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QUEM ROUBOU O FEMINISMO?

COMO AS MULHERES TRAÍRAM AS MULHERES

CHRISTINA HOFF SOMMERS


NOTA DO TRADUTOR

Quem roubou o feminismo, de Christina Hoff Sommers, é um livro funda-


mental para quem quer entender o processo de degene-
ração moral e intelectual do feminismo, ou seja, de como
um movimento que dizia lutar pela igualdade entre ho-
mens e mulheres se tornou numa máquina de produzir
ódio contra homens e manipular pesquisas sobre todo
tipo de assunto, incluindo estupro, violência doméstica,
diferença salarial etc.
Antes, durante ou depois da leitura, não deixe de assistir no youtube aos
vários vídeos legendados de Hoff Sommers. Neles ela aborda vários temas
que são tratados aqui.
Espero que você faça uma boa leitura e tire proveito das informações aqui
disponibilizadas.
ORELHA DO LIVRO

A professora de filosofia Christina Sommers tem exposto um fato perturba-


dor: como um grupo de fanáticas, alegando falar por todas as mulheres,
estão promovendo uma nova agenda perigosa que ameaça nossos ideais
mais queridos e coloca as mulheres contra os homens em todas as esferas
da vida. Caso após caso, Sommers mostra como esses extremistas têm sus-
tentado seus argumentos com pesquisas altamente questionáveis, mas
bem financiadas, apresentando informações inflamadas e muitas vezes im-
precisas e sufocando qualquer possibilidade de escrutínio livre e aberto.
Trombeteadas como ortodoxia, as "descobertas" resultantes dessas pes-
quisas, de estupro a abuso doméstico, de preconceito econômico à suposta
crise na autoestima das meninas, perpetuam uma visão das mulheres como
vítimas do "patriarcado".
Além disso, esses argumentos e os supostos fatos sobre os quais eles estão
baseados têm tido enorme influência além da academia, onde eles abala-
ram as bases de nossas instituições educacionais, científicas e jurídicas e
fomentaram o ressentimento e a alienação em nossas vidas privadas. Ape-
sar de sua dominância atual, Sommers sustenta, essa espécie de feminismo
está em desacordo com as reais aspirações e valores da maioria das mulhe-
res americanas e mina a causa da verdadeira igualdade.
Quem roubou o feminismo? é uma chamada às armas que vai enraivecer ou
inspirar, mas não pode ser ignorado.
CONTRACAPA DO LIVRO

O feminismo americano é atualmente dominado por um grupo de mulheres


que procuram persuadir o público de que as mulheres americanas não são
as criaturas livres que pensamos que somos. As líderes e teóricas do movi-
mento de mulheres acreditam que a nossa sociedade é melhor descrita
como um patriarcado, uma "hegemonia masculina”, "um sistema sexo/gê-
nero", no qual o gênero dominante trabalha para manter as mulheres en-
colhidas e submissas. As feministas que mantêm essa visão divisiva de nossa
realidade social e política acreditam que estamos em uma guerra de gênero
e estão ansiosas para divulgar histórias de atrocidades que visam alertar as
mulheres para o seu sofrimento. As "feministas de gênero" (como vou
chamá-las) acreditam que todas as nossas instituições, do estado à família
e às escolas de ensino fundamental, perpetuam a dominação masculina.
Acreditando que as mulheres estão virtualmente sob cerco, as feministas
de gênero naturalmente procuram recrutas para travar seu lado da guerra
de gênero. Eles buscam apoio. Eles buscam vindicação. Eles procuram mu-
nição.
Fui levada a escrever este livro porque sou uma feminista que não gosta do
que o feminismo se tornou. O novo feminismo de gênero precisa desespe-
radamente de escrutínio. Somente avaliações diretas podem diminuir sua
desordenada e divisiva influência. Se outros se juntarem a uma crítica
franca e honesta, em pouco tempo um feminismo mais representativo e
menos doutrinário voltará a tomar as rédeas. Mas isso não acontecerá sem
luta.
CONTEÚDO

Prefácio 6
1. Mulheres sob cerco 16
2. Indignação, ressentimento e culpa coletiva 44
3. Transformando a Academia 54
4. As Novas Epistemologias 83
5. A Sala de Aula Feminista 99
6. Uma Burocracia Própria 137
7. O estudo da autoestima 161
8. O Relatório Wellesley: Um Gênero em Risco 185
9. Nobres Mentiras 223
10. Pesquisa sobre estupro 248
11. O Mito do Backlash 27o
12. As Vigilantes de Gênero 305
6

PREFÁCIO

Em Revolution from Within (A revolução de dentro), Gloria


Steinem informa a seus leitores que "somente neste
país...1 cerca de 150.000 mulheres morrem de anorexia a
cada ano." Isso é mais do que três vezes o número anual
de fatalidades de acidentes de carro para a população to-
tal. Steinem remete os leitores a outro best-seller femi-
nista, O Mito da Beleza, de Naomi Wolf. E no livro da Sra. Wolf mais uma
vez se encontra a estatística, juntamente com a indignação da autora.
"Como”, ela pergunta, "a América reagiria à autoimolação em massa pela
fome de seus filhos favoritos? Embora “nada justifique a comparação com
o Holocausto", ela não pode deixar de fazê-lo. "Quando confrontados com
um grande número de corpos emaciados famintos, não pela natureza, mas
pelos homens, é preciso notar certa semelhança."
Onde a Sra. Wolf conseguiu seus números? Sua fonte é
Fasting Girls: The Emergence of Anorexia Nervosa as a Mo-
dern Disease (Garotas em jejum: a emergência da anorexia
nervosa como uma doença moderna), de Joan Brumberg,
uma historiadora e ex-diretora de estudos sobre mulheres
na Universidade Cornell. Brumberg também está plena-
mente consciente do significado político da surpreendente estatística. Ela
aponta que as mulheres que estudam problemas alimentares "procuram
demonstrar que essas desordens são uma consequência inevitável de uma
sociedade misógina que rebaixa as mulheres... objetificando seus corpos".
A professora Brumberg, por sua vez, atribui os números à Associação Ame-
ricana de Anorexia e Bulimia.
Liguei para a Associação Americana de Anorexia e Bulimia e
falei com a Dr. Diane Mickley, sua presidente. "Fomos mal
citados", disse ela. Em um Boletim de 1985, a Associação se
referiu a 150.000 a 200.000 pacientes (não fatalidades) de
anorexia nervosa.

1 Essas reticências indicam supressão de texto. Preferi deixar assim mesmo a colocá-las entre parênte-
ses, como é mais usado no Brasil.
7

Qual é a taxa de morbidade correta? A maioria dos especialistas reluta em


dar números exatos. Uma médica me disse que dos 1.400 pacientes que ela
havia tratado em dez anos, quatro haviam morrido - todos por suicídio. O
Centro Nacional de Estatísticas da Saúde relatou 101 mortes por anorexia
nervosa em 1983 e 67 mortes em 1988. Thomas Dunn, da Divisão de Esta-
tísticas Vitais do Centro Nacional de Estatísticas da Saúde, relata que, em
1991, havia 54 mortes por anorexia nervosa e nenhuma por bulimia. As
mortes de essas jovens mulheres são uma tragédia, certamente, mas em
um país de um 100 milhões de mulheres adultas, esses números dificil-
mente evidenciam um "holocausto”.
Ainda agora, a falsa estatística apoiando a visão de que a
nossa "sociedade sexista" humilha as mulheres pela objeti-
ficação dos seus corpos é amplamente aceita como verda-
deira. Ann Landers repetiu isso em sua coluna publicada
em abril de 1992: "Todos os anos, 150.000 mulheres ame-
ricanas morrem de complicações associadas à anorexia e à
bulimia".
Eu enviei uma carta a Naomi Wolf apontando que a Dra.
Mickley havia dito que ela estava enganada. Wolf me en-
viou uma mensagem em 3 de fevereiro de 1993, infor-
mando que pretende revisar seus números sobre anorexia
em uma edição posterior de O Mito da Beleza. Ela vai real-
mente afirmar que o valor correto é inferior a 100 por ano?
Ela corrigirá as implicações que extraiu do relatório falso? Por exemplo, ela
revisará sua tese de que massas de mulheres jovens estão "famintas não
por natureza, mas por homens" e sua declaração de que "as mulheres de-
vem denunciar a anorexia como mal político perpetrado contra nós por
uma ordem social que considera nossa destruição insignificante... como os
judeus identificam os campos da morte"?
A Sra. Steinem avisará seus leitores sobre o notório erro estatístico? E a Sra.
Landers? Será que isso importa mesmo? Até agora, o número de 150.000
tem figurado em livros didáticos da faculdade. Um recente texto sobre es-
tudos femininos, apropriadamente intitulado The Knowledge Explosion (A
Explosão do Conhecimento), contém a estatística errônea em seu prefácio.
8

A "crise" da anorexia é apenas uma amostra do tipo de informações provo-


cativas mas imprecisas sendo fornecidas por mulheres sobre "questões fe-
mininas" nos dias de hoje. Em 4 de novembro de 1992, Deborah Louis, pre-
sidente da Associação Nacional de Estudos da Mulher, enviou uma mensa-
gem ao Boletim Eletrônico de Estudos Femininos: "Segundo o último rela-
tório de March of Dimes, a violência doméstica (contra mulheres grávidas)
é agora responsável por mais defeitos congênitos do que todas as outras
causas combinadas. Pessoalmente, isso me parece o mais repugnante dado
que vi em muito tempo". Esta era, de fato, uma notícia inquietante. Mas
parecia implausível. Eu perguntei ao meu vizinho, um neurologista pediá-
trico do Hospital Infantil de Boston, sobre o relatório. Ele me disse que, em-
bora a agressão grave possa ocasionalmente provocar aborto espontâneo,
ele nunca tinha ouvido falar de agressão como uma causa
significativa de defeitos congênitos. No entanto, em 23
de fevereiro de 1993, Patricia Ireland, presidente da Or-
ganização Nacional pelas Mulheres (NOW2), fez uma afir-
mação semelhante durante uma entrevista da PBS com
Charlie Rose: "A agressão contra mulheres grávidas é a
causa número um de defeitos congênitos neste país."
Liguei para a March of Dimes para obter uma cópia do relatório. Maureen
Corry, diretora do Programa de Educação e Promoção da Saúde da March,
negou ter qualquer conhecimento sobre isso. "Nós nunca vimos essa pes-
quisa antes", ela disse.
Eu fiz uma pesquisa e descobri que – estudo ou não estudo – jornalistas ao
redor do país estavam citando isso.
A violência doméstica é a principal causa de defeitos congênitos, mais do
que todas as outras causas médicas combinadas, de acordo com um estudo
da March of Dimes. (Boston Globe, 2 de setembro de 1991)
Especialmente grotesca é a brutalidade reservada às mulheres grávidas: a
March of Dimes concluiu que a violência contra as mulheres durante a gra-
videz provoca mais defeitos congênitos do que todas as doenças somadas
para as quais as crianças geralmente são imunizadas. (Revista Time, 18 de
janeiro de 1993)

2 Em Inglês, National Organization for Women.


9

A March of Dimes concluiu que a violência contra as mulheres durante a


gravidez provoca mais defeitos congênitos do que todas as doenças soma-
das para as quais as crianças geralmente são imunizadas. (Dallas Morning
News, 7 de fevereiro de 1993)
A March of Dimes diz que a agressão durante a gravidez causa mais defeitos
congênitos que todas as doenças para as quais as crianças são imunizadas.
(Arizona Republic, 21 de março de 1993)
A March of Dimes estima que a violência doméstica é a maior causa de de-
feitos congênitos. (Chicago Tribune, 18 de abril de 1993)
Liguei para a March of Dimes novamente. Andrea Ziltzer,
do departamento de relações com a mídia, me disse que o
boato estava fora de controle. Os gabinetes dos governa-
dores, os departamentos de saúde estatais e os políticos de
Washington inundaram o escritório com telefonemas. Até
o escritório do senador Edward Kennedy pedira uma cópia do "relatório". A
March of Dimes pediu à revista Time que publicasse uma retratação. Por
algum motivo, a Time estava parada.
Quando finalmente contatei Jeanne McDowell, que havia
escrito o artigo na Time, a primeira coisa que ela disse foi
"Isso foi um erro". Ela soou genuinamente arrependida e
envergonhada. Ela explicou que é sempre cuidadosa na ve-
rificação das fontes, mas que desta vez, por algum motivo,
ela não o fizera. A Time deveria ter publicado uma retrata-
ção na coluna de letras, mas, por causa de uma confusão, não conseguiu
fazê-lo. A Time chamou o departamento de relações com a mídia da March
of Dimes para se desculpar. Uma retratação oficial finalmente apareceu na
revista em 6 de dezembro de 1993, sob o título "Informações imprecisas”.
Eu perguntei a Sra. McDowell sobre sua fonte. Ela havia
confiado em informações dadas pelo Fundo de Prevenção
da Violência Familiar de San Francisco, que, por sua vez, ob-
teve-o de Sarah Buel, uma das fundadoras do projeto de
advocacia sobre violência doméstica da Escola de Direito
de Harvard, que agora lidera um projeto de abuso domés-
tico em Massachusetts. Buel a obteve de Caroline Whitehead, enfermeira
materna e especialista em cuidados infantis em Raleigh, Carolina do Norte.
10

Liguei para a Sra. Whitehead. "Isso me surpreende. Não é verdade", ela


disse. Toda a confusão começou, ela explicou, quando ela apresentou Sarah
Buel como palestrante em 1989 numa conferência para enfermeiros e as-
sistentes sociais. Ao apresentá-la, Whitehead mencionou que, de acordo
com algumas pesquisas da March of Dimes que ela havia visto, mais mulhe-
res são testadas para defeitos congênitos do que para violência doméstica.
"Em outras palavras, o que eu disse foi: 'Nós testamos para a violência do-
méstica muito menos do que nós testamos para defeitos congênitos.'" Whi-
tehead não disse nada sobre agressão causando defeitos congênitos. "Sa-
rah me entendeu mal", disse ela. Buel passou a colocar as informações er-
radas em um manuscrito não publicado, que começou então a ser circulado
entre profissionais que lidam com o problema da violência familiar. Eles não
viam razão para duvidar de sua autoridade e repetiam a afirmação para os
outros.
Liguei para Sarah Buel e lhe disse que parecia que ela tinha ouvido mal a
Srta. Whitehead. Ela ficou surpresa. "Oh, eu devo ter entendido mal. Eu vou
ter que ligar para ela. Ela é minha fonte." Ela me agradeceu por tê-la infor-
mado sobre o erro, apontando que estava prestes a repeti-lo mais uma vez
em um novo artigo que estava escrevendo.
Por que todo mundo era tão crédulo? Violência doméstica responsável por
mais defeitos congênitos do que todas as outras causas combinadas? Mais
do que distúrbios genéticos, como espinha bífida, síndrome de Down, Tay-
Sachs, anemia falciforme? Mais do que distúrbios cardíacos congênitos?
Mais do que álcool, crack ou AIDS – mais que todas essas coisas combina-
das? Onde estavam os verificadores de fatos, os editores, os jornalistas cé-
ticos?
Infelizmente, a estatística de anorexia e o “estudo” da March of Dimes são
típicos da qualidade da informação que estamos recebendo em muitas
questões sobre mulheres de pesquisadores feministas, defensores das mu-
lheres e jornalistas. Mais frequentemente do que não, um olhar mais atento
à evidência de apoio – os estudos e estatísticas sobre distúrbios alimenta-
res, violência doméstica, estupro, assédio sexual, preconceito contra meni-
nas na escola, diferenças salariais ou o fim da família nuclear – levantará
graves questões sobre credibilidade, sem falar em objetividade.
Quando se envolvem em exagero, simplificação e ofuscação, as pesquisa-
doras feministas podem não ser diferentes de outros defensores de grupos
11

como a Associação Nacional do Rifle (NRA) ou a indústria do tabaco. Mas


quando a NRA faz um "estudo que mostra..." ou a indústria do tabaco en-
contra "dados que sugerem...", os jornalistas estão em guarda. Eles checam
fontes e buscam opiniões divergentes.
Em janeiro de 1993, jornais e redes de televisão relataram um achado alar-
mante: a incidência de agressões domésticas tendeu a aumentar em 40%
no domingo do Super Bowl. A NBC, que estava transmitindo o jogo naquele
ano, fez apelos especiais aos homens para que ficassem calmos. Feministas
pediram preparativos de emergência em antecipação ao esperado au-
mento da violência em 31 de janeiro. Eles também usaram a ocasião para
transmitir a mensagem de que masculinidade e violência contra as mulhe-
res são sinônimos. Nancy Isaac, pesquisadora da Escola de Saúde Pública de
Harvard e especialista em violência doméstica, disse ao Boston Globe: "É
um dia para os homens deleitarem-se com sua masculinidade e, infeliz-
mente, para muitos homens, isso inclui ser violento em relação às mulhe-
res, se eles quiserem ser."
Jornalistas de todo o país aceitaram o resultado de 40% e
relataram devidamente as notícias sombrias. A única exce-
ção foi Ken Ringle, um repórter do Washington Post, que
decidiu verificar as fontes. Como veremos mais adiante
neste livro, ele rapidamente descobriu que a história não
tinha base em fatos. Acontece que o domingo do Super
Bowl não é de forma alguma diferente de outros dias na
quantidade de violência doméstica. Apesar de Ringle desmentir o rumor,
este fez o seu trabalho: os milhões de mulheres americanas que ouviram
falar sobre isso estão completamente inconscientes de que isso não é ver-
dade. O que elas "sabem" é que os homens americanos, especialmente os
fãs de esportes entre eles, são uma espécie perigosa e violenta.
À pergunta "Por que todos são tão crédulos?" devemos adicionar outra:
"Por que certas feministas estão tão ansiosas em colocar os homens sob
uma luz negativa?" Eu tentarei responder a ambas as perguntas e mostrar
como as implicações afetam a todos nós.
O feminismo americano é atualmente dominado por um grupo de mulheres
que procuram persuadir o público de que as mulheres americanas não são
as criaturas livres que pensamos que somos. As líderes e teóricas do movi-
mento de mulheres acreditam que a nossa sociedade é melhor descrita
12

como um patriarcado, uma "hegemonia masculina”, "um sistema sexo/gê-


nero", no qual o gênero dominante trabalha para manter as mulheres en-
colhidas e submissas. As feministas que mantêm essa visão divisiva de nossa
realidade social e política acreditam que estamos em uma guerra de gênero
e estão ansiosas para divulgar histórias de atrocidades que visam alertar as
mulheres para o seu sofrimento. As "feministas de gênero" (como vou
chamá-las) acreditam que todas as nossas instituições, do estado à família
e às escolas de ensino fundamental, perpetuam a dominação masculina.
Acreditando que as mulheres estão virtualmente sob cerco, as feministas
de gênero naturalmente procuram recrutas para travar seu lado da guerra
de gênero. Eles buscam apoio. Eles buscam vindicação. Eles procuram mu-
nição.
Nem todos, incluindo muitas mulheres que se consideram feministas, estão
convencidos de que as mulheres americanas contemporâneas vivem em
um ambiente opressivo de "hegemonia masculina". Para confundir os céti-
cos e persuadir os indecisos, as feministas de gênero estão constantemente
à procura de evidências, de provas cabais, do fato revelador que vai mostrar
para o público o quão profundamente o sistema é manipulado contra as
mulheres. Para recrutar as mulheres para sua causa, não é suficiente nos
lembrar que muitos homens brutais e egoístas prejudicam as mulheres. Elas
devem nos persuadir de que o próprio sistema sanciona a brutalidade mas-
culina. Elas devem nos convencer de que a opressão das mulheres, susten-
tada de geração em geração, é uma característica estrutural de nossa soci-
edade.
Organizações de prestígio bem financiadas, assim como indivíduos, estão
engajadas neste empreendimento. Em 1992, por exemplo, a Associação
Americana das Mulheres Universitárias (AAWU3) e o Centro para Pesquisa
sobre Mulheres da Faculdade Wellesley anunciaram descobertas de que
nossas escolas sistematicamente favorecem os meninos e estão contribu-
indo para uma queda dramática na autoestima das meninas. Noutro es-
tudo, o Fundo da Comunidade, contando com as pesquisas feitas por Louis
Harris e associados, espalharam a notícia de que 37% das mulheres ameri-
canas são psicologicamente abusadas por seus maridos ou parceiros todos
os anos e que "40% das mulheres... sofrem de depressão grave em uma

3 No original, American Association of University Women.


13

determinada semana". Como veremos, esses relatos alarmantes têm tanto


fundamento quanto a farsa do Super Bowl.

***

Eu disse recentemente a uma amiga que eu estava encontrando muitos er-


ros e dados enganosos em estudos feministas. "É uma bagunça", eu disse.
"Você tem certeza que você quer escrever sobre isso? ", perguntou ela." A
extrema direita usará o que você encontrar para atacar todas as mulheres.
Isso prejudicará as mulheres que estão trabalhando em áreas problemáti-
cas como violência doméstica e discriminação salarial. Por que fazer qual-
quer coisa para pôr em perigo os nossos frágeis ganhos?" As perguntas da
minha amiga foram sóbrias, e quero ressaltar desde o início que não pre-
tendo confundir mulheres que trabalham nas trincheiras para ajudar as ví-
timas de verdadeiros abusos e discriminação com as feministas de gênero
cujas falsidades e exageros estão enlameando as águas do feminismo ame-
ricano. Essas ideólogas feministas não estão ajudando ninguém; pelo con-
trário, sua filosofia divisiva e ressentida aumenta as aflições de nossa soci-
edade e fere o feminismo legítimo. Não só as mulheres que sofrem abusos
reais não são ajudadas por inverdades, elas são de fato prejudicadas por
imprecisões e exageros.
Por exemplo, como observou a senhora Whitehead, mais mulheres são exa-
minadas para defeitos congênitos do que para violência doméstica. Ela es-
tava tocando em um problema terrivelmente importante. A violência do-
méstica ainda não é levada a sério como um problema médico. A maioria
dos hospitais tem procedimentos para evitar a alta de pacientes com alto
risco de sofrer uma recaída da condição para a qual estão sendo tratados.
No entanto, poucos hospitais têm procedimentos que colocariam as mulhe-
res propensas a sofrer mais abuso em contato com os serviços profissionais
que poderiam ajudá-las a evitá-lo, um problema real e chocante.
O boato de que a violência doméstica é a principal causa de defeitos con-
gênitos é talvez mais chocante, mas é falso. A March of Dimes desenvolveu
um excelente "protocolo de atendimento para a mulher agredida". Não te-
ria sido mais eficaz divulgar o problema sobre o qual a Sra. Whitehead havia
realmente falado e promover a solução da March of Dimes? É verdade que
14

as alegadas descobertas tiveram grande valor para a propaganda das femi-


nistas de gênero. Mas, sendo incorretas, elas não poderiam levar a nada
construtivo no sentido de aliviar o sofrimento real de mulheres.

***

As mulheres americanas têm uma dívida incalculável com as feministas li-


berais clássicas que vieram antes de nós e lutaram muito e duramente e,
finalmente, com sucesso espetacular, para ganhar para as mulheres os di-
reitos que os homens deste país lhes negaram por mais de 200 anos. Expor
a hipocrisia das feministas de gênero não comprometerá essas conquistas.
As mulheres agredidas não precisam de inverdades para apresentar sua
opinião a um público justo que odeia e despreza os valentões; há verdade
trágica suficiente por aí.
Com isso em mente, avaliarei aqui as visões de feministas como Gloria Stei-
nem, Patricia Ireland, Susan Faludi, Marilyn French, Naomi Wolf e Catharine
MacKinnon, e as descobertas que elas divulgam. Vou dar uma olhada nas
instituições feministas que agora controlam grandes áreas de informação
sobre as mulheres. Tomarei nota dos jornalistas excessivamente confiantes
e dos muitos políticos que estão ansiosos para mostrar que "entendem".
Acima de tudo, examinarei a filosofia, as crenças e as paixões das teóricas
e pesquisadores feministas – aquelas que fazem os "estudos que mos-
tram..." e que proporcionam ao movimento sua liderança intelectual. Essas
mulheres articuladas, enérgicas e determinadas estão treinando uma gera-
ção de jovens ativistas. Tudo indica que a nova safra de jovens ideólogas
feministas que saem das faculdades do nosso país está ainda mais zangada,
mais ressentida e mais indiferente à verdade do que suas mentoras.
A grande maioria das mulheres, incluindo a maioria das universitárias, está
se distanciando dessa raiva e ressentimento. Infelizmente, elas associam
essas atitudes ao feminismo, e assim concluem que não são realmente fe-
ministas. De acordo com uma pesquisa da Time/CNN de 1992, embora 57%
das mulheres respondessem que acreditavam na necessidade de um movi-
mento forte de mulheres, 63% disseram que não se consideram feministas.
Outra pesquisa, conduzida por RH Brushkin, relatou que apenas 16% das
universitárias "definitivamente" se consideram feministas.
15

Com efeito, as feministas de gênero não possuem um público de base. Elas


culpam uma mídia "backlash4" para a deserção da maioria das mulheres.
Mas o que aconteceu é bastante claro: as feministas de gênero usurparam
o "feminismo" de uma corrente tradicional que nunca havia reconhecido
sua liderança.
As mulheres que atualmente equipam as muralhas feministas não toleram
muito bem as críticas. Como elas poderiam? Como elas veem, elas estão
lidando com uma enorme epidemia de atrocidade masculina e uma massa
de mulheres ignorantes que ainda têm que compreender a seriedade de
seus dilemas. Assim, os críticos masculinos devem ser "sexistas" e "reacio-
nários", e críticos do sexo feminino "traidores", "colaboradores" ou "bac-
klashers". Este tipo de reação teve um poderoso efeito inibitório. Alienou e
silenciou mulheres e homens.
Fui levada a escrever este livro porque sou uma feminista que não gosta do
que o feminismo se tornou. O novo feminismo de gênero precisa desespe-
radamente de escrutínio. Somente avaliações diretas podem diminuir sua
desordenada e divisiva influência. Se outros se juntarem a uma crítica
franca e honesta, em pouco tempo um feminismo mais representativo e
menos doutrinário voltará a tomar as rédeas. Mas isso não acontecerá sem
luta.

4 Alguns dos significados dados pelo dicionário virtual Linguee para backlash são reação, retrocesso,
recuo, retaliação, golpe. Em vista do nosso tema, significaria uma suposta reação dos homens ao
avanço das mulheres. Na maior parte das vezes, optei por não traduzir o termo, uma vez que a tradu-
ção brasileira do livro da Susan Faludi – Backlash, o contra-ataque na guerra não declarada contra a
mulher – conservou o termo original.
16

CAPÍTULO 1
MULHERES SOB CERCO

O Novo Feminismo enfatiza a importância do


"ponto de vista das mulheres", o Velho Femi-
nismo acreditava na importância primordial
do ser humano. WINIFRED HOLTBY, 1926.

Um número surpreendente de feministas inteligentes e poderosas compar-


tilha a convicção de que as mulheres americanas ainda vivem em um patri-
arcado onde os homens coletivamente mantêm as mulheres em situação
inferior. É costume que essas feministas se reúnam para trocar histórias e
falar sobre os "problemas de raiva" que as acometem.
Uma dessas conferências - "Fora da Academia e Dentro do
mundo com Carolyn Heilbrun – aconteceu no Centro de
Pós-Graduação da Universidade de Nova York em outubro
de 1992. As sessões da manhã foram dedicadas a honrar a
erudita feminista e escritora de mistérios Carolyn Heilbrun
por ocasião de sua aposentadoria voluntária da Universi-
dade de Columbia depois de 32 de atividade. Eu tinha acabado de ler A
guerra contra as mulheres, de Marilyn French, que Heilbrun elogia na capa
como um livro que "define o estado das mulheres neste mundo - e é um
estado de sítio".
Mulheres inteligentes que sinceramente acreditam que as mulheres ameri-
canas estão em uma guerra de gênero me intrigam, então um dia com a
Sra. Heilbrun e suas admiradoras prometia ser gratificante. Cheguei cedo,
junto com uma multidão de mais de 50 mulheres. Tive a sorte de conseguir
um lugar.
Embora ela tenha mantido por muito tempo uma cadeira de prestígio no
Departamento de Inglês de Columbia, Heilbrun deixou claro que ela se sen-
tia sitiada lá. Mas ela havia sobrevivido. "Na vida, como na ficção", disse ela
ao New York Times, "mulheres que falam geralmente acabam sendo puni-
das ou mortas. Tenho sorte de fugir com a minha pensão e um ano de li-
cença." Há 32 anos, não havia professoras efetivas no Departamento de In-
glês da Columbia. Agora, 8 dos seus 32 professores titulares são mulheres
17

e a maioria dos seus professores juniores são mulheres. Segundo a Times,


tais fatos não impressionam Heilbrun. "Mulher não significa feminista", ela
retrucou.
Como se para sublinhar que a Columbia tinha a intenção de menosprezá-la,
a professora Heilbrun acusou os membros masculinos e femininos do De-
partamento de Inglês da Columbia de deliberadamente agendar sua própria
conferência feminista no mesmo dia da conferência em homenagem a ela.
A Chronicle of Higher Education (Crônica do Ensino Superior) mais tarde re-
latou que Heilbrun estava enganada: a conferência rival "Mulheres na vi-
rada do século: 1890-1910" havia sida planejada muitos meses antes.
O tema de "cerco" de Heilbrun deu o tom para o resto da conferência. Como
a Crônica destacou, "Se alguém tão proeminente quanto a Sra. Heilbrun se
sente tão ‘isolada e sem poder’... onde isso deixa as outras feministas?" Um
admirador de Heilbrun, a professora Pauline Bart, da Universidade de Illi-
nois, falou sobre Heilbrun e ela mesma como vítimas de uma perseguição
em massa: "Carolyn [Heilbrun] e pessoas como nós sobreviverão, do lado
de fora se necessário. Um dos meus alunos, um refugiado chileno, e sua
esposa acabaram de ter um bebê. Eles o chamaram Paolo porque seu pai
lutou e foi torturado sob Pinochet, e ele me vê seguindo nessa tradição”.
Durante todo o dia, as oradoras recitaram histórias de in-
dignação e advertiram sobre o iminente backlash mascu-
lino. Sarah Ruddick, uma feminista da Nova Escola para
Pesquisa Social, conhecida por "valorizar" as mulheres
como gentis nutridoras da nossa espécie, prestou home-
nagem à "raiva politizada" de Heilbrun: "Nossa raiva,
como Carolyn coloca tão bem, leva o patriarcado ao desgosto." A historia-
dora Blanche Wiesen Cook (que acabara de lançar um livro em que afirmava
que Eleanor Roosevelt era realmente lésbica) falou sobre a participação vi-
tal que as mulheres tinham na iminente eleição presidencial de 1992: "É
uma encruzilhada que levará a um Quarto Reich ou uma oportunidade
real".
Jane Marcus, da Universidade de Nova York, ligou à tarde para pedir uma
"Sessão de Raiva", apresentando-se como uma "especialista em raiva" e
agradecendo a Heilbrun por ensiná-la a "usar minha raiva em meus escri-
tos". Ela apresentou as outras membras do painel como enfurecidas de uma
18

forma ou de outra: Alice Jardine, do Departamento de Fran-


cês da Universidade de Harvard, estava "zangada e lutando".
Brenda Silver, de Dartmouth, estava "lutando e com raiva
desde 1972". Catharine Stimpson, ex-reitora da Rutgers e re-
centemente selecionada para chefiar o renomado MacAr-
thur Fellows Program, foi apresentada como "uma intelec-
tual enfurecida e engajada".
Gloria Steinem pegou o microfone e explicou por que ela estava enfurecida:
"Eu fiquei ainda mais irritada... a alternativa é a depressão." Para lidar com
as escolas patriarcais, ela recomendou um sistema alternativo de educação,
"um sistema de barganha em que uma parteira poderia trocar seus serviços
em troca da história latino-americana." Steinem acredita que as coisas es-
tão tão ruins para as mulheres americanas contemporâneas que devería-
mos considerar a criação de centros para treinamento de organizadores po-
líticos.
Para alguém como eu, que não acredita que as mulheres americanas estão
em estado de sítio (e assim falta a base para o tipo de raiva que impulsiona
a depressão), a conferência foi deprimente. Ficou claro que estas mulheres
favorecidas sinceramente se sentiram lesadas. Ficou igualmente claro para
mim que os espíritos amargos que estavam disseminando ao público ame-
ricano eram prejudiciais e divisivos.
Para quem essas mulheres "engajadas e enfurecidas" na conferência fala-
vam? Quem são as suas ouvintes? Pode-se dizer que, como acadêmicas e
intelectuais, elas não falaram para ninguém além de si mesmas. Mas isso
seria confundir sua missão. Elas se veem como a segunda onda do movi-
mento feminista, como a vanguarda moral lutando uma guerra para salvar
as mulheres. Mas as mulheres americanas precisam ser salvas por alguém?
As mulheres na conferência Heilbrun são as novas feministas: articuladas,
propensas à autodramatização e cronicamente ofendidas. Muitas das mu-
lheres do painel "Raiva" eram professoras titulares de universidades de
prestígio. Todas tiveram educações boas e caras. No entanto, ouvindo-as
ninguém poderia imaginar que elas vivem em um país cujas mulheres são
legalmente tão livres quanto os homens e cujas instituições de ensino su-
perior agora têm mais estudantes do sexo feminino do que do sexo mascu-
lino.
19

Era inevitável que essas mulheres decididas e enérgicas encontrariam o ca-


minho para posições de liderança. É lamentável para o feminismo ameri-
cano que a sua ideologia e atitude estão desviando o movimento das mu-
lheres de seus verdadeiros propósitos.
A presunção de que os homens estão engajados coletivamente em manter
as mulheres em posição inferior é um convite feminista para que as mulhe-
res se unam numa comunidade ressentida. Quando uma Heilbrun ou uma
Steinem nos informa que os homens não estão prestes a renunciar a sua
hegemonia, a moral implícita é que as mulheres devem formar enclaves de
autoproteção. Em tais enclaves, as mulheres podem falar com segurança e
ajudar umas às outras a se recuperar das indignidades que sofrem sob o
patriarcado. Em tais enclaves, elas podem pensar em como mudar ou for-
necer alternativas para as instituições "androcêntricas" que sempre preva-
leceram na educação e no local de trabalho. A mensagem é que as mulheres
devem ser "ginocêntricas", que elas devem se unir e ser leais apenas às mu-
lheres.
O feminismo humanista tradicional classicamente liberal, que foi iniciado
mais de 150 anos atrás, era muito diferente. Tinha uma agenda específica,
exigindo para as mulheres os mesmos direitos perante a lei que os homens
desfrutavam. O sufrágio tinha que ser conquistado e as leis relativas a pro-
priedade, casamento, divórcio e custódia dos filhos tinham que ser equita-
tivas. Mais recentemente, os direitos de aborto tinham que ser protegidos.
O velho feminismo tradicional concentrou-se em reformas legais. Ao buscar
fins específicos e realizáveis, não promoveu uma postura ginocêntrica; a
autossegregação das mulheres não fazia parte de uma agenda que buscava
igualdade e igualdade de acesso para as mulheres.
A maioria das mulheres americanas se filiou filosoficamente àquela espécie
mais velha de "primeira onda" do feminismo, cujo principal objetivo era a
equidade, especialmente na política e educação. Uma feminista da "Pri-
meira Onda", "tradicional", ou partidária da "equidade",
quer para as mulheres o que quer para todos: tratamento
justo, sem discriminação. "Não pedimos leis melhores do
que aquelas que vocês fizeram para si mesmos. Não pre-
cisamos de nenhuma outra proteção além daquelas que
suas leis atuais lhes asseguram", disse Elizabeth Cady
Stanton, talvez a mais hábil expoente do feminismo da
20

equidade, dirigindo-se à Legislatura do Estado de Nova York em 1854. A


agenda da igualdade pode ainda não ter sido totalmente alcançada, mas,
por qualquer medida razoável, o feminismo da equidade se tornou uma
grande história de sucesso nos EUA.
Heilbrun, Steinem e outras notáveis feministas atuais surfam nessa Primeira
Onda por sua popularidade e sua autoridade moral, mas a maioria delas
aderem a uma nova e mais radical doutrina da "segunda onda": que as mu-
lheres, mesmo as modernas mulheres americanas, são escravizadas por
"um sistema de dominação masculina" diferentemente referido como "he-
teropatriarcado" ou o “sistema sexo/gênero”. De acordo com uma teórica
feminista, o sistema sexo/gênero é "aquele complexo processo pelo qual
bebês bissexuais são transformados em personalidades masculinas e femi-
ninas de gênero, uma destinada a comandar, a outra a obedecer". O femi-
nismo de sexo/gênero ("feminismo de gênero" para encurtar) é a ideologia
predominante entre as filósofas feministas contemporâneas e líderes. Mas
falta um público de base para ele.
As novas feministas reivindicam continuidade com femi-
nistas do século XVIII como Mary Wollstonecraft ou fe-
ministas posteriores como as irmãs Grimké, Elizabeth
Cady Stanton, Susan B. Anthony e Harriet Taylor. Mas
aquelas gigantes do movimento das mulheres funda-
mentaram suas demandas feministas nos princípios ilu-
ministas da justiça individual. Em contraste, as novas fe-
ministas têm pouca fé nos princípios do Iluminismo que influenciaram os
fundadores da ordem política dos Estados Unidos e que inspiraram as gran-
des feministas clássicas a travar sua luta pelos direitos das mulheres.
A ideia de que as mulheres estão em uma guerra de gênero se originou em
meados dos anos 60, quando o clima antiguerra e antigovernamental revi-
vificou e redirecionou o movimento das mulheres para
longe de sua filosofia liberal do Iluminismo em direção a
uma filosofia mais radical, antiestablishment. As batalhas
decisivas da revolução sexual tinham sido ganhas, e os es-
tudantes aqui e ali no continente estavam lendo Herbert
Marcuse, Karl Marx, Franz Fanon e Jean-Paul Sartre e
21

aprendendo a criticar sua cultura e instituições de inebriantes novas manei-


ras. Eles começaram a ver a universidade, os militares e o governo como
meras partes diferentes de um status quo defeituoso.
Betty Friedan e Germaine Greer continuariam a oferecer às mulheres uma
versão liberal da elevação da consciência cujo objetivo era despertá-las
para novas possibilidades de autorrealização individual. Mas, nos meados
dos anos 90, a fé nas soluções liberais para os problemas sociais tinha dimi-
nuído, e o antigo estilo de conscientização que encorajava as mulheres a
buscarem caminhos de autoconfiança rapidamente deu lugar a uma via que
estimulou as mulheres a fazer uma apreciação de sua situação subordinada
no patriarcado e no mundo e experimentar as alegrias e confortos da soli-
dariedade de grupo.
Tendo "transcendido" o liberalismo de Friedan e o feroz
individualismo de Greer, as feministas começaram a tra-
balhar seriamente para conscientizar as mulheres da di-
mensão política de suas vidas. A Política Sexual, de Kate
Millett, foi fundamental para mover o feminismo nesta
nova direção. Ele ensinava às mulheres que a política era
essencialmente sexual e que até as chamadas democra-
cias eram hegemonias masculinas: "Por mais atenuada que seja sua apa-
rência atual, o domínio sexual obtém, no entanto, talvez a mais difundida
ideologia de nossa cultura e fornece seu conceito mais fundamental de po-
der."
As novas feministas começaram a direcionar suas energias para recrutar
mulheres para participar na luta comum contra o patriarcado, para ver a
sociedade através do prisma sexo/gênero. Quando a consciência feminista
de uma mulher é assim "elevada", ela aprende a identificar seu eu pessoal
com seu gênero. Ela vê suas relações com os homens em termos políticos
("o pessoal é o político"). Esse "insight" da natureza das relações entre ho-
mens e mulheres tornou as feministas de gênero impacientes com soluções
reformistas liberais fragmentadas e levou-as a lutar por uma transformação
mais radical da nossa sociedade do que as feministas anteriores haviam
imaginado.
Agora é lugar-comum para as filósofas feministas rejeitarem os ideais ilu-
ministas do antigo feminismo. De acordo com a teórica feminista da Uni-
versidade do Colorado, Alison Jaggar, "as feministas radicais e socialistas
22

mostraram que os velhos ideais de liberdade, igualdade e


democracia são insuficientes". Iris Young, da Universidade
de Pittsburgh, ecoa a desilusão feminista contemporânea
com o feminismo classicamente liberal de antigamente,
afirmando que "depois de dois séculos de fé... o ideal de
igualdade e fraternidade" não prevalece mais:
A maioria das feministas dos séculos XIX e XX, incluindo feministas da se-
gunda onda inicial, foram feministas humanistas. Nos últimos anos, um re-
lato diferente da opressão das mulheres ganhou influência, no entanto,
crescendo a partir de uma crítica ao feminismo humanista. O feminismo gi-
nocêntrico define a opressão das mulheres como a desvalorização e repres-
são da experiência das mulheres por uma cultura masculinista que exalta a
violência e o individualismo.
Andrea Nye, filósofa da Universidade de Wisconsin, reconhece que a
agenda liberal teve sucesso em conquistar liberdades legais para as mulhe-
res, mas insiste que isso significa muito pouco, porque "a mulher emanci-
pada libertada poderia reclamar que a sociedade democrática só a devol-
veu a uma subordinação mais profunda".
A perda da fé em soluções classicamente liberais, juntamente com a con-
vicção de que as mulheres permanecem sitiadas e sujeitas a um implacável
e cruel backlash masculino, transformou o movimento por dentro. Ouvimos
muito pouco hoje sobre como as mulheres podem se juntar aos homens em
igualdade de condições para contribuir para uma cultura humana universal.
Em vez disso, a ideologia feminista tomou um rumo divisivo, ginocêntrico,
e a ênfase agora é sobre as mulheres como uma classe política cujos inte-
resses estão em desacordo com os interesses dos homens. As mulheres de-
vem ser leais às mulheres, unidas em hostilidade de princípios a machos
que procuram se apegar aos seus privilégios e poderes patriarcais.
Esse choque do "velho" e do "novo" feminismo não é novi-
dade. Aqui está a feminista e romancista britânica Winifred
Holtby, escrevendo em 1926: "O Novo Feminismo enfatiza a
importância do "ponto de vista das mulheres", o Velho Fe-
minismo acredita na importância primordial do ser hu-
mano... Pessoalmente eu sou... uma velha feminista." O ve-
lho feminismo teve muitas expoentes, de Elizabeth Cady Stanton e Susan B.
Anthony em meados do século XIX a Betty Friedan e Germaine Greer em
23

nossos dias. Ele exigia que as mulheres pudessem viver livremente como os
homens. Para a maioria dos americanos, isso era uma exigência justa. O ve-
lho feminismo não foi nem derrotista nem divisor de gênero, e é ainda hoje
filosofia da feminista “tradicional”.
As Novas Feministas, muitas delas privilegiadas, todas legalmente protegi-
das e livres, estão preocupadas com seu próprio sentimento de mágoa e
seus próprios sentimentos de embaraço e "cerco". Quando elas falam de
sua situação pessoal, eles usam palavras apropriadas para a situação trágica
de muitas mulheres americanas do passado e de milhões de contemporâ-
neas, mulheres verdadeiramente oprimidas em outros países. Mas sua re-
tórica ressentida desacredita o movimento das mulheres americanas hoje
e seriamente distorce suas prioridades.

***

De fato, uma das principais características do Novo Femi-


nismo é o seu grau de autopreocupação. Feministas
como Elizabeth Stanton e Susan B. Anthony estavam
conscientes de si mesmas como mulheres privilegiadas,
de classe média e protegidas. Elas entenderam como se-
ria inapropriado equiparar suas lutas às de mulheres me-
nos afortunadas, e nunca lhes ocorreu expor suas queixas pessoais perante
o público.
Durante as audiências de Clarence Thomas –
Anita Hill5, Catharine MacKinnon, a influente
teórica feminista e professora de direito na
Universidade de Michigan, aproveitou a
oportunidade para um "ensino nacional” so-
bre perspectivas feministas. Chamando o
tratamento dado pelo Senado à senhora Hill de "um enforcamento pú-
blico", ela foi rápida em promovê-lo como um exemplo de como as mulhe-

5 Clarence Thomas é um juiz da Suprema Corte Americana. De acordo com a Wikipédia, foi o segundo
negro a ocupar esse posto. Antes de ser empossado, no entanto, Thomas enfrentou uma acusação de
assédio sexual feita por Anita Hill, uma procuradora que tinha trabalhado para ele no Departamento
de Educação.
24

res sofrem quando outras mulheres são maltratadas. Ela foi igualmente afe-
tada pela provação de Patricia Bowman no julgamento de William Kennedy
Smith6:
Assistir ao segundo enforcamento público de uma mulher que acusou um
homem poderoso de violação sexual reflete a maneira pela qual a agressão
sexual nos Estados Unidos hoje se assemelha ao linchamento em tempos
não muito antigos. A mulher é linchada e estuprada como membra de um
grupo socialmente subordinado. Cada ato é um ato de tortura, um ritual
humilhante de violência sexual em que as vítimas são frequentemente mor-
tas. Quando isso acontece, a população-alvo se encolhe, se retira, se identi-
fica e se desidentifica no terror.
Que as provações de Hill e Bowman eram comparáveis a linchamentos é
discutível. Embora o efeito terrível que elas tiveram na Sra. MacKinnon e
outras novas feministas não possa ser discutido, o alegado efeito ramifi-
cado sobre todas as mulheres, a chamada "população-alvo", é questioná-
vel. De fato, não há evidências de que a maioria das mulheres, incluindo
aquelas que acreditavam que a verdade estava mais com Ms. Hill ou Sra.
Bowman, sentia-se aterrorizada ou sob "alvo"; ou que elas "se encolheram"
ou pensaram em si mesmas como membras de um "grupo socialmente su-
bordinado".
Alice Jardine ("zangada e lutando" na conferência de Heilbrun) disse à Har-
vard Crimson como ela reagiu ao relatório de que um misógino enfurecido
tinha acabado de atirar e matar 14 estudantes mulheres na Universidade
de Montreal: "O que eu vi no incidente em Montreal foi a atuação do que

6 Segundo a Wikipédia: William Kennedy Smith é um médico americano cujo trabalho se con-
centra em minas terrestres e na reabilitação de vítimas de minas terrestres. Ele é membro
da proeminente família Kennedy e é famoso por um julgamento bem divulgado em 1991, no
qual foi absolvido. (...) Em 1991, Smith foi julgado e absolvido por uma acusação de estupro,
representada pelo advogado de defesa criminal Roy Black, em Miami, em um julgamento que
atraiu ampla cobertura da mídia. (...) O incidente começou na noite da Sexta-Feira Santa, 29
de março de 1991, quando Smith, então com 30 anos, estava em um bar (Au Bar) em Palm
Beach, Flórida, com seu tio, o senador Ted Kennedy e seu primo Patrick. J. Kennedy. Smith
conheceu Patrícia Bowman, uma mulher de 29 anos e outra jovem no bar. Os cinco então
foram para uma casa próxima de propriedade da família Kennedy. Smith e a Bowman de 29
anos caminharam pela praia. Bowman alegou que Smith a estuprou; Smith declarou que eles
tiveram sexo consensual. Embora três mulheres estivessem dispostas a testemunhar que
Smith as havia agredido sexualmente em incidentes na década de 1980 que não foram de-
nunciados à polícia, seu testemunho foi excluído. Smith foi absolvido de todas as acusações.
25

eu experimento discursivamente todos os dias da minha vida e particular-


mente nesta instituição." A afirmação de Jardine estabelece um padrão de
empatia fraternal que muitos não podem esperar encontrar, mas sua sen-
sibilidade é paradigmática para o Novo Feminismo.
Livros populares que anunciam motivos de humilhação, subordinação e
backlash masculino reforçam a doutrina de uma sociedade bifurcada em
que as mulheres estão presas no sistema sexo/gênero. As feministas que
escrevem estes livros falam do sistema sexo/gênero como uma "lente" que
revela ao mundo um novo caminho, dando-lhes uma nova perspectiva so-
bre a sociedade e tornando-as autoridades sobre que fatos "ver", enfatizar
e deplorar.
Virginia Held, professora de filosofia na Universidade de
Nova York, relatou a convicção feminista de que as filósofas
feministas são as iniciadoras de uma revolução intelectual
comparável à de "Copernico, Darwin e Freud". De fato,
como aponta Held, "algumas feministas acham que a úl-
tima revolução será ainda mais profunda." De acordo com
Held, o sistema sexo/gênero é o insight responsável por essa revolução fe-
minista. A Sra. Held nos fala do impacto que a descoberta do sistema
sexo/gênero teve na teoria feminista: "Agora que o sistema sexo/gênero
tornou-se visível para nós, podemos vê-lo em todos os lugares".
De fato, a maioria das filósofas feministas são "feministas sexo/gênero", e
a maioria o "vê em todos os lugares". Held descreve o efeito "intelectual-
mente emocionante" da nova perspectiva. Confesso que às vezes invejo
Held e suas irmãs feministas de gênero pela excitação que experimentam
ao ver o mundo através das lentes da política sexual. Por outro lado, acre-
dito que a maneira como essas teorias feministas consideram a sociedade
americana é mais uma questão de temperamento do que uma questão de
percepção da realidade social. A crença de que as mulheres americanas es-
tão vivendo escravizadas pelos homens parece servir mais para algumas
mulheres do que para outras. Eu descobri que isso não serve para mim.
Qualquer pessoa que leia a literatura feminista contemporânea encontrará
um tipo de texto preocupado com a indignação pessoal. A professora
Kathryn Allen Rabuzzi da Universidade de Syracuse abre seu livro Mother-
self contando este incidente:
26

Andando por uma seção desprezível da Segunda Avenida em Nova York há


alguns anos, uma voz de repente se intrometeu em minha consciência: "Ei,
mamãe, troca de reposição?" As palavras me ultrajaram... Embora eu já ti-
vesse sido mãe por muitos anos, nunca até aquele momento eu havia me
visto como "mamãe" em um contexto externo tão impessoal. Na fala do ho-
mem, eu me vi novamente. "Eu" desapareci, como se de dentro para fora, e
"mamãe" tomou o meu lugar.
A Sra. Rabuzzi nos informa que o termo do mendigo causou nela um "des-
locamento chocante de si mesma". Da mesma forma, a teórica feminista
Sandra Lee Bartky da Universidade de Illinois conta:
É um bom dia de primavera, e com uma total falta de autoconsciência, eu
estou andando na rua. De repente... vaias e assobios enchem o ar. Estes
ruídos são claramente de intenção sexual e são dirigidos para mim; eles vêm
do outro lado da rua. Eu congelo. Como Sartre, eu diria que fui petrificada
pelo olhar do Outro. Meu rosto ruboriza e meus movimentos tornam-se rí-
gidos e autoconscientes. O corpo que apenas um momento antes eu habi-
tava com tanta facilidade agora inunda minha consciência. Eu fui transfor-
mada em um objeto... Felizmente inconsciente, seios saltando, olhos nos
pássaros nas árvores, eu poderia ter passado sem ter sido transformada em
pedra. Mas devo ser levado a saber que eu sou um "bom pedaço de bunda":
eu devo ser feita para ver a mim mesma como eles me veem. Existe um ele-
mento de compulsão nisto... ser-feita-para-ser-consciente da própria carne:
como ser feita para se desculpar, é humilhante... O que eu descrevo parece
menos a espontânea expressão de um erotismo saudável do que um ritual
de subjugação.
Marilyn French, autora de A guerra contra as mulheres, encontra-se vulne-
rável em museus:
Os artistas apropriam-se do corpo feminino como seu sujeito, sua posse...
assaltando a realidade feminina e a autonomia... Galerias de visita e mu-
seus (especialmente o Centro Pompidou em Paris) me sinto agredida pela
escultura abstrata do século XX que se assemelha a exageradas partes do
corpo feminino, principalmente seios.
27

Janet Radcliffe Richards apontou algumas semelhanças


significativas entre o feminismo moderno e a religião. Eu
acho que ela está certa, mas há uma diferença interes-
sante no testemunho público dos adeptos. Os devotos
tendem a confessar seus pecados. Em contraste, a ideó-
loga feminista testemunha implacavelmente como peca-
ram contra ela. Além disso, ela vê revelações de monstruosidade no mais
familiar e aparentemente inócuo dos fenômenos. Sua experiência do
mundo pode ser comparada com a do naturalista holandês Antonin Van
Leeuwenhoek quando ele olhou pela primeira vez uma gota de água através
do microscópio que ele havia inventado e viu lá uma selva predatória abun-
dante.
Isto, por exemplo, é o que a professora Susan McClary,
musicologista da Universidade de Minnesota, nos diz ao
ouvir a Nona Sinfonia de Beethoven: "O ponto de recapi-
tulação no primeiro movimento da Nona é um dos mo-
mentos mais terríveis da música, como a cadência cuida-
dosamente preparada é frustrada, represando a energia
que finalmente explode no afogamento, a fúria assassina de um estuprador
incapaz de atingir o êxtase". McClary também nos orienta a estar atentos a
temas de masturbação masculina na música de Richard Strauss e Gustav
Mahler.
A "guerra de gênero" requer um fluxo constante de histórias de horror mos-
trando às mulheres que a perfídia masculina e a humilhação feminina estão
por toda parte. As feministas de gênero que expõem esses males para nós
muitas vezes argumentam que o que parece inocente para a percepção
inexperiente é de fato degradante para as mulheres. Elas destacam a dor
que isso causa para as feministas que são suficientemente conscientes do
que realmente está acontecendo.
Dirigindo-se à turma de graduação da Faculdade Scripps de 1992, Naomi
Wolf contou sobre um incidente ocorrido no início dos trabalhos de forma-
tura quando se formou em Yale 8 anos antes. Dick Cavett, o orador, fez da
experiência uma "graduação do inferno". Cavett, ele mesmo um ex-aluno
de Yale, tinha aberto o seu discurso com uma anedota sobre seus dias de
graduação: "Quando eu era estudante de graduação ... as mulheres foram
para Vassar. Na Vassar eles tiraram fotografias de mulheres nuas na aula de
28

ginástica para verificar sua postura. Um ano, as fotos foram roubadas e co-
locadas à venda no distrito da luz vermelha de New Haven... As fotos não
encontraram compradores." Segundo a Sra. Wolf, o momento foi devasta-
dor. "Fomos silenciosas em nossos vestidos pretos, nossas borlas, nossos
novos sapatos. Nós não ousamos quebrar o silêncio... Naquela tarde, várias
centenas de homens foram confirmados no poder de uma instituição pode-
rosa. Mas muitas das mulheres sentiam a vergonha dos sem-poder: o silên-
cio sufocante, a cumplicidade, o desamparo”. Não importa que a sra. Wolf
se dirigisse a algumas das mulheres mais privilegiadas do país. O restante
de seu discurso foi dedicado a dar-lhes sugestões para o "kit de sobrevivên-
cia" que elas precisariam ter no mundo masculino hostil onde estavam
prestes a entrar.
É possível que as mulheres de Yale tenham sido tão atingidas pela piada de
mau gosto de Cavett? As mulheres do Colégio Scripps realmente precisaram
de um kit de sobrevivência? Se estas privilegiadas jovens mulheres são re-
almente tão frágeis, o que o kit de sobrevivência de Wolf pode fazer por
elas de qualquer maneira? (Parece que Cavett desconcertou Wolf ainda
mais do que ela percebeu. Em uma carta ao Times, Cavett apontou que,
embora Wolf o tenha chamado de "o orador" em seu início, ele não falou
no início, mas no Dia da Classe, "um evento separado, mais alegre."
A própria Wolf estava mostrando à turma de formatura do Scripps como
ela sobrevive, mas, embora seus métodos fossem diferentes, sua aborda-
gem geral era antiquada de fato. No início deste século, muitas famílias
ainda tinham sais aromáticos à mão no caso de mulheres "delicadas" reagi-
rem a exibições de vulgaridade masculina com desmaio. Hoje, as mulheres
delicadas têm uma nova maneira de demonstrar suas sensibilidades frágeis:
explicando para quem quiser ouvir como elas foram arruinadas e violadas
pela grosseria ofensiva de algum macho. Se nada de uma natureza revela-
dora recentemente aconteceu para nós, podemos dizer sobre como nos
sentimos ao ouvir o que aconteceu com os outros. Desmaiamos "discursi-
vamente" e publicamente diante das nossas humilhações nas mãos dos ho-
mens.

***
29

O Hyatt Regency em Austin, Texas, é um hotel agradável, mas nem todas as


500 participantes da conferência da Associação Nacional de Estudos Femi-
ninos (NWSA7) de 1992 ficaram satisfeitas com isso. Uma mulher, profes-
sora de estudos femininos de uma renomada faculdade do sul, queixou-se
para mim sobre os casamentos que acontecem lá durante todo o final de
semana. "Por que eles nos colocaram em um cenário onde esse tipo de
coisa está acontecendo?"
As participantes da conferência representaram uma seção transversal da
nova liderança feminista em todas as áreas do movimento de mulheres. Al-
gumas dirigem centros de mulheres urbanos. Outras trabalham nos escri-
tórios de políticos importantes. Muitas das mulheres que participaram da
conferência estão na academia de uma forma ou de outra, seja como pro-
fessoras ou como administradoras.
Ser prejudicada era um dos temas da conferência. A ora-
dora principal, Annette Kolodny, uma professa de litera-
tura feminista e ex-decana da faculdade de humanidades
da Universidade do Arizona, abriu a conferência com uma
breve história das "narrativas de dor" dentro da NWSA.
Ela relatou que, há dez anos, a organização "quase se des-
fez durante os protestos de nossas irmãs lésbicas cujas
muitas vozes nós fracassamos em ouvir adequadamente". Cinco anos atrás,
as irmãs da ala judaica haviam chorado por sua própria "sensação de invisi-
bilidade". Três anos depois, a ala das deficientes ameaçou sair, e no ano
seguinte as mulheres negras saíram. Um sectarismo pernicioso, Kolodny
confessou, persistiu na NWSA. "Nossas ladainhas de indignação... superou
nosso frágil consenso de compromisso compartilhado e o centro não
aguentaria mais".
Nas conferências anteriores, as mulheres oprimidas haviam acusado outras
mulheres de oprimi-las. As participantes reuniram-se em grupos definidos
por suas queixas e necessidades de cura: mulheres judias, lésbicas judias,
mulheres asiático-americanas, mulheres afro-americanas, mulheres idosas,
mulheres com deficiência, mulheres gordas, mulheres cuja sexualidade está
em transição. Nenhum dos grupos se mostrou estável. O grupo das gordas

7 Em inglês, National Women's Studies Association.


30

polarizou-se em facções gays e heterossexuais, e as mulheres judias desco-


briram que estavam profundamente divididas: algumas aceitavam ser ju-
dias; outras procuravam se recuperar disso. Neste ano, a preocupação se
estendeu a grupos de alérgicas "marginalizadas". As participantes recebe-
ram antecipadamente aviso para não trazer perfumes, roupas lavadas a
seco, sprays de cabelo ou outros produtos irritantes para a conferência por
preocupação com as irmãs alérgicas. A hiperconferência é agora a norma:
na primeira Convenção Nacional de Lésbicas em Atlanta, câmeras flash fo-
ram proibidas – com base no fato de que elas poderiam causar ataques epi-
lépticos.
Eleanor Smeal, ex-presidente da NOW, foi escalada para ser
a primeira palestrante do "painel de empoderamento" da
NWSA, mas seu avião havia ficado retido em Memphis. Para
passar o tempo, fomos apresentados a uma série de pales-
trantes que foram consideradas experientes na resolução
de conflitos. Uma mulher foi introduzida como membro da
nação mohawk que "facilita o treinamento antipreconceito". Uma outra,
uma ex-bailarina, foi descrita como uma ativista lésbica negra que estava
"fazendo um incrível e miraculoso trabalho em campi construindo coali-
zões". Uma terceira, que tinha formação como profissional de saúde holís-
tica, dirigiu workshops que "otimizavam criativamente a capacidade hu-
mana".
A moderadora nos disse que "essas mulheres concordaram em vir até nós
como uma equipe e trabalhar juntas para nos ajudar a descobrir como po-
demos começar a lidar com muito mais eficácia. . . em questões de inclusão,
capacitação, diversidade". Para manter nossos espíritos elevados, nos ensi-
naram uns versos, que nós obedientemente cantamos:

Nós viemos até aqui pela força,


Inclinando-se uma na outra.
Confiando nas palavras da outra.
Nós nunca falhamos uma com a outra ainda.
Cantando, oh, oh, oh. Não pode virar.
Nós viemos até aqui pela força.
31

Após vários minutos de canto e ainda sem Smeal, a palestrante Angela (a


ex-dançarina) pegou o microfone para contar sobre "experiências ai8". Uma
"experiência ai" é quando você experimenta o racismo, o sexismo, o clas-
sismo, a homofobia, o capacitismo, o preconceito de idade ou aparência.
Uma das maiores experiências ai de Angela veio depois que seu grupo de
apoio lésbico se dividiu em duas facções, preto e branco. A tensão então se
desenvolveu em seu grupo negro entre aqueles cujos amantes eram negros
e aqueles cujos amantes eram brancos. "Aqueles de nosso grupo que ti-
nham amantes brancos foram imediatamente alvos... Isso se transformou
em uma bagunça horrível... acabei deixando o grupo para me proteger."
Uma cansada Eleanor Smeal finalmente chegou e foi pressionada imediata-
mente a se colocar em serviço. Ela confidenciou que estava se sentindo de-
sencorajada pelo movimento feminista. "Precisamos de conceitos total-
mente novos... De muitas maneiras, não está funcionando... É tão desola-
dor. Nós estamos deixando... a próxima geração [em uma] bagunça." O mo-
mento mais animado de Smeal veio quando ela atacou "machos liberais dos
campi", dizendo "que eles nos separaram. Eles marginalizaram nossos pro-
gramas. Precisamos lutar contra a loucura".
Apesar do apelo às armas, a fala de Smeal foi desanimadora, e a modera-
dora agiu rapidamente para elevar nossos espíritos: "O que queremos fazer
agora é pensar por um minuto em sucesso... Pense no fato de que temos
sido bem-sucedidas em transformar o currículo." Era hora de outra música.

Somos irmãs em um círculo.


Somos irmãs em uma luta.
Irmãs uma e todas.
Nós somos cores do arco-íris
Irmãs uma e todas.

