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Universidade de Brasília - UnB

Instituto de Psicologia – IP

Departamento de Psicologia Clinica - PCL

Prof. Felipe de Baere

Disciplina: Tópicos em Psicologia da Personalidade

Aluno: Yan Siqueira Santiago

Novas Masculinidades e a Mídia

O presente ensaio propõe uma reflexão acerca da representação e da produção de


novas masculinidades na grande mídia. Para embasar teoricamente a reflexão, serão
utilizados artigos anteriormente estudados para a produção do seminário sobre
masculinidades apresentado em sala de aula, artigos consultados na internet e os
capítulos 7 e 8 da obra “Saúde mental, gênero e dispositivos” de Valeska Zanello
(2018). As motivações da escolha desta temática foram: a importância que os estudos
sobre as masculinidades vêm ganhando – graças ao movimento feminista e LGBT+ -
para repensar as relações de gênero, e a necessidade de se refletir como a produção de
novas masculinidades pode gerar masculinidades menos tóxicas e não hegemônicas.
Afinal, o que é ser homem? O que define a masculinidade? Existe apenas um
tipo de masculinidade? O senso comum vê a figura masculina como a detentora de
qualidades relacionadas à força, à determinação, à coragem, ao comportamento sexual
ativo e ao trabalho na esfera pública. Essas características e “qualidades” foram
estruturadas a partir do século XVIII, e passaram a ter uma ideia de “naturais” do sujeito
masculino. Zanello (2018) afirma:
“Os homens, por seu turno, também foram compreendidos a partir de
certas qualidades agora tomadas como ‘naturais’. Elas seriam a ação enérgica, a
atividade sexual, a coragem, a resistência física e moral, o controle de si
(emoções e corpo), cabendo a eles o âmbito público e o trabalho reconhecido e
remunerado” (p. 177).
Além das “qualidades” supracitadas, outra característica que acompanhou e
ainda acompanha o sujeito masculino é o imperativo da dominação, que não se restringe
à ideia de guerra, mas se estende ao âmbito sexual, laboral e até mesmo psicológico.
Segundo Zanello (2018),
“A dominação, relacionada à virilidade masculina no ocidente, firmou-se
assim em pelo menos quatro pilares, a saber: no mundo social (com todas suas
características culturais, históricas e locais), contra si mesmo (incialmente
embrutecimento, posteriormente, cada vez mais, controle sobre seus próprios
comportamentos e afetos- ideal de “razoabilidade”), contra as mulheres
(consideradas sempre como inferiores ou com qualidades incomparavelmente
menos nobres), contra outros homens (tanto na competição com os iguais como
no exercício de controle e subjugação dos considerados “inferiores”, de acordo
com a os valores sociais e culturais daquele momento: vencidos de guerra,
escravos, jovens semiviris, pobres etc.)” (p. 179).

Ainda dentro da noção de dominação, mas fazendo uma interface com a


sexualidade, o “homem de verdade” é aquele que penetra e não é penetrado, pois “ser
penetrado sexualmente (mesmo na pratica da felação), não pode ser senão coisa de
efeminado, de um homem que abdicou de sua virilidade, ao menos parcialmente”
(Thuillier, 2013, p. 83, apud Zanello, 2018, p. 181). Nesse sentido, o homem seria
“naturalmente” um ser forte, corajoso, ativo sexualmente, trabalhador, sem muitos
sentimentos e dominador. Vale ressaltar que essa concepção de masculinidade também
exige que o homem não tenha nenhum atributo ou característica que remeta ao
feminino, sendo assim, o “homem de verdade” também é visto como o negativo da
mulher.
Essa ideia de naturalização de uma essência masculina começa a ser questionada
a partir da segunda onda do feminismo (1960/1970), na qual o principal argumento
versava sobre a construção social dos gêneros e os papéis sociais que a eles eram
atribuídos. Deixam-se de lado os argumentos puramente biológicos e passa-se a criticar
a forma que a sociedade moldava as relações de gênero. As relações entre homens e
mulheres eram (e ainda são) marcadas por ostensiva opressão e violência por parte dos
homens e a hierarquia existente dentro desta relação se torna alvo de estudo e crítica das
feministas. Outros movimentos como o movimento gay, lésbico e negro também foram
muito importantes para questionar sobre quais homens e mulheres estavam sendo o
centro dos debates intelectuais sobre gênero (homens brancos e mulheres brancas). É
necessário não separar o estudo da masculinidade do movimento feminista, Seffner e
Guerra (2014) comentam:
“Não podemos considerar o crescente interesse pela masculinidade como
algo acidental ou como uma genuína e exclusiva preocupação dos homens,
movidos por forças vagas como “novos tempos”, “novo milênio”, “o desejo de
aproveitar a vida”, “o desejo de ser flexível”, “as novas exigências do mercado”
etc”.

