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Goiânia
2002
A TRANSFORMAÇÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA EM
PRISÃO PERPÉTUA
MARCIA OLIVEIRA MASCARENHAS
Goiânia
2002
Banca Examinadora: Nota para a monografia jurídica:
______________________________ __________________________
Professor-orientador:
______________________________ __________________________
Professor-membro:
Para meus pais com eterna
gratidão, por estarem sempre me
incentivando e apoiando nesta
árdua caminhada.
v
Aos professores Eurípedes Balsanulfo
de Freitas Abreu, Altamir Rodrigues
Vieira Júnior e ao Dr. Haroldo Caetano
da Silva por terem, de forma direta ou
indireta, proporcionado a realização
deste valioso estudo.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO......................................... .........................................................01
1.1. Histórico........................................................................................06
1.2. O Sistema Vicariante...................................................................08
1.3. Medida de Segurança..................................................................10
1.4. Previsão legal no Código Penal...................................................13
1.5. Previsão legal na Lei de Execução Penal...................................15
1.1. Histórico
1
POSTERLI, Renato. A periculosidade do doente mental. Belo Horizonte: Del Rey, 1995. P. 34-41
contra atividades anti-sociais, prendendo infratores das leis. Assim, julgar um
homem sem conhecê-lo, é um charlatanismo jurídico.
Porém, mais complicado é quando o julgador se depara com uma
situação de inimputablidade, onde se faz necessário enviá-lo para manicômios
judiciários, centros de tratamento, caracterizando a aplicação da medida de
segurança. Praticamente demonstrada no Direito Penal moderno a ineficácia da
execução da pena quanto à prevenção e à recuperação do criminosos, quando
inimputável, novos caminhos foram trilhados para obter resultados satisfatórios.
Uma das mais significativas inovações foi a da instituição das chamadas
medidas de segurança, cujos fundamentos encontram apoio na pregação da
Escola Positiva.
Importante ressaltarmos que a origem das medidas de segurança não
se encontra na elaboração teórica e abstrata de uma disciplina jurídica, ao
contrário disso, elas vieram como conseqüência direta da crise de repressão,
durante um século em que a justiça penal assentou as suas bases em conceitos
clássicos. A verdade, porém, é que, embora o instituto já estivesse delineado em
providências penais aplicadas aos insanos de espírito e aos menores, foi no
projeto de Código Penal Suíço, em 1983, que as medidas de segurança aparecem
pela primeira vez como “sistematização de providências cuja finalidade é a
prevenção individual”.2
Entre nós, o primeiro projeto de Código Penal a acolher as medidas de
segurança foi o de Sá Pereira, onde o instituto figurava sob a denominação de
medidas de defesa social. No projeto do mesmo jurista, revisto pela subcomissão
legislativa de que faziam parte Bulhões Pereira e Evaristo de Morais, o
instituto passou a ter o nomem juris hoje adotado pelo Código Penal, de medidas
de segurança. 3
2
MARQUES, José Frederico. V. III. São Paulo: Millenium Editora. 2000. P. 241-252
3
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. P. 524-539
Sabemos que foi alvo de inúmeras críticas a classificação das medidas
de segurança adotada pelo Código Penal de 1940 afirmando que esta “jamais foi
comprovadamente apropriada”4, posto que não revelou ao longo de quarenta
anos de vigor do Código, bons resultados práticos não obstante a minunciosa
especificação legal. Entretanto, há outras opiniões referentes ao nascimento das
medidas de segurança no meio jurídico, que atualmente apresentam grande
relevância. Como diz o professor Ataliba Nogueira:
“A introdução do instituto das medidas de
segurança foi a maior novidade, a mais profunda
modificação ao sistema penal anterior. Nenhum
outro assunto sobreleva a este, nenhuma outra
novidade é maior que esta.”5
4
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. P. 524-539
5
MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal. V. III. São Paulo: Millenium Editora. 2000. P. 262-277
Foi, dessa forma, extinto o sistema duplo binário, que é um resultado da
concepção de Stoss, que propugna a vinculação da pena à culpabilidade e da
medida de segurança à periculosidade. De acordo com esse sistema, é permitida
a imposição a um mesmo indivíduo de pena e de medida de segurança,
sucessivamente. No regime novo, o juiz, diante das circunstâncias do caso
concreto, deve impor ao condenado só pena ou medida de segurança.
Conforme entendimento do doutrinador JÚLIO FABBRINI
MIRABETE (1999), “o Sistema Vicariante trata-se, dessa forma, de uma
variante do sistema dualista – abolido com a reforma da Parte Geral do Código
Penal brasileiro -, pelo qual se impõe pena ou medida de segurança ao semi-
imputável, vedada a aplicação cumulativa ou sucessiva.”6 Vê-se, portanto, que
se o sujeito semi-responsável necessite de especial tratamento curativo, a pena
privativa de liberdade deve ser substituída pela medida de segurança detentiva –
internação – ou restritiva, que é o tratamento ambulatorial.
Contra o sistema dualista salienta-se, primordialmente, que a
aplicação sucessiva de pena e de medida de segurança lesa o princípio do non
bis in idem, visto que, em verdade, em um mesmo agente se conjugam duas
conseqüências jurídicas advindas de um único delito. A própria Exposição de
Motivos da Lei 7.209/84 afirma que ao réu perigoso e culpável não há razão
para aplicar o que tem sido, na prática, uma fração de pena eufemisticamente
denominada medida de segurança.