Acontece que eu tinha uma irmã de verdade (no desinteressante sentido


biológico) comigo na conferência. Louise e eu estávamos francamente ali-
viadas pelo canto ter sido interrompido por um coffee break. Creme estava
disponível, mas talvez não por muito tempo. A ala ecofeminista estava pres-
sionando para eliminar toda a carne, peixe, ovos e laticínios nos eventos da

8 No original, ouch experiences. Ouch é uma interjeição usada para exprimir dor. Eu traduzi como ai,
mas poderia ser o grito que você dá quando algo te machuca.
32

NWSA. Quando o intervalo terminou, Phyllis, a palestrante da nação mo-


hawk, apareceu com duas pequenas marionetes, um cachorro e um ursinho
de pelúcia, para nos informar: "Teddy e seu amigo dizem que é hora de vol-
tar para dentro". Louise, que é psicóloga, estava começando a achar a con-
ferência profissionalmente intrigante.
Phyllis, que nos disse que, além de sua ascendência mohawk, é francesa e
irlandesa com traços de Algonquin, pediu-nos que "tirássemos um mo-
mento para nos darmos um grande abraço. Deixe-me lembrar-nos que a
pessoa que estamos abraçando é a pessoa mais importante que temos em
nossa vida." Ela continuou:
Vamos fazer de novo! Todos e cada um de vocês é meu parente... estamos
interconectados. Somos interdependentes E nós temos respeito. Esses são
princípios. Então, o que eu preciso de você em um relacionamento amoroso
é que você me lembre que eu me afastei de meus princípios aqui e me ajudar
a voltar a eles. Mesmo se eu tiver que dizer "ai" e abraçar meus fantoches
– ou o que quer que eu tenha que fazer.
Para concluir a sessão do painel de empoderamento, uma "facilitadora fe-
minista" nos guiou em uma "experiência participativa". Ela nos disse para
nos voltarmos para a nossa vizinha e dizermos a ela o que mais gostamos
na NWSA.
Depois da sessão da manhã, Louise e eu visitamos a sala de exposições. Lá,
dezenas de cabines ofereciam livros de estudos femininos e parafernália
para mulheres. Os suprimentos de adoração de bruxaria e culto à deusa
estavam no corredor um. Os corredores adjacentes apresentavam bijute-
rias artesanais, artesanato em couro, ponchos e outros artigos de campo-
neses. Uma cabine oferecia vídeos do tipo “faça você mesma” sobre extra-
ções menstruais e abortos caseiros para aquelas que querem evitar o "pa-
triarcalismo". Embora fraca em termos de conhecimento, a conferência foi
marcada por workshops e exibições de filmes. Pensávamos em assistir a
apenas um dos dois filmes: Sex and the Sandinistas e We're Talking Vulva.
Uma filósofa feminista, Paula Rothenberg, me avistou e se aproximou. Ela
sabia que eu era uma cética. "Eu estou muito desconfortável por ter você
aqui. Eu vi você fazendo anotações. Estamos no meio do trabalho lidando
com os nossos problemas. Eu sinto como se você tivesse entrado no meio
33

da minha família disfuncional, e você está nos vendo no pior momento pos-
sível".
Mas a "família disfuncional" da professora Rothenberg teve muitos desses
momentos. “Ais” e terapia de massa são mais a norma do que a exceção.
No ano anterior, em uma reunião de diretores de programas de estudos
sobre mulheres, todos se uniram para formar um "círculo de cura". Eles
também assumiram a postura de árvores experimentando enraizamento e
tranquilidade. Testemunhos de vítimas e rituais de cura expulsaram a lei-
tura de trabalhos acadêmicos em conferências da NWSA.
Eu disse a Sra. Rothenberg que isso deveria ser uma conferência aberta e
que eu tinha todo o direito de participar. Mas eu me senti um pouco triste
por ela. Como filósofa, ela fora treinada para pensar analiticamente. Agora
ela se encontrava em uma "família disfuncional" cujas terapias modestas
ela própria devia achar tola. Ainda assim, ela tem seus consolos. Ela é dire-
tora do "Projeto de Nova Jersey: Integração da Bolsa de Estudos sobre Gê-
nero", um movimento de reforma educacional financiado pelo Estado para
tornar o currículo de Nova Jersey mais "centrado nas mulheres". Mais
tarde, naquele mesmo dia, ela estaria se gabando com seus colegas de tra-
balho sobre como o simpático reitor de educação em Nova Jersey, Edward
Goldberg, era favorável aos seus objetivos.
Rothenberg e as outras conferencistas de Austin têm o maior crescimento
na academia. Embora suas conferências possam ser desordenadas, elas são
politicamente astutas em seus campi. Elas têm forte influência em áreas-
chave, em departamentos de Inglês (especialmente cursos de redação para
calouros), departamentos de Francês e Espanhol, departamentos de Histó-
ria, faculdades de Direito e escolas de Teologia. Elas estão desproporcional-
mente representadas na reitoria de escritórios de alunos, na administração
de dormitórios, nos escritórios de assédio, nos escritórios de assuntos mul-
ticulturais, e em vários centros de aconselhamento. Elas estão silenciosa-
mente engajadas em centenas de projetos bem-financiados para transfor-
mar um currículo que consideram inaceitavelmente "androcêntrico". Essas
conscientizadoras estão expulsando os estudiosos de muitos campi. Sua au-
toridade moral vem de uma crença generalizada de que elas representam
as "mulheres." Na verdade, sua versão ginocêntrica do feminismo fica
muito aquém de ser representativa.
34

A conferência recebeu uma calorosa carta da governadora


Ann Richards nos dando boas-vindas ao grande estado do
Texas. A governadora chamou as feministas reunidas de "a
vanguarda da mais recente encarnação do movimento das
mulheres" e elogiou-as por seu papel crucial de liderança. A
audiência da NWSA começou a aplaudir estrondosamente
quando a carta foi lida em voz alta. É, no entanto, improvável que a gover-
nadora Richards tenha conhecimento das cabines de feitiçaria, dos vídeos
de extração menstrual, dos bonecos de ursinho de pelúcia ou exposições
paranoicas do "discurso falocêntrico" – sem falar da implacável hostilidade
a todo pensamento tido como "masculino".
Muitas fundações e agências governamentais estão envolvidas em tornar
financeiramente possível a um monte de mulheres ressentidas e raivosas a
tarefa de espalhar sua filosofia e influência divisivas. Se estivesse ao meu
alcance, aqueles que tomam a decisão de apoiá-las com generosas doações
seriam obrigados a ver as fitas das reuniões que eles financiam, e depois eu
pediria a eles para se abraçarem até soltar um "ai".

***

Para entender como o movimento das mulheres mudou, devemos olhar


para trás, para seus inícios. Em 14 de julho de 1848, a seguinte notícia apa-
receu no Correio do Município de Seneca: "Uma convenção para discutir a
condição social, civil e religiosa e os direitos das mulheres será realizada na
Capela Wesleyana, em Seneca Falls, N.Y., na quarta e
quinta-feira, nos dias 19 e 20 de julho; começando às 10 ho-
ras da manhã”. O anúncio não assinado havia sido elabo-
rado por quatro mulheres reunidas na casa de Richard Hunt,
um reformista rico que tinha se oferecido para ajudá-las a
organizar a convenção. Duas das mulheres, Lucretia Mott e
Elizabeth Cady Stanton, ficariam famosas. A mesa de chá em que eles es-
creveram o anúncio está agora em exposição no Smithsonian como uma
relíquia do momento em que as mulheres americanas começaram a luta
política para ganhar direitos elementares, como o direito de se divorciar
sem perder a propriedade e as crianças e o direito a serem educadas, cul-
minando no direito de votar e na obtenção de plena igualdade legal.
35

A imprensa imediatamente as chamou de "empregadas idosas e amargas",


"mulheres sem filhos" e "esposas divorciadas" e insinuava que seriam ine-
ficazes. Essas críticas sempre seriam feitas às feministas. Na verdade, as or-
ganizadoras da convenção de Seneca Falls eram mulheres excepcional-
mente bem-favorecidas, bem-ajustadas e moralmente avançadas - e esta-
vam fazendo história social e política. Quanto às velhas empregadas, isso
também era impreciso. Stanton, principal
organizadora e escriba do movimento, te-
ria oito filhos. Nem havia nada de azedo so-
bre eles. Referindo-se às mulheres que par-
ticiparam da convenção de Seneca Falls,
Elizabeth Cady Stanton e Susan B. An-
thony escreveram mais tarde que "elas não
tinham experiência de suportar as formas mais grosseiras de tirania resul-
tantes de leis injustas, ou associação com homens imorais e inescrupulosos,
mas elas tinham almas grandes o suficiente para sentir a dor alheia sem ter
a própria carne escarificada".
A pequena notícia trouxe mais de 300 mulheres para Seneca Falls. As orga-
nizadoras não estavam muito certas sobre como realizar todas juntas uma
convenção, então elas "resignaram-se a uma leitura fiel de várias produções
masculinas". Elas revisaram os procedimentos das convenções de tempe-
rança e abolicionistas para ver como elas haviam sido administradas e, com
a ajuda de vários homens compreensivos e experientes, seguiram em frente
com seu programa de fazer história.
A convenção votou pela adoção de uma "Declaração de Sentidos" escrita
por Elizabeth Cady Stanton, que adaptou as palavras da "Declaração de In-
dependência" de Jefferson, mas especificou que as liberdades exigidas
eram tanto para as mulheres quanto para os homens. Ela abriu assim:
Quando, no curso dos acontecimentos humanos, torna-se necessário que
uma parte da família humana assuma entre os povos da Terra uma posição
diferente daquela que ela até então ocupou, mas a qual as leis da natureza
e da natureza de Deus lhes dão direito, um respeito decente pelas opiniões
da humanidade requer que ela deva declarar as causas que a impelem a tal
curso.
E ela passou a falar da verdade que todos nós consideramos evidente, que
"todos os homens e mulheres são criados iguais".
36

As organizadoras apresentaram uma lista de queixas, detalhando as injúrias


que as mulheres sofriam nas mãos dos homens. Entre elas:
Ele nunca permitiu que ela exercesse seu direito inalienável ao voto... Ele a
obrigou a se submeter a leis na formação das quais ela não tinha voz... dei-
xando-a assim sem representação nos corredores da legislação... Ele a tor-
nou, se casada, aos olhos da lei, civilmente morta... No pacto do casamento,
ela é obrigada a prometer obediência ao marido, com ele se tornando, para
todos os efeitos, seu mestre – a lei lhe dando poder para privá-la de sua
liberdade e lhe administrar o castigo.
Seneca Falls concentrou-se em injustiças específicas do tipo que a política
social poderia reparar pela elaboração de leis equitativas. Ao pensar sobre
a primeira conferência de mulheres, é útil lembrar o estado da mulher ame-
ricana média em meados do século XIX. Considere a história de Hester Vau-
ghan. Em 1869, aos vinte anos, ela havia sido abandonada por seu marido.
Ela encontrou trabalho em uma rica casa na Filadélfia, onde o homem da
casa a seduziu e, quando ela ficou grávida, despediu-a. Em um estado de
indigência terrível, ela deu à luz sozinha em um quarto friorento que alu-
gou, colapsando minutos depois. No momento em que ela foi descoberta,
o bebê morreu. Ela foi acusada de assassinato. Nenhum advogado a repre-
sentou em seu julgamento, e ela não tinha permissão para testemunhar.
Um júri exclusivamente masculino decidiu que ela era culpada, e o juiz a
condenou à morte.
Elizabeth Cady Stanton e Susan B. Anthony ficaram sa-
bendo de sua situação e organizaram uma campanha para
ajudá-la. Uma reunião de protesto atraiu quase mil mulhe-
res. Eis como a historiadora Elisabeth Griffith descreve o
episódio: "Elas pediram perdão a Vaughan, o fim do duplo
padrão de moralidade, o direito das mulheres de serem ju-
radas e a admissão de mulheres nas escolas de Direito." De acordo com
Stanton, o julgamento de Vaughan por um júri de homens ilustrou a indig-
nidade e a injustiça do status legal das mulheres.
Vaughan foi perdoada. Mais crucialmente, seus defensores e seus sucesso-
res vieram a conquistar para as mulheres americanas em geral plena igual-
dade perante a lei, incluindo o direito de voto, o direito de possuir proprie-
dade, mesmo em casamento, o direito ao divórcio e o direito à educação
igual.
37

Os objetivos dos ativistas de Seneca Falls foram claramente definidos, fini-


tos e praticáveis. Eles foram realizados porque eram fundamentados em
princípios – reconhecidos princípios constitucionais – que estavam enqua-
drados na tradição de equidade, justiça e liberdade individual. A confiança
de Stanton na Declaração de Independência não foi um estratagema; era
uma expressão direta de seu próprio credo sincero, e foi o credo dos ho-
mens e mulheres reunidos. De fato, vale lembrar que Seneca Falls foi orga-
nizado por homens e mulheres e que os homens participaram ativamente
e foram bem-vindos. A misandria (hostilidade aos homens, em contrapar-
tida à misoginia) não era uma característica notável do movimento das mu-
lheres até os nossos tempos.

***

Uma reunião de 1992 da Associação Americana das Mulheres Universitá-


rias, realizada na Faculdade Mills, em Oakland, Califórnia, mostra até que
ponto o feminismo moderno chegou ou desapareceu. Mills tinha estado
muito no noticiário dois anos antes, quando seu conselho anunciou a deci-
são de seguir o caminho de faculdades como Vassar e Bennington na ad-
missão de estudantes do sexo masculino. Imagens de filmes televisionados
mostraram jovens mulheres histéricas soluçando e protestando. Tão per-
turbadas ficaram com a perspectiva de permitir que os homens entrassem
em Mills que os curadores revogaram a decisão. Quando a reversão foi
anunciada, as câmeras voltaram a rodar, dessa vez mostrando as alunas so-
luçando de alegria e alívio. Mills na Costa Oeste, como Smith na Costa Leste,
permanece exclusivamente feminina.
Como na maioria das reuniões feministas de gênero, a reu-
nião da Faculdade Mills não tinha quase nenhum homem.
Um homem, no entanto, figurou proeminentemente em
um painel de discussão chamado "Os Perigos e Prazeres do
Ensino Feminista". Raphael Atlas, professor de música na
Faculdade Smith, veio falar sobre o que é ser um homem
feminista em uma faculdade feminina. Suas companheiras palestrantes fo-
ram Candice Taylor Hogan, professora assistente de História na Faculdade
38

Wheaton, em Massachusetts, e Faye Crosby, professora de psicologia, tam-


bém de Smith. A professora Hogan falou primeiro, lendo um artigo em que
ela descreveu seu trauma quando a Faculdade Wheaton se tornou mista.
"Fiquei horrorizada, triste, chocada e irritada... A transição foi brutal dolo-
rosa e desmoralizante." Antes que pudesse ficar claro o que suas observa-
ções tinham a ver com o tema da conferência, "Equilibrando a Equação Edu-
cacional", Raphael Atlas falou.
Raphael (como todos os participantes o chamavam) era sincero e não ame-
açador. Ele também leu seu artigo porque, explicou, seu conteúdo era emo-
cional demais para uma entrega mais informal. Ele nos disse que ser um
homem feminista na Faculdade Smith enchia sua vida de "grande ansie-
dade". O curso que ele dera na primavera passada sobre mulheres compo-
sitoras o fizera se sentir como "um impostor". Ele perguntou: "É honesto
identificar meu projeto como feminista? Eu sou apenas uma dessas forças
sociais e culturais tentando policiar as vozes das mulheres?"
Ao refletirmos sobre essas questões, Raphael nos contou sobre as muitas
colegas e estudantes que acreditam que os poucos homens em Smith "en-
venenaram" a atmosfera. Ele disse em tom angustiado: "O que as vozes
dessas mulheres dizem para mim? Eu sou alienígena. Eu não faço parte
disso. Eu acredito nelas." Eu senti um pouco menos de pena de Raphael
quando ele terminou sua confissão, dizendo-nos que ele acha tudo "exci-
tante".
Foi a vez da professora Faye Crosby. "Na pedagogia femi-
nista", explicou ela, "você não apenas teoriza, mas age".
Para lição de casa, ela tinha instruído suas alunas de psi-
cologia introdutória em Smith a comprar três preservati-
vos, fazendo contato visual com o vendedor. Ela achou
que a tarefa tinha sido bem-sucedida até que vários alu-
nos indicaram que era "heterossexista". Marginalizava
lésbicas. Disseram a ela sobre as dental dams9 – dispositivos semelhantes a
preservativos, úteis para o sexo oral lésbico seguro.
A professora Crosby nos disse que, durante o Fim de Semana dos Pais, ela
havia convidado suas alunas e os pais deles para uma pequena palestra in-

9 A tradução disso seria algo como barragens dentárias. Clique aqui para ver o que é esse produto:
<https://www.youtube.com/watch?v=BB0Yb27BcrY>.
39

terativa. Preservativos foram novamente o tema. A turma jogou uma "cor-


rida de revezamento de preservativos", na qual pais e alunas correram uns
até as outras para ver qual grupo de cinco poderia colocar cinco preserva-
tivos em uma banana com casca sem quebrar a banana. Disse a professora
Crosby, referindo-se ao preservativo: "Eles tinham que assumir e aprovei-
tar."
Mais uma vez, Crosby achou que tudo tinha corrido bem. Ela tinha sido cui-
dadosa ao fazer menção às dental dams. Mas as estudantes furiosas apon-
taram para ela que, embora ela tivesse mostrado aos pais as dental dams,
ela não as havia usado nas corridas de revezamento. Eles reclamaram, ela
disse, que "era como se você dissesse, oh, bem, aqui estão as dental dams
do chato e insignificante sexo lésbico... Agora vamos ao grande e divertido
sexo heterossexual". A professora Crosby terminou nos dizendo sobre sua
culpa por ter sido "excludente". "Eu me senti péssima!" Como Raphael, ela
estava claramente empolgada por quão terrível ela se sentia.
O workshop tinha sido um pouco extravagante, mas até aquele ponto tinha
sido decoroso. O decoro foi irreparavelmente quebrado por "Rita", da Fa-
culdade de São Francisco, que falava em voz alta e com raiva na parte de
trás da sala. Dirigindo-se a Raphael, ela disse: "Primeiro de tudo, por que
você leu seu artigo? Como poeta e alguém que se preocupa com a lingua-
gem, eu achei extremamente chato ter que ficar até o fim da leitura". Mas
então Rita passou a dizer que ela estava tão chateada que ela também pre-
feriu ler sua declaração: "Raphael disse que ele era um homem feminista:
isso é um oximoro. Minha crença profunda é que os homens não podem
ser feministas. Eles não têm lugar em esferas centradas nas mulheres. Ra-
phael é um invejante do útero e um pretenso feminista – um poser em
nosso meio. Deixe-o ter sua voz em um fórum só de machos."
Terry, uma funcionária de uma creche de Oakland, ficou muito comovida
com a declaração de Rita. "Eu concordo com a Rita. Eu não vim a uma ofi-
cina para ouvir isso", disse ela, referindo-se à voz masculina.
A senhora Crosby, que também era moderadora, parecia um pouco ner-
vosa. Parecia claro que ela deveria vir em defesa de seu sitiado colega da
Smith. Mas ela ficou evidentemente intrigada com o que descreveu como
um "intercâmbio afetivamente carregado". "Rita, seu ataque a Raphael foi
extremamente rude ", disse ela. "Você está quebrando normas, atacando o
40

nosso orador assim. E isso está errado. Mas", ela continuou, "como femi-
nista, eu acredito em quebrar as normas".
Então Raphael falou, embora olhasse para o chão enquanto falava. "É um
dilema. Pequenas partes de mim concordam com Rita", disse ele. "Homens
não pertencem a Smith. Então, por que estou lá? Além das questões essen-
ciais de mercado de trabalho e meus modestos projetos de pesquisa – eu
ainda pergunto: eu pertenço àquele lugar? Isso me entristece, me desmo-
raliza e me deprime. Ainda sinto raiva por você, Rita. Eu sinto que você me
indigitou. Eu me pergunto se é possível para nós ter um diálogo? No voo
para casa, eu vou pensar sobre o que eu poderia ter dito."
Crosby estava agora em seu elemento: "Um aspecto do patriarcado é que
temos que manter os horários. Mas antes de terminar, vamos ao redor da
sala e ver se alguém quer compartilhar seus sentimentos." Ela moveu-se,
ao estilo Phil Donahue, solicitando comentários. Sua primeira aposta foi
uma mulher que disse: "Meu coração está batendo forte com Rita e Terry...
Eu fiquei chateada ao ver um homem no painel. Eu pensei que só haveria
mulheres. Eu não estava esperando esse tipo de diferença.”
Minha irmã Louise falou. "Eu gosto de diferenças entre pessoas. Eu tento
realçar as diferenças entre as pessoas. Eu gosto de indivíduos." A senhora
Crosby se aproximou apressadamente de outro orador. "Meu nome é An-
thea. Eu sou a filha de Beatrice, que é filha de sua mãe, que era vegana e
sufragista. Vamos aplaudir a todos." A maioria das pessoas aplaudiu. Então
Raphael gritou: "Rita e eu habitamos diferentes esferas. Eu sou um homem
branco, com idade entre 30 e 34 anos. Isso é difícil para mim".
Uma mulher de cabelos grisalhos descendo até as costas, uma membra da
AAUW e um feminista da velha escola, se aventurou mansamente: "Eu sou
a favor de educar nossos jovens, meninas e meninos, para aceitar um ao
outro como iguais." Mas antes que qualquer um pudesse atacar aquela he-
resia em particular, era hora de partir.
Os participantes do workshop se reuniram para participar do próximo
evento. Raphael desapareceu completamente. No próximo workshop, to-
dos os participantes do painel eram mulheres, o que, sem dúvida, deixou a
facção de Rita mais confortável. Quando minha irmã e eu saímos da sala de
seminários, passamos por uma exultante professora Crosby falando com
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uma aluna da Faculdade Smith e seus pais visitantes. Os pais tinham assis-
tido ao workshop e pareciam um pouco confusos. "Eu considero essa sessão
um grande sucesso", disse Crosby," porque foi a mais parecida com uma
aula da Faculdade Smith do que qualquer outro evento até agora!"
Feministas de gênero não gostam de críticas, e não há fóruns onde velhas
e novas feministas se encontram para uma troca livre de ideias concorren-
tes. Aprendi sobre um desses encontros que ocorreu es-
pontaneamente na primavera de 1991, em uma conferên-
cia chamada "Glasnost em duas culturas: escrita de mulhe-
res na Rússia Soviética e na América do Norte", patroci-
nada por acadêmicas feministas do Instituto de Nova York
para as Ciências Humanas da Universidade de Nova York.
O episódio foi recontado pelo escritor russo-americano Da-
vid Gurevich, que participou da conferência como tradutor.
Um pequeno grupo de talentosas e sinceras poetisas rus-
sas e romancistas haviam sido convidadas para participar
da conferência, que começou, de forma pouco auspiciosa,
com a autora norte-americana Grace Paley levando os vi-
sitantes a um passeio pelo Lower East Side para ver de
perto as favelas americanas, com pedintes e viciados. Os
visitantes, que desde a infância viram filmes de propaganda soviética des-
tacando a miséria americana, não ficaram devidamente agradecidos.
Na reunião em si, o fosso ideológico entre as feministas russas e americanas
tornou-se mais óbvio. A crítica literária Natalya Adzhikhina defendeu a ideia
de jogar fora o cânone, uma ideia que foi bem-recebida por todos os lados
até que lentamente as feministas de gênero se deram conta de Adzhikhina
estava se referindo ao cânone oficial do Partido Comunista. Ela e a maioria
dos outros escritores russos queriam voltar ao cânone de obras-primas que
as feministas americanas consideram "masculinista".
Quando as outras escritoras russas falaram, elas também
proferiram blasfêmias, como "Há apenas boa e má litera-
tura - não masculina e feminina". Ficou chocantemente
claro que as russas estavam procurando libertar a arte da
política, incluindo a política sexual. A professora Linda
Kauffman, do Universidade de Maryland, ficou alarmada
42

e ofendida: "Eu não quero soar como se fosse da Califórnia – que na ver-
dade eu sou – mas isso soa como negação pesada."
Kauffman continuou fazendo um sermão improvisado sobre os males do
FBI, Jesse Helms10 e censura na NEA. Ela apontou que o "MacNeil/Lehrer
News Hour11" foi financiado pela AT&T12 e falou de um gulag feminino. En-
quanto ela continuava nessa toada familiar, várias das mulheres russas fo-
ram lentamente para o banheiro feminino, o único lugar onde estavam li-
vres para fumar.
Quando foi novamente a vez das mulheres russas falarem, as blasfêmias se
espalharam mais uma vez. Olesya Nikolayeva, a poetisa de Moscou, disse
às feministas americanas como o socialismo havia negado às mulheres sua
feminilidade, como rompeu a tradição de mulheres morais e espirituais na
literatura russa, e como quebrou a tradição cristã sem a qual a literatura
russa depois de Pushkin era impensável. Ela insistiu que o ataque à religião
tinha sido fatal para a literatura, uma vez que a religião sempre foi uma
força de sustentação para os escritores. Ela concluiu citando estatísticas
perturbadoras sobre o crime juvenil em Moscou e encorajando todas as
mulheres na plateia a prestar mais atenção ao seu papel tradicional de
"guardiãs do lar".
Catharine Stimpson, diretora da Fundação MacArthur e
uma das mães fundadoras do Novo Feminismo, não con-
seguiu mais se conter. Ela alertou para um "novo totalita-
rismo" e disse que mães trabalhadoras não poderiam ser
culpadas por fugitivos e delinquência: o estado deveria
encontrar uma solução. Domna Stanton, uma professora
de estudos das mulheres em Michigan que havia organizado a conferência,
alertou para os perigos da "moralidade masculina branca".

10 Da Wikipédia: Jesse Alexander Helms, Jr. (Raleigh, 18 de outubro de 1921 — 4 de julho de 2008) foi
um radialista e político conservadorestadunidense, senador durante cinco mandatos pela Carolina
do Norte. Era filiado no Partido Republicano.
11 Encontrei num site da PBS a seguinte explicação: Jim Lehrer uniu forças com Robert MacNeil em
1973 para ancorar a cobertura sem precedentes da televisão pública sobre as audiências do Senado
Watergate nos EUA.
12 Da Wikipédia: a AT&T (abreviação em inglês para American Telephone and Telegraph) Corporation é
uma companhia americana de telecomunicações. A AT&T provê serviços de telecomunicação de voz,
vídeo, dados e Internet para empresas, particulares e agência governamentais.
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Uma jovem romancista, Valerya Narbikova, pegou o microfone e falou so-


bre o grupo de escritores dela, as Novas Amazonas. As feministas america-
nas estavam começando a ter esperança de que poderiam finalmente fazer
contato quando a Sra. Narbikova anunciou: "É apenas um nome. Não temos
nada a ver com o feminismo".
"Nada mesmo?" perguntou a incrédula crítica Hortense Spiller. Gurevich
descreve a cena: "Copo de vinho na mão, Valerya era uma pura artista.
'Não'... Os refinados fingimentos foram abandonados.
As mulheres estavam arrancando o microfone da mão
uma da outra... Stanton logo foi deixada sozinha - sua
facção, incluindo Stimpson, fugiu em silêncio - e ela na
verdade estava torcendo as mãos." Tatyana Tolstaya,
uma escritora cujos contos tinham recentemente sido
aclamados pela crítica americana, trovejou: "Você...
continua falando da Rússia e nós continuamos dizendo
as mesmas coisas! Por que você nunca nos escuta? Por que você acha que
sabe mais sobre a nossa vida do que nós?"
Sem dúvida, as feministas de gênero deixaram a conferência com pena das
ignorantes escritoras russas por serem tão retrógradas em suas atitudes em
relação ao gênero. Para mim, essas mulheres russas são a esperança do fe-
minismo – uma nova vanguarda. Eu gostaria que todas emigrassem para os
Estados Unidos. Elas conhecem em primeira mão as terríveis consequências
da lealdade de grupo com base em pensamento de grupo; elas são total-
mente imunes a afagos ideológicos.
Desde a leitura do relato de Gurevich sobre o encontro da Universidade de
Nova York, eu tenho participado de reuniões feministas com um quadro
mais esperançoso na mente. Quando algumas feministas de gênero estão
no meio de mais um discurso idiotizante sobre os males da cultura mascu-
lina, me vejo procurando por alguma alma inocente ou intrépida que possa
falar e dizer o que eu, como observadora, devo me abster de dizer. Ainda
não aconteceu, mas agora sei que não está fora de questão.
44

CAPÍTULO 2
INDIGNAÇÃO, RESSENTIMENTO E CULPA COLETIVA

Todos os dias o público é testemunha de indignação feminista pela forma


como as mulheres são maltratadas: no local de trabalho, nos tribunais, em
namoros, em casamentos, nas escolas - principalmente pelos homens, mas
às vezes por outras mulheres. Muito do que é relatado é verdade, e alguns
casos são muito perturbadores.
Claro, o abuso ou desprezo das mulheres deve ser tornado público e des-
pertar indignação. O próprio Platão reconheceu o papel da indignação justa
como uma força motriz da ação moral. Em sua metáfora, a indignação é o
bom corcel que ajuda o cocheiro a permanecer no caminho da virtude, con-
trolando o vicioso e caprichoso corcel que se empenha em seguir seu pró-
prio caminho brutal. É o "elemento de espírito" na alma que fornece ao
sábio a energia emocional, a potência do cavalo, para refrear os apetites
para que ele possa agir virtuosamente.
Mas a maioria daqueles que publicamente lamentam a situação das mulhe-
res na América são movidos por paixões e interesses mais duvidosos. Exem-
plo disso é um feminismo do ressentimento que racionaliza e promove um
rancor em mulheres que tem pouco a ver com a indignação moral.
O ressentimento pode começar e incluir a indignação, mas é de longe a pai-
xão mais permanente. O ressentimento é "abrigado" ou "nutrido"; ele se
"enraíza" em um sujeito (a vítima) e permanece dirigido a outro (o culpado).
Pode ser vicário - você não precisa me prejudicar pessoalmente, mas se eu
me identifico com alguém que você prejudicou, posso me ressentir de você.
Esse ressentimento é muito comum e pode facilmente ser tão forte e in-
tenso quanto o ressentimento por lesão direta. De certo modo, é mais
forte, pois, ao ampliar a classe de vítimas para incluir outras, isso também
aumenta a vilania.
Ao demarcar um "nós" vitimado com quem agora me sinto solidário, eu
posso apontar para uma vítima e dizer: "Ao enganá-la, ele demonstrou seu
desprezo por todas nós," ou "Qualquer um que prejudique uma mulher pre-
judica a todas nós", ou simplesmente "O que ele fez com ela, ele fez contra
todas nós". O próximo passo é considerar o indivíduo que agiu mal contra
"nós" como representante de um grupo, dando ao nosso ânimo um alvo
45

maior. Isso eu posso fazer bastante "razoavelmente" ao adotar uma posição


de que as pessoas parecidas com o agressor (homem, rico etc.) são consi-
deradas "o tipo de gente" que explora pessoas como "nós". Minha reali-
dade social agora foi dicotomizada em dois grupos politicamente em con-
flito, um dos quais domina e explora o outro.
Susan Faludi, autora de Backlash e uma das mais popula-
res promotoras do ressentimento do nosso tempo, nos
lembra do truísmo feminista de que a ira feminista vem
quando as mulheres constroem suas experiências indivi-
duais em uma estrutura política: "Quando você não con-
segue ver sua experiência como política, não é capaz de
ficar zangado com isso." Sandra Bartky, que é especialista em algo que ela
chama de "fenomenologia da consciência feminista", explica sucintamente:
"A consciência feminista é a consciência da vitimização... vir a se ver como
vítima"(ênfase dela).
Uma vez que adquiro o hábito de considerar as mulheres como um gênero
subjugado, estou preparada para ficar alarmada, zangada e ressentida com
os homens como opressores das mulheres. Eu também estou preparada
para acreditar no pior deles e no dano que eles causam às mulheres. Posso
até estar pronta para fabricar atrocidades. Eleanor Smeal falou em Austin
da necessidade de levar as mulheres a lutar com raiva. Nem ela nem ne-
nhuma das outras líderes e pensadoras feministas que promovem a política
sexual do ressentimento e da raiva parecem estar cientes de quão prejudi-
cialmente divisível é sua versão do feminismo - ou, se forem, parecem não
se importar.
Veja como Patricia Ireland, presidente da NOW, fala de seus sete anos como
comissária de bordo da Pan Am: "Eu me considerava uma profissional. Mas
o que eu realmente fazia era ir pelo corredor e levar o lixo das pessoas e
agradecer-lhes por isso. Isso é o que as mulheres têm feito. Nós pegamos o
lixo deles e agradecemos por isso. Temos que parar."
A Sra. Ireland está nos dizendo como é fácil (em uma sociedade que rotinei-
ramente humilha as mulheres) as mulheres se enganarem e pensarem que
estão fazendo algo digno quando estão "realmente" fazendo algo humi-
lhante. Ela fala de "lixo deles", o que significa "dos homens", embora pro-
vavelmente metade dos passageiros fossem mulheres. Ela nos pede para
notar a vergonha de pegar o lixo e ter que agradecer a "eles" por isso. Ela
46

seria a favor de que as companhias aéreas eliminassem as comissárias de


bordo, substituindo-as por homens? Mas Ireland sabe o que está fazendo.
Ao construir as relações entre homens e mulheres, ela está fazendo o que
qualquer líder político faz em tempo de guerra: recrutar possíveis aliados
com raiva e uni-los no esforço de derrotar o inimigo.
O ressentimento não é uma paixão saudável. Ao contrário da indignação,
não é uma paixão ética. Mas, como muitas vezes se origina na indignação
moral diante de uma injustiça real (do espancamento da esposa à discrimi-
nação no trabalho), o ressentimento pode ser feito para soar como uma
louvável paixão pela justiça social. A ideia de que os homens são geralmente
culpados tem o status de primeiro princípio entre algumas feministas do
establishment.
Segundo Marilyn French, "todo o sistema de opressão fe-
minina recai sobre os homens comuns, que o mantêm com
um fervor e uma dedicação ao dever que faria inveja a qual-
quer força policial secreta. Que outro sistema pode depen-
der de quase metade da população para aplicar uma polí-
tica diária, publicamente e em particular, com total confia-
bilidade? " É um sistema que usa ameaça tanto quanto a força para explorar
e humilhar as mulheres.
Enquanto alguns homens usam a força física para subjugar as fêmeas, nem
todos os homens precisam disso. O conhecimento que alguns homens têm
é suficiente para ameaçar todas as mulheres. Além disso, não é necessário
espancar uma mulher para derrotá-la. Um homem pode simplesmente se
recusar a contratar mulheres em empregos bem remunerados, extrair mais
trabalho das mulheres do que dos homens, mas pagar menos, ou tratar as
mulheres de forma desrespeitosa no trabalho ou em casa. Ele pode falhar
em apoiar uma criança que ele gerou, exigir que a mulher com que ele vive
a espere como uma serva. Ele pode bater ou matar a mulher que ele diz
amar; ele pode estuprar mulheres, sejam elas companheiras, conhecidas ou
estranhas; ele pode estuprar ou molestar sexualmente suas filhas, sobri-
nhas, enteadas ou as filhas de uma mulher que ele diz amar. A vasta maioria
dos homens no mundo faz um ou mais dos itens acima.
Na opinião de French, a atrocidade masculina e o abuso criminal são pan-
dêmicos. Devemos, no entanto, insistir que o ônus da prova para uma rei-
vindicação tão ampla seja dela. Mesmo se aceitarmos a premissa de que
47

homens e mulheres estão em desacordo, a questão factual da culpa não


pode ser implícita - pelo menos não neste país.
Além disso, não podemos deixar de notar que o desprezo de French pelos
homens é acompanhado por um forte preconceito em favor das mulheres:
"Enquanto os homens desfilam e se atormentam no palco, gritam em bares
e arenas esportivas, batem no peito ou mostram seus perfis no legislativo,
e explodem armas incríveis em uma disputa interminável por status, uma
busca obsessiva pela ‘prova’ simbólica de sua superioridade, as mulheres
silenciosamente mantêm o mundo funcionando".
As feministas do ressentimento estão convencidas de que os homens geral-
mente aproveitam todas as oportunidades para explorar as mulheres e que
muitas vezes se deleitam em humilhá-las fisicamente e mentalmente.
"Dada a prevalência de estupro e dado o apoio sociocultural para a agressão
sexual e a violência contra as mulheres nesta sociedade, talvez devêssemos
perguntar aos homens que não estupram, por que não? Em outras palavras,
devemos perguntar quais fatores impedem os homens de abusar de mulhe-
res em sociedades que apoiam o estupro." Essa é a opinião de Diana Scully,
autora de Understanding Sexual Violence (Entendendo a Violência Sexual).
Recentemente, vários estudantes de Vassar foram falsamente acusados de
estupro. Depois que sua inocência foi estabelecida, a reitora assistente de
estudantes, Catherine Comins, disse sobre sua provação e infortúnio: "Eles
têm muita dor, mas não é uma dor que eu necessariamente teria poupado.
Acho que idealmente inicia um processo de autoexploração. ‘Como eu vejo
as mulheres?’ 'Se eu não as violasse, poderia fazer isso?' 'Eu tenho o poten-
cial para fazer com ela o que eles dizem que eu fiz?' Essas são boas pergun-
tas". A reitora Comins claramente se sente justificada em superar o princí-
pio da lei comum “presumido inocente até que se prove a culpa" por um
novo princípio feminista "culpado mesmo que se prove inocente". De fato,
ela acredita que os estudantes não são realmente inocentes depois de tudo.
Como assim? Porque, sendo do sexo masculino e sendo criados na cultura
patriarcal, eles poderiam facilmente ter feito o que eles foram falsamente
acusados de terem feito, mesmo que eles não tenham feito isso. No que diz
respeito aos homens, Comins acredita sinceramente na culpa coletiva.
Além disso, ela sente que pode confiar em seu público para estar em acordo
geral com ela sobre isso.
48

A ideia de culpa coletiva pode soar como a doutrina teológica do pecado


original, mas no cristianismo, pelo menos, se aplica igualmente a todos os
seres humanos. Racistas e feministas de gênero são mais “discriminadores".
Na primavera de 1993, nove alunas, que estavam fazendo um curso cha-
mado "Assuntos Contemporâneos na Arte Feminista" da Universidade de
Maryland, distribuíram cartazes e panfletos por todo o campus com os no-
mes de dezenas de estudantes do sexo masculino sob o título "Aviso: Esses
homens são estupradores em potencial". As mulheres não sabiam nada so-
bre os portadores dos nomes; elas simplesmente os escolheram aleatoria-
mente no diretório da universidade para usar em seu projeto de aula. A
instrutora Josephine Withers não comentou nada com a imprensa.
As novas feministas são uma poderosa fonte de malícia porque suas líderes
não são boas em ver as coisas como são. Feministas do ressentimento como
Faludi, French, Heilbrun e MacKinnon falam de backlash, cerco e de uma
guerra não declarada contra as mulheres. Mas a condição que elas descre-
vem é mítica - sem fundamento nos fatos da vida americana contemporâ-
nea. Homens da vida real não têm escritórios de guerra, nem salas de situ-
ação, nem planos de batalha contra as mulheres. Não há ala militante radi-
cal de um movimento masculinista. Na medida em que se pode falar de
toda uma guerra de gênero, são as próprias Novas Feministas que estão
travando isso.

***

As feministas de gênero gostam de dizer aos homens que


não percebem a profundidade da raiva e do ressentimento
das mulheres que "eles simplesmente não entendem". Lí-
deres feministas imediatamente se uniram em torno de
Lorena Bobbitt, a mulher da Virgínia acusada de ter cor-
tado o pênis de seu marido dormindo, mas que, por sua
vez, acusou-o de tê-la estuprado. A seção da NOW de Virgínia montou uma
linha de apoio para a Sra. Bobbitt, liderada pela coordenadora da NOW de
Virgínia, Denise Lee. Na Vanity Fair, Kim Masters relatou sobre "os apoiado-
res de Lorena que transformaram o sinal V-de-Vitória em um símbolo de
solidariedade, fazendo movimentos de tesoura com os dedos." Kim Gandy,
49

vice-presidente executiva da NOW, falou de muitas mulheres que passaram


por isso e, provavelmente, gostariam de ter a chance de se vingar.
O jornalista Daniel Wattenberg viu justamente em tudo
isso a presunção da culpa de Wayne Bobbitt muito antes
de o caso ter ido a julgamento. "É assumido que ele es-
pancou rotineiramente sua esposa por um período de
anos. É assumido que ele a estuprou na noite em que ela
o castrou.” E não importa que Bobbitt tenha sido decla-
rado inocente pelos tribunais. Comentando sobre a castração em "20/20",
Patricia Ireland disse: "A profundidade da raiva que foi canalizada por isso
e a resposta de apoio que Lorena Bobbitt recebeu vem da profundidade da
raiva, de sentir que não houve recursos adequados e recurso e reparação
da terrível violência que as mulheres enfrentam." Mas, insistindo nos fatos
que temos, tudo o que podemos dizer é que Lorena ficou enfurecida a
ponto de cometer violência. A tragédia pessoal desse casal infeliz foi apro-
priada como um símbolo da vingança feminista justa. A brincadeira entre
as admiradoras feministas de Lorena é que Lorena já cumprimentou John
dizendo: "Agora você entende?"
Quando a culpa coletiva é atribuída (aos homens, aos alemães, aos muçul-
manos, etc.), as crianças são geralmente incluídas. Explicando por que Min-
nesota adotou políticas rígidas de assédio sexual para crianças de até cinco
anos, Sue Sattel, a "especialista em equidade sexual" do Departamento de
Educação de Minnesota, aponta que "serial killers dizem aos entrevistado-
res que começaram a assediar sexualmente aos 10 anos de idade e se safa-
ram disso".
Nan Stein, diretora de projetos do Centro de Pesquisa sobre as Mulheres da
Faculdade Wellesley, que se especializou em assédio sexual cometido por
jovens, está zangada com os funcionários e professores da escola de Mon-
tana por ignorarem o "terrorismo de gênero" em seus pátios de escola:
A sexta-feira "Dia do Flip-Up" é uma ocorrência semanal em muitas escolas
elementares em Montana. Todas as sextas-feiras, garotos perseguem garo-
tas pelos playgrounds da escola; aquelas garotas que usam saias são “jogo
limpo” – suas saias serão viradas, não uma vez, mas tantas vezes quanto
possível, pelo maior número possível de garotos. Administradores escola-
res... não viram razão para intervir ou punir os perpetradores. O silêncio de-
les permitiu que esse terrorismo de gênero no playground continuasse.
50

Garotos que provocam garotas sacudindo suas saias devem ser tratados de-
cisivamente e talvez severamente. Mas apenas mulheres que veem o
mundo através da lente do sistema "sexo/gênero" veriam na grosseria do
pátio escolar das crianças a fabricação de serial killers e terroristas de gê-
nero.
Deveria a grosseria ser considerada em termos sexuais? Os monitores de
gênero acreditam que deveria ser e que as meninas devem estar cientes de
sua verdadeira natureza. Um dos objetivos das especialistas em equidade
sexual é ensinar as meninas a se ressentir das brincadei-
ras dos meninos, apontando que o que eles estão fa-
zendo é assédio sexual e contra a lei. Bernice Sandler,
especialista em relações de gênero do Centro de Estudos
sobre Políticas para Mulheres, de Washington, oferece
oficinas de assédio para crianças do ensino fundamental.
Em uma oficina, uma menina contou sobre um colega de classe que a jogou
no chão e fez cócegas nela. A Sra. Sandler fez questão de colocar o ato do
garoto em perspectiva: "Agora, você tem que perguntar: o que esse menino
está fazendo, jogando garotas ao chão? Isso é uma ofensa sexual em Nova
York e na maioria dos estados".
A presunção de culpa sexual continua quando as crianças crescem. Em mais
e mais escolas públicas e faculdades, encontramos um grupo dinâmico de
reformadores feministas – oficiais de assédio, professores de estudos femi-
ninos, funcionários de corredores, decanos e assistentes
adjuntos, e especialistas em igualdade de sexo – que con-
sideram a sexualidade masculina com alarme e buscam
maneiras de controlá-la. O antropólogo da Universidade
Rutgers, Lionel Tiger, descreveu o ambiente sexual con-
temporâneo com sua histeria sobre assédio e estupro
como uma reversão da descrita em A letra escarlate: "É o macho que agora
carrega o estigma de suposta violação sexual".
Se o fizerem, muitos não notarão isso. A ideologia feminista de gênero afeta
mulheres muito mais profundamente. Muitas são "convertidas" para a ideia
de que a sociedade que elas habitam é um sistema patriarcal de opressão.
Para a maioria, isso acontece na Faculdade. Laurie Martinka, graduada em
estudos femininos na Vassar, falou comigo sobre sua transformação pes-
soal. "Você nunca é a mesma novamente. Às vezes, até lamento o fato de
51

que muita coisa mudou. Eu estou cansada de sempre rasgar as coisas por-
que elas excluem a perspectiva de mulheres... Você se torna tão consciente
das coisas. E é difícil. Minha mãe não pode aceitá-lo. É difícil para ela porque
eu mudei completamente." Anne Package, uma estudante da Universidade
da Pensilvânia, disse-me que as estudantes falam entre si sobre essa nova
percepção aguçada: "Nós chamamos isso de estar no limite" ou "no fundo".
Você está triste em tudo. Nada é mais engraçado. Acerta como uma tone-
lada de tijolos. Você bateu no fundo e pergunta: como posso viver a minha
vida?" Quando eu sugeri a ela que muitos contariam com ela e seus colegas
entre as jovens mais afortunadas do mundo, ela se irritou. "Nós ainda so-
fremos opressão psicológica. Se você sente que o mundo inteiro está em
cima de você, então está."
Fiquei intrigada, no entanto, pela expressão dela "estar no limite". No limite
de quê? Embora a expressão sugira uma experiência transitória, estar no
limite é interpretado como uma condição permanente das mulheres que
sentem que alcançaram uma percepção realista de sua situação na socie-
dade dominada pelos homens. Essas mulheres às vezes se organizam em
pequenos mas poderosos grupos dentro de instituições que elas conside-
ram bastiões masculinistas e onde elas fazem a sua presença sentida em
termos inequívocos.
O Boston Globe é o maior e mais prestigiado jornal da
Nova Inglaterra. Em 1991, cerca de duas dúzias de mu-
lheres editoras, gerentes e colunistas (incluindo Ellen
Goodman) formaram um grupo chamado "Mulheres no
limite” para contrariar o que a editor sênior de educação
Muriel Cohen chamou de "sala de notícias machista". As
"vergies13", como vieram a ser conhecidas, têm algumas
preocupações feministas tradicionais de equidade sobre salários e promo-
ções; mas elas também pegaram em armas contra coisas como o uso de
metáforas esportivas em notícias e o tradicional jogo de basquete na “hora
do almoço”, que simboliza para elas a outrora poderosa e excludente rede

13 O inglês às vezes forma adjetivos derivados de substantivos que não encontram correspondente em
nossa língua. É o caso de vergies, derivado de verge (limite, borda, limiar). As vergies seriam, caso
houvesse tal palavra em português, as limitadeiras, limiteiras... Dada a feiura da palavra e a ambigui-
dade que ela gera, preferi manter a forma inglesa. Tenha em mente que as vergies são as tais mulheres
que estão no limite.
52

de rapazes (embora essa queixa seja infundada, porque as mulheres são


bem-vindas para jogar, e algumas o fazem).
Defendendo os jogos de basquete, o editor Ben Bradlee Jr. diz: "Tudo que
há realmente é um grupo de pessoas que quer fazer exercício e jogar um
jogo. Para a atual conspiração que está aí fora, sou eu e os outros editores
talvez alinhavando acordos secretos e dando aos garotos as melhores his-
tórias." Cohen expressou preocupação ao editor Jack Driscoll sobre os "hor-
mônios que estão correndo em volta dele". As vergies também estão irrita-
das com a "zona de sustentação" - um corredor onde alguns dos homens
gerentes gostam de andar antes de decidir sobre as principais histórias do
dia. As “mulheres do limite” da Globe são temidas, mas não amadas. Desde
o seu advento, o jornal não conhece a paz interna.
David Nyhan, editor sênior e colunista sindicalizado, está
no jornal há mais de 20 anos e faz parte do que é conhe-
cido como a sua "máfia irlandesa liberal". Ele é um jorna-
lista de estilo antigo que usa mangas arregaçadas e tem
uma voz explosiva e uma propensão para o humor de mau
gosto. Foi só uma questão de tempo até ele se meter em
encrencas com as “mulheres no limite”. Em 20 de abril de
1993, ele estava a caminho de jogar uma infame partida de basquete do
meio-dia, quando ele viu um colega repórter, Brian McGrory, e o convidou
para participar do jogo. Brian estava em serviço e com um joelho ruim na-
quele dia, então ele recusou. Nyhan persistiu, mas quando ficou claro que
McGrory não ia jogar, Nyhan zombou dele como alguém que foi "chicote-
ado por boceta".
Betsy Lehman, uma vergie, ouviu o comentário de passa-
gem e deixou claro que ficou muito ofendida. Nyhan, que
não percebera que alguém estava ouvindo, imediata-
mente se desculpou. Sentindo que estava com problemas,
ele colocou um memorando em sua porta reafirmando
seu remorso. Ele deu a volta na redação e novamente pe-
diu desculpas a qualquer mulher que pudesse encontrar. Mas ele estava
prestes a ser transformado num exemplo, e nada poderia parar isso. Já vá-
rias “mulheres no limite” interpretaram sua declaração como um insulto à
editora que, supunham eles, dera a Brian McGrory sua tarefa. McGrory
nega que tenha sido uma mulher.
53

A gerência do Globe acabara de gastar milhares de dólares em oficinas de


sensibilidade. O editor sênior Matt Storm desenhou a moral: "Saindo dessa
experiência [as oficinas], eu, pelo menos, estou muito triste com a experi-
ência de hoje." Storm alertou o pessoal de que "observações que são raci-
almente e sexualmente ofensivas aos colegas de trabalho não serão tolera-
das aqui. Aqueles que proferem tais observações estarão sujeitos a proce-
dimentos disciplinares." A editora multou Nyhan em US$ 1.250 e sugeriu
que ele doasse essa quantia para uma instituição de caridade escolhida por
Lehman.
As vergies tinham marcado o seu ponto, mas os homens do Globe (e algu-
mas repórteres que simpatizavam com eles) haviam sido alertados para o
clima de ressentimento em que viviam. Eles começaram a reagir. Uma lista
de preços circulou: "babe" custava US $ 350, "cadela" foi para US $ 900,
"chicoteado por boceta" US $ 1.250. Alguém começou um fundo de ajuda
para David Nyhan. (A multa foi finalmente cancelada.) Mesmo algumas das
vergies ficaram desconfortáveis. Ellen Goodman disse que desaprovava a
multa: "Você não quer chegar ao ponto em que todos sentem que todas as
frases estão sendo monitoradas". Mas esse é exatamente o ponto em que
o Globe havia chegado.
O incidente do Globe é emblemático das "conquistas" das Novas Feministas
em outros lugares. Elas alcançaram visibilidade e influência, mas não con-
seguiram conquistar os corações das mulheres americanas. A maioria das
feministas norte-americanas, que não querem ser identificadas como parte
de uma causa que consideram alienígena, renunciaram ao rótulo e deixa-
ram o campo para as ressentidas. Em nenhum outro lugar as consequências
prejudiciais de dar rédeas indiscutíveis às ideólogas são mais evidentes do
que nas universidades.
54

CAPÍTULO 3
TRANSFORMANDO A ACADEMIA

Sou grata... aos estudantes dos meus ovulários de


estudos de mulheres na Universidade de
Washington no semestre da primavera de 1982.

Este pequeno reconhecimento, no prefácio de um livro da


filósofa feminista Joyce Trebilcot, é um dos exemplos mais
divertidos do esforço feminista para purgar a linguagem do
preconceito sexista. Trebilcot considera "seminário" ofensi-
vamente "masculinista", então ela substituiu por "ovulário",
que ela considera como seu equivalente feminista. A re-
forma linguística é uma atividade característica de acadêmicas feministas,
e cunhagens biológicas estão muito na moda. Críticas literárias feministas e
teólogas feministas (que chamam a si próprias de teálogas) podem se refe-
rir ao seu estilo de interpretar textos como "ginocriticismo" ou "hermenêu-
tica clitoriana", rejeitando abordagens mais tradicionais como inadmissivel-
mente "falocêntricas".
Importa que as feministas acadêmicas falem em substituir seminários por
"ovulários", history por "herstory"14 e teologia por "tealogia"? Deveria nos
preocupar que a maioria das professoras de estudos sobre mulheres pense
no conhecimento como uma "construção patriarcal"? Deveria, porque há
20 anos as academias do país ofereciam menos de 20 cursos de estudos
sobre mulheres; hoje esses cursos somam dezenas de milhares. Esse cres-
cimento rápido, que até agora mostra poucos sinais de diminuição, não tem
precedentes nos anais do ensino superior. A colonização feminista da aca-
demia norte-americana merece estudo. Para onde isso está levando? É uma
coisa boa?
Os estudos das mulheres, embora oficialmente uma disciplina acadêmica,
são conscientemente um braço do movimento das mulheres, dedicado a
um ideal utópico de transformação social. Nas palavras do preâmbulo da

14 Jogo de palavras formado pelo substantivo story e pelo pronome próprio de cada sexo: his (dele) e her
(dela). Ou seja, history é a história dele, contada por homens, sobre feitos de homens, para outros
homens. Herstory é história dela, contada por mulheres, sobre feitos de mulheres, para outras mulhe-
res.
55

constituição da Associação Nacional de Estudos da Mulher: "Os Estudos da


Mulher devem sua existência ao movimento pela libertação das mulheres;
o movimento feminista existe porque as mulheres são oprimidas... Os Estu-
dos da Mulher, então, equipam as mulheres para transformar o mundo em
um mundo que estará livre de toda opressão”.
O objetivo pode ser salutar, mas equipar os alunos para "transformar o
mundo" não é exatamente o mesmo que equipá-los com o conhecimento
de que precisam para se desenvolver no mundo. Muito do que as alunas
aprendem nas aulas de estudos femininos não é uma disciplina séria, mas
uma ideologia feminista. Elas aprendem que o currículo tradicional é em
grande parte uma construção masculina e que não merece confiança. Elas
aprendem que, para livrar a sociedade do sexismo e do racismo, é preciso
primeiro realinhar os objetivos da educação, purgando o currículo de seu
preconceito masculino branco e "reconceitualizando" o assunto em ques-
tão.
A maioria das mulheres na academia não são ativistas feministas. Elas são
feministas da tendência tradicional da equidade: não adotam doutrinas fe-
ministas especiais; elas apenas querem para as mulheres o que querem
para todos – um "campo justo e sem favores". As feministas da equidade,
considerando-se engajadas em contribuir, em condições de igualdade, para
uma cultura universal da humanidade, não se veem a si mesmas como fa-
lando apenas pelas mulheres. Não fazem afirmações duvidosas para des-
mascarar uma realidade social que a maioria das mulheres não percebe.
Sua postura moderada e despretensiosa as colocou à sombra das feministas
de gênero menos humildes e mais barulhentas.
As feministas de gênero estão convencidas de que estão na vanguarda de
uma revolução conceitual de proporções históricas, e sua perspectiva, ba-
seada na "descoberta" do sistema sexo/gênero, é cativante. Carolyn Heil-
brun exulta na convicção de que o novo pensamento fe-
minista é comparável às revoluções intelectuais produzi-
das por Copérnico, Darwin e Freud. Gerda Lerner, profes-
sora de história da Universidade de Wisconsin e autora
do influente livro The Creation of Patriarchy (A criação do
Patriarcado), adverte que as tentativas de descrever o
que está acontecendo agora nas escolas de estudos femininos "seria como
56

tentar descrever a Renascença - dez anos depois de ter começado". A so-


cióloga Jessie Bernard compara as eruditas feministas aos filósofos do Ilu-
minismo francês, caracterizando a explosão da pesquisa em bolsas de es-
tudo das mulheres como "a tomada da Bastilha" ou "o tiro ouvido em todo
o mundo". "A academia nunca mais será a mesma", afirma ela. Alison Jag-
gar, diretora de estudos sobre mulheres na Universidade do Colorado, diz:
"Estamos desenvolvendo toda uma reconstrução do mundo a partir da
perspectiva das mulheres, com a palavra-chave sendo" ‘centrada-na-mu-
lher’".
As feministas de gênero estão exuberantemente confiantes de que estão
qualificadas para reformar o sistema educacional americano. Ao contrário
de outros reformadores mais modestos, essas mulheres estão convencidas
de que seus insights sobre a realidade social as equipam de forma única
para entender as necessidades educacionais das mulheres americanas. Sua
revolução não está, portanto, confinada à "teoria feminista". Pelo contrá-
rio, é essencialmente prática, pedagógica e burocrática.
Nem todas as feministas de gênero acadêmicas estão na área dos estudos
sobre mulheres. Muitas estão na administração. Algumas dirigem centros
de assédio sexual. Outros têm posições de controle em organizações para-
acadêmicas como a Associação de Faculdades Americanas (AAC) ou a Asso-
ciação Americana das Mulheres Universitárias (AAUW). Algumas dirigem
centros de mulheres que fazem pesquisas sobre mulheres. Outras ainda li-
deram "projetos de transformação curricular".
"O objetivo do ensino feminista", diz Ann Ferguson, fi-
lósofa feminista da Universidade de Massachusetts,
"não é apenas elevar a consciência sobre o sistema de
dominação masculina, mas também criar mulheres e
homens para que sejam agentes da mudança social".
Essa motivação, poderosamente reforçada pela crença
das feministas de gênero de que elas têm acesso a in-
sights revolucionários sobre a natureza do conhecimento e da sociedade,
inspira-as com um fervor missionário inigualável por qualquer outro grupo
na academia contemporânea.
Elas não apenas perseguem sua missão em sala de aula, elas também estão
envolvidas em "transformar a academia" para torná-la mais centrada nas
mulheres. Feministas de gênero trabalham em centenas de projetos de
57

transformação para mudar os currículos universitários que elas consideram


inadmissivelmente "masculinistas". Os preconceitos do tradicional "currí-
culo masculino branco" devem ser eliminados, e novos programas que in-
cluam mulheres devem substituir aqueles em que as mulheres são "ausen-
tes", “silenciosas", "invisíveis". Toda a "base de conhecimento" deve ser
transformada.
As feministas de gênero têm sido influentes na academia para muito além
de seus números, em parte porque seu alto zelo e intolerância não encon-
tram oposição; ou melhor, porque elas tratam a oposição ao seu ponto de
vista exótico como oposição à causa das mulheres. Curadores, administra-
dores, funcionários de fundações e funcionários do governo geralmente
tendem a ser simpáticos às causas das mulheres. Além da falta de vontade
de serem considerados insensíveis e retrógrados, eles estão cientes de que
as mulheres foram discriminadas e podem ainda precisar de proteções es-
peciais. Então eles querem fazer o que é certo. Mas quando os historiadores
do futuro voltarem para descobrir o que aconteceu com as universidades
americanas no final do século XX que as enfraqueceu, politizou e transfor-
mou em lugares antiliberais, anti-intelectuais e sem humor, eles descobri-
rão que entre as principais causas do declínio foi o fracasso de funcionários
inteligentes, poderosos e bem-intencionados de distinguir entre a razoável
e justa causa do feminismo igualitário e sua irmã ideológica irrazoável e in-
justa – o feminismo de gênero.

***

Na Conferência Nacional de Estudos Femininos de 1992, em Austin, Texas,


que descrevi no capítulo 1, a moderadora nos instou a "pensar em um mo-
mento no sucesso... Pense no fato de que fomos tão bem-sucedidas na
transformação do currículo." Minha irmã Louise, que participou da confe-
rência comigo, tem dois filhos na faculdade e uma filha começando no en-
sino fundamental, e essa observação a alarmou. Tendo passado várias ho-
ras com as conferencistas de Austin, ela tinha dúvidas sobre sua competên-
cia e razoabilidade. "O que exatamente ela quis dizer?", ela me perguntou.
Ela fez bem em perguntar; pois ela havia tropeçado em uma área de ati-
vismo feminista que passou praticamente despercebida pelo público. O que
58

começou como uma tentativa razoável de corrigir a negligência das mulhe-


res no currículo tornou-se silenciosamente uma força poderosa que afeta a
sala de aula americana em todos os níveis, desde as séries iniciais até a pós-
graduação.
Uma campanha feminista em todo o país para mudar o currículo da acade-
mia americana está recebendo apoio dos mais altos estratos da educação e
do governo. A Fundação Ford ajudou recentemente a lançar um Centro de
Coordenação Nacional de Recursos para a Transformação Curricular na Uni-
versidade Estadual de Towson, em Maryland, para dar ao crescente número
de consultores de mudança nas escolas do nosso país acesso rápido aos re-
cursos. O centro de Towson fornece aos consultores e diretores de projetos
leituras sobre a pedagogia feminista, amostras de programas de estudos
centrados em mulheres, listas de livros didáticos para os alunos e sugestões
para materiais audiovisuais centrados nas mulheres. Fornece aos aspirantes
da transformação manuais de como iniciar seus próprios projetos, bem
como uma lista de recursos para ajudá-los a "combater a resistência". Os
projetos de transformação recebem um financiamento generoso de gran-
des fundações e de órgãos federais, como o Programa de Educação para a
Equidade da Educação das Mulheres e o Fundo para a Melhoria da Educa-
ção Superior (FIPSE), bem como dos governos estaduais de Nova Jersey,
Tennessee, Montana e Pensilvânia, Maryland e Califórnia.
Em um livro recente que narra os triunfos do "movimento
de transformação", Caryn McTighe Musil relata o sucesso
das "centenas de projetos de transformação curricular em
todo o país desde 1980". De fato, os transformadores têm
estado nisso há mais tempo, mas só agora eles estão se tor-
nando independentes. Em 16 de abril de 1993, mais de 800
professores, professores universitários, administradores de escolas e auto-
ridades estaduais reuniram-se no Hotel Hilton em Parsippany, Nova Jersey,
para uma conferência "nacional" de três dias sobre transformação curricu-
lar. O programa oficial dá a visão geral: "Uma celebração de 20 anos de
transformação curricular, esta conferência reunirá professores, acadêmi-
cos, ativistas e líderes culturais para compartilhar insights, conhecimento e
estratégias para avaliar nossas realizações e imaginar juntos um currículo
para o século XXI."
59

A conferência foi patrocinada por uma variedade de agências estaduais e


federais, como a Dotação Nacional para as Humanidades, o Conselho de
Humanidades da Pensilvânia e o Comitê para Humanidades de Nova Jersey.
O chanceler de educação Edward Goldberg de Nova Jersey apontou com
grande orgulho que Nova Jersey tinha investido "milhões" no projeto de
transformação curricular." O resto da América não pode ficar atrás."
A maioria dos 800 transformadores do Parsippany Hilton teve suas despe-
sas pagas por seus empregadores - principalmente governos estaduais, es-
colas públicas, faculdades e universidades públicas. No entanto, muito pou-
cas pessoas sabem o que os transformadores fazem, por que fazem isso ou
por que isso pode importar.
A revista Ms. costumava fazer circular uma reportagem chamada "A Expe-
riência do Click”, em que uma mulher escrevia para contar sobre o mo-
mento em que uma luz se acendeu em sua cabeça e ela teve sua primeira
epifania de como as mulheres tinham sido enganadas e silenciadas. O
"click" é um salto quântico na consciência feminista - "a súbita chegada à
consciência crítica da própria opressão". As feministas de gênero acadêmi-
cas têm sua própria versão da experiência do click: acontece no momento
em que se "vê" que todo o currículo da faculdade foi, com pouquíssimas
exceções, forjado e escrito por homens, sobre homens e para homens. A
história é "sua história", homens falando sobre homens. A pesquisa em ci-
ências sociais, geralmente conduzida por homens e sobre homens, mantém
os homens como a norma; as mulheres são o Outro. Os grandes pensamen-
tos que estudamos, a grande arte que reverenciamos, a literatura que
aprendemos a amar são, em grande parte, realizações masculinas. Os ho-
mens escreveram os livros e inventaram as teorias: o conhecimento é uma
criação masculina. Em um único "click", uma mulher percebe que a cultura
e a ciência que os homens criaram não são apenas erradas, mas egoístas e
perigosas para as mulheres. A experiência muitas vezes tem efeito depri-
mente e alienante sobre uma mulher; a cultura que ela reverenciara de re-
pente não é dela, e ela pode se sentir como uma criança de pais indiferentes
que descobre em uma idade avançada que foi adotada.
Mais cedo ou mais tarde, a maioria das mulheres, feministas ou não, tem
algo parecido com uma experiência do click. Os homens, exceto os mais mí-
opes e obstinados entre eles, também têm. Tudo dá a impressão de patri-
arcado: a alta cultura é em grande parte uma conquista masculina. Como
60

as mulheres alcançaram paridade na situação econômica e acesso à educa-


ção e cultura superiores, as disparidades, injustiças e exclusões do passado
foram jogadas na sua cara como nunca antes.
A evidência de que as mulheres foram excluídas, e suas habilidades como
pensadoras e escritoras diminuídas, está em toda parte. Mas uma vez que
uma mulher compreenda a extensão em que a cultura e a civilização foram
dominadas pelos homens, duas estradas estão diante dela. Ela pode apren-
der o que pode ser aprendido sobre as realizações passadas das mulheres
e aprender também as razões pelas quais suas contribuições para grandes
empreendimentos não foram maiores; e ela pode então aproveitar-se da
liberdade que tem agora para aceitar o desafio de unir-se aos homens em
condições de igualdade na construção de uma cultura nova e mais rica. Ou
ela pode reagir à herança cultural e científica como "androcêntrica" e agir
conscientemente visando reconstruir a "base de conhecimento". É nesse
ponto que acadêmicas feministas de equidade e as feministas de gênero
começam a seguir caminhos separados. As primeiras permanecem dentro
dos limites do conhecimento tradicional e se unem em seu empreendi-
mento. As últimas procuram transformar o conhecimento acadêmico para
torná-lo "centrado nas mulheres”.
Géraldine Ruthchild, professora de inglês na Faculdade Al-
bion, considera a reação feminista de gênero como resul-
tado da consciência aguda de que grande parte da cultura
foi feita pelos homens. Seu click soou quando ela se de-
parou com essas observações de Louise Bernikow: "Quais
escritores sobreviveram ao seu tempo e que não depen-
dem de quem os notou e escolheu registrar a notícia... Tal poder, na Ingla-
terra e na América, sempre pertenceu aos homens brancos." A professora
Ruthchild escreve: "Depois de ler Louise Bernikow ... eu nunca mais fui a
mesma pessoa, pois suas palavras abruptamente cristalizaram ideias alea-
tórias que eu tivera em uma joia de revelação."
A revelação da historiadora Gerda Lerner ilumina o que para ela é uma atro-
cidade em andamento. Ela afirma que os homens têm ensinado às mulhe-
res que o pensamento sadio deve excluir o sentimento. "Assim, elas [mu-
lheres] aprenderam a desconfiar de sua própria experiência e desvalorizá-
la. Que sabedoria pode haver na menstruação? Que fonte de conhecimento
no seio intumescido de leite?" O abuso cognitivo das mulheres enche de
61

raiva Lerner: "Há muito sabemos que o estupro tem sido uma forma de nos
aterrorizar e nos manter em submissão. Agora também sabemos que parti-
cipamos, embora inconscientemente, no estupro de nossas mentes."
A "revisão" feminista de gênero foi descrita em termos mais sóbrios em um
folheto distribuído pela prestigiosa Associação Americana de Faculdades:
Nas últimas duas décadas, os educadores começaram a reconhecer que as
experiências e perspectivas das mulheres estão quase totalmente ausentes
do currículo tradicional. Pesquisas nos anos 70 revelaram, por exemplo, que
os livros didáticos de história dedicaram menos de 1% de sua cobertura para
as mulheres; que o livro didático mais utilizado na história da arte não in-
cluiu uma única artista mulher solteira; e que os cursos de literatura conti-
nham, em média, apenas 8% de mulheres autoras. Tais descobertas leva-
ram muitas pessoas a questionar a validade da versão da experiência hu-
mana oferecida pelas artes liberais.
É possível chegar a tal consciência sem decidir que a resposta racional é
revisar todo o cânon da experiência ocidental. Muitas estudiosas começa-
ram a se esforçar para dar às mulheres o reconhecimento que muitas vezes
lhes foi negado em relatos anteriores. Mulheres estudiosas de antropolo-
gia, psicologia e sociologia descobriram muitas pesquisas anteriores que
tendiam a se concentrar nos homens, que generalizavam conclusões que
não se aplicavam necessariamente às mulheres. Nos últimos dez ou quinze
anos, cientistas sociais têm trabalhado para corrigir essa negligência. As
acadêmicas literárias feministas descobriram e resgataram muitas escrito-
ras talentosas do esquecimento não merecido. Editores de livros didáticos
agora se esforçam para que as mulheres sejam devidamente representadas
e não sejam negativamente estereotipadas. Tais conquistas ficam bem den-
tro dos limites do tipo de ajuste equitativo que um feminismo convencional
exigiu com razão. Mas as feministas de gênero não estão contentes com
isso. Elas querem transformação; uma mera correção do registro não serve.
A maioria das pessoas sabe que há dois significados para a palavra história.
Por um lado, a história se refere a uma série de eventos que realmente
aconteceram. Por outro lado, há História, um relato do que aconteceu. As
feministas de gênero afirmam que a História (escrita por homens e se con-
centrando quase exclusivamente em homens) tem sistematicamente dis-
torcido a história.
62

É inegável que os estudiosos geralmente não reconhecem o papel e impor-


tância de muitas mulheres talentosas e historicamente importantes. Essas
mulheres negligenciadas merecem seu lugar na História, e os historiadores
têm a obrigação profissional de dar isso a elas. No entanto, a escassez de
mulheres na História se deve, principalmente, não aos preconceitos dos his-
toriadores do sexo masculino, mas sim ao foco que eles dão à política,
guerra e mudança conceitual. Tal História inevitavelmente reflete o fato de
que as mulheres não foram autorizadas a fazer história da mesma maneira
que os homens - e relativamente poucos homens foram autorizados a fazê-
lo. É um fato difundido na história que os homens raramente permitiram
que as mulheres participassem de assuntos militares e políticos e que as
haviam mantido longe da aprendizagem e da alta arte.
Qualquer História que seja fiel aos fatos deve reconhecer
que as mulheres do passado simplesmente não tinham o
grau de liberdade compatível com seus talentos. Como
Virginia Woolf apontou, até mesmo a irmã mais talentosa
de Shakespeare nunca teria tido, tragicamente, a oportu-
nidade de usar seu gênio. Por mais lamentável que isso
seja, simplesmente não há uma maneira honesta de inscrever as mulheres
na narrativa histórica de um modo que as mostre como agentes de impor-
tância igual aos homens.
Com certeza, dar às mulheres apenas 1% da narrativa é muito pouco, mas
30% seria demais, e dar às mulheres metade do espaço em uma história
convencional falsificaria descaradamente a narrativa. Nem historiadores
podem fazer muito sobre as "pessoas comuns" que Deus fez tão numero-
sas. A grande maioria das pessoas, incluindo a maioria dos homens e quase
todas as mulheres, teve uma participação desproporcionalmente pequena
nas decisões de história sobre guerra, política e cultura que os historiadores
consideram importantes. Mas o que qualquer historiador íntegro deveria
fazer sobre isso?
Uma objeção feminista padrão à História tradicional é que ela se concentra
demais em atividades dominadas por homens, como política, guerra e, mais
recentemente, ciência. Uma história mais equilibrada se concentraria em
áreas da vida que dariam às mulheres maior visibilidade e importância. Com
efeito, a queixa é que as mulheres são figuras importantes na história social,
mas que a história política tem sido o motivo de orgulho. Essa foi uma
queixa razoável 20 anos atrás, e a tendência nos livros de história do ensino
63

médio e da faculdade desde então tem sido em direção à história social.


