos judiciários.
3.1. Locais inadequados ao cumprimento da Medida de Segurança

A legislação brasileira considera não responsável ou inimputável,


juridicamente, o indivíduo diagnosticado como doente mental. Essas pessoas
não podem ser condenada a pena de detenção ou reclusão. Aqueles que, tendo
cometido crimes e que através de laudo psiquiátrico são diagnosticados como
loucos recebem um suposto benefício de serem encaminhados para a internação
em hospitais de custódia e tratamento. São examinadas por um profissional da
área de saúde mental, que determina o seu grau de periculosidade. O profissional
expede um laudo de avaliação, cabendo ao Juiz fixar o tempo de tratamento a
ser aplicado. Na prática, o tratamento se converte em pena e se transforma, em
muitos casos em prisão perpétua ou, em abandono da pessoa à sua própria sorte,
na medida em que a sua revisão e o laudo de cessação de periculosidade não é
emitido.
O artigo 96 do Código Penal determina que o tratamento daquele que
está sujeito à medida de segurança deverá ser feito em hospital de custódia e
tratamento, nos casos em que é necessária internação do paciente ou, quando
não houver necessidade de internação, o tratamento será ambulatorial (a pessoa
se apresenta durante o dia em local próprio para o atendimento), dando-se
assistência médica ao paciente. Havendo falta de hospitais para tratamento em
certas localidade o Código diz que o tratamento deverá ser feito em outro
estabelecimento adequado, e Presídio não pode ser considerado estabelecimento
adequado para tratar doente mental.
O prazo mínimo de duração da medida de segurança deve ser
estabelecido pelo Juiz que aplica a medida de segurança, e um a três anos, nos
termos do artigo 97, § 1, do Código Penal. Não foi previsto pelo Código Penal
prazo máximo de duração da medida de segurança, no entanto, como a
Constituição Federal determina que no Brasil não haverá pena de caráter
perpétuo e que o tempo de prisão não excederá 30 (trinta) anos, de acordo com o
art. 75, do Código Penal, é possível afirmar que a medida de segurança não pode
ultrapassar 30 anos de duração. Mesmo porque, se o que se busca com a
internação é o tratamento e a cura, ou recuperação do internado e não sua
punição, 30 anos é um prazo bastante longo para se conseguir esse objetivo.
Ademais, o artigo 3º, da Lei de Execuções Penais assegura aos presos
e aos internados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei. Entre
os direitos do internado estão o de ser tratado dignamente, em local adequado e
por profissionais competentes, o de ser submetido a tratamento adequado a
proporcionar sua cura e recuperação e conseqüente retorno ao convívio social, o
direito de ser submetido à perícia médica anual para verificação de cessação de
periculosidade.
A permanência do sentenciado em estabelecimento prisional destinado
apenas de fachada à execução de medida de segurança, por não apresentar a
mínima estrutura de pessoal especializado, nem adotar nenhum sério processo
curativo ou de reinserção social, significa deixar o internado sob o regime
penitenciário equivalente ao do cumprimento de pena privativa de liberdade, e,
portanto, em estabelecimento inadequado. Vê-se, portanto, que o sistema
prisional de execução de medida de segurança atingiu a uma situação caótica, de
pleno e absoluto descaso.
“É impossível se falar em tratamento adequado, sem a coleta de dados
próprios, de uma correta observação criminológica, os quais devem envolver
informe jurídico-penal, o exame morfológico, o exame clínico, o exame
neurológico, exame eletroencefalográfico, o exame psicológico, exame psíquico
e o exame social.”1
A carência de pessoal especializado no trato com as pessoas
submetidas à medida de segurança, de forma que o sistema nada mais significa
do que uma troca de rotulagem, impondo-se, se nenhum meio terapêutico e
ressocializador e, de modo sub-reptício, ao delinqüente imputável, havido como
perigoso, o gravame de sofrer, em igual regime penitenciário, embora com
denominação formalmente diversa, uma pena por tempo determinado por
funcionários burocráticos. Portanto, vê-se um significativo desinteresse estatal
na execução correta da medida de segurança. Assim, como pode-se acreditar,
diante da ausência de uma verdadeira equipe interdisciplinar que o internando
está recebendo tratamento corretivo-educacional intensivo e individualizado.
O pseudo “tratamento corretivo-educacional” intensivo e
individualizado é uma gritante burla à Justiça e mais do que isto, um grande
atentado ao direito de liberdade do internado. “Sem a indispensável equipe
interdisciplinar e sem o necessário acompanhamento judicial, as medidas de
segurança tornam-se, em mero “meio de neutralização e marginalização.”2
Assim, admitir-se, em face dessa situação, a realização antecipada do
exame de cessação de periculosidade representará entregar o internado ao
mesmo grupo despreparado e desmotivado de funcionários burocráticos os quais
produzirão outros tantos laudos, sem nenhum embasamento científico e,
portanto, desprovidos de qualquer credibilidade.

1
ROSSETTI, Janora Rocha, ALVIM, Rui Carlos Machado. Das Medidas de Segurança – Jurisprudências. São Paulo: Edição Universitária de
Direito, 1994. p. 427/430.
2
Marques, José Frederico. Tratado de Direito Penal. Campinas: Millenium, 1999. P. 240-292.
“No limiar do Terceiro Milênio, em plena era da cibernética, dos
avanços da tecnologia e da conquista espacial, não se pode admitir tanta
ilegalidade e imoralidade, sendo inconcebível o tratamento desumano e
medieval a que são submetidos os doentes mentais que hoje estão recolhidos na
mais absoluta indignidade, longe dos olhos da sociedade, esquecidos em celas
comuns, alguns em inegável prisão perpétua, lá estando presos já há mais de
uma década.”3
Fundamentando nos princípios estabelecidos na Constituição Federal,
em seus artigos 23, II e 24, XIV, o legislador pátrio editou também a Lei n.º
7.853/89, determinando prioridade, pelos órgãos da Administração Pública, ao
apoio e integração social das pessoas portadoras de deficiência, inclusive com a
criação de uma rede de serviços especializados em reabilitação e habilitação das
mesmas.
Vê-se, então, que a pessoa portadora de deficiência, física ou mental,
deve receber tratamento prioritário por todos os órgãos da Administração
Pública e, por seu turno, pelos princípios legais, a medida de internação aplicada
ao doente mental deverá ser executada em hospital de custódia e tratamento
psiquiátrico ou outro estabelecimento adequado. Em hipótese alguma autoriza a
Lei de Execução Penal a execução da internação em penitenciária. A
obrigatoriedade da internação do doente mental em estabelecimento adequado
deriva, obviamente, da necessidade do tratamento psicoterapêutico, visando à
sua recuperação e, conseguida esta, sua reinserção à família e à sociedade.
Assim é dever dos operadores do Direito refletir, se aqueles
indivíduos que nasceram doentes devem ser submetidos a tratamento
convencional medicamentoso, que pouco auxílio traria à sua recuperação ou se
deve ter a oportunidade de ser submetido à métodos terapêuticos mais modernos
e humanos.