Como se vê o sistema adotada pelo Brasil foi, em tese, o mais justo,
tendo em vista que aos inimputáveis e semi-imputáveis aplica-se medidas de
segurança, ficando aos imputáveis o cumprimento de pena. Entretanto, o que
visualizamos é uma aplicação de medida de segurança camuflada de prisão
perpétua em razão dos meios utilizados para o seu cumprimento.
6
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 15. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 361-370.
1.3 Medida de Segurança
7
Dicionário Jurídico Plácido e Silva. P. 838
8
MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal. Campinas: Millenium, 1999. P. 240-292
providência repressiva, muito embora não esteja ausente, como atrás se expôs,
certa função preventiva. Na medida de segurança, ao revés é a prevenção que
predomina acentuadamente em seus objetivos e fins com instituto jurídico-penal.
“De modo idêntico à pena, a medida de segurança é forma do poder
coativo do estado que se realiza de maneira indireta. Trata-se de providência
do Estado, no exercício de seu império, para evitar que determinada pessoa que
cometeu um crime, e se revela perigosa, venha a reincidir.”9 A medida de
segurança tem caráter jurídico-penal, o que vale dizer que se trata de atividade
do Estado destinada a tutelar, com maior rigor e eficácia, determinados bens
jurídicos. “Pena e medida de segurança não deixam de ter o aspecto de
providência administrativa”10, como foi salientado por Calamandrei. Em ambas,
porém, o que se verifica é a autolimitação do poder estatal no tocante à
executoriedade de sua ação administrativa.
De acordo com LUIZ REGIS PRADO (2000)11 a pena e a medida de
segurança, como sanções penais, apenas diferem entre si pela prevalência, na
primeira, do aspecto de medida repressiva, e na segunda, do caráter de
providência preventiva. A medida de segurança, como seu prolongamento, dá
tonalidade mais forte ao aspecto preventivo da atividade persecutório-penal do
Estado, ligando-se ao crime pelo que de sintomática este revela em relação a seu
autor.
Ante o exposto, podemos afirmar que a medida de segurança é
aplicada quando o acusado de um crime de qualquer natureza, na suspeita da
existência de um transtorno mental, em que o processo encontra-se ainda em
fase de instrução, fica este suspenso instaurando-se então, o Incidente de
Insanidade Mental.
9
Dicionário Jurídico de Plácido e Silva. P. 838.
10
CALAMANDREI, Pierrô. Lince Fondamentali Del Processo Civile Inquisitório. P. 150-151.
11
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. P. 524-539
O acusado é submetido a exame pericial – Insanidade Mental e
comprovada a existência de um quadro mental e se esse tiver relação direta com
o crime cometido que está previsto no art. 26 do Código Penal, que diz: “É
isento de pena o agente que, por doença mental, desenvolvimento mental
incompleto ou retardado era ao tempo da ação ou omissão, inteiramente
incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com
seu entendimento”, e em seu parágrafo único diz:
“A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se
o agente em virtude da pertubação da saúde
mental, ou por desenvolvimento mental
incompleto ou retardado não era inteiramente
capaz de entender o caráter ilícito ou de
determinar-se de acordo com esse
entendimento”.12
O réu é absolvido, sendo-lhe imposta a internação compulsória em
hospital de custódia, por ser considerado perigoso, se todavia o fato for punível
com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial.
A Medida de Segurança, conforme a Lei Penal, embora preveja a
internação compulsória por um período mínimo de um a três anos, não
estabelece o limite máximo para a duração do tratamento condicionando o
término da mesma a “Cessação da Periculosidade” trata-se de instituto penal
que ao tornar indeterminado o prazo de internação compulsória do inimputável,
freqüentemente resulta na prática em verdadeira internação perpétua. Deve-se
ressaltar que tanto a internação compulsória em Hospital de Custódia e
Tratamento Psiquiátrico, quanto à alta do internado estão subordinados à
determinação judicial, fundamentada na evolução psiquiátrica do paciente
somada ao apoio familiar. Assim, não raramente, embora psiquiatricamente o
12
Código Penal, obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a elaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto.
internado melhore ou tenha superado seus transtornos mentais mais graves,
assim como o juízo da execução se manifeste favoravelmente a desinternação,
esbarra-se com a falta de apoio familiar que passa agasalhar a reinserção
familiar do paciente em estado de alta.
13
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. P. 524-539
“ O internado será recolhido a estabelecimento
dotado de características hospitalares e será
submetido a tratamento.”14
14
Código Penal, obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto
e Marcia Cristina Vaz dos Santos Windt. 36. ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 49.
“A pesquisa sobre a condição dos internados ou
dos submetidos a tratamento ambulatorial deve
ser estimulada com rigor científico e desvelo
humano. O problema assume contornos
dramáticos em relação aos internamentos que
não raro ultrapassam os limites razoáveis de
durabilidade, consumando, em alguns casos, a
perpétua privação da liberdade.”15
15
Lei de Execução Penal – Lei n.º 7210 de 11 de julho de 1984. P. 343.
Vemos, dessa forma, que a lei, em seu inteiro teor, buscou proteger os
inimputáveis favorecendo aos mesmos, condições dignas de tratamento,
recuperação e ao mesmo tempo a reintegração no próprio âmbito social.
Os direitos do internado e do submetido a tratamento ambulatorial
desenvolveram-se lentamente, ao lado da luta pelos direitos dos presos. No
Brasil, a matéria só foi efetivamente implantada no Anteprojeto de Lei de
Execução Penal de 1981, que garantia aos internados todos os direitos inerentes
à sua condição humana e jurídica.
2. Da Aplicação da Medida de Segurança
1
PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 524-539.
possuir uma equipe de agentes penitenciários que, além de treinados para manter
a segurança, evitar fugas e ocorrências de novos delitos. Esses hospitais devem
manter um bom nível de relacionamento médico/paciente/família.