Mesmo um relatório fortemente feminista sobre o currículo do Centro de
Pesquisa sobre Mulheres da Faculdade Wellesley aponta isso: "Uma pes-
quisa informal de 20 livros de história dos EUA compilados a cada ano de
1984 a 1989 constatou uma mudança gradual mas constante de uma ênfase
esmagadora em lei, guerras e controle sobre o território e políticas públicas
para uma ênfase na vida cotidiana das pessoas em muitos tipos de circuns-
tâncias.”
De fato, tanto a história política quanto a social são importantes. Por si só,
a história social também é insuficiente. Mesmo uma pesquisa exaustiva da
vida cotidiana não pode substituir o tipo tradicional de história política. Os
estudantes precisam de um relato confiável dos eventos, filosofias e desen-
volvimentos culturais que fizeram a diferença no destino das nações e po-
vos, tornando alguns mais bem-sucedidos e prósperos do que outros. Mais
cedo ou mais tarde, o professor responsável da história deve regressar à
história da política, guerra e mudança social.
Mas as feministas de gênero têm objetivos muito mais ambiciosos do que
a correção de negligência e do preconceito históricos. Se a história não
pode ser alterada, a História pode. Melhor ainda, por que não insistir que
tudo que temos da história é a História que escrevemos, e que isso depende
de quem a escreve? Até agora, os homens escreveram a História, dando-
nos um relato masculinista do passado; agora as mulheres são livres para
mudar essa versão da História para torná-la mais centrada nas mulheres.
Agora é prática comum em livros escolares revisar a História de maneiras
que atribuem às mulheres uma importância política e cultural que eles sim-
plesmente não tiveram. O revisionismo evidente é raro. Mais frequente-
mente, a história é distorcida e a importância das mulheres é falsamente
inflada sem interferir diretamente nos fatos. Textos de história do ensino
médio agora dispensam atenção a figuras femininas meno-
res. Sybil Ludington, de 16 anos de idade, que alertou sol-
dados coloniais em uma tentativa fracassada de impedir a
fuga de um grupo de ataque britânico, ganha mais espaço
na América: seu povo e seus valores do que Paul Revere. No
mesmo livro, Maria Mitchell, uma astrônoma do século XIX
que descobriu um cometa, recebe muito mais atenção do
que Albert Einstein. Em outro texto popular do ensino médio, há três fotos
64

de enfermeiras da Guerra Civil, mas nenhuma do General Sherman ou do


General Grant.

***

Uma das maneiras pelas quais os agentes humanos trans-


formam o curso da história é fazendo guerra. A preeminên-
cia dos homens na guerra parece inescapável. Mas a filó-
sofa feminista e defensora da transformação de currículos
Elizabeth Minnich afirma que as mulheres desempenha-
ram papéis importantes nas decisões sobre a guerra e na
própria guerra.
As mulheres participaram e se opuseram ativamente à guerra ao longo dos
anos e através das culturas. As mulheres lutaram; as mulheres tentaram
parar a luta; as mulheres estiveram na linha de frente como fornecedoras
de suprimentos, como enfermeiras, como espiãs; e trabalharam atrás das
linhas como cozinheiras, secretárias, costureiras, motoristas, especialistas
em linguagem; para manter o país funcionando... Sem mulheres... nenhuma
guerra poderia ter sido travada.
Minnich não dá exemplos, mas onde os historiadores negligenciaram ou re-
tocaram os papéis significativos que as mulheres desempenhavam na
guerra, ela está certa em exigir uma imagem mais verdadeira e completa.
No entanto, ela também sugere que um quadro mais completo revelaria
que os papéis das mulheres na guerra têm sido fundamental. Na verdade,
não têm; nenhuma quantidade de suplementação pode mudar o fato de
que os papéis das mulheres na guerra têm sido relativamente menores e
seus protestos ocasionais contra a guerra têm sido geralmente inúteis.
Tampouco seria correto depreciar a importância da guerra como fator de
mudança histórica; continua sendo verdade que a guerra – conduzida quase
exclusivamente por homens – tem sido o agente de convulsões históricas
cataclísmicas, e qualquer História adequada deve refletir esse fato, mesmo
que isso signifique "deixar as mulheres de fora".
A ideia de que os homens atribuíram a si mesmos um domínio na história
que eles não possuíam é cada vez mais popular. Eu recentemente dei uma
65

palestra pública sobre feminismo e educação para uma audiência que in-
cluía vários adeptos da transformação dos currículos. Na palestra, defendi
os ideais tradicionais de busca pela objetividade e veracidade histórica. Um
homem irritado na plateia perguntou: "Mas como sabemos que a Sra. Wa-
shington não deu ao marido todas as suas ideias?" Eu respondi que não tí-
nhamos evidências disso. "Sim", disse meu interlocutor, agora muito em-
polgado, "esse é justamente o ponto. Não há evidências! Não pode haver
evidências. Porque essa história escrita suprimiu isso: o fato de que não há
história não prova nada. Está perdido para nós para sempre."
Eu respondi que temos que confiar nas evidências disponí-
veis até que tenhamos bons motivos para mudar de ideia.
Eu apontei que é muito implausível que Martha Washing-
ton soubesse muito sobre campanhas militares ou ques-
tões de Estado. Também é possível (e igualmente impro-
vável) que uma das tias-avós de Washington fosse o cére-
bro por trás de suas proezas militares. Nós simplesmente não podemos fa-
zer história desse jeito.
Eu pude ver que alguns membros da plateia ficaram totalmente indiferen-
tes com minha réplica e minha insistência "obtusa" em uma razoabilidade
histórica convencional, e eu sabia por quê: os transformadores querem
"Herstory". Eles estão impacientes com uma abordagem da História que
impede o tipo de revisionismo que muitas feministas de gênero estão exi-
gindo como parte de uma "base de conhecimento transformada".
A "reconceitualização" da História promovida pelas feministas de gênero
está avançando no nível universitário. Mas as mudanças curriculares são
ainda mais dramáticas nas escolas secundárias e elementares. Como os go-
vernos locais e estaduais estão intimamente envolvidos nos currículos das
escolas públicas, e por serem muito sensíveis e receptivos às pressões das
feministas de gênero, essas mudanças estão sendo impostas por decreto a
milhares de escolas públicas.
Os textos de história contemporânea e ciências sociais, especialmente para
os graus primário e secundário, fazem esforços especiais para fornecer
"modelos de comportamento" para as meninas. Os textos de jardim e pre-
zinho geralmente têm uma abundância de imagens; atualmente, eles mos-
tram mulheres trabalhando em fábricas ou olhando através de microscó-
pios. Uma imagem "estereotipada" de uma mulher com um bebê é uma
66

raridade carrancuda. Em vez disso, um tipo de estereótipo


reverso tornou-se um requisito informal. Antigamente,
Charles Lindbergh15 era um ótimo modelo de comporta-
mento para os garotos americanos; hoje, um livro didático
fará questão de informar aos alunos sobre o isolacionismo
de Lindbergh na Segunda Guerra Mundial. No mesmo texto,
as conquistas muito importantes de Anne Morrow Lindbergh 16 serão elogi-
adas, mas não haverá menção a seu flerte com o fascismo.
Os esforços equivocados para evitar o desprezo das mulheres levam rapi-
damente a extensas "reconsiderações" da história, da arte e das ciências. O
Centro para o Estudo de Mudança Social e Política na Faculdade Smith fez
um estudo crítico de três dos mais amplamente utilizados novos livros di-
dáticos no ensino médio sobre a história americana. Devido aos mandatos
estaduais para a igualdade de gênero, os autores dos novos livros didáticos
tiveram que sair do seu caminho para dar destaque às mulheres. Os pesqui-
sadores da Smith não ficaram satisfeitos com os resultados:
Existe um grande problema... na escrita de livros didáticos de história não-
sexistas. A maior parte da história dos Estados Unidos é dominada por ho-
mens, em parte porque, na maioria dos estados, as mulheres não podiam
votar em eleições federais ou exercer funções até o século XX. Isso pode ser
lamentável, mas ainda é um fato. O que, então, um escritor não-sexista de
livro didático de história americana pode fazer? A resposta é “o feminismo
de preenchimento”.
O feminismo de preenchimento enche a história com seus próprios "fatos"
projetados para veicular as lições que as feministas desejam transmitir. A
seguinte passagem do American Voices, um dos textos mais usados no en-
sino médio sobre a história da América, é um bom exemplo do espírito "se
sentir bem" feminista que se tornou a norma nos livros didáticos de nossa
nação.
Uma típica família nativa consistia em uma mulher idosa, suas filhas com
seus maridos e filhos, e suas netas e netos solteiros... Politicamente, os pa-
péis e status das mulheres variavam de cultura para cultura. As mulheres

15 Da Wikipédia: Charles Augustus Lindbergh (...) foi um pioneiro da aviaçãoestadunidense e ficou fa-
moso por ter feito o primeiro voo solitário transatlântico sem escalas em avião, em 1927.
16 Anne Morrow Lindbergh (...) foi uma escritora dos Estados Unidos. É a autora de O presente do Mar,
e foi casada com o famoso aviador Charles Lindbergh.
67

eram mais propensas a assumir papéis de liderança entre os povos agrícolas


do que entre caçadores nômades. Além disso, em muitos casos as mulheres
não se tornavam chefes de aldeia, mas elas ainda exerciam poder. Por
exemplo, nas aldeias iroquesas, quando homens escolhidos se sentavam em
círculo para discutir e tomar decisões, as mulheres mais velhas da aldeia
ficavam atrás deles, pressionando-os e instruindo-os. Além disso, as mulhe-
res idosas nomeavam os chefes masculinos das aldeias para suas posições.
Embora algumas das informações sobre os iroqueses sejam vagamente cor-
retas, o parágrafo é descaradamente planejado para dar aos estudantes do
ensino médio a impressão de que a maioria das sociedades nativas ameri-
canas tendia a ser politicamente matriarcal. Como isso não é verdade, o
manual se protege com a declaração formal de que "em muitos casos (...)
as mulheres não se tornavam chefes de aldeia". (Em quantos casos? Uma
pequena minoria? Uma grande maioria?)
Isso é paternalista para os índios e para as mulheres, e não há base para
isto. Existem mais de 350 tribos indígenas reconhecidas –
não se pode generalizar mais sobre elas do que sobre a
"humanidade". Eis o que Gilbert Sewall, do Conselho
Americano de Livros Didáticos, diz sobre essa passagem:
"Famílias chefiadas por mulheres? Uma má velha história
pode ser substituída por uma nova história ruim. A rota-
ção presentista17 na sociedade indiana encontrada na pas-
sagem do American Voices é menos baseada em evidência do que alinhado
às políticas e perspectivas feministas contemporâneas ".
Os textos de estudos sociais estão repletos desse "feminismo de preenchi-
mento"; de fato, em alguns casos, as pressões feministas determinam o que
é excluído ainda mais do que determinam o que deve ser incluído. Em uma
extensa pesquisa sobre os novos livros escritos sob diretrizes feministas, o
psicólogo Paul Vitz da Universidade de Nova York não encontrou nenhum
retrato positivo do romance, do casamento ou da maternidade.
De longe, a posição ideológica mais perceptível nos leitores é feminista...
Para começar, certos temas simplesmente não ocorrem nessas histórias e
artigos. Dificilmente uma história celebra a maternidade ou casamento
como um objetivo positivo ou como um modo rico e significativo de viver...

17 No original, presentist spin.


68

Embora a grande literatura, de Tristão e Isolda a Shakespeare, de Jane Aus-


ten a Louisa May Alcott, esteja repleta de romance e desejo de se casar,
encontramos muito pouco disso nesses textos.
Que os estudantes americanos são deficientes em alfabetização cultural é
bem conhecido. O que não se sabe é que os transformacionistas estão exa-
cerbando a situação. Um estudo de 1989 intitulado "O que nossos jovens
de 17 anos sabem?", de Diane Ravitch e Chester Finn,
concluiu que mais estudantes do ensino médio reconhe-
ciam o nome de Harriet Tubman18 (83%) do que de Wins-
ton Churchill (78%) ou Joseph Stalin (53%); Na verdade,
sabiam mais sobre a Sra. Tubman do que sabiam que
Abraham Lincoln emitiu a Proclamação da Emancipação
(68%) ou que a Constituição divide poderes entre os esta-
dos e o governo federal (43%). 77% reconheceram que as mulheres traba-
lhavam em fábricas durante a Segunda Guerra Mundial, mas poucas conse-
guiam identificar a Grande Depressão (75%) ou encontrar a França em um
mapa (65%) ou sabiam que a Renascença foi caracterizada por avanços tec-
nológicos e culturais (39%). No outono de 1992, o Dr. Frank Lutz, pesquisa-
dor do Instituto de Política da Universidade de Harvard, entrevistou estu-
dantes da Ivy League para descobrir quanto de história e civismo eles co-
nheciam. Sua pesquisa com 3.119 dos mais brilhantes e bem-instruídos alu-
nos de nossa nação revelou que três de cada quatro não sabiam que Tho-
mas Jefferson havia sido o autor das palavras iniciais da Declaração de In-
dependência. A maioria (três de quatro) não foi capaz de dizer o nome de
quatro juízes da Suprema Corte, nem o nome dos senadores dos EUA de
seus estados de origem. Mais de um terço não conseguiu dizer o nome o
primeiro-ministro da Grã-Bretanha. Tais consequências são típicas e previ-
síveis quando os professores se distraem do material que deveriam ensinar
pelo esforço de serem ideologicamente corretos.

18 Da Wikipédia: Harriet Tubman (nascida Araminta Ross; Condado de Dorchester, c. 1822 — Auburn, 10
de março de 1913), foi uma americana abolicionista, humanitária, olheira armada e espiã do Exército
dos Estados Unidos durante a Guerra Civil Americana. Nascida durante a escravidão, Tubman escapou
e, posteriormente, fez cerca de treze missões para resgatar cerca de setenta famílias e amigos escra-
vizados, usando a rede de ativistas abolicionistas e casas seguras conhecida como Underground rail-
road. Mais tarde, ela ajudou o abolicionista John Brown a recrutar homens para a sua invasão em Har-
pers Ferry, e na era do pós-guerra foi uma participante ativa na luta pelo voto feminino.
69

O problema do "feminismo de preenchimento" ficará pior. Os transforma-


cionistas são bem organizados, e sua influência está crescendo rapida-
mente. Por causa das pressões deles, a lei em alguns estados atualmente
exige uma história "justa em termos de gênero". O Departamento de Edu-
cação do Estado da Califórnia emitiu diretrizes chamadas "Padrões para
Avaliação de Materiais Instrucionais com Respeito ao Conteúdo Social". De
acordo com a seção do Código de Educação 60040 (a) e 60044 (a), "Sempre
que um material instrucional apresenta desenvolvimentos na história ou
eventos atuais, ou realizações em arte, ciência ou qualquer outro campo,
as contribuições de mulheres e homens devem ser representadas em nú-
mero aproximadamente igual". Com efeito, esta lei exige que o historiador
esteja mais atento às exigências da "representação igual" do que aos fatos
históricos. Desnecessário dizer que as histórias e os estudos sociais apre-
sentados desta maneira "justa", mas factualmente distorcida, constituem
uma abordagem indigna e desonesta da aprendizagem.
Na história das altas artes, a ausência de mulheres é deplorável, mas em
grande parte irreparável. Poucas mulheres no passado puderam treinar e
trabalhar nas artes principais. Por causa disso, os homens realizaram a mai-
oria das obras que são comumente reconhecidas como obras-primas. Mas
aqui, especialmente, a tentação de corrigir os erros do passado através da
"reconceitualização" provou-se irresistível.
Os transformacionistas afirmam que as obras de arte fei-
tas por mulheres foram preteridas porque os padrões
sempre foram inclinados a favorecer os homens. Peggy
McIntosh, diretora do Centro para Pesquisa sobre Mulhe-
res da Faculdade Wellesley e líder do movimento para
transformar o currículo, pede medidas para corrigir o erro
histórico que a arte das mulheres sofreu nas mãos dos críticos masculinos:
O estudo da música, arte e arquitetura é transformado quando vai além da-
queles trabalhos que foram feitos para uso público, exibição ou perfor-
mance e foram apoiados pelos patronos aristocráticos ou institucionais. Co-
meça-se a estudar colchas, formas de bolo de pão, roupas, panelas ou mú-
sicas e danças nas quais pessoas sem alfabetização musical ou treinamento
tinham habilidade.
Janis Bell, historiadora de arte da Faculdade Kenyon, faz a pergunta repe-
tida em milhares de cursos de estudos sobre mulheres: "Mas o retângulo
70

tradicional de uma tela qualquer é menos limitador para o desenho do que


o retângulo da colcha?". A professora Bell clama pela reconceitualização de
"nossos cursos para criar um lugar para as mulheres que não seja mais pe-
riférico, mas sim o centro de nossa investigação sobre a história das artes
visuais”.
As professoras Bell e a Dr. McIntosh nos pedem para "ir além" das grandes
obras de arte públicas, como as catedrais, para ver o que as mulheres fize-
ram. E uma colcha pode ter grande valor estético. Mas a mais bela colcha é
claramente inferior às telas de Ticiano e Rembrandt em sutileza, complexi-
dade e poder, e devemos ser capazes de reconhecer a negligência da arte
das mulheres sem reivindicar o contrário. De fato, é verdade que o estudo
das contribuições das mulheres à arte foi negligenciado e que essa negli-
gência deve ser – e está sendo – abordada e reparada. Por outro lado, pro-
postas revisionistas para reescrever o registro histórico ou mudar os pa-
drões de excelência artística para colocar a arte das mulheres em pé de
igualdade com as mais altas realizações clássicas devem ser rejeitadas como
indignas de um feminismo que reverencia a grande arte e respeita a ver-
dade.

***

Feministas que se ressentem da "cultura masculina" tendem a carregar seus


cursos com materiais corretivos enfatizando as mulheres. Há, com certeza,
muito conhecimento interessante sobre as mulheres, e pode ser tentador
para as feministas dedicar uma quantidade desproporcional de tempo de
aula para isso. Mas os professores têm obrigação de assegurar que seus
alunos adquiram uma “alfabetização cultural” básica. Aqueles que implan-
tam um novo conhecimento em uma tentativa de compensar as deficiên-
cias do "currículo centrado nos homens" quase inevitavelmente prejudicam
seus alunos.
No verão de 1992, participei de uma oficina ministrada por Elizabeth Min-
nich quando ela e eu éramos palestrantes nas reuniões anuais da Sociedade
Phi Kappa Phi em Charlotte, Carolina do Norte. Ela delineou a maioria dos
argumentos acima – incluindo as críticas à noção de obra-prima na arte e a
"hegemonia" dos padrões greco-euro-americanos. Durante a discussão,
71

perguntei à Dr. Minnich se ela realmente acreditava que havia colchas que
rivalizavam ou superavam o teto da Capela Sistina. Ela admitiu que tal jul-
gamento realmente choca nossa sensibilidade, mas me perguntou: "Não é
disso que se trata a história das artes – sensibilidades chocadas?" Padrões
e gostos estão sempre em fluxo, ela disse. O que uma sociedade ou grupo
julga ser grande outra acha banal ou ofensivo.
O público pareceu surpreso com a minha discordância aberta com a Dr.
Minnich. A reação deles, tenho vergonha de dizer, fez com que eu me con-
tivesse de fazer as perguntas que eu queria muito perguntar: por que nós
mulheres deveríamos jogar um jogo indigno de superioridade em que esta-
mos fadadas a perder? O que motiva os esforços revisionistas de reescrever
a História ou revisar os padrões de "grandeza" de uma maneira calculada
para dar às mulheres vitórias e triunfos que elas nunca tiveram a oportuni-
dade de ganhar? Agora temos essas oportunidades. Por que não podemos
avançar para o futuro e parar de desperdiçar energia em se ressentir (e "re-
escrita") do passado?
Muitos de nós que nos chamamos de feministas estamos muito conscientes
das indignidades e privações do passado que limitaram as mulheres nas ar-
tes. Embora deploremos o passado, agradecemos que a situação tenha mu-
dado: hoje, as mulheres artisticamente dotadas gozam de condições de
igualdade. Assim, rejeitamos o chamado para mudar os padrões de exce-
lência, e estamos explorando as alternativas mais construtivas abertas para
nós agora, que nós julgamos ser nossas melhores perspectivas.
Infelizmente, ninguém está consultando as feministas tradicionais sobre o
valor ou a sabedoria das propostas para mudar os padrões a fim de "valori-
zar" as mulheres na História da arte ou em qualquer outro ramo da História.
Se os transformacionistas continuarem a ter seu caminho desimpedido na
academia, um grande número de estudantes americanos aprenderá a ver
as grandes obras-primas de uma maneira doutrinariamente correta – para
a sua profunda perda. Além disso, o movimento das mulheres perde-se por
estar associado ao anti-intelectualismo partidário e ressentido que está ins-
pirando um revisionismo ginocêntrico na crítica de arte.
Na literatura, como nas artes, feministas de gênero fizeram um ataque
abrangente a supostas concepções masculinas de excelência. Como Elaine
Marks do departamento francês da Universidade de Wisconsin diz: "Esta-
mos contestando o cânon e o próprio conceito de cânones e obras-primas".
72

A professora Marks nos lembra mais uma vez que muitas mulheres talen-
tosas no passado não receberam o devido reconhecimento. Uma boa
feminista acadêmica aborda esse problema e, em muitos casos, ressuscita
reputações que, de outra forma, permaneceriam negligen-
ciadas. Mas feministas de gênero não se contentam em pa-
rar por aí. Como a ativista transformacionista Charlotte
Bunch declara: "Você não pode simplesmente adicionar
mulheres e mexer". De acordo com Bunch, devemos atacar
o problema em suas raízes "transformando uma cultura
masculina" e "reconstruindo o mundo do ponto de vista das mulheres". De-
vemos, em outras palavras, rejeitar os padrões masculinos que colocaram
homens europeus como Michelangelo e Shakespeare nos escalões mais al-
tos e relegaram suas irmãs ao esquecimento.
As feministas de gênero desafiam a própria ideia de "grande arte", "grande
literatura" e (como veremos a seguir) "grande ciência". Falar de "grandeza"
e "obras-primas" implica um ranking de artistas e obras, uma abordagem
"hierárquica" considerada inaceitável porque implicitamente denigre aque-
les que recebem um status menor. A própria ideia de "gênio" é vista como
suspeita de ser elitista e "masculinista". Peggy McIntosh está entre as pro-
ponentes dessa crença: "O estudo da literatura geralmente envolve muito
poucos gênios... Ser comum é pecado, no mundo da maioria dos professo-
res de literatura... Apenas aqueles trabalhos que se distanciam da plateia,
ao se estabelecerem em um gênero separado do leitor e não necessitando
de resposta do leitor, são considerados literários”. McIntosh não explica por
que um trabalho de um gênio como Leon Tolstoi deveria ser mais "distan-
ciador" do que um trabalho de uma romancista feminista do século XX
como Margaret Atwood ou Alice Walker.
O projeto transformacionista já tem influenciado fortemente as universida-
des americanas, e a atitude desdenhosa que promove em relação aos clás-
sicos da literatura tradicional está ficando cada vez mais da moda. Os orga-
nizadores de uma conferência literária sobre diversidade e multicultura-
lismo em Boston, em junho de 1991, pediram aos 200 professores partici-
pantes que listassem os cinco autores americanos que eles acreditavam ser
mais necessários para uma educação de qualidade. Mark Twain obteve 36
votos; Toni Morrison, 34; Maya Angelou, 26; Alice Walker, 24; John Stein-
beck, 21; Malcolm X, 18; Richard Wright, 13; James Baldwin, 13; Langston
73

Hughes, 13; William Faulkner, 11; Nathaniel Hawthorne, 10; Ernest Hem-
ingway, 10; Henry David Thoreau, 9; Willa Cather, 8; F. Scott Fitzgerald, 7;
Dee Brown, 7; W.E.B Du-Bois, 7; Emily Dickinson, 6; Amy Tan, 6; Harper Lee,
5; e Walt Whitman, 5. Thomas Palmer, um repórter do Boston Globe que
cobriu a conferência, parou de contar depois de Whitman. Em qualquer
caso, Herman Melville, que a maioria dos críticos literários costumava con-
siderar como o maior escritor americano, não entrou na lista. Nem Henry
James. Os conferencistas aplaudiram os resultados da pesquisa. "Esta lista
me faz sentir muito mais conectada", disse um participante ao Globe. Eu,
por outro lado, fiquei deprimida com os resultados.
Em sua crítica à cultura masculina imperial, as feministas transformacionis-
tas não se limitam a impugnar a história, a arte e literatura do passado. Elas
também consideram lógica e racionalidade como "falocêntrica". Elizabeth
Minnich atribui a tradição cultural a uns "poucos machos privilegiados...
que geralmente são chamados ‘os gregos’". Em comum com muitas outras
transformacionistas, Minnich acredita que as concepções de racionalidade
e inteligência são criações brancas e masculinas: "Atualmente, os alunos
não apenas são ensinados sobre noções ‘falocêntricas’ e ‘coloniais’ de razão
como as formas de expressão racional, mas toda a extensão possível de ex-
pressão da inteligência humana também tende a ser limitada a uma noção
severamente encolhida de inteligência.” Observe a referência a uma racio-
nalidade "colonial" com sua implicação de subjugação deliberada. Agora é
prática comum usar aspas assustadas19 para indicar a suspeita feminista de
uma "realidade" peculiar aos modos masculinos de conhecer. Por exemplo,
a filósofa feminista Joyce Trebilcot fala de "aparatos de ‘verdade’, ‘conhe-
cimento’, ‘ciência’”, que os homens usam para “projetar suas personalida-
des como realidade”.
O ataque à cultura tradicional, portanto, degenerou para um ataque aos
padrões e métodos racionais que têm sido a marca do progresso científico.
O Projeto de Nova Jersey para reformar as escolas públicas faz circular um
documento intitulado "Diretrizes para Estudos Feministas". A primeira di-
retriz é inatingível: "As acadêmicas feministas buscam recuperar o trabalho

19 Da Wikipédia: aspas assustadas são aspas que um escritor coloca em torno de uma palavra ou frase
para sinalizar que elas estão sendo usadas de forma não padronizada, irônica, ou outro sentido espe-
cial. Podem indicar que o autor está usando o termo de outra pessoa (...), implicar ceticismo ou desa-
cordo, crença de que as palavras são mal utilizadas ou que o escritor pretende dar significado oposto
às palavras entre aspas.
74

perdido e o pensamento das mulheres em todas as áreas do esforço hu-


mano". Mas depois disso, as diretrizes revelam: "A erudição feminista co-
meça com a consciência de que muitos estudos anteriores ofereceram uma
visão branca, masculina, eurocêntrica, heterossexista e elitista da ‘reali-
dade’."
As diretrizes elaboradas sobre a atitude em relação aos estudos masculinis-
tas e métodos citam a teórica feminista Elizabeth Fee: "O conhecimento foi
criado como um ato de agressão – uma natureza passiva teve que ser inter-
rogada, despida, penetrada e obrigada pelo homem a revelar seus segre-
dos." O ressentimento e a suspeita dos "modos de conhe-
cer" masculinos seguem um caminho trilhado por pensa-
doras feministas como Mary Ellman, Catharine MacKinnon
e Sandra Harding, cujas visões do conhecimento patriarcal
e da ciência rapidamente vêm se tornando doutrina cen-
tral do feminismo de gênero. Jogando com o duplo sentido
bíblico de conhecer que se refere tanto ao ato sexual
quanto ao conhecimento, Ellman e MacKinnon afirmam que os homens se
aproximam da natureza como os estupradores se aproximam de uma mu-
lher, tendo alegria em violá-la, "penetrar" em seus segredos. As feministas,
diz MacKinnon, finalmente perceberam que, para os homens, "conhecer
significa foder". De um modo semelhante, Sandra Harding sugere que os
Princípios de Mecânica de Newton poderiam ser apropriadamente chama-
dos de "Manual de Estupro de Newton".
O Projeto de New Jersey é inspirado por tais insights. Como professora de
Filosofia, eu suponho que ficaria feliz em ver questões profundas na meta-
física e na teoria do conhecimento sendo discutidas em panfletos do go-
verno sobre reforma educacional. Mas é claro que essa discussão é mais
política do que filosófica. Nova Jersey recebe sua teoria do conhecimento
de ativistas feministas como Paula Rothenberg e Catharine Stimpson. Que
o Estado deveria subscrever uma condenação das concepções "falocêntri-
cas" da realidade e do conhecimento científico é muito mais um tributo à
energia e influência política das feministas transformacionistas do que à
profunda valorização de Nova Jersey da epistemologia contemporânea.

***
75

Estudiosos do sexo masculino especializados em suas disciplinas acadêmi-


cas masculinistas (da Química à Filosofia) são conhecidos pelos transforma-
cionistas como "conhecedores separados". As autoras de Women's Ways of
Knowing (Os modos das mulheres de conhecer), um texto muito citado pe-
los transformacionistas, definem "conhecimento separado" como "o jogo
da razão impessoal", um jogo que "pertence tradicionalmente aos meni-
nos". "Conhecedores separados são resistentes. Eles são como porteiros
em clubes privados. Eles não querem deixar nada entrar, a menos que te-
nham certeza de que é bom... Apresentados a uma proposição, os conhe-
cedores separados imediatamente procuram algo errado - um lacuna, um
erro factual, uma contradição lógica, a omissão de evidências contrárias".
Conhecedores separados – principalmente homens – jogam o "jogo da dú-
vida". As autoras de Women's Ways of Knowing contrastam o conheci-
mento separado com um estado mais elevado de "conhecimento conec-
tado", que eles veem como mais feminino. No lugar do "jogo da dúvida", os
conhecedores conectados jogam o "jogo dos crentes". Isso é mais agradável
para as mulheres porque "muitas mulheres acham mais fácil acreditar do
que duvidar".
Peggy McIntosh desenvolveu sua própria variante especial da distinção en-
tre conhecedores conectados e conhecedores separados. Por que, per-
gunta ela, as escolas deveriam se concentrar tanto nas pessoas no topo –
nas "fortalezas montanhosas dos homens brancos" – quando o que preci-
samos estudar são os "valores do vale" das mulheres e das minorias? McIn-
tosh muda entre a metáfora montanha-vale e uma distinção que soa mais
técnica (embora seja de fato igualmente metafórica) entre os dois modos
de saber: um modo estreito, patriarcal, masculino, "vertical" e um modo
mais rico, feminino, "lateral".
A elite dominante masculina – os "pensadores verticais", como a Dr. McIn-
tosh os chama – visa "ao pensamento exato, à determinação ou ao domínio
de alguma coisa, ou à capacidade de argumentar e derrotar os oponentes,
ou entregar o artigo perfeito". O pensamento vertical é "desencadeado por
palavras como excelência, realização, sucesso e conquista". O pensamento
lateral é mais espiritual, "relacional, inclusivo". Mulheres e pessoas de cor
tendem a ser pensadores laterais. Para os "laterais", o "objetivo não é ven-
cer, mas estar em um relacionamento decente com os elementos invisíveis
do universo".
76

McIntosh elabora a metáfora vertical-lateral ao propor cinco etapas no de-


senvolvimento de um currículo aceitável. Sua "teoria das fases" é uma das
várias tipologias populares que influenciam a missão das feministas de gê-
nero para transformar as escolas americanas. As teorias de estágios se pres-
tam bem ao modelo de workshop e fornecem aos administradores um meio
útil para avaliar o corpo docente. McIntosh classifica professores pelo nível
das fases que seus cursos exemplificam.
Na primeira fase, o professor se concentra nas pessoas da montanha, ou
"pessoas do pináculo". Um curso de história da primeira fase "tende a en-
fatizar leis, guerras... e a contar as histórias dos vencedores, no topo das
escadas do chamado sucesso, realização, conquista e excelência". Os pen-
sadores da Fase 1 dão como certos dogmas como "a busca pelo conheci-
mento é um empreendimento humano universal." A dra. McIntosh fala do
"ethos oculto" que paira sobre o currículo da "fase 1", com sua lógica de
"um ou outro... ou certo ou errado ... Você ganha para não perder: mate ou
seja morto". Em uma oficina de 1990 para professores e funcionários de
escolas públicas no Brooklin, Massachusetts, ela lembrou à plateia de todos
os "jovens brancos machos perigosos para eles mesmos e para o resto de
nós, especialmente em uma era nuclear". Sua orientação para a lógica e a
conquista é o que os torna tão ameaçadores.
Na fase 2, os instrutores notaram a ausência de mulheres e minorias, e en-
tão encontram alguns casos excepcionais para incluí-las. McIntosh chama
isso de fase "minoria excepcional". Ela considera isso "pior" do que a pri-
meira fase, pois "finge nos mostrar 'mulheres', mas realmente nos mostram
apenas algumas poucas".
Na fase 3, o instrutor começa a se interessar pelas pessoas do vale e por
que tão poucos conseguiram subir a montanha. "O trabalho do currículo da
fase 3 envolve ficar com raiva." A ênfase agora é sobre as mulheres como
um grupo vitimizado. "A maioria dos professores nos Estados Unidos...
aprendeu que o indivíduo é a principal unidade da sociedade e que o sis-
tema americano é uma meritocracia". Mas na fase 3, essas crenças ingê-
nuas são descartadas. Na fase 3, os professores se tornam críticos radicais
dos Estados Unidos: eles começam a ver "como os padrões de colonialismo,
imperialismo e genocídio fora dos EUA correspondem aos padrões de do-
minação, militarismo e genocídio em casa”.
77

A fase 4 nos leva além de ganhar e perder. "Ele produz cursos em que todos
nós estamos juntos, todos tendo identidades étnicas e raciais, todos tendo
cultura... todos com algum poder para dizer não, e sim, e 'Isto eu crio'... As
aulas da fase 4 podem ser maravilhosas em seu poder de cura."
A descrição de McIntosh da fase 4 é alusiva e poética, mas para os pensa-
dores "verticais" ocultos não é muito esclarecedora. Ela diz ainda menos
sobre a quinta e mais alta fase em seu ideal de conhecimento. Ela admite
que é "ainda impensável" e escreve em frases com uma abundância de le-
tras maiúsculas que significam seu caráter apocalíptico: "A Fase 5 nos dará
a História Global e Biológica Reconstruídas para Sobreviver". Discutir a
quinta fase lembra McIntosh de uma observação feita pela historiadora fe-
minista Gerda Lerner: "Não se preocupem... estivemos 6000 anos cuidado-
samente construindo uma estrutura patriarcal de conhecimento, e nós ti-
vemos apenas 12 anos para tentar corrigi-la, e 12 anos não é nada".
Marilyn R. Schuster e Susan R. Van Dyne da Faculdade Smith "prestam con-
sultoria nacionalmente" sobre a transformação curricular feminista. Elas
desenvolveram uma teoria de seis níveis pedagógicos que se parece muito
com a teoria das cinco fases de McIntosh. Eles descrevem uma alternativa
feminista ao currículo masculinista, que deve ser pluralista em vez de hie-
rárquico, atento à diferença em vez de elitista, concreto em vez de abstrato.
Mas elas também não estão dispostas a nos dizer para onde as transforma-
ções vão levar:
Com o que realmente se pareceria um currículo que oferecesse uma visão
inclusiva da experiência humana e que atendesse com tanto cuidado à dife-
rença e ao genuíno pluralismo em vez da mesmice e da generalização? Em-
bora possuamos as ferramentas de análise que nos permitam conceber tal
educação, não podemos, ainda, apontar para qualquer instituição que te-
nha entrado no milênio e adotado tal currículo.
Mas o problema não é que o "milênio" de uma academia transformada
ainda não tenha chegado. Schuster e Van Dyne não percebem que não têm
ideia do currículo que substituirá o currículo "androcêntrico". Em vez de
submeter um currículo feminista abrangente a uma séria consideração e
escrutínio, nós somos apresentados a um monte de conversa mole e meta-
fórica sobre epistemologias femininas, caracterizando como as mulheres
veem o mundo a partir de uma perspectiva feminina.
78

Catharine Stimpson, uma das matronas do transformacionismo, é ex-presi-


dente da Associação de Linguagem Moderna e, até recentemente, era rei-
tora da Escola de Gradução e vice-reitora da Universidade Rutgers. Nós te-
mos uma descrição bastante detalhada dela de um currículo de estágio
avançado que ela esboçou na revista Change em 1988. Stimpson começa
de uma forma transformacionista convencional, denunciando o tradicional
currículo da fase 1 para ensinar os alunos a reconhecer os grandes nomes
(masculinos) de "Abraão e Isaque a Zola" como pouco mais do que um jogo
que, "na sua forma mais inocente", apela apenas a fãs de palavras-cruzadas
ou de "Jeopardy20". Dean Stimpson tem um "currículo mais coerente" em
mente, e como ela tem sido extraordinariamente específica, vou citá-la com
alguma extensão:
Como poderia ser um currículo coerente? Deixe-me desmascarar alguns tó-
picos de um programa, que enfoca as humanidades ... "Meu programa" de-
seja mostrar... a cultura, não como uma estrutura estática e imóvel, mas
como uma série cinética de processos, na qual várias forças muitas vezes
competem e colidem. No entanto, um estudante deve ter uma certa segu-
rança para apreciar a diversidade... Para ajudar a criar esse senso de esta-
bilidade e segurança para os estudantes americanos... meu... currículo uni-
versitário começa com uma narrativa linear sobre a própria história estra-
nha e complexa da América... Por exemplo, quando a narrativa se volta para
o século XVII, ela poderia parar em quatro textos: mitos, lendas e rituais dos
nativos americanos; os julgamentos de 1637-38 de Anne Hutchinson 21; os
poemas de Anne Bradstreet... e finalmente, a narrativa de Mary Rowland-
son, publicada em 1682, sobre sua captura pelos nativos americanos du-
rante a luta de libertação de 1676.

20 Da Wikipédia: Jeopardy! é um programa de televisão atualmente exibido pela CBS Television Distri-
buition. É um show de perguntas e respostas (quiz) variando história, literatura, cultura e ciências.
21 Anne Hutchinson (Alford, 1591 — Pelham Bay, 1643) foi uma pregadora e dissidente religiosa puri-
tana que viveu no começo da era colonial inglesa na América do Norte, tendo sido expulsa da Massa-
chusetts Bay Colony. (...) Em 1634 Anne e a sua família mudaram-se para a América do Norte, em
concreto para a Massachusetts Bay Colony, para poderem acompanhar as pregações de John Cotton,
que se tinha mudado para a colónia no ano anterior. (...) Uma vez na cidade, Anne passou a organizar
um encontro semanal no qual as mulheres se juntavam para debater o sermão de Cotton e para dia-
logarem sobre outras questões espirituais. (...) Em novembro de 1637 Anne foi acusada de sedição,
por ter considerado que os clérigos da colónia ensinavam erros. Uma vez que na época não existia
uma separação entre religião e estado, criticar as autoridades religiosas implicava criticar as autorida-
des políticas. John Cotton testemunhou a favor de Anne no julgamento, afirmando que as ideias de
Anne tinha sido retiradas do contexto. Contudo, Anne Hutchinson recusou retratar-se e alegou
que Deus comunicava directamente com ela. O tribunal declarou-a culpada e Anne foi banida da co-
lónia junto com a sua família e os seus seguidores.
79

Stimpson nos dá uma idéia de como alguém poderia corrigir as narrativas


masculinistas padrão com sua interminável discussão de "exploradores",
"pais fundadores" e a Constituição – nenhuma das quais figura na versão
de Stimpson dos estudos americanos.
Entre meus romances, estariam Stars in My Pocket (Estrelas em meu bolso),
assim como Grains of Sand (Grãos de areia)... Como muitas ficções especu-
lativas contemporâneas, Stars in My Pocket acha a heterossexualidade con-
vencional um absurdo. As figuras centrais são dois homens, Rat Korga e
Marq Dyeth, que têm um caso complexo, mas em êxtase. Marq também é
o produto orgulhoso de um rico "fluxo de nutrição". Sua ascendência inclui
humanos e alienígenas. Sua herança genética combina diferenças. Em uma
cena doce, ele vê três de suas mães.
Stimpson sabe que seu currículo será criticado. Mas ela é alegremente de-
safiadora: "Se meu currículo parece urrar como uma besta de relativismo,
acho isso motivo de alegria ... Meu projeto reconstrutivo afirma que o rela-
tivismo não é uma besta, mas um capanga que alimentará uma universi-
dade mais democrática, letrada, e sim, mais inteligente."
Podemos deixar que a fala de Stimpson sobre um "currículo coerente" e
"universidade mais inteligente" caia sob seu próprio peso. Outros transfor-
madores não têm sido tão colaborativos sobre para onde eles estão levando
a academia – e nós podemos ver por quê. Acontece que eu conheci a Sra.
Stimpson em várias conferências recentes e achei que ela era mais mode-
rada e sensata do que parece ter sido em 1988. No entanto, seus pontos de
vista sobre os anos 80 lançam luz sobre a situação das universidades nos
anos 90. Muitos cursos do tipo que Stimpson sonhava estão agora em vigor,
e a campanha contra a cultura "patriarcal" e a erudição segue inabalável.
É compreensível que os transformacionistas sejam mais líricos do que infor-
mativos sobre como será a academia transformada e qual será seu currí-
culo. Não faltam discussões programáticas sobre "subjetividade", "pensa-
mento lateral", "concretude", "inclusão", "relacionamento" e a importância
dos estudos interdisciplinares como características de uma reconceitualiza-
ção feminista do ensino superior. Há também muita conversa metafórica
sobre janelas, espelhos e vozes. Mas a descrição do novo currículo é omissa
em assuntos cruciais. Qual, por exemplo, será o destino de assuntos suspei-
tos como matemática, lógica ou filosofia analítica, descritos como "primeira
fase, vertical, masculino"?
80

Linda Gardiner, editora da Women's Review of Books, que está hospedada


no Centro de Pesquisa sobre Mulheres da Faculdade Wellesley, pergunta se
a filosofia ocidental fala para as mulheres. "Podemos começar a questionar
a importância da ênfase de Descartes na lógica e na matemática como os
tipos ideais de racionalidade, em uma sociedade em que apenas uma pe-
quena porcentagem de pessoas poderia realisticamente gastar tempo de-
senvolvendo habilidades nesses campos", ela escreve. Observando que a
elite filosófica é parcial em favor do abstrato, do metódico e do universal,
Gardiner sugere que uma filosofia feminista seria mais concreta e mais sus-
peitosa da lógica e do método.
"Como seria uma lógica feminina?" ela pergunta e responde que isso seria
como perguntar como seria uma astronomia ou física de partículas femini-
nas. "Não podemos imaginar o que significaria ter uma 'versão feminina’
disso." Por isso, a senhora Gardiner diz que devemos primeiro desenvolver
diferentes epistemologias. Lendo os argumentos espirituosos de Gardiner
para a tese de que a filosofia clássica é essencial e inveteradamente ten-
denciosa para o masculino, não se pode evitar a impressão de que a crítica
feminista é mais engenhosa em encontrar preconceitos masculinos em um
campo do que em propor uma alternativa inteligível para lidar com o as-
sunto.
A "crítica" feminista de gênero das ciências físicas, uma das áreas mais vi-
sadas pela teoria feminista de transformação, também é rica em metáfora
e pobre em conteúdo literal. Certamente, a ciência apresenta algumas
questões genuínas de interesse para qualquer feminista. Os laboratórios
podem ser tão desagradáveis para as mulheres quanto os vestiários mascu-
linos; muito ainda precisa ser feito para tornar a vida da ciência mais hospi-
taleira para as mulheres. Mas as feministas da equidade se opõem àquelas
que sustentam que a ciência em si – sua metodologia, suas regras de evi-
dência, sua preocupação com base empírica, seu ideal de objetividade – é
uma expressão de uma abordagem "masculinista" do conhecimento. De
fato, as doutrinas feministas de gênero são um nítido embaraço e uma ame-
aça a qualquer mulher com aspirações de fazer ciência real.
81

Inevitavelmente, as filósofas feministas de gênero procu-


ram encontrar suas ideias confirmadas por eminentes mu-
lheres cientistas. Evelyn Fox Keller argumenta que as con-
quistas da Prêmio Nobel Barbara McClintock em biologia
celular foram possíveis graças ao seu status de outsider,
que dava margem à sua abordagem exclusivamente femi-
nina. Como uma mulher íntegra, diz Fox Keller, McClintock não pôde aceitar
a "imagem da cientista inspirada no marido patriarcal". Isso, de acordo com
Fox Keller, levou McClintock a redefinições criativas e radicais: "A natureza
deve ser renomeada como não feminina, ou, pelo menos, não como um
objeto alienado. Da mesma forma, a mente, se a cientista mulher tiver uma,
deve ser renomeada como não necessariamente masculina, e então refor-
mulada com uma subjetividade mais inclusiva". Mas a própria professora
McClintock não aceita a interpretação de Fox Keller de seu trabalho. Como
Fox Keller francamente reconhece: "Ela [McClintock] negaria qualquer aná-
lise de seu trabalho como um trabalho de mulher, assim como qualquer
sugestão de que seus pontos de vista representam a perspectiva de uma
mulher. Para ela, a ciência não é uma questão de gênero, seja masculino ou
feminino, é, ao contrário, um lugar onde (idealmente pelo menos) "a ques-
tão do gênero desaparece"."
As críticas feministas têm examinado as metáforas da "ciência masculina" e
as considerado sexistas. Eu ouvi recentemente uma astrônoma feminista
entrevistada pela CNN dizer com toda a seriedade que a terminologia se-
xista como "a Teoria do Big Bang" é "desmotivadora para mulheres jovens",
que, de outra forma, poderiam estar interessadas em perseguir carreiras
em seu campo. É difícil acreditar que alguém com um interesse inteligente
em astronomia ficaria desmotivada pela descrição gráfica de um evento
cósmico. Outras críticas da ciência como masculinistas são igualmente tolas
e cientificamente infrutíferas. Depois de afirmar que "a ter-
minologia bélica da imunologia que se concentra na 'com-
petição', 'inibição' e 'invasão' como teorias importantes de
como a interação celular reflete uma visão militarista do
mundo", Sue Rosser, que oferece oficinas sobre como
transformar o currículo de biologia, admite que "uma crí-
tica feminista ainda não produziu mudanças teóricas na
área da biologia celular". Ela não nos diz como a "crítica feminista" poderia
levar a avanços na biologia, mas ela considera óbvio que deve: "Torna-se
82

evidente que a inclusão de uma perspectiva feminista leva a mudanças em


modelos, assuntos experimentais e interpretações de dados. Essas mudan-
ças implicam teorias mais inclusivas e enriquecidas em comparação com as
teorias tradicionais, restritivas e unicausais.”
Para alguns, apenas a promessa de uma perspectiva feminina nas ciências
parece suficiente. Exigir mais parece grosseiro para eles. Sandra Harding fez
da filosofia feminista da ciência sua especialidade. Harding faz parecer que
a simples articulação de uma crítica feminista à ciência masculina equivale
a romper com uma alternativa feminista: "Quando começamos a teorizar
nossas experiências... sabíamos que nossa tarefa seria difícil, mas estimu-
lante. Mas duvido que, em nossos sonhos mais loucos, nós imaginamos que
teríamos que reinventar tanto a ciência quanto a própria teorização, a fim
de dar sentido à experiência social das mulheres." Infelizmente, não temos
a mais vaga ideia de como essa suposta inovação deve
agora afetar o estudo das ciências naturais, em particular,
permanecemos no escuro sobre a questão de como seria
um currículo científico feminista e como isso levaria a "rein-
ventar a ciência". Como a filósofa da matemática Marga-
rita Levin ressalta secamente: "Ainda é preciso saber se os
aviões das feministas permaneceriam no ar para as engenheiras feminis-
tas".
83

CAPÍTULO 4
AS NOVAS EPISTEMOLOGIAS

Algumas feministas de gênero afirmam que porque as mulheres foram opri-


midas elas são melhores "conhecedoras". Sentindo mais profundamente,
elas enxergam com mais clareza e compreendem melhor a realidade. Elas
têm uma vantagem "epistêmica" sobre os homens. Ser oprimido realmente
torna alguém mais conhecedor ou perceptivo? A ideia de que a adversidade
confere uma visão especial é suficientemente familiar. Os críticos literários
frequentemente atribuem a criatividade ao sofrimento, incluindo sofri-
mento oriundo de discriminação racial ou homofobia. Mas as filósofas fe-
ministas levaram esta ideia muito mais longe. Elas afirmam que os grupos
oprimidos desfrutam de "epistemologias" privilegiadas ou "formas diferen-
tes de conhecer" que os torna mais capazes de entender o mundo, não ape-
nas socialmente, mas cientificamente.
Segundo a "teoria do ponto de vista", como a teoria da vantagem epistê-
mica é chamada, os oprimidos podem se tornar melhores biólogos, físicos
e filósofos do que seus opressores. Assim, encontramos a teórica feminista
Hilary Rose dizendo que os cientistas do sexo masculino foram prejudicados
por serem homens. Uma ciência melhor seria baseada na experiência e prá-
tica doméstica das mulheres. A professora Virginia Held oferece a espe-
rança de que "um ponto de vista feminista nos daria uma compreensão
bem diferente até mesmo da realidade física." Por outro lado, aqueles que
são socialmente mais favorecidos, os proverbiais homens brancos de classe
média, estão na pior posição epistêmica.
O que os filósofos tradicionais pensam da ideia da "teoria
do ponto de vista"? A professora Susan Haack, da Universi-
dade de Miami, é uma das epistemologistas mais respeita-
das do país. Ela também é uma feminista da equidade. Em
dezembro de 1992, ela participou de um simpósio sobre fi-
losofia feminista em reuniões da Associação Americana Fi-
losófica. Foi um evento único. Pelo menos uma vez, alguém de fora do mun-
dinho insular do feminismo de gênero foi convidado a comentar as teorias
feministas de gênero sobre o conhecimento. Observar a professora Haack
criticando os "teóricos do ponto de vista" era um pouco como ver um
84

grande mestre de xadrez derrotar todos os oponentes em uma exposição


simultânea, vendada.
Haack disse à plateia que acha a ideia de "formas femininas de saber" tão
intrigante quanto a ideia de uma epistemologia republicana ou de uma
epistemologia de pessoas da terceira idade. Alguns de seus argumentos são
muito técnicos para revisar aqui. Cito apenas algumas de suas críticas:
Não estou convencida de que haja "maneiras distintamente femininas de
saber." Todo ser humano tem que continuar, descobrir como as coisas são,
é a sua experiência sensorial e introspectiva, e a teorização explicativa que
ele ou ela concebe para acomodá-lo; e diferenças no estilo cognitivo, como
as diferenças na escrita, parecem mais individuais do que determinadas por
gênero.
Ela apontou que as teorias baseadas na ideia de que a opressão ou a priva-
ção resultam em um ponto de vista privilegiado são especialmente implau-
síveis; se elas estivessem certas, os grupos mais desfavorecidos produziriam
os melhores cientistas. De fato, os oprimidos e socialmente marginalizados
frequentemente têm pouco acesso à informação e educação necessárias
para se destacarem na ciência, o que, no geral, os coloca em séria "desvan-
tagem epistêmica". A professora Haack também observou que as teóricas
femininas que argumentam que a opressão confere uma vantagem epistê-
mica não são elas próprias oprimidas. Ela pergunta: se a opressão e a po-
breza são de fato tão vantajosas, por que tantas mulheres de classe média
altamente favorecidas se consideram tão bem situadas "epistemica-
mente"?
Haack se identifica como uma "velha feminista" que se opõe à tentativa
"das novas feministas de colonizar a filosofia". Suas razões para rejeitar as
epistemologias feministas eram persuasivas e, para a maioria do público
profissional, claramente convincentes. Infelizmente, suas advertências cal-
mas e sensatas provavelmente não retardarão a campanha para promover
os "modos de conhecer das mulheres".
A convicção das feministas de gênero, mais ideológica do que científica, de
que elas pertencem a uma vanguarda radicalmente perspicaz que se com-
para favoravelmente com os Copérnicos e Darwins do passado anima suas
teorias revisionistas de excelência intelectual e artística e inspira seu pro-
grama para transformar a base de conhecimento. Sua exultação contrasta
85

com a profunda relutância da maioria dos outros acadêmicos em desafiar


as suposições básicas subjacentes às teorias feministas de conhecimento e
educação. A confiança de um e a hesitação do outro combinam-se para tor-
nar o transformacionismo um movimento poderosamente eficaz que até
agora não foi controlado na academia.

***

Yolanda Moses é a recém-nomeada presidente da Univer-


sidade de Nova York. Ela foi anteriormente a reitora da ca-
deira de estudos de mulheres na Universidade Estadual da
Califórnia em Dominguez Hills. Suas ideias anti-intelectuais
podem parecer surpreendentes para qualquer um que não
esteja familiarizado com a doutrina da moda que exalta os
novos "modos de saber" e desvaloriza a abordagem tradicional masculina
europeia de "conhecer": "Instituições de ensino superior nos Estados Uni-
dos são produtos da sociedade ocidental em que os valores masculinos ori-
entados para a conquista e a objetividade são colocados cima da coopera-
ção, da conexão e da subjetividade.” Na visão da presidente Moses, a ên-
fase masculina na conquista e na objetividade é um obstáculo ao progresso!
Ela também acha deplorável que a pesquisa dos membros do corpo do-
cente tenha sido valorizada acima de seu serviço comunitário. "Isso terá
que mudar se o pluralismo cultural florescer.”
Apesar de sua influência, o projeto feminista de gênero de "transformar a
base de conhecimento" deve, no final, revelar-se um profundo embaraço
para o movimento feminista. Como Susan Haack apontou, a crença em
"modos de conhecer" femininos é uma reminiscência das difamações chau-
vinistas dos homens contra as mulheres. Aqueles que promovem e animam
essas ideias se encontram aplaudindo-a ao lado daqueles que sempre sus-
tentaram que as mulheres pensam de maneira diferente dos homens.
Os transformacionistas estão tentando reconstruir nossa herança cultural e
científica. Mesmo se alguém acredita que isso precisa ser feito (e eu, por
exemplo, não acredito), há pouca razão para ser otimista que as feministas
de gênero estejam intelectualmente equipadas para fazê-lo. Sua crença na
superioridade dos "modos femininas de conhecer" promove um senso de
86

solidariedade e comunidade cultural que parece ter permitido que elas ig-
norem o fato de que sua doutrina tende a segregar as mulheres em uma
cultura própria, aumenta a divisividade ao longo das linhas de gênero, e
pode enfraquecer seriamente a Academia americana. Tampouco preocupa
essas feministas que seu ensino permita que homens inseguros mais uma
vez apadrinhem e denigram as mulheres como o sexo ingênuo que pensa
com o coração, não com a cabeça.

***

As antigas feministas da Primeira Onda, lutando por igualdade e igualdade


de oportunidades na política e na educação, rejeitaram todas as teorias da
superioridade masculina. No entanto, elas não tentaram retaliar contra o
sexismo fazendo alegações infundadas de que as mulheres eram superiores
aos homens. Elas conheciam muito bem todos os perigos de promover dog-
mas divisivos sobre modos de conhecer masculinos e femininos. Elas esta-
vam especialmente desconfiadas de serem chamadas de mais intuitivas,
portanto menos analíticas, menos "racionais" do que os homens.
Um evento na vida de Elizabeth Cady Stanton, a grande antepassada do fe-
minismo americano, ilustra a atitude que as feministas da Primeira Onda
tinham em relação àqueles que acreditavam que as mulheres agiam menos
com razão cética do que com uma intuição confiante. Stanton descobrira
que seu bebê de quatro dias tinha uma clavícula dobrada. O médico colocou
uma bandagem no ombro e prendeu-a amarrando-a ao pulso da criança.
Logo depois que ele saiu, Stanton notou que a mão da criança ficara azul.
Ela removeu a bandagem e convocou um segundo médico. Ele fez a mesma
coisa. Novamente os dedos do bebê ficaram azuis logo após o médico sair.
Sob protestos da enfermeira, a Sra. Stanton removeu a bandagem pela se-
gunda vez. Ela disse à enfermeira: "O que queremos é um pouco de pressão
sobre esse osso; é isso que ambos os médicos pretendiam. Como podemos
conseguir isso sem envolver o braço, é a questão." A senhora Stanton, em
seguida, encharcou tiras de linho em uma solução de água e arnica e envol-
veu-as em torno do bebê "como um par de suspensórios por cima do om-
bro, cruzando os dois à frente e atrás, prendendo as pontas na fralda." Isso
proporcionou pressão necessária sem interromper a circulação da criança,
e o bebê logo se recuperou.
87

Quando os médicos voltaram, a senhora Stanton lhes disse como suas ban-
dagens haviam sido inadequadas e como ela havia resolvido o problema.
Eles sorriram conscientemente um para o outro. "Bem, afinal, o instinto de
uma mãe é melhor que a razão de um homem", comentou um. "Obrigado,
senhores" Stanton respondeu: "não havia instinto nisso. Eu refleti bastante
antes de ver como conseguia pressão no ombro sem impedir a circulação,
como você fez".