3
MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal. São Paulo: Millenium, 2000, p. 240/295
“O Estado Democrático de Direito elenca como um de seus
fundamentos a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição Federal
de 1988). Portanto, o homem deve ser a medida primeira para a tutela do Estado,
alcançando ainda maior destaque no Direito Penal onde o condenado será
encarado como sujeito de direitos e deverá manter todos os seus direitos
fundamentais que não forem lesados pela perda da liberdade em caso de pena
privativa. Note-se que a pena é privativa da liberdade, e não da dignidade,
respeito e outros direitos inerentes à pessoa humana. No mesmo sentido dispõe a
Constituição Italiana em seu art. 27, n. 2 , que a pena não pode consistir em
tratamento contrário ao senso da humanidade, assim como a medida de
segurança.”4

3.2. A falta de condições terapêuticas no local do tratamento.

São inúmeros os casos, quase sempre esquecidos nos Hospitais de


Custódia e Tratamento, verdadeiros campos de concentração, onde milhares de
pessoas são confinadas e afastadas definitivamente do convívio social sem o
benefício de qualquer tipo de tratamento. Nesses lugares sinistros, verdadeiras
prisões, disfaraçadas em hospitais, mesclam-se o pior dos regimes próprios
desses dois estabelecimentos: violência, abandono, descaso, entre outros
mazelas. Esses centros têm sido denunciados pela desumanidade na forma de
reclusão e o absoluto descaso com os direitos de cidadania dos internos. Quase
sempre a negligência judiciária, justificada sob vários aspectos, concorre para
que essas medidas de segurança não tenham a sua revisão executada nos prazos
previstos, mantendo os internos submetidos a uma espécie de prisão perpétua.
“A ausência da revisão das medidas de segurança, que é um direito
dos internos, coloca-se como uma exigência fundamental. Em vários casos,

4
ALVES, Lindgren. Os Direitos Humanos como Tema Global. São Paulo: Perspectiva, 1994, p. 04/07.
constatados na prática, boa parte deste internos já haviam cumprido o período da
medida de segurança e não foram alvo da revisão, à vezes por negligência
judiciária, por falta de recursos técnicos ou por pressão de pessoas interessadas
em perpetuar aquela situação. Medida de segurança não pode ser prisão
perpétua. Deve-se lutar pela imediata revisão dos processos de todos os internos
dos manicômios judiciários.”5
Como afirma o psicólogo Marcus Vinícius de Oliveira Silva,
integrante da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal de
Psicologia, “os tratamentos se resumem a avaliações burocráticas.” A legislação
é clara, pessoas diagnosticadas como loucos por meio de laudo psiquiátrico e
que cometem crimes ou infrações não podem ser condenados à pena de prisão
ou reclusão. Devem receber suposto benefício de serem encaminhados, por
medida de segurança, para internação em hospitais de custódia e tratamento.
“As sabidas deficiências do sistema prisional agravam-se nos
manicômios judiciários, sendo que a suposta função de tratamento é meramente
evocada como meio de justificar essa cruel exclusão. As condições físicas são de
abandono e a ausência de recursos humanos técnicos é grave. As condições
destes estabelecimentos conseguem fazer destas instituições a pior das prisões e
o pior dos hospícios, com exclusão social e radical.”6
Segundo pesquisas de campo realizadas pela Comissão de Direitos
Humanos, os manicômios judiciários têm se mostrado um espaço de violência e
arbitrariedade. Na prática essas instituições não passam de prisões disfarçadas
do hospital. Faltam médicos e enfermeiros e sobram carcereiros.
Em vários casos, constatados na prática, boa parte dos internos já
haviam cumprido o período da medida de segurança e não foram alvo da
revisão, às vezes por negligência judiciária, por falta de recursos técnicos, por

5
AMARANTE, Paulo. Asilos, Alientados e Alienistas. Uma pequana história da psiquiatria no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1994, p.
73/84.
6
ANDREUCCI, Rômulo A. Manicômio Judiciário e Medidas de Segurança Alternativas. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1981, p. 53/61.
pressões de famílias, prefeituras e delegados. Assim, no lugar de respeitar a lei,
comete-se o caminho mais fácil da arbitrariedade. Na prática, o tratamento se
converte em abandono da pessoa à sua própria sorte. Assim como nas
penitenciárias onde há superlotação, fuga em massa e violência, nos manicômios
judiciários impera o abandono dos loucos, a exclusão social e o desrespeito à
cidadania. Pode-se constatar que os manicômios judiciários, nas condições em
que funcionam é o pior do hospício, o pior da prisão, o pior da violência e o pior
da exclusão.
Tem-se que, o problema da instituição psiquiátrica tem sido discutido
por diversos setores da sociedade brasileira, há vários anos. Iniciou-se com um
posicionamento dos trabalhadores de saúde mental, em 1987 nasceu o
Movimento Nacional da Luta Antimanicomial, se posicionando no sentido de
negar o manicômio como forma de tratamento e de propor novas alternativas
terapêuticas ao indivíduo portador de transtornos psiquícos.
Entretanto, os problemas continuam a se alastrar pelos manicômios
judiciários, violando assustadoramente explicitamente os direitos humanos, a
dignidade dos internos, que são relegados à própria sorte, submetidos a choques-
elétricos, superdosagem de medicamentos, e toda forma de tortura imagináveis
em um recinto de terror.

3.3. A impossibilidade de cura ou amenização dos transtornos


psiquiátricos diante do tratamento utilizado.

Historicamente, não existem fortes argumentos a favor do manicômio


como instituição. Muitos desses hospitais psiquiátricos nada mais são do que
depósitos de seres humanos, onde as famílias isolam doentes perigosos.
“Evidentemente, a justiça não é cega, mas algumas vezes, é
imperfeita. Muita gente que é louca vais parar na cadeia comum, e acaba solta
depois de um certo tempo, como aconteceu com o Bandido da Luz Vermelha.
Outros não são insanamente violentos, mas vão parar no manicômio judiciário e
lá ficam esquecidos do mundo. Como conseqüência de erros como esses, e dos
abusos rampantes contra os direitos humanos que prevaleciam, e ainda
prevalecem, em muitos hospitais psiquiátricos, que mantêm seus pacientes em
condições sub-humanas, houve um movimento antipsiquiátrico muito
importante no passado, o que levou a uma mudança significativa nos critérios de
internamento de psicopatas. Como resultado desse movimento, dezenas de
milhares de casos irrecuperáveis foram jogados nas ruas, à sua própria sorte,
num dos episódios mais estarrecedores da história moderna da medicina. Uma
parcela considerável dos loucos de rua e andarilhos que vagam por aí saíram
dessa multidão de desassistidos e sem esperança. Sabe-se que os manicômios
judiciários são depósitos de indesejáveis, e os loucos a parte mais frágil desse
sistema.”7
“Superlotados os manicômios judiciários são casas de abandono e
violência, os pacientes não são tratados, aliás não são sequer concebidos como
pacientes. Ficam trancafiados em celas imundas e fétidas, a maioria deles
completamente isolados. De acordo com relatos de funcionários de um
manicômio judiciário do Estado do Amazonas, os pavilhões onde estão
amontoados os internos são prédios inabitáveis, lúgrubes e pestilentos. Em
muitas celas, os internos convivem com seus próprios dejetos, a maioria deles é
obrigada a dormir no chão, os banheiros são imundos e em alguns não há sequer
água. A cada corredor, portas e mais portas, todas chaveadas. Cada novo espaço,
cada movimento e novas chaves. Vê-se, na verdade, a prevalência de um
concepção bastante comum ainda segundo a qual os pacientes devem ser,
sobretudo, vigiados. O que espera-se deles, antes de tudo, é a sujeição, que