Entretanto, necessário se faz ressaltar que em qualquer fase do tratamento
ambulatorial, o juiz poderá determinar a conversão do mesmo em medida
detentiva, ou seja, internação em hospital de custódia.
2
RIBEIRO, Bruno de Morais. Medidas de Segurança. São Paulo: Livraria do Advogado, 2000, p. 75-89.
3
POSTERLI, Renato. A Periculosidade do doente mental. Belo Horizonte: Del Rey. P.09-57.
“Estabelece o parágrafo 1º do artigo 97 do Código Penal que a internação
e o tratamento ambulatorial serão por tempo indeterminado, perdurando
enquanto não for verificada, através de perícia médica, a cessação da
periculosidade.”4
Adverte-se acerca da inconstitucionalidade de tal dispositivo, sob o
argumento de que contraria a proibição das penas perpétuas. O direito de um
condenado saber a duração da sanção que lhe será imposta, sustenta-se, é
inerente ao próprio princípio da legalidade dos delitos e das penas. Sugere-se,
como alternativa à indeterminação, a imposição de medida de segurança
somente pelo prazo máximo da pena abstratamente cominada ao delito, para os
inimputáveis, e, no caso dos semi-imputáveis, pela quantidade de pena que seria
cumprida por ele, se não tivesse sido substituída. Em sentido oposto, salienta-se
que a indeterminação é inerente à própria finalidade das medidas de segurança,
cuja duração não pode ser prefixada. A medida de segurança deve, por
conseguinte, ser indeterminada no tempo, não excluída a hipótese de se
prolongar por toda a vida do condenado.
“Tais diretrizes, marcadamente extremistas, não são as mais
recomendáveis. De primeiro, cabe frisar que se o fundamento das medidas de
segurança reside na periculosidade do agente e seus fins são os da prevenção
especial, tem-se que tal medida deverá ser proporcional à periculosidade do
agente e à gravidade dos delitos que poderá praticar no futuro. Posto que as
medidas de segurança visam a afastar lesão futura de bens jurídicos, resta claro
que o fato já praticado não pode ter relevância para determinar a espécie ou a
duração da medida.”5
Em síntese, sendo a periculosidade um estado do agente que perdurará por
um tempo maior ou menor, sem que sua duração passa ser previamente fixada,
4
Código de Processo Penal, obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto e Márcia
Cristina Vaz dos Santos, 39. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.
5
POSTERLLI, Renato. A Periculosidade do Doente Mental. Belo Horizonte: Del Rey. 2000. P. 09-57.
também a duração da medida de segurança será, a princípio, indeterminada,
ainda que submetida a rígido controle periódico. Não obstante, por razões de
segurança jurídica a lei deveria estabelecer um limite máximo, determinado em
função da duração regular do tratamento cientificamente recomendado ao
agente. Muito embora se transcorrido esse lapso temporal ainda persistisse o
estado de periculosidade, nada obstaria a liberação do condenado, pois o poder
de punir não pode se estender indefinidamente no tempo.
Temos que, hoje, em razão dos princípios da legalidade, da
proporcionalidade, da igualdade, da intervenção mínima e da humanidade, tem-
se falado em um prazo máximo de duração da medida de segurança, a fim de
que não ofende os direitos humanos, entre eles a própria dignidade do internado.
6
RIBEIRO, Bruno de Morais. Medida de Segurança. São Paulo: Livraria do Advogado. P. 75-89.
em virtude de ser o diagnóstico da periculosidade tarefa difícil e imprecisa. Daí
a razão porque o exame só poderá ser realizado por médicos especializados,
cujas conclusões deverão se basear em rigorosas provas, após detida
ponderação.”7
Comprovada mediante perícia a cessação da periculosidade, o juiz da
execução determinará a revogação da medida de segurança, com a desinternação
do agente em caráter provisório, aplicando ao beneficiário as condições próprias
do livramento condicional, conforme estabelecido no artigo 178 da Lei de
Execução Penal. Dessa maneira, pode-se falar não em revogação, mas em
suspensão da medida de segurança, uma vez que o liberado só terá efetivamente
revogada a medida a que estava submetido se durante um ano não praticar fato
indicativo de persistência da periculosidade. Deve-se ressaltar que o simples
não-comparecimento ou o descumprimento pelo agente das condições impostas,
não são suficientes para se restabelecer a medida de segurança.
Os pacientes que são autorizados pelos juizes a sair a passeio, logo após o
mesmo, exibem melhora significativa em seu quadro mental. Também os
pacientes que desfrutam de saídas terapêuticas regulares têm maior chance de
sucesso na reinserção sócio familiar, do que os que não passam por esse
processo. Esses dois tipos de saídas, pressupõem sempre avaliação e indicação
pela equipe responsável ao atendimento do paciente e são encaminhados à Vara
de Execuções Penais, cabendo sempre a decisão judicial, a liberação ou não do
paciente. Entretanto, vê-se que apesar de todo o trabalho desenvolvido, alguns
pacientes acabam não obtendo a liberdade em razão da total falta de apoio sócio-
familiar e da sociedade.
Os exames de Cessação de Periculosidade, são previsto na Lei de
Execuções Penais em seu artigo 26 e devem ser realizados anualmente em todos
os pacientes que cumprem Medida de Segurança. São de extrema importância
7
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. 20 ed., São Paulo: Saraiva, 1997. P. 535-540
para a realização destes exames, os relatórios da equipe técnica responsável pelo
atendimento do paciente durante a internação, informando à perícia como foi a
avaliação clínica do paciente nesse período. Após a finalização do exame, o
laudo com os pareceres da equipe, são enviado ao Juiz da Vara de Execuções
Penais, que também, pode ou não seguir o recomendado pelo perito, e pela
equipe técnica.