***

Promover uma crítica ginocêntrica do conhecimento é indigno de um femi-


nismo decente. Também é educacionalmente prejudicial. Nós ouvimos
muito sobre quão mal estão nossos estudantes universitários quando com-
parados com estudantes americanos de décadas passadas ou com seus con-
temporâneos em países estrangeiros. Quando o respeito pela aprendiza-
gem e o desempenho acadêmico estão em um ponto tão baixo, por que as
acadêmicas feministas deveriam contribuir para isso?
Criar um clima de desconfiança de gênero no conhecimento recebido ape-
nas contribui para o anti-intelectualismo desenfreado da nossa cultura con-
turbada. Existe uma forma mais construtiva, e é o caminho
da feminista tradicional da igualdade que reivindica para as
mulheres "um campo justo e sem favores" para se juntar
aos homens para criar a cultura do futuro. Meu próprio
credo "feminista da igualdade" é eloquentemente articu-
lado por Iris Murdoch. Murdoch ainda acredita em uma
"cultura da humanidade" e suas advertências sobre os perigos da alterna-
tiva divisiva e intimidante são oportunas.
Os homens "criaram cultura" porque eram livres para fazê-lo, e as mulheres
eram tratadas como inferiores e levadas a acreditar que eram. Agora as
mulheres livres devem juntar-se ao mundo humano do trabalho e da criação
em pé de igualdade e estar em toda parte na arte, ciência, negócios, polí-
tica, etc... No entanto, reivindicar, nesta batalha, a ética feminina, a crítica
feminina, o conhecimento feminino... é criar um novo gueto feminino (os
machistas chauvinistas devem se deliciar com o movimento...). Os "Estudos
88

da Mulher" podem significar que as mulheres são levadas a ler livros medí-
ocres ou livros sobre mulheres ao invés dos grandes livros da humanidade
em geral... É um beco sem saída, que periga simplesmente separar as mu-
lheres do pensamento dominante da raça humana. Tais cultos também po-
dem desperdiçar o tempo de jovens que podem estar lendo todos os livros
mais recentes sobre feminismo, em vez de estudar as coisas difíceis e impor-
tantes que pertencem à cultura da humanidade.
O transformacionismo está se galvanizando e provou ser lucrativo. Nin-
guém está oferecendo dinheiro para um workshop que ensinaria aos seus
participantes que homens e mulheres não são tão diferentes, que os pa-
drões tradicionais devem ser preservados em vez de transformados pelos
ideólogos que acreditam em "foco nas mulheres", ou que os estudantes são
melhores aprendizes de um currículo universal que não é divisor de gênero.
Os pensamentos de Susan Haack, Iris Murdoch, e um punhado de críticos
do transformacionismo não se prestam ao modelo de workshop: eles não
podem ser expressos como uma "teoria de cinco fases" que se presta de
maneira tão precisa a workshops e retiros. É quase impossível obter finan-
ciamento para implementar ideias que favoreçam uma reforma moderada,
em vez de excitantes transformações copernicanas. Apoiando e promo-
vendo o transformacionismo, os administradores escolares não só cons-
troem seus currículos, como também sentem que estão participando do
equivalente educacional da tomada da Bastilha. As feministas da equidade
não têm nada tão excitante para oferecer.
Os transformacionistas não pedem críticas ou escrutínio intelectual de suas
suposições, e não é provável que o movimento de transformação será veri-
ficado em um debate justo e aberto. As conferências das mulheres tendem
a ser comícios de fiéis. Críticos que levantam dúvidas sobre o valor do mo-
vimento transformacionista são descartados como "extremistas de direita"
e seus argumentos são ignorados. O sistema usual de freios e contrapesos
por meio de revisão por pares parece ter desmoronado.
No entanto, embora as transformacionistas tenham muitos motivos para
celebrar muitos sucessos, elas recentemente experimentaram um revés
inesperado. Quando McIntosh, Minnich e suas seguidoras exigiram que a
cultura branca, masculina, opressora e europeia ensinada nas escolas fosse
transformada radicalmente, não imaginaram que alguém pudesse consi-
derá-las opressoras. As líderes transformacionistas não são homens, mas
89

são brancas, "europeias" e de classe média. As mulheres das minorias co-


meçaram a negar que as líderes do movimento das mulheres tinham o di-
reito de falar por elas. A maioria dos membros da ala feminina negra boico-
tou a Conferência Nacional de Estudos Femininos de Austin, em 1992, da
qual participei, pela falha em reconhecer e respeitar sua identidade política.
O grupo menosprezado enviou às conferencistas uma colcha de uma mu-
lher afro-americana feita de tecidos dashiki, como uma reprimenda e um
"gesto de cura". As feministas brancas reunidas sentaram-se diante dela em
silêncio ressentido, mas culpado. No jogo da superioridade moral em que
as feministas de gênero são tão boas, elas foram superadas, por assim dizer,
por um grupo mais marginalizado. É claro que qualquer número de grupos
minoritários pode jogar o jogo da vitimologia, e quase todos poderiam jogar
de forma muito mais plausível do que as Heilbruns, Mclntoshes e Minniches
socialmente bem-posicionadas.
Um recurso óbvio é desviar as críticas "confessando" no início um status
privilegiado. Duas editoras feministas de Feminismo, um novo livro didático
de estudos sobre a mulher, apresentam-se da seguinte forma:
"Nós" somos Robyn e Diane; nós falamos como acadêmicas feministas ame-
ricanas brancas, heterossexuais, de classe média branca, de trinta e poucos
anos – para cobrir uma série de categorias que a crítica feminista tem enfa-
tizado ultimamente como significativas para a posição de leitura e fala:
raça, classe, orientação sexual, nacionalidade, posicionamento político, ní-
vel educacional e idade. Colegas da Universidade de Vermont desde 1989,
nós duas descobrimos que compartilhamos interesses apaixonados em fic-
ção, feminismo e fabricação de colchas.
Cada vez mais frequentemente, as feministas de gênero que dirigem os cen-
tros de mulheres, os workshops, os projetos transformacionistas e as várias
conferências de mulheres estão sendo acusadas de serem elitistas e mem-
bras de grupos opressores.
Na primavera de 1993, 2.500 mulheres se reuniram em Albuquerque, Novo
México, para uma conferência espiritual organizada pelo movimento femi-
nista católico "Mulheres-Igreja". A inclusão feminista era a ordem do dia, e
assim todas as deusas foram honradas igualmente – de Hera, Ártemis e Isis
a Maria da tradição cristã. As participantes foram instruídas a trazer bateria,
e todos os eventos foram acompanhados por batidas de tambor. Este ritual
90

temático foi concebido como uma maneira de honrar os na-


tivos americanos. Mas não foi bem recebido. Peter Steinfels
do New York Times estava lá, e ele relatou que uma "tradi-
cional Cerimônia Indígena Pipe Americana foi quase afo-
gada pela bateria das adoradoras das deusas que estavam
‘elevando o poder’ não muito longe no Centro de Conven-
ções de Albuquerque". Logo veio a notícia de que a bateria das mulheres
brancas ofendeu as mulheres nativas americanas.
Essa prática [de bater no tambor] foi implicitamente questionada quando
uma sessão geral sobre espiritualidade se transformou em uma discussão
investigativa de como os viajantes religiosos das culturas dominantes au-
mentam sua experiência espiritual expropriando práticas exóticas das reli-
giões das minorias, assim como os turistas abastados se fantasiam e deco-
ram suas casas com artesanato e arte indígena... Entre queixas crescentes
de vários grupos sobre o racismo latente no conferência – os organizadores
solicitaram que, por simpatia àqueles que foram ofendidos, os tambores
não fossem tocados.
Assim, as mulheres brancas adoradoras das deusas não podiam bater seus
tambores, e até mesmo sua bem conhecida predileção por joias e vestimen-
tas étnicas de camponeses foi questionada.
As líderes e teóricas do feminismo acadêmico têm procurado prudente-
mente evitar a censura das minorias colocando as questões das mulheres
sob o amplo e popular guarda-chuva do multiculturalismo. A presidente
Moses adotou essa postura quando puniu os homens que valorizam a ob-
jetividade e a conquista acima do serviço comunitário, alertando ao corpo
docente da Universidade de Nova York de que tais valores eram inconsis-
tentes com a ênfase no "pluralismo cultural". Mas o "pluralismo cultural"
tem muitos lados, cada um com sua própria ponta afiada. As mulheres bran-
cas, de classe média e bem-educadas que denunciaram homens nas últimas
duas décadas por tratá-las como "o Outro" agora são denunciadas por te-
rem marginalizado e silenciado mulheres nativas americanas, mulheres his-
pânicas, deficientes e outros grupos. Todos elas afirmam ser vítimas de uma
complexa ecologia de dominação e subjugação.
Até mesmo a amada "Experiência do Click" tornou-se um símbolo do privi-
légio branco de classe média. Duas feministas afro-americanas, Barbara
Smith e Beverly Smith, escreveram um artigo desmascarando o elitismo de
91

mulheres que descrevem o "click" como "uma experiência que faz você per-
ceber sua opressão como mulher." Elas apontam que os clicks são para
aqueles que são relativamente privilegiados. As minorias, sejam elas mas-
culinas ou femininas, não as experimentam: "O imediatismo cotidiano da
violência e da opressão" é suficiente para lembrá-las de sua condição.
As líderes e teóricas feministas estão um tanto desconcertados por essas
reprovações inesperadas. Mas seria um erro subestimar a autoconfiança e
resolução das feministas de gênero. Elas não estão prestes a renunciar ao
seu domínio, nem mesmo para outras mulheres cuja boa-fé como vítimas é
maior do que a sua.
O encontro típico de acadêmicas feministas de gênero ilustra o compro-
misso desconfortável e um tanto instável que foi atingido. O público con-
siste em grande parte de mulheres brancas de classe média que são pilares
do feminismo acadêmico. Por outro lado, as mulheres das minorias rece-
bem forte representação nos painéis e simpósios, e a retórica de transfor-
mação feminista ganha um verniz multicultural.
A conferência de abril de 1993 em Parsippany, Nova Jersey, sobre a trans-
formação do currículo que discuti no capítulo 3 é um exemplo. Todas as
transformacionistas proeminentes do feminismo de gênero estavam lá: Ca-
tharine Stimpson, Annette Kolodny, a equipe de Schuster e Van Dyne, Eli-
zabeth Minnich, Beverly Guy-Sheftall, Sandra Harding e, é claro, a onipre-
sente Peggy McIntosh.
A professora Paula Rothenberg, moderadora da conferên-
cia e autointitulada "feminista marxista", nos deu boas-vin-
das e nos convidou a unir-se a ela "para imaginar juntos um
currículo para o próximo século". O clima era geralmente
otimista, mas um apresentador após o outro nos avisou so-
bre o iminente backlash. Rothenberg alertou o público para
desconfiar do compromisso anunciado pela administração Clinton com a
diversidade; ela o chamou de uma versão "étnica de alimentos e festas" da
inclusão.
Annette Kolodny explicou como sua posição como reitora de humanidades
na Universidade do Arizona lhe deu os meios para promover mudanças
transformadoras lá. Kolodny foi instrumental ao apresentar as propostas da
"nova promoção e estabilidade" que recompensam e protegem o trabalho
92

transformador na Universidade do Arizona. Kolodny também relatou os re-


tiros de transformação em que "facilitadores externos" são trazidos para
ajudar os professores e administradores selecionados a "repensar como
eles ensinam". Ela saudou o Projeto de Nova Jersey como inspiração para o
Arizona. "Obrigado, Paula!" ela chorou.
Uma nota discordante foi apresentada por Beverly Guy-
Sheftall, diretora do Centro de Pesquisas da Mulher no Co-
légio Spelman, que atacou os gráficos de Kolodny. "E aque-
les de nós que somos mulheres e membros de uma minoria?
Qual quadro nos inclui?" Guy-Sheftall admitiu que identifi-
car uma perspectiva negra comum apresenta dificuldades.
Alguns afrocentristas, por exemplo, mantêm visões que conflitam com as
do movimento lésbico negro. Qual ponto de vista é contado como repre-
sentativo? Guy-Sheftall falou sobre a questão da representação fragmen-
tada como uma área "problematizada". Chamar um assunto de "problema-
tizado" muitas vezes serve para ocultar as questões embaraçosas e delica-
das que ele levanta; isso é especialmente verdadeiro para as questões so-
bre política de identidade do grupo.
Como vários outros oradores que abordaram o futuro da transformação
curricular, Guy-Sheftall confessou que "ainda não tem certeza se temos
uma pista sobre o que isso realmente significa quando nos aproximamos do
século XXI". Mas suas dúvidas não diminuíram seu entusiasmo pelo movi-
mento de transformação ou sua determinação em ajudar a obter mais fi-
nanciamento. De fato, Guy-Sheftall, consultora da Fundação Ford, vem
aconselhando a fundação a apoiar os estudos de mulheres, e o trabalho de
transformação deve se intensificar durante esse período paradoxal.
A professora Rothenberg apresentou o chanceler da educação superior de
Nova Jersey, Edward Goldberg, como "a fada madrinha do Projeto de Nova
Jersey." De meia-idade e careca, ostentando um terno e gravata e uma
pança, Goldberg parecia que estaria mais em casa em uma conferência de
Shriners22 ou Legionários. Ele falou orgulhosamente dos milhões de dólares
que Nova Jersey colocou no Projeto de Transformação do Currículo e mani-
festou a esperança de que outros estados sigam em breve o exemplo. Para

22 Da Wikipédia: A Shriners International (…) é uma organização ligada à Maçonaria. É conhecida por
manter hospitais para crianças (Shriners Hospitals for Children). Seus membros usam um fez verme-
lho.
93

ele, a transformação curricular é uma questão de decência básica. A trans-


formação do currículo, ele anunciou, é "uma reivindicação do conceito sim-
ples e honesto de que a bolsa de estudos deve refletir as contribuições de
todos". Quando ouvi o Sr. Goldberg dizer isto, isso confirmou minha crença
de que muitas autoridades governamentais bem-intencionadas não enten-
dem as implicações da demanda feminista por um currículo mais centrado
na mulher. Goldberg não é um "ginocrata"; ele é provavelmente um femi-
nista da equidade antiquada que quer um acordo justo para as mulheres na
educação. Aparentemente, ele não viu que sob as acusações de sexismo e
injustiça de gênero existe um programa antiliberal, irracional e anti-intelec-
tual que é uma ameaça para tudo o que ele provavelmente acredita: demo-
cracia americana, educação liberal, liberdade acadêmica, e o tipo de femi-
nismo tradicional que conquistou para mulheres quase-igualdade na socie-
dade americana.

***

Goldberg ficou tempo suficiente para apreciar o que é um encontro inco-


mum de acadêmicos? Ele ficou surpreso com uma audiência acadêmica na
qual a atmosfera de concordância em massa e autocongratulação foi quase
total? Ele contou o número de vezes em que as principais transformacionis-
tas admitiram não ter ideia sobre o que estavam fazendo? Ele tinha alguma
ideia do número de oficinas sobre temas espinhosos como "Resistência na
sala de aula” ou “Métodos de ensino antiopressão". Fiquei me perguntando
o que ele teria feito na lotada sessão da tarde sobre como transformar o
currículo de ciências na qual Sandra Harding discutiu como a ciência fazia
parte de um legado cristão "burguês" desacreditado praticamente indistin-
guível do imperialismo, com seu núcleo cognitivo estando "contaminado
pelo sexismo e racismo".
Richard Bernstein, do New York Times, participou da con-
ferência Parsippany. Quando lhe perguntei o que ele
achava da apresentação de Harding, ele disse que sua tese
era absurda: se a ciência ocidental é repressiva e elitista e
parte de um legado cristão burguês, por que os japoneses
e os chineses são tão bons nela? Bernstein, que passou
94

vários anos na China como chefe da sucursal da revista Time, e que escre-
veu um livro maravilhoso sobre a China, me disse que ao longo do século
XX os reformadores chineses tiveram grande respeito pela ciência ocidental
como uma força progressista. "Ciência e Democracia" foi o slogan do céle-
bre Movimento 4 de Maio entre 1915 e 1918. Os reformadores chineses
viam a ciência ocidental como uma arma poderosa contra o autoritarismo
e a superstição que eram o baluarte do sistema imperial. Nem Bernstein
nem eu nos arriscamos a criticar os pontos de vista de Harding. Nós dois
estávamos muito conscientes de que teria sido excessivamente indecoroso
para qualquer um levantar objeções. Este foi um encontro de "conhecedo-
res conectados": questões difíceis de "conhecedores separados" eram de-
cididamente indesejadas.
Ronald Takaki, o especialista de Berkeley em estudos étni-
cos, foi facilmente a figura mais popular no encontro Par-
sippany, e não apenas porque sua presença conferia ao
projeto de transformação feminista o prestígio de um mo-
vimento multicultural. Feministas de gênero descobriram
que é sábio aliar-se a homens e mulheres de ascendência
não europeia que são críticos da cultura ocidental por seu
"eurocentrismo". Uma ofensiva mais geral sobre a cultura "eurocêntrica"
ocidental (criada por e controlada por "homens brancos burgueses de des-
cendência europeia") é então processada sob as bandeiras do "pluralismo
cultural", da "inclusão" e da "diversidade". As lideranças feministas abraça-
ram avidamente essas causas em parte para desviar a atenção do caráter
amplamente branco e de classe média de seu próprio movimento e em
parte para camuflar a misandria divisiva que as inspira, mas que é ofensiva
para os outros. A estratégia propiciatória de colocar seu feminismo radical
sob a bandeira da "inclusão" também foi bem-sucedida em um contexto
interno: deu a muitas ativistas feministas a sensação de que elas são parte
de uma luta mais ampla pela justiça social. Finalmente, o chamado à "inclu-
são" desvia a atenção do fato incômodo, mas inegável, de que as feministas
obtêm a maior parte do dinheiro, dos cargos de professor e dos empregos
bem-remunerados (mas vagamente definidos) dentro da nova e florescente
indústria das vítimas de preconceito.
Takaki começou reconhecendo que ninguém parecia saber exatamente
como seria um currículo transformado. E ele perguntou: "Como fazemos
isso?" "Como podemos conceituar isso?" Ele aconselhou as feministas de
95

gênero reunidas a ouvir atentamente sua palestra, porque ele iria mostrar
a elas o que uma palestra transformadora realmente seria. "Eu vou fazer
isso! Vou praticá-lo", disse ele.
Ele nos contou sobre os trabalhadores chineses incompreendidos e aliena-
dos da estrada de ferro na Califórnia, e sobre as garotas irlandesas explora-
das e denegridas das fábricas em Lowell, Massachusetts, no século XIX, mis-
turando fatos com comentários sobre o colonialismo britânico e a Guerra
do Ópio. Ele nos leu alguns telegramas enviados por um jovem trabalhador
chinês da estrada de ferro para alguns amigos pedindo-lhes para ajudá-lo
em seus planos de se casar com uma jovem chinesa. Takaki explicou que
estudou telegramas porque os chineses deixaram poucos documentos para
estudo. Os telegramas – que Takaki chamava de "textos" – verelavam a im-
potência da futura noiva chinesa. (Pareceu-me que eles revelaram muito
sobre as atitudes dos imigrantes chineses em relação às mulheres, refle-
tindo o status das mulheres na China, um ponto que Takaki se esqueceu de
falar.) Takaki pediu ao público que ouvisse os silêncios. O silêncio dos ope-
rários irlandeses, o silêncio dos imigrantes chineses. O silêncio da noiva. O
silêncio de milhões de estrangeiros que fazem parte da história americana,
ainda que raramente, ou nunca, figurem na narrativa.
"Culpe os historiadores!" ele chorou. Ele destacou Oscar
Handlin e Arthur Schlesinger Jr., ambos historiadores ven-
cedores do Prêmio Pulitzer, por censura especial. Poucos
no meio da multidão pareciam saber muito sobre os escri-
tos seminais de Handlin sobre história americana. Mais re-
conhecido é Schlesinger, um liberal democrata, mas crí-
tico de muito do que se passa sob a bandeira do multicul-
turalismo, e eles assobiaram e vaiaram à menção de seu nome. Takaki ata-
cou The Uprooted (Os desenraizados), de Handlin, e The Age of Jack (A idade
de Jack), de Schlesinger, alegando que os dois "ignoraram completamente"
os chineses, os índios Cherokee e os afro-americanos. Takaki não disse à
plateia de não-historiadores que os livros foram escritos em 1941 e 1945,
respectivamente.
96

O historiador de Harvard Stephan Thernstrom, editor da


premiada Enciclopédia de Grupos Étnicos Americanos de
Harvard e autor de numerosos livros e artigos sobre história
étnica, me contou que na época em que Handlin e Schlesin-
ger escreveram seus livros, poucos historiadores tratavam
de raça, classe e ou questões de gênero. Nas últimas déca-
das, a pesquisa sobre grupos de imigrantes – trabalhadores de fábricas chi-
neses, judeus e especialmente operários irlandeses – tem estado muito em
voga. "Agora não pensamos em mais nada", disse Thernstrom. Estudos ét-
nicos estão prosperando. A história afro-americana e a história dos nativos
americanos são hoje campos respeitados e estabelecidos, com especialistas
reconhecidos e clássicos. Takaki estava atacando um espantalho.
Na realidade, The Uprooted de Handlin retrata os padrões e configurações
arquetípicos da experiência dos imigrantes, e ainda é um clássico. Handlin
está agora com quase 70 anos e muitos o colocam entre os maiores histo-
riadores americanos deste século. Liguei para ele para saber sobre sua rea-
ção às reclamações de Takaki.
"O ataque todo é bobo", disse ele. "E muito ruim porque ele não fez o seu
dever de casa. Em 1954, escrevi um livro, The American People (O povo
americano), que dá conta da experiência do imigrante asiático... Mas o que
você pode fazer?"
Eu dei uma olhada no The American People e descobri que Handlin real-
mente dá atenção à experiência asiática na virada do século. Ele descreve
não apenas a solidão dos chineses, mas também sua desenvoltura. Ele tam-
bém considerou os efeitos da escassez de mulheres sobre os imigrantes e
do racismo a que estavam sujeitos, tópicos que Takaki discutiu como se
fosse a primeira vez na história.
Recentemente, eu compareci com o Sr. Takaki a um painel de discussão lo-
cal da PBS (Boston) sobre multiculturalismo. Ele era charmoso e gentil, e eu
gostei dele tanto quanto a multidão de Parsippany. Enquanto esperávamos
o show começar, perguntei por que ele não deu crédito a Handlin por seu
tratamento aos asiáticos-americanos no livro de 1954. "Que livro é esse?"
ele perguntou.
A palestra de Takaki em New Jersey foi anunciada como uma palestra trans-
formacionista que mostraria como o novo aprendizado inclusivo lida com
97

os temas sensíveis dos despossuídos. O sucesso da palestra dependia do


fato de o público ser completamente ignorante não apenas do trabalho de
Handlin, mas de 30 anos de história social americana. Mas o sucesso estava
garantido. A conferência não convidou uma única pessoa que pudesse de-
safiar alguma coisa dita por qualquer apresentador.
O professor Thernstrom, por exemplo, ficou muito surpreso ao ouvir Takaki
se referir às meninas da fábrica irlandesa de Lowell, Massachusetts, como
"silenciadas": elas estão, de fato, entre os grupos mais estudados na histó-
ria social americana. Mas ninguém remotamente como o professor Therns-
trom tinha sido convidado.
A edição da primavera da revista Transformations havia sido distribuída no
balcão de registro. No interior, a editora, Sylvia Baer, comparou o currículo
universitário a uma casa de 200 anos que ela estava ajudando a renovar:
"Todos nós podemos ajudar uns aos outros a raspar e pintar e projetar e
construir nossos currículos. É um trabalho duro, toda essa renovação, e às
vezes as decisões são arriscadas – mas olhe para os resultados gloriosos...
Juntos podemos fazer isso. Convido-vos a ajudar a planejar, a construir, a
cantar e a dançar.”
O público de Parsippany, que consistia quase exclusivamente de mulheres
brancas americanas de classe média, ficou realmente entusiasmado com as
"renovações" de Takaki. Paula Rothenberg e Annette Kolodny estavam
completamente radiantes com a palestra de Takaki, e aplaudiram descon-
troladamente. Takaki foi o tema da conversa pelos próximos dois dias. Ao
fornecer um exemplo vívido do que uma abordagem transformacionista po-
deria fazer, ele ajudou todas elas a "imaginar juntas um currículo para o
próximo século." Ele disse que faria isso, e ele fez.
Uma sensação estimulante de importância histórica aparece rotineira-
mente em encontros de feministas de gênero. Elizabeth Minnich está entre
as que invocam Copérnico e Darwin para nos dar uma ideia da importância
vital do que as teóricas feministas descobriram. Ela e vários outros trans-
formacionistas participaram de um painel chamado "Transformando a Base
de Conhecimento" em Washington, DC, em fevereiro de 1989. O Conselho
Nacional de Pesquisa sobre a Mulher, financiado pela Ford, publicou os pro-
cedimentos e relatou o clima: "Houve uma palpável sensação de fazer his-
tória na sala conforme nós concluíamos nossas discussões".
98

Mas fazer história e contribuir para o progresso não é necessariamente a


mesma coisa. É verdade que as transformacionistas estão tendo um efeito
significativo na educação americana. Eles estão impondo uma agenda polí-
tica estreita, diluindo padrões acadêmicos tradicionais e dilapidando escas-
sos recursos. Elas estão fazendo essas coisas em nome de um projeto de
transformação que elas próprias não parecem compreender totalmente.
99

CAPÍTULO 5
A SALA DE AULA FEMINISTA

A euforia de se sentir na vanguarda de uma nova consciência infunde nas


pedagogas feministas um fervor doutrinário único na academia. Veja como
cinco professores da Universidade de Massachusetts descrevem a sala de
aula feminista:
A sala de aula feminista é o lugar para usar o que sabemos como mulher
para apropriar e transformar, totalmente, um domínio que tem sido o de
homens... Acolhemos a intrusão/infusão de emocionalidade – amor, raiva,
ansiedade, erotismo – no intelecto como um passo em direção à cura da
fragmentação que o capitalismo e o patriarcado exigiram de nós.
Women: A Feminist Perspective (Mulheres: uma perspectiva feminista) é o
livro de estudos femininos mais vendido de todos os tempos. A primeira
seleção, "Terrorismo Sexual", de Carole J. Sheffield, é um bom exemplo de
como a sala de aula feminista pode "infundir" ansiedade e raiva. Sheffield
descreve um evento "comum" que ocorreu no início da noite, quando ela
estava sozinha em uma lavanderia: "A lavanderia era bem iluminada; e meu
carro era o único no estacionamento. Qualquer um que passasse por perto
poderia ver que eu estava sozinha e isolada. Sabendo que o estupro é um
crime de oportunidade, fiquei aterrorizada". Sheffield deixou a roupa na
máquina de lavar e correu de volta para o carro, sentando-se com as portas
trancadas e as janelas para cima. "Quando a lavagem foi concluída, eu corri
para dentro, joguei as roupas no secador, e corri de volta para o meu carro.
Quando as roupas estavam secas, eu as joguei imprudentemente no cesto
e apressadamente parti para dobrá-las na segurança da minha casa. Em-
bora eu não tenha sido vítima de maneira direta, física ou por padrões men-
suráveis ou objetivos, me senti vitimada. Para mim, foi uma experiência
aterrorizante." Em casa, o terror desaparece e se transforma em raiva:
"Principalmente, eu estava zangada por não ser livre: refém de uma cultura
que, na maioria das vezes, encoraja a violência contra as mulheres, instrui
os homens na metodologia da violência sexual e lhes fornece pronta justifi-
cativa para sua violência... Seguindo minha experiência na lavanderia, con-
versei com meus alunos sobre terrorismo".
100

Qualquer curso (seja em arte barroca, composição inglesa ou drama fran-


cês) pode ser ensinado dessa maneira "centrada na mulher". Professores
comprometidos falam de suas "salas de aula feministas" como "zonas libe-
radas" ou "espaços seguros", onde "mulheres silenciadas" estarão livres
pela primeira vez para falar em um ambiente ginocêntrico seguro. Esta é
uma pedagogia que visa sobretudo ensinar o aluno a desmascarar o funci-
onamento hostil do patriarcado.
Temos uma boa ideia do que os alunos vivenciam na sala de aula feminista
examinando um curso introdutório de estudos de mulheres desenvolvidos
por doze professores da Universidade Rutgers. Um dos objetivos declara-
dos do curso é "desafiar e mudar as instituições sociais e práticas que criam
e perpetuam sistemas de opressão." 40% da nota do aluno provém de:
1. realizar algum ato "ultrajante" e "libertador" fora da aula e depois com-
partilhar sentimentos e reações com a classe;
2. manter um diário de "narrativas de experiência pessoal, expressões de
emoção, relatos de sonhos, poesia, rabiscos, etc. "; e
3. formar pequenos grupos de conscientização em classe.
Os professores do curso da Rutgers entregam uma lista de "regras básicas"
para a sala de aula. De acordo com uma dessas regras, os estudantes con-
cordam em "criar um ambiente seguro para discussão aberta. Se membros
da classe desejam fazer comentários que eles não querem que sejam repe-
tidos fora da sala de aula, eles podem apresentar suas observações com um
pedido e a classe concordará em não repetir as observações." Esta regra de
confidencialidade é crítica em aulas em que o professor incentiva os alunos
a revelar se um membro da família, namorado ou desconhecido molestou,
estuprou, espancou ou, de outro modo, vitimou-as.
O efeito geral da pedagogia feminista é descrito em um "Relatório às Pro-
fissões" de 1990 por cinco líderes de estudos femininos:
Alunas de estudos de mulheres tipicamente passam por uma profunda
transformação conforme elas reivindicam mais conhecimento. Elas passam
por uma série identificável de momentos de reconhecimento... Tais percep-
ções são seguidas por momentos de empoderamento em que estruturas e
percepções patriarcais são modificadas, redefinidas ou rejeitadas por com-
pleto e substituídas por uma visão emergente do eu e da sociedade. A difi-
culdade e complexidade deste processo... não podem ser superenfatizadas.
101

Quebrar o que a escritora feminista Tillie Olsen chama de "hábitos de uma


vida" não é uma questão trivial. É acompanhado por toda a gama de resis-
tência humana, pela contínua atração e repulsão, negação e reconheci-
mento.
A professora Susan Arpad, que tem ministrado cursos de estudos sobre mu-
lheres na Universidade da Califórnia em Fresno há quase 15 anos, descreve
o poderoso efeito que os cursos têm tanto no aluno quanto no professor:
É uma mudança radical questionar a natureza fundamental de tudo eles o
que eles sabem... Na pior das hipóteses, pode levar a um tipo de colapso
psicológico. Na melhor das hipóteses, exige um período de adaptação... Di-
ariamente, converso com alunas e colegas que estão eufóricas como resul-
tado de sua mudança de consciência... Eu também falo com outras estudan-
tes e colegas que estão presas em um estágio de raiva ou desespero.
Existem alguns sólidos cursos acadêmicos oferecidos por programas de es-
tudos femininos cujo objetivo é simplesmente ensinar assuntos como a po-
esia feminina ou a história das mulheres de um modo não-revisionista. In-
felizmente, esses cursos não são a norma. Em seu relatório, os oficiais de
estudos de mulheres incluíram 37 amostras de programas, dos quais o "mo-
delo de plano de estudos" da Rutgers ficou em lugar de destaque. Entre os
37 currículos, dois eram relativamente livres de ideologia e truques peda-
gógicos.
Um deles foi um curso chamado "Mulheres do Sul: preto e branco" dado
pelas professoras Susan Tush e Virginia Gould (o relatório não diz onde elas
ensinam). As alunas leem textos históricos e sociológicos bem-conceitua-
dos, como Within the Plantation Household, de Elizabeth Fox-Genovese,
Down by the Riverside, de Charles Joyner, e Roll Jordan Roll, de Eugene Ge-
novese. A Turn in the South, de V. S. Naipaul, estava na lista – assim como
obras de Kate Chopin, Ellen Glasgow e August Evans Wilson. Eu lamentei
não encontrar Eudora Welty ou Flannery O'Connor, que são geralmente es-
timadas como duas das escritoras sulistas mais destacadas. Mesmo assim,
parece ser um curso sólido. Infelizmente, cursos como este são a exceção.
O modelo da Rutgers é mais a norma, não apenas para estudos de mulhe-
res, mas para todas as "salas de aula feministas".
102

Nos últimos anos, revi centenas de programas de cursos de estudos femini-


nos, participei de conferências feministas mais do que eu consigo me lem-
brar, estudei a nova "pedagogia feminista", revisei dezenas de textos, pe-
riódicos, boletins informativos e fiz muita leitura tarde da noite de cartas
de e-mail que milhares de professores de estudos femininos "em rede" en-
viaram umas para as outras. Eu ensinei teoria feminista. Eu debati com fe-
ministas de gênero em campi universitários em todo o país e na televisão
nacional e no rádio. Minha experiência com o feminismo acadêmico e mi-
nha imersão na crescente literatura feminista de gênero serviu para apro-
fundar minha convicção de que a maioria das aulas de estudos femininos e
de outras aulas que ensinam um assunto "reconceitualizado" são não aca-
dêmicas, intolerantes à divergência e repletas de discórdia. Em outras pala-
vras, são uma perda de tempo. E embora atraiam estudantes do sexo femi-
nino por causa de seu ambiente social, elas quase não atraem homens. Elas
desviam as energias dos estudantes – especialmente mulheres jovens – que
precisam muito aprender a viver em um mundo que exige talentos e habi-
lidades aplicáveis, não o fervor feminista ou a retidão ideológica.
A jornalista Karen Lehrman visitou programas de estu-
dos femininos em Berkeley, na Universidade de Iowa, na
Faculdade Smith e em Dartmouth, assistiu a quase 30
aulas e entrevistou muitas professoras e alunas para
uma história em Mother Jones: "Em muitas classes, as
discussões se alternam entre o pessoal e o político, com
meros pit stops no acadêmico. Às vezes, elas são preen-
chidas com jargão pós-estruturalista ininteligível; às vezes, consistem em
psicobaboseira sobre conscientização, com os sentimentos e experiências
dos alunos valorizados tanto quanto com qualquer coisa que o professor ou
os textos tenham a oferecer." A Sra. Lerhman considera isso uma traição:
"Cem anos atrás, as mulheres lutavam pelo direito de aprender matemá-
tica, ciências, latim – para serem educadas como homens; hoje, muitas mu-
lheres se contentam em ter seus sentimentos ouvidos, seus problemas pes-
soais discutidos, seus instintos e intuição respeitados".
A sala de aula feminista faz pouco para preparar os alunos para lidar com o
mundo do trabalho e da cultura. É um escândalo embaraçoso que, em
nome do feminismo, mulheres jovens em nossas faculdades e universida-
des estejam fazendo cursos em salas de aula feministas que as sujeitam a
103

muita má prosa, psicobaboseira e nonsense da "nova era". O que o femi-


nismo real tem a ver com sentar-se em círculos e falar sobre nossos senti-
mentos sobre a menstruação?
Para usar uma frase muito usada pelas feministas ressurgentes, a sala de
aula feminista prejudica as estudantes do sexo feminino. Ela desperdiça seu
tempo e lhes dá maus hábitos intelectuais. Ela as isola social e academica-
mente. Enquanto estudantes do sexo masculino estão fora estudando as-
suntos "verticais" como engenharia e biologia, mulheres em salas de aula
feministas estão sentadas em volta de seus sentimentos "seguros" e "hon-
rados". Assim, a pedagogia feminista de gênero faz o jogo dos estereótipos
sexistas que exaltam a capacidade de intuição das mulheres, emoção e em-
patia, ao mesmo tempo que denigrem sua capacidade de pensar objetiva e
sistematicamente do modo como os homens fazem.
Um pai deve pensar com muito cuidado antes de enviar uma filha para uma
das faculdades de gênero mais feminizadas. Qualquer escola tem a liber-
dade de se transformar em um bastião feminista, mas porque o efeito sobre
os estudantes é tão poderoso elas devem ser honestas sobre sua atitude.
Eu gostaria de ver a Faculdade Wellesley, a Mount Holyoke, a Smith, a Mills
e a Universidade de Minnesota – entre os exemplos mais extremos – impri-
mirem o seguinte anúncio na primeira página de seus boletins:
Ajudaremos sua filha a descobrir até que ponto ela esteve em cumplicidade
com o patriarcado. Vamos incentivá-la a se reconstruir através do diálogo
conosco. Ela pode ficar furiosa e cronicamente ofendida. Ela provavelmente
irá rejeitar os códigos religiosos e morais com os quais você a criou. Ela pode
muito bem se distanciar da família e dos amigos. Ela pode mudar sua apa-
rência e até mesmo sua orientação sexual. Ela pode acabar odiando você
(seu pai) e ter pena de você (sua mãe). Depois que ela completar sua reedu-
cação conosco, você certamente estará sem dezenas de milhares de dólares
e muito possivelmente sem uma filha também.

***

Na conferência de Austin, minha irmã e eu participamos de uma oficina lo-


tada chamada "Hostilidade do homem branco na sala de aula feminista",
ministrada por duas professoras assistentes da Universidade Estadual de
104

Nova York em Plattsburgh. O que fazer com os homens jovens que se recu-
sam a usar os pronomes de gênero neutros? A maioria concordou que o
professor deveria dar a eles notas baixas. Uma das plattsburghers nos con-
tou sobre um estudante do sexo masculino que a irritou quando ela defen-
deu o direito de uma adolescente de 15 anos de fazer um aborto sem o
consentimento dos pais. O aluno perguntou: "E se uma garota de 15 anos
quisesse casar com um homem de 30?" Ela se referiu a isso como uma “ar-
madilha”. Em filosofia, isso é conhecido como um contraexemplo legítimo
para ser tratado seriamente e lidado por uma contra-argumento. Mas ela
quis saber que conselho tínhamos para oferecer.
O remédio sugerido foi dizer a esse jovem mal-orientado: "Estou tentando
entender por que você está fazendo esse tipo de pergunta". Alguém obser-
vou que as alunas da turma geralmente podem confiar em manter os alunos
do sexo masculino sob controle. Uma mulher riu muito quando contou so-
bre uma estudante feminista que silenciou um "homem detestável" gri-
tando "Cale a boca, seu filho da puta!"
O grupo ficou mais perplexo sobre o que fazer com mulheres recalcitrantes.
Agora que os cursos de mulheres são mais e mais solicitados nos campi, as
pedagogas feministas esperam mais resistência. Como uma participante
observou triunfalmente: "Se os alunos estão confortáveis, não estamos fa-
zendo nosso trabalho".
Na sala de aula feminista, os alunos encontram professores comprometidos
que anseiam por interpretar suas vidas, suas sociedades, sua herança inte-
lectual para eles – em termos inequívocos. Eis, por exemplo, como a pro-
fessora Joyce Trebilcot, da Universidade de Washington em St. Louis, vê seu
dever pedagógico primário: "Se a situação da sala de aula é muito hetero-
patriarcal – uma grande turma de 50 ou 60 alunos, digamos, com poucas
alunas feministas –, é provável que eu defina minha tarefa de recruta-
mento... de persuadir as alunas de que as mulheres são oprimidas".
Persuadir as alunas de que elas são oprimidas é o primeiro passo no árduo
processo de conscientização. A professora Ann Ferguson, uma filósofa da
Universidade de Massachusetts, usa suas aulas de filosofia para ajudar as
alunas a descobrir seus sentimentos de "raiva e opressão": "Existem várias
técnicas que auxiliam na recuperação pessoal de sentimentos, incluindo di-
ários pessoais, representação de papéis... turma e professor coletivamente
compartilhando experiências e sentimentos pessoais". Alunos gostam de
105

professores de personalidade forte que respiram compromisso, e a profes-


sora feminista tem seu apelo. Mas é justo dizer que a maioria dos estudan-
tes não está "comprando" o feminismo de gênero. Muitos se ressentem da
tentativa de recrutá-los. Ressentem-se ainda mais da mudança de uma pe-
dagogia tradicional cujo objetivo principal é ensinar aos alunos um assunto
que será útil para eles. A professora Ferguson também precisou elaborar
técnicas para lidar com o ressentimento dos alunos em relação a ela. Ela
admite que é rotineiramente acusada de ser "tacanha e polêmica".
A conferência Parsippany sobre transformação curricular incluiu várias ofi-
cinas sobre resistência estudantil: em "Resistência na Sala de Aula ", a pro-
fessora K. Edington da Universidade Estadual Towson referiu-se a seus alu-
nos do sexo masculino como "Chips" e às mulheres como "Buffys". A pro-
fessora Edington ficou encantada com uma "enorme doação federal" que a
Towson recebeu para o trabalho de transformação. Mas ela não dava a im-
pressão de gostar de suas alunas, e certamente parece ter pouca conside-
ração moral ou intelectual por elas. Tendo nos falado sobre as Buffys e os
Chips e sobre o que "todos os clones preppy 23 acreditam", ela continuou,
sem uma pitada de ironia, para dizer: "Nós temos que ensiná-los a enfrentar
os estereótipos e preconceitos diretamente."
Embora elas próprias sejam doutrinariamente imunes a críticas – que são
na visão delas um "backlash" disfarçado –, as professoras transformacionis-
tas estão longe de serem indiferentes aos dissidentes em suas salas de aula.
Em uma edição recente do Thought and Action (Pensa-
mento e Ação), a revista sobre educação superior divulgada
pela Associação Nacional de Educação, duas professoras da
Universidade Estadual de Fresno, Marcia Bedard e Beth
Hartung, relatam uma "crise" nos cursos de estudos femini-
nos gerada por "homens hostis" e sua "linguagem corporal
negativa". Elas destacam membros de "subculturas hipermasculinas do
campus... fraternidades, atletismo organizado e ciência militar e policial"
como especialmente perturbadores. "Eles nunca perdem uma aula."

23 Da Wikipédia: Preppy, também grafado preppie, é um termo surgido nos Estados Unidos. Refere-se a
uma tribo urbana tradicionalmente adotada por estudantes de colégios-preparatórios particulares do
nordeste estadunidense e frequentadores das prestigiadas universidades dessa região. O termo pre-
ppy envolve características sofisticadas no vocabulário, na atitude, no vestuário e principalmente no
estilo de vida de quem o adota. Essa palavra possui uma ideia cultural do mesmo modo que
os hippies e yuppies tiveram na história.
106

Que tipo de comportamento os pedagogos da Fresno consideram exemplos


de "assédio em sala de aula"? Sua lista de ofensas inclui "desafiar fatos",
afirmar as exceções de todas as generalizações, e saltar para um argumento
na primeira pausa na palestra do professor. A professora Hartung diz que
os alunos são mais duros com professores de estudos sobre mulheres do
que com professores de outros cursos: "Estudantes masculinos e femininos
avaliando o professor de estudos de mulheres... comparados com profes-
sores de outros cursos... eram mais propensos a fazer avaliações negativas
e até cruéis, mesmo em retrospecto".
Lendo nas entrelinhas do relatório da Sra. Bedard e da Sra. Hartung, e mui-
tos outros sobre o assunto, temos uma imagem clara de estudantes ten-
tando duramente gerenciar tudo por si, com o que deve ser uma situação
de sala de aula muito frustrante. O aluno que não tem conhecimento da
atmosfera carregada na sala de aula feminista aprende rapidamente que o
humor não é uma boa ideia. Um estudante do segundo ano da Universidade
de Michigan, Shawn Brown, escreveu um artigo para um curso de ciência
política no qual discutiu as dificuldades de obter pesquisas confiáveis:
Vamos dizer que Dave [o] Stud esteja entretendo três lindas garotas em sua
cobertura quando o telefone toca. Um pesquisador do outro lado quer saber
se devemos eliminar o imposto sobre ganhos de capital. Agora Dave é um
empresário experiente que se preocupa muito com essa questão. Mas como
Dave está "ligadão" nas garotas, ele diz ao pesquisador para "incomodar"
outra pessoa.
Deborah Meizlish, assistente de ensino de graduação que deu nota ao ar-
tigo do senhor Brown, ficou irritada. Ela escreveu nas margens:
O professor Rosenstone me encorajou a interpretar esse comentário como
um exemplo de assédio sexual e a tomar as medidas formais apropriadas.
Eu escolhi não fazê-lo neste caso. No entanto, quaisquer comentários futu-
ros, em um artigo, em uma aula ou em quaisquer negociações [com] serão
interpretados como assédio sexual e medidas formais serão tomadas...
VOCÊ está avisado!
107

O professor que leu o artigo de Brown havia de fato acon-


selhado a assistente de ensino Deborah Meizlish a apresen-
tar acusações formais de assédio. Arlene Saxonhouse, a
professora titular, apoiou a censura de Rosenstone e Mei-
zlish ao Sr. Brown: "Há uma diferença entre censurar e ex-
pressar preocupação com o modo de expressão de um
aluno". Em uma resposta à carta de Saxonhouse, um estudante de gradua-
ção, Adam Devore, apontou que "também há uma diferença entre ‘expres-
sar preocupação’ e escrever: "Você está avisado!"
Num caso deste tipo, os professores normalmente não se reúnem para
apoiar o estudante. No entanto, o incidente chamou a atenção do professor
Carl Cohen, um conhecido filósofo social e defensor da liberdade de expres-
são. O professor Cohen escreveu para o jornal da escola, defendendo
Shawn Brown e criticando a titular do departamento de ciência política, a
reitora e a assistente de ensino por violarem o direito de Brown de escrever
como ele fez. Os argumentos do professor Cohen foram depois citados por
um membro do conselho de regentes que votou contra um código de com-
portamento altamente restritivo proposto para a universidade.
Shawn Brown não quis ofender nem mesmo criticar ninguém. Na maior
parte, os alunos prudentemente tendem a reservar comentários críticos até
que as notas finais estejam concluídas e as avaliações dos alunos possam
ser publicadas com segurança. Dale M. Bauer, uma professora de inglês que
ministra cursos de composição e literatura introdutória na Universidade de
Miami, relatou que cerca de metade das respostas de avaliação da compo-
sição e introdução dos dois primeiros anos das seções de literatura expres-
saram objeções à sua postura feminista. A senhora Bauer fornece amostras,
"copiadas textualmente", das reclamações dos alunos:
Eu sinto que este curso foi dominado e subjugado por doutrinas e ideais fe-
ministas. Eu sinto que o movimento feminista é muito interessante de se ver,
mas eu fiquei extremamente entediado com isso e perdi todo o seu impacto
& significado porque ele foi muito forçado em nossos cérebros.
Eu... acho que você não deveria expressar suas opiniões "feministas" porque
nós não precisamos saber disso – é algo que deve ser deixado de fora classe.
Eu achei muito ofensivo que todas as nossas leituras fossem focadas no fe-
minismo.
108

O feminismo é uma questão importante na sociedade - mas uma questão


muito controversa. Precisa ser confrontado em uma base pessoal, não na
sala de aula. Eu não apreciei comentários feministas em artigos ou expres-
sos em trabalhos. Esta não é a única professora – outras do departamento
de inglês têm dificuldades em deixar opiniões pessoais fora de seus comen-
tários.
Caracteristicamente, Bauer e suas colegas professoras não se deixam des-
concertar pelas avaliações negativas. Em vez disso, eles as usam para mos-
trar que são necessários esforços renovados. Como Bauer vê, a questão
permanece: "Como nos livrar desse impasse político e resistência, a fim de
fazer nossos alunos se identificarem com a agenda política do feminismo?"
Ela considera seu ensino como "uma espécie de contradoutrinação". A ne-
cessidade de "contradoutrinação" ficou clara para ela quando ela viu a se-
guinte avaliação negativa de si mesma de uma aluna que havia feito um de
seus cursos de composição no primeiro ano: "[A professora] canaliza con-
sistentemente discussões de classe para o feminismo e não perde tempo
discutindo os comentários que se opõem a suas crenças. Na verdade, ela
geralmente os distorce para apoiar suas crenças."
Ao lidar com esse tipo de resistência, a pedagoga feminista tende a ler a
crítica estudantil como a expressão de preconceito ou medo não reconhe-
cido, mas profundamente arraigado. A "resistência" é "apenas esperada".
Afinal, os alunos foram completamente "socializados" com seus papéis de
gênero e lealdades de classe; apenas um doloroso processo de reeducação
pode libertá-los desses papéis e lealdades. Sua resistência é uma evidência
dramática de sua condição. A crítica pode levá-la a modificar suas táticas;
nunca pode fazê-la duvidar de sua causa.

***

A feminista de gênero geralmente reconhece que seus objetivos são de fato


políticos e que ela está procurando convencer suas alunas a se tornarem
ativas na causa. Ela justifica transformar sua sala de aula em um quartel
general na luta contra o patriarcado argumentando que todo ensino é ba-
sicamente político, que todos os professores doutrinam seus alunos, em-
bora muitas vezes sem estarem conscientes de que estão fazendo isso.
109

Quanto ao ideal pedagógico do estudo desinteressado e da "verdade obje-


tiva", as feministas do gênero negam que esses ideais sejam atingíveis.
A alegação de que todo ensino é uma forma de doutrinação, geralmente a
serviço daqueles que são politicamente dominantes, ajuda a justificar a pe-
dagogia da sala de aula feminista. As acadêmicas feministas costumam di-
zer que, fora do enclave dos estudos femininos, o currículo universitário
consiste em "estudos masculinos". Elas querem dizer com isso que a maior
parte do que os alunos aprendem normalmente é projetada para manter e
reforçar o patriarcado existente. Para quem realmente acredita nisso, com-
bater a doutrinação padrão com uma "contradoutrinação" feminista parece
ser justo e sensato.
O filósofo britânico Roger Scruton, auxiliado por dois co-
legas no Centro de Pesquisa em Educação na Inglaterra,
apontou para várias características proeminentes que
distinguem a doutrinação da educação normal. Em um
curso competente e bem-projetado, os alunos aprendem
métodos para pesar evidências e métodos críticos para
avaliar a solidez dos argumentos. Eles aprendem como
chegar a conclusões razoáveis para a melhor evidência à mão. Em con-
traste, nos casos de doutrinação, as conclusões são assumidas de antemão.
Scruton chama essa característica da doutrinação de "Conclusão Inevitá-
vel". De acordo com Scruton, a adoção de uma conclusão inevitável é a ca-
racterística mais saliente da doutrinação. No caso do feminismo de gênero,
a "conclusão inevitável" é que os homens americanos se esforçam para
manter as mulheres subjugadas.
A "Unidade Oculta" é uma segunda característica saliente. As conclusões
inevitáveis são parte de um "conjunto unificado de crenças" que formam a
cosmovisão ou programa político que o doutrinador deseja transmitir aos
estudantes. No caso das feministas de gênero, a "Unidade Oculta" é a inter-
pretação sexo/gênero da sociedade, a crença de que as mulheres modernas
são uma classe oprimida vivendo "sob o patriarcado".
Os doutrinadores também operam dentro de um "Sistema Fechado" que é
imune a críticas. No caso do feminismo de gênero, o sistema fechado inter-
preta todos os dados em conformidade com a teoria da opressão patriarcal.
Para usar um termo popularizado por Sir Karl Popper, o feminismo de gê-
nero não é falsificável, tornando-se mais um empreendimento religioso do
110

que intelectual. Se, por exemplo, algumas mulheres apontam que não são
oprimidas, apenas confirmam a existência de um sistema de opressão, pois
elas "mostram" como o sistema engana as mulheres, socializando-as para
acreditar que são livres, mantendo-as assim dóceis e cooperativas. Como
Marilyn Schuster e Susan Van Dyne, transformacionistas da Faculdade
Smith, observam: "O número de professoras que ainda não veem desigual-
dades ou omissões no currículo definido pelo homem... serve para enfatizar
dramaticamente o quanto as alunas podem ser completamente enganadas
ao acreditar que esses valores são congruentes com seus interesses.”
Mas o que essas abordagens enfatizam dramaticamente é como as feminis-
tas doutrinárias "efetivamente" lidam com qualquer fenômeno que repre-
sente a mais remota ameaça à sua pequena ilha mental. O feminismo de
gênero é um sistema fechado. Ele mastiga e digere todas as evidências con-
trárias, transmutando-as em evidências favoráveis. Nada e ninguém pode
refutar a hipótese do sistema sexo/gênero daqueles que "veem isso em to-
dos os lugares".

***

Toda sociedade ensina e destaca sua própria história política, e a América


não é exceção. Reconhecer isso, no entanto, é muito diferente de admitir
que uma "educação normal" é basicamente uma doutrinação na política do
status quo. De fato, a objetividade continua sendo o ideal a que os profes-
sores de mente justa aspiram. Uma maneira pela qual eles se aproximam
disso é apresentando ambos os lados de um assunto polêmico. É claro que
reconhecemos e admitimos que o quê e como ele ou ela ensina é muitas
vezes afetado pelos preconceitos do professor. No entanto, continua sendo
verdade que alguns professores e os cursos que ensinam são mais tenden-
ciosos do que outros.
Considere como a história é ensinada nas sociedades totalitárias. Um curso
padrão, digamos, de história antiga, como tipicamente ensinado por um
professor americano, é ideológico no mesmo sentido em que uma história
da URSS monitorada pelo Estado é ensinada na era de Stalin? Sustentar que
todo ensino é ideológico é ser cego para a distinção fundamental entre edu-
111

cação e doutrinação. Se alguém acredita que todo conhecimento é social-


mente construído para servir aos poderes constituídos, ou, mais especifica-
mente, se alguém sustenta que a ciência e a cultura que ensinamos são ba-
sicamente uma "construção patriarcal" projetada para apoiar uma "hege-
monia masculina", então se nega, por uma questão de princípio, qualquer
diferença entre conhecimento e ideologia, entre verdade e dogma, entre
realidade e propaganda, entre ensino objetivo e inculcação de um conjunto
de crenças.
Muitas feministas do campus, de fato, rejeitam essas distinções, e isso é
pedagógica e politicamente irresponsável e perigoso. Pois quando os Big
Brothers em um mundo orwelliano justificam a manipulação cínica de mui-
tos por uns poucos tirânicos, eles também argumentam que a realidade é
"socialmente construída" pelos que estão no poder e que a doutrinação é
tudo que podemos esperar.
Em 1984, o trágico herói de George Orwell, Winston Smith, tenta desafiar
o torturador, O'Brien, mantendo-se firme na crença em uma realidade ob-
jetiva. O'Brien lembra a Winston Smith que ele estará pagando o preço por
essa crença antiquada: "Você acredita que a realidade é algo objetivo, ex-
terno, existente por si só... Mas eu lhe digo, Winston, a realidade não é ex-
terna... É impossível ver a realidade exceto olhando através dos olhos do
Partido."
E Winston Smith é "persuadido" a mudar de ideia.
Aqueles que acreditam que todo ensinamento é político rotulam tudo an-
tecipadamente, e não toleram contra-argumentos. Os filósofos críticos es-
tão bem familiarizados com esse movimento: primeiro se rotula tudo e de-
pois se passa por cima das diferenças fundamentais. Isso acontece quando
os psicólogos de poltrona vêm com a surpreendente doutrina de que toda
atividade humana é motivada pelo egoísmo, ou quando os metafísicos da
poltrona anunciam que o que quer que aconteça está prestes a acontecer.
Os pronunciamentos de "egoísmo psicológico” ou "metafísica fatalista" têm
um ar de profundidade, mas eles destroem o pensamento sadio ao obliterar
as distinções que devemos ter se quisermos pensar direito e ver as coisas
clara e distintamente. Rotule-o como quiser; no final, há uma diferença en-
tre o comportamento carinhoso e indiferente, entre o desprezo insensível
e egoísta pelos outros e a consideração e preocupação. Há uma diferença
112

entre os eventos que acontecem acidentalmente e aqueles que são plane-


jados.
Então, também existe uma diferença entre educação e pro-
paganda. O economista Thomas Sowell observa que a de-
claração "Todo ensino é político" é trivialmente verdadeira
da maneira que a declaração "Abraham Lincoln e Adolf Hi-
tler eram ambos seres humanos imperfeitos" é verdadeira.
A indefinição de distinções vitais é uma marca de ideologia ou imaturidade.
Poderíamos ser mais tolerantes com o pronunciamento de que, em algum
sentido, os cursos são políticos se as feministas do campus estivessem pre-
paradas para reconhecer a diferença vital entre os cursos ministrados de
maneira desinteressada e aqueles destinados a promover uma ideologia.
Mas isso é precisamente o que muitas negam.
Essa negação é tão perversa que somos levados a pensar na possível vanta-
gem que as ideólogas feministas poderiam ter ao apagar as distinções ób-
vias e razoáveis que a maioria de nós reconhece e respeita. Refletindo, fica
claro que sua negação serve muito bem para elas, pois as deixa livres para
fazer o que quiserem em suas salas de aula. Tendo negado a própria possi-
bilidade de aprendizagem objetiva, elas não estão mais limitadas pela ne-
cessidade de aderir aos padrões tradicionais de um currículo que procura
transmitir um corpo objetivo de informações. Colocando "objetividade" en-
tre aspas assustadas, as feministas simplesmente negam isso como um pos-
sível ideal pedagógico. "O homem é a medida de todas as coisas", disse o
velho Protágoras – e as feministas de gênero concordam que no passado o
Homem era a medida. Agora é a vez da mulher.
Esta filosofia pedagógica libera a professora feminista para estabelecer
"conclusões" ou "regras" sem sentir a necessidade de argumentar em de-
fesa delas. Considere as "regras básicas" desenvolvidas pelo Centro de Pes-
quisas sobre Mulheres da Universidade Estadual de Memphis e usadas na
Universidade Rutgers, na Universidade de Minnesota, na Estadual da Pen-
silvânia e em outras escolas de todo o país. Os alunos são convidados a
aceitá-los como condição para fazer o curso:
Para os fins deste curso, concordamos com estas regras:
1. Reconheça que a opressão (isto é, racismo, sexismo, classismo) existe.
113

2. Reconheça que um dos mecanismos de opressão (isto é, o racismo, se-


xismo, classismo, heterossexismo) é que todos nós somos sistematicamente
desinformados sobre nossos próprios grupos e sobre os membros de grupos
dominantes e subordinados.
3. Assuma que as pessoas (os grupos que estudamos e os membros da
turma) sempre fazem o melhor que podem.
4. Se os membros da turma desejam fazer comentários que eles não querem
que sejam repetidos fora da sala de aula, eles podem apresentar suas ob-
servações com um pedido e a turma concordará em não repetir as observa-
ções.
Em primeiro lugar, deve-se salientar que essas "regras" são muito incomuns
para uma aula de faculdade. Os professores frequentemente têm regras so-
bre ausências ou trabalhos atrasados, mas aqui as regras exigem que os
alunos adotem crenças particulares, nenhuma das quais é evidente. Consi-
dere a regra não. 1, que afirma que "a opressão existe". Declarada desta
maneira não qualificada, ela não pode ser negada. Mas como o estudante
deve entender que a opressão existe nos Estados Unidos na forma de clas-
sismo e sexismo, a questão não é tão simples assim. Não é pelo menos dis-
cutível que uma das boas características da vida americana é que aqui, em
contraste com a maioria dos outros países, um indivíduo pode subir na es-
cala socioeconômica apesar de sua formação? Não é este um motivo pelo
qual muitos estrangeiros estão tão ansiosos para vir aqui? Por que então
falar de opressão de classe?
O acoplamento do sexismo e do racismo também é problemático. Eles são
realmente tão semelhantes? O sexismo é um problema nacional no mesmo
nível do racismo? A regra exige que o aluno aceite que é. Na verdade, é
típico da estrutura de muitos cursos de estudos para mulheres apresentar
muitas questões carregadas e controversas fora da possibilidade de discus-
são. E isso é exatamente o que um curso universitário não deveria estar
fazendo.
A regra n. 2 diz: "Um dos mecanismos de opressão é que todos nós somos
sistematicamente desinformados". Sem dúvida, em alguma ocasião, todos
aprendem algo que não é verdadeiro. Mas estamos "sistematicamente" re-
cebendo "desinformação"? Quando as pessoas eram da opinião de que o
mundo era plano, pode-se dizer que elas estavam "sistematicamente"
114

aprendendo isso. Mas como todos pensavam que isso era verdade, não de-
veríamos falar de "desinformação", o que implica mais do que um erro não
intencional. Da forma como as estudiosas das mulheres usam, "sistemati-
camente" conota "deliberadamente" e com propósitos políticos em mente.
Isso alude ao funcionamento insidioso do patriarcado, a "Unidade Oculta"
que mantém as mulheres escravizadas pelos homens. Mas é certamente
falso que todos nós estamos sendo doutrinados de forma deliberada (siste-
maticamente).
A regra n. 3 pede aos alunos que assumam que os grupos sempre fazem o
melhor que podem. Mas por que eles deveriam ser obrigados a fazer uma
suposição tão claramente falsa? As pessoas, especialmente em grupos,
muitas vezes poderiam fazer muito melhor do que elas fazem. Por que as-
sumir o oposto? Esta regra também é característica do espírito "se sentir
bem" de muitos cursos de estudos das mulheres. Como todo grupo está
"fazendo o seu melhor", é grosseiro criticar qualquer grupo. (Essa suposição
se estende às fraternidades? E para o time de futebol?) A regra n. 3 serve a
outro propósito não declarado: antecipar-se a críticas que possam pertur-
bar a agenda do professor.
A regra n. 4, que exige confidencialidade absoluta, é igualmente questioná-
vel. As aulas devem ser gratuitas e abertas: qualquer coisa dita na sala de
aula deve ser repetível no exterior. O fato de um instrutor convidar ou
mesmo permitir que seus alunos "falem" sobre assuntos pessoais é um sinal
infalível de que o curso é insubstancial e não-acadêmico. Além disso, os es-
tudantes que são encorajados a falar de incidentes dolorosos em suas vidas
não só estão sendo prejudicados academicamente, eles também estão em
risco de ser prejudicados pelas suas revelações.
Mesmo profissionais de saúde mental em ambientes clínicos exercem
grande cautela na hora de obter revelações traumáticas. Qualquer boa es-
cola fornece ajuda profissional aos alunos em dificuldades que precisam
dela. As intervenções amadoras de um professor são intrusivas e potencial-
mente prejudiciais.
Mas fazer com que os alunos façam revelações pessoais dolorosas é uma
característica da pedagogia feminista. Kali Tal, uma professora de estudos
culturais, recentemente compartilhou as "Regras de Conduta" que ela usou
na Universidade George Mason com todos os membros do boletim eletrô-
nico de estudos das mulheres:
115

Estupro e incesto são assuntos delicados. Alguns participantes da classe se-


rão sobreviventes de abuso sexual. Todos provavelmente terão momentos
nesta aula quando estiverem zangados ou tristes ou talvez assustados. É
importante... tornar esta sala de aula um lugar seguro para os alunos com-
partilharem experiências, sentimentos e ideias intelectuais. Por conse-
guinte, compus a seguinte lista de regras básicas:
1. Não haverá interrupção de fala de nenhum participante.
2. Não haverá crítica pessoal de qualquer espécie dirigida por qualquer
membro da turma para qualquer outro membro da turma.
3. Porque parte do material discutido e visualizado neste curso contém ma-
terial extremamente gráfico e violento, alguns alunos podem achar neces-
sário fazer uma "pausa" ocasional. Os alunos devem se sentir à vontade
para ficar de pé e sair da aula se precisarem de uma pequena pausa. É per-
mitido (e até encorajado) pedir a um colega de classe para acompanhá-lo
durante esse intervalo.
Como regra final, a professora Tal diz aos alunos que "esta classe não é ses-
são de terapia ".
Inevitavelmente, alguns alunos que vêm à aula para obter informações,
aprender habilidades úteis e analisar questões mais profundamente se sen-
tem enganados por tais abordagens. Eles podem sentir que o professor está
desperdiçando seu tempo. Será que a professora feminista, com a intenção
de "criar agentes da mudança social", pensa em seus alunos quando eles
reagem dessa maneira?
Elizabeth Fay, professora de escrita feminista da Universi-
dade de Massachusetts, fala sobre uma estudante que ela
chama de Minnie, uma jovem da classe trabalhadora de
Porto Rico que vivia com sua mãe divorciada. Minnie sen-
tava-se emburrada durante as aulas, ocasionalmente fa-
zendo perguntas furiosas e sendo "confrontada" em sessões
de conferência. Quando o curso acabou, Minnie apresentou uma queixa de
que não havia aprendido nada de escrita no curso. Como a professora Fay
descreve:
As queixas de Minnie se baseavam em três pontos principais: ela não rece-
beu nenhum ensaio modelo para imitar; ela não recebeu comentários dire-
tivos que mostrariam a ela como reescrever; ela não recebeu fórmulas a
116

seguir para cada gênero de ensaio em particular. Em outras palavras, ela


não sofreu constrangimento, foi convidada a pensar por conta própria, e
teve a oportunidade de dar e receber feedback dos colegas sem uma voz-
mestra intrusa.
A análise da professora Fay sobre a queixa de Minnie é complacentemente
egoísta. "Silencia" Minnie tratando-a como alguém que prefere "constran-
gimento" e uma "voz-mestra" em vez de libertação. A professora Fay, que
não está ouvindo Minnie, acusa Minnie de se recusar a ouvi-la: "Ela deixou
claro que noções de múltiplas vozes e visões, noções de política de gênero,
noções de empoderamento estudantil não satisfazem sua necessidade de
estilo apropriado, sotaque adequado, a reforma Doolittle para a qual ela se
inscreveu".
Mas Minnie não se inscreveu para vozes, visões e política de gênero; ela
havia se inscrito para um curso de composição em inglês. Ela queria que
seus ensaios fossem corrigidos porque queria aprender a escrever melhor
inglês. Essa não é uma expectativa irracional para um curso de redação. Mas
para a professora Fay, Minnie perdeu o ponto real sobre o que era curso de
composição para novatos:
Na composição de calouros, o que tentamos dar aos alunos é uma consci-
ência sobre o registro social e a gama de vozes que eles podem ter e adotar
para continuar com os negócios. Mas é a sua combinação de demanda e
desconfiança (você tem certeza de que é isso o que eu preciso? Você está
desperdiçando meu tempo e dinheiro?) que impele certos alunos a posturas
resistentes. A hostilidade fora de classe de Minnie e o decoro silencioso den-
tro da classe evidenciam uma socialização superficial que resiste ao pro-
cesso de indução; ela deseja uma armadura academicamente dourada, mas
não uma mudança de si mesma, não um “vir a ser”.
A professora Fay, que está decepcionada com o fato de Minnie não ter con-
seguido aproveitar a chance de "vir a ser", acredita sinceramente que a ati-
tude recalcitrante de Minnie vem de ter sido "socializada" de maneira a
"impeli-la" a uma postura resistente. Simplesmente nunca ocorre à profes-
sora Fay que sua própria atitude em relação a Minnie é desrespeitosa e que
é ela que foi ensinada por suas mentoras feministas a adotar uma postura
paternalista em relação a mulheres como Minnie.
117

Michael Olenick, jornalista da Universidade de Minnesota, relatou suas ex-


periências com Estudos da Mulher em um editorial no jornal da escola:
"Quando me inscrevi para uma aula de estudos da mulher, esperava apren-
der sobre feminismo, mulheres famosas, história das mulheres e cultura
das mulheres... Em vez de encontrar novos insights sobre o mundo das mu-
lheres, descobri... teorias bizarras sobre conspirações mundiais dedicadas a
reprimir e explorar mulheres."
Heather Keena, uma veterana na Universidade de Minnesota, escreveu
uma carta apoiando a queixa de Olenick sobre a atmosfera na sala de aula.
"Eu me senti como se eu fosse dependente e fraca por preferir homens a
mulheres como parceiros sexuais, e senti que minhas opiniões não eram
apenas insignificantes, mas de alguma forma distorcidas." Outra integrante
da turma, Kathleen Bittinger, considerou a professora culpada de estereo-
tipar o gênero masculino como chauvinista: "Também me disseram que mi-
nhas crenças religiosas e orientação sexual não são as corretas".
Fiquei imaginando o que a professora Albrecht, que ministrou o curso, pen-
sava sobre a controvérsia e telefonei para ela. Ela foi calorosa e gentil, e sua
preocupação era inegável. Em resposta às acusações de que seu curso era
unilateral, ela apontou que os alunos se satisfazem com os pontos de vista
padrão da "grande mídia". Era seu trabalho dar-lhes uma verdade mais pro-
funda: "Se a bolsa de estudos não é sobre melhorar a vida das pessoas, en-
tão é sobre o quê?" Albrecht estava claramente comprometida com sua ta-
refa autoimposta de dizer aos alunos como eles estavam sendo explorados
dentro de uma sociedade patriarcal, classista e racista. Era igualmente claro
que ela se sentia plenamente justificada em não dar voz ao outro lado. Eu
me deparei com muitos professores dedicados que, como a professora Al-
brecht, se recusam a ouvir "vozes" que poderiam de alguma forma afetar
sua determinação de produzir estudantes que sejam "agentes de mudança
social". Albrecht me enviou seu currículo, que era descaradamente ideoló-
gico: incluía até mesmo uma cópia das "regras básicas" de Rutgers.