7
BIRMAN, Jorge. A psiquiatria como discurso da moralidade. Rio de Janeiro: Graal, 1988. P. 112/127.
tomem seus remédios, que estejam calmos, que permaneçam em seus leitos e
nos espaços que lhes foram reservados.”8
É necessário suscitar questionamentos aos profissionais que trabalham
com o poder judiciário, em especial desses manicômios, cuja situação
consideramos pior que a da prisão ou do hospital psiquiátrico. Devemos tentar
pensar em uma prática que exclui, que produz estigma, que produz rótulo e que,
com isso, fortalece a exclusão social como coisa natural e, achando que é
possível uma atuação objetiva e neutra, viola os direitos humanos. Constata-se,
dessa forma, que a psiquiatria que não está disposta à desistir do uso da força e
da violência tornou-se culpada do crime contra a humanidade, pela deliberada
destruição da dignidade, da liberdade e da vida. Principalmente pela
categorização de seres humanos como doentes mentais foram permitidas a total
violação dos direitos humanos e civis como também da justiça natural. É preciso
resgatar os direitos dos portadores de sofrimento mental, reinserindo-os
socialmente e desfazendo a cultura manicomial. Em vez de isolar os loucos, a
proposta é aproximá-los da sociedade, com atendimento ambulatorial e a oferta
de atividade lúdicas e artísticas.
“A permanência em estabelecimento prisional destinado apenas, de
fachada, à execução de medida de segurança pois não apresenta mínima infra-
estrutura de pessoal especializado, nem adota nenhum sério processo curativo ou
de reinserção social, significa deixar o internado, sob o regime penitenciário
equivalente ao do cumprimento de pena privativa de liberdade e, portanto, em
estabelecimento inadequado.”
Reiterando o entendimento dos doutrinadores, o Superior Tribunal de
Justiça, afirma que “não pode o interno ficar recolhido à prisão comum, sem um
mínimo de assistência médica e em ambiente inadequado. Dessa forma, vemos
que a realidade se mostra muito distante do que consta nas legislações, ficando

8
RIBEIRO, Bruno de Morais. Medidas de Segurança. São Paulo: Livraria do Advogado, 1998, p. 75/89.
os direitos dos internos relegados a segundo plano. Há que se prezar pela
dignidade e respeito aos direitos humanos, em especial dos internos, que
cometeram ato infracional, os quais em razão de distúrbios mentais não têm
condições de perceber o explícito vilipêndio à sua própria dignidade humana”. 9
Assim sendo, um dos maiores desafios dos estudiosos do assunto em
comento é incentivar que os trabalhadores de saúde mental repensem sua
posição diante desses casos, construindo saídas, dentro do campo de sua
competência, que possibilite um tratamento comprometido com os direitos
humanos do portados de transtornos mentais que tenha cometido ato infracional.
É necessário a melhoria da qualidade de vida e dos direitos humanos dos
cidadãos. Vemos que os manicômios expressam o descuido dos brasileiros com
aqueles desprovidos de liberdade e acometidos de doença mental.

9
MOURA, Luiz. A Imputabilidade, Semi-Imputabilidade e Inimputabilidade. São Paulo: Edusp, 1996. p. 85-109
4. A aplicação da medida de segurança e a violação aos Direitos
Humanos.
4.1. O terror dos doentes mentais nos manicômios judiciários.

Ao trabalhar o assunto doença mental, assistência psiquiátrica e as leis


de proteção ao doente mental, tem-se como preocupação a assistência prestada
nas instituições e os direitos individuais de seus internados. A forma como são
tratados os doentes mentais historicamente pela psiquiatria e pelo direito tem
sido uma das grandes preocupações da humanidade. De um modo geral, à
assistência e o transporte dos indivíduos que apresentam comportamento
diferentes ou alterados a um manicômio judiciário, envolvendo agentes do
Estado, fere os direitos e garantias fundamentais.
Assim, temos que o grande problema a ser respondido é se os
manicômios judiciários e o Estado respeitam os direitos e garantias individuais
de seus internados. A partir de uma análise histórica podemos elucidar inúmeros
questionamentos a respeito das ilegalidades e crueldade existentes dentro dos
hospitais de custódia e tratamento.
“Para os romanos, que foram os maiores legisladores, aí incluindo a
Lei das XII Tábuas, a preocupação estava relacionada especialmente com a
proteção dos bens daqueles chamados de “alienados”. A concepção que deu
origem aos códigos atuais era de que eles deviam ser protegidos pelo Estado:
quando fossem ricos ficariam com seus familiares, se fossem pobres eram
colocados em pavilhões anexos às cadeias. Também acreditavam-se que não
deviam ser punidos quando praticassem um crime, pois a própria doença se
encarregaria de puni-los. Os hospitais psiquiátricos foram criados na França,
Inglaterra na Idade Média. A partir do momento em que as portas dessas
instituições se fechassem de lá jamais sairia qualquer internado. O Estado os
isolava e os custodiava pelo resto de seus dias, podendo-se até compara-lo como
os leprosos que eram mantidos em cavernas longe das pessoas para não
contaminar os demais membros da sociedade. Mais tarde, com a aprovação da
primeira Lei Francesa legislativa de 1838, deu ao Estado, além da obrigação de
custodiá-los também o tratamento. No Brasil, lei semelhante à francesa só foi
aprovada em 1903, com Teixeira Brandão, um dos mais importantes defensores
dos direitos do doente mental. Ele reclamava dos maus-tratos dispensados aos
loucos na rua, nas prisões, nos manicômios judiciários. Na realidade a primeira
lei específica de proteção ao doente mental, o Decreto 1.132, de 22 de dezembro
de 1903, só foi aprovada graças à sua participação e intervenção no Congresso
Nacional. Mas as esperanças de que a lei resolvesse a violação dos direitos do
doente mental não foram concretizadas. Veio a segunda lei, o Decreto 24.559,
de 3 de julho de 1934, em vigor até hoje, e tudo continuou como antes, aliás,
diga-se de passagem, essas leis foram poucos conhecidas, não podendo esperar
que ajudassem a superar os preconceitos e tabus que persistem até hoje.
Infelizmente, os manicômios judiciários continuam sendo lugares de
confinamento para membros que se tornaram perigosos para a paz da
sociedade.”1
Em termos de mudanças temos que só haverá quando os manicômios
judiciários mudarem a concepção de tratamento e assistência da doença mental.

1
IBRAHIM, Estival. O manicômio no Rio de Janeiro: hospital ou prisão. Rio de Janeiro: Graal, 1998, p. 109/112.
Um hospital de custódia e tratamento nos moldes atuais não pode prestar-se para
resolver os problemas sociais e de abandono dos marginalizados. O Estado,
através de seus agentes policiais, leva pessoas para os manicômios que
continuam assistindo-os sem a mínima preocupação e conhecimento dos seus
direitos de cidadão. Na realidade, é até possível que ocorra alguma mudança
nesses locais de tratamento, pois o abandono é tão grande que num gesto
extremo de desespero podem vir a ser fechados.
A violência das condições em que vivem os internados submetidos à
medida de segurança, nos manicômios judiciários, claro está que trata de
violação aos mais elementares direitos individuais, em face do descaso, da falta
de coragem dos governantes para tomar atitudes adequadas no momento
oportuno.
De qualquer maneira, embora nenhuma decisão fosse tomada para
mudar o sistema de assistência atual, se o Estado trabalhasse e discutisse um
pouco mais de perto com hospitais psiquiátricos públicos, não só melhorariam as
condições de vida e direitos dos internados, como também propiciariam as
mudanças radicais na assistência existente nos manicômios judiciários, a qual já
ultrapassou os limites do inaceitável.
“Na linguagem contemporânea, pode-se conceituar os Direitos
Humanos como as faculdades e possibilidade que decorrem da preservação da
integridade, da dignidade, bem como das necessidades e condições inerentes à
natureza humana para assegurar plena realização da personalidade no convívio
pessoal. Os elementos constitutivos do conceito contemporâneo de direitos
Humanos indicam que a ordem jurídica positiva não pode perder o equilíbrio,
nem contrariar esses direitos, visto ser inadmissível que a dimensão axiológica
da lei, através da interpretação e da aplicação, entre em choque com as
exigências de preservação da individualidade existencial que o homem traz ao
nascer para desenvolver no plano material, moral, psíquico e espiritual. Assim, a
partir do momento em que vemos a situação degradante que vivem aqueles
submetidos à medida de segurança, nos manicômios judiciários, temos uma
clara e evidente violação, a banalização dos direitos humanos, fato este que traz
uma grande preocupação no âmbito sócio-jurídico, face a necessidade de se
preservar os direitos e garantias fundamentais, que tanto se menciona, mas na
maioria das vezes apenas teoricamente.”2

4.2. A transformação da medida de segurança em prisão perpétua.

A saúde mental durante muito tempo foi vítima do preconceito social.