A Lei de Execuções Penais preceitua que após a obtenção do benefício da
alta, esta é condicional, isto é, a alta é subordinada a Acompanhamento
Ambulatorial compulsório por um ano e o paciente tem que comparecer ao
ambulatório semanalmente, quinzenalmente ou mensalmente, e nesse período se
a família não souber administrar o paciente em sua residência ou se ele tiver
reagudização do quadro clínico ou ainda, se ele cometer novo delito, é
novamente internado compulsoriamente, até que seja feito novo Laudo de
Cessação e tudo se recomeça. Tem-se verificado, que dentre os diversos fatores
que levam a reinternação, o mais comum é a solicitação desta pela família ao
juiz da Vara de Execuções Penais, o que acontece pelas dificuldades em lidar
com esse paciente em seu meio, eis que, algumas vezes ele é retirado desse
convívio por um longo período e a família se adapta a sua ausência. Além disso,
o estigma do paciente que cumpriu Medida de Segurança, aliado ao fato da
problemática de funcionamento dos acompanhamentos ambulatoriais externos,
favorece a reagudização do quadro clínico e a sua reinternação em Hospital de
Custódia, já que tais pacientes não são aceitos.
8
MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal. Campinas: Millenium, 1999. P. 240-292
vislumbramos no dia-a-dia dos manicômios judiciários é a utilização de meios
inadequados, sendo os internados tratados em estabelecimentos comuns, não
tendo a mínima perspectiva de cura ou de amenização de seus transtornos
psiquiátricos. Pelo contrário, em razão dessa convivência promíscua e
desassistida, as enfermidades tendem a se agravar. Logo, temos seres humanos,
embora portadores de sérios transtornos mentais, estão abandonados à própria
sorte, sobrevivendo em situação deplorável e sem receber o necessário e
adequado tratamento médico-psiquiátrico.
No limiar do Terceiro Milênio, em plena era da cibernética, dos avanços
da tecnologia e da conquista espacial, não se pode admitir tanta ilegalidade e
imoralidade, sendo inconcebível o tratamento desumano e medieval a que são
submetidos os doentes mentais, que hoje encontram-se recolhidos na mais
absoluta indignidade, longe dos olhos da sociedade, esquecidos em celas
comuns, alguns em inegável prisão perpétua, lá estando presos já há mais de
uma década. Diante dos fatos, deve-se viabilizar meios de tratamentos
adequados e eficazes, a fim de propiciar uma digna recuperação através da
utilização de métodos que propiciem a humanização dos internados.
3. A ineficiência da internação nos manicômicos judiciários.
3.1. Locais inadequados ao cumprimento da Medida de Segurança
1
ROSSETTI, Janora Rocha, ALVIM, Rui Carlos Machado. Das Medidas de Segurança – Jurisprudências. São Paulo: Edição Universitária de
Direito, 1994. p. 427/430.
2
Marques, José Frederico. Tratado de Direito Penal. Campinas: Millenium, 1999. P. 240-292.
“No limiar do Terceiro Milênio, em plena era da cibernética, dos
avanços da tecnologia e da conquista espacial, não se pode admitir tanta
ilegalidade e imoralidade, sendo inconcebível o tratamento desumano e
medieval a que são submetidos os doentes mentais que hoje estão recolhidos na
mais absoluta indignidade, longe dos olhos da sociedade, esquecidos em celas
comuns, alguns em inegável prisão perpétua, lá estando presos já há mais de
uma década.”3
Fundamentando nos princípios estabelecidos na Constituição Federal,
em seus artigos 23, II e 24, XIV, o legislador pátrio editou também a Lei n.º
7.853/89, determinando prioridade, pelos órgãos da Administração Pública, ao
apoio e integração social das pessoas portadoras de deficiência, inclusive com a
criação de uma rede de serviços especializados em reabilitação e habilitação das
mesmas.
Vê-se, então, que a pessoa portadora de deficiência, física ou mental,
deve receber tratamento prioritário por todos os órgãos da Administração
Pública e, por seu turno, pelos princípios legais, a medida de internação aplicada
ao doente mental deverá ser executada em hospital de custódia e tratamento
psiquiátrico ou outro estabelecimento adequado. Em hipótese alguma autoriza a
Lei de Execução Penal a execução da internação em penitenciária. A
obrigatoriedade da internação do doente mental em estabelecimento adequado
deriva, obviamente, da necessidade do tratamento psicoterapêutico, visando à
sua recuperação e, conseguida esta, sua reinserção à família e à sociedade.
Assim é dever dos operadores do Direito refletir, se aqueles
indivíduos que nasceram doentes devem ser submetidos a tratamento
convencional medicamentoso, que pouco auxílio traria à sua recuperação ou se
deve ter a oportunidade de ser submetido à métodos terapêuticos mais modernos
e humanos.