***
118

Os estudantes que se queixam da pedagogia feminista recebem pouca sim-


patia da administração. Lynne Munson, recém-formada pela Northwestern,
encontrou a "perspectiva feminista" em todo o campus: "Fiz um curso de
clássicos e fomos encorajados a partici-
par de uma demonstração feminista,
'Take Back the Night', por solidariedade
com as mulheres de Esparta. Em uma
aula de história da arte, o professor ata-
cou a Olympia de Manet por suas seme-
lhanças com os pornográficos Center-
folds24".
Munson criticou especialmente um seminário para calouros chamado "O
ciclo menstrual: fato ou ficção", em que os alunos discutiam seus "desequi-
líbrios hormonais violentos". Na coluna de opinião de seu jornal da escola,
Munson escreveu que um curso desse tipo não contribuiu muito para uma
educação em artes liberais. Ela achou a turma boba e reclamou com o reitor
que o currículo estava se tornando modesto e perdendo legitimidade aca-
dêmica.
O reitor, Stephen Fisher, respondeu que o curso era "uma área legítima de
investigação". Ele me disse que a Sra. Munson parecia estar angustiada com
os estudos das mulheres e estava procurando maneiras de enfraquecê-lo.
Perguntei-lhe se ele não achava que o ciclo menstrual parecia um assunto
estranho para um seminário de primeiro ano; esse tipo de curso não seria
mais apropriado em uma escola de medicina? Será que ele não comparti-
lhava algumas das preocupações atuais de que os estudantes de graduação
de hoje têm sérias lacunas em seu conhecimento de história, ciência e lite-
ratura e precisem de uma base firme nos "princípios básicos"? O reitor res-
pondeu que, ao contrário da Universidade de Chicago, Northwestern havia
rejeitado o currículo básico em favor de estudos gerais e que cursos como
o seminário sobre o ciclo menstrual eram apropriados ao currículo mais plu-
ralista da Northwestern. Quando indiquei que ninguém estava dando semi-
nários sobre a função da próstata ou emissões noturnas e outros assuntos

24 O significado de Centerfold parece ser o de clube de strip-tease, desses que a gente vê em filmes o
tempo todo, em que uma mulher dança na frente do homem enquanto ele vai colocando dinheiro na
calcinha dela. Se você digitar centerfold no Google, vão aparecer vários sites que te levam a lugares
bem divertidos.
119

masculinos íntimos sobre os quais há uma quantidade igual de ignorância,


ele achou graça, e nós deixamos isso assim.
A menstruação é um tema favorito nos cursos de estudos femininos. A Uni-
versidade de Minnesota oferece um curso sobre "Simbolismo do Sangue na
Perspectiva Transcultural". Os tópicos a serem abordados incluem "sangue
e fluidos sexuais" e "menstruação e coleta de sangue". No Colégio Vassar
eles tinham um "Bleed-in25". O panfleto anunciando este evento dizia:
"Você fica deprimida na menstruação? O Centro de Mulheres acolhe-a ca-
lorosamente no primeiro Festival BLEED IN em 16 de outubro de 1993, às
8:00 da noite no Centro de Mulheres."
Em um livro amplamente utilizado chamado Feminism and
Values (Feminismo e Valores), o estudante lê Carol P. Christ
sobre a importância dos fluidos menstruais nos novos ritu-
ais feministas da deusa. Christ, ex-professora visitante da
Escoal de Teologia de Harvard e da Faculdade Pomona, fala
aos alunos sobre "a alegre afirmação do corpo feminino e
seus ciclos" em "rituais centrados na Deusa" no solstício de verão: "Do se-
gredo sujo escondido ao símbolo do poder vital da Deusa, o sangue das mu-
lheres completou o ciclo".
Se o sangue das mulheres deu um círculo completo, o público em geral
ainda não ouviu falar dele. Da Finlândia vem este pedido por e-mail de uma
acadêmica feminista que está orientando a pesquisa de uma aluna nessa
área:
Eu tenho uma estudante trabalhando em uma tese de mestrado em socio-
logia sobre diferentes concepções de menstruação na Finlândia. Ela tem
passado por literatura médica... Todo esse material mostrou-lhe um dis-
curso dominante baseado em concepções médicas tradicionais... Para ter
vozes diferentes, ela entrevistou mulheres... Seu problema é que: a) a mai-
oria das mulheres não gosta muito de falar sobre menstruação, b) a maioria
tem sentimentos negativos sobre ela... Alguém tem alguma sugestão sobre
como ter também opiniões com sentimentos positivos?
Pesquisadores objetivos geralmente não pedem ajuda para obter dados
mais adequados aos resultados que eles consideram "positivos". Por outro

25 Imagino que isso signifique algo como “Sangre aqui”.


120

lado, feministas de gênero estão convencidas de que as atitudes predomi-


nantes em relação à menstruação são fixadas por um discurso dominante
(masculino). Assim, o pesquisador tende a desconsiderar as opiniões de mu-
lheres (infelizmente a maioria) que elas consideram dar expressão a atitu-
des masculinas negativas, e elas buscam as vozes "autênticas" das mulhe-
res.
Uma dessas vozes foi ouvida pela teórica feminista Joan
Straumanis (mais tarde reitora da Faculty at Rollins
College). Ela concluiu um discurso em uma conferência de
estudos sobre mulheres intitulada "The Structure of Kno-
wledge: A Feminist Perspective" (A Estrutura do Conheci-
mento: Uma Perspectiva Feminista): "É muito conscientiza-
dor ter um período durante uma conferência como essa... Não sei de ne-
nhuma outra conferência onde o orador se levantou e disse que estava no
seu período... Por essa e outras razões, os estudos das mulheres nunca vão
morrer".

***

Lee Edelman é um professor popular de literatura inglesa na


Universidade Tufts. Seu curso "Hitchcock: Cinema, Gênero,
Ideologia" chamou minha atenção, então eu liguei e pergun-
tei se eu poderia sentar em um de suas classes.
Eu assisti à aula do professor Edelman no dia em que ele dis-
cutiu os papéis de gênero em 39 degraus, de Hitchcock. Edel-
man, um professor associado de 30 e alguma coisa, estava analisando o ro-
mance entre Robert Donat e Madeleine Carroll. Enquanto ele lecionava, ele
mostrou clipes do filme, comentando o tempo todo sobre a política sexual
não declarada do filme. A palestra era tematicamente unidimensional, mas
interessante e envolvente.
No início do filme, Robert Donat, fugindo das autoridades, entra num vagão
de trem e beija à força Madeleine Carroll para evitar ser visto26. Edelman
perguntou: "O que significa pensar sobre romance sempre em termos de

26 Você pode assistir clicando aqui: <https://www.youtube.com/watch?v=9-WzRyhUVtY>.


121

crime e violência?" Ele disse à turma que o amor é uma construção social,
acima de tudo uma arma política: "Como mestres do cinema fazem as pes-
soas acharem a guerra atraente? Sugerindo que os nazistas querem machu-
car a Sra. Miniver. Você mostra as mulheres como objetos que os homens
devem proteger. Nós bombardeamos Hiroshima por Rita Hayworth".
O professor Edelman perguntou à classe sobre um personagem menor:
"Como o Sr. Memória representa o conhecimento patriarcal? "Ninguém se
aventurou a responder. Um jovem apontou, hesitante, que Carroll parece
aproveitar o beijo de Donat, já que, afinal de contas, ela fecha os olhos e
deixa cair os óculos. Do fundo da sala de aula, uma jovem condenou o rapaz
junto com Hitchcock. Ambos, ela disse, promovem a ideia de que as mulhe-
res gostam de agressões. A discussão ficou mais animada. Edelman obser-
vou que o final feliz depende de "comprar a ideologia do amor romântico".
Aquecendo-se no tema, outra jovem disse: "No momento em que a heroína
se apaixona, ela deixa de ter uma identidade distinta". Edelman concordou:
"Ela usa um sorriso beatífico, o sorriso do relacionamento heterossexual
satisfeito." O tópico a ser explorado na semana seguinte: amor e casamento
na união convencional. Tarefa: Rebecca.
Mais tarde, falei longamente com o professor Edelman. Sua formação é em
desconstrução literária, um estilo de crítica que ele emprega para ler cada
"texto" (seja um romance, filme, música ou comercial de TV) como uma ex-
pressão, se não uma arma, da cultura opressora. Ele acredita que o propó-
sito do ensino é desafiar a cultura desmentindo ("desconstruindo") seus
"textos". Ele acredita que o bom ensino é contencioso.
Quando lhe perguntei se ele achava que tinha a obrigação de dar argumen-
tos para o outro lado, Edelman apontou o argumento da professora Al-
brecht: ele tem os alunos por apenas algumas preciosas horas por semana;
a cultura dominante os tem no resto do tempo. Pode ser a única vez em
suas vidas que eles estão expostos ao pensamento iconoclástico sobre sua
cultura.
Eu tinha gostado da aula e não teria me importado de ouvi-lo sobre Re-
becca. Edelman foi divertido de ouvir, mesmo quando ele continuava insis-
tindo que os alunos devem aprender a ver como o preconceito sexual está
inscrito em todas os artefatos culturais, toda obra de arte, todo romance,
todo filme. Os alunos foram aprendendo muito sobre como Hitchcock ex-
plorou temas sexuais, mas de onde eu estava sentado, havia muita coisa
122

que eles não estavam aprendendo, incluindo por que Hitchcock é conside-
rado um grande cineasta. Eles não estavam aprendendo sobre a sua maes-
tria na construção de suspense. Eles não foram informados, nem poderiam
explicar, por que 39 degraus tinha estabelecido um novo estilo para o diá-
logo cinematográfico. Os alunos do Tufts estavam sendo ensinados a "ver
através" dos filmes de Hitchcock antes de aprenderem a olhá-los e antes
que soubessem muito sobre por que deveriam estudá-los em primeiro lu-
gar. Nada que os estudantes disseram indicaram que haviam aprendido
muito sobre Hitchcock ou seu trabalho. No instante em que Edelman ter-
minou por "desmascarar" o sexismo de 39 degraus, o desdém dos estudan-
tes por esse aspecto do filme os deixaria com pouco incentivo para consi-
derarem Hitchcock um grande cineasta. Eles estavam aprendendo o que
Hitchcock estava "realmente" fazendo, e isso, aparentemente, era o que
importava.
Essas omissões são características de muitos ensinos que persistem na sala
de aula contemporânea. Os estudantes de hoje são culturalmente subnu-
tridos. A aula de inglês da faculdade é a única oportunidade para os alunos
serem expostos a grande poesia, contos, romances e teatro. Se eles não
aprendem a respeitar e gostar de boa literatura na faculdade, provavel-
mente nunca irão.

***

A sala de aula feminista afeta fortemente muitos estudantes impressioná-


veis. O efeito sobre o professor também pode ser dramático, especialmente
se ela for neófita. A professora Dixie King conta como um curso que ela es-
tava ensinando transformou-a: "Ministrando o meu primeiro curso de es-
tudos de mulheres há muitos anos, me vi mudando enquanto falava; des-
cobri até que ponto eu estava em cumplicidade com o sistema, treinada no
sistema masculino, eu me desconstruí e me reconstruí através do diálogo
naquela classe."
No decorrer das investigações sobre o feminismo acadêmico, continuei en-
contrando alunos que se maravilhavam com o quanto haviam sido modifi-
cados por sua nova perspectiva sobre a realidade social. Alunos que veem
123

o funcionamento do sistema sexo/gênero "em toda parte" estão apare-


cendo em salas de aula não feministas prontos para desafiar o "raciocínio
falocêntrico" de seus professores. Alguns professores consideram esses es-
tudantes virtualmente inacessíveis. Um professor de inglês do centro-oeste
me disse: "É muito difícil ensinar os alunos que foram treinados para assu-
mir a ‘perspectiva feminista’. Eles têm esse olhar de aço em seus olhos. Eles
desconfiam de tudo que você diz. Para eles, a própria razão é patriarcal,
linear e opressiva. Você não pode discutir com eles. Tudo é água para o seu
moinho."
Kim Paffenroth, ex-aluna de Harvard, é uma das várias estudantes que está
perturbada com a extensão com que a perspectiva feminista radical domina
suas aulas. Um de seus professores foi fortemente interrompido, no meio
de uma frase, por uma irada aluna, que o "corrigiu" porque ele se referiu a
Deus como "ele". "Fiquei bastante chocada com a grosseria de sua inter-
rupção, mas ainda mais horrorizada quando vi quanto poder ela poderia
exercitar com tal grosseria mesquinha quando o professor corrigido humil-
demente se desculpou."
Os campi universitários costumavam ser vistos como encla-
ves de bom humor e irreverência. O feminismo acadêmico
foi bastante responsável por mudar drasticamente essa ima-
gem. A cientista política Abigail Thernstrom descreve as fa-
culdades americanas como ilhas de intolerância em um mar
de liberdade. Eu visitei uma dessas ilhas no outono de 1989.
A faculdade de Wooster, em Ohio, tem uma forte presença feminista. A
oposição à ideologia feminista é principalmente sub-reptícia. Um professor
assistente que pede anonimato me disse que é "suicídio" criticar as femi-
nistas do campus de qualquer forma. "Elas querem que as pessoas tenham
medo. Então você fica quieto e elas não têm que lidar com você." Ele des-
creveu a atmosfera como "macartista". Outro crítico silencioso desculpou
sua timidez por motivos sociais. Ser percebido como confrontador em uma
cidade pequena é dispendioso. "Temos que viver com essas pessoas." Ainda
outro professor admitiu seu desespero com a invasão feminista radical em
Wooster, mas disse que criar uma agitação pode ser prejudicial para as ma-
trículas.
124

Quatro veteranos do Wooster concordaram em conversar comigo sobre


sua experiência na sala de aula feminista. Peter Stratton, que fez o pro-
grama Estudos da Mulher 110, ficou surpreso no primeiro dia de aula ao
ouvir o professor declarar a classe como uma "zona liberada", onde mulhe-
res "reprimidas" estariam livres para falar sobre qualquer assunto. O Sr.
Stratton diz que no começo ele era muito pró-feminista:
Mas vez após vez nós ouvimos como os homens são horríveis. Que não há
sentido em cuidar dos homens, esse envolvimento romântico é fútil. Claro,
existem alguns homens maus na sociedade, mas você também tem que
olhar para os bons. Quando cheguei à Faculdade de Wooster, aceitei tudo o
que me disseram. Agora alguns dos meus amigos e eu usamos palavras
como "freshman27" entre nós como um sinal de resistência.
Outro veterano, Michael Millican, acredita que a Faculdade de Wooster
"suspendeu oficialmente a Declaração de Direitos". John Cassais diz que
poucos alunos ousam questionar o ponto de vista do professor. "Os riscos
são muito grandes." Ele acredita que os estudantes estão sendo doutrina-
dos: "No seminário do primeiro ano (não seminário dos calouros) eles agora
se concentram exclusivamente em questões de gênero. Esse programa se
parece muito menos com um programa universitário do que com um
campo de reeducação."
Os alunos leem Racism and Sexism, um texto fortemente ideológico editado
por Paula Rothenberg (mencionada anteriormente como chefe do Projeto
de Nova Jersey e moderadora na conferência Parsippany). Os defensores
deste livro descrevem-no erroneamente como uma coleção de "processos
judiciais antidiscriminatórios". Na verdade, menos de 20% deles tratam de
casos. A maior parte do livro é uma miscelânea de poesia em sua maioria
ruim e artigos tendenciosos e tediosos, cheios de jargões sem graça, todos
escritos a partir de uma perspectiva feminista de gênero. Parece que
Rothenberg não viu necessidade de fornecer espaço para outras visões.
Como relativamente poucas seleções têm mérito literário ou estilístico, ela
tampouco se sente aparentemente responsável por oferecer aos alunos um
texto que lhes ensine a escrever bem. Em Wooster, no entanto, Racism and
Sexism se adequava bem aos propósitos das ativistas feministas e de seus
aliados administrativos.

27 Calouro.
125

Em 1990, a faculdade convidou uma lista de palestrantes para o campus


para reforçar a mensagem de texto da senhora Rothenberg: os palestrantes
incluíam a senhora Rothenberg, Angela Davis, Ronald Takaki, Derrick Bell e
um solitário "conservador", o ex-prefeito de Nova York Ed Koch. Koch foi
devidamente vaiado pelos alunos "bem-treinados".
A intolerância em Wooster com aqueles que são críticos da fé feminista de
gênero torna a faculdade muito circunspecta sobre expressar críticas, e isso
os fez virtualmente incapazes de se opor a qualquer programa feminista
que considerem indigno de apoio. "Estou ficando velho e cansado, e não
quero ser demitido", disse um professor:

O que você tem aqui são muitos alunos e professores que são muito céticos,
mas que estão com medo de expressar suas reservas. Por outro lado, as pro-
fessoras de estudos femininos são bem organizados e possuem estratégias
muito eficazes. Primeiro elas se coordenam com outros departamentos e
oferecem um grande grupo de cursos, votam em bloco e se infiltram em
grande número nos comitês de política educacional. Não é difícil hoje em
dia ter uma administradora poderosa atrás de você. Para elas, é uma ma-
neira de fazer um nome para si na administração da faculdade. Elas podem
dizer que iniciaram um novo programa para mulheres.
Muitos estudantes se ressentem dos estudos das mulheres. Eles querem
menos ideologia e conteúdo mais objetivo em seus cursos. Alguém poderia
pensar que as administrações da faculdade seriam simpáticas às suas quei-
xas. Mas as administrações mudaram muito nas últimas duas décadas.
Agora encontramos reitores e presidentes de faculdade advertindo os alu-
nos a não serem pegos fazendo queixas sobre a objetividade e a suposta-
mente desinteressada bolsa de estudos de pedagogos que está fixada nas
fases iniciais de um currículo não transformado. Os administradores mais
esclarecidos pregam as virtudes de uma nova pedagogia que impugna toda
a objetividade, mesmo a da ciência. Em um discurso de assembleia, Donald
Harward, então vice-presidente de assuntos acadêmicos da Faculdade de
Wooster, disse: "Uma grande revolução intelectual ocorreu. Nas duas últi-
mas décadas, o... esforço ‘para objetivar’ campos de investigação foi colo-
cado em questão por um desafio à objetividade da ciência – o protótipo
proeminente".
Invocando a autoridade da epistemologista feminista Sandra Harding, entre
outras, o Dr. Harward informou aos estudantes que "não há objetividade,
126

mesmo na ciência". Ele então confidenciou que "a nova visão da ciência e,
assim, a nova visão de qualquer campo de investigação intelectual ficam
apenas a um triz da irracionalidade e do ceticismo total. Mas as linhas tê-
nues são importantes." No final de seu discurso, os alunos estavam prontos
para a mensagem edificante de que "aprender e ensinar têm menos a ver
com verdade, realidade e objetividade do que imaginávamos".

***

Os transformacionistas nem sempre podem confiar em um corpo docente


compreensivo, mas geralmente podem contar com apoio administrativo
para promover seus projetos. Schuster e Van Dyne, a equipe transformaci-
onista da Faculdade Smith, relatam que os "administradores informados"
são mais propensos do que professores a reconhecer a necessidade de
transformação curricular. Na Faculdade Wooster, foi Harward quem iniciou
a política de fazer com que os alunos avaliassem seus professores sobre sua
sensibilidade às questões de gênero. Desde então ele se tornou presidente
da Faculdade Bates, no Maine.
Os estudantes que foram treinados com sucesso na sala de aula feminista
para "se tornarem agentes de mudança" podem embaraçar seus mentores
praticando o que eles aprenderam no campus. No Simon's Rock of Bard
College em Barrington, Massachusetts, 20 estudantes que não estavam sa-
tisfeitas com os procedimentos formais da universidade para proteger ade-
quadamente as alunas de assédio sexual formaram grupos de "guardiãs de
vigilância" para resolver o problema com suas próprias mãos. Um modo de
ação das "guardiãs de vigilância" consiste em cercar um professor escolhido
em um lugar afastado, acusando-o de assédio, e depois cantando, em unís-
sono, uma e outra vez: "Isso não será tolerado. Isto tem que parar.”
Uma das alunas participantes me disse que se o grupo dela ouvir falar de
qualquer comportamento que pareça sexista ou assediante, elas irão con-
frontar direta e repetidamente o agressor. As "guardiãs de vigilância são
muito eficazes em convencer alguém de que o que eles estão fazendo é
errado." Perguntei se as guardiãs de vigilância não estavam injustamente
intimidando o acusado e me disseram: "Por que eles seriam intimidados a
127

menos que fossem culpados? Se não fizeram nada, não seriam intimida-
dos".
Um professor estrangeiro submetido a esse tratamento ficou fisicamente
doente. A administração finalmente agiu suspendendo temporariamente
16 "guardiãs de vigilância". A professora de estudos de mulheres Patricia
Sharp negou toda a responsabilidade pelo comportamento das guardiãs de
vigilância; ela insistiu que a atitude delas não tem nada a ver com o femi-
nismo. No entanto, ela expressou preocupação de que quase metade das
18 alunas em sua aula de teoria feminista eram membras da guarda de vi-
gilância.
Que o comportamento dos alunos deve desconcertar até mesmo as profes-
soras feministas é compreensível. É igualmente compreensível que os alu-
nos se sintam traídos. Um membro da guarda de vigilância que estava na
classe da professora Sharp me disse que nos cursos de estudos femininos
as mulheres são incentivadas a se empoderar, mas "quando colocamos isso
em prática de forma direta e eficaz, somos suspensas".
O Simon's Rock faz parte do Bard College. Quando perguntado sobre as tá-
ticas das guardiãs de vigilância, Leon Botstein, o presidente da Bard, disse:
"A melhor coisa a dizer é que essas crianças não possuem uma memória
histórica suficiente para entender que tal comportamento é extremamente
reminiscente do fascismo, dos camisas marrons; é um grupo clássico de in-
timidação e humilhação pública que está associado com os anos 30 e, final-
mente, com os Guardas Vermelhos."
A Faculdade Estadual da Pennsylvania tem um jornal alternativo chamado
Lionhearted, que rotineiramente zomba da correção política do campus.
Em sua edição de 12 de abril de 1993, ele satirizou um artigo de opinião de
uma estudante feminista radical, Amanda Martin, que apareceu no jornal
da faculdade. Martin tinha participado recentemente da marcha antiestu-
pro da Penn State, que ela chamou de marcha das "250 guerreiras". Ela
comparou o patriarcado a um "monstro" sanguinário que devora todas as
mulheres. Para aqueles que a criticariam, ela emitiu um aviso: "Vou chutar
o seu traseiro".
O artigo de Martin implorava pela paródia, e o Lionhearted se obrigou a
criticar sua arenga e irreverentemente imprimiu uma charge em que ela
aparecia em um biquíni azul. As ativistas feministas do campus reagiram
128

apreendendo e destruindo todas as seis mil cópias do Lionhearted. Cente-


nas foram queimadas em uma fogueira, tarde da noite, do lado de fora do
escritório de Ben Novak, um membro do conselho de administração da
Penn State que atua como conselheiro do jornal.
Mike Abrams, o editor do Daily Collegian, o jornal estudantil da Penn State,
justificou a queima de jornais: "Os indivíduos que queimaram cópias do Li-
onhearted demonstraram a mesma liberdade de expressão que permitiu ao
jornal imprimir seus pontos de vista." Donna Hughes, professora de estudos
femininos da Penn State, também não viu nada de errado com a queima de
jornais, dadas as circunstâncias. Por fim, a paródia se tornou uma forma de
assédio. "Eu acho que foi um ato de protesto, considerando o ataque difa-
matório muito pessoal contra Amanda Martin em uma charge de página
inteira."
É difícil estimar a proporção de alunos comprometidos com o feminismo de
gênero. É certamente uma minoria. Mesmo quando a conversão parece ser
profunda, pode ser de curta duração. Mas aqueles que permanecem firmes
são duros e formidáveis. Por outro lado, alguns dos "desertores" são igual-
mente formidáveis.
Heather Hart, recém-formada pela Universidade Brandeis, fala do seu de-
sencanto com o feminismo acadêmico:
Na Brandeis, descobri o feminismo. E eu instantaneamente me converti. E
me saí bem, escrevendo artigos brilhantes na aula de humanidades Myths
of Patriarchy (Mitos do Patriarcado), na qual eu comparava meu destino
como mulher a outras vítimas ao longo dos tempos. Eu me juntei à coalizão
de mulheres, preguei para qualquer um que quisesse escutar, e até cheguei
perto de cortar homens da minha vida por completo.
A senhora Hart, no entanto, veio de Montreal, onde o batom está na moda,
e ela se recusou a tirá-lo: "Elas me condenaram desde o início. Elas recla-
mavam de se sentir excluídas da sociedade patriarcal dominada pelos ho-
mens, e ainda assim foram rápidas em me dispensar como um brinquedo
de menino só porque eu gosto do conceito de decoração... Eu era diferente
e, portanto, uma ameaça para a comunidade pura, fechada, secreta e ho-
mogênea."
Hart diz que o quase ostracismo que ela sofreu a impediu de desfrutar das
“vantagens” que a solidariedade poderia ter oferecido a ela; no entanto, ela
129

aceitou ser desaprovada porque "não queria se alienar" daquelas de quem


se sentia aliada. A inevitável ruptura veio quando Eddie Murphy foi a Bran-
deis para fazer um show: "Eu estava decidida a ir... mas em uma reunião
com minhas colegas feministas fui informada de que estávamos boicotando
o show porque Eddie Murphy era um racista, homofóbico e misógino."
Hart atravessou o piquete e teve a revelação de que, de muitas maneiras,
suas irmãs nos estudos sobre mulheres e no centro das mulheres eram "re-
miniscências assustadoras" das forças contra as quais "elas afirmavam estar
lutando todos esses anos".
Algumas das mulheres que mais tarde desertaram olham para trás com res-
sentimento para as feministas que as mantiveram em escravidão. Annie
Ballad, graduada em Harvard em 1988, sentiu que sua vida privada era in-
toleravelmente incorreta, pois estava em conflito com o que ela havia
aprendido na sala de aula feminista. Ela havia sido persuadida de que o ato
sexual heterossexual era basicamente uma violação: "Enquanto eu inte-
grava os estudos das mulheres (em Harvard) com uma professora separa-
tista lá, quase tive um colapso nervoso porque achei que meu namorado de
cinco anos estava me estuprando toda vez que ele me penetrava". Ela co-
meçou a se "desprogramar", usando uma técnica de reversão linguística
que é conhecida por ser eficaz. A Sra. Ballad foi treinada para certas locu-
ções, evitando aquelas que as feministas de gênero consideram condescen-
dentes com as mulheres. Ela começou a se forçar a ser "incorreta"; "Eu in-
sisti em chamar as mulheres de ‘garotas’, ‘meninas’ e ‘gatinhas’". Depois de
um tempo, ela se sentiu livre para aproveitar sua vida sexualmente incor-
reta.
A irreverência é tanto um antídoto quanto um imunizador. Na fortemente
feminista Faculdade Vassar, duas juniores, Regina Peters e Jennifer Lewis,
fundaram o "Future Housewives of America" (Futuras Donas de Casa da
América). No início, o grupo se entregou a um espírito irônico. Um de seus
primeiros projetos (frustrado no último minuto) era entrar escondido no
desarrumado centro das mulheres tarde da noite e limpá-lo, deixando uma
nota assinada "Cumprimentos das futuras donas de casa da América". Gru-
pos de estudantes recebem rotineiramente fundos modestos para despe-
sas correntes: como um grupo de mulheres, as Futuras Donas de Casa ti-
nham o direito de solicitar fundos através da Aliança Feminista. Peters e
Lewis apareceram em uma reunião da Aliança e anunciaram a formação de
130

seu grupo. Elas contaram sobre suas duas primeiras atividades planejadas:
publicar seu próprio livro de receitas e organizar uma festa em Tupper-
ware28. "Eu nunca vi nada parecido", disse Peters mais tarde. "50 mulheres
perplexas e estupefatas de incredulidade." Elas não foram financiadas e
desde então se separaram.

***

As feministas do campus fizeram do campus americano um lugar menos


feliz, tendo sucesso em intimidar uma faculdade outrora franca e livre. Uma
das coisas mais tristes sobre a sua influência é o seu efeito sobre a pedago-
gia fora de suas próprias salas de aula. Elas criaram uma geração de cães de
guarda sempre à procura de preconceito sexista em todas as suas manifes-
tações insidiosas. Os alunos são cuidadosos em vez de despreocupados. O
humor é guardado para si. Muitos professores agora praticam uma espécie
de pedagogia defensiva.
Em dezembro de 1989, eu recebi um telefonema de um homem que me
disse que era estudante de pós-graduação na Universidade de Minnesota.
Ele me pediu que investigasse algumas coisas "assustadoras" que as femi-
nistas do campus estavam fazendo. Ele mencionou o departamento de es-
tudos escandinavos. Ele me disse que não queria me dar seu nome porque
achava que seria ferido: "Elas são poderosas, são organizadas e são vingati-
vas".
A Universidade de Minnesota é fortemente "colonizada". Além de seu de-
partamento de Estudos Femininos, possui um Centro Avançado de Estudos
Feministas, o Centro para Mulheres no Desenvolvimento Internacional, um
Centro de Mulheres, uma Associação de Jovens Mulheres, o Centro de Edu-
cação Continuada para Mulheres e o Centro Humphrey de Mulheres e Polí-
ticas Públicas. A revista feminista Signs (Sinais) está hospedada lá, e a re-
vista feminista radical Hurricane Alice (Furacão Alice) está associada ao de-
partamento de inglês. Existe um Programa de Violência Sexual, assim como
uma Comissão sobre a Mulher.

28 A Tupperware é uma multinacional americana conhecida por fabricar utensílios domésticos para do-
nas de casa.
131

Depois de alguns telefonemas, encontrei alguns membros do corpo do-


cente que falavam sobre as "feministas do campus", desde que o anoni-
mato fosse prometido. Um professor de ciências sociais me disse:
Temos um núcleo endurecido e amargurado de feministas radicais. Estas
mulheres foram vitoriosas nos tribunais: elas têm a proteção de vários re-
gentes e administradores poderosos. Elas ditam as regras. Para onde quer
que você olhe, há membros do corpo docente feminista preocupados em
remover dos departamentos o ponto de vista do homem branco. Se você
questionar isso, você é rotulado como sexista. Isso é um pesadelo. Nas reu-
niões do corpo docente, aprendemos a falar em código: você diz coisas que
alertam outros membros do corpo docente de que você não concorda com
as feministas radicais, mas você não diz nada que possa trazer uma carga
de insensibilidade de gênero. As pessoas estão fora de controle e poder. Não
entendi completamente o que estava acontecendo até ler Nien Cheng's Life
and Death in Shanghai (a Vida e a Morte de Nien Cheng em Xangai).
O professor Norman Fruman, um renomado estudioso do departamento de
inglês, foi sincero:
Se você resistir às feministas, estará sujeito à acusação de sexismo. Você
pode então ser social ou profissionalmente isolado. Com a ascensão do pós-
estruturalismo, Derrida, Foucault, Althusser, você tem a base para uma po-
sição stalinista. Muitos professores estão ensinando aos alunos que não há
objetividade. Tudo é subjetivo. Este é o seu grito de guerra. Todas as obras
literárias, incluindo a própria noção de qualidade estética, são consideradas
um meio de controle patriarcal.
Então chamei a professora Lois Erickson, uma ativista feminista. Ela expli-
cou por que os dois homens com quem falei seriam "hostis e defensivos":
É uma nova era na Universidade de Minnesota. Nossa realidade comparti-
lhada passou por uma lente masculina. Eu passei um ano sabático em Har-
vard trabalhando com Carol Gilligan, onde aprendi a honrar a voz feminina
interior. Até que possamos equilibrar o feminino e o masculino, a paz não é
possível. Para isso, precisamos de um forte departamento de estudos femi-
nistas... Temos pelo menos 300 mulheres no campus empoderadas por uma
decisão judicial favorável. Isso nos dá uma forte voz coletiva. Alguns homens
e mulheres são ameaçados porque temem seu lado feminino.
132

Tendo ouvido "ambos os lados" da questão feminista em Minnesota, me


senti pronta para enfrentar o mistério do departamento de estudos escan-
dinavos. Isto acabou por não ser um mistério – apenas um exemplo pertur-
bador de extrema vigilância feminista.
Em 12 de abril de 1989, quatro estudantes de pós-graduação entraram com
acusações de assédio sexual contra seis membros efetivos do departa-
mento de estudos escandinavos (cinco homens e uma mulher). Os profes-
sores foram chamados para o escritório do reitor Fred Lukerman, notifica-
dos das acusações e, de acordo com a denúncia, foram aconselhados a ar-
rumar advogados.
Em uma carta enviada ao professor de estudos escandinavos William Mis-
chler, a Sra. Patricia Mullen, oficial da universidade em questões de assédio
sexual, informou a Mischler que ele havia sido acusado de assédio sexual e
seria denunciado ao reitor a menos que ele respondesse dentro de dez dias.
Cartas semelhantes foram enviadas aos outros cinco professores. As cartas
de Mischler não continham fatos específicos que pudessem ser remota-
mente adequados para descrever algo como assédio sexual. Quando Mis-
chler fez mais investigações, descobriu que havia sido acusado por dar uma
interpretação estreita e "patriarcal" ao trabalho de Isaak Dinesen, por não
ter lido um romance de uma aluna considerado importante e por ter cum-
primentado uma aluna de maneira nada amigável. Dois dos colegas de Mis-
chler foram acusados de assediar os queixosos por não lhes terem dado
notas mais altas.
Os demandantes haviam elaborado uma lista de exigências punitivas, entre
elas:
1. a negação do mérito paga por um período não inferior a cinco anos 29;
2. oficinas mensais de assédio sexual para todos os professores dos núcleos
escandinavos por pelo menos doze meses; e
3. oficinas anuais de assédio sexual para todos os docentes do núcleo es-
candinavo, professores adjuntos, professores visitantes, assistentes de pós-
graduação, e estudantes de pós-graduação.

29 No original, the denial of merit pay for a period of not less than five years. Pelo que pesquisei, parece
que, quando se apresenta uma petição a um tribunal e os juízes não a consideram convincente, diz-se
que eles negam o mérito dela. Ou seja, a negação do mérito não ocorre por erros técnicos, mas por
conteúdo insuficiente.
133

Na falta de qualquer apoio da administração, os professores foram obriga-


dos a procurar aconselhamento jurídico. Em 13 de outubro, seis meses de-
pois, todas as acusações contra quatro dos acusados foram retiradas. Ne-
nhuma explicação foi oferecida. Alguns meses depois, as acusações contra
os dois restantes foram retiradas, novamente sem explicação. Todos eles
ainda estão abalados com o que descrevem como uma provação kafkiana.
"Quando vi as acusações", diz o professor Allen Simpson, "entrei em pânico.
É a coisa mais aterrorizante... elas me querem demitido. Custou-me dois mil
dólares para ter minha resposta redigida. Não posso pagar a justiça".
O professor Mischler solicitou que o conteúdo das queixas fosse tornado
público para a comunidade de Minnesota. Mas, de acordo com o jornal
Minnesota Daily, Patricia Mullen se opôs à divulgação alegando que "isso
impediria as pessoas de avançar".
Meus esforços para achar alguém da administração que pudesse me dar a
sua versão da história não tiveram sucesso. A Sra. Mullen se recusou a falar
comigo. Fred Lukerman, que era reitor da Faculdade de Artes Liberais na
época, também se mostrou inacessível. Finalmente, conversei com um rei-
tor que me garantiu que apoiava muito as causas feministas no campus,
mas que ele acreditava que o caso de estudos escandinavos era de fato uma
"caça às bruxas". "Mas, por favor, não use meu nome", ele implorou.

***

Mais recentemente, na Universidade de New Hampshire, o professor Do-


nald Silva estava tentando dramatizar a necessidade de foco na redação de
ensaios. Infelizmente para ele, ele usou imagens sexuais para enfatizar: "O
foco [na escrita] é como o sexo. Você procura um alvo. Você se concentra
em seu assunto. Você se move de um lado para o outro. Você se aproxima
do assunto e centra-se nele. O foco conecta a experiência e a linguagem.
Você e o sujeito se tornam um."
Durante outra palestra, ele ilustrou graficamente a maneira como algumas
similaridades funcionam, dizendo: "A dança do ventre é como gelatina em
um prato, com um vibrador embaixo".
134

A grande maioria da turma presente na palestra considerou essas observa-


ções inócuas. Seis alunas apresentaram acusações formais de assédio – ale-
gando que suas palavras haviam diminuído as mulheres e criado um ambi-
ente hostil e intimidador. O SHARPP – o Programa de Prevenção ao Estupro
e ao Assédio Sexual30 no campus de New Hampshire – assumiu sua causa.
O professor Silva foi considerado culpado por ter usado "dois exemplos se-
xualmente explícitos" que "uma estudante razoável consideraria... ofensi-
vos, intimidadores e responsáveis por criar um ambiente hostil".
Ele foi ordenado a pedir desculpas por ter criado um "ambiente acadêmico
hostil e ofensivo". Ele foi multado em dois mil dólares e formalmente re-
preendido. Ele agora é obrigado a participar de sessões de aconselhamento
por um terapeuta aprovado pela universidade, e a relatar seu progresso na
terapia ao diretor do programa da universidade. Silva se recusou corajosa-
mente a cumprir – e foi suspenso do ensino sem pagamento. A Associação
Americana de Professores Universitários escreveu uma carta avisando a
universidade que quaisquer sanções contra Silva eram uma ameaça à liber-
dade acadêmica. Em um encontro de mais de 60 professores aposentados
da Universidade de New Hampshire, eles revisaram o caso e votaram una-
nimemente para condenar as ações da universidade. Mas até agora o
SHARPP e a Universidade de New Hampshire prevaleceram. A tentativa de
Silva de ter a sua versão da história ouvida está custando-lhe milhares de
honorários legais, e isso pode custar-lhe a carreira.
Espera-se que os professores protestem contra invasões de suas liberdades
e prerrogativas tradicionais. Seria de esperar que eles ficassem indignados
com a "Caça às bruxas" (e expressassem sua indignação antes de se apo-
sentarem). Mas o sentimento de indignação vem, em vez disso, das femi-
nistas de gênero, que, fiéis à sua autoimagem de "vítimas", exortam as fe-
ministas de gênero nas universidades a ficarem permanentemente alertas
a quaisquer sinais de tentativas masculinas de restaurar o status quo.
Schuster e Van Dyne têm tabelas e gráficos delineando estratégias para a
preparação. O Conselho Nacional de Pesquisa sobre Mulheres, financiado
pela Ford, está agora arrecadando dinheiro para o que chama de “fundo
rápido de contestação”. Como explica em uma carta de angariação de fun-
dos datada de 8 de dezembro de 1993, o fundo permitirá agir rapidamente

30 No original, Sexual Harassment and Rape Prevention Program.


135

para combater a publicidade negativa para coisas como "reformas curricu-


lares feministas".
Temores de resistência e reação motivam ataques preventivos contra críti-
cos e potenciais críticos. O Comitê de Associação de Idiomas Modernos so-
bre o Status das Mulheres propôs recentemente que "assédio antifemi-
nista" e "assédio intelectual" se tornassem novas e oficiais categorias de
vitimização. Exemplos de assédio intelectual incluem:
 demissão de escritores feministas, jornalistas e trabalhadores da im-
prensa;
 depreciação automática do trabalho feminista como "estreito", "parti-
dário" e "carente de rigor";
 humor malicioso dirigido contra feministas;
Toni McNaron, professora de inglês na Universidade de
Minnesota, expressa a confiança de muitos quando prevê
no Women's Review of Books que as acadêmicas feministas
de gênero transformarão o "establishment acadêmico" nos
anos 9031. Ela faz a comparação habitual entre a recente te-
oria feminista e o avanço científico feito por Copérnico. Mas
seu humor exultante está envolto em tristeza. Ela nos lembra que "os pro-
ponentes da teoria copernicana foram expulsos de suas universidades ou,
em casos extremos, excomungados, presos e até mortos". Reconhecendo
que as feministas contemporâneas provavelmente não sofrerão as retribui-
ções mais extremas, ela, no entanto, adverte sobre ataques iminentes. Ela
exorta as acadêmicas feministas a "aguentar e resistir, sempre que possível,
às investidas violentas" daqueles que criticam a agenda feminista. As ob-
servações da professora McNaron chamaram minha atenção porque ela me
menciona como um dos perseguidores dos novos copernicanos.
Até agora, as feministas têm uma merecida reputação de serem boas em
maldizer, mas completamente incapazes de aceitar críticas. Muitas são co-
nhecidas por contra-atacar os oponentes com argumentos ad hominem ou
ad feminam: acusações de misoginia, racismo, homofobia ou oposição à di-
versidade ou inclusão. Alguns supostos críticos temem pelos seus próprios
trabalhos. Nessas circunstâncias, um crítico pode se encontrar repentina-
mente sozinho. Outros, assistindo, aprendem a manter as aparências.

31
Quem roubou o feminismo? foi publicado em 1994.
136

Agora está bem claro que uma faculdade americana autoprotegida aban-
donou seriamente seu dever de defender a tradições liberais da academia
americana.
Os estudantes são rápidos em aprender que a crítica aberta à sala de aula
feminista não vai ganhar o apoio de professores que concordam com eles.
A lição que aprendem da covardia de seus professores nunca é esquecida:
fique longe de controvérsias. A conformidade é mais segura: pratique-a.
Essa é uma lição terrível para transmitir aos alunos e a antítese do que a
experiência universitária deveria ser.
Na história "As roupas novas do imperador", o menino no desfile que se
atreveu a declarar que o imperador estava nu foi imediatamente apoiado
pelos mais velhos, que ficaram gratos por alguém ter dado voz àquela ver-
dade inocente e óbvia. Infelizmente, não é assim na vida real. Na vida real,
é mais provável que o menino seja afastado pelos funcionários do desfile
por fracassar em perceber a elegância do imperador. Na vida real, os espec-
tadores não ficam do lado do garoto. Em Minnesota, Northwestern, Michi-
gan, Wooster, New Hampshire, Harvard e nos campi de todo o país, as fe-
ministas do gênero não são contestadas porque as faculdades agora acham
que é política olhar para o outro lado.
137

CAPÍTULO 6
UMA BUROCRACIA PRÓPRIA

Se há uma palavra que resume tudo que deu er-


rado desde a guerra, é "workshop". Atribuído a
KINGSLEY AMIS.

Se a perspectiva feminista de gênero é comparável à revolução copernicana


é uma questão que está em aberto. Sem dúvida, uma revolução ocorreu,
mas ela é mais burocrática do que intelectual.
Em 1982, Peggy McIntosh, diretora associada do Centro de Pesquisa sobre
as Mulheres da Faculdade Wellesley, deu uma palestra presciente e influ-
ente para uma audiência de acadêmicas feministas em Genebra, Indiana:
Eu acho que não é tão importante para nós colocar os corpos das mulheres
em lugares altos, porque isso não ajuda necessariamente na mudança so-
cial. Mas promover mulheres que carreguem uma nova consciência de como
as fortalezas montanhosas dos homens brancos precisam dos valores do
vale – isso mudará a sociedade... Essas pessoas colocadas no alto das estru-
turas de poder existentes podem realmente fazer a diferença.
As metáforas sedutoras da senhora McIntosh são acompanhadas por sua
compreensão infalível de como ganhar o controle das burocracias, um ta-
lento que a ajudou a tornar-se uma das líderes mais influentes e eficazes
entre os transformacionistas acadêmicos. As feministas de gênero a quem
Dr. McIntosh se dirigiu levaram seu conselho a sério. Assim como muitas
outras. As feministas acadêmicas têm trabalhado duro e com sucesso para
levar as pessoas "que carregam uma nova consciência" a posições adminis-
trativas em todos os níveis acadêmicos. Agora, elas fazem o possível para
garantir que os novos compromissos não fiquem fora de linha. Criticar a
ideologia feminista agora é arriscado ao extremo, e até mesmo ter um re-
gistro "limpo" não é mais suficiente. Os aspirantes a presidências de univer-
sidades, reitorias, diretorias de programas e outros postos-chave estão ci-
entes de que provavelmente terão que mostrar um registro de simpatia
comprovada com as doutrinas e políticas feministas de gênero. O mesmo
está se tornando rapidamente verdade para compromissos do corpo do-
cente.
138

A Associação de Faculdades Americanas (AAC), em si uma das "estruturas


de poder" que foram colonizadas por mulheres da consciência correta, di-
vulgou um questionário amplamente utilizado intitulado "Está tudo no que
você pergunta: perguntas para os comitês de pesquisa usarem." Os possí-
veis candidatos a cargos docentes ou administrativos devem ser pergunta-
dos sobre questões como estas:
• Como você tem demonstrado seu compromisso com os problemas das mu-
lheres em sua posição atual? [Questão principal]
• Qual é o seu relacionamento com o centro das mulheres?
• Como você incorpora novos estudos para mulheres em cursos de gradua-
ção? Em sua pesquisa? Em curso de pós-graduação? Com seus alunos de
pós-graduação? Como você ajuda seus colegas a fazerem isso?
• Como você lida com o backlash e a negação?
O tipo de triagem promovido pelo AAC mostrou-se eficaz na Universidade
de Maryland em sua última busca presidencial. Falando no (autodenomi-
nado) "histórico" fórum intitulado "Transformando a Base do Conheci-
mento", Betty Schmitz, outra figura importante no circuito de transforma-
ção, descreveu como o comitê de busca questionou todos os candidatos
sobre seu compromisso com projetos de transformação feministas. A Sra.
Schmitz teve o prazer de informar: "Todos os candidatos estavam prepara-
dos para a questão. Dois haviam financiado programas em seus próprios
campi, e o terceiro realmente estava envolvido em um projeto".
A confiança de Schmitz no procedimento de triagem não foi descabida.
Logo após sua nomeação, o presidente William Kirwan veio com US$
500.000 dos fundos da universidade para um projeto de transformação cur-
ricular, sem passar pelo senado da faculdade para fazê-lo.
As matérias curriculares são tradicionalmente competência do corpo do-
cente ou de seus órgãos representativos, como o senado da faculdade. Mu-
danças no currículo normalmente envolvem escrutínio intensivo e extenso
debate seguido de uma votação. A ação de Kirwan parece mais incomum.
Schmitz, que havia se tornado assistente de Kirwan, relatou como o presi-
dente teve que enfrentar uma grande "reação" do corpo docente e como
ela ajudou o presidente dando-lhe argumentos para lidar com o problema.
Ela aconselhou suas irmãs de transformação a esperar situações semelhan-
tes: "Você também terá que preparar seus administradores sobre o que vai
139

acontecer... É maravilhoso ser capaz de fornecer palavras adequadas ao


chefe de uma instituição, e é importante que as pessoas com conhecimento
sobre os assuntos e versados na língua estejam em posições-chave para fa-
zer isso." A resistência dos professores não perturba Schmitz: "Falar sobre
o indizível é um componente de perturbação do patriarcado. A raiva ou des-
crença que surge quando os professores são forçados a enfrentar precon-
ceitos como um problema sistêmico e abrangente é o primeiro estágio ne-
cessário no processo de mudança."
A senhora Schmitz, que é mais conhecida como ativista do que como al-
guém que fez contribuições para a teoria da educação ou epistemologia, é
uma apparatchik32 confiante que aplica as ideias de teóricas feministas
como Peggy McIntosh e Elizabeth Minnich ao projeto urgente de "quebrar
as disciplinas" e transformar o currículo. Nestas tarefas práticas, ela relata
gratificante progresso: Uma "tendência animadora é o grau em que os fun-
dos estatais e fundos internos estão sendo colocados na transformação do
currículo", diz ela, gabando-se de seu sucesso em criar "um novo cargo para
um diretor permanente do projeto de transformação curricular" na Univer-
sidade de Maryland.
Eu me detenho na Sra. Schmitz não porque ela é tão incomum (embora ela
seja muito boa no que faz), mas precisamente porque ela é representante
da nova geração de feministas burocráticas. Ministrantes qualificadas de
workshops, formadoras de redes e angariadoras de fundos, elas se movem
dentro dos corredores do poder acadêmico com facilidade e eficácia, oca-
sionalmente fornecendo "palavras apropriadas" para aqueles no poder
conforme necessário para promover os objetivos da nova pedagogia e para
combater a crítica. Schmitz é uma grande admiradora de Dr. McIntosh,
tanto por seus insights sobre a teoria pedagógica feminista quanto por sua
análise política presciente sobre como obter e manter o poder na academia
e, uma vez alcançado, como usá-lo para promover uma agenda de transfor-
mação.

32 Explicação do dicionário virtual Linguee: Apparatchik (...) é um termo coloquial russo que designa um
funcionário em tempo integral do Partido Comunista da União Soviética ou dos governos liderado por
este partido, ou seja, um agente do "aparato" governamental ou partidário que ocupa qualquer cargo
de responsabilidade burocrática ou política (com exceção dos cargos administrativos superiores, já
que o sufixo "-chik" no fim da palavra indica uma forma diminutiva). Já foi descrito como "um homem
[capaz] não de grandes planos, mas de cem detalhes cuidadosamente executados". Frequentemente
é considerado um termo pejorativo.
140

De Maryland, a Sra. Schmitz se mudou para o estado de Washington, onde


novamente está trabalhando para instalar o aparato de transformação.
Aqui está mais de seu conselho astuto para suas irmãs do movimento de
transformação: "Nós... temos que construir nossa mensagem para a missão
da instituição, e nós temos que ajudar aqueles na instituição a pensar sobre
o futuro... Temos que ver o que a organização está aspirando a ser e ter
certeza de que, à medida que as frases que articulam esses objetivos este-
jam sendo formadas, fornecemos uma linguagem que as informe."
A Sra. Schmitz escreveu um manual para os transformacionistas. Nele ela
usa a teoria das cinco fases de Peggy McIntosh para classificar os professo-
res e seus classes. A primeira fase, você se lembrará, é o estágio mais baixo
da consciência curricular. A fase 5 não pode ser alcançada na cultura de
hoje, mas a fase 4, na qual "as aulas são maravilhosas e curativas", é atingí-
vel. Mesmo assim, diz Schmitz, "a quantidade de tempo que um indivíduo
leva para atingir a Fase 4 não é previsível". Schmitz refere-se às cinco fases
como se elas fossem cientificamente tão estabelecidas quanto as fases da
Lua. Seu manual contém indicações sobre como lidar com professores "hos-
tis com uma crença inabalável nos padrões tradicionais de excelência". Es-
ses são os "estudiosos respeitados", um grupo "inacessível" de "pensadores
da Fase 1". Segundo Schmitz:
Esses professores também podem ser estudiosos respeitados em seu campo
e professores populares. Eles não têm motivos para mudar. Se confrontados
com pressão de administradores ou líderes de projetos, eles levantarão
questões de liberdade, o lugar da ideologia no currículo e seu direito de de-
terminar o que deve ser ensinado em suas aulas.
A senhora Schmitz parece cinicamente ciente de que, apesar de seus pro-
testos sobre a erosão das liberdades acadêmicas, os estudiosos respeitados
não têm mais o poder que já tiveram, e ela relata que a maioria dos direto-
res de projetos não considera que "vale a pena o esforço de mirar esse
grupo especificamente.”
Poucos na universidade oferecem resistência à mudança curricular, nem
muitos levantam questões de liberdade acadêmica. Para levá-los a coope-
rar ativamente em sua própria "reeducação", Schmitz e suas colegas suge-
rem francamente incentivos financeiros: "Quanta reeducação docente é
possível sem o benefício do dinheiro para bolsas? Nossa recente experiên-
cia com consórcios regionais para integração curricular sugere que mesmo
141

pequenas quantias de dinheiro para iniciar projetos podem resultar em mu-


danças concretas".
Grandes quantias de dinheiro funcionam ainda melhor. Em Maryland, du-
rante as várias férias de verão anteriores, o governo ofereceu aos docentes
uma porcentagem de seu salário anual para participar de seminários sobre
transformação curricular. Em 1991, por exemplo, as turmas se reuniam
duas vezes por semana durante julho e agosto e os professores recebiam
20% de seu salário. Assumindo um salário médio anual de US $ 40.000, isso
significaria que eles ganhavam cerca de US $ 500 por cada aula que fre-
quentavam.
O professor Herman Belz, um renomado cientista político,
observou com alarme que a transformação do currículo es-
tava sendo implementada em Maryland, embora nunca ti-
vesse sido votada ou aprovada pelo corpo docente. Não
tendo acesso aos canais de distribuição da administração,
ele publicou suas dúvidas no jornal da faculdade:
Os professores que estão preocupados em preservar e manter a integridade
intelectual e a liberdade de investigação acadêmica na Universidade devem
examinar cuidadosamente as recomendações do relatório [da comissão de
transformação curricular]. Eles devem estar cientes da potencial ameaça à
autonomia disciplinar que ele contém. E devem tomar medidas para trazer
o tema da transformação curricular para o ar fresco e abrir fóruns de debate
público, onde através das formas e procedimentos de deliberação crítica nós
nos governamos como uma comunidade acadêmica.
Na discussão do painel "histórico", a senhora Schmitz se referiria aos pro-
testos no jornal da escola como uma reação "histérica e extrema". Ela asse-
gurou a suas irmãs transformacionistas que a transformação em Maryland
não seria afetada. "Mas nós... temos que continuar educando a liderança."
A Sra. Schmitz tornou-se conhecida pelo corpo docente da Universidade Es-
tado do Médio Tennessee quando, sob o patrocínio do Conselho de Regen-
tes do Tennessee, ela conduziu um workshop de transformação curricular
em fevereiro de 1990. Em março de 1990, o Comitê Consultivo para Trans-
formação Curricular tornou-se proeminente. Esse comitê, que não havia
sido cobrado pelo senado da faculdade, afirmou que sua autoridade para
transformar o currículo provinha dos regentes: "Esse comitê foi formado
142

em resposta a um mandato do Conselho de Regentes baseado nas desco-


bertas publicadas no relatório estadual de 1989 sobre o Status das Mulhe-
res na Academia".
Buscando o que era necessário para exercer seu mandato, o Comitê Con-
sultivo para a Transformação Curricular enviou um longo questionário (87
itens) para o corpo docente da Universidade Estadual do Médio Tennessee,
questionando-os detalhadamente sobre como eles conduziam suas aulas e
fazendo perguntas destinadas a testar seu nível de consciência feminista. O
comitê consultivo pediu aos professores que analisassem suas leituras, suas
palestras e seu material audiovisual e respondessem a perguntas como:
"Com que frequência os pronomes ‘ela’ ou ‘ele’ eram usados? Com que fre-
quência os exemplos se relacionavam apenas à experiência masculina típica
ou usavam apenas homens nos exemplos? Com que frequência as mulheres
são mostradas em posições de poder ou ação? Com que frequência os ho-
mens são mostrados em papéis familiares ou domésticos?" Uma seção per-
gunta se os instrutores concordam, concordam fortemente, discordam ou
discordam fortemente de declarações como "Meus alunos aprenderam so-
bre como as mulheres se sentem sobre suas vidas. Meus alunos aprende-
ram a mudar os papéis de gênero".
Uma seção intitulada "Avaliação Geral do Curso" poderia ser usada para
mostrar onde o professor se classifica na escala de cinco fases de Peggy
McIntosh. A questão pertinente é:
Tendo analisado vários componentes do seu curso, observe agora o seu
curso como um todo. Como você classificaria este curso?
1. nem homens nem mulheres foram incluídos neste curso;
2. sem mulheres - sem menção de mulheres [um sim para o nº 1 ou nº 2
sinalizaria ao interrogador que o entrevistado está no primeiro Estágio];
3. as únicas mulheres representadas foram tratadas como mulheres excep-
cionais ou como anomalias [na segunda ou terceira fase];
4. mulheres e homens foram descritos separadamente e comparativa-
mente, salientando-se os inter-relacionamentos [um pensador lateral de
fase 4].
143

É desnecessário dizer que a maioria dos professores do Tennessee prova-


velmente não sabia que suas respostas nesta seção poderiam ser indicati-
vas de seu lugar naquela escala crítica.
Na verdade, os entrevistados "pontuaram" muito bem na escala de consci-
ência feminista. Os pronomes femininos eram usados tanto quanto ou mais
que os pronomes masculinos nas leituras. Os professores informaram que
"raramente" usavam exemplos relacionados apenas a homens. As mulheres
eram mais frequentemente o foco principal de filmes e vídeos exibidos nas
aulas e apareciam em dois terços das ilustrações dos livros didáticos. Os
professores relataram que homens e mulheres falavam em classe na
mesma proporção, mas que os homens eram ligeiramente mais propensos
a serem interrompidos por outros alunos do que as mulheres. Mais da me-
tade dos entrevistados atingiu a "fase 4" na escala de McIntosh.
No entanto, muitos professores sentiram que os interrogatórios eram tolos
e irritantes, e começaram a mostrar alguma resistência. O senado apresen-
tou uma resolução contra qualquer linguagem que "ordenasse revisão,
transformação, integração ou reestruturação do currículo". Embora tenha
sido aprovada por unanimidade, o comitê consultivo a ignorou. Um novo e
igualmente intrusivo questionário estava a caminho, e os regentes e os ad-
ministradores da Universidade Estadual do Médio Tennessee estavam gas-
tando mais fundos da universidade em workshops e outras atividades de
transformação.
Liguei para o vice-presidente de assuntos acadêmicos da Universidade Es-
tadual do Médio Tennessee, James Hindman, o administrador encarregado
do projeto de transformação. No começo, ele expressou entusiasmo por
isso, mas quando percebeu que eu não compartilhava de seu entusiasmo,
tornou-se defensivo e alegou nunca ter visto o questionário. "Veio de al-
guma organização externa. Eu não tive nada a ver com isso", disse ele. Ele
disse que sabia muito pouco sobre os detalhes do projeto de transformação
e me aconselhou a falar com a equipe de estudos das mulheres.
Quando perguntei sobre as oficinas, conferências e outras atividades trans-
formadoras, ele ficou com raiva. "Quem é você? Você não tem o direito de
me entrevistar ou me citar." Ele bateu o telefone. Desde então, enviei um
formulário de liberdade de informação perguntando sobre o financiamento
para as atividades de transformação na Universidade Estadual do Médio
144

Tennessee, com cópias para o escritório do procurador-geral e para o Con-


selho de Regentes do Tennessee. Os cidadãos do Tennessee têm o direito
de saber quanto do seu dinheiro está sendo gasto para ter seu currículo
universitário transformado ao gosto das senhoras Stimpson, Schmitz, McIn-
tosh, Schuster, Van Dyne e Minnich.
O vice-presidente Hindman estava certo sobre uma coisa. O questionário
veio de outro lugar: na verdade, foi projetado pela Associação das Faculda-
des Americanas (AAC), uma organização financiada por dívidas da maioria
das faculdades americanas. A AAC costumava ser uma organização profissi-
onal não política dedicada a monitorar os padrões acadêmicos das faculda-
des americanas. Atualmente, no entanto, produz um número impressio-
nante de pesquisas, pacotes, panfletos e folhetos que promovem causas
feministas de gênero na academia americana. Entre suas muitas publica-
ções feministas estão "Estratégias de Sucesso e Sobrevivência para Mulhe-
res Docentes", "Alunos do Centro: Avaliação Feminista", "Avaliando Cursos
para Inclusão de Novas Bolsas de Estudo sobre Mulheres" e "O Clima do
Campus Revisitado: Frio para Mulheres Docentes, Administradores e alunos
de pós-graduação".