Isso se reflete em muitos tratamentos inadequados que se dispensam aos
doentes. A internação em manicômios nem sempre produzem resultados efetivos
na recuperação de pacientes, chegando muitas vezes a agravar a situação,
afastando-os da sociedade. Instituições que deveriam auxiliar na recuperação
converteram-se em casas de reclusão, que contribuem para aumentar a
marginalização do doente, afastando-o do convívio familiar e social, e
impedindo-o de exercer seus direitos de cidadão. É necessário resgatar a
cidadania e a dignidade desses internos, que cumprem medida de segurança, em
manicômios judiciários, através do envolvimento da sociedade civil.
Quando o Código Penal cria ou determina uma medida de segurança
indefinidamente, podendo manter uma pessoa em uma instituição psiquiátrica de
custódia estatal pelo resto de seus dias, acredita-se que esteja afrontando a
Constituição nos artigo 5º, inciso XLVII, b, que determina expressamente que,
“não haverá penas de caráter perpétuo.”
“A medida de segurança é uma pena imposta pelo Estado contra um
indivíduo que delinqüiu e que, por apresentar um quadro psiquiátrico de doença
mental, não irá para a cadeia, será absolvido pela sua condição psíquica, e
receberá uma medida de segurança que poderá perdurar indefinidamente, o que

2
POSTERLLI, Renato. A Periculosidade do Doente Mental. Belo Horizonte: Del Rey. 2000. P. 09-57
estaria afrontando a Constituição, que proíbe penas de caráter perpétuo.
Igualmente o mesmo inciso XLVII, letra “c” do art. 5º proíbe que as penas
sejam cruéis, mas os manicômios judiciários são instituições que insistem em
dispensar tratamento cruel e penas de caráter perpétuo aos seus internos.”3
“O Decreto n 24.559, de 3 de julho de 1934, trata-se de lei adequada
aos princípios de sua época, tornando-se hoje inadequada frente aos avanços na
área de psiquiatria e mudanças sociais que ocorreram neste período. Mas se
forem confrontados seus dispositivos com a Constituição de 1988, poderemos
encontrar o artigo 10 determinando que “o psicopata ou indivíduo suspeito que
atentar contra a própria vida ou a outrem, perturbar a ordem ou ofender a moral
pública, deverá ser recolhido a estabelecimento psiquiátrico para observação e
tratamento.” Como se vê a psiquiatria e o direito vem prestando-se há bastante
tempo para confinar pessoas em instituições custodiais sem a menor
preocupação com os direitos do indivíduo previstos na Constituição, no artigo
5º, caput , pelo qual todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país, a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade. Complementando, no inciso III, do artigo acima referido diz que,
ninguém será submetido à tortura ou tratamento desumano ou degradante”. 4
Analisando a legislação e os princípios dos Direitos Humanos vemos
que os manicômios judiciários apresentam tratamento desumano e degradante,
nem de longe imprimindo os preceitos legais. Assim, levando-se em
consideração todos os avanços no que se refere aos direitos humanos do
indivíduo, parece agredir a Constituição especialmente pela foram como as
pessoas são tratadas. As medidas de segurança, assim como as penas, são

3
ALVIM, Rui Carlos Machado, ROSSETI, Janora Rocha. Das Medidas de Segurança. São Paulo: Leud, 1994,
524 p.
4
RIBEIRO, Bruno de Morais. Medida de Segurança. São Paulo: Livraria do Advogado, 2000, p. 75-89
instrumentos de preservação do convívio social e devem defender a sociedade
de possíveis agressões antijurídicas.
As medidas de segurança visam não a punir os indivíduos pelo crime
cometido, mas sempre tratá-los inibindo o seu “perigo” para a sociedade e os
colocando novamente no convívio social. Assim, é em torno da ótica do
tratamento psíquico adequado e justo que deve-se pautar a aplicabilidade da
medida de segurança. Vê-se que a partir do momento em que se estabelece
duração indeterminada para os tratamentos, ocasiona uma eternização da medida
de segurança aplicada.
Diante das inúmeras pesquisas constata-se que o tratamento
dispensado pelos manicômios judiciários é, na maioria das vezes, desumano,
convertendo-se mesmo em prisão perpétua. Faltam medicamentos, pessoal
técnico especializado e espaço físico condizente com os fins terapêuticos e
assistenciais das medidas de segurança. Assim, deve haver uma maior interação
do Direito com as Ciências Psíquicas, no intuito de buscar a possibilidade de um
tratamento real e eficaz que conte com modulações de internação para
acompanhamento ambulatorial e, até mesmo, conseguindo em um prazo
adequado a efetiva desinternação do paciente e sua reinserção na sociedade.
Sabemos que o lugar do “louco” infrator em nossa sociedade até hoje
foi o de exclusão, no entanto, não podemos simplesmente ignorar sua cidadania
e direitos. Devemos buscar saídas e caminhos, acreditando no tratamento como
ferramenta da reinserção dos pacientes e não no abandono como política de
desenvolvimento social.
4.3. O tratamento desumano e degradante aos doentes mentais nos
manicômios judiciários.

Ao falarmos em diferença, pensamos inicialmente na disparidade


econômica. Porém, a situação se agrava quando essa diferença ultrapassa os
limites da economia e atinge indistintamente pessoas de todas as classes através
dos problemas da saúde mental.
“Com a crescente degradação das relações entre as pessoas, com a
perda de espaços de manifestação e o processo de exclusão produzido pela
massificação, que dispensa a criatividade e a originariedade, deparamo-nos com
o aumento de casos de pessoas portadoras de transtornos mentais. Aspectos
biológicos, psicológicos e sociais compõem a formação da personalidade do
indivíduo. Dessa forma, não podemos negar a contribuição da deterioração das
relações sociais para o avanço da violência intra e inter-individuais.”5
Socialmente, ainda não se reconhece o chamado “louco” como pessoa
portadora de direitos e portanto aptas a terem direitos violados, ainda que
conhecidamente permaneçam como ícones do pólo ativo de um ilícito penal.
Podemos até mesmo arriscar dizer que a discriminação de tais pessoas chega a
ser socialmente aceita, ainda que eticamente inconcebível. Isso porque
historicamente o processo de exclusão tem se mostrado mais acentuado quanto
maior a diferença apresentada. Tanto do ponto de vista médico como também
jurídico e de bem estar e segurança social, deve haver uma atenção especial no
atendimento desses internos submetidos à medida de segurança, visando a
inclusão destas pessoas na sociedade a partir do reconhecimento das suas
necessidades específicas.
“A medida de internação reproduz o desejo da sociedade dominante
que consiste em exilar aqueles que representam perigo à manutenção da ordem,
de moral e dos bons costumes. Consequentemente, ao ser internado, o infrator
“perigoso” estará condicionado a limites espaciais e normativos, cujo fim parece
visar a sua reformatação e socialização, nos moldes de prisão.”6