Sendo assim, não se pode falar sobre o estudo da masculinidade sem situar seu
início no movimento feminista com o objetivo de tornar as relações de gênero mais
iguais e não opressoras.
Tendo assim desconstruído a ideia de uma masculinidade determinada por
fatores biológicos e universais, outras definições sobre masculinidade começam a
surgir. Kimmel (2016, apud Zanello, 2018) afirma que
“A masculinidade pode ser definida como uma coleção variável e
constante de significados que os homens constroem consigo mesmos, com outros
homens e com o mundo. Ela não é estática, nem atemporal; não é uma
manifestação de uma essência interna (nem biológica), mas uma construção
cultural (grifo meu), a qual possui sentidos distintos em tempos diversos”.

Esse tipo de definição torna o conceito de masculinidade menos determinista e


possibilita pensar sobre a produção de vários tipos de masculinidades, pois se elas são
constituídas a partir de valores sociais então cada cultura, cada sociedade, cada época,
produziria tipos de masculinidades diversos e plurais.
Contudo, Zanello (2018) diz que no dispositivo da eficácia podemos encontrar
características que pautam a conduta masculina. Dentro deste dispositivo existem
injunções identitárias positivas, responsáveis por produzir comportamentos e ideias.
Essas injunções positivas trariam a ideia de que “um verdadeiro homem seria assim um
‘comedor’ e um produtor/trabalhador/provedor” (Zanello, 2018). Entretanto, além de
injunções positivas, também há a negativa, a qual seria responsável por proibir certas
condutas. Neste caso, essa injunção seria calcada em ideias homofóbicas, na qual o
homem não poderia dar indícios de que é gay, nem que pode ser penetrado. A meu ver,
esse dispositivo não abre espaço para que diversas manifestações de masculinidades
possam existir e possam ser repensadas. O dispositivo da eficácia seria mais um dos
vários artifícios para que a masculinidade hegemônica continue se perpetrando e
causando mais sofrimento para aqueles que performam outros tipos de masculinidade,
além de promover a objetificação das mulheres.
Sendo assim, com a possibilidade de se pensar a existência de vários tipos de
masculinidades situada histórica e temporalmente a partir da cultura, as pesquisas e
análises evidenciaram que existe uma relação hierárquica e de dominação até mesmo
entre os próprios homens e suas masculinidades. A masculinidade hegemônica seria um
tipo específico de masculinidade que empreenderia ataques aos outros tipos de
masculinidade, tanto para desqualificar as outras masculinidades quanto para fazer a
manutenção das relações de poder de homens entre homens e homens entre mulheres.
Kimmel (2016, apud Zanello, 2018) diz que “a masculinidade hegemônica é aquela
constelação de atitudes, trejeitos e comportamentos que se tornaram o padrão contra os
quais todas as outras masculinidades são ponderadas e contra as quais os homens
individualmente medem o sucesso de suas conquistas de gênero”. A masculinidade
hegemônica é extremamente nociva, principalmente porque “o prestígio de uma se
baseia na desvalorização das demais” (Zanello, 2018). Então todas as possibilidades de
expressão de masculinidades seriam tolhidas por homens que fazem parte do grupo da
masculinidade hegemônica. A saber, a masculinidade hegemônica, de um modo geral,
sempre teve como representante o homem ocidental, branco e heterossexual, vide toda a
opressão e violência que, gays, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis e negras (os)
sofreram nas mãos deles.
E como a mídia tem apresentado os novos tipos de masculinidade? É inegável
que as grandes empresas e grandes corporações têm visto nos homens um novo nicho de
mercado. Novos produtos para cuidado, novos estabelecimentos com a temática voltada
para o público masculino, novas propagandas englobando vários tipos de homens, novas
tecnologias para adequação de corpos, novas pesquisas científicas para entender a saúde
masculina, filmes em que homens desempenham papeis diferentes, a produção e o
incentivo de novas masculinidades tem um grande potencial de gerar lucros cada vez
maiores. Seffner e Guerra (2014) apontam que “a mídia, como nenhuma outra instância,
tem sido relevante para estender a ideia de que os homens estão em acelerado processo
de mudança”. Uma mudança que visa se distanciar da imagem tradicional de um
homem viril, heterossexual, violento, que não expressa seus sentimentos e que não se
importa com sua aparência. Algumas propagandas e filmes já vêm trazendo esse
distanciamento, mostrando homens que exercem uma paternidade mais carinhosa e
presente, homens que sabem expressar seus sentimentos abertamente, homens que não
são necessariamente heterossexuais e entre outras masculinidades que não aquelas
hegemônicas.
A importância dessa representação de novas masculinidades pela mídia recai
sobre a ideia de legitimação dessas formas de exercer a masculinidade. Uma ideia de
que “a mídia diz a verdade”. Segundo Ribeiro e Siqueira (2007),
“A mídia parece conferir legitimidade às transformações que [os homens]
experimentam, à medida que deixam de se sentir sozinhos, podendo se expor
mais livremente. Essa atitude provavelmente tem sua raiz, pelo menos em parte,
na crença de que o que é veiculado pela mídia é verdade”.