***

A Associação das Faculdades Americanas (AAC) foi fundada em 1915 para


"melhorar a educação liberal da graduação", uma tarefa para a qual foi con-
vencionalmente fiel até bem recentemente. Ainda em 1985, um relatório
da AAC defendia o curso superior da faculdade e falava da "alegria de do-
minar, da emoção de avançar sobre um corpo formal de conhecimentos e
ganhar algum controle efetivo sobre eles, integrando-os, talvez até mesmo
fazendo uma pequena contribuição para isto”.
Várias luminares dos estudos de mulheres – Johnnella Butler, Sandra
Coyner, Marlene Longenecker e Caryn McTighe Musil – acharam esse co-
mentário ofensivo. Em um relatório contundente para a AAC, tornado pos-
sível por um "generoso financiamento" da prestativa Fundação Ford e do
Fundo para a Melhoria da Educação Pós-Secundária (FIPSE), elas "descons-
truíram" a passagem ofensiva:
145

Uma análise feminista dessa retórica revela... uma analogia entre conheci-
mento e subjugação sexual..., uma ideia de aprender como dominação ou
controle. Claramente incorporado... são pressupostos androcêntricos in-
conscientes de dominância e subordinação entre o conhecedor e o conhe-
cido, pressupostos que prontamente trazem à mente a tradicional relação
entre homens e mulheres; dos colonizadores e colonizado; de fato, dos mes-
tres e os escravos. Tais metáforas falocêntricas... [não são] o uso acidental
de um relatório; elas replicam os discursos dominantes do empirismo oci-
dental que os estudos das mulheres... criticam.
A AAC não estava propensa a ofender novamente. Mesmo quando estava
sendo tão agudamente repreendida, a AAC foi alvo de uma reforma femi-
nista de gênero. Nestes dias, é um recurso importante para os transforma-
cionistas, e Caryn McTighe Musil é uma de suas membras seniores. Ela e
Johnnella Butler, a acadêmica feminista da Universidade de Washington,
estão desempenhando o papel principal no recém-inaugurado projeto de $
4,5 milhões de transformação da AAC.
Quanto à Sra. Schmitz, ela é agora uma associada sênior para o Projeto de
Pluralismo Cultural no Centro de Washington da Faculdade Estadual de
Evergreen, onde, amplamente financiada pela Fundação Ford e pelo go-
verno estadual, ela supervisiona o projeto de transformação em várias uni-
versidades e faculdades no estado. Ela também serviu recentemente como
membra sênior na AAC.
A AAC não é a única organização desse tipo que pegou a febre transforma-
cionista. Grupos como a Associação Americana das Mulheres Universitárias
e o prestigioso Conselho Americano de Educação agora aceitam por certo
que a educação americana deve ser radicalmente transformada. Considere,
por exemplo, esta declaração programática em um relatório patrocinado
pelo Conselho Americano de Educação intitulado "A Nova Agenda das Mu-
lheres para o Ensino Superior":
O que ainda tem que acontecer em todos os nossos campi é a transforma-
ção de conhecimento e, portanto, do currículo exigido por esta explosão de
novas informações e pelos desafios aos modos convencionais de pensar e
conhecer. Os estudos de mulher, a nova bolsa de estudos sobre as mulheres,
ou os projetos de transformação curricular – os nomes variam de acordo
com o campus e a cultura – devem ser metas do corpo docente e da admi-
nistração acadêmica em cada campus.
146

A transformação da filosofia maior33 na Faculdade Mount Holyoke é um


exemplo de como a mudança pode afetar um departamento acadêmico in-
dividual. No final dos anos 80, a Faculdade Mount Holyoke recebeu fundos
da Fundação Donner para realizar seminários de transformação. Em se-
guida, chegou um reitor que tinha a “consciência correta”, Peter Berek, que
estivera na Faculdade Williams. Na primavera de 1992, este pequeno artigo
apareceu no jornal da faculdade, sob a manchete "A Filosofia Transforma o
Maior":
Em um movimento incomum, o Departamento de Filosofia rompeu com os
requisitos tradicionais para a filosofia maior e menor... [Como resultado], os
alunos poderão dedicar-se em profundidade a uma área de especial inte-
resse, incluindo tópicos contemporâneos de pensamento filosófico – como
a filosofia feminista, a filosofia do racismo e a filosofia do cinema.
O artigo reconheceu o apoio que a administração deu à transformação da
filosofia maior. Aqui está como a filosofia maior era descrita antes da trans-
formação: "A filosofia maior é projetada para fornecer ao aluno uma ampla
compreensão do contexto histórico do pensamento filosófico contemporâ-
neo... Ela deve consistir em pelo menos oito cursos 34, incluindo em cada um
a história da filosofia antiga, a história da filosofia moderna e a lógica". Aqui
está a nova descrição: "A filosofia maior deve fornecer ao aluno uma ampla
compreensão do contexto da filosofia contemporânea... Porque a filosofia
admite uma diversidade de concepções por vezes concorrentes do que é
filosofia, o Departamento encoraja cada um a articular seu próprio pro-
grama maior".
O catálogo diz que "a maioria dos alunos" será "incentivada a se inscrever
em cursos que forneçam uma base histórica para sua área de interesse es-
pecial". Mas os antigos requisitos desapareceram, e a filosofia em seu ramo
maior tradicional na Mount Holyoke não existe mais. Tendo se afastado das
demandas históricas da "fase um" que exigiam que o aluno se tornasse

33 Segundo minhas pesquisas, a Filosofia nos Estados Unidos está dividida em dois ramos: o maior e o
menor. O ramo maior abrange a metafísica, a epistemologia, a filosofia dos valores e a filosofia da
linguagem. Cada um desses ramos pode se dividir, por sua vez, em numerosos sub-ramos. Esses sub-
ramos seriam a filosofia menor. A explicação veio deste site: https://www.quora.com/What-are-the-
major-and-minor-branches-of-philosophy.
34 Como se vê, as disciplinas do ramo maior da filosofia em Mount Holioke não correspondiam às quatro
disciplinas descritas na nota anterior. De todo modo, essa divergência não afeta o entendimento do
texto. O importante a saber é que existe o ramo maior e o menor, não as disciplinas que compõem
cada ramo.
147

completamente familiarizado com "gênios" como Platão, Descartes e Kant,


as regras agora permitem que um estudante de filosofia obtenha seu di-
ploma fazendo cursos como "Desenvolvimentos em Filosofia Feminista: Re-
pensando o Mundo" (que explica como as feministas reconstroem a sua
"própria versão da filosofia "), "Filosofia e Cinema" (incluindo um estudo
especial de filmes que tenham como protagonistas um "casal improvável"),
"Filme de Comédia" (que inclui "abordagens feministas à comédia ma-
luca35") e "A ficção científica feminista como teoria feminista".
Algumas faculdades instituíram políticas para filtrar os "inacessíveis" da
fase 1 no início do processo de contratação do corpo docente. A Faculdade
Cornell, em Iowa, foi uma das primeiras a oficializar essas políticas. Todos
os candidatos para cargos de ensino na Faculdade Cornell devem mostrar
que estão familiarizados e são simpáticos aos estudos feministas. De acordo
com uma Edição de 1988 da Chronicle of Higher Education (Crônica da Edu-
cação Superior):
Dennis Damon Moore, reitor da Faculdade, diz que membros em potencial
do corpo docente são questionados em entrevistas sobre o impacto que a
pesquisa feminista teve em seu trabalho e ensino. Além disso, diz ele,
quando os membros do corpo docente são reexaminados, eles são especifi-
camente solicitados a examinar a relação da perspectiva feminista com seu
trabalho.
Seis anos depois, esses tipos de desenvolvimentos não são mais "notícias",
e a Chronicle não relata sobre eles. Os transformadores percorreram um
longo caminho em muito pouco tempo. O quanto mais eles avançarão de-
pende das universidades e das sociedades eruditas independentes, que até
agora mostraram pouca inclinação para defender as normas tradicionais de
aprendizagem liberal. Além disso, os transformadores estão cada vez mais
vendo que as próprias faculdades estão mudando para incluir mais e mais

35 A definição da Wikipédia para Comédia Maluca (Comedy Screwball) é a seguinte: é um gênero de filme
de comédia que se tornou popular durante a Grande Depressão, originado no início dos anos 1930 e
prosperando até o início dos anos 1940. Muitas características secundárias desse gênero são seme-
lhantes ao film noir, mas ele se distingue por ser caracterizado por uma mulher que domina a relação
com o personagem central masculino, cuja masculinidade é desafiada. Os dois se envolvem em uma
batalha humorística dos sexos, que era um novo tema para Hollywood e público na época. Outros
elementos são réplicas em ritmo acelerado, situações farsescas, temas escapistas e enredos envol-
vendo namoro e casamento. As Comédias Malucas muitas vezes retratam classes sociais em conflito,
como em Aconteceu naquela noite (1934), de Fank Capra, e Irene, a teimosa (1936), de Gregory La
Cava. Algumas peças cômicas são também descritas como comédias malucas.
148

pessoas de "consciência correta". Como o número de pessoal doutrinal-


mente correto cresce, eles também vão fazer com que apenas candidatos
de qualificações semelhantes sejam contratados no futuro. Ironicamente, a
autosseleção da persuasão feminista correta em curso na faculdade está
sendo realizada em nome da "diversidade" e da "inclusividade".

***

Existem centenas de projetos de transformação bem financiados em todo


o país. O Centro de Pesquisa sobre Mulheres de Peggy Mcintosh na Facul-
dade Wellesley tem um orçamento multimilionário. O projeto da Universi-
dade de Maryland tem meio milhão com que trabalhar. A decana dos trans-
formacionistas, Caryn McTighe Musil, e suas parcerias na Associação das
Faculdades Americanas (AAC) terão US $ 4,5 milhões. Quase todos os pro-
jetos de transformação são ajudados financeiramente por estarem abriga-
dos nas universidades, onde o aluguel, a postagem e outras despesas gerais
são mínimas. Muitos usam as equipes de secretariado e serviços de hospe-
dagem de suas faculdades 36.
Grande parte de seu financiamento vem de subsídios da fundação, mas a
maior parte vem de fundos públicos, por meio de apoio estatal para univer-
sidades. Além dos muitos projetos individuais apoiados dentro das univer-
sidades, existem as organizações guarda-chuva37, como a AAC, que agora
estão comprometidas com a filosofia educacional e a agenda dos transfor-
madores. E lá, novamente, as burocracias universitárias estão pagando.
É um fato desanimador que apenas uma organização – a Associação Nacio-
nal de Acadêmicos (NAS38) – tenha manifestado abertamente preocupação
com o que os transformadores estão fazendo com a academia norte-ame-
ricana. A NAS tem um escritório em Princeton, Nova Jersey, com uma
equipe de seis funcionários (dois em tempo parcial), um orçamento de US

36 Serviço que as universidades disponibilizam para seus visitantes, que podem ser professores que da-
rão cursos, aulas, ou alunos bolsistas egressos de outras faculdades.
37 Segundo a Wikipédia, uma organização guarda-chuva é uma associação de instituições (frequente-
mente relacionadas, específicas do setor), que trabalham juntas formalmente para coordenar ativida-
des ou reunir recursos. Em ambientes comerciais, políticos ou outros, um grupo, a organização guarda-
chuva, fornece recursos e muitas vezes uma identidade para as organizações menores. Às vezes, nesse
tipo de arranjo, a organização guarda-chuva é, até certo ponto, responsável pelos grupos sob seus
cuidados.
38 No original, National Association of Scholars.
149

$ 900.000 e uma associação nacional de menos de três mil pessoas. Em con-


traste com os transformadores, a NAS opera inteiramente por conta pró-
pria; nenhuma universidade apoia ou oferece facilidades.
Desnecessário dizer que as forças "politicamente corretas" lideradas pelas
feministas do género estão continuamente a atacar a NAS como uma orga-
nização reacionária, sexista, racista, de direita, povoada pelos inacessíveis
da "fase 1". Na verdade, como a maioria das associações profissionais edu-
cacionais ou acadêmicas, a NAS tem membros tanto liberais quanto conser-
vadores, incluindo James David Barber, professor de ciências políticas da
Universidade de Duke, líder antiguerra e ex-presidente da
Anistia Internacional; Richard Lamm, ex-governador demo-
crata do Colorado; Seymour Martin Lipset, atual presi-
dente da Associação Americana de Sociologia; e Eugene e
Elizabeth Fox-Genovese, um historiador marxista e uma
feminista socialista, respectivamente. Meu marido, Fred
Sommers, e eu – ambos democratas registrados – somos membros da se-
ção de Boston, que não tem uma coloração política distinta. O denominador
comum é o alarme pela perda das liberdades acadêmicas e uma forte con-
vicção de que os padrões acadêmicos tradicionais devem ser protegidos.
A NAS, uma minúscula minoria na academia americana, tem por princípio
respeitar a discussão aberta. Isso exige que ela dê ouvidos à oposição onde
quer que ela se encontre. Steven Balch, seu diretor nacional, e sua equipe
costumam convidar grandes porta-vozes com pontos de vista opostos para
as reuniões e convenções do NAS. Essas reuniões são frequentemente palco
de debates reais sobre as questões muito controversas que separam a NAS
de seus adversários.
Uma razão pela qual a NAS permaneceu tão pequena é que qualquer um
que se junta à organização enfrenta opróbrio e é rotulado como "reacioná-
rio". Os membros não cotados se colocam em risco especial. No entanto, à
medida que mais e mais professores estão ficando fartos das forças doutri-
nárias que estão constantemente reduzindo os graus de liberdade de pro-
fessores e alunos nos campi americanos, a afiliação continua aumentando.
O professor Jim Hawkins leciona filosofia na Faculdade de Santa Mônica. O
que aconteceu em sua faculdade o induziu a se juntar a vários de seus co-
legas para formar uma seção da NAS em seu campus. Durante o ano acadê-
mico de 1989-90, uma "Força Tarefa de Transformação do Currículo" foi
150

formada em Santa Mônica pela administração sem a participação habitual


do senado da faculdade. A Força-Tarefa para Transformação de Currículos
publicou um relatório cuja tese central parecia ser a de que o currículo tra-
dicional da faculdade tinha uma "orientação eurocêntrica, masculina e
branca". Ele "prescreveu um repensar por atacado de 'todas as categorias
das quais viemos, conscientemente ou não, a depender', incluindo nossas
próprias definições de cursos, paradigmas, disciplinas e departamentos". O
professor Hawkins e seus colegas também perceberam que a administração
estava fazendo mudanças substanciais nos processos de contratação, mais
uma vez sem o benefício da contribuição do corpo docente. Por exemplo,
"um contingente administrativo maior começou a servir em comitês de con-
tratação anteriormente dominados pela faculdade, junto com... pessoas es-
pecificamente treinadas para promover a causa da 'diversidade'". A contra-
tação de novos docentes em Santa Mônica logo foi cuidadosamente moni-
torada pelos transformacionistas para garantir a retidão ideológica. Agora
é uma questão de rotina na Faculdade de Santa Mônica que os candidatos
sejam indagados sobre o transformacionismo. Hawkins cita uma monitora
entusiasmada que disse: "Se você tem que contratar um homem branco,
pelo menos certifique-se de que sua cabeça esteja no lugar certo". O pro-
fessor Hawkins conclui seu relatório sobre atividades transformadoras na
Faculdade de Santa Mônica com o conselho de "desafiar seus transforma-
dores locais para defender suas propostas e premissas. Para muitos deles,
infelizmente, será uma experiência insólita".
Em muitas faculdades e universidades39, os administradores pedem aos alu-
nos que avaliem seus professores sobre sua sensibilidade às questões de
gênero. A Universidade Americana, por exemplo, agora pergunta ao aluno
se "o curso examinou as contribuições de mulheres e homens". Um profes-
sor de ciências políticas me explicou que, na Universidade Americana, o seu
salário está diretamente ligado a quão bem você age nesses moldes. Certa
vez, ele cometeu o erro de dizer "congressistas" (congressmen) em vez de
"parlamentares" (congresspersons) e foi grosseiramente repreendido por
duas alunas. Ele estava convencido de que elas o fariam pagar caro por esse
lapso. A Universidade de Minnesota estabeleceu um núcleo de estudantes

39 No original, colleges e universities. Ambas são instituições de ensino superior. Os colleges são institui-
ções de porte menor, com menos cursos de gradução e voltadas mais para áreas técnicas. As univer-
sities são instituições maiores, que oferecem mais cursos, contam com cursos de pós-gradução, e onde
se faz pesquisa. Uma explicação mais detalhada você encontra aqui: <https://blogdointercam-
bio.stb.com.br/qual-a-diferenca-entre-college-e-university>.
151

de pós-graduação chamado "Classroom Climate Advisors" (Consultores do


Clima em Sala de Aula) para ajudar os alunos ofendidos pelos comentários
de professores ou colegas "a desenvolver uma estratégia para lidar com o
problema".
Mas mudanças mais importantes ocorreram em relação à equipe. Os can-
didatos a cargos docentes provavelmente estarão sujeitos a uma triagem
cuidadosa para afastar pessoas com a consciência errada. Para tornar isso
possível, os comitês decisores devem ter a consciência correta. Na Univer-
sidade do Arizona, membros do corpo docente que não estão "acompa-
nhando as tendências atuais" do pensamento pós-moderno e feminista po-
dem ser desqualificados de ingressar em comitês de estabilidade e promo-
ção. Essa nova política proposta pela então diretora da faculdade de huma-
nidades, Annette Kolodny, reduziria significativamente as prerrogativas tra-
dicionais do corpo docente sênior de fazer nomeações e dar promoções. O
impulso ao controle doutrinário pela remoção dos dissiden-
tes das posições de poder às vezes toma uma forma menos
sutil. Irritado com o fato de uma seção da NAS estar sendo
formada na Universidade de Duke, o professor Stanley Fish
pediu ao reitor que instituísse uma política que proibissem
os membros da NAS de servir em comitês que lidam com as decisões de
posse e promoção. Nesse caso, o reitor não cumpriu.
Além de apertar os parafusos burocráticos, as forças da retidão doutrinária
trabalham persistente e efetivamente para modificar as perspectivas e o
comportamento de grupo. Um exemplo: em 1990, a Virginia Politécnica
emitiu para o corpo docente cópias de Removing Bias (Eliminando o Pre-
conceito), um guia de 60 páginas apresentando "táticas para
a mudança de atitude." O guia aconselha os professores sobre
como eles podem evitar o humor ofensivo: os professores são
encorajados a consultar o Free to Be You and Me (Livres para
Sermos Você e Eu) de Marlo Thomas para obter ajuda sobre
como ser engraçado "eliminando estereótipos de gênero".
152

A cooperação tácita do pessoal do governo é indispensável para os trans-


formadores. Recentemente, telefonei para o Conselho Estadual de Educa-
ção em Washington para perguntar sobre uma Conferência
de Transformação organizada por Betty Schmitz para 12 co-
légios da comunidade. Todos os quatro palestrantes – que in-
cluíam Johnnella Butler e Betty Schmitz – representavam es-
sencialmente o mesmo ponto de vista. Perguntei a Alberta
May, diretora assistente de serviços estudantis do Conselho
Estadual de Washington para Colégios Comunitários e Técnicos, quem
ajuda a sra. Schmitz a organizar eventos, por que eles não estavam convi-
dando oradores que tinham ideias diferentes sobre a reforma curricular.
Afinal, eu disse, a filosofia educacional defendida por Schmitz e seus asso-
ciados é bastante controversa. "O que você quer dizer?", perguntou uma
genuinamente confusa senhora May. "De que maneira isso poderia ser cha-
mado de controverso?"
A Sra. May é uma funcionária do estado. Minha pergunta evidentemente a
abalou, e ela me enviou uma carta de acompanhamento que dá alguma in-
dicação da lealdade cega que os transformacionistas desfrutam dentro de
algumas burocracias governamentais: "Líderes visionários em uma grande
porcentagem de instituições de ensino superior percebem a infusão do plu-
ralismo cultural como um acréscimo de força aos currículos de ensino ge-
ral... O Conselho Estadual de Colégios Comunitários e Técnicos... valoriza a
liderança e a experiência das doutoras Betty Schmitz e Johnnella Butler
nessa área."
As notícias da minha conversa com a Sra. May devem ter chegado à Sra.
Schmitz, pois ela escreveu para mim me acusando de "ter tentado persuadir
uma de minhas clientes a encerrar meu emprego" e avisando que seus "ad-
vogados consideravam [minha] conduta uma interferência ilegal em um re-
lacionamento comercial". Ela concluiu: "Se eu souber que você tentou no-
vamente interferir em algum dos meus relacionamentos profissionais, to-
marei todas as medidas disponíveis para garantir que tal conduta não
ocorra novamente e para corrigir qualquer dano resultante".
Que a Schmitz esteja pronta para usar os tribunais masculinistas para lidar
com "interferência" não me surpreende. Também não é surpreendente que
a sua experiência lhe deu a garantia de que o governo está do seu lado e
que a generosidade dele é por direito dela.
153

Apesar de seus sucessos esmagadores, os transformadores continuam aler-


tando seus partidários sobre uma iminente "reação de direita". Caryn
McTighe Musil ataca a NAS na antologia de 1992 The Courage to Question:
Women's Studies e Student Learning (A coragem de questionar: estudos de
mulheres e aprendizagem dos estudantes) por levantar "polêmicas desin-
formadas e perigosas". Nenhum exemplo é dado, embora uma nota de ro-
dapé cite uma conferência da NAS de 1988. A reação da sra. Musil é instru-
tiva: críticas de qualquer tipo – mêsmo em uma pequena conferência aca-
dêmica quatro anos atrás – não podem ser toleradas. Devem ser denuncia-
das e os responsáveis devem ser impugnados. Beverly Guy-Sheftall, dire-
tora do Centro de Pesquisas da Mulher na Faculdade Spelman, diz mais so-
briamente em um recente relatório financeiro que escreveu para a Funda-
ção Ford:
Não podemos permitir que a atual preocupação com o "politicamente cor-
reto" obscureça a realidade de um movimento de direita moderno e bem-
organizado (dentro e fora da academia) cujos velhos e populares esquemas
racistas, sexistas e homofóbicos ameaçam inverter as reformas progressis-
tas dos anos 60... Isso torna necessário defender, em voz alta e claramente,
o fim do currículo androcêntrico... O apoio aos estudos sobre mulheres deve
se intensificar durante esse paradoxal período de agressão.
É evidente que ninguém merece ser chamado de sexista ou racista por de-
fender o currículo tradicional. Tampouco criticar a filosofia educacional das
feministas de gênero deveria ser tomado como algum tipo de sinal de que
o crítico pertence a um "movimento de direita". Embora muitos conserva-
dores se oponham ao processo de transformação, muitos dos seus críticos
mais conhecidos que expressaram publicamente temor sobre seus efeitos
na educação americana seriam considerados politicamente como de cen-
tro-esquerda. Entre eles estão Arthur Schlesinger Jr., James David Barber,
Nat Hentoff, James Atlas, Robert Hughes, Vann Woodward, Robert Alter, o
falecido Irving Howe, Eugene Genovese, Alan Dershowitz, Paul Berman e
John Searle.
Eles estão se juntando a um crescente número de mulheres progressistas,
incluindo figuras ilustres como Cynthia Ozick, Cynthia Wolff, Mary Lef-
kowitz, Iris Murdoch, Doris Lessing, Sylvia Hewlett, Elizabeth Fox-Genovese,
Jean Bethke Elshtain, Rita Simon, Susan Haack e Ruth Barcan Marcus.
154

A romancista Cynthia Ozick é uma feminista clássica que


acredita que estamos testemunhando a deterioração do fe-
minismo na academia. Ela me disse: "O objetivo do femi-
nismo era dar às mulheres acesso ao grande mundo. O
novo feminismo nos campi é regressivo".
Mary Lefkowitz, uma classicista de Wellesley, é pioneira no
estudo das mulheres no mundo antigo, mas ela não lê a
vida das mulheres da antiguidade em termos de qualquer
esquema feminista rígido de interpretação. Como resul-
tado, a professora Lefkowitz é persona non grata entre mui-
tas historiadoras feministas. Como uma veterana feminista
da equidade, Lefkowitz lutou longa e duramente contra a velha rede de ra-
pazes que uma vez discriminou as mulheres estudiosas. Ela acredita que a
antiga rede está sendo substituída por uma nova rede, uma nova rede de
preferências feministas. "Assim como muitas revoluções", ela aponta,
"torna-se tão ruim quanto o que substituiu".
Falei com outra renomada erudita clássica, Rebecca Hague, professora de
clássicos na Faculdade Amherst. Ela expressou sérias dúvidas sobre o valor
de uma "perspectiva feminista no mundo antigo" que foca na ausência das
mulheres no governo, tomando isso como prova de que as mulheres foram
silenciadas e oprimidas. "Não tenho certeza se as mulheres do mundo an-
tigo queriam um papel no governo. Para elas, a vida religiosa tinha muito
mais valor, e lá as mulheres tinham um papel central." Como Lefkowitz, Ha-
gue condena a intolerância feminista às críticas. "Tenho a sensação de que,
se você as questionar, você ficará marcada."
Íris Murdoch teme que o progresso feito na causa da liberação, que ela de-
fine como a liberdade das mulheres "de desfrutar de educação igual, opor-
tunidades iguais, igualdade de direitos e serem tratadas como os homens –
como pessoas por seus próprios méritos e não como uma tribo especial,"
esteja sendo seriamente ameaçado por feministas que reivindicam uma
ética feminina, uma crítica feminina e um conhecimento feminino.
Quando se pensa em "modelos" para mulheres universitá-
rias de tendência liberal e artística, mulheres como Iris
Murdoch, Joana Didion, Doris Lessing, Susan Sontag e
Cynthia Ozick vêm à mente. Essas mulheres expressaram
profundas reservas sobre o feminismo ginocêntrico. Joan
155

Didion articulou sua aversão à ideia de designar "mulheres" como uma


classe especial em um ensaio de 1979. Susan Sontag escreveu em um en-
saio de 1975 publicado na New York Review of Books que ela deplora o
"anti-intelectualismo" feminista e que sentiu a necessidade de "dissociar-
se daquela ala do feminismo que promove a antítese rançosa e perigosa
entre a mente... e a emoção."
Em uma palestra em 1991 na 92nd Street Y, em Nova York,
Doris Lessing criticou o "tipo de feminismo furioso" e cha-
mou a difamação de escritores masculinos de "absurdo"
que alienará as mulheres sensatas do feminismo. "Ouvindo
esse tipo de coisa, muitas mulheres pensam, oh meu Deus,
eu não quero ter nada a ver com isso." Mas tais opiniões são ignoradas pe-
los estudos das mulheres e movimentos de transformação. "Isso é o que fez
você marginal nas universidades", Cynthia Ozick foi avisada por uma femi-
nista do campus quando ela expressou as visões "erradas" em um artigo da
New Yorker alguns anos atrás.
Talvez o alvo mais conspícuo do opróbrio feminista seja Ca-
mille Paglia, que conseguiu confundir seus agressores revi-
dando publicamente e com grande efeito. Depois que seu
livro Sexual Personae (Personas Sexuais) não só se tornou
um best-seller inesperado, mas também foi saudado por
uma série de críticos acadêmicos, ela poderia razoavelmente esperar ser
reconhecida como uma excelente estudiosa até mesmo por aqueles que
fazem uma forte oposição a seus pontos de vista fora de moda. Mas a Wo-
men's Review of Books (Revista Feminina de Livros) classificou Sexual Per-
sonae como uma obra de "extremismo bizarro", "uma apologia para um
novo fascismo pós-Guerra Fria", o "contra-ataque do patriarcado ao femi-
nismo". Professores feministas da Faculdade de Connecticut, tentando re-
movê-la de uma lista de leitura, compararam seu livro a Mein Kampf.
Quando Paglia apareceu em um fórum da Universidade Brown, feministas
indignadas assinaram uma petição censurando-a e exigindo uma investiga-
ção sobre procedimentos para convidar oradores ao campus.
156

O professor de Yale Harold Bloom apontou que "alguém tão


brilhante, tão culto, talentoso e com um intelecto quei-
mando ferozmente como Camille Paglia" pertence à Ivy Lea-
gue ou a algum lugar como a Universidade da Califórnia em
Berkeley ou a Universidade de Chicago. Mas os "burocratas
do ressentimento que são nomeados por outros na rede por-
que eles são politicamente corretos continuarão a fazer o máximo para se
certificar de que isso não aconteça. Eles vão barrá-la em todos os lugares."
Apesar da rebeldia impenitente de Paglia, a lição é clara:
quem se atreve a criticar o "Novo Feminismo" deve estar
preparado para um tratamento grosseiro. Quando o erudito
shakespeariano Richard Levin discordou de algumas inter-
pretações feministas das tragédias de Shakespeare, ele foi
denunciado em uma carta grosseira que ostentava nada me-
nos que 24 signatários. A assinatura em grupos é uma característica padrão
da resposta crítica feminista. Na carta, publicada no PMLA, elas nos dizem
que estão "perplexas e perturbadas por Richard Levin ter feito uma carreira
acadêmica bem-sucedida" em vista de sua maneira de interpretar textos
literários. Elas censuram a revista por ter publicado o artigo de Levin. Se
elas conseguissem, Levin teria efetivamente negada a oportunidade de pu-
blicar seus pontos de vista.
Nem Levin nem Paglia ficam perturbados por tais ataques feministas, mas
seria difícil subestimar os efeitos inibidores em outros. A intimidação impôs
uma conformidade estupidificante. Criticar as ideias do Novo Feminismo
sem ter estabilidade é imprudente ao extremo: agora é virtualmente im-
possível encontrar uma falha pública no feminismo acadêmico sem correr
o risco de ver suas perspectivas de emprego ou progresso na academia
americana drasticamente diminuídas. A pressão para se abster de críticas é
acompanhada pela pressão para seguir na linha, promovendo zelosamente
a doutrina feminista.
O Novo Feminismo vem rapidamente colonizando e "transformando" a uni-
versidade americana. O influxo não foi solicitado, nem foi recebido com
muito entusiasmo. No entanto, não encontrou resistência significativa. Por
que não? Parte da resposta é que algumas feministas de gênero acadêmicas
consideram a academia uma instituição patriarcal cujos procedimentos nor-
mais servem para manter os homens brancos europeus no poder. Estando
157

moralmente convencidas de que não são obrigadas a aderir às regras do


"fair play" idealizadas pelo opressor, essas ideologias feministas de gênero
não têm escrúpulos em contornar as regras para alcançar seus objetivos.
Uma parte mais importante da resposta é que uma comunidade acadêmica
confusa e bem-intencionada não conseguiu distinguir claramente entre
equidade e feminismo de gênero. Um liberalismo atônito provou ser solo
fértil para o crescimento de um feminismo de gênero intolerante. As femi-
nistas mais astutas foram rápidas em aproveitar suas oportunidades. "Você
pode se perguntar", diz Paula Goldsmid, ex-reitora da Faculdade Oberlin,
"como conseguimos gerar um programa de estudos para mulheres que tem
um suplemento de catálogo listando mais de 20 cursos, que oferece uma
especialização individual em estudos femininos, que foi capaz de envolver
vários comitês no trabalho de transformar a academia de várias maneiras".
Ela descreve uma tática bem-sucedida: "Há uma grande relutância em dizer
ou fazer algo publicamente que vai contra a postura liberal e 'progressista'
da Oberlin. Os valores liberais de Oberlin podem ser revertidos para nossa
vantagem" (ênfase dela).
Paula Rothenberg, chefe do Projeto de New Jersey, dá a mesma explicação
sobre como ela e suas irmãs feministas tiveram a sua própria universidade,
a Universidade William Paterson, para instituir uma exigência de estudos
sobre mulheres: "Nosso sucesso surpreendente deveu-se à presença no co-
mitê de currículo de alguns aliados e liberais de estilo antigo que acharam
difícil discordar da ideia de tal exigência, pelo menos em público".
Aqueles que têm suas reservas sobre os custos da rápida colonização femi-
nista da academia permanecem desarticulados. Muitas das feministas que
entraram na academia nos anos 70 e 80 foram ativistas antiguerra nos anos
60 e 70. Acadêmicos estabelecidos, que poderiam resistir à parte da baga-
gem ideológica que essas feministas trouxeram consigo, provaram não ser
páreos para essas dedicadas veteranas. Em primeiro lugar, muitos eram
inexperientes em lidar com pessoas que simplesmente ignoravam o enten-
dimento tácito de que nenhum grupo em um campus americano deveria
promover uma agenda política em suas salas de aula. E os homens logo per-
ceberam que a resistência às propostas feministas seria automaticamente
condenada como sexista e reacionária. A acusação de que a universidade
em si era um clube masculino os mantinha permanentemente paralisados.
158

Além disso, parte do legado dos anos 60 era que uma parcela significativa
da academia liberal há muito havia migrado do liberalismo individualista
clássico de John Locke e John Stuart Mill para "um liberalismo anti-esta-
blishment". Eles não eram contrários à mensagem das feministas de gênero
de que a própria universidade fazia parte de um establishment moralmente
desacreditado.
Recentemente, eu estava discutindo o assunto da "colonização" feminista
de gênero da academia com uma proeminente erudita e feminista da equi-
dade. Falei a ela sobre minha visão de que administradores e professores
bem-intencionados – em sua maioria homens – não estavam conseguindo
distinguir entre o feminismo da equidade e seu gêmeo sem escrúpulos, o
feminismo de gênero, e o dano que a confusão deles estava causando. A
teoria da minha amiga era menos lisonjeira do que a minha. Em sua opinião,
os estudiosos do sexo masculino que deram tanto espaço a ideólogas femi-
nistas pouca qualificados sabiam muito bem o que estavam fazendo. A mai-
oria dos homens acadêmicos, diz ela, são professores medíocres e não se
sentem muito à vontade com a concorrência de mulheres capazes. As estu-
diosas femininas que eles permitiram que os encurralassem estrategica-
mente são pelo menos intelectualmente menos ameaçado-
ras do que pensadoras "verticais" como Helen Vendler,
Ruth Barcan Marcus ou Elizabeth Fox-Genovese. Se minha
amiga estiver certa, a influência desordenada do femi-
nismo de gênero na academia deve-se, pelo menos em
parte, ao sexismo antiquado. Sua teoria é maliciosa e atra-
ente, e tem elementos de verdade. Pois quando um homem de escassos
talentos tem consciência de ser inferior a uma mulher, o problema de sua
própria inferioridade tende a ser agravado pelo fato de estar sendo vencido
por uma mulher.
No geral, no entanto, a maioria das estudiosas com quem conversei sobre
isso não apoia a teoria da minha amiga. A maioria das mulheres acadêmicas
competentes acha que elas não são tratadas pior nem melhor do que suas
contrapartes masculinas. A explicação muito menos interessante que ofe-
recem para o fracasso dos homens – especialmente os reitores do sexo
masculino – de enfrentar as ideólogas feministas e seus projetos é que eles
querem evitar o desconforto.
159

Certa vez, perguntei a um proeminente filósofo da ciência – um homem


politicamente progressista e imparcial – o que ele achava de uma palestra
de Sandra Harding criticando a "ciência masculina". Ele me disse que achava
incompreensível.
"Você levantou alguma objeção no período de perguntas e respostas?", eu
perguntei.
"Não", ele disse. "Eu só estou esperando que tudo vá embora."
O problema é que "isso" não vai desaparecer. "Isso" – o establishment fe-
minista de gênero – está bem entrincheirado e seus números estão aumen-
tando. Ele está confiante e tem pouco respeito por estudiosos como meu
amigo. Na verdade, é esse filósofo treinado em Oxford, um "pensador ver-
tical da fase 1", que corre o risco de se tornar irrelevante na universidade
transformada do futuro.
A presença de um núcleo francamente ideológico e politicamente poderoso
de acadêmicas nas universidades americanas tem consequências muito
além da academia. Organizações ativistas como a Organização Nacional pe-
las Mulheres (NOW), a Fundação Ms. e a Associação Americana das Mulhe-
res Universitárias empenham-se constantemente em persuadir o público
mais amplo de que as mulheres precisam urgentemente das proteções que
elas ajudarão a fornecer. Essas organizações contam com um grupo de fe-
ministas acadêmicas para produzir fielmente livros, dados e estudos que
demonstram quantidades alarmantes de sexismo, discriminação e precon-
ceito de gênero.
A maioria dos ativistas feministas está sinceramente comprometida com
sua missão, mas há recompensas materiais que não devem passar desper-
cebidas. Em nossa economia em crise, muitas pessoas produtivas em indús-
trias com dificuldade perderam ou correm o risco de perder seus empregos.
Não há ameaça comparável às carreiras florescentes das feministas profis-
sionais – as ministrantes de workshops, as facilitadoras40 e as transforma-
doras. Um grande número de profissionais com cargos como "especialista

40 Segundo a Wikipédia: um facilitador é alguém que se envolve em facilitação - qualquer atividade que
facilite ou facilite um processo social. Um facilitador geralmente ajuda um grupo de pessoas a enten-
der seus objetivos comuns e ajuda-os a planejar como alcançar esses objetivos. Ao fazê-lo, o facilitador
permanece "neutro", o que significa que ele não assume uma posição específica na discussão. Algumas
ferramentas facilitadoras tentarão ajudar o grupo a alcançar um consenso sobre quaisquer desacordos
que existam ou preexistam na reunião, de modo que ele tenha uma base forte para ação futura.
160

em equidade sexual", "oficial de preconceito de gênero" e "fiscal de assé-


dio" empenham-se de maneira compensadora em encontrar, monitorar e
erradicar intermináveis manifestações de preconceito de gênero.
Que as burocracias feministas já comandam patrocínio e poder significati-
vos é devido em grande parte à sua capacidade de influenciar as legislaturas
locais e conselhos escolares. Mais recentemente, elas mostraram capaci-
dade de influenciar políticas e leis em nível federal. Aqui, novamente,
grande parte de sua eficácia se deve ao seu talento para persuadir as legis-
laturas sobre a verdade de alguns "fatos" alarmantes sobre o sofrimento
das mulheres, com base em "estudos que mostram..." A perspectiva de
curto prazo que terão à sua disposição um número cada vez maior de em-
pregos mal definidos, mas bem remunerados, é realmente brilhante.
161

CAPÍTULO 7
O ESTUDO DA AUTOESTIMA

Em 1991, jornais de todo o país publicaram relatos alarmantes sobre a


queda da autoestima das adolescentes americanas. "As meninas perdem
sua autoestima no caminho da adolescência", diz o estudo. "A confiança das
meninas se corrói durante anos, diz o estudo" (Chicago Tribune). "O estudo
aponta para diferenças gritantes de gênero" (Boston Globe).
O estudo foi encomendado pela Associação Americana das Mulheres Uni-
versitárias (AAUW), uma organização de mulheres fundada em 1881, dedi-
cada a promover a excelência na educação das mulheres. Como a Liga das
Mulheres Eleitoras, é uma das organizações de mulheres mais respeitadas,
contando atualmente com cerca de 140.000 membras. Qualquer estudo
que tenha seu imprimatur pode confiar que terá ampla e séria atenção.
Como parte de sua "Iniciativa para a Equidade Educacional", a AAUW con-
tratou a firma de pesquisas de Washington, D.C., Greenberg-Lake Associa-
tes para medir a autoestima de meninas e meninos entre 9 e 15 anos de
idade. Três mil crianças foram questionadas sobre sua autoconfiança, obje-
tivos profissionais e interesses acadêmicos. De acordo com a AAUW, a pes-
quisa mostrou que entre as idades de 11 e 16 anos, as meninas experimen-
tam uma queda dramática na autoestima, o que por sua vez afeta significa-
tivamente a sua capacidade de aprender e realizar. A AAUW teve uma visão
muito séria de suas descobertas, publicando-as sob o título "Lesando as ga-
rotas, Lesando a América".
O relatório não só fez manchetes em todo o país, como levou a centenas
de conferências e projetos de ação comunitária. Políticos, educadores e lí-
deres de negócios foram recrutados pela AAUW para ajudar as meninas le-
sadas da América. Cinquenta congressistas responderam
ao alarme patrocinando uma lei de US $ 360 milhões, a Lei
de Equidade de Gênero na Educação, para lidar com os
problemas levantados pelo estudo da AAUW. Quando Pat
Schroeder introduziu a Lei de Equidade de Gênero na Edu-
cação perante o Congresso em abril de 1993, ela citou o
relatório da AAUW como se fosse um evangelho:
162

Por muito tempo, as necessidades das meninas foram ignoradas ou negli-


genciadas na elaboração de políticas educacionais... Hoje, sabemos que me-
ninas pequenas com apenas 11 anos sofrem com baixos níveis de autoes-
tima. Enquanto garotas de 9 anos de idade se mostraram confiantes de que
poderiam conquistar o mundo, as meninas de 11 anos de repente começam
a duvidar de seu valor. Elas não gostam mais de si mesmas e começam a
questionar suas próprias habilidades. A Lei de Equidade de Gênero na Edu-
cação ajudará a fazer das escolas um ambiente onde as meninas são nutri-
das e respeitadas, onde podem aprender que suas vidas são valiosas ao
mesmo tempo que aprendem o ABC.
Embora o relatório de autoestima esteja tendo um impacto enorme, uma
olhada mais casual em seu conteúdo é suficiente para levantar sérias dúvi-
das sobre sua filosofia, metodologia e conclusões. Um exemplo flagrante é
a principal evidência da diferença nas aspirações de sucesso de meninos e
meninas: "A autoestima está criticamente relacionada aos sonhos e suces-
sos dos jovens. A maior autoestima dos homens jovens se traduz em maio-
res sonhos de carreira... O número de garotos que aspiram a ocupações
glamourosas (estrela do rock, estrela do esporte) é maior do que o de mu-
lheres jovens em todas as etapas da adolescência, criando uma espécie de
‘lacuna de glamour’".
Tive que ler duas vezes. Uma lacuna de glamour! A maioria das crianças não
tem o talento e a força para ser estrelas do rock. Os sensatos sabem disso.
O que essas respostas sugerem, e o que muitos especialistas em desenvol-
vimento adolescente lhe dirão, é que as meninas amadurecem mais cedo
do que os meninos, que nessa idade, aparentemente, sofrem de uma "la-
cuna de realidade".
Em breve, chegaremos a outros aspectos duvidosos do relatório da AAUW.
Mas, primeiro, vamos ver como a AAUW promoveu isso. Pois foi um modelo
de como ativistas feministas de gênero tendem a usar "pesquisa" para van-
tagem política.
Quando completou o estudo em 1991, a AAUW realizou uma série de con-
ferências de imprensa. Distribuiu milhares de folhetos "Chamado à Ação"
para seus membros, jornalistas e políticos. Também produziu um documen-
tário altamente profissional que dramatiza os resultados do estudo. O do-
cumentário foi exibido em todo o país em conferências da comunidade or-
163

ganizadas por seções locais da AAUW. No documentário, Anne Bryant, di-


retora executiva da AAUW, explica por que não podemos nos dar ao luxo
de ignorar as conclusões da pesquisa: "É trágico pensar em
todo o talento potencial que nós perdemos... É assustador
não apenas para as nossas garotas, mas para o nosso país.
Quando nós lesamos as meninas, nós lesamos a América.”
O Dr. David Sadker, um teórico da educação da Universi-
dade Americana que foi entrevistado no documentário, ofe-
receu uma estimativa sombria do que a América estava per-
dendo ao permitir que esta situação persistisse: "Se a cura para o câncer
estiver na mente de uma menina, há uma chance de que ela nunca será
descoberta".
Os resultados da AAUW não surpreenderam a psicóloga
Carol Gilligan, da Escola de Pós-Graduação em Educação
da Universidade de Harvard. A Dra. Gilligan, que participou
do vídeo de autoestima da AAUW, fala de como sua pró-
pria pesquisa a ajudou a ver que as meninas experimentam
uma "perda de voz" que às vezes leva a sérios problemas
psicológicos, como "depressão, distúrbios alimentares e vários tipos de lu-
xação". Aos 8 ou 9 anos de idade, ela descobriu que as meninas são francas
e autoconfiantes. Mas, ao entrarem na adolescência, começam a desapa-
recer, a recuar. Elas começam a perceber que as mulheres são subvaloriza-
das e que a mensagem cultural é "fique quieta". Gilligan e seus associados
se convenceram de que algo terrível acontece com garotas aos 13 ou 14
anos. Como Gilligan relatou ao New York Times, "Por volta dos 15 ou 16
anos, a resistência foi para a clandestinidade. Elas começam dizendo: "Não
sei, não sei, não sei. Eles começam a não saber o que sabiam".
Em seu prefácio à brochura "Chamado à Ação", a presidente da AAUW, Sha-
ron Schuster, faz um apelo direto ao leitor em nome de todas as "garotas
lesadas": "Enquanto você lê este relatório, nós lhe pedimos, acima de tudo,
para pensar em alguma garota especial na sua vida – uma filha ou neta, uma
irmã ou estudante, uma sobrinha ou uma vizinha. Pergunte a si mesmo: 'O
que posso fazer para garantir que nossas escolas não estejam lesando seu
futuro?'"
164

Em janeiro de 1991, a AAUW organizou uma "Mesa Redonda de Equidade


Educacional" para que os líderes do governo, da educação e
das empresas começassem a abordar o problema da precoce
perda de confiança das meninas. Os participantes incluíram o
governador Roy Romer, do Colorado, e Martha Frick, presi-
dente da Associação Nacional de Conselhos Escolares. Jorna-
listas também foram convidados. Como explica Sharon Schus-
ter, "houve um impressionante - e extraordinário - compromisso desses lí-
deres em atender às necessidades de meninas e mulheres jovens".
A resposta da mídia foi gratificante. A AAUW tem sua aura de reputação e
integridade, então talvez seja compreensível que as reportagens sobre seu
estudo de autoestima tenham sido tomadas pelo valor nominal. Ninguém
sugeriu que as conclusões alarmantes da AAUW sobre o sofrimento das me-
ninas do país podem ser o produto de uma "pesquisa de advocacia41", pes-
quisa feita com o objetivo de "provar" conclusões com as quais os defenso-
res se comprometem ideologicamente e que consideram politicamente útil.
Repórteres que normalmente buscam pontos de vista alternativos não o
fazem neste caso.
Apesar da natureza sensacional e arrebatadora das descobertas de que a
autoestima das meninas despencou, até onde eu podia averiguar, nenhum
dos jornalistas que relatou o estudo entrevistou quaisquer cientistas sociais
para ver se a pesquisa foi adequadamente projetada e seus resultados ade-
quadamente interpretados. Exceto por Carol Gilligan e seus seguidores, ne-
nhum outro especialista em psicologia adolescente foi citado pela im-
prensa. De fato, em nenhuma dessas histórias foi citado um único crítico,
apesar da existência de um grande corpo de descobertas e opiniões contrá-
rias que a AAUW havia ignorado. Como a mídia não fez nenhum esforço
para olhar além dos comunicados de imprensa dados pelos AAUW, foi dei-
xada para os céticos a tarefa de fazê-lo por conta própria. Como nós vere-
mos, alguns fizeram.

41 O tradutor do Google traduziu advocacy research como pesquisa de defesa de direitos, o que parece
captar melhor o sentido dado pelo Free Dicionary by Farlex para esse tipo de pesquisa: “é uma forma
de pesquisa de política social (por exemplo, sobre estupro) realizada por pesquisadores com forte
preocupação sobre a importância de um problema social. O objetivo é coletar informações sobre o
nível de um problema social e aumentar a consciência pública”. Optei pela forma “pesquisa de advo-
cacia” por mera economia.
165

Nesse meio tempo, entretanto, a retórica da AAUW havia se firmado.


Quando a AAUW iniciou seu estudo em 1990, a autoestima era o tema do
momento. Todo mundo queria isso; alguns estados tinham forças-tarefa
para ajudar as pessoas a obtê-lo. A preocupação com a autoimagem das
crianças era tão alta que o Museu das Crianças de Denver instalou um
"canto de autoestima". A autoestima era a cura para o que aflige o país e
um ingresso para a lista dos mais vendidos.
Livros com títulos como Learning to Love Yourself (Aprendendo a se Amar),
The Inner Child Workbook (Manual da Criança Interior), Co-Dependent's
Guide to the Twelve Steps (Guia do Co-Dependente para os Doze Passos) e
Children of Trauma: Recovering Your Discarded Self (Filhos do Trauma: Re-
cuperando o seu Eu Descartado) vendiam aos milhões. Um Conselho Naci-
onal de Autoestima foi criado. O Departamento de Educação do Estado de
Nova York publicou um manual de autoestima que identifica quatro "com-
ponentes" da autoestima. "Eu sou alguém", "eu pertenço", "eu sou compe-
tente" e "eu tenho possibilidades", proclama, parecendo muito com Stuart
Smalley no "Saturday Night Live" (“Eu sou bom o suficiente, eu sou inteli-
gente o suficiente, e porra, as pessoas gostam de mim")42.
A acusação de que a autoestima das garotas do país estava sendo minada
foi feita sob medida para a época. Mas isso era verdade? Que o relatório
tenha sido tão ampla e acriticamente aceito não pode ser tomado como um
sinal de sua solidez. Os jornalistas e seus leitores, os políticos preocupados
e seus eleitores, não sabiam que a AAUW é mais uma organização para-
acadêmica que se tornou altamente política e ideológica nos últimos anos.
Seu estatuto é amplo o bastante para incluir feministas de gênero, feminis-
tas da equidade e mulheres não feministas. Mas sua atual liderança trans-
formou a associação em um braço ativista do feminismo de gênero. Seu
atual grupo de oficiais – a diretora executiva Anne Bryant, a presidente Sha-
ron Schuster, e Alice McKee, presidente da fundação educacional AAUW –
são feministas de gênero comprometidas que tinham expectativas sobre o
que encontrariam quando iniciassem o estudo da autoestima. Portanto, um
olhar frio e objetivo sobre as descobertas relatadas e as evidências para elas
é extremamente necessário.

42 Você pode assistir clicando aqui: https://www.youtube.com/watch?v=ZVA-Bx4rNc0. Se quiser acom-


panhar a fala do ator, o texto em inglês é o seguinte: "I'm good enough, I'm smart enough, and dog-
gonit, people like me.”
166

Veja como a AAUW resume os resultados da pesquisa em sua Brochura


"Chamado à Ação":
Em uma medida crucial de autoestima, 60% das meninas do ensino funda-
mental e 69% dos meninos do ensino fundamental dizem que estão "felizes
como eu sou". Mas, no ensino médio, a autoestima das meninas cai 31 pon-
tos para apenas 29%, enquanto a autoestima dos meninos cai apenas 23
pontos, para 46%.
As garotas são menos propensas do que os garotos a dizer que são "muito
boas em muitas coisas". Menos de um terço das meninas expressa essa con-
fiança, em comparação com quase metade dos meninos. Uma lacuna de
gênero de 10 pontos na confiança em suas habilidades aumenta para 19
pontos no ensino médio.
O estudo descobriu que os meninos têm maior probabilidade de se defen-
derem de uma discordância com um professor (28% dos meninos, 15% das
meninas); e os meninos são mais propensos do que as meninas a "acreditar
que seus sonhos profissionais se tornarão realidade".
A AAUW tem o prazer de acomodar qualquer pessoa que queira ver o fo-
lheto "Chamado à Ação" e o vídeo "Lesando Garotas": eles têm um número
0800 para aqueles que desejam encomendar esses e outros materiais de
preconceito de gênero que desenvolveram. Esses materiais prontamente
disponíveis resumem as "descobertas". Conseguir o estudo real da autoes-
tima de Goldberg-Lake – os dados concretos sobre os quais todas as reivin-
dicações se baseiam – acabou sendo muito mais difícil. Você não pode en-
comendá-lo através do número 0800. Não está disponível em bibliotecas. A
única maneira de dar uma olhada é comprá-lo diretamente da AAUW por
US $ 85. Eu estava disposta a fazer isso, embora seja muito incomum que
um estudo citado como confiável por membros do Congresso dos Estados
Unidos não estivesse disponível em nenhuma biblioteca. Mesmo com-
prando, acabou por ser um problema.
"Por que você quer isso?" perguntou uma mulher curiosa no escritório da
AAUW em Washington. Eu disse, sinceramente, que estava pesquisando
para escrever um livro e gostaria de revisar os dados. Ela me disse para dei-
xar meu número e alguém voltaria para mim. Ninguém ligou. Eu tentei de
novo. Desta vez, houve um entendimento preliminar de que eles me man-
dariam o estudo. Mas primeiro eles me mandariam uma carta delineando
167

certos termos. Uma carta finalmente chegou, assinada por Anne Bryant. Ela
escreveu: "Por favor, envie uma declaração descrevendo como você planeja
usar o instrumento de pesquisa e os resultados, juntamente com o seu pa-
gamento para o relatório de pesquisa completo. Se a sua revisão e análise
dos dados resultar em uma possível publicação ou apresentação, esse uso
dos dados deve receber aprovação prévia por escrito da AAUW. "
Enviei o dinheiro e uma "declaração" branda sobre meus planos. Também
usei o número 0800 para encomendar todos os panfletos, boletins informa-
tivos e resumos caros e, claro, o vídeo. Quando o relatório completo final-
mente chegou, depois de várias semanas e mais três telefonemas, vi imedi-
atamente por que a AAUW era tão cautelosa. Por um lado, não continha
nada como uma definição de autoestima, ou mesmo uma discussão infor-
mal sobre o que eles entendiam por isso.
O conceito de autoestima é geralmente considerado instável e controverso,
mas poucos psicólogos duvidam de sua importância central. A instabilidade
e a fluidez do conceito o tornam inadequado para uma abordagem de pes-
quisa de opinião. As empresas de pesquisa são boas em totalizar opiniões,
mas a autoestima é uma característica pessoal complexa, e as opiniões ex-
pressas das pessoas sobre elas mesmas podem ter pouco a ver com seu
senso de valor interior. No entanto, os procedimentos da AAUW/Green-
berg-Lake dependiam quase exclusivamente de autorrelatos.
A autoestima e uma série de características pessoais relacionadas, como
autossuficiência, humildade, orgulho e vaidade, têm sido estudadas desde
Aristóteles. O estudo científico da autoestima por psicólogos do desenvol-
vimento e sociólogos está em sua infância. No momento, há pouco acordo
sobre como defini-la e muito menos acordo sobre como medi-la.
O psiquiatra da Universidade de Oxford Philip Robson diz: "Tem sido ques-
tionado se a autoestima existe como uma entidade independente". Além
disso, testes diferentes produzem resultados diferentes. De acordo com o
Dr. Robson, "as mesmas pessoas não obtêm pontuações altas em todas
elas". Autorrelatos sobre sentimentos de valor interno não são consistentes
ao longo do tempo, nem são fáceis de interpretar. Altas pontuações em um
teste de autoestima, diz o Dr. Robson, podem indicar "conformidade, rigi-
dez ou insensibilidade".
168

Jack Block, psicólogo pesquisador da Universidade da Cali-


fórnia, em Berkeley, também criticou os questionários de
autoestima por não determinarem por que as pessoas gos-
tam ou não de si mesmas. O Dr. Block aponta que alguém
com notas altas em um teste de autoestima pode 1) estar
enganando os pesquisadores; 2) ser um egoísta narcisista;
ou 3) ter um senso saudável de si.
A professora Susan Harter, outra especialista em autoes-
tima adolescente, alerta para as dificuldades em definir e
medir a autoestima: definições ambíguas do constructo,
instrumentos de medição inadequados e falta de teoria têm
atormentado a pesquisa da autoestima. Há agora um con-
senso crescente... de que a autoestima é mal captada por
medidas que combinam avaliações em diversos domínios – como compe-
tência escolar, aceitação social, conduta comportamental e aparência – em
uma única pontuação resumida.
Deixando de lado, no momento, os sérios problemas de definição e mensu-
ração, podemos perguntar se os pesquisadores na área da psicologia ado-
lescente estão em algum tipo de acordo de que as meninas experimentam
uma queda dramática na autoestima.
Bruce Bower, editor de ciência comportamental da Science News, ficou sur-
preso quando leu o anúncio da AAUW no New York Times. Ele chama as
descobertas da AAUW de controversas, observando que "concentraram a
atenção em questões de longa data sobre o significado de tais estudos e
suas implicações, se houver, para a reforma educacional e... desenvolvi-
mento psicológico". Bower examinou a opinião de outros pesquisadores e
descobriu que a descoberta da AAUW de que a autoestima das meninas cai
não se enquadrava com o que a maioria dos especialistas em psicologia
adolescente dizia. Ele resumiu as discrepâncias entre as descobertas da
AAUW e o que os especialistas dizem na edição de 23 de maio de 1991 da
Science News. Depois de ler o artigo de Bower, conversei com vários dos
especialistas que ele citou.
169

Barton J. Hirsch, professor de psicologia na Universidade


Northwestern, encontrou níveis comparáveis de autoes-
tima em meninos e meninas adolescentes. Perguntei ao
professor Hirsch o que ele achava do relatório da AAUW.
"Suas descobertas são inconsistentes com a literatura re-
cente. Por um tempo, foi dito que havia uma pequena
queda na autoestima das meninas do ensino fundamental
e médio – agora, novos resultados mostram o contrário". Ele também ad-
vertiu, e a maioria dos especialistas em autoestima parece concordar, que
ninguém foi capaz de estabelecer uma correlação clara entre autoestima e
comportamento. No entanto, os autores da AAUW afirmam categorica-
mente: "Grande parte da diferença entre as aspirações educacionais e os
objetivos de carreira de meninas e meninos pode ser atribuída a uma lacuna
de gênero na autoestima que aumenta durante os anos escolares".
Alguns pesquisadores como Susan Harter, Jack Block, Joseph Adelson e a
falecida Roberta Simmons dizem que as adolescentes sofrem alguma queda
na autoestima. Mas suas conclusões são nuançadas e hesitantes: nada
como as afirmações dramáticas, simplistas e alarmantes da AAUW. Pergun-
tei a Susan Harter o que ela achava do estudo da AAUW. Ela disse: "Foi mal
projetado e era psicometricamente insalubre".
Roberta Simmons, em seu trabalho seminal sobre psicologia adolescente,
Moving into Adolescence, diz que as meninas experimentam uma queda
temporária ao passarem pela escola secundária, apenas para se recupera-
rem quando estabelecem um círculo de amigos. No colegial, há uma se-
gunda queda. Ela diz: "Não sabemos se essa última queda de autoestima...
foi temporária ou permanente".
Wendy Wood, da Universidade Texas A&M, fez uma com-
paração estatística de 93 estudos independentes sobre os
sentimentos de bem-estar das mulheres. Bruce Bower re-
sumiu a pesquisa de Wood: "Ao examinar esses estudos,
que enfocaram o bem-estar e a satisfação com a vida entre
homens e mulheres adultos, Wood e seus colegas desco-
briram que as mulheres relataram maior felicidade e mais insatisfação e de-
pressão do que os homens".
Eu falei com a Dr. Wood. Ela afirma que o que pode parecer uma lacuna de
gênero na autoestima pode ser simplesmente resultado de uma lacuna na
170

expressividade. Wood e seus colegas acreditam que meninas e mulheres


são mais conscientes de seus sentimentos e mais articuladas ao expressá-
los, e por isso são mais sinceras sobre suas emoções negativas nos autorre-
latos do que os homens. "Se você não controla essa diferença, é muito fácil
obter uma imagem muito distorcida."
Naomi Gerstel, socióloga da Universidade de Massachu-
setts, culpa as pesquisas de autoestima – incluindo o estudo
da AAUW – por negligenciar a entrevista com os estudantes
que abandonaram o colegial. Mais homens do que mulheres
abandonam o colegial. O fato de esses meninos não serem
incluídos nesses estudos pode estar criando uma imagem falsa da autoes-
tima dos meninos.
A psicóloga de Berkeley, Diana Baumrind, é cética quanto à
confiabilidade do autorrelato. Ela e suas colegas avaliam as
conquistas e a competência geral das crianças. Elas então
contam com observadores treinados para avaliar o bem-es-
tar social e emocional das crianças. Usando medidas objeti-
vas, tanto quanto possível, elas não encontraram diferen-
ças significativas duradouras entre meninos e meninas em áreas de autoe-
stima.
Anne Petersen, uma psicóloga da Universidade do Minnesota especializada
em adolescentes, recentemente resumiu a opinião compartilhada pela mai-
oria dos clínicos e pesquisadores que trabalham com psicologia adoles-
cente:
Sabe-se agora que a maioria dos adolescentes de ambos os sexos atravessa
com êxito este período de desenvolvimento sem nenhum distúrbio psicoló-
gico ou emocional grave, desenvolve um senso positivo de identidade pes-
soal e consegue forjar relacionamentos mútuos flexíveis ao mesmo tempo
que mantém relações próximas com suas famílias.
Roberta Simmons havia dito exatamente a mesma coisa: "A maioria das cri-
anças passa dos 10 aos 20 anos sem grandes problemas e com um senti-
mento crescente de autoestima". Se Petersen e Simmons estão certos, as
alegações da AAUW são um alarme falso caro. Em qualquer caso, a AAUW
é menos que sincera quando fala de seus esforços para revisar o crescente
171

corpo de pesquisas sobre como as meninas aprendem. Ele não está fazendo
isso.
William Damon, diretor do Centro de Estudos do Desen-
volvimento Humano da Universidade Brown, tirou algum
tempo para investigar a alegação de que as adolescentes
estavam sofrendo uma perda de autoestima. "Até agora,
não consegui encontrar um único artigo em nenhuma re-
vista científica que realmente ateste essa tese." Ele admite
que não passou meses pesquisando a literatura. Mas, ele diz, se existe tal
artigo, não é fácil de encontrar. Como ele vê, o debate sobre a autoestima
das meninas nunca ocorreu entre os pesquisadores. Em vez disso, "a coisa
toda está sendo realizada na corte da mídia".
Perguntei a Joseph Adelson, psicólogo da Universidade de Michigan e editor
do Manual de Psicologia Adolescente, o que ele achava do relatório da
AAUW sobre autoestima. "Quando vi o relatório, pensei: 'Isso é horrível. Eu
posso provar que é horrível, mas não vale a pena'."
Dados os riscos enfrentados por qualquer pesquisador que esteja fazendo
pesquisa na área da autoestima e, dado que poucos psicólogos adolescen-
tes corroboram as descobertas da AAUW, o ônus da prova é da AAUW em
mostrar que seu estudo foi bem planejado e suas descobertas cuidadosa-
mente interpretadas. Mas isso é precisamente o que não foi mostrado. Isso
pode explicar por que os dados reais da pesquisa Greenberg-Lake, nos quais
a AAUW baseia suas conclusões sensacionais, são tão difíceis de encontrar.
De fato, mostrar que os resultados da AAUW estão errados não é tão de-
morado quanto Adelson imaginou. Um olhar atento aos autorrelatos rapi-
damente revela as maneiras engenhosas pelas quais as perguntas foram
feitas e as respostas tabuladas para obter as conclusões alarmantes sobre
uma crise nacional na autoestima das garotas adolescentes.
A pesquisa sobre autoestima da AAUW/Greenberg-Lake pediu a três mil cri-
anças que respondessem a declarações do tipo: "Sou feliz do jeito que sou",
"Eu gosto da maioria das coisas sobre mim", "Sou bom em muitas coisas,"
"Minha professora está orgulhosa de mim" e "eu sou uma pessoa impor-
tante". Em sua brochura "Chamado à Ação", a AAUW diz que as respostas
a essas perguntas oferecem uma "medida crucial" de autoestima. Vamos
admitir que isso seja assim e considerar mais de perto os resultados relata-
dos sobre a questão da felicidade:
172

A pesquisa nacional encomendada pela AAUW descobriu que 60% das me-
ninas do ensino fundamental e 69% dos meninos do ensino fundamental di-
zem que "Sou feliz do jeito que sou" – um indicador-chave da autoestima.
No ensino médio, a autoestima das meninas cai 31 pontos, indo para 29%,
enquanto a autoestima dos meninos cai apenas 23 pontos, indo para 46% -
um aumento de 7 para 17 pontos43 na diferença de gênero nessa medida de
autoestima.
Pode-se ver por que qualquer pessoa justa ficaria completamente alarmada
com tal resultado. No entanto, mesmo se aceitarmos que os autorrelatos
são indicadores confiáveis de autoestima, as alegações apresentadas na
brochura são seriamente enganosas. Somos informados apenas sobre
quantos meninos e meninas responderam "sempre verdadeiro" a "Sou feliz
do jeito que sou". Não nos dizem que essa foi apenas uma das cinco respos-
tas possíveis, incluindo "mais ou menos verdadeiro", "às vezes verdadeiro /
às vezes falso", "mais ou menos falso" ou "sempre falso" e que a maioria
das respostas estava nas faixas intermediárias. Poucos psicólogos infantis
considerariam qualquer uma, exceto as duas últimas respostas - ou talvez
apenas a última delas – como um sinal de autoestima perigosamente baixa.
Os dados apresentados ao público pela AAUW em toda a sua literatura e
em seu documentário sugerem que a maioria das meninas está anormal-
mente carente de autoestima. Mas isso é enganoso porque, além dos 29%
de meninas que marcaram a opção "sempre verdadeiro", 34% marcaram
em "mais ou menos verdadeiro" e outros 25% em "às vezes verdadeiro / às
vezes falso" - um total de 88%, comparado a 92% dos garotos. A AAUW rei-
vindicou uma lacuna de gênero de 17 pontos na autoestima do adolescente.
A mídia, é claro, seguiu a linha estabelecida pela AAUW, que cuidadosa e
exclusivamente baseou seu relatório nos entrevistadores que marcaram a
opção "sempre verdadeiro" para "Sou feliz do jeito que sou", ignorando to-
dos os outros entrevistados que marcaram outras opções. Com base nisso,
o NEA Today, o jornal da Associação Nacional de Educação, disse: "Quando
as meninas estão no ensino médio, apenas 29% dizem que estão felizes con-
sigo mesmas".