3
MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal. São Paulo: Millenium, 2000, p. 240/295
“O Estado Democrático de Direito elenca como um de seus
fundamentos a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição Federal
de 1988). Portanto, o homem deve ser a medida primeira para a tutela do Estado,
alcançando ainda maior destaque no Direito Penal onde o condenado será
encarado como sujeito de direitos e deverá manter todos os seus direitos
fundamentais que não forem lesados pela perda da liberdade em caso de pena
privativa. Note-se que a pena é privativa da liberdade, e não da dignidade,
respeito e outros direitos inerentes à pessoa humana. No mesmo sentido dispõe a
Constituição Italiana em seu art. 27, n. 2 , que a pena não pode consistir em
tratamento contrário ao senso da humanidade, assim como a medida de
segurança.”4
4
ALVES, Lindgren. Os Direitos Humanos como Tema Global. São Paulo: Perspectiva, 1994, p. 04/07.
constatados na prática, boa parte deste internos já haviam cumprido o período da
medida de segurança e não foram alvo da revisão, à vezes por negligência
judiciária, por falta de recursos técnicos ou por pressão de pessoas interessadas
em perpetuar aquela situação. Medida de segurança não pode ser prisão
perpétua. Deve-se lutar pela imediata revisão dos processos de todos os internos
dos manicômios judiciários.”5
Como afirma o psicólogo Marcus Vinícius de Oliveira Silva,
integrante da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal de
Psicologia, “os tratamentos se resumem a avaliações burocráticas.” A legislação
é clara, pessoas diagnosticadas como loucos por meio de laudo psiquiátrico e
que cometem crimes ou infrações não podem ser condenados à pena de prisão
ou reclusão. Devem receber suposto benefício de serem encaminhados, por
medida de segurança, para internação em hospitais de custódia e tratamento.
“As sabidas deficiências do sistema prisional agravam-se nos
manicômios judiciários, sendo que a suposta função de tratamento é meramente
evocada como meio de justificar essa cruel exclusão. As condições físicas são de
abandono e a ausência de recursos humanos técnicos é grave. As condições
destes estabelecimentos conseguem fazer destas instituições a pior das prisões e
o pior dos hospícios, com exclusão social e radical.”6
Segundo pesquisas de campo realizadas pela Comissão de Direitos
Humanos, os manicômios judiciários têm se mostrado um espaço de violência e
arbitrariedade. Na prática essas instituições não passam de prisões disfarçadas
do hospital. Faltam médicos e enfermeiros e sobram carcereiros.
Em vários casos, constatados na prática, boa parte dos internos já
haviam cumprido o período da medida de segurança e não foram alvo da
revisão, às vezes por negligência judiciária, por falta de recursos técnicos, por
5
AMARANTE, Paulo. Asilos, Alientados e Alienistas. Uma pequana história da psiquiatria no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1994, p.
73/84.
6
ANDREUCCI, Rômulo A. Manicômio Judiciário e Medidas de Segurança Alternativas. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1981, p. 53/61.
pressões de famílias, prefeituras e delegados. Assim, no lugar de respeitar a lei,
comete-se o caminho mais fácil da arbitrariedade. Na prática, o tratamento se
converte em abandono da pessoa à sua própria sorte. Assim como nas
penitenciárias onde há superlotação, fuga em massa e violência, nos manicômios
judiciários impera o abandono dos loucos, a exclusão social e o desrespeito à
cidadania. Pode-se constatar que os manicômios judiciários, nas condições em
que funcionam é o pior do hospício, o pior da prisão, o pior da violência e o pior
da exclusão.
Tem-se que, o problema da instituição psiquiátrica tem sido discutido
por diversos setores da sociedade brasileira, há vários anos. Iniciou-se com um
posicionamento dos trabalhadores de saúde mental, em 1987 nasceu o
Movimento Nacional da Luta Antimanicomial, se posicionando no sentido de
negar o manicômio como forma de tratamento e de propor novas alternativas
terapêuticas ao indivíduo portador de transtornos psiquícos.
Entretanto, os problemas continuam a se alastrar pelos manicômios
judiciários, violando assustadoramente explicitamente os direitos humanos, a
dignidade dos internos, que são relegados à própria sorte, submetidos a choques-
elétricos, superdosagem de medicamentos, e toda forma de tortura imagináveis
em um recinto de terror.
7
BIRMAN, Jorge. A psiquiatria como discurso da moralidade. Rio de Janeiro: Graal, 1988. P. 112/127.
tomem seus remédios, que estejam calmos, que permaneçam em seus leitos e
nos espaços que lhes foram reservados.”8
É necessário suscitar questionamentos aos profissionais que trabalham
com o poder judiciário, em especial desses manicômios, cuja situação
consideramos pior que a da prisão ou do hospital psiquiátrico. Devemos tentar
pensar em uma prática que exclui, que produz estigma, que produz rótulo e que,
com isso, fortalece a exclusão social como coisa natural e, achando que é
possível uma atuação objetiva e neutra, viola os direitos humanos. Constata-se,
dessa forma, que a psiquiatria que não está disposta à desistir do uso da força e
da violência tornou-se culpada do crime contra a humanidade, pela deliberada
destruição da dignidade, da liberdade e da vida. Principalmente pela
categorização de seres humanos como doentes mentais foram permitidas a total
violação dos direitos humanos e civis como também da justiça natural. É preciso
resgatar os direitos dos portadores de sofrimento mental, reinserindo-os
socialmente e desfazendo a cultura manicomial. Em vez de isolar os loucos, a
proposta é aproximá-los da sociedade, com atendimento ambulatorial e a oferta
de atividade lúdicas e artísticas.
“A permanência em estabelecimento prisional destinado apenas, de
fachada, à execução de medida de segurança pois não apresenta mínima infra-
estrutura de pessoal especializado, nem adota nenhum sério processo curativo ou
de reinserção social, significa deixar o internado, sob o regime penitenciário
equivalente ao do cumprimento de pena privativa de liberdade e, portanto, em
estabelecimento inadequado.”