5
POSTERLLI, Renato. A Periculosidade do Doente Mental. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. P. 09-57
6
ABRAÃO, Frederico. Das Penas e Medidas de Segurança . Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995. P.125
Deve-se discutir, portanto, as possibilidades de inclusão daqueles que,
estando em manicômios judiciários ou hospitais psiquiátricos, convivem numa
sociedade que ainda não está preparada para poder tratá-los sem excluir.
O que podemos perceber a partir de estudos é que o procedimento
jurídico da loucura aparece subvertido em toda a sua aplicação prática,
evidenciando-se aos paradoxo-prática-discurso. O que em teoria é proteção,
tratamento e desprovido de aflição mostra-se como uma pena, “sem as
garantias” de uma pena comum. Não se vê a possibilidade de alta, a liberdade
dos internos.
Percebemos uma estratégia extremamente sutil, que se diz protetora
mas que na prática, aflige e pune, e dele participam o Poder Judiciário, a
psiquiatria, a família, a polícia e a comunidade em uma articulação difusa e
agonística em seus efeitos. A forma de controle jurídico-penal da doença mental
está fundamentada pelo saber psiquiátrico, toma o futuro como alvo através da
periculosidade que constitui-se em um risco a ser evitado e, por isso, perpetua-se
a medida de segurança para além da internação.
Além disso, outros elementos surgem para tornar o tratamento dos
internos mais degradantes e desumano. A falta de atividade dos pacientes, de um
setor de terapia ocupacional, psicoterapia e assistência social estruturados, a
superlotação das alas, as precárias condições de higiene do ambiente hospitalar,
a inexistência de um serviço de laboratório para exames clínicos e uma farmácia
insuficiente. Tudo isso leva a conclusão de que o tratamento prestado aos
internos, nos manicômios judiciários, não passa de um absoluto terror, que
procura dizimar qualquer preceito de dignidade e respeito aos direitos humanos
que podem ser suscitados.
Internações prolongada, falta de atividades dos pacientes e
afastamento do convívio social, resulta muitas vezes em confinamento e
abandono familiar, inviabilizando o retorno do paciente ao convívio social.
“Qualquer que seja o modelo político-social, a tendência das
sociedades modernas é orientar o indivíduo nos interesses coletivos e organizar
a vida em termos de civilidade e nivelação dos tipos e dos modos de viver. É
necessário que haja uma reavaliação nos métodos utilizados nos manicômios
judiciários. Vemos que da forma como se apresenta ocorre a destruição da vida
humana e a supressão eterna da liberdade, do valor do homem como esperança
de redenção, caracterizando a medida de segurança em um instrumento de
terror. Enquanto os próprios estudiosos do Direito fazem vistas grossas à
incapacidade do Estado, os criminosos doentes e sãos estão mantidos em prisões
superlotadas e infectas, sendo engolido pelo próprio sistema, tornando-se
escravo ou amante do chefe de cela, e, esquecido ali a espera da definitiva
loucura ou mesmo a morte.”7
Afinal, haveria interesse do Estado em recuperá-los ou reabilitá-los? E
a sociedade civil, as forças empresariais, os convênios médicos, assistenciais e
previdenciários, onde estarão para substituir o Estado? Enquanto isso não
ocorre, a Justiça deverá ser aplicada cegamente aos enfermos e delinqüentes. O
que acontece é que, ao invés de salvar os doentes, resumir-se-á na violação dos
direitos humanos e ao respeito à cidadania.
Corroborando o entendimento apresentado desde o princípio do estudo
em tela, vejamos relatos de um ex-paciente, Milton Freire, de manicômio
judiciário: “O manicômio judiciário, com suas características de prisão, como
lugar de atendimento em saúde mental, sempre negou a dimensão psicológica e
social do usuário.” Ademais, em um artigo publicado no site da Luta
Antimanicomial, pelo ex-interno, diz: “Quem precisou desse tipo de
atendimento, foi tratado como um bode expiatório da sociedade. Como alguém
que pode ser seqüestrado, preso sem julgamento ou testemunhas, como se fosse

7
AMARANTE, Paulo. Asilos, Alienados e Alienistas. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1981. P. 53-61
um ser desalmado, um objeto, nunca uma pessoa. Éramos assim, seres
desprovidos de direitos condenados ao silêncio.”
Esta denúncia, demonstra como o sistema manicomial brasileiro
perpetua a doença, em vez de promover a saúde. Assim, todos esses fatos vêm
confirmar o descaso com que são tratados os doentes que são confinados nos
manicômios judiciários, sendo vítimas de todas as injustiças e desrespeito à
cidadania e aos próprios direitos humanos.
5. AS ILEGALIDADES NA APLICAÇÃO DA MEDIDA DE
SEGURANÇA.

5.1. A inexistência de hospitais de custódia e tratamento


psiquiátrico no Estado de Goiás.

O Código Penal, em seu artigo 99, aderiu à tutela dos direitos dos
submetidos às medidas de segurança, prescrevendo que “o internado será
recolhido a estabelecimento dotado de características hospitalares e será
submetido a tratamento.”33
Dessa forma, a intenção foi evitar que o inimputável seja recolhido à
cadeia ou ao presídio comum, deixando de receber o tratamento psiquiátrico
necessário em hospital ou em local com dependência médica adequada, enfim
que seja submetido à condições degradante e inconcebíveis ante aos princípios
de dignidade humana.

33
Código Penal, obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto
e Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt. 36. ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 69.
De acordo com os dispositivos da Lei de Execuções Penais, a pessoa
portadora de deficiência deve receber tratamento prioritário por todos os órgãos
da Administração Pública. A medida de internação aplicada ao doente mental
deverá ser executada em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou outro
estabelecimento adequado. Em hipótese alguma autoriza a referida Lei a
execução da internação em penitenciária. A obrigatoriedade da internação do
doente mental em seu estabelecimento adequado deriva, obviamente, da
necessidade do tratamento psicoterapêutico, visando à sua recuperação e,
conseguida esta, sua reinserção à família e à sociedade.
Como se vê, tanto a internação quanto o tratamento ambulatorial serão
executados em Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico ou, à falta, em
outro estabelecimento adequado. O Hospital de Custódia e Tratamento
Psiquiátrico e, pois, o local destinado ao cumprimento da medida de segurança,
tanto, para o inimputável quanto para o semi-imputável, assim como quando é
aplicada durante a execução da pena, em substituição a esta. Assim, inexistindo
o Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, permite a lei penal a execução
da medida em outro estabelecimento adequado. Refere-se a norma legal,
evidentemente, à clínicas psiquiátricas que, embora não tendo as mesmas
característica do hospital, possam, acolher os sentenciados e executar
adequadamente a medida aplicada. Quanto ao que se refere ao conteúdo do já
citado art. 99, do Código Penal Brasileiro, o mesmo veda taxativamente a
internação em estabelecimento inadequado, não sendo comportável, assim, a
permanência do agente submetido à medida de segurança em cadeia pública.
Mas, infelizmente, o que temos no Estado de Goiás são instituições
não especializadas, despreparadas para desempenhar o verdadeiro tratamento
dos insanos mentais. Vê-se uma violação explícita aos próprios princípios
constitucionais, no tocante aos direitos e garantias do cidadão, previstos no
artigo 5º, da Constituição Federal. Assim, o tratamento realizado nos criminosos
inimputáveis, em Goiás, vem causando uma marca profunda e desastrosa, visto
haver uma descaracterização do ser humano, pois chega a passar anos, décadas,
enjaulado, dopado e incapaz de responder por si.
Porém, essa distorção com a qual convive, principalmente, o Estado
de Goiás, em relação ao tratamento desumano conferido aos doentes mentais era
uma das principais preocupações do legislador por ocasião da edição da Lei nº
7.210/84, a Lei de Execuções Penais. Conforme se vê, diz o item 158 da
mencionada lei, em sua Exposição de Motivos, “a pesquisa sobre a condição
dos internados ou dos submetidos a tratamento ambulatorial deve ser
estimulada com rigor científico e desvelo humano. O problema assume
contornos dramáticos em relação aos internamentos que não raro ultrapassam
os limites razoáveis de durabilidade, consumando, em alguns casos, a perpétua
privação da liberdade.”34
Ademais, deve-se ter em mente que os portadores de patologias
mentais, ainda que tenham cometido algum ilícito penal e mesmo que
apresentem certo perigo para a sociedade, continuam protegidos pelas franquias
constitucionais aplicáveis aos cidadãos em geral, que impedem, dentre outros
constrangimentos, a prisão sem fundamento legal, de modo que, se o Estado não
tem condições de custodiar o agente inimputável em estabelecimento hospitalar
adequado, por falta de vaga, não pode, ao arrepio da lei, mantê-lo no cárcere por
prazo indeterminado.
Nesse sentido vêm decidindo reiteradamente nossos Tribunais,
vejamos:

“O legislador, prevendo a falta de hospitais, ou seja, de manicômios,


já previu que a internação poderá ser em outro estabelecimento adequado. A
superlotação do manicômio justifica a transferência do internado para outro

34
Lei de Execução Penal – Lei nº 7210 – 11 de julho de 1984. p. 343.
estabelecimento psiquiátrico da rede estadual” (TACRIM – SP – RA – Rel
Raul Motta- RJD 7/35).

“Medida de Segurança – Internação em hospital psiquiátrico –


Cumprimento na própria cadeia pública local, por falta de vaga em
estabelecimento adequado – Inadmissibilidade – Constrangimento ilegal
configurado – Concessão de Habeas Corpus – Liberdade condicionada a
tratamento em ambulatório. O Estado só poderá exigir o cumprimento de
medida de segurança de internação, se estiver aparelhado para tanto. A falta
de vaga, pela desorganização, omissão ou imprevidência do Estado–
Administração, não justifica o desrespeito ao direito individual, pois, além de
ilegal, não legitima a finalidade de tal instituto.”(TJSP – HC – Rel. Renato
Talli – RT 608/325)

“A alegação de falta de estabelecimento adequado, para manter-se


encarcerado em estabelecimento prisional comum, o condenado ao
cumprimento de medida de segurança em Casa de Albergado, consistem em
constrangimento ilegal, passível de correção por vida de habeas corpus.
Recurso a que se dá provimento, determinando-se a expedição de alvará de
soltura, com as cautelas legais.” (STJ – RHC 3202-2/SP – 5º Turma – j.
1.12.93 – Rel. Flaquer Scartezzini – RT 712/466)

“TJGO – MEDIDA DE SEGURANÇA – Inimputável – Agente


portador de deficiência mental. Reconhecimento através de laudo psiquiátrico
– Circunstância em que se impõe internação em estabelecimento penal
adequado, para tratamento e se possível recuperação – Inteligência do art. 97,
§ 1º do CP.”(TJGO. 1ª Cam. Criminal. DJ nº 13270 – Livro: 35 – P. 07, Rel.
Dr. Ney Teles de Paula).
5.2. As condições de aplicação da Medida de Segurança no Estado
de Goiás

O texto constitucional vigente no Brasil prevê, ao menos em


tese, no artigo 5º, XLIX, “o respeito à integridade física e moral dos
presidiários”. Assim, vê-se que o respeito a essa integridade se dá a
todos aqueles que em razão de um fato ou outro lhe foi restringindo a
liberdade, seja em termos de punição ou tratamento. No tocante aos
inimputáveis criminosos, submetidos à
medida de segurança temos que a sua recuperação é mais complexa,
pois necessita de tratamento especializado e eficaz. Enquanto os
presidiários ficam reclusos em penitenciárias cumprindo penas, em
razão da prática de delitos, os inimputáveis recolhem-se em
manicômios judiciários com o intuito de receberem tratamento, para
que possam curar da insanidade mental ou ao menos amenizar a
deficiência mental.
Assim sendo, todo o procedimento de recuperação dos
internados requer meios próprios e viáveis para alcançar um maior
número de altas e a diminuição de reinternações. Dessa forma, os
manicômios e todos os hospitais do Sistema Penitenciário devem
contar com recursos para a criação de espaços e ambientes que
propiciem a humanização do tratamento e a recuperação do interno
portador de doença mental.
Apesar das disposições legais, o Estado de Goiás ainda se
mostra completamente à margem do legal e do justo, totalmente
despreparado para efetivar o tratamento, tendo em vista a inexistência
de meios adequados e viáveis para tal e até mesmo do mecanismo
básico que são hospitais psiquiátricos, ditos manicômios judiciários.
Assim, temos que a recuperação dos doentes mentais criminosos
continua frustrada, resumindo-se ao encaminhamento dos internos
para o estabelecimento comum, não tendo a mínima perspectiva de
cura ou de amenização de seus transtornos psiquiátricos.
Verifica-se, portanto, que é inadmissível, em pleno século
XXI convivermos com tão escandalosa forma de tortura e desrespeito
à própria dignidade humana. Face ao problema, se faz urgente que as
autoridades imponham medidas capazes de sanar o problema que há
décadas vem assolando o Estado de Goiás.
Porém, não somente a doutrina e a legislação pátria dispõe
sobre a necessidade de reavaliação dos meios utilizados na execução
das medidas de segurança. No mesmo sentido temos os entendimentos
jurisprudenciais, nos quais nossos Tribunais vêm julgando nos
seguintes termos:

“TJMG – INIMPUTABILIDADE PENAL – Medida de


Segurança – Inimputável recolhido em presídio comum, diante da
impossibilidade de internação por ausência de vagas em nosocômios
do Estado. Inadmissibilidade – Internamento que deve ser
substituído por tratamento ambulatorial, principalmente quando se
verificar que a família do paciente tem interesse no seu
tratamento.”(TJMG – HC 691121826 – Rel. Sérgio Jacinto
Rodrigues de Azevedo – 13/01/92)

“TJSP – MEDIDA DE SEGURANÇA – Inimputável –


Agente que se encontra recolhido em cadeia pública ante a
inexistência de vaga em estabelecimento hospitalar.
Inadmissibilidade – Conversão determinada da medida de
segurança de tentativa em tratamento ambulatorial até que haja
lugar em estabelecimento adequado. Agente sujeito à liberdade
vigiada. Inteligência dos arts. 131,132 e 178 da LEP e 97, §§ 3º e 4º
do CP.” (TJSP – HC 684005127 – Rel. Alaor Antônio Wiltgen Terra
– 16/02/94).
Ante o exposto vê-se a inadmissibilidade do encarceramento
dos agentes submetidos à medida de segurança, nos termos da Lei de
Execução Penal e do Código Penal. Mas, infelizmente no Estado de
Goiás ainda temos que
conviver com esse desrespeito aos direitos fundamentais do ser
humano, como a violação da própria dignidade humana. Buscando
identificar a situação deste problema em Goiás, realizamos uma
entrevista com o Promotor de Justiça, da 25ª Promotoria (Vara de
Execuções Penais), Dr. Haroldo Caetano da Silva, na qual o mesmo
expressa sua opinião deixando evidenciadas as irregularidades
existentes no Estado de Goiás, no tocante ao tratamento dos
portadores de transtornos psíquicos submetidos à Medida de
Segurança. Vejamos:

# A forma como se dá o tratamento nos manicômios judiciários pode


transformar a medida de segurança em prisão perpétua?