43 Eu não sou bom em matemática, mas me parece que há um erro aqui. O certo seria de 9 para 17
pontos. Afinal, se a diferença de 46 para 29 é mesmo 17, a diferença de 69 para 60 é 9. O erro, se
realmente existir, não é meu, mas do texto original, onde se lê: an increase from 7 to 17 points in the
gender gap on this measure of self-esteem.
173

Um artigo no Chicago Tribune era típico da resposta da imprensa popular:


"Enquanto 60% das meninas do ensino fundamental e 69% dos meninos
proclamam que “sou feliz do jeito que sou", no ensino médio apenas 29%
das meninas e 46% dos meninos expressam tais sentimentos".
Esses números enganosos abriram caminho para a Revolution from Within
(A Revolução de Dentro) de Gloria Steinem. Na verdade, ela erroneamente
inverteu os números de meninos e meninas de nove anos de idade, fazendo
com que a queda da autoestima das meninas parecesse ainda mais drástica:
Mesmo que as meninas tirem boas notas, aprendam a ler mais depressa e
tenham uma vantagem sobre os meninos em habilidades verbais, a per-
gunta que realmente precisamos fazer é: "O que essas garotas estão apren-
dendo?" De acordo com um estudo encomendado pela Associação Ameri-
cana das Mulheres Universitárias (AAUW) e lançado em 1991, uma grande
parte da lição é subestimar-se: entre as crianças de 9 anos, por exemplo,
67% (sic) das meninas e 60% dos meninos disseram que ‘Sou feliz do jeito
que sou’.” No ensino médio, no entanto, apenas 46% dos meninos disseram
que se sentiam assim – também uma tragédia que precisa de toda atenção
– e as meninas despencaram para 29%.
O Instituto de Pesquisa e Educação das Mulheres, em Washington, DC, pu-
blica um influente relatório sobre o status das mulheres americanas cha-
mado The American Woman (A mulher americana). "Nenhum livro sobre o
status das mulheres é mais importante para funcionários do governo, mem-
bros do Congresso e formuladores de políticas do que The
American Woman", diz a governadora Ann Richards. "Este
livro deve estar sobre a mesa de todas as pessoas e for-
muladores de políticas interessados no status das mulhe-
res hoje ", diz a senadora Barbara Mikulski. Eis como The
American Woman relata as descobertas da AAUW: "Pes-
quisando sobre os jovens de 9 a 15 anos em 12 localidades em todo o país,
os pesquisadores (AAUW) descobriram que, quando estão na escola, ape-
nas 29% das meninas dizem que estão felizes consigo mesmas, em compa-
ração com 46% dos meninos". Aparentemente, nem Steinem, nem os jor-
nalistas, nem a equipe do Instituto de Pesquisa e Educação das Mulheres
analisaram os dados usados pela AAUW. Em vez disso, eles confiaram no
folheto da AAUW.
174

Eis como a própria AAUW logo estaria se referindo às suas próprias desco-
bertas:
Uma pesquisa nacional encomendada pela Associação Americana das Mu-
lheres Universitárias (AAUW) em 1990 descobriu que em média 69% dos
meninos do ensino fundamental e 60% das meninas do ensino fundamental
relataram que eles estão "felizes do jeito que são"; entre os estudantes do
ensino médio, os percentuais foram de 46% para meninos e apenas 29%
para meninas.
O folheto publicou outra conclusão equivocada: "As meninas têm menos
probabilidade do que os meninos de se sentirem ‘boas em muitas coisas’.
Menos de um terço das meninas expressam essa confiança, em compara-
ção com quase metade dos meninos. Uma lacuna de 10 pontos na confiança
em suas habilidades aumenta para 19 pontos no ensino médio.” Mas o lei-
tor não é informado de que quase a metade as meninas do ensino médio
(44%) escolheram a segunda resposta possível, "mais ou menos verda-
deira", o que daria um total de 67% de garotas e 79% de garotos que essen-
cialmente se sentem "bons em muitas coisas". Se a resposta "às vezes ver-
dadeira / às vezes falsa" for incluída, os resultados para meninas e meninos
são 95% e 98%, respectivamente, uma diferença totalmente insignificante.
A propósito, a sequência habitual de respostas em tais pesquisas é "sempre
verdadeiro", "geralmente verdadeiro", "algumas vezes verdadeiro", "rara-
mente verdadeiro" e "nunca verdadeiro". Será que os pesquisadores sus-
peitaram que tais respostas podem não produzir resultados úteis?
Por que, para esse assunto, alguém que responda "às vezes verdadeiro / às
vezes falso" para "sou bom em muitas coisas" é considerado desprovido de
autoconfiança? Na verdade, as respostas "sempre verdadeiro" não são sus-
peitas? Os 42% dos meninos que dizem "sempre verdadeiro" para "bom em
muitas coisas" podem estar mostrando falta de maturidade ou reflexivi-
dade, ou falta de humildade. Da mesma forma, um menino que pensa em
si mesmo como "sempre" "feliz do jeito que eu sou" pode estar sofrendo
de uma "lacuna de maturidade". Por outro lado, não é necessariamente
uma marca de insegurança ou baixa autoestima admitir que se sente triste
ou não prodigiosamente competente por algum tempo.
Os analistas da AAUW / Greenberg-Lake podem não ter percebido que seu
"instrumento de pesquisa" era seriamente inadequado e que seus pesqui-
175

sadores talvez estivessem medindo algo diferente da autoestima ou da au-


toconfiança (por exemplo, maturidade). Se a AAUW estivesse menos preo-
cupada em mostrar que as meninas estão sendo "lesadas", ela teria com-
plementado sua pesquisa consultando outros especialistas para chegar a
conclusões mais responsáveis.
O estudo da AAUW encontrou áreas nas quais meninos e meninas apresen-
tam quase os mesmos níveis de autoconfiança, mas eles não enfatizam es-
sas descobertas no folheto, no relatório resumido ou no documentário.
Para a declaração "o professor está orgulhoso de mim", as meninas tiveram
notas mais altas que os meninos (41% disseram "sempre verdadeiro" ou
"mais ou menos verdadeiro", comparado a 36% dos meninos). Pratica-
mente, a mesma proporção de meninos e meninas disse "sempre verda-
deiro" para a declaração "eu estou orgulho do meu trabalho na escola"
(17% das meninas, 16% dos meninos) e 32% das meninas e 34% dos meni-
nos disseram "mais ou menos verdadeiro."
Estes resultados estão disponíveis para qualquer pessoa que queira enviar
os US $ 85 e assinar o formulário "Declaração de Intenção". Se os jornalistas
que ajudaram a divulgar a mensagem da AAUW fossem menos crédulos –
tivessem tirado um tempo para revisar como o questionário foi elaborado
e os resultados interpretados –, eles teriam percebido que o estudo em que
se baseava era uma enganação.
Quando feministas de gênero como Sharon Schuster, Anne Bryant e Gloria
Steinem discutem a autoestima, elas assumem que, via de regra, as mulhe-
res são tratadas de maneira a diminuir sua autoconfiança, para mantê-las
subordinadas aos homens. Resta apenas persuadir o público de que esse
enfraquecimento das mulheres está ocorrendo constantemente e que as
meninas do país estão sofrendo. A "medida crucial de autoestima" da
AAUW (autorrelato "sempre verdadeiro" para "sou feliz do jeito que sou")
é oferecida como prova para confirmar que as meninas do ensino médio
estão sendo minadas. Mas se aceitarmos isso como uma "medida crucial",
descobriremos que ele produz um resultado curioso. Acontece que no es-
tudo da AAUW as garotas negras tiveram uma pontuação muito maior na
autoestima do que os meninos brancos.
Para a declaração "sou feliz do jeito que sou", 58% das garotas negras do
ensino médio responderam "sempre verdadeiro"; 36% dos garotos brancos
do ensino médio responderam "sempre verdadeiro". Para meninas brancas
176

do ensino médio, o número é de 22%. Os meninos brancos ficaram 14 pon-


tos à frente das meninas brancas – uma "lacuna" que a AAU considera cho-
cante e inaceitável. Mas em seu teste, as garotas negras superaram os ga-
rotos brancos por 22 pontos e as garotas brancas por 36 pontos!
Claramente, este achado não se encaixa com a outra suposição básica feita
pela AAUW: ela afirma que existe uma correlação positiva direta entre a
autoestima e o desempenho acadêmico. Em muitas categorias, as meninas
negras estão em maior risco (para notas baixas e evasão escolar) do que
meninas ou meninos brancos.
Os garotos negros nunca são mencionados nos folhetos e nos vídeos da
AAUW. Mas, se você observar cuidadosamente todas as 500 páginas do re-
latório de dados de Greenberg-Lake, você os encontrará. Você também vê
porque a AAUW enterrou e ignorou os dados sobre essas crianças. O rela-
tório de dados de Greenberg-Lake nos informa que os meninos negros são
os que mais pontuam nos índices de autoestima, "superando as meninas
negras em margens de 10 a 18% em medidas de felicidade geral". Se os
dados estão corretos, isso significa que cerca de três em cada quatro meni-
nos negros são "sempre" "felizes do jeito que são", contra uma em cada
cinco meninas brancas. Quanto à "lacuna de glamour", os garotos negros
se revelam os mais confiantes e ambiciosos de todos. Muito mais deles pla-
nejam se tornar médicos, cientistas, governadores ou senadores do que
seus colegas brancos. 67% responderam sim quando perguntados: "Você
realmente acha que vai acabar sendo uma estrela do esporte?"
Esses resultados devem ter assustado as mulheres da AAUW que encomen-
daram a pesquisa. Elas afirmam que a autoestima, conforme medida pelos
autorrelatos, está direta e positivamente correlacionada com as realizações
futuras. A conquista futura não é o motivo de todo esse alarido? Então,
como é que aqueles que têm maior pontuação na medida de autoestima da
AAUW estão em risco educacional, enquanto o grupo com a menor confi-
ança se sai tão bem? Garotas brancas estão tirando notas melhores e in-
gressando no ensino superior em números muito maiores do que qualquer
outro grupo.
Das duas uma: ou esses resultados destroem o vínculo que a AAUW alega
existir entre autoestima e desempenho acadêmico ou destroem a metodo-
logia de autorrelato. De qualquer forma, eles corrompem as descobertas da
AAUW.
177

No próprio relatório, os autores se esforçam para entender essas respostas


inconvenientes. Os estudantes negros, eles especulam, "têm uma tendên-
cia maior de fornecer respostas ‘certas’ às perguntas da pesquisa sobre a
autoestima. Eles aprenderam que os outros descrevem sua cultura como
auto-odiadora ou autodepreciativa e se esforçam para colocar o 'melhor pé
à frente44'." Mas colocar o melhor pé à frente não é conhecido por ser um
traço racial. Além disso, por que os garotos negros pontuam mais do que as
garotas negras? E por que esse motivo não explica a discrepância de res-
postas entre garotos brancos e garotas brancas? Uma vez que admitimos
tais exceções e explicações, o que acontece com a credibilidade do "instru-
mento de pesquisa" para qualquer propósito?
Uma pesquisadora tentou explicar por que as meninas negras têm pontua-
ções mais altas em autoestima do que as meninas brancas. Janie Ward es-
pecula que a autoestima das meninas negras não é afetada por seu desem-
penho acadêmico. "As meninas negras parecem manter altos níveis de au-
toestima ao se dissociarem da escola", diz ela. Mas por que apenas as me-
ninas negras seriam tão pouco afetadas? Como sabemos que as altas pon-
tuações dos meninos brancos não se devem à sua relativa indiferença em
relação ao valor acadêmico? Conceitualmente, também, a ideia de uma
"autoestima acadêmica" de alguma forma separada da autoestima propri-
amente dita é incoerente. O orgulho de uma criança em tocar piano pode
muito bem contribuir para sua autoestima, mas não chamamos isso de um
sentimento de autoestima musical.
Se alguém leva a sério o modo de medir a autoestima da AAUW, então
deve-se começar a levar a sério a sugestão de que existe uma relação in-
versa entre os relatos de autoestima e o sucesso na escola, pois é isso que
o estudo realmente sugere. Claro, isso é exatamente o oposto do que a
AAUW afirma. No entanto, não está totalmente fora de questão: crianças
asiáticas pontuam muito mais que estudantes americanos em matemática
e ciências, mas os estudantes americanos expressam muito mais confiança
em suas habilidades em matemática e ciências do que seus colegas asiáti-
cos. Em outras palavras, nossos filhos são classificados na parte inferior,
mas são "felizes do jeito que são".

44 “Best foot forward” é uma expressão idiomática inglesa que significa, segundo o The Free Dicionary
by Farlex, tentar agir como uma versão ideal de si mesmo, tipicamente para tentar impressionar os
outros. Não me ocorreu nenhuma expressão idiomática equivalente em português. Além disso, a ex-
pressão me pareceu muito boa e criativa. Por isso, optei pela tradução literal.
178

Isso nos leva, talvez, à mais séria falha do "Chamado à ação" da AAUW. O
relatório começa dizendo que nossos filhos não podem prosperar no pró-
ximo século, a menos que "eles se tornem as pessoas mais instruídas da
Terra". Mas o movimento de reforma educacional perdeu o ponto, conti-
nua, porque "a maior parte deste debate ignorou mais da metade das pes-
soas cujo futuro é moldado pelas escolas: as meninas." Depois disso, não
ouvimos mais sobre a lacuna de aprendizado entre crianças americanas e
estrangeiras, mas a implicação é clara: a lacuna de aprendizagem será su-
perada quando superarmos as diferenças de gênero. Embora essa suposi-
ção pareça superficialmente plausível, tais fatos apontam para sua impro-
babilidade.
O professor Harold Stevenson, da Universidade de Michi-
gan, é um dos vários pesquisadores que vem estudando as
diferenças entre estudantes americanos e asiáticos em ha-
bilidades e autoestima. Seu artigo influente na revista Edu-
cation Digest (dezembro de 1992), "As crianças merecem
mais do que falsa autoestima", relatou pesquisas acadêmi-
cas feitas ao longo de muitos anos. Ele não dependia de pesquisas e não
tinha noções preconcebidas sobre qual seria o resultado. Os pesquisadores
da AAUW não citam seu trabalho nem foram convidados para a mesa re-
donda. Ele descobriu que, embora haja uma séria lacuna de aprendizado
entre crianças americanas e estrangeiras, as crianças americanas não têm
consciência de suas deficiências:
Nosso grupo de pesquisa da Universidade de Michigan passou a última dé-
cada estudando o desempenho acadêmico de estudantes americanos, e
uma de nossas descobertas mais consistentes é que o desempenho acadê-
mico de nossos alunos é inferior ao de estudantes em muitas outras socie-
dades... As baixas pontuações dos estudantes americanos são angustiantes,
mas igualmente angustiante é a discrepância entre seus baixos níveis de
desempenho e as avaliações positivas que eles deram de sua habilidade em
matemática.
Em matemática, pelo menos, parece que a alardeada correlação entre au-
toestima e realização não é válida. Em vez de uma lei chamada "Equidade
de Gênero na Educação", precisamos de um projeto de lei chamado "Senso
Comum na Educação", que supervisionaria a maneira como o governo gasta
dinheiro em questões educacionais falsas. A medida não precisaria de um
179

orçamento muito grande, mas poderia poupar milhões cortando projetos


desnecessários como os propostos para elevar a autoestima e nos forçar a
abordar diretamente os problemas reais que devemos resolver se quiser-
mos dar aos nossos alunos a competência acadêmica de que necessitam e
a que têm direito.
Enquanto isso, os alarmes feministas sobre a autoestima das adolescentes
femininas continuam soando. A AAUW ignorou a opinião de muitos especi-
alistas respeitáveis sobre psicologia adolescente, mas tinha seu próprio es-
tudioso e filósofo em Carol Gilligan. Gilligan escreveu volumosamente sobre
as adolescentes e sua auto-estima. O folheto "Chamado à Ação" da AAUW,
em seu poder, promoveu suas descobertas. Ela está no vídeo. De acordo
com o New York Times, ela também foi "uma conselheira no desenvolvi-
mento de perguntas feitas na pesquisa”.
Enquanto isso, os alarmes feministas sobre a autoestima das adolescentes
femininas continuam soando. A AAUW ignorou a opinião de muitos especi-
alistas respeitáveis sobre psicologia adolescente, mas tinha seu próprio es-
tudioso e filósofo em Carol Gilligan. Gilligan escreveu copiosamente sobre
as adolescentes e sua autoestima. O folheto "Chamada à Ação" da AAUW
invocou sua autoridade para promover suas descobertas. Ela está no vídeo.
De acordo com o New York Times, ela também foi "uma conselheira no de-
senvolvimento de perguntas feitas na pesquisa”.
Em seu influente livro In a Different Voice (Em uma voz diferente), Gilligan
afirma que as mulheres têm maneiras especiais de lidar com os dilemas mo-
rais. Ela sustenta que, sendo mais carinhosa, menos competitiva, menos
abstrata e mais sensível do que os homens na tomada de decisões morais,
as mulheres falam "com uma voz diferente". Ela argumenta que sua cultura
de nutrir e cuidar e seus hábitos de acomodação pacífica poderiam ser a
salvação de um mundo governado por homens hipercompetitivos e seus
hábitos de raciocínio moral abstrato. Desde então, ela argumentou que
nossa sociedade silencia, denigre e reprime as vozes das mulheres e que
isso muitas vezes causa patologias graves. Seu trabalho recente a colocou
no centro do movimento da autoestima.
A posição de Gilligan é geralmente mais alta entre as intelectuais feministas
de gênero do que entre os acadêmicos em geral. À medida que sua popula-
ridade geral disparou, sua reputação como pesquisadora foi atacada. Pro-
180

fissionalmente, Gilligan é uma psicóloga social que se concentra no desen-


volvimento moral. Mas, por falta de evidências empíricas, ela não conse-
guiu convencer muitos de seus pares da validade de suas teorias. Wendy
Wood, especialista em psicologia feminina do Texas A&M, expressa um jul-
gamento ponderado que é compartilhado por muitos profissionais no
campo da psicologia das mulheres: "Pesquisas independentes em psicolo-
gia moral não confirmaram as descobertas de Gilligan."
Pelo contrário, a pesquisa independente tende a desmentir a tese de Gilli-
gan de que existe uma diferença substantiva na psicologia
moral de homens e mulheres. Lawrence Walker, da Uni-
versidade de Columbia Britânica, revisou 108 estudos so-
bre diferenças de gênero na solução de dilemas morais. Ele
conclui: "As diferenças sexuais no raciocínio moral no final
da adolescência e da juventude são raras". William Damon
(Universidade Brown) e Anne Colby (Faculdade Radcliffe)
apontam que, embora os homens sejam vistos como mais analíticos e inde-
pendentes, e as mulheres mais empáticas e diplomáticas, há pouca evidên-
cia para apoiar esses estereótipos: "Há muito pouco apoio no mundo" da
literatura psicológica para a noção de que as meninas são mais conscientes
dos sentimentos alheios ou mais altruístas do que os meninos. As diferen-
ças sexuais na empatia são inconsistentemente encontradas e geralmente
são muito pequenas quando são relatadas.
Em The Mismeasure of Woman (A desmedida 45 da mulher), a psicóloga Ca-
rol Tavris analisa a literatura sobre diferenças sexuais e desenvolvimento
moral. Sua avaliação ecoa a de Walker, Wood, Damon e Colby. Tavris diz:
"Em estudo após estudo, os pesquisadores não relatam diferenças médias
no tipo de raciocínio moral que homens e mulheres aplicam". Tavris rejeita
a escola do feminismo "mulher é melhor" por falta de evidências convin-
centes de que as mulheres são mais "salvadoras do planeta... pacifistas, em-
páticas ou amantes da terra".
Até mesmo outros psicólogos feministas criticaram as descobertas da pes-
quisa de Gilligan. Faye Crosby, psicóloga da Faculdade Smith, questiona a
abordagem metodológica de Gilligan:

45 O Free Dictionary by Farlex define mismeasure como “medir de forma imprecisa e incorreta”. Não
achei palavra melhor para isso do que “desmedida”.
181

Gilligan referiu-se ao longo de seu livro às informações obtidas em seus es-


tudos, mas não apresentou tabulações. Na verdade, ela nunca quantificou
qualquer coisa. O leitor nunca aprende nada sobre 136 das 144 pessoas de
[um de seus três estudos], como apenas 8 são citadas no livro. Provavel-
mente, não é preciso ser um pesquisador treinado para se preocupar com
essa tática.
Martha Mednick, psicóloga da Universidade Howard, re-
fere-se a uma "enxurrada de artigos" que questionaram a
validade dos dados de Gilligan. Mas ela reconhece: "A
crença em uma 'voz diferente' persiste; parece ser um sím-
bolo para um grupo de crenças sociais amplamente aceitas
que defendem a diferença das mulheres, por razões que
são completamente independentes do mérito científico".
A própria Gilligan parece não se abalar com as críticas e mostra poucos si-
nais de temperar suas teorias ou seus métodos de pesquisa e divulgação.
Seu trabalho recente sobre a "voz silenciada" continua a usar o mesmo mé-
todo anedótico que Crosby e outros criticaram. Como Gilligan as vê, as mu-
lheres jovens são espontâneas, sinceras e verdadeiras, apenas para serem
traídas na adolescência por uma aculturação, uma "pátina de gentileza e
piedade" que diminui seu espírito, induzindo-as a uma espécie de "autossi-
lenciamento".
Christopher Lasch, um dos críticos mais agudos de Gilligan,
argumenta que a visão idealizada de Gilligan sobre crianças
do sexo feminino como seres nobres, espontâneos e natu-
ralmente virtuosos, progressivamente estragados por uma
socialização corrupta, tem suas raízes na teoria da educa-
ção de Jean-Jacques Rousseau. Rousseau, no entanto, sen-
timentalizou tanto meninos quanto meninas. Lasch insiste
que Rousseau e Gilligan estão errados. Em particular, as garotas reais não
mudam de um ideal rousseauniano de virtude natural para algo mais ca-
lado, piedoso, conformista e "agradável". Pelo contrário, quando os pesqui-
sadores analisam as meninas do ensino médio sem preconceitos, muitas
vezes são surpreendidos por uma evidente ausência de gentileza e piedade,
incluindo nas escolas privadas privilegiadas estudadas por Gilligan. Sobre
Gilligan e suas parceiras Lasch diz:
182

Elas teriam feito melhor se lembrassem a si mesmas, com a força de suas


próprias evidências, que as mulheres têm a mesma probabilidade que os
homens de usar mal o poder, de saborear a crueldade e de satisfazer o gosto
pela crueldade ao impor a conformidade. O estudo de uma escola de meni-
nas parece fornecer a correção ideal para visões sentimentais do dom natu-
ral das mulheres para a nutrição e a compaixão.
Quaisquer que sejam as deficiências de Gilligan como uma psicóloga empí-
rica, elas parecem não importar. Seu livro mais recente sobre a "voz silen-
ciada", Meeting at the Crossroads (Reunião na Encruzilhada), recebeu uma
crítica adulatória de Carolyn Heilbrun. Heilbrun admite que a pesquisa de
Gilligan foi contestada, mas insiste que sua contribuição continua sendo um
"marco na psicologia".
De fato, Gilligan continua sendo um ícone feminista que "valoriza" as mu-
lheres, argumentando sobre seus dons especiais e descrevendo suas fragi-
lidades especiais. Era natural que a AAUW se voltasse para ela e feministas
semelhantes para apoio "especializado". Gilligan não é autora do relatório
da AAUW. Não é fácil determinar quem são os autores, mas em um docu-
mento encontramos uma nota agradecendo a Nancy Goldberger e Janie
Victoria Ward, "que nos deram centenas de horas de experiência e orienta-
ção no desenvolvimento do questionário e na interpretação dos dados da
pesquisa." Gilligan era professora de Ward e orientadora da sua dissertação
na Escola de Educação de Harvard. A Dra. Goldberger, psicóloga do Instituto
Fielding, em Santa Bárbara, é coautora do Women's Way of Knowing (Os
modos da mulher de conhecer), a bíblia da epistemologia ginocêntrica.
Ward e Goldberger provavelmente eram "simpáticas". Se a AAUW tivesse
consultado alguns dos especialistas bem conhecidos no campo citados no
artigo de Bruce Bower na Science News, não é de todo certo que a AAUW
teria tido a clara conclusão de preconceito de gênero que apresentou ao
público.

***

A Fundação MS. declarou o dia 28 de abril de 1993 como o "Dia de levar


nossas filhas ao trabalho". O evento foi um grande sucesso; mais de 500.000
meninas foram trabalhar com suas mães ou pais, e a Fundação MS. espera
183

torná-lo um evento anual. Ela criou um guia especial para professores "Leve
nossas filhas para o trabalho", que aborda a questão "Por que esse esforço
extra em nome das meninas?" O guia do professor recita a fórmula
AAUW/Gilligan: "Estudos recentes apontam para a adolescência como um
período de crise e perda para as meninas. Enquanto a maioria das garotas
são sinceras e autoconfiantes aos 9 anos de idade, os níveis de autoestima
despencam quando chegam ao ensino médio."
A Fundação MS. havia planejado inicialmente confinar o dia "Dia de levar
nossas filhas ao trabalho" à área de Nova York. Mas então Gloria Steinem
mencionou o evento em uma entrevista na revista Parade, na qual ela falou
da dramática perda de autoestima das meninas. Segundo Judy Mann, do
Washington Post, o evento "decolou como o Dia das Mães". Qual foi o co-
mentário galvanizador de Steinem? "Aos 11 anos, as meninas têm certeza
do que sabem... Mas aos 12 ou 13 anos, quando assumem o papel feminino,
ficam incertas. Elas começam a dizer: "Não sei. Seus verdadeiros eus vão
para o subterrâneo". Steinem acrescentou que isso torna as meninas vul-
neráveis à depressão, gravidez na adolescência e até distúrbios alimenta-
res. Desde o dia em que seus comentários apareceram na Parade, a Funda-
ção MS. diz que foi inundada com chamadas – mais de 500 por dia. O evento
rapidamente se desenvolveu para um acontecimento nacional. A fundação
preparou informação kits, guia de um professor, folhetos, panfletos e pros-
pectos, até mesmo uma "minimagazine" e camisetas. O comitê consultivo
estabelecido para ajudar a organizar o dia incluiu algumas das estrelas mais
brilhantes do Novo Feminismo: Marlo Thomas, Gloria Steinem, Carol Gilli-
gan, Naomi Wolf e Callie Khouri (a roteirista de Thelma e Louise).
O tema do evento era que, pelo menos por um dia, as meninas seriam "vi-
síveis, valorizadas e ouvidas". Quanto aos meninos deixados na escola, a
Fundação MS. sugeriu que eles passassem o dia fazendo exercícios que os
ajudassem a entender como a nossa sociedade diminui as mulheres. O guia
do professor sugere que os meninos ponderem a questão: "Na sala de aula,
quem fala mais, meninos ou meninas?" Usando "imagens guiadas", o pro-
fessor deve pedir que se imaginem vivendo dentro de uma caixa:
Descreva a caixa para eles: seu tamanho, aberturas para passagem do ar e
iluminação (se houver). Peça-lhes para estender a mão e tocar o teto e os
lados com as mãos. Agora faça a caixa ainda menor. Enquanto seus olhos
ainda estão fechados, pergunte: "E se você quiser sair da caixa e não puder?
184

O que as pessoas dizem às garotas para guardá-las em uma caixa? O que


acontece com as garotas que saem da caixa?"
O objetivo é fazer com que os meninos "experimentem as limitações defi-
nidas pelo gênero".
Então as garotas estão fora para um dia divertido com seus pais, sendo "vi-
síveis, valorizadas e ouvidas", e os garotos são deixados para trás para
aprender a lição. Não me oponho à ideia de levar uma criança para o traba-
lho (embora eu ache que isso deva ser feito no verão, para evitar perder um
dia de escola). Tenho certeza de que muitos pais e filhas tiveram uma boa
experiência. Mas se ter filhos se juntando aos pais por um dia no trabalho
é uma boa ideia, então os meninos não devem ser excluídos. É claro que os
meninos devem aprender a ser atenciosos e respeitosos com as meninas,
mas eles não são culpados; eles não estão silenciando garotas ou dimi-
nuindo sua autoestima, e ninguém deveria estar enviando aos garotos a
mensagem de que eles estão fazendo qualquer uma dessas coisas. Um dia
que destaca as meninas inevitavelmente transmite esse tipo de mensagem.
O alarme de autoestima feminista de gênero não deve se tornar temático
em nossas escolas públicas. A Fundação MS. está agora fazendo um esforço
total para tornar o dia 28 de abril uma festa anual para as meninas. Isso não
deve ser permitido. Pais e funcionários da escola devem intervir para insistir
que um dia com os pais deve ser neutro em relação ao gênero e não divi-
sivo; deve incluir os filhos e as filhas.
185

CAPÍTULO 8
O RELATÓRIO WELLESLEY: UM GÊNERO EM RISCO

A Associação Americana das Mulheres Universitárias (AAWU) tinha todos


os motivos para se sentir gratificada e estimulada pelo sucesso público do
relatório de autoestima. Isso "provou" que as garotas americanas "não
acreditam em si mesmas". A associação se mexeu rapidamente para enco-
mendar um segundo estudo. Este novo estudo mostraria como as alunas
estão sendo minadas e apontaria as soluções. Seu anúncio foi divulgado por
Sharon Schuster: "A pesquisa e a mesa redonda são apenas os primeiros
passos no esforço da AAUW para estimular uma discussão nacional sobre
como nossas escolas – e toda a nossa sociedade – podem incentivar as me-
ninas a acreditar em si mesmas... Nós oferecemos uma doação ao Centro
de Pesquisa sobre Mulheres da Faculdade Wellesley para revisar o cres-
cente corpo de pesquisas sobre como as meninas aprendem".
O Relatório Wellesley foi concluído em 1992, um ano após o lançamento do
relatório de autoestima. Não surpreendentemente, pareceu reforçar dra-
maticamente as trágicas notícias do relatório anterior. A AAUW havia cha-
mado o estudo da autoestima de "Lesando Garotas, Lesando a América";
eles chamaram o Relatório Wellesley de "Como as Escolas Lesam as Meni-
nas".
A AAUW distribuiu os resultados em encartes e panfletos atraentes, forne-
cendo a todas as partes interessadas, especialmente jornalistas, resumos e
destaques convenientes que poderiam servir de base para suas histórias.
Escrevendo o prefácio do novo relatório, Alice McKee, presidente da Fun-
dação Educacional da AAUW, repetiu e reforçou o tema do primeiro estudo
da AAUW: "A riqueza da evidência estatística deve convencer até mesmo
os mais céticos de que preconceitos de gênero em nossas escolas estão pre-
judicando as meninas – e comprometendo nosso país... A evidência está
dentro, e o quadro é claro: lesar as meninas – as mulheres de amanhã – lesa
a América."
As descobertas da Wellesley revelaram-se ainda mais midiáticas do que a
pesquisa Greenberg-Lake sobre autoestima, gerando mais de 1.400 histó-
rias de jornalistas e apresentadores. O San Francisco Chronicle relatou o
186

"terrível desperdício de talentos femininos". "Poderoso impacto do precon-


ceito contra as meninas", gritou o Los Angeles Times. A revista Time infor-
mou aos seus leitores que "a pesquisa mais recente conclui que a diferença
de gênero vai muito além da persistente vantagem dos meninos em mate-
mática e ciências". O Boston Globe enfatizou a angústia das meninas:
"Desde os primeiros dias na escola, meninas americanas enfrentam uma
onda de preconceito de gênero, variando de assédio sexual a discriminação
no currículo até a falta de atenção dos professores, de acordo com uma
pesquisa divulgada hoje em Washington". O New York Times opinou com
"O preconceito contra as meninas é abundante nas escolas, com danos per-
manentes”.
A AAUW foi rápida em aproveitar a generosidade fornecida por uma coo-
perativa e confiante imprensa. A maioria das matérias da imprensa citadas
acima foi reimpressa em folhetos mostrando como "a AAUW está fazendo
manchetes". Todo o artigo adulatório da revista Time tornou-se parte do
pacote promocional da AAUW.
Mais uma vez, a divulgação de um sensacional estudo da AAUW foi a oca-
sião para um encontro de pessoas que seriam influentes no pedido de ação
da Associação em nível federal. Nos dias 27 a 29 de abril de 1992, o Conse-
lho de Fundações, uma organização de líderes das mais poderosas organi-
zações filantrópicas da América, reuniu-se no Fountainbleau Hilton Resort,
em Miami Beach. As pesquisadoras feministas da AAUW e da Wellesley re-
alizaram uma festa de queijos e vinhos para os filantropos – com kits de
informações generosamente produzidos que anunciavam os resultados da
Wellesley, saudando sua importância e alegando a necessidade urgente de
financiamento. Susan Faludi fez um discurso sobre "a guerra não declarada
contra as mulheres americanas".
O próximo passo já estava em andamento. A proposta de "Equidade de Gê-
nero na Educação" de US $ 360 milhões foi apresentada ao Congresso em
abril de 1993 pelo bipartidário Comitê Eleitoral para Questões Femininas.
Entre os patrocinadores do projeto, estavam Patricia Schroeder, Olympia
Snowe, Susan Molinari, Patsy Mink, Connie Morella, Nita Lowey, Dale Kil-
dee, Lynn Woolsey, Cardiss Collins, Jolene Unsoeld e Louise Slaughter. A Lei
de Equidade de Gênero na Educação (H.R. 1793) estabeleceria uma buro-
cracia de equidade de gênero permanente e bem financiada. Ela pede um
187

Escritório de Equidade das Mulheres dentro do Departamento de Educa-


ção, encarregado de "promover e coordenar as políticas, programas, ativi-
dades e iniciativas de equidade das mulheres em todos os programas e es-
critórios federais de educação".
Politicamente, um projeto de lei que pedisse equidade de gênero pareceria
ter um rumo claro para além de quaisquer méritos que ele pudesse ou não
ter. Por um lado, ofereceu a alguns membros do Congresso uma boa opor-
tunidade para mostrar que eles eram sensíveis às questões das mulheres.
Por outro lado, os perigos de desafiar a AAUW ou o Centro de Pesquisa so-
bre Mulheres da Faculdade Wellesley eram óbvios.
A congressista Patricia Schroeder citou o Relatório Wellesley ao apresentar
o projeto. Para ela, o relatório era uma fonte inquestionável
de verdade: as meninas de nossa nação estão sendo siste-
maticamente minadas e o Congresso deve agir. Em setem-
bro de 1993, os senadores Edward Kennedy, Tom Harkin,
Carol Moseley-Braun, Paul Simon e Barbara Mikulski apre-
sentaram uma versão do Senado da Lei de Equidade de Gênero na Educa-
ção. Referindo-se ao Relatório Wellesley, o Senador Kennedy disse: "[Ele]"
refuta a suposição comum de que meninos e meninas são tratados igual-
mente em nosso sistema educacional. Claramente eles não são."
Os oficiais das poderosas fundações que haviam sido home-
nageados pela AAUW em Miami eram representados por
Walteen Grady Truely, que compareceu perante o subco-
mitê do Congresso para defender a Lei de Equidade de Gê-
nero na Educação. Ela pontuou que "a autoestima das meni-
nas cai entre a pré-adolescência e a 10ª série". Como Pat Schroeder, Olym-
pia Snowe, o senador Kennedy e outros, Truely parece ter confiado nos fo-
lhetos da AAUW.
Todo mundo espera que o projeto seja aprovado. O Conselho Nacional de
Pesquisas em Mulheres ficou feliz em relatar o sucesso da AAUW como um
exemplo inspirador de como a pesquisa de mulheres pode levar direta-
mente à ação do Congresso:
No ano passado, um relatório da Associação Americana das Mulheres Uni-
versitárias (AAUW) documentou sérias desigualdades na educação de me-
ninas e mulheres. Como resultado desse trabalho, um pacote abrangente
188

de legislação, a Lei de Equidade de Gênero na Educação (HR 1793), foi re-


centemente apresentado pela Câmara dos Deputados... A apresentação do
HR 1793 é um marco para demonstrar vínculos valiosos entre pesquisa fe-
minista e política na investigação da discriminação de gênero na educação.
Que os vínculos são valiosos para quem faz a pesquisa é inquestionável. O
que é altamente questionável é o valor e a integridade da pesquisa e o
modo como os defensores implementaram as "descobertas" para mobilizar
o Congresso dos Estados Unidos.

***

As meninas estão realmente sendo insidiosamente prejudicadas pelos nos-


sos sistemas escolares? Essa questão, na verdade, continua a ser investi-
gada. Todo mundo sabe que precisamos melhorar nossas escolas, mas as
meninas estão em pior situação do que os meninos? Se alguém insistir em
se concentrar em quem está em pior situação, não demorará muito para
ver que, educacionalmente falando, os meninos são o gênero mais fraco.
Considere que hoje 55% dos estudantes universitários são do sexo femi-
nino. Em 1971, as mulheres recebiam 43% dos graus de bacharel, 40% dos
mestrados e 14% dos doutorados. Em 1989, os números cresceram para
52% para os graus de bacharel, 52% para os de mestrado e 36% para os de
doutorados. As mulheres ainda estão atrás dos homens na obtenção de
doutorados, mas, de acordo com o Departamento de Educação dos EUA, o
número de doutorados concedidos a mulheres aumentou em 185% desde
1971.
O estudo de Wellesley dá muita atenção a como as meninas estão atrasadas
em matemática e ciências, embora os diferenciais dos testes de matemática
e ciências sejam pequenos em comparação com os grandes diferenciais que
favorecem as meninas na leitura e na escrita. Nos Testes de Progresso da
Avaliação Nacional da Educação (NAEP), administrados a jovens de 17 anos
em 1990, os homens superaram as mulheres em 3 pontos em matemática
e 11 pontos em ciências. As meninas superaram meninos por 13 pontos na
leitura e 24 pontos na escrita.
As meninas superam os meninos em todas as atividades extracurriculares,
exceto esportes e clubes de hobby. Quase duas vezes mais meninas do que
189

meninos participam de clubes estudantis, de bandas e orquestras, de teatro


ou de serviço. Mais meninas trabalham nos jornais e anuários escolares.
Mais são membros de sociedades de honra e serviços. Meninos superam
em muito as meninas nos esportes, mas essa diferença está diminuindo a
cada ano. Em 1972, apenas 4% das meninas estavam em programas espor-
tivos do ensino médio. Em 1987, o número era de até 26%, mais do que um
aumento de seis vezes.
Na frente puramente acadêmica, o progresso continua em ritmo acelerado.
A pesquisa anual do Instituto de Pesquisa de Ensino Superior da UCLA para
calouros de faculdades mostra que mais mulheres (66%) do
que homens (63%) planejam obter diplomas avançados. Os
dados da UCLA mostram uma triplicação, em menos de 25
anos, na porcentagem de mulheres que buscam graus mais
altos. Como o diretor do instituto, Alexander Astin, observa:
"Fechar uma lacuna tão ampla no período relativamente
curto de duas décadas é realmente notável." David Merkowitz, do Conselho
Americano de Educação, concorda: "Se você quer um indicador de longo
prazo de grande mudança social, este é um". Mas os indicadores de que as
meninas estão indo bem não são as coisas que você encontra no Relatório
Wellesley.
O relatório ilegitimamente reforça a sua tese de que "as meninas são lesa-
das", omitindo todas as comparações de meninos e meninas em áreas onde
os meninos estão claramente com problemas. Em um estudo de autorrela-
tos de estudantes do ensino médio, o Departamento de Educação dos Es-
tados Unidos descobriu que mais meninos do que meninas matam aulas,
não fazem tarefas escolares, têm problemas disciplinares, foram suspensos
e tiveram problemas com a polícia. Estudando transcrições de formandos
do ensino médio de 1982, o Departamento de Educação descobriu que as
meninas superam os meninos em todos os assuntos, da matemática ao in-
glês e à ciência. Também aprendeu que, em todos os grupos raciais e étni-
cos, "as mulheres geralmente eram mais propensas que os homens a rela-
tar que seus pais queriam que elas frequentassem a faculdade".
Os pesquisadores da Wellesley analisaram as melhores notas das meninas
nas aulas de matemática e ciências e concluíram que os testes padronizados
devem ser tendenciosos. Afinal, as meninas tiram melhores notas, mas os
190

meninos estão melhores nos testes. Mas sua conclusão teria tido mais cre-
dibilidade se também tivessem considerado a possibilidade de que hou-
vesse um preconceito contra os meninos na hora de dar as notas.
De acordo com o Digest of Educational Statistics (Resumo das Estatísticas
Educacionais) de 1992, mais meninos desistem da escola. Entre 1980 e
1982, 19% dos homens e 15% das mulheres entre a 10ª e a 12ª série aban-
donaram a escola. Os meninos são mais propensos a serem roubados, ame-
açados e atacados dentro e fora da escola. Quase todas as patologias – in-
cluindo o alcoolismo e o abuso de drogas – atingem mais os meninos. De
acordo com o Relatório Wellesley, "as adolescentes são quatro a cinco ve-
zes mais propensas que os meninos a tentar o suicídio". Ele menciona entre
parênteses que mais meninos realmente morrem, mas não diz que cinco
vezes mais meninos do que meninas conseguem se matar. Para os rapazes
de 15 a 24 anos, o número é de 21,9 por 100.000; para as meninas é de 4,2
por 100.000. A taxa de suicídio de adultos não é muito diferente. Nos Esta-
dos Unidos, em 1990, 24.724 homens e 6.182 mulheres cometeram suicí-
dio. O que os pesquisadores de Wellesley e outros defensores fizeram des-
sas estatísticas que tinham os números invertidos?
As tribulações dos estudantes não são uma preocupação urgente da lide-
rança da AAUW; seu interesse está em estudos que revelam preconceitos
contra meninas e mulheres. Para obter detalhes sobre como as meninas
americanas sofrem com o tratamento desigual nas salas
de aula do país, os investigadores da Wellesley confiaram
muito na experiência de Myra e David Sadker, da Escola
de Educação da Universidade Americana, que já haviam
encontrado o tipo de coisa com que a AAUW estava pre-
ocupada: "Em um estudo conduzido por Myra e David
Sadker, os meninos do ensino fundamental e médio de-
ram respostas oito vezes mais do que as meninas. Quando os meninos res-
pondiam, os professores escutavam. Mas quando as meninas respondiam,
diziam-lhes para ‘levantar a mão se você quiser falar’." A diferença em “res-
postas ignoradas” tornou-se um tema favorito entre aqueles que procuram
mostrar como as meninas estão sendo enganadas. Pat Schroeder repetiu
fielmente a alegação na introdução de Lei de Equidade de Gênero na Edu-
cação: "Os professores são mais propensos em chamar os meninos e dar-
191

lhes feedback construtivo. Quando os meninos dão as respostas, os profes-


sores tendem a ouvir seus comentários. Mas as meninas que dão suas res-
postas são repreendidas e instruídas a levantar as mãos."
Os Sadkers observam professores em sala de aula há mais de duas décadas,
reunindo seus dados sobre o preconceito de gênero. Convencidos de que
"as escolas americanas enganam as meninas", como diz o subtítulo de seu
novo livro, Failing at Fairness (Falha na Imparcialidade), eles criaram estra-
tégias para livrar professores (a maioria dos quais são mulheres) de seus
preconceitos inconscientes de gênero que os Sadkers sentem ser a raiz do
problema. O último livro dos Sadkers descreve seu trabalho como a "espi-
nha dorsal" do Relatório Wellesley, e eles estão entre os principais autores
do relatório. Certamente, o trabalho deles forneceu apoio fundamental
para a alegação do relatório de que "quer se olhe para salas de aula pré-
escolares ou auditórios universitários, para professoras ou professores, a
pesquisa nos últimos 20 anos revela consistentemente que os homens re-
cebem mais atenção do professor do que as mulheres".
Os professores tendem a não se surpreender ao ouvir que os meninos em
suas aulas podem estar recebendo mais atenção – os meninos tendem a ser
mais desordeiros nas salas de aula e a exigir mais supervisão. Mas isso é um
sinal ou forma de discriminação? Apesar de suas décadas de atenção ao
problema, os Sadkers não nos fornecem nenhuma evidência plausível de
que as meninas estão perdendo porque os professores estão menos aten-
tos a elas. Em vez disso, eles argumentam que é evidente que "o recurso
mais valioso em uma sala de aula é a atenção do professor. Se o professor
está dando mais desse valioso recurso a um grupo, não é surpresa que o
grupo mostre maiores ganhos educacionais."
Como vimos, no entanto, as evidências sugerem que são os meninos que
estão sofrendo um déficit acadêmico geral. Os meninos têm um desempe-
nho um pouco melhor em testes de matemática padronizados, mas até essa
lacuna é pequena e está se fechando. Na Avaliação Internacional do Pro-
gresso Educacional de 1991 (IAEP), o Serviço de Testes Educacionais desco-
briu que, em uma escala de 100, as garotas americanas de 13 anos de idade,
em média, ficam 1 ponto abaixo dos meninos. E essa pequena diferença é
totalmente insignificante em comparação com a lacuna que separa os estu-
dantes americanos de seus equivalentes estrangeiros. Meninas taiwanesas
192

e coreanas estão mais de 16 pontos à frente dos meninos americanos neste


mesmo teste.
Além de avaliar as habilidades, o Serviço de Testes Educacionais perguntou
aos estudantes de todo o mundo se eles achavam ou não que a matemática
era "para meninos e meninas igualmente". Na maioria dos países, incluindo
os Estados Unidos, quase todos os alunos concordaram que sim. As exce-
ções foram Coréia, Taiwan e Jordânia. Na Coreia, 27% disseram que a ma-
temática era mais para meninos; em Taiwan e Jordânia, o número foi de
15%. "É interessante", observa o relatório, "que os três países que tinham
maior probabilidade de ver a matemática como ligada ao gênero... não exi-
biam diferenças significativas no desempenho por gênero". E as meninas de
dois desses países – Coréia e Taiwan – superaram os meninos americanos.
Pelo menos para a IAEP, parece que as atitudes ligadas ao gênero em rela-
ção à matemática não estão fortemente correlacionadas com o desempe-
nho. O Serviço de Testes Educacionais encontrou uma variável-chave rela-
cionada positivamente com o desempenho em todo o mundo: a quantidade
de tempo que os alunos gastaram em sua lição de casa de matemática –
independentemente do sexo.
Apesar disso, o Relatório Wellesley mantém suas alegações. Enfrentar o
problema de gênero é a primeira medida para tornar a América educacio-
nalmente forte para a economia global do futuro.
Em qualquer caso, a desigualdade de gênero na forma de desatenção do
professor em relação às meninas é o resultado a que chega a pesquisa dos
Sadkers, e muitas das conclusões da Wellesley dependem completamente
de sua perícia e probidade para se sustentar. Os Sadkers, que coletaram
dados de mais de 100 classes da quarta, sexta e oitava séries, constataram
que os meninos não apenas receberam mais reprimendas, mas também
mais feedback de todos os tipos: "As salas de aula foram caracterizadas por
um ambiente mais geral de desigualdade: havia os 'tens' e os 'não tens' de
atenção do professor... Os estudantes do sexo masculino receberam signi-
ficativamente mais correção, crítica e elogios do que as alunas do sexo fe-
minino."
Quanto custa isso?, eu me perguntei. E o quanto, se é que existe, a dispari-
dade na atenção está correlacionada com uma disparidade no desempenho
dos alunos? Eu estava curiosa para ler os trabalhos de pesquisa dos Sadkers.
193

O Relatório Wellesley leva os leitores ao Phi Delta Kappan para detalhes


técnicos sobre as descobertas dos Sadkers. Mas o Phi Delta Kappan não é
um jornal de pesquisa, e as publicações dos Sadkers são muito curtas – me-
nos de quatro páginas cada, incluindo ilustrações e cartuns – e apenas rea-
firmam as suas alegações sem dar detalhes sobre a pesquisa que as apoia.
Em duas buscas exaustivas na base de dados de educação (ERIC), não pude
encontrar artigos acadêmicos revisados por pares dos Sadkers nos quais
seus dados e suas reivindicações sobre as interações em sala de aula fossem
definidos. Os próprios Sadkers não fazem referência a tais artigos no Rela-
tório Wellesley, nem em sua revisão de 1991 da literatura sobre precon-
ceito de gênero na Revisão de Pesquisa em Educação, nem em Failing at
Fairness. O Relatório Wellesley remete os leitores aos relatórios finais sobre
os estudos não publicados dos Sadkers sobre desigualdades em sala de
aula. Os Sadkers fizeram dois destes, em 1984 e 1985, ambos apoiados por
subsídios do governo. O primeiro é chamado Ano Três: Relatório Final, Pro-
movendo a Eficácia no Ensino em Sala de Aula (financiado pelo Instituto
Nacional de Educação, 1984); o outro é chamado de Relatório Final: Desen-
volvimento do Corpo Docente para a Eficácia e Equidade no Ensino Superior
(patrocinado pelo Fundo para a Melhoria do Ensino Superior - FIPSE - 1985).
Como as conclusões do Relatório Wellesley se baseiam em estudos como
esses, eu estava determinado a consegui-los. Mas achei ainda mais difícil
colocá-los em minhas mãos do que a pesquisa da AAUW sobre a autoes-
tima.
O estudo de 1985 da FIPSE parece ter desaparecido completamente. Depois
de exaustivas pesquisas na biblioteca e no computador, liguei para o Depar-
tamento de Educação, que me informou que não tinha mais uma cópia. A
bibliotecária da Biblioteca Widener, da Universidade de Harvard, fez uma
busca por computador tão completa e de alta tecnologia como eu nunca
tinha visto. Finalmente, ela solicitou da Biblioteca do Congresso. "Se eles
não têm, ninguém mais tem", disse ela – e eles não tinham.
Enquanto isso, uma de minhas assistentes de graduação chamou David Sad-
ker para perguntar como encontrá-lo. Ele disse a ela que não tinha uma
cópia e pediu que ela desse uma olhada no artigo no Phi Delta Kappan. Nós
tínhamos completado o círculo.
194

Eu encontrei o outro estudo: Ano Três: Relatório Final, Promovendo a Eficá-


cia na em Sala de Aula. Estava disponível na Biblioteca de Educação da Uni-
versidade de Harvard em microfilme, a 25 centavos a página. Segurando as
189 páginas fotocopiadas do microfilme, imaginei se poderia ser a única
pessoa no mundo – além dos Sadkers e de alguns de seus alunos de pós-
graduação – a examinar seu conteúdo. No entanto, ele contém os dados
por trás da tese, agora na ponta da língua de muitos políticos, de que as
meninas estão sofrendo uma lacuna de atenção que compromete seria-
mente sua educação.
O que os Sadkers descobriram? Eles e seus assistentes visitaram centenas
de salas de aula do ensino fundamental e observaram as interações dos
professores com os alunos. Eles identificaram quatro tipos de comentários
do professor: elogio ("boa resposta"), aceitação ("OK"), correção ("Tente
novamente, pense com mais afinco desta vez") e críticas ("Errado"). Eles
determinaram que menos de 5% das interações dos professores constitu-
íam críticas. O elogio foi responsável por cerca de 11% da interação; 33%
foi correção. O restante (aproximadamente 51 – 56%) foi uma branda acei-
tação. Embora meninos e meninas tenham chegado perto da mesma quan-
tidade de aceitação branda ("Ok"), os meninos obtiveram uma participação
maior nas outras categorias. O número exato é difícil de determinar a partir
dos dados. Em seus muitos artigos publicados, os Sadkers geralmente não
especificam o tamanho real da diferença, mas, em vez disso, fazem alega-
ções sobre discrepâncias sem especificá-las: "As meninas receberam menos
do que a sua parte em todas as categorias".
Considerando o tipo de observação que os Sadkers e seus pesquisadores
fizeram, as chances de viés do observador na seleção dos dados são extra-
ordinariamente altas. É muito fácil "encontrar" exatamente o que alguém
acredita estar lá. Como já observei, o Relatório Wellesley baseia-se forte-
mente na pesquisa dos Sadkers que supostamente encontrou meninos res-
pondendo oito vezes mais do que meninas, com meninos
sendo respeitosamente atendidos, enquanto as relativa-
mente poucas meninas que responderam ouviram a res-
posta: "Por favor, levante suas mãos se você quiser falar."
O professor Jere Brophy, do Estado de Michigan, que é tal-
vez o estudioso mais proeminente trabalhando na área de
interação em sala de aula, desconfia das descobertas dos Sadkers sobre as
195

respostas espontâneas dos alunos. "É muito radical", diz ele. "Tudo de-
pende da vizinhança, do nível da turma e do professor. Muitos professores
simplesmente não permitem esse tipo de resposta." Eu perguntei a ele so-
bre a alegação dos Sadkers de que os meninos recebem comentários mais
cuidadosos e atenciosos dos professores. De acordo com Brophy, quaisquer
diferenças que estão aparecendo são negligentemente leves. Será que ele
viu uma ligação entre os modos como os professores interagem com meni-
nos e meninas em seu trabalho? "Não, e é por isso que eu nunca tentei fazer
tantas descobertas sobre diferenças sexuais."
Sobre os detalhes das descobertas dos Sadkers, o Relatório Wellesley re-
fere-se à pesquisa relatada em um volume de 1981 de um periódico cha-
mado The Pointer. O Pointer agora está extinto, mas quando finalmente li o
artigo fiquei surpresa ao ver que o que ele dizia sobre a disciplina na sala de
aula em particular não era, na minha opinião, indicativa de preconceito con-
tra as meninas. Essa parte do artigo do Pointer não se concentra nas "res-
postas espontâneas", mas em como os professores repreendem meninos e
meninas de maneira diferente, enfatizando que os meninos são mais repre-
endidos do que as meninas. Eis o que os Sadkers e seu coautor, Dawn Tho-
mas, descobriram:
Os meninos, especialmente os de baixo desempenho, recebem de oito a dez
vezes mais repreensões do que suas colegas de classe... Quando meninas e
meninos se comportam igualmente mal, os meninos ainda são mais discipli-
nados. Pesquisas mostram que, quando os professores enfrentam compor-
tamentos disruptivos de meninos e meninas, eles têm três vezes mais chan-
ces de repreender os meninos do que as meninas. Além disso, é mais prová-
vel que os meninos sejam repreendidos de maneira áspera e pública e rece-
bam penas mais pesadas; as meninas são mais propensas a serem repreen-
didas de maneira mais suave e privada e a receber penas mais leves.
O artigo não diz nada sobre "respostas espontâneas" e nada sobre ser dito
às garotas para levantar as mãos se elas quiserem falar. No entanto, ele é
citado como a fonte das repetidas alegações do Relatório sobre esse as-
sunto. Pensando que talvez eu estivesse errada, examinei um artigo de
1991 da Review of Research in Education (Revisão da Pesquisa em Educa-
ção) dos próprios Sadkers, no qual eles também citam a pesquisa relatada
no artigo do Pointer:
196

D. Sadker, Sadker e Thomas (1981) relataram que os meninos eram oito ve-
zes mais propensos do que as meninas a responder espontaneamente nas
salas de aula do ensino fundamental e médio. Quando os meninos respon-
diam, a reação mais frequente do professor era aceitar o chamado e conti-
nuar com a aula. Quando as meninas respondiam, um fenômeno muito mais
raro, a reação mais típica do professor era corrigir o comportamento inade-
quado com comentários como "nesta aula, levantamos nossas mãos".
Mas os Sadkers estão citando a si mesmos de forma equivocada; o Pointer
não contém tais descobertas. O apoio à alegação dos Sadkers sobre as "res-
postas espontâneas" pode muito bem existir. Mas deixando de lado tanto
o Relatório Wellesley quanto o aparente erro dos Sadkers em citar o artigo
do Pointer para sustentar sua tese, pode-se notar que a alegação sobre
"respostas espontâneas" mantém os tambores da indignação batendo e ali-
mentando a noção de que as garotas americanas "passam anos aprendendo
as lições de silêncio nas salas de aula do ensino fundamental, secundário e
universitário", após o que elas acham difícil ou impossível "recuperar suas
vozes".
Suponha, de fato, que os professores atendam os meninos com mais fre-
quência. Não há provas claras de que as meninas perdem por causa disso.
As meninas estão tirando notas melhores, gostam mais da escola, desistem
menos, e mais delas vão para a universidade. Se a atenção do professor
estivesse brutalmente correlacionada com o desempenho do aluno, sería-
mos levados à conclusão perversa de que mais atenção causa pior desem-
penho.
De qualquer forma, não consegui encontrar nenhum estudo que mostrasse
uma relação direta entre a interação entre professor e aluno e o rendi-
mento dos alunos. Olhando para o Ano Três: Relatório Final, noto que os
Sadkers também reconhecem que "neste ponto, não é possível estabelecer
ligações diretas de causa e efeito entre o comportamento do professor e os
resultados dos alunos".
O Relatório Wellesley cita outros estudos supostamente corroborativos da
afirmação de que a falta de atenção dos professores equivocadamente pre-
judica as colegiais americanas. Mas, novamente, as fontes citadas não pro-
vam o ponto. Por exemplo, um estudo do governo intitulado Relatório Final:
Um Estudo da Equidade Sexual na Educação em Sala de Aula feito por Mar-
laine Lockheed, especialista em educação do Departamento de Educação e
197

Política Social do Banco Mundial, diz que os meninos ganham mais atenção
dos professores; no entanto, resumindo suas descobertas, Lockheed nega
que isso deva ser interpretado em termos de desigualdade de gênero: "Os
dados do estudo não apoiam a noção de que os professores desempenham
um papel importante na criação e manutenção das desigualdades. Apesar
dos resultados de que os meninos são mais disruptivos (e, portanto, rece-
bem mais atenção do professor), os dados sugerem que os professores res-
pondem à natureza do comportamento e não ao gênero do estudante".
Outro estudo citado no relatório adverte que "neste momento, todos os
comentários sobre os efeitos potenciais de vários padrões de comporta-
mento professor-criança no desenvolvimento social e cognitivo são alta-
mente especulativos". O relatório também inclui uma referência a uma pes-
quisa feita em 1989 por M. Gail Jones. O artigo não contém nenhum dado
original, mas sim um breve resumo de 20 artigos sobre preconceito na in-
teração em sala de aula. A partir da pesquisa de Jones, os estudos – alguns
mais bem delineados do que outros – parecem inconclusivos. Muitos pes-
quisadores encontram mais interação do professor com os garotos mais de-
sordeiros – mas nenhum deles mostrou que isso prejudica as garotas. Um
estudo de 1987 de K. Tobin e P. Garnett descobriu que alguns alunos "mar-
cados" na sala de aula de ciências tendiam a dominar as interações em sala
de aula, e esses alunos tendiam a ser homens. Mas um estudo mais apro-
fundado dos alunos “marcados” pela própria Jones descobriu que "embora
os alunos ‘marcados’ fossem mais do sexo masculino do que do feminino,
as estudantes ‘marcadas’ tiveram em média mais interações por aula do
que os alunos do sexo masculino". Esse tipo de resultado é típico do status
da pesquisa nessa área. Faz pensar se o estudo da interação aluno-profes-
sor, usando o gênero como uma categoria-chave e o "preconceito inconsci-
ente" como um parâmetro possível, vale todo o trabalho.
Por incrível que pareça, os autores do Relatório Wellesley mencionam,
quase como um aparte, que "novas evidências indicam que é muito cedo
para estabelecer uma conexão definitiva entre um comportamento especí-
fico do professor e um resultado particular do aluno". O relatório não diz o
que é essa nova evidência e nunca a menciona novamente. Também não
nos é dito por que a existência de tal evidência não vicia a conclusão sensa-
cional do relatório de que o preconceito de gênero que favorece os meni-
nos é abundante e sua correção é uma questão de urgência nacional. Para
198

dizer o mínimo, a literatura sobre o assunto de preconceito em sala de aula


parece confusa, e não pouco confusa.

***

A pesquisa de advocacia sobre o preconceito de sala de aula não importaria


muito, não fosse a falta de ceticismo por parte dos legisladores que agora
veem a equidade de gênero na sala de aula como uma questão nacional
crítica. O testemunho de Anne Bryant, diretora executiva da AAUW, pe-
rante o Congresso, em abril de 1993, em favor da Lei de Equidade de Gê-
nero na Educação, é típico do que se ouviu:
Myra e David Sadker, da Universidade Americana, e outros pesquisadores
documentaram extensivamente o preconceito de gênero nas interações
professor-aluno... Os professores tendem a dar menos atenção às meninas,
com alguns estudos mostrando que os professores direcionam 80% de todas
as suas perguntas aos meninos.
Em sua apresentação, a Sra. Bryant indicou que a AAUW havia trabalhado
com o Comitê Parlamentar sobre a Questão das Mulheres para desenvolver
o projeto de lei e prometeu que "continuaremos a trabalhar com vocês à
medida que o pacote coletivo de ações educacionais para a equidade se
movimenta pelo Congresso".
Foi um relacionamento próximo. A redação do projeto ecoou a do folheto
da AAUW:
Pesquisas revelam que, em todos os níveis de sala de aula, as meninas rece-
bem tratamento diferente dos professores em relação aos meninos... Para
resolver esse problema, essa legislação criaria programas para fornecer
treinamento de professores na identificação e eliminação de práticas desi-
guais na sala de aula.
Os membros do Congresso têm equipes competentes e inteligentes que es-
tão acostumadas a verificar todos os tipos de reivindicações feitas por gru-
pos de interesses especiais. Espera-se que eles analisem os dados por trás
das brochuras da AAUW e da Wellesley antes de votar milhões de dólares
para a Lei de Equidade de Gênero e nos obrigar a colher os frutos amargos
da iniciativa irresponsável e divisora da AAUW.
199

***

Por causa do papel fundamental que os Sadkers estavam desempenhando


nas iniciativas da AAUW e do Wellesley, eu estava curiosa para descobrir
mais sobre eles. A oportunidade surgiu quando fui convidada a participar
de uma discussão sobre preconceito de gênero nas escolas promovida pelo
programa da rádio da PBS "Talk of the Nation". O produtor explicou que
haveria quatro de nós: os Sadkers, Sharon Steindam, uma administradora
escolar de Arlington, Virgínia, e eu. Eu não sabia nada sobre a Sra. Steindam,
mas o produtor da PBS me disse que ela tinha alguma familiaridade com as
oficinas de preconceito de gênero dos Sadkers e estava preparada para dis-
cutir as dificuldades de aplicar suas recomendações na sala de aula. De mi-
nha parte, fiquei grata por poder conhecer a opinião de uma educadora ex-
periente.
Uma vez no ar, os Sadkers mantiveram suas ideias. Eu le-
vantei questões sobre seus métodos de pesquisa e conclu-
sões. Depois de um tempo, o mediador Ira Glass apresen-
tou a Dr. Steindam como alguém que estava preparada
para falar sobre "alguns dos problemas de estar atenta ao
preconceito de gênero na sala de aula" (ênfase dele).
Mas a Dr. Steindam não viu nenhum problema a relatar. Ela tinha apenas
os maiores elogios ao programa dos Sadkers e nos contou como os profes-
sores descobriram "horrorizados" quão sexistas eles eram. Ira Glass clara-
mente não esperava essa resposta. Ele disse: "Agora houve problemas para
implementá-lo (sua ênfase)?" Mais uma vez ela falou sobre como as oficinas
foram esclarecedoras. Ela ficou satisfeita com o fato de o estado da Virgínia
ter feito uma "doação de US $ 5.000 ou US $ 10.000 para financiar o
workshop dos Sadkers" e garantiu que o dinheiro era "absolutamente mí-
nimo".
Depois que o programa foi ao ar, meu telefone tocou: era um colega dos
Sadkers da Universidade Americana. Ele me disse que Steindam não era a
intrusa objetiva que parecia ser no programa da PBS. Ela fora aluna dos Sad-
kers e escrevera sua tese de doutorado com eles. Ela coautorou com eles
um artigo chamado "Equidade de Gênero e Reforma Educacional".
200

Eu não podia acreditar que a PBS sabia sobre esse relacionamento sem me
dizer antes do show, então liguei para Ira Glass. Ele sabia que Steindam es-
tava familiarizada com os métodos de treinamento dos Sadkers, mas não
fazia ideia de que ela era sua colega e coautora.
O professor da Universidade Americana era cético em relação às técnicas
de coleta de dados dos Sadkers em geral. "Eles, ou seus alunos de pós-gra-
duação, sentam-se em salas de aula e calculam quantas vezes os professo-
res elogiam, criticam, etc., meninos versus meninas. As possibilidades de
interpretação subjetiva são infinitas."
Ele também me contou sobre seu encontro com uma das alunas dos Sad-
kers, que estava fazendo pesquisas para sua própria tese:
Uma estudante de doutorado deles usou uma das minhas aulas em sua pes-
quisa. No final de sua primeira visita, ela disse: "Você está ferrando meus
dados". Quando eu mostrei surpresa, ela disse: "Sim, você é uma das classes
de controle e você deve mostrar preconceito, mas você não o faz." Ela veio
para essa classe mais duas vezes e, a cada vez, descobria mais preconceito.
Na verdade, da última vez que ela observou, os números pareciam tão de-
sequilibrados e não refletiam de jeito nenhum a maneira como a turma ia,
que eu pedi à minha assistente de pós-graduação que fizesse uma pesquisa
com os alunos para ver se suas lembranças concordavam com os números
que ela anotava... Em todos os casos, os estudantes do sexo masculino lem-
braram de ser chamados para responder a alguma pergunta muito menos
vezes, e as estudantes do sexo feminino muito mais vezes do que seus nú-
meros indicavam. Eu desconfio dessa pesquisa.
Algo mais aconteceu durante o show da PBS que aumentou minha própria
desconfiança sobre esses métodos de pesquisa. Na metade do programa,
uma mulher chamada Lisa ligou. Ela se identificou como uma feminista e
passou a admoestar Ira Glass, o moderador muito educado e respeitoso da
PBS, por interromper Myra e eu "sete vezes", mas David Sadker, o homem
solitário, "nem uma única vez." Glass ficou claramente abalado com esse
ataque. David Sadker ficou feliz por ter esta confirmação pura de sua tese.
"Lisa está certa", disse ele, e deu uma breve palestra sobre como as mulhe-
res são muito mais interrompidas do que os homens.
201

Voltei para a fita da PBS com um cronômetro. Até o ponto em que Lisa ligou,
David Sadker havia falado por um total de dois minutos, e eu e Sadker fala-
mos por seis minutos cada uma. É verdade que fomos mais interrompidas -
mas falamos três vezes mais! Glass interrompeu o Sr. Sadker aproximada-
mente uma vez a cada 52 segundos. Ele interrompeu a sra. Sadker e a mim
uma vez a cada 93 segundos. Com efeito, o sr. Glass interrompera quase
duas vezes mais seu convidado do sexo masculino do que suas convidadas
do sexo feminino. Além disso, enquanto um Sr. Sadker interrompido ficou
em silêncio, a senhora Sadker e eu insistimos em terminar o que estávamos
dizendo.
Em 7 de abril de 1992, o "Dateline" da NBC News, apresentado por Jane
Pauley e Stone Phillips, tinha Myra e David Sadker como convidados. A Sra.
Pauley começou:
O relatório [Wellesley] cita dados compilados na última década por uma
equipe de pesquisa formada por marido e mulher. Os doutores David e Myra
Sadker, da Universidade Americana, são os principais especialistas em pre-
conceito de gênero. Nós os contratamos como consultores para observar a
Srta. Lowe [professora] e analisar nossa fita de vídeo em busca de evidên-
cias de preconceito contra as meninas.
Uma equipe da "Dateline" havia filmado a aula da escola primária de Lowe
por várias horas. Alguns minutos disto foram mostrados. Em uma cena, as
crianças estavam trabalhando silenciosamente em suas
mesas, e Lowe estava se movendo de um menino para ou-
tro, fazendo comentários breves e cuidadosos. Ela então foi
até uma garota, mas não disse nada de importância para
ela. Na locução, Jane Pauley disse animadamente: "Lem-
bre-se, ela sabe que nossas câmeras estão lá, e ela sabe que
estamos procurando por preconceitos de gênero". Pauley
ficou visivelmente chocada com o que ela considerava o comportamento
machista de Lowe: "Então os garotos estão recebendo a mensagem de que
o que eles têm a dizer é importante, e as meninas começam a concluir exa-
tamente o oposto, com sérias consequências".
Liguei para a Sra. Lowe. Ela concorda com os objetivos da pesquisa dos Sad-
kers e acredita que os professores podem apresentar um preconceito in-
consciente. Ela mesma participou de uma apresentação de professores em
apoio à Lei de Equidade de Gênero na Educação. No entanto, ela achava
202

que o programa "Dateline" era uma farsa. "Essa aula estava repleta de me-
ninos", ela disse. "É claro que chamei mais garotos. Um bom documentário
deve dizer a proporção de garotos para garotas na classe. Havia quatro ou
cinco garotos a mais do que garotas." Além disso, ela apontou, a equipe do
"Dateline" filmou-a por oito a dez horas, mas apenas alguns minutos foram
mostrados. Claro que foi possível encontrar em todas as filmagens uma pe-
quena sequência que parecia mostrar preconceito. "Por esse método",
Lowe observou com desdém, "eles poderiam documentar quase tudo". (A
propósito, o segmento foi ao ar logo após a NBC ter resistido ao embaraço
de exibir um "documentário" sobre os perigos dos caminhões da GM cujos
tanques de gasolina estavam localizados na lateral. Acontece que uma
equipe da NBC colocou um explosivo num caminhão e, em seguida, grafica-
mente "mostrou" como o impacto fez o tanque de combustível explodir
sem explicar como as imagens foram manipuladas.)
Lowe me contou que seus alunos da quinta série ficaram furiosos com o
que "Dateline" fez das longas horas de filmagem. As crianças sabiam que
havia mais meninos do que meninas na classe. Por que isso não foi infor-
mado, eles se perguntaram. O sentimento geral deles era de que o "Date-
line" estava exagerando para transmitir uma mensagem. Perguntei a Lowe
como a equipe do "Dateline" e a Sra. Pauley escolheram a escola para fil-
mar. Lowe informou-me que o contato foi feito através da Dra. Sharon
Steindam, uma de suas administradoras escolares que trabalhou com os
Sadkers.
O "Dateline" entrevistou uma cética. Pauley perguntou a Di-
ane Ravitch, então secretária assistente de educação de La-
mar Alexander, o que ela achava do Relatório Wellesley.
Sra. Ravitch contou a Pauley sobre os dados avassaladores
que mostram os meninos com sérios problemas. Ela falou
sobre as taxas de evasão, a lacuna de notas que favorece as meninas, o nú-
mero muito maior de meninos com deficiências de aprendizado. De acordo
com Ravitch, Pauley não demonstrou nenhum interesse na situação dos ga-
rotos, mas continuou atrás dela para admitir que as meninas sofriam de
preconceito de gênero. Quando ficou claro que Ravitch não iria capitular,
Pauley perguntou-lhe: "Bem, e se as pessoas acreditam que há precon-
ceito?" A Sr. Ravitch, irritada, respondeu: "Se as pessoas acreditam que este
é um problema sério, devem enviar suas filhas para escolas só de meninas."
203

Tudo que foi ao ar de seus comentários foi aquele comentário isolado e


exasperado.
Não menos do que cinquenta membros do Congresso envi-
aram uma carta a Lamar Alexander, declarando-se indigna-
dos com o comentário de Ravitch, e citaram o relatório da
AAUW/Wellesley "Como as escolas lesam as garotas" para
contradizê-la. Eles exigiram que o secretário tomasse sérias
providências em relação à Sra. Ravitch. A carta também avi-
sou o secretário: se ele se opusesse à Lei de Equidade de Gênero na Educa-
ção, haveria confusão.
Stone Phillips pode ter razão quando disse em uma recente
atualização do "Dateline" sobre a Lei de Igualdade de Gê-
nero na Educação, "com as mulheres desempenhando um
papel maior do que nunca em Washington... isso pode ser
uma lei imune ao impasse do Congresso." Mas as mulheres
que estão desempenhando um papel maior não são necessariamente mem-
bras do Congresso. É mais provável que sejam mulheres determinadas de
organizações como a AAUW e o Centro de Pesquisa sobre Mulheres da Fa-
culdade Wellesley.
Jane Pauley ficou claramente comovida com o Relatório
Wellesley. Seu marido, Garry Trudeau, também; ele usou
sua coluna "Doonesbury" para popularizar as descobertas
do Relatório. É compreensível que Pauley e Trudeau pensem
que os estudiosos de Wellesley e a AAUW foram justos e
competentes em suas pesquisas. Para Pauley e Trudeau,
como para a maioria dos outros americanos inteligentes e bem-informados,
Wellesley e a AAUW são sinônimos de integridade profissional e autoridade
acadêmica.
Por outro lado, o público americano confia na reputação da Sra. Pauley
como repórter investigativa para ser precisa – mesmo em questões que
apaixonadamente dizem respeito a ela. Ironicamente, o título de seu docu-
mentário sobre preconceito de gênero foi Failing at Fairness (Falha na Im-
parcialidade).
Eu tive mais uma rodada com os Sadkers. Na tarde de segunda-feira, 10 de
janeiro de 1994, recebi uma ligação de um produtor do programa de Oprah
204

Winfrey. Os Sadkers apareceriam no programa na manhã de quinta-feira


para discutir suas descobertas sobre como as garotas estão sendo prejudi-
cadas nas escolas do país. Fui convidada para participar do programa para
fornecer um ponto de vista contrastante. Apesar do curto prazo, fiquei en-
cantada. É raríssimo que os especialistas em preconceito de gênero sejam
confrontados com qualquer tipo de crítica. Aceitei e planejamos sair para
Chicago na quarta-feira de manhã para evitar problemas de transporte de-
correntes de uma tempestade prevista. Mas no final da tarde de terça-feira,
o produtor ligou para dizer que houve um fato extraordinário. Os Sadkers
estavam se recusando a aparecer comigo. O produtor se desculpou, mas ele
estava numa sinuca de bico. O show continuaria sem minhas críticas – o que
era exatamente o que os Sadkers queriam. Eu disse ao produtor que esse
era um padrão com os defensores do preconceito de gênero; eles se encon-
tram apenas em grupos afins e falam apenas em locais sem contestação.
Eles não se sentem obrigados a lidar com objeções a seus pontos de vista e
doutrinas. O extraordinário é que, até agora, eles conseguiram o que que-
riam.