Reiterando o entendimento dos doutrinadores, o Superior Tribunal de
Justiça, afirma que “não pode o interno ficar recolhido à prisão comum, sem um
mínimo de assistência médica e em ambiente inadequado. Dessa forma, vemos
que a realidade se mostra muito distante do que consta nas legislações, ficando
8
RIBEIRO, Bruno de Morais. Medidas de Segurança. São Paulo: Livraria do Advogado, 1998, p. 75/89.
os direitos dos internos relegados a segundo plano. Há que se prezar pela
dignidade e respeito aos direitos humanos, em especial dos internos, que
cometeram ato infracional, os quais em razão de distúrbios mentais não têm
condições de perceber o explícito vilipêndio à sua própria dignidade humana”. 9
Assim sendo, um dos maiores desafios dos estudiosos do assunto em
comento é incentivar que os trabalhadores de saúde mental repensem sua
posição diante desses casos, construindo saídas, dentro do campo de sua
competência, que possibilite um tratamento comprometido com os direitos
humanos do portados de transtornos mentais que tenha cometido ato infracional.
É necessário a melhoria da qualidade de vida e dos direitos humanos dos
cidadãos. Vemos que os manicômios expressam o descuido dos brasileiros com
aqueles desprovidos de liberdade e acometidos de doença mental.
9
MOURA, Luiz. A Imputabilidade, Semi-Imputabilidade e Inimputabilidade. São Paulo: Edusp, 1996. p. 85-109
4. A aplicação da medida de segurança e a violação aos Direitos
Humanos.
4.1. O terror dos doentes mentais nos manicômios judiciários.
1
IBRAHIM, Estival. O manicômio no Rio de Janeiro: hospital ou prisão. Rio de Janeiro: Graal, 1998, p. 109/112.
Um hospital de custódia e tratamento nos moldes atuais não pode prestar-se para
resolver os problemas sociais e de abandono dos marginalizados. O Estado,
através de seus agentes policiais, leva pessoas para os manicômios que
continuam assistindo-os sem a mínima preocupação e conhecimento dos seus
direitos de cidadão. Na realidade, é até possível que ocorra alguma mudança
nesses locais de tratamento, pois o abandono é tão grande que num gesto
extremo de desespero podem vir a ser fechados.
A violência das condições em que vivem os internados submetidos à
medida de segurança, nos manicômios judiciários, claro está que trata de
violação aos mais elementares direitos individuais, em face do descaso, da falta
de coragem dos governantes para tomar atitudes adequadas no momento
oportuno.
De qualquer maneira, embora nenhuma decisão fosse tomada para
mudar o sistema de assistência atual, se o Estado trabalhasse e discutisse um
pouco mais de perto com hospitais psiquiátricos públicos, não só melhorariam as
condições de vida e direitos dos internados, como também propiciariam as
mudanças radicais na assistência existente nos manicômios judiciários, a qual já
ultrapassou os limites do inaceitável.
“Na linguagem contemporânea, pode-se conceituar os Direitos
Humanos como as faculdades e possibilidade que decorrem da preservação da
integridade, da dignidade, bem como das necessidades e condições inerentes à
natureza humana para assegurar plena realização da personalidade no convívio
pessoal. Os elementos constitutivos do conceito contemporâneo de direitos
Humanos indicam que a ordem jurídica positiva não pode perder o equilíbrio,
nem contrariar esses direitos, visto ser inadmissível que a dimensão axiológica
da lei, através da interpretação e da aplicação, entre em choque com as
exigências de preservação da individualidade existencial que o homem traz ao
nascer para desenvolver no plano material, moral, psíquico e espiritual. Assim, a
partir do momento em que vemos a situação degradante que vivem aqueles
submetidos à medida de segurança, nos manicômios judiciários, temos uma
clara e evidente violação, a banalização dos direitos humanos, fato este que traz
uma grande preocupação no âmbito sócio-jurídico, face a necessidade de se
preservar os direitos e garantias fundamentais, que tanto se menciona, mas na
maioria das vezes apenas teoricamente.”2
2
POSTERLLI, Renato. A Periculosidade do Doente Mental. Belo Horizonte: Del Rey. 2000. P. 09-57
estaria afrontando a Constituição, que proíbe penas de caráter perpétuo.
Igualmente o mesmo inciso XLVII, letra “c” do art. 5º proíbe que as penas
sejam cruéis, mas os manicômios judiciários são instituições que insistem em
dispensar tratamento cruel e penas de caráter perpétuo aos seus internos.”3
“O Decreto n 24.559, de 3 de julho de 1934, trata-se de lei adequada
aos princípios de sua época, tornando-se hoje inadequada frente aos avanços na
área de psiquiatria e mudanças sociais que ocorreram neste período. Mas se
forem confrontados seus dispositivos com a Constituição de 1988, poderemos
encontrar o artigo 10 determinando que “o psicopata ou indivíduo suspeito que
atentar contra a própria vida ou a outrem, perturbar a ordem ou ofender a moral
pública, deverá ser recolhido a estabelecimento psiquiátrico para observação e
tratamento.” Como se vê a psiquiatria e o direito vem prestando-se há bastante
tempo para confinar pessoas em instituições custodiais sem a menor
preocupação com os direitos do indivíduo previstos na Constituição, no artigo
5º, caput , pelo qual todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país, a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade. Complementando, no inciso III, do artigo acima referido diz que,
ninguém será submetido à tortura ou tratamento desumano ou degradante”. 4
Analisando a legislação e os princípios dos Direitos Humanos vemos
que os manicômios judiciários apresentam tratamento desumano e degradante,
nem de longe imprimindo os preceitos legais. Assim, levando-se em
consideração todos os avanços no que se refere aos direitos humanos do
indivíduo, parece agredir a Constituição especialmente pela foram como as
pessoas são tratadas. As medidas de segurança, assim como as penas, são
3
ALVIM, Rui Carlos Machado, ROSSETI, Janora Rocha. Das Medidas de Segurança. São Paulo: Leud, 1994,
524 p.