Sim. Tendo a medida de segurança caráter indeterminado,


pode ela resultar na eterna privação da liberdade do portador de
transtorno psiquiátrico a ela submetido.

# Por não haver manicômios judiciários no Estado de Goiás, para


onde são levados aqueles submetidos à medida de segurança?

Hoje, por vedação judicial decorrente de ação promovida


pelo Ministério Público, não podem as pessoas submetidas à
medida de segurança serem encaminhadas para o CEPAIGO. Em
Goiânia, essas pessoas são encaminhadas para clínicas
psiquiátricas particulares ou conveniadas ao SUS, ou, também
para a própria família. Entretanto, ainda há pessoas nessa
situação mantidas presas na Casa de Prisão Provisória da Grande
Goiânia, bem com comarcas onde persiste a grave ilegalidade de
doentes mentais recolhidas a cadeias públicas.

# Como justificar o tratamento oferecido nos manicômios judiciários,


se a Declaração Universal dos Direitos Humanos diz que “ninguém
será submetido à tortura nem a tratamento ou castigo cruel desumano
ou degradante”?
Não há explicação para a foram com que são tratadas (se é
que são tratadas...) as pessoas submetidas a medidas de segurança
no Brasil. É vergonhoso que ainda hoje, em pleno Século XXI,
tenhamos que conviver com o tratamento desumano conferido a
essas pessoas.

#Quais as causas que têm dificultado a aplicação da medida de


segurança?
A principal razão para a não execução – de maneira
adequada – das medidas de segurança é a falta de vontade política
dos poderes constituídos. Não faltam recursos financeiros,
tampouco técnicas avançadas para o tratamento. Além do que,
num sistema de execução de medidas de segurança, deve ser
priorizado o tratamento ambulatorial (mais simples e barato),
ficando a internação apenas para os casos mais graves.

# Qual a situação em que se encontram os doentes mentais


submetidos à medida de segurança, no Estado de Goiás?
Hoje o tratamento é precário, não havendo também um local
adequado para a execução das medidas de segurança.
Improvisadamente, as pessoas submetidas à medida são
colocadas, como se disse, ora em clínicas particulares (onde
recebem atendimento próximo do adequado), ora com a própria
família (o que equivale a atendimento apenas ambulatorial). E, o
que é mais sério, alguns ficam recolhidos ao cárcere, sem
nenhuma assistência psiquiátrica.

# Quais o métodos necessários para coibir o tratamento inadequado


nos manicômios judiciários, em especial no Estado de Goiás, onde
não se dispõe de estabelecimentos adequados para cumprimento das
medidas de segurança?
Há instrumentos legais de que podem fazer uso as pessoas
submetidas a tratamento inadequado, para que tenham
respeitados os seus direitos não atingidos pela sentença. Dentre
esses instrumentos podem ser destacados o habeas corpus e o
incidente de excesso de execução, inclusive com a iniciativa do
Ministério Público.
# Por que no Estado de Goiás ainda se permite o encarceramento de
sentenciados submetidos à medida de segurança, se há vedação na
LEP e no próprio Código Penal?

Embora não se permita, há uma odiosa tolerância da


sociedade e de órgãos da administração pública (inclusive ligados
à saúde) e também de setores do Poder Judiciário para com essa
situação. Como o problema é antigo, já estando sedimentado na
cultura geral como sendo normal a prisão de doentes mentais e a
sua exclusão social, além de uma boa dose de preconceito e de
covardia, a evolução para a sua solução tem caminhado a passos
lentos.

Dessa forma, percebemos que as deficiências do sistema


prisional agravam-se nos manicômios judiciários, tendo em vista que
os internos convivem com todas as formas de exclusão, tortura e
abandono. Portanto, as condições desses estabelecimentos conseguem
transformar essas instituições na pior das prisões e no pior dos
hospícios.
CONCLUSÃO

As medidas de segurança, assim como as penas são instrumentos de


preservação do convívio social. Dessa forma, as pessoas inimputáveis que
praticaram fatos tidos como criminosos são submetidos às medidas de
segurança, por prazo indeterminado, devendo ser internados em manicômios
judiciários para receberem tratamento adequado. Mas infelizmente o que vem
ocorrendo está muito aquém desta finalidade, pois nos deparamos com os
internos em estabelecimentos prisionais, convivendo com as maiores barbáries
imagináveis, jogado à própria sorte, sem tratamento específico algum.
Os portadores de doença mental foram, durante muito tempo foi
vítima do preconceito social. Isso se reflete em muitos dos tratamentos
inadequados que se dispensam aos doentes. A internação em manicômios nem
sempre produziu resultados efetivos na recuperação de pacientes, chegando
muitas vezes a agravar a situação, afastando-os da sociedade. Instituições que
deveriam auxiliar na recuperação converteram-se em casos de reclusão.
Evidentemente, a justiça não é cega, mas, algumas vezes, é imperfeita.
Muita gente que é louca vai parar na cadeia comum, e acaba solta depois de um
certo tempo. Outros não são insanamente violentos, mas vão parar em
manicômios judiciários e lá ficam esquecidos do mundo. Vê-se portanto a
explícita aberração no Poder Judiciário. Podemos considerar os asilos públicos
para maníacos, verdadeiros lugares de confinamento para membros que se
tornaram perigosos para a paz da sociedade. A equipe de saúde das instituições
psiquiátricas integra-se pouco com o judiciário e o tratamento dispensado pelos
manicômios judiciários é, muitas vezes, desumano, convertendo-se mesmo em
prisão perpétua. Faltam medicamentos, pessoal técnico especializado e espaço
físico condizente com os fins terapêuticos e assistenciais das medidas de
segurança.
Defende-se uma maior interlocução do Direito com as Ciências
Psíquicas, no intuito de buscar a possibilidade de um tratamento real e eficaz
que conte com modulações de internação para acompanhamento ambulatorial.
Sabemos que o lugar do “louco” que torna-se infrator em nossa sociedade até
hoje foi o de exclusão, no entanto não podemos simplesmente ignorar sua
cidadania e direitos. Devemos sim buscar saídas e caminhos, acreditando no
tratamento como ferramenta da reinserção dos pacientes e não no abandono.
A violência das condições em que vivem os internados em hospitais
psiquiátricos trata-se do descaso e da falta de coragem dos governantes para
tomar atitudes adequadas no momento oportuno, eliminando as distorções que
provocam intranqüilidade no meio social. Desta forma, entendemos que os
manicômios judiciários e o Estado, através de seus agentes, favorecem a
violência dos direitos e garantias individuais de seus internados. Levando-se em
consideração todos os avanços no que se refere aos direitos humanos do
indivíduo, nos parece que o método utilizado para tratamento desses portadores
de doenças psíquicas afronta a própria dignidade humana.
Entendo que esta realidade catastrófica, essa violação aos direitos
fundamentais dos internos não se dá apenas pelo descaso dos governantes, mas
também pela inércia da sociedade, do Poder Judiciário e até mesmo da própria
família dos doentes mentais, uma vez que procuram esquivar-se da
responsabilidade, deixando os mesmos a mercê da própria sorte e a espera da
loucura eterna.
Por isso a insistência na necessidade de um estabelecimento
especializado de segurança máxima, com disciplina de assunto médico, onde o
interno é submetido à execução de medida de segurança de natureza terapêutica,
sendo o objetivo do tratamento a cura. Ademais, a Lei de Execução Penal
assegura aos internados o direito de serem tratados dignamente, em local
adequado e por profissionais competentes, bem como o de ser submetido a
tratamento adequado, que proporcione a recuperação e conseqüente retorno ao
convívio social.
Pelo exposto é que nos sentimos cada vez mais motivados a explorar o
assunto, tendo em vista que as condições dos manicômios judiciários constituem
o pior dos hospícios, a pior das prisões, a pior das violências e a pior das
exclusões. Na prática estes estabelecimentos não passam de prisões disfarçadas
de hospital, onde se convive com violência e arbitrariedade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Sursis.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995, p. 48-56.