Então, de certa forma, existe um benefício em se mostrar e propagar novas


masculinidades, muito pelo fato de homens, que não performam uma masculinidade
hegemônica, se sentirem representados e legitimados, e também para que essas novas
masculinidades possam dar alternativas de transformação e mudança de uma
masculinidade hegemônica para masculinidades mais saudáveis e menos opressoras.
Entretanto, algumas críticas podem ser formuladas e dirigidas a esse processo de
“produção” e veiculação de novas masculinidades pela mídia. Uma delas explicita que,
na maioria dos casos, o movimento feminista não é posto como o fundador da crítica
aos homens e que as relações de gênero apenas se tornariam mais saudáveis se fosse
operada uma mudança nas masculinidades. Seffner e Guerra (2014) criticam: “No
entanto, ao falar do surgimento de novos homens, em geral, as matérias de revista e
programas de TV não estabelecem uma conexão clara com o feminismo”, e isso é
bastante problemático, pois “as críticas às masculinidades opressoras e dominantes e a
visibilidade de homens ‘diferentes’ não podem ser compreendidas à margem das
denuncias do movimento feminista e dos estudos de mulheres” (Seffner e Guerra,
2014). Outra crítica pertinente é a de que a mídia, ao representar as “diversas” formas
de masculinidade, por vezes, ou na maioria das vezes, deixa de lado gays e transexuais.
E essa falta de representação e legitimação desses tipos de masculinidade não contribui
para que as relações de poder entre as masculinidades possam ser equilibradas e
repensadas.
Como dito no decorrer do presente ensaio, cada vez mais faz-se necessário
estudar, criticar e analisar as masculinidades visto que os grandes problemas
(feminicídio, homofobia, violência pública e doméstica) são decorrentes de construções
sociais que incentivam a toxicidade dos homens. A mídia pode ser uma ferramenta de
grande ajuda para a mudança necessária, mas deve se atentar para questões mais
minuciosas que só um estudo comprometido sobre as relações de gênero ajudará no
entendimento.
Referências
Zanello, Valeska. (2018). Saúde Mental, gênero e dispositivos: Cultura e
processos de subjetivação. Curitiba: Appris.
Seffner, Fernando, Guerra, Oscar Ulloa. (2014). Nem tão velhas, nem tão
alternativas, nem tão tradicionais, nem tão diversas, mas nem por isso menos
importantes: uma reflexão sobre a produção de "novas masculinidades" na
contemporaneidade. Porto Alegre: EdiPUCRS.
RIBEIRO, Cláudia Regina ; SIQUEIRA, Vera Helena Ferraz. O novo homem na
mídia: O novo homem na mídia: O novo homem na mídia: ressignificações por homens
ressignificações por homens docentes docentes. Estudos Feministas, Florianópolis,
Janeiro-Abril 2007. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ref/v15n1/a13v15n1.
Acesso em: 14 jun. 2019.

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