4
RIBEIRO, Bruno de Morais. Medida de Segurança. São Paulo: Livraria do Advogado, 2000, p. 75-89
instrumentos de preservação do convívio social e devem defender a sociedade
de possíveis agressões antijurídicas.
As medidas de segurança visam não a punir os indivíduos pelo crime
cometido, mas sempre tratá-los inibindo o seu “perigo” para a sociedade e os
colocando novamente no convívio social. Assim, é em torno da ótica do
tratamento psíquico adequado e justo que deve-se pautar a aplicabilidade da
medida de segurança. Vê-se que a partir do momento em que se estabelece
duração indeterminada para os tratamentos, ocasiona uma eternização da medida
de segurança aplicada.
Diante das inúmeras pesquisas constata-se que o tratamento
dispensado pelos manicômios judiciários é, na maioria das vezes, desumano,
convertendo-se mesmo em prisão perpétua. Faltam medicamentos, pessoal
técnico especializado e espaço físico condizente com os fins terapêuticos e
assistenciais das medidas de segurança. Assim, deve haver uma maior interação
do Direito com as Ciências Psíquicas, no intuito de buscar a possibilidade de um
tratamento real e eficaz que conte com modulações de internação para
acompanhamento ambulatorial e, até mesmo, conseguindo em um prazo
adequado a efetiva desinternação do paciente e sua reinserção na sociedade.
Sabemos que o lugar do “louco” infrator em nossa sociedade até hoje
foi o de exclusão, no entanto, não podemos simplesmente ignorar sua cidadania
e direitos. Devemos buscar saídas e caminhos, acreditando no tratamento como
ferramenta da reinserção dos pacientes e não no abandono como política de
desenvolvimento social.
4.3. O tratamento desumano e degradante aos doentes mentais nos
manicômios judiciários.
5
POSTERLLI, Renato. A Periculosidade do Doente Mental. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. P. 09-57
6
ABRAÃO, Frederico. Das Penas e Medidas de Segurança . Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995. P.125
Deve-se discutir, portanto, as possibilidades de inclusão daqueles que,
estando em manicômios judiciários ou hospitais psiquiátricos, convivem numa
sociedade que ainda não está preparada para poder tratá-los sem excluir.
O que podemos perceber a partir de estudos é que o procedimento
jurídico da loucura aparece subvertido em toda a sua aplicação prática,
evidenciando-se aos paradoxo-prática-discurso. O que em teoria é proteção,
tratamento e desprovido de aflição mostra-se como uma pena, “sem as
garantias” de uma pena comum. Não se vê a possibilidade de alta, a liberdade
dos internos.
Percebemos uma estratégia extremamente sutil, que se diz protetora
mas que na prática, aflige e pune, e dele participam o Poder Judiciário, a
psiquiatria, a família, a polícia e a comunidade em uma articulação difusa e
agonística em seus efeitos. A forma de controle jurídico-penal da doença mental
está fundamentada pelo saber psiquiátrico, toma o futuro como alvo através da
periculosidade que constitui-se em um risco a ser evitado e, por isso, perpetua-se
a medida de segurança para além da internação.
Além disso, outros elementos surgem para tornar o tratamento dos
internos mais degradantes e desumano. A falta de atividade dos pacientes, de um
setor de terapia ocupacional, psicoterapia e assistência social estruturados, a
superlotação das alas, as precárias condições de higiene do ambiente hospitalar,
a inexistência de um serviço de laboratório para exames clínicos e uma farmácia
insuficiente. Tudo isso leva a conclusão de que o tratamento prestado aos
internos, nos manicômios judiciários, não passa de um absoluto terror, que
procura dizimar qualquer preceito de dignidade e respeito aos direitos humanos
que podem ser suscitados.
Internações prolongada, falta de atividades dos pacientes e
afastamento do convívio social, resulta muitas vezes em confinamento e
abandono familiar, inviabilizando o retorno do paciente ao convívio social.
“Qualquer que seja o modelo político-social, a tendência das
sociedades modernas é orientar o indivíduo nos interesses coletivos e organizar
a vida em termos de civilidade e nivelação dos tipos e dos modos de viver. É
necessário que haja uma reavaliação nos métodos utilizados nos manicômios
judiciários. Vemos que da forma como se apresenta ocorre a destruição da vida
humana e a supressão eterna da liberdade, do valor do homem como esperança
de redenção, caracterizando a medida de segurança em um instrumento de
terror. Enquanto os próprios estudiosos do Direito fazem vistas grossas à
incapacidade do Estado, os criminosos doentes e sãos estão mantidos em prisões
superlotadas e infectas, sendo engolido pelo próprio sistema, tornando-se
escravo ou amante do chefe de cela, e, esquecido ali a espera da definitiva
loucura ou mesmo a morte.”7
Afinal, haveria interesse do Estado em recuperá-los ou reabilitá-los? E
a sociedade civil, as forças empresariais, os convênios médicos, assistenciais e
previdenciários, onde estarão para substituir o Estado? Enquanto isso não
ocorre, a Justiça deverá ser aplicada cegamente aos enfermos e delinqüentes. O
que acontece é que, ao invés de salvar os doentes, resumir-se-á na violação dos
direitos humanos e ao respeito à cidadania.