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São Paulo: Perspectiva, 1994. p. 04-07.

3. ALVIM, Rui Carlos Machado, ROSSETI, Janora Rocha. Das


Medidas de Segurança. São Paulo: Leud, 1994, 524f.

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pequena história da Psiquiatria no Brasil. Rio de Janeiro:
Fiocruz, 1994. p. 73.
5. ANDREUCCI, Rômulo A.. Manicômio Judiciário e Medidas
de Segurança Alternativas. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1981. p.
53.61.

6. ALVIM, Rui Carlos Machado, ROSSETI, Janora Rocha. Das


Medidas de Segurança. São Paulo: Leud, 1994, 524p.

7. BIRMAN, Jorge. A psiquiatria como discurso da moralidade.


Rio de Janeiro: Graal, 1998. p. 112-127.

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Janeiro:
Guanabara Koogan, 1988. 837 p. Cap. 18, f. 343-359.

9. FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. 22. ed., Rio de


Janeiro:Vozes,
2000. 262 p.

10. FOUCAULT, Michel. História da Loucura. Editora


Perspectiva, 1961.

11. GOFFMAN, Erving. Manicômios, Prisões e Conventos.


Editora
Perspectiva, 1961.

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hospital ou prisão. Rio de Janeiro: Graal, 1998. p. 109-112.

13. JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. 20. ed., São Paulo:
Saraiva,
1997. 744p. Cap. 54, p.535-540.

14. MARANHÃO, Odon Ramos. Curso Básico de Medicina


Legal.
6. ed., São Paulo: Malheiros Editores, 1987. 650p. Cap. 4,
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15. MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal.
Campinas:
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16. MEHMERI, Adilson. Noções básicas de Direito Penal.


São
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17. MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 15.


ed.,
São Paulo: Atlas, 1999. 420p. Cap. 10, p. 361-370.

18. MOURA, Luiz. A Imputabilidade, Semi-Imputabilidade


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19. POSTERLI, Renato. A periculosidade do doente mental.


Belo Horizonte: Del Rey, 1995. p. 34-41.

20. PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Brasileiro. 2. ed.


são Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 524-539.

21. RIBEIRO, Bruno de Morais. Medidas de Segurança. São


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22. ROCHA, Zélio Maia de. Direito Penal. 11. Ed. Rio de
Janeiro:
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23. RODRIGUES, Carlos Augusto Santos. Sinopse de


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Legal. p. 22-24.

24. RODRIGUES, Maria Stella Villela. ABC do Direito Penal.


3. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 235-240.
25. ROSSETI, Janora Rocha, ALVIM, Rui Carlos Machado.
Das medidas de Segurança – Jurisprudências. São Paulo:
Edição Universitária de Direito, 1994, p. 427-430.

26. SHINTATI, Tomaz M. Curso de Direito Penal. 2. Ed. Rio


de
Janeiro: Forense, 1999, p. 403-417.

27. SALLES JÚNIOR, Romeu de Almeida. Curso Completo


de
Direito Penal. 5. Ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 123-127.

28. SILVA, José Geraldo da. Direito Penal Brasileiro. São


Paulo:
Editora de Direito, 1996, p. 270-280.

29. VARGAS, José Cirilo de. Instituições de Direito Penal.


Rio de
Janeiro: Forense, 1998, p. 139-167.

30. VENTURA, Deisy. Monografia Jurídica. Porto Alegre:


Livraria
do Advogado, 2000, p. 142-148.

31. ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José


Henrique.
Manual de Direito Penal. 3. Ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2001,
p. 855-857.
• Entrevista realizada com o Promotor de Justiça, da 25ª
Promotoria (Vara de Execuções Penais), Dr. Haroldo Caetano
da Silva.

# A forma como se dá o tratamento nos manicômios judiciários pode


transformar a medida de segurança em prisão perpétua?

Sim. Tendo a medida de segurança caráter indeterminado,


pode ela resultar na eterna privação da liberdade do portador de
transtorno psiquiátrico a ela submetido.

# Por não haver manicômios judiciários no Estado de Goiás, para


onde são levados aqueles submetidos à medida de segurança?

Hoje, por vedação judicial decorrente de ação promovida


pelo Ministério Público, não podem as pessoas submetidas à
medida de segurança serem encaminhadas para o CEPAIGO. Em
Goiânia, essas pessoas são encaminhadas para clínicas
psiquiátricas particulares ou conveniadas ao SUS, ou, também
para a própria família. Entretanto, ainda há pessoas nessa
situação mantidas presas na Casa de Prisão Provisória da Grande
Goiânia, bem com comarcas onde persiste a grave ilegalidade de
doentes mentais recolhidas a cadeias públicas.

# Como justificar o tratamento oferecido nos manicômios judiciários,


se a Declaração Universal dos Direitos Humanos diz que “ninguém
será submetido à tortura nem a tratamento ou castigo cruel desumano
ou degradante”?

Não há explicação para a foram com que são tratadas (se é


que são tratadas...) as pessoas submetidas a medidas de segurança
no Brasil. É vergonhoso que ainda hoje, em pleno Século XXI,
tenhamos que conviver com o tratamento desumano conferido a
essas pessoas.

#Quais as causas que têm dificultado a aplicação da medida de


segurança?

A principal razão para a não execução – de maneira


adequada – das medidas de segurança é a falta de vontade política
dos poderes constituídos. Não faltam recursos financeiros,
tampouco técnicas avançadas para o tratamento. Além do que,
num sistema de execução de medidas de segurança, deve ser
priorizado o tratamento ambulatorial (mais simples e barato),
ficando a internação apenas para os casos mais graves.

# Qual a situação em que se encontram os doentes mentais


submetidos à medida de segurança, no Estado de Goiás?

Hoje o tratamento é precário, não havendo também um local


adequado para a execução das medidas de segurança.
Improvisadamente, as pessoas submetidas à medida são
colocadas, como se disse, ora em clínicas particulares (onde
recebem atendimento próximo do adequado), ora com a própria
família (o que equivale a atendimento apenas ambulatorial). E, o
que é mais sério, alguns ficam recolhidos ao cárcere, sem
nenhuma assistência psiquiátrica.

# Quais o métodos necessários para coibir o tratamento inadequado


nos manicômios judiciários, em especial no Estado de Goiás, onde
não se dispõe de estabelecimentos adequados para cumprimento das
medidas de segurança?

Há instrumentos legais de que podem fazer uso as pessoas


submetidas a tratamento inadequado, para que tenham
respeitados os seus direitos não atingidos pela sentença. Dentre
esses instrumentos podem ser destacados o habeas corpus e o
incidente de excesso de execução, inclusive com a iniciativa do
Ministério Público.
# Por que no Estado de Goiás ainda se permite o encarceramento de
sentenciados submetidos à medida de segurança, se há vedação na
LEP e no próprio Código Penal?

Embora não se permita, há uma odiosa tolerância da


sociedade e de órgãos da administração pública (inclusive ligados
à saúde) e também de setores do Poder Judiciário para com essa
situação. Como o problema é antigo, já estando sedimentado na
cultura geral como sendo normal a prisão de doentes mentais e a
sua exclusão social, além de uma boa dose de preconceito e de
covardia, a evolução para a sua solução tem caminhado a passos
lentos.

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