Corroborando o entendimento apresentado desde o princípio do estudo
em tela, vejamos relatos de um ex-paciente, Milton Freire, de manicômio
judiciário: “O manicômio judiciário, com suas características de prisão, como
lugar de atendimento em saúde mental, sempre negou a dimensão psicológica e
social do usuário.” Ademais, em um artigo publicado no site da Luta
Antimanicomial, pelo ex-interno, diz: “Quem precisou desse tipo de
atendimento, foi tratado como um bode expiatório da sociedade. Como alguém
que pode ser seqüestrado, preso sem julgamento ou testemunhas, como se fosse
7
AMARANTE, Paulo. Asilos, Alienados e Alienistas. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1981. P. 53-61
um ser desalmado, um objeto, nunca uma pessoa. Éramos assim, seres
desprovidos de direitos condenados ao silêncio.”
Esta denúncia, demonstra como o sistema manicomial brasileiro
perpetua a doença, em vez de promover a saúde. Assim, todos esses fatos vêm
confirmar o descaso com que são tratados os doentes que são confinados nos
manicômios judiciários, sendo vítimas de todas as injustiças e desrespeito à
cidadania e aos próprios direitos humanos.
5. AS ILEGALIDADES NA APLICAÇÃO DA MEDIDA DE
SEGURANÇA.
O Código Penal, em seu artigo 99, aderiu à tutela dos direitos dos
submetidos às medidas de segurança, prescrevendo que “o internado será
recolhido a estabelecimento dotado de características hospitalares e será
submetido a tratamento.”33
Dessa forma, a intenção foi evitar que o inimputável seja recolhido à
cadeia ou ao presídio comum, deixando de receber o tratamento psiquiátrico
necessário em hospital ou em local com dependência médica adequada, enfim
que seja submetido à condições degradante e inconcebíveis ante aos princípios
de dignidade humana.
33
Código Penal, obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto
e Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt. 36. ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 69.
De acordo com os dispositivos da Lei de Execuções Penais, a pessoa
portadora de deficiência deve receber tratamento prioritário por todos os órgãos
da Administração Pública. A medida de internação aplicada ao doente mental
deverá ser executada em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou outro
estabelecimento adequado. Em hipótese alguma autoriza a referida Lei a
execução da internação em penitenciária. A obrigatoriedade da internação do
doente mental em seu estabelecimento adequado deriva, obviamente, da
necessidade do tratamento psicoterapêutico, visando à sua recuperação e,
conseguida esta, sua reinserção à família e à sociedade.
Como se vê, tanto a internação quanto o tratamento ambulatorial serão
executados em Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico ou, à falta, em
outro estabelecimento adequado. O Hospital de Custódia e Tratamento
Psiquiátrico e, pois, o local destinado ao cumprimento da medida de segurança,
tanto, para o inimputável quanto para o semi-imputável, assim como quando é
aplicada durante a execução da pena, em substituição a esta. Assim, inexistindo
o Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, permite a lei penal a execução
da medida em outro estabelecimento adequado. Refere-se a norma legal,
evidentemente, à clínicas psiquiátricas que, embora não tendo as mesmas
característica do hospital, possam, acolher os sentenciados e executar
adequadamente a medida aplicada. Quanto ao que se refere ao conteúdo do já
citado art. 99, do Código Penal Brasileiro, o mesmo veda taxativamente a
internação em estabelecimento inadequado, não sendo comportável, assim, a
permanência do agente submetido à medida de segurança em cadeia pública.
Mas, infelizmente, o que temos no Estado de Goiás são instituições
não especializadas, despreparadas para desempenhar o verdadeiro tratamento
dos insanos mentais. Vê-se uma violação explícita aos próprios princípios
constitucionais, no tocante aos direitos e garantias do cidadão, previstos no
artigo 5º, da Constituição Federal. Assim, o tratamento realizado nos criminosos
inimputáveis, em Goiás, vem causando uma marca profunda e desastrosa, visto
haver uma descaracterização do ser humano, pois chega a passar anos, décadas,
enjaulado, dopado e incapaz de responder por si.
Porém, essa distorção com a qual convive, principalmente, o Estado
de Goiás, em relação ao tratamento desumano conferido aos doentes mentais era
uma das principais preocupações do legislador por ocasião da edição da Lei nº
7.210/84, a Lei de Execuções Penais. Conforme se vê, diz o item 158 da
mencionada lei, em sua Exposição de Motivos, “a pesquisa sobre a condição
dos internados ou dos submetidos a tratamento ambulatorial deve ser
estimulada com rigor científico e desvelo humano. O problema assume
contornos dramáticos em relação aos internamentos que não raro ultrapassam
os limites razoáveis de durabilidade, consumando, em alguns casos, a perpétua
privação da liberdade.”34
Ademais, deve-se ter em mente que os portadores de patologias
mentais, ainda que tenham cometido algum ilícito penal e mesmo que
apresentem certo perigo para a sociedade, continuam protegidos pelas franquias
constitucionais aplicáveis aos cidadãos em geral, que impedem, dentre outros
constrangimentos, a prisão sem fundamento legal, de modo que, se o Estado não
tem condições de custodiar o agente inimputável em estabelecimento hospitalar
adequado, por falta de vaga, não pode, ao arrepio da lei, mantê-lo no cárcere por
prazo indeterminado.
Nesse sentido vêm decidindo reiteradamente nossos Tribunais,
vejamos:
34
Lei de Execução Penal – Lei nº 7210 – 11 de julho de 1984. p. 343.
estabelecimento psiquiátrico da rede estadual” (TACRIM – SP – RA – Rel
Raul Motta- RJD 7/35).
13. JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. 20. ed., São Paulo:
Saraiva,
1997. 744p. Cap. 54, p.535-540.
22. ROCHA, Zélio Maia de. Direito Penal. 11. Ed. Rio de
Janeiro:
Vestcon, 2000, p. 123-125.
vi