***

Os Sadkers são apenas dois dos vários autores do Relatório Wellesley. Pe-
ggy Mcintosh é outra. Ela é listada como uma "integrante principal da
equipe" que ajudou a fazer a pesquisa e a escrever o relatório e que "discu-
tiu, revisou e debateu todos os aspectos do projeto do início ao fim, durante
doze meses". Além da acusação de que as escolas prejudicam a autoestima
das meninas "silenciando-as" nas salas de aula de nossa nação, o relatório
afirma que as meninas "não se veem" refletidas no currículo. Essa é a acu-
sação predileta de Mcintosh.
Aceitando suavemente a peculiar distinção de Mcintosh entre pensamento
"lateral" (feminino) e pensamento "vertical" (masculino), o relatório exige
que as formas especiais de pensar e saber das meninas sejam reconhecidas
e enfatizadas nas escolas primárias da nação. Da mesma forma, o relatório
refere-se às cinco fases interativas de desenvolvimento curricular da McIn-
tosh como se fossem descobertas científicas reconhecidas:
205

As fases I, II e III têm um eixo vertical de "pensamento ou/ou ", que vê as


vitórias e as derrotas como as únicas alternativas. Uma importante mu-
dança conceitual e emocional ocorre na Fase IV. Na Fase IV, vemos, pela
primeira vez, a natureza cíclica da vida cotidiana, a criação e o reparo do
tecido social... A Fase IV se caracteriza pelo pensamento lateral e plural, vê
o pensamento "vertical" como simplesmente uma versão do pensamento e
incentiva todos os alunos a "fazerem livros de suas vidas".
O relatório não explica o significado de pensamento "vertical" e "lateral" ou
o que poderia significar "fazerem livros de suas vidas", mas repete o evan-
gelho de Mcintosh de que a avaliação do currículo tradicional é insidiosa:
"Muitas disciplinas escolares, como têm sido ensinadas atualmente, enqua-
dram-se nas descrições gerais das Fases I e II. Nos graus superiores, especi-
almente, o currículo se restringe e as definições de conhecimento assumem
qualidades específicas de gênero e de cultura associadas aos valores mas-
culinos anglo-europeus."
Tais passagens fornecem uma visão sobre o que as feministas de gênero
querem dizer com desigualdade de gênero – uma definição longe do que a
maioria das pessoas entende que isso signifique. Como exemplo de uma
atividade masculina anglo-europeia de fase 1, o relatório cita aulas de ci-
vismo que enfocam controvérsias. Sugere que as meninas ficariam mais
confortáveis em aulas mais pessoais e menos controversas – que abordam
o que o relatório chama de "a textura cotidiana da vida".
Para chegar à filosofia subjacente ao Relatório Wellesley, é instrutivo retor-
nar ao workshop realizado por McIntosh no outono de 1990 para professo-
res do ensino fundamental em Brookline, Massachusetts, quando ela con-
denou "jovens homens brancos" como um grupo, chamando-os "perigosos
para si mesmos e para o resto de nós." Para dar a sua audiência uma ideia
do dano infligido pela abordagem vertical, ela falou de uma jovem que teve
problemas para calcular uma sequência de números: 1 + 3 + 5. O problema,
como McIntosh viu, era que a planilha exigia que ela pensasse vertical-
mente, minando assim sua autoestima e fazendo com que ela desanimasse.
Ela instou aos professores da Brookline que encontrassem maneiras de "co-
locar [os alunos] fora do eixo certo-errado, o eixo ganha-perde".
O que isso pode significar para aprender somas, McIntosh nunca disse ex-
plicitamente. Um exasperado pai que assistiu ao vídeo, Robert Costrell, pro-
206

fessor de economia da Universidade de Massachusetts em Amherst, escre-


veu um artigo para o jornal local criticando a filosofia educacional de Mcin-
tosh:
Como a criança não pôde adicionar 1 + 3 + 5, precisamos saber se ela pode-
ria adicionar 1 + 3. Se não, ela só seria mais desmoralizada por mais exercí-
cios de três termos, mesmo que ele fosse não hierárquico. Se ela puder adi-
cionar 1 + 3, a criança está pronta para um avanço, já que ela poderia adi-
cionar 4 + 5 e terminar o problema. A criança não teria encontrado apenas
a resposta, mas teria a base para o estudo posterior da lei associativa em
álgebra, para não mencionar a autoestima que a acompanharia. Mas, claro,
isso é "pensamento vertical".
O professor Costrell toca aqui em uma inconsistência fundamental do Rela-
tório Wellesley. Por um lado, ele nos diz que as meninas são deixadas para
trás em matemática, ciências e engenharia e que devemos tomar medidas
para ajudá-las a recuperar o atraso. Embora o relatório exagere o signifi-
cado da disparidade entre as habilidades matemáticas dos meninos e das
meninas, todos nós podemos reconhecer a necessidade de abordar qual-
quer deficiência que as meninas possam ter em matemática e ciências. Mas
o relatório continua a denegrir abordagens verticais para assuntos como
matemática e ciência, apesar do fato de que eles dependem do pensa-
mento exato e do cálculo. Não é que os autores do relatório não possam
decidir-se; na verdade, eles parecem ver pouco uso para o pensamento
exato e a ciência real. Mas os repórteres e políticos precisavam de alguma
evidência de que as meninas estão sendo lesadas. A discrepância na ciência
e na matemática, embora pequena, foi útil para esse propósito. Assim, o
relatório cita a vantagem dos meninos nessas áreas, ignorando no mo-
mento seu próprio preconceito contra esses assuntos.
Clubes de debate, que tomam por certo uma "orientação antagônica ga-
nhar/perder", são citados no relatório como mais um exemplo de uma
abordagem masculina do conhecimento. No entanto, a maioria das discipli-
nas analíticas, da filosofia à história e ao direito, requer habilidade no argu-
mento. Como uma feminista da equidade que quer que as meninas sobres-
saiam, vejo os clubes de debate como uma ferramenta importante para en-
sinar os alunos a serem articulados, convincentes, persuasivos e contun-
dentes. É verdade que a competitividade antagônica é parte de todo de-
bate, e assim favorecer a habilidade no debate pode ser feito para parecer
207

que favorece a agressão. E daí? A retórica antagônica é uma tradição das


maiores escolas, desde as práticas dialéticas das academias gregas e as an-
tigas yeshivás da Babilônia46 até os grandes clubes de debates de Oxford e
Cambridge. O que seria do nosso sistema moderno de parlamentos demo-
cráticos sem debates? Mais do que nunca, as mulheres são chamadas a usar
habilidades de debate em suas profissões e na política. Falar sobre práticas
de "matar ou ser morto" e sugerir que as mulheres estão "acima" desse tipo
de coisa é relegá-las à ineficácia.
As teorias de Mcintosh são reminiscências deprimentes do mito de que as
mulheres são naturalmente irracionais e delicadas demais para o mundo
rude e selvagem que associamos à troca intelectual efetiva e ao pensa-
mento claro. Quão distante, afinal de contas, McIntosh está do filósofo ale-
mão do século XVIII Johann Gottlieb Fichte, que tinha suas próprias opiniões
sobre os "modos de conhecer" masculinos e femininos. "O homem reduz
tudo o que existe e, para ele, as noções claras são alcançadas apenas atra-
vés do raciocínio... A mulher, por outro lado, tem um sentimento natural
do que é bom, verdadeiro e apropriado." Não surpreendentemente, Fichte
oferece este elogio torto às mulheres e seus maravilhosos "sentimentos"
no momento em que argumenta contra a ideia de conceder-lhes o direito
de votar.
As mulheres da AAUW e do Centro de Pesquisa sobre Mulheres da Facul-
dade Wellesley não podem ter as duas coisas: se você quer que as meninas
tenham sucesso em matemática, ciências e engenharia, então você tem que
ensiná-las, junto com garotos, a serem pensadoras analíticas,
a valorizar as mesmas coisas contra as quais a Sra. Mcintosh
advertia os professores de Brookline: "raciocínio exato, deter-
minação, domínio de alguma coisa – respostas certas e erra-
das, vencer para não perder". Como disse John Leo, do US
News & World Report – um dos poucos jornalistas que se deu
ao trabalho de ler as primeiras páginas do relatório –, “McIntosh quer pro-
mover o 'pensamento lateral' no currículo, cujo objetivo não é vencer ou

46 Segundo a Wikipédia, “Yeshivá é o nome dado às instituições que incidem sobre o estudo de textos
religiosos tradicionais, principalmente o Talmud e a Torá”. Talvez você esteja se perguntando o que
isso tem a ver com a Babilônia. No verbete Sura (Babilônia) da própria Wikipédia, encontramos a se-
guinte explicação: “Sura era uma cidade na parte sul da Antiga Babilónia, localizada a oeste do rio Eu-
frates. Era famosa pela sua produção agrícola, a qual incluía uvas, trigo e cevada. Foi também um cen-
tro importante de estudo e ensino da Torá, e sede de uma importante yeshivá, a qual, juntamente
com as yeshivot de Pumbedita e Nehardea, deram origem ao Talmude Babilónico.”
208

superar, mas ‘estar em um relacionamento decente com os elementos in-


visíveis do universo’. Considere isso uma campainha de alarme. Este relató-
rio precisa de uma análise vertical completa".
As faculdades usam o Teste de Aptidão Escolar (SAT) e os registros do en-
sino médio na seleção de alunos para admissão. Em média, as meninas têm
melhores notas na escola, mas se saem um pouco pior no SAT. As pontua-
ções médias de matemática em 1992 foram 499 para meninos e 456 para
meninas; em inglês, 428 para meninos e 419 para meninas. O SAT deve pre-
ver o nível de desempenho de um estudante na faculdade; no entanto,
quando chegam à faculdade, são as meninas que obtêm as melhores notas.
Sempre atentos à forma como as escolas estão "lesando" as meninas, o Re-
latório Wellesley considera esses fatos uma evidência clara de que o SAT é
tendencioso em favor dos meninos. É possível que os diferenciais de pon-
tuação do teste sejam indicativos de preconceito e que o teste deva ser al-
terado para minimizar ou eliminar esse preconceito. Mas não podemos
aceitar essa conclusão sem uma pesquisa melhor (e mais imparcial). Pontu-
ações por si só não necessariamente mostram preconceito. Existem muitos
outros fatores a serem considerados.
Mais meninas que meninos fazem o SAT (meninas, 52%; meninos, 48%).
Além disso, de acordo com o Perfil dos Examinandos do SAT do College Bo-
ard de 1992, mais mulheres das categorias "em risco" fazem o teste do que
os homens. Especificamente, mais meninas de lares de baixa renda ou com
pais que nunca frequentaram a faculdade provavelmente tentarão o exame
SAT do que os meninos de mesma origem. "Essas características estão as-
sociadas a pontuações abaixo da média do SAT", diz o College Board 47.
Homens e mulheres fazem diferentes tipos de cursos na faculdade; mais
homens se matriculam em matemática e ciências, mais mulheres nas hu-
manidades. O fato de se interessar bastante pelas humanidades e, compa-
rativamente, pouco nas ciências, pode explicar por que, apesar das pontu-
ações mais baixas no SAT, as alunas apresentam uma média mais alta de
notas. Os pesquisadores de Wellesley estavam cientes dessa possibilidade,

47 Segundo a Wikipédia: a College Board é uma associação sem fins lucrativos nos Estados Unidos que
foi formada em 1900 como o College Entrance Examination Board (CEEB). É composta por mais de
5700 escolas, universidades e outras organizações educacionais. Ela vende testes de admissão usados
pelas universidades com a finalidade de medir a habilidade dos estudantes.
209

mas insistem que, mesmo quando a dificuldade do curso é levada em con-


sideração, o teste do SAT ainda é tendencioso contra as meninas:
A desvalorização das notas das mulheres não resulta do fato de que as mu-
lheres estão fazendo cursos mais fáceis. Nos cursos de matemática em to-
dos os níveis, as notas de mulheres e homens são muito semelhantes, mas
os resultados de matemática no SAT do sexo masculino são mais altos do
que os do sexo feminino. Mesmo quando as notas são ponderadas para per-
mitir diferenças na dificuldade dos cursos de primeiro ano feitos por mulhe-
res e homens, a desvalorização das notas das mulheres é reduzida, mas não
eliminada.
Se isso fosse verdade, certamente estaríamos inclinados a dizer que o teste
é distorcido em favor dos meninos. Neste ponto, o relatório pede apoio a
um artigo intitulado "Preconceito de gênero na previsão do
desempenho do curso universitário" publicado em 1988 pelo
Jornal de Medição Educacional. Mas, como o jornalista Daniel
Seligman relatou em uma edição de março de 1992 da For-
tune, esse artigo, na verdade, é uma canoa furada. Seus au-
tores, Robert McCormack e Mary McLeod, da Universidade Estadual de San
Diego, se esforçam por mostrar que, uma vez que a dificuldade dos cursos
é considerada, não há evidências de preconceito de gênero. Na verdade,
McCormack e McLeod descobriram: "Curiosamente, nos poucos cursos em
que foi encontrado preconceito de gênero, na maioria das vezes isso envol-
via uma superprevisão para as mulheres em um curso no qual os homens
recebiam uma nota média mais alta".
As observações de Seligman levaram Susan Bailey e Patricia Campbell –
duas das autoras do relatório – a enviar uma carta à Fortune. Elas não se
defenderam, se explicaram ou pediram desculpas por sua confiança no ar-
tigo de McCormack/McLeod; em vez disso, alegaram que outros estudos
sustentam a descoberta de preconceito. Além disso, elas afirmaram: "É di-
fícil levar a sério a crítica [de Seligman]... quando as meninas são chamadas
de ‘bonecas’. O relatório foi escrito para documentar preconceitos de gê-
nero e sugerir medidas positivas para combatê-lo. Referir-se aos meninos e
meninas como ‘caras’ [e] ‘bonecas’... faz pouco para ajudar nossas escolas
ou nossos alunos". A escolha de palavras do Sr. Seligman pode ter sido frí-
vola, mas seu argumento não foi. E o que devemos pensar quando aqueles
210

que alegam estar ajudando nossas escolas se recusam a responder a uma


crítica que apresenta a simples descoberta de um erro?
A crítica da especialista em educação Rita Kramer no Commentary provo-
cou outra carta irada de Sharon Schuster, a presidente da AAUW. Schuster
argumentou que o desempenho mais fraco das meninas era causado pelo
conteúdo tendencioso dos testes:
Estudos de pesquisa revisados no relatório também encontraram substan-
cial preconceito de gênero em testes padronizados. Uma análise dos testes
encontrou duas vezes mais referências aos homens do que às mulheres, e
mais fotos e referências aos meninos do que às meninas. Um estudo poste-
rior do Teste de Aptidão Escolar (SAT) encontrou referências a 42 homens e
apenas 3 mulheres nas passagens de compreensão de leitura usadas nos
quatro exames de 1984-85. Dos 42 homens, 34 eram famosos e seu trabalho
foi citado; uma das três mulheres era famosa (Margaret Mead) e seu traba-
lho foi criticado.
Schuster parece sugerir que, se o SAT e outros testes padronizados tivessem
mais problemas com os quais as meninas se identificassem – digamos, so-
bre mulheres famosas ou talvez sobre culinária, costura, fabricação de bol-
sas ou relacionamentos – então as notas das meninas subiriam.
Mas certamente Schuster leu o relatório que rejeita esse argumento, ob-
servando que "referências a nomes masculinos ou femininos, pronomes,
bens ou ocupações no lugar da linguagem neutra não tiveram nenhum
efeito demonstrável no desempenho do examinando em problemas de ma-
temática [minha ênfase]. "Os meninos ainda tinham uma média melhor do
que as meninas na resolução de problemas da SAT, "mesmo quando o pro-
blema estava relacionado à comida e ao ato de cozinhar". O conteúdo dos
exemplos não teve efeito no desempenho de uma forma ou de outra.
O relatório descobriu que as meninas são melhores que os meninos na com-
putação, um consolo bastante pequeno em uma era de calculadoras manu-
ais. Para não desanimar, a equipe da AAUW-Wellesley aproveitou a opor-
tunidade para recomendar que os resultados dos testes de meninos e me-
ninas fossem equalizados testando mais sobre computação e menos sobre
resolução de problemas. Naturalmente, isso define precisamente a ênfase
errada, já que são as habilidades de ordem superior – resolução de proble-
mas – que são mais importantes e nas quais nossas crianças são mais fracas.
211

Exames internacionais documentam que nossos alunos se aproximam mais


de nossos concorrentes na aritmética (embora até aqui eles ainda estejam
atrasados) do que em áreas mais desafiadoras.
Então, mais uma vez, descobrimos que o tratamento ideológico e partidário
das feministas de gênero de um problema – que é, em princípio, passível de
uma solução objetiva e apartidária – acaba confundindo as questões, cri-
ando amargura e não ajudando ninguém. A questão da imparcialidade dos
testes é importante, importante demais para ser deixada à mercê da pes-
quisa de advocacia. Quem está lesando quem?

***

O Relatório Wellesley está correto quando aponta que as garotas america-


nas estão atrás dos garotos da matemática e da ciência. A lacuna é pequena,
mas real, e o relatório está certo em sugerir que as escolas devem envidar
todos os esforços para "desfazer mitos sobre matemática e ciências como
campos 'inapropriados' para as mulheres". Infelizmente, essa sugestão so-
nora é acompanhada por mais de 20 recomendações questionáveis e per-
turbadoras que, se postas em prática, criariam um pesadelo: uma burocra-
cia de "equidade de gênero" com grande quantidade de tempo e dinheiro
em suas mãos – exatamente o tipo de recomendação que qualquer um que
se importa com o bem-estar das escolas americanas deve temer e detestar:
"O Escritório de Pesquisa e Melhoria Educacional do Departamento de Edu-
cação dos EUA (OERI) deve estabelecer um painel consultivo de especialis-
tas em equidade de gênero para trabalhar com o OERI no desenvolvimento
de uma agenda de pesquisa e divulgação que promova uma educação equi-
tativa de gênero nas salas de aula do país."
Quem treinaria os especialistas em gênero? Quem monitoraria as escolas
do país sobre quão bem elas se conformam aos ideais de uma política se-
xual correta? Em geral, quem se beneficiaria mais com os milhões solicita-
dos pela Lei de Equidade de Gênero na Educação? Não seriam aqueles que
insistem que a equidade de gênero é nosso maior problema educacional?
Nosso sistema não aguenta mais a pressão dessas mulheres confusas, mas
determinadas, com suas teorias de múltiplos estágios e suas metáforas so-
212

bre janelas, espelhos e vozes, seus workshops e, acima de tudo, seus cons-
tantes alarmes sobre o estado das relações entre homens e mulheres na
sociedade americana.
O que nos leva de volta ao que é mais equivocado no Relatório Wellesley:
sua exploração do problema muito real da América como uma nação edu-
cacional em risco. Apesar de sua sugestão de que resolver o "problema da
equidade de gênero" nos ajudará de alguma maneira a superar a lacuna
entre crianças americanas e crianças educacionalmente superiores de ou-
tros países – o que o pesquisador de educação Harold Stevenson chama
apropriadamente de "lacuna de aprendizado" –, o relatório nunca diz como.
A razão para a omissão é óbvia: os autores não têm uma solução plausível
para oferecer.
Em 1990, os japoneses traduziram para o inglês a seção de
matemática de seu vestibular. Matemáticos americanos fi-
caram surpresos com o que viram. O professor Richard As-
key, matemático da Universidade de Wisconsin, falou por
muitos cientistas e matemáticos americanos quando disse:
"O nível em que os estudantes [japoneses] se apresentam
nesses exames é simplesmente incrível".
A revista Science publicou recentemente uma amostra do exame de admis-
são à Universidade de Tóquio. Para resolver a próxima questão seria preciso
muito "pensamento vertical": "Dada uma pirâmide regular, há uma bola
com seu centro na parte inferior da pirâmide e tangente a todas as bordas.
(Uma pirâmide regular tem quatro triângulos isósceles adjacentes a um
quadrado na base.) Se cada borda da base da pirâmide tem comprimento
x, encontre a altura da pirâmide e o volume da porção que ela tem em co-
mum com a bola. "
Os editores da Science ressaltam que esta pergunta não está sendo feita a
futuros acadêmicos de matemática e ciências, mas a estudantes japoneses
do ensino médio que estavam planejando se formar em humanidades. Eles
observaram: "Quando os acadêmicos de matemática dos Estados Unidos
ficam atrás de iluminados estudantes no Japão, há muito o que fazer".
213

Os educadores americanos às vezes explicam essas discrepâncias apon-


tando que apenas os melhores alunos do Japão fazem o teste. Em 1987, por
exemplo, 31% dos estudantes universitários americanos fizeram o SAT; no
Japão, o número era de 14% para o equivalente japonês do SAT. Mas
mesmo os nossos melhores alunos tiveram dificuldades em
igualar a pontuação média dos estudantes japoneses. Estu-
dos do professor Jerry Becker, da Universidade Illinois do
Sul, e de Floyd Mattheis, da Universidade da Carolina do
Leste, contam a mesma história. Becker relata que o pro-
blema não é simplesmente que os estudantes japoneses
como um todo superam nossos alunos, mas que "os estudantes médios no
Japão mostram um desempenho melhor do que os 5% dos estudantes ame-
ricanos mais bem colocados” (ênfase dele). Mattheis comparou estudantes
do ensino médio do Japão e da Carolina do Norte. Reportando sobre seu
estudo, a revista Science diz: "Ele mostra os estudantes japoneses à frente
em todas as faixas etárias em um teste que mede seis operações de racio-
cínio lógico".
O professor Stevenson fez alguns dos mais completos estudos comparati-
vos. Ele encontrou uma grande diferença entre a pontuação média dos es-
tudantes americanos e a dos estudantes japoneses e taiwaneses. (Apenas
14,5% dos taiwaneses e 8% dos japoneses do 11º ano tiveram notas abaixo
da média americana). Entre os alunos do 5º ano, apenas 4,1% das crianças
de Taiwan e 10,3% das crianças japonesas têm uma pontuação tão ou mais
baixa que a média americana. Stevenson aponta que não podemos atribuir
a disparidade à "amostragem diferencial". Ele estudou alunos do 1º, 5º e
11º ano no Japão, em Taiwan e nos Estados Unidos, sendo que em todos os
três a matrícula no 1º e 5º anos está próxima de 100%. Se as escolas profis-
sionais estão incluídas nos números do ensino médio, então a representa-
ção dos adolescentes também é a mesma.
Qual a lacuna de gênero entre meninos e meninas americanos em matemá-
tica? Como observado anteriormente, o Serviço de Testes Educacionais (em
sua Avaliação Internacional de Matemática e Ciência) descobriu que, em-
bora garotas americanas de 13 anos fiquem um ponto atrás dos meninos,
essa diferença é insignificante se comparada àquela entre crianças ameri-
canas e estrangeiras. Lembre-se que a disparidade entre os meninos ame-
ricanos e as meninas taiwanesas e coreanas foi de 16 pontos.
214

Alguns teóricos especulam que as crianças asiáticas se saem melhor em ma-


temática porque suas linguagens são muito complexas e abstratas, propor-
cionando melhor preparação nas habilidades cognitivas necessárias para
matemática e ciências. Isso não ajuda a explicar por que as crianças ameri-
canas ficam atrás dos estudantes europeus e canadenses também. As me-
ninas do Quebec francófono superam os nossos meninos em 12 pontos no
teste de matemática do IAEP. Na verdade, os garotos americanos ficam
atrás de garotas de países como Irlanda, Itália e Hungria. Na ciência, os re-
sultados, embora não sejam tão desanimadores, seguem o padrão: os ga-
rotos americanos ficam significativamente atrás das garotas estrangeiras.
O presidente do Serviço de Testes Educacionais, Gregory Anrig, citou três
fatores que contribuem para o melhor desempenho dos asiáticos e euro-
peus: conteúdo rigoroso no currículo, altas expectativas dos pais e profes-
sores e atitudes culturais positivas em relação ao aprendizado. Absurda-
mente, cinicamente ou estupidamente, os especialistas da AAUW e da Wel-
lesley estão se concentrando na única área em que os estudantes america-
nos ultrapassam os estudantes de outros países, e onde eles precisam da
menor quantidade de ajuda – a autoestima!
Reagindo aos alarmes da AAUW do Centro de Pesquisa sobre Mulheres da
Faculdade Wellesley, o Congresso provavelmente aprovará a Lei de Equi-
dade de Gênero na Educação. Infelizmente, uma ênfase legislativa nas dife-
renças de gênero é uma perda de tempo. As descobertas do Dr. Stevenson,
apoiadas por estudos sérios de muitos outros setores, destacam os verda-
deiros problemas de uma nação que está educacionalmente em risco. As
recomendações que Stevenson e outros especialistas estão fazendo sobre
o problema da "lacuna do aprendizado" são diretas, construtivas, do senso
comum e praticáveis. Devemos esperar que o Congresso esgote sua neces-
sidade de mostrar que suas credenciais feministas estão em ordem antes
de vermos um esforço sério para promover nosso ato educacional em con-
junto?

***
215

Os pesquisadores da AAUW e da Wellesley tinham todo o direito de se sen-


tirem satisfeitos com o sucesso deles. Tudo tinha sido tão fácil. A mídia ti-
nha sido cooperativa e acrítica. A estratégia de "fazer um estudo, declarar
uma crise, fazer os políticos trabalharem" estava provando ser surpreen-
dentemente eficaz.
O Centro Wellesley assumiu a liderança do próximo estudo,
concentrando-se no assédio sexual de meninas por meni-
nos nas escolas de ensino fundamental. Nan Stein foi a es-
colha óbvia para realizar tal estudo. Diretora de projetos do
Centro de Pesquisa sobre Mulheres da Faculdade Welles-
ley, ela era proeminente no circuito de oficinas havia mui-
tos anos. Trabalhando em estreita colaboração com a Organização Nacional
pelas Mulheres (NOW), a Dr. Stein elaborou um questionário e o colocou
na edição de setembro de 1992 da Seventeen.
Os editores da Seventeen fizeram o questionário ser precedido por um ar-
tigo que contava uma história perturbadora sobre uma garota de Minne-
sota chamada Katy Lyle, que era atormentada e humilhada diariamente por
suas colegas e acabou tomando uma medida legal. Certas passagens da his-
tória foram destacadas em grandes letras em negrito: "Provavelmente
aconteceu com você" e "Você não tem que aturar isso – na verdade, é ilegal.
E sua escola é responsável por pará-lo". O artigo terminava com uma pala-
vra da Dr. Stein sobre a importância de criar escolas mais cuidadosas e jus-
tas – com "meninas incluídas". Depois veio o questionário de meia página
intitulado " O que está acontecendo com você?” Entre as 13 perguntas fei-
tas aos leitores da Seventeen estavam estas:
Alguém fez uma dessas coisas contra a sua vontade no último ano letivo?
(a) tocou, beliscou ou agarrou você;
(b) inclinou-se sobre você ou encurralou você;
(c) mostrou-lhe bilhetes ou imagens sexuais;
(d) fez gestos, comentários, piadas ou lançou olhares sugestivos ou sexuais;
(e) pressionou você a fazer algo sexual;
(f) forçou você a fazer algo sexual.
• Se você foi assediado sexualmente na escola, como isso fez você se sentir?
216

4.200 do 1,9 milhão de assinantes da revista retornaram o questionário,


uma resposta de 0,2%. Quase todos os entrevistados relataram ter sido as-
sediados, conforme definido pelo questionário. Especificamente, os dados
mostraram que 89% dos entrevistados haviam recebido gestos, olhares, co-
mentários ou piadas sugestivos e sexuais; 83% foram tocados, beliscados
ou agarrados; 47% tinham sido vítimas de pessoas que se inclinaram sobre
eles ou sido encurralados; 28% receberam bilhetes ou imagens sexuais; 27%
foram pressionados a fazer algo sexual; e 10% foram forçados a fazer algo
sexual.
A Sra. Stein, que ficou muito comovida com as respostas, começou a escre-
ver sobre elas antes mesmo de concluir o estudo. Na edição de novembro
de 1992 da Education Week (Semana da Educação), ela escreveu:
Suas cartas chegam às centenas diariamente, gritando para serem lidas:
"ABRA", "URGENTE", "POR FAVOR, LEIA" são rabiscadas nos envelopes. Às
vezes os escritores dão seus nomes e endereços, às vezes não... Dentro dos
envelopes estão histórias arrepiantes, manuscritas em papel de caderno
pautado... Todos imploram por atenção, por respostas e, acima de tudo, por
algum tipo de justiça.
"Para milhares de adolescentes," ela conclui, "a escola pode estar ensi-
nando mais sobre opressão do que liberdade; mais sobre silêncio do que
autonomia. Precisamos prestar atenção às suas advertências e ouvir suas
histórias".
Quando o relatório final da sra. Stein apareceu, em 24 de março de 1993,
os resultados foram publicados em jornais de todo o país. Os repórteres
citaram os números da sra. Stein exatamente como ela e os pesquisadores
da Wellesley devem ter esperado: em vez de ressaltar que "9 de cada 10"
daqueles que relataram ter sofrido assédio sexual eram garotas que se de-
ram ao trabalho de responder a uma pesquisa da revista – o que constituía
não mais que 0,2% dos seus leitores –, os repórteres simplesmente falavam
de uma epidemia de assédio. A manchete do Boston Globe era típica: "Uma
pesquisa dos EUA mostra um grande assédio às meninas na escola".
O que Stein e a Organização Nacional pelas Mulheres (NOW) criaram é co-
nhecido como uma pesquisa autosselecionada. Pesquisadores responsáveis
chamam essas pesquisas de SLOPs – Self-Selected Listener Opinion Polls
217

(Pesquisas de Opinião de Ouvintes Autosselecionados) – e eles evitam fazê-


las, ou dar crédito a elas quando outros pesquisadores as
fazem. Um famoso exemplo usado nas aulas de estatística
introdutória mostra suas falhas – o SLOP de 1936 publicado
pela Literary Digest que mostrava Alf Landon48 derrotando
Franklin D. Roosevelt por larga vantagem. As SLOPs conti-
nuam a ser populares em algumas publicações do mercado de massa como
uma forma de entretenimento, mas nenhum pesquisador sério confia ne-
las.
Perguntei a Tom W. Smith, diretor do Centro Nacional de
Pesquisas de Opinião da Universidade de Chicago, se apren-
demos alguma coisa com uma pesquisa desse tipo: "Não,
porque há uma falácia crucial na pesquisa autosselecio-
nada: você ganha uma resposta tendenciosa". Ele apontou
que a pesquisa de assédio de Wellesley era, na verdade, o
resultado não de um, mas de dois estágios de autosseleção. O estudo limi-
tou-se aos leitores da Seventeen, leitores que não são necessariamente re-
presentativos da população de adolescentes; e os leitores que respondem
a essa pesquisa tendem a ser aqueles que têm sentimentos mais fortes so-
bre o problema." Mesmo que tivessem 40 mil respostas, ainda assim seria
muito pouco", disse Smith. "Você ainda tem que se perguntar sobre o outro
milhão e meio que não respondeu."
Não é difícil ver como as SLOPs podem ser usadas para gerar alarme em
praticamente qualquer área de interação social. Usando a metodologia de
Nan Stein, poderíamos facilmente deixar as pessoas preocupadas sobre o
problema do assédio na vizinhança. Começamos escrevendo uma história
sobre um caso em que um vizinho teve um comportamento horripilante.
Depois imprimimos isso em uma publicação como o Reader's Digest. Certas
passagens seriam destacadas – "Provavelmente aconteceu com você" e
"Você não tem que aturar isso – na verdade, é ilegal. E o governo de sua
cidade é responsável por parar isso". Em seguida, incluiríamos uma conve-
niente pesquisa de uma página chamada "O que está acontecendo com
você?", perguntando se o seu vizinho fez algo de uma lista de coisas contra

48 Segundo a Wikipédia: Alfred "Alf" Mossman Landon (9 de setembro de 1887—12 de outubro de 1987)
foi um político dos Estados Unidos da América e um milionário, membro do Partido Republicano e go-
vernador do Kansas de 1933 a 1937. Concorreu à eleição presidencial de 1936 e foi derrotado de
forma avassaladora por Franklin D. Roosevelt.
218

você no ano passado – "geralmente incomodar você pedindo favores pesa-


dos", "gritar com seus filhos", "tocar música alta ou fazer festas barulhen-
tas", "danificar seu gramado, seu carro, seu jardim, seu animal de estima-
ção ou qualquer outro bem", "amedrontar com comportamento impru-
dente e ameaçador – envolvendo álcool, drogas ou armas ", "roubar de
você ou atacar fisicamente você ou qualquer membro de sua família." E ter-
minamos perguntando: "Se você foi atormentado pelo seu vizinho, como
você se sentiu?"
Seria de esperar que a Digest recebesse respostas de uma pequena porcen-
tagem de seus leitores e que a grande maioria desse pequeno percentual
daria detalhes de como foi vítima de algum vizinho. O "pesquisador" pode-
ria então agrupar os resultados em um folheto científico cheio de tabelas,
gráficos e porcentagens (86% foram abordados pelo vizinho, 62% ameaça-
dos de ataque físico, 45% fisicamente agredidos, 91% obrigados a ouvir mú-
sica barulhenta etc.). Intercaladas ao longo do relatório, haveria passagens
perturbadoras das cartas enviadas pelos sofredores.
Embora essas descobertas fossem seguramente deprimentes, uma pes-
quisa SLOP sobre o assédio na vizinhança nos diria muito pouco que não
sabemos. Todo mundo sabe que alguns vizinhos são intoleráveis. O que
queremos saber é quão predominante é o assédio na vizinhança, e para isso
precisamos saber sobre a experiência daqueles que não retornaram o ques-
tionário.
Uma pesquisa SLOP tem pouco valor para a maioria dos cientistas sociais.
Ao usar uma delas como instrumento de pesquisa, Nan Stein estava virtu-
almente segura dos resultados alarmantes. Um estudo sério do assédio ju-
venil precisa de outro tipo de abordagem. Precisamos saber se os casos ci-
tados eram parte de um problema mais geral de um colapso da civilidade e
disciplina entre adolescentes americanos, por exemplo. O assédio sexual
pode, de fato, ser mais prevalente hoje do que no passado. Por outro lado,
sua maior prevalência pode ser devida ao aumento geral do comporta-
mento antissocial na vida americana, e não ao aumento do preconceito de
gênero. Nós também queremos ter uma noção de como os adolescentes
assediam outras garotas.
O ponto é que o estudo de assédio de Wellesley está menos preocupado
com a infelicidade das meninas do que com o modo como os meninos as
tornam infelizes. O estudo nos diz mais uma vez como a nossa sociedade
219

"lesa" e "silencia" suas mulheres, dando às feministas de gênero um novo


suprimento de histórias de vitimização feminina e má conduta masculina.
A pesquisa pode não ter sido científica, mas foi perfeitamente projetada
para seu propósito real.
Susan McGee Bailey, diretora do Centro de Pesquisa sobre
Mulheres da Faculdade Wellesley, chamou a pesquisa da
Seventeen de "chamada de atenção" e pediu a todos que
"ouvissem as vozes das meninas". Ela reconheceu, no en-
tanto, que a pesquisa não era científica. A AAUW logo acei-
tou o desafio implícito. Em uma pesquisa conduzida pela
firma de pesquisa Louis Harris, uma amostra aleatória de 1.500 meninos e
meninas (da 8ª à 11ª série) foi questionada sobre assédio. Os resultados
surpreenderam todos, incluindo a AAUW. Quatro de cinco estudantes,
tanto homens quanto mulheres, relataram ter sido assediados. O estudo
sugere que nossas escolas são o cenário para muita incivilidade e até
mesmo violência absoluta. Isso sugere que muitas crianças são superesti-
muladas eroticamente. Mais da metade das garotas e quase metade dos
garotos foram tocados, agarrados ou beliscados "de uma maneira sexual".
Alguns dos alunos tinham sido apalpados (57% das meninas, 36% dos me-
ninos), alguns tinham tido as roupas puxadas e alguns tinham recebido bi-
lhetes sexuais.
A alta incidência de garotos sexualmente assediados era um evidente em-
baraço para a AAUW. Como você coloca um viés de gênero
nesse tipo de descoberta? Mais uma vez, a AAUW estava à al-
tura do desafio. Falando ao Boston Globe, Alice McKee argu-
mentou que os efeitos do assédio são diferentes: "A questão
é que as meninas sofrem impactos emocionais, comporta-
mentais e educacionais adversos três vezes mais do que os
meninos como resultado do assédio sexual". A escritora do Globe, Alison
Bass, explicou e amplificou o ponto:
Mesmo que os garotos tenham relatado ser assediados quase tanto quanto
as garotas, a pesquisa... descobriu que as garotas eram muito mais propen-
sas que os garotos a querer matar aulas e a ficar em casa como resultado
do assédio na escola. As meninas também estavam mais hesitantes em falar
em classe e menos confiantes sobre si mesmas após serem sexualmente as-
sediadas, segundo a pesquisa.
220

Então, mais uma vez, somos informados de que "a pesquisa sugere" que as
garotas estão sendo lesadas. Os efeitos sobre elas (querer matar aulas e
ficar em casa) foram marcadamente piores. Mas querer matar aulas e real-
mente matar aulas não é a mesma coisa, e o último efeito é exatamente o
tipo de fenômeno que podemos verificar. Se McKee estiver certa, as meni-
nas devem mostrar altas taxas de absenteísmo, aulas “matadas” e notas
mais baixas. Na verdade, as meninas têm melhor frequência e ganham no-
tas melhores do que os meninos, e mais delas se formam. Isso não quer
dizer que garotas e garotos reajam ao assédio da mesma maneira. A res-
posta das meninas a insultos ou desrespeitos pode ser mais dramática, le-
vando-as a expressar o desejo de matar aulas mais do que os meninos –
uma conclusão que estaria de acordo com as de Wendy Wood e seus cole-
gas do Texas A&M: “as garotas são mais conscientes de seus sentimentos e
mais precisas em relatar emoções negativas".
Desta vez, os pesquisadores da AAUW apresentaram resultados que não se
prestavam prontamente ao tema das "garotas lesadas". E pela primeira vez
algumas vozes céticas começaram a falar na imprensa popular. Em uma re-
portagem do New York Times, Felicity Barringer citou estudantes que criti-
caram a pesquisa por "caracterizar muitos comportamentos como assédio
sexual". Depois que o Boston Globe publicou uma reportagem que dizia
exatamente o que a AAUW queria, o repórter Thomas Palmer duvidava da
validade da pesquisa de assédio. Ele e Alison Bass escreveram um artigo
questionando as descobertas da AAUW e incorporando opi-
niões externas. Billie Dziech, especialista em assédio sexual
e autora de um dos livros mais respeitados sobre o assunto,
The Lecherous Professor (O professor lascivo), apontou que
a terminologia inexata viciou o relatório da AAUW. "Há uma
diferença entre algo que eu chamaria de ‘aborrecimento se-
xual' e 'assédio sexual'."
Jerry Weiner, presidente eleito da Associação Americana de Psiquiatria,
disse ao Globe: "Tenho muitas reservas e preocupações sobre a confiabili-
dade dos dados e o uso desse tipo de dados para extrair as amplas e abran-
gentes conclusões que foram extraídas no relatório". Tom W. Smith, diretor
do Centro Nacional de Pesquisa de Opinião da Universidade de Chicago,
também criticou a imprecisão das perguntas e a ampla gama de interpreta-
ções possíveis.
221

Pela primeira vez, os méritos de um estudo da AAUW ale-


gando desigualdade de gênero não foram simplesmente re-
latados, mas realmente debatidos na televisão nacional. Ted
Koppel escolheu o relatório da AAUW sobre assédio sexual
em escolas de ensino fundamental como assunto para o "Ni-
ghtline". Ele organizou um confronto entre mim e Nan Stein
para debater seu significado. A Sra. Stein é uma excelente debatedora, mas
ela vacilou quando eu a lembrei que ela havia falado sobre os garotinhos
que viravam as saias das meninas no pátio da escola como "terroristas de
gênero". Um cético Sr. Koppel perguntou se ela também chamaria um va-
lentão que implica com outro garoto no pátio do colégio de "terrorista". A
Sra. Stein não deve ter gostado da experiência – depois do nosso encontro
no "Nightline", ela desistiu de outro debate entre nós em um programa de
televisão de Boston agendado para a semana seguinte. O produtor era di-
plomático demais para me contar o que a sra. Stein havia dito sobre mim.
"Vamos apenas dizer que ela não gosta muito de você."
Em dezembro de 1993, participei de outro debate sobre assédio no local de
trabalho com Anne Bryant, diretora executiva da AAUW, na "Lifetime Ma-
gazine" da ABC. Eu disse que as pesquisas da AAUW eram "tendenciosas e
enviesadas". Eu mencionei o fato de que o estudo de assédio não havia con-
seguido distinguir entre "brincadeiras casuais, provocações e assédio sé-
rio". Balançando o dedo para mim, Bryant me advertiu: "Christina, pare com
isso! Você quer saber de uma coisa? Esta é a última vez que você critica a
incrivelmente prestigiada e bem-administrada Associação Americana das
Mulheres Universitárias". Parece que ela sente que qualquer crítica à
AAUW está simplesmente fora de cogitação e não deve ser emitida em uma
exibição pública. De qualquer forma, o produtor me disse que o diretor de
relações públicas da AAUW tentou depois persuadir a ABC a não divulgar o
debate.
O feminismo não é bem servido por estudos preconceituosos ou pela mídia
que tolera e ajuda a promovê-los. Se jornalistas, políticos e líderes de edu-
cação estivessem fazendo o adequado trabalho de verificação de fontes,
examinando os dados originais e buscando opiniões divergentes de acadê-
micos, se não tivessem fé em folhetos brilhantes e comunicados de im-
prensa, as descobertas alarmantes sobre a autoestima, o preconceito de
gênero na sala de aula e o assédio nos corredores não seriam automatica-
mente aceitas. Em um clima profundamente crítico, o governo federal não
222

estaria prestes a despejar dezenas de milhões de dólares em projetos que


enriquecem a indústria de preconceito de gênero e enfraquecem ainda
mais nossas escolas. E Bryant e os outros líderes atuais da AAUW teriam
aprendido há algum tempo que a reputação da AAUW deve inevitavel-
mente ser comprometida por qualquer um que use seu "incrível prestígio"
para promover pesquisas cuja probidade e objetividade não podem ser de-
fendidas.
223

CAPÍTULO 9
NOBRES MENTIRAS

Ficamos cheios de piedade, ira e hero-


ísmo, mas o poder de juntar dois e
dois foi aniquilado. E. M. FORSTER,
Passagem para a Índia.

Estatísticas e estudos sobre temas provocativos como distúrbios alimenta-


res, estupros, violência doméstica e diferenças salariais são usados para res-
saltar o sofrimento das mulheres no sistema de gênero opressivo e para
ajudar a recrutar simpatizantes à causa feminista de gênero. Mas, se os nú-
meros não são verdadeiros, quase nunca servem aos interesses das mulhe-
res vitimizadas a que se referem. A anorexia é uma doença; culpar os ho-
mens não faz nada para ajudar a curá-la. Violência doméstica e estupro são
crimes que destroem vidas; aqueles que sofrem devem receber cuidados, e
aqueles que causam seu sofrimento devem ser impedidos de causar mais
danos. Mas em tudo o que fazemos para ajudar, o aliado mais leal é a ver-
dade. A verdade trazida à luz pública recruta o melhor de nós para trabalhar
pela mudança. Por outro lado, até mesmo a "nobre mentira" mais bem-
intencionada acaba por desacreditar as melhores causas.
A ideologia feminista de gênero sustenta que a ameaça física em relação às
mulheres é a norma. A causa das mulheres espancadas tem fornecido com-
bustível para esse credo. O retrato de Gloria Steinem da intimidade ho-
mem-mulher sob o patriarcado é típico: "O patriarcado exige violência ou a
ameaça subliminar de violência para se manter... A situação mais perigosa
para uma mulher não é um homem desconhecido na rua, ou mesmo o ini-
migo em tempo de guerra, mas um marido ou amante no isolamento de
sua própria casa ". A descrição de Steinem dos perigos que as mulheres en-
frentam em sua própria casa é uma reminiscência da fraude do Super Bowl
de janeiro de 1993.
O leitor pode lembrar que, alguns dias antes do Super Bowl, as mulheres
americanas foram alertadas de que um aumento acentuado de violência
masculina era esperado no dia do jogo. As implicações foram sensacionais,
mas supostamente havia estudos confiáveis. No clima atual, a história tinha
224

um certo grau de plausibilidade, e rapidamente se espalhou. Aqui está a


cronologia.
Quinta-feira, 27 de janeiro
Uma coletiva de imprensa foi convocada em Pasadena, Califórnia, local do
próximo jogo do Super Bowl, por uma coalizão de grupos de mulheres. Na
coletiva de imprensa, repórteres foram informados de que o domingo do
Super Bowl é "o dia do ano em que mais se comete violência
contra as mulheres". 40% mais mulheres seriam agredidas na-
quele dia. Em apoio ao número de 40%, Sheila Kuehl, do Cen-
tro de Direitos das Mulheres da Califórnia, citou um estudo
feito na Universidade Old Dominion49 da Virgínia, três anos an-
tes. A presença de Linda Mitchell, uma representante de um
grupo de "vigilância" da mídia chamado Fairness and Accuracy in Reporting
(FAIR) (Imparcialidade e Precisão nos Relatórios), deu credibilidade à reivin-
dicação.
Mais ou menos nessa época, uma mensagem para os meios de
comunicação foi enviada pela Dobisky Associates – os publicitá-
rios da FAIR – alertando as mulheres em risco: "Não fique em
casa com ele durante o jogo". A ideia de que os fãs de esportes
são propensos a atacar esposas ou namoradas naquele dia cul-
minante convenceu muitos homens também: Robert Lipsyte do
New York Times logo estaria se referindo ao "Abuse Bowl".
Sexta-feira, 28 de janeiro
Lenore Walker, uma psicóloga de Denver e autora de The Batte-
red Woman (As mulheres agredidas), apareceu em "Good Mor-
ning America" (Bom dia América) alegando ter compilado dez
anos de registros mostrando um aumento acentuado em inci-
dentes de violência contra as mulheres no Super Bowl aos do-
mingos.
Aqui, novamente, uma representante da FAIR, Laura Flanders, estava pre-
sente para dar credibilidade à reivindicação.
Sábado, 29 de janeiro

49 Segundo o The Free Dicionarty by Farlex: Old Dominion é um estado no leste dos Estados Unidos; uma
das colônias originais; um dos Estados Confederados na Guerra Civil Americana.
225

Uma reportagem do Boston Globe, escrita por Lynda Gorov,


informou que os abrigos de mulheres e as linhas diretas são
"inundados com mais ligações de vítimas de agressão no do-
mingo do Super Bowl do que em qualquer outro dia do ano".
Gorov citou "um estudo sobre abrigos de mulheres no Oci-
dente" que "mostrou uma escalada de 40% nas ligações, um padrão que os
defensores afirmam se repetir em todo o país, inclusive em Massachu-
setts".
Gorov pediu a especialistas em violência doméstica que explicassem o fe-
nômeno. Muitos acharam que tudo sobre o Super Bowl é calculado para
dar aos homens a ideia de que as mulheres estão lá para seu uso e abuso.
"Mais do que um defensor mencionou provocativamente que as roupas
usadas pelas cheerleaders no jogo podem reforçar as percepções dos abu-
sadores de que as mulheres estão destinadas a servir os homens", escreveu
ela. Segundo Nancy Isaac, especialista em violência doméstica da Escola de
Saúde Pública de Harvard, os homens veem a violência como seu direito:
"É: 'Eu deveria ser o rei do meu castelo, este deveria ser o meu dia, e se
você não deixar a janta pronta na hora certa, você vai ter comigo’."
Outros jornais juntaram-se à campanha. Robert Lipsyte descreveu a cone-
xão entre a tensão gerada pelo grande jogo e a violência que ele causa: "Al-
guém cale a boca daquele garoto ou alguém será espancado". Michael Col-
lier, do Oakland Tribune, escreveu que o Super Bowl faz com que "namora-
dos, maridos e pais" "ajam como agressores malucos, deixando namoradas,
esposas e filhos espancados". Jornalistas e comentaristas de televisão de
todo o país soaram o alarme. A CBS e a Associated Press chamaram o do-
mingo do Super Bowl de “dia de pavor" e, pouco antes do jogo, a NBC trans-
mitiu uma mensagem de utilidade pública lembrando aos homens que a
violência doméstica é um crime.
Neste mar agitado de credibilidade da mídia havia uma ilha solitária de in-
tegridade profissional. Ken Ringle, um jornalista do Washington Post, tirou
um tempo para checar as fontes da história. Quando Ringle perguntou a
Janet Katz, professora de sociologia e justiça criminal no Old Dominion e
uma das principais autoras do estudo citado por Kuehl na conferência de
imprensa da quinta-feira, sobre a conexão entre violência e jogos de fute-
bol, ela disse: “Não é isso o que encontramos". Em vez disso, ela disse a
226

Ringle, eles descobriram que um aumento nas admissões em salas de emer-


gência "não estava associado à ocorrência de jogos de futebol em geral".
Ringle então telefonou para Charles Patrick Ewing, profes-
sor da Universidade de Buffalo, a quem a Dobisky Associa-
tes atribuiu a citação: "O domingo do Super Bowl é um dia
no ano em que as linhas diretas, os abrigos e outras agên-
cias que trabalham com mulheres espancadas recebem a
maioria dos relatos e queixas de violência doméstica". "Eu
nunca disse isso", disse Ewing a Ringle. Quando foi informado sobre a ne-
gativa de Ewing, Frank Dobisky se corrigiu, dizendo que o jornal deveria ter
dito "um dos dias do ano". Mas essa explicação torna a alegação incoerente,
já que somente um dia pode ter a "maioria" das reclamações de violência,
ou a banaliza, já que qualquer dia (incluindo o Dia da Mentira) pode ser
considerado o dia do aumento da brutalidade.
Ringle ligou para Lynda Gorov, a repórter do Boston Globe, para checar a
informação. Gorov lhe disse que nunca tinha visto o estudo que ela citou,
mas tinha sido informada sobre ele pela FAIR. A senhora Mitchell, da FAIR,
disse a Ringle que o número de 40% se baseava em Lenore Walker. O escri-
tório de Walker, por sua vez, encaminhou as ligações para Michael Lindsey,
um psicólogo de Denver e uma autoridade no tema das mulheres agredidas.
Pressionado por Ringle, Lindsey admitiu que não encontrou nenhum funda-
mento para o relatório. "Eu não tenho tido mais sucesso do que você ao
rastrear nada disso", disse ele. "Você acha que podemos ter aqui uma lenda
urbana?"
Mais tarde, outros repórteres foram até Walker, pressionando-a para deta-
lhar seus achados. Ela disse que eles não estavam disponíveis. "Nós não os
usamos para consumo público", explicou ela, "nós os usamos para nos guiar
em projetos de advocacia (defesa de direitos)."
Teria sido mais honesto para as feministas que iniciaram a campanha admi-
tir que não havia fundamento para dizer que os fãs de futebol americano
são mais brutais com as mulheres do que os jogadores de xadrez ou os de-
mocratas; nem que havia qualquer fundamento para dizer que ocorria um
aumento significativo na violência doméstica no domingo do Super Bowl.
227

A descoberta de Ringle sobre a "lenda urbana" foi publicada


na primeira página do Washington Post em 31 de janeiro. Em
2 de fevereiro, o jornalista do Boston Globe Bob Hohler pu-
blicou o que significou uma retração da história de Gorov.
Hohler fizera algumas investigações mais profundas e conse-
guira que Steven Rendell, da FAIR, retirasse o apoio anterior da organização
à reivindicação. "Não deveria ter saído em materiais da FAIR", disse Rendell.
Hohler conseguiu outro conjunto de entrevistas, desta vez com psicólogos
que lhe disseram que tinham dúvidas sobre a história desde o início. Uma
especialista, Joan Stiles, coordenadora de educação pública da Coalizão dos
Grupos de Serviço de Mulheres Agredidas de Massachusetts,
disse ao Globe que a história do Super Bowl "sensacionalizou
e banalizou" o problema da agressão e prejudicou a credibili-
dade da causa. Lundy Bancroft, diretor de um programa de
aconselhamento para homens agressores sediado em Cam-
bridge, disse: "Eu não acreditei nos 40% desde o primeiro ins-
tante". Bancroft também sugeriu que a campanha para pressionar a NBC a
divulgar a mensagem sobre a violência doméstica "estigmatizou injusta-
mente" os fãs de futebol. "Não há agressor estereotípico", disse ele.
Linda Mitchell da FAIR reconheceria mais tarde que, durante a coletiva de
imprensa original, estava ciente de que Kuehl estava deturpando o estudo
da Old Dominion. Ringle perguntou se ela não se sentia obrigada a desafiar
sua colega. "Eu não faria isso na frente da mídia", disse Mitchell. "Ela tem o
direito de relatar isso como quiser."
As investigações de Hohler apoiavam plenamente as conclusões a que Rin-
gle chegara. Ringle escreveu: "Apesar de suas alegações dramáticas, ne-
nhum dos ativistas parece ter qualquer evidência de que existe realmente
um vínculo entre o futebol e o espancamento de mulheres. No entanto, o
conceito ganhou tal credibilidade que sua campanha rolou de qualquer ma-
neira, inabalável".
Lenore Walker ficou furiosa com Ken Ringle por criticar sua pesquisa. Ela
atribuiu a postura antipática dele ao ressentimento masculino por não con-
seguir falar com ela pelo telefone no dia em que ele estava escrevendo sua
história. Como ela explicou para Bob Hohler do Boston Globe: "Ele [Ringle]
sentiu como se tivesse o direito de falar comigo; porque ele não conseguiu
o que ele julgava ter o direito de conseguir, ele ficou irritado e decidiu usar
228

sua caneta como uma espada, como um agressor faz com o seu punho
quando não consegue ter o que ele acha ser do seu direito."
Os abrigos e linhas diretas, que monitoraram o domingo do 27º Super Bowl
com especial cuidado, não relataram variação no número de pedidos de
ajuda nesse dia, nem mesmo em Búfalo, cujo time (e seus fãs) sofreu uma
derrota esmagadora50. Como Michael Lindsay comentou a Ken Ringle:
“Quando as pessoas fazem declarações loucas como esta, a credibilidade
da causa inteira pode ir direto pela janela”.
Apesar da exposição de Ringle, a "estatística" do Super Bowl de domingo
estará conosco por um tempo, fazendo seu trabalho divisivo de gerar medo
e ressentimento. No livro How to Make the World a Better Place for Women
in Five Minutes a Day (Como tornar o mundo um lugar melhor para as mu-
lheres em cinco minutos por dia), um comentário sob o título "Did You
Know?" (Você sabia?) informa aos leitores que "o domingo de Super Bowl”
é o dia mais violento do ano, com o maior número reportado de casos de
violência doméstica". Como a crença nessa lorota misândrica pode tornar o
mundo um lugar melhor para as mulheres não é explicado.

***

Quantas mulheres nos Estados Unidos são brutalizadas pelos homens em


suas vidas? Aqui está uma seção transversal das várias respostas que são
dadas:
Durante o período de 9 anos, os parceiros íntimos cometeram 5,6 milhões
de vitimizações violentas contra as mulheres, uma média anual de 626.000.
(Departamento de Justiça dos EUA, 1991)
Aproximadamente, 1,8 milhão de mulheres por ano é agredida fisicamente
por seus maridos ou namorados. (Atrás das Portas Fechadas: Violência na
Família Americana).
No ano passado, 3 milhões de mulheres foram agredidas. (Senador Joseph
Biden, 1991)

50 Segundo a Wikipédia, nesse dia, o Dallas Cowboys bateu o Buffalo Bills por 52 a 17.
229

A violência doméstica total, relatada e não relatada, afeta cerca de 4 mi-


lhões de mulheres por ano. (Relatório da equipe do senador Biden, 1992)
Estima-se que 3 a 4 milhões de mulheres sejam brutalmente espancadas a
cada ano nos EUA. (Dicionário Feminista)
Quase 6 milhões de esposas serão abusadas por seus maridos em qualquer
ano. (Revista Time, 5 de setembro de 1983)
Mais de 50% de todas as mulheres experimentarão alguma forma de vio-
lência de seus cônjuges durante o casamento. Mais de 1/3 é atacada repe-
tidamente a cada ano. (Coalizão Nacional contra a Violência Doméstica)
As estimativas do número de mulheres espancadas por segundo variam:
Uma mulher é espancada a cada 18 segundos. (Gail Dines, 1992)
Uma mulher americana é espancada pelo marido ou namorado a cada 15
segundos. (New York Times, 23 de abril de 1993)
A cada 12 segundos, uma mulher nos Estados Unidos é espancada pelo
marido ou amante. (Mirabella, novembro de 1993)
Um gongo soará a cada 10 segundos para uma mulher ser espancada nos
Estados Unidos. ("The Clothesline Project", Universidade Johns Hopkins)
Nos Estados Unidos, a cada 7,4 segundos, uma mulher é espancada pelo
marido. (Anais de Medicina de Emergência, junho de 1989)
6,5 milhões de mulheres anualmente são agredidas por seus parceiros...
uma a cada 5 segundos. (Brother Peace, 1993)
Às vezes, a mesma fonte dará tanto o número absoluto de mulheres agre-
didas (em milhões) quanto a relação de mulheres agredidas por segundo,
sem reconhecer que os dois são inconsistentes. Como há 31.536.000 segun-
dos em um ano, a taxa de uma mulher agredida a cada 15 segundos equi-
valeria a 2,1 milhões de agressões. 3 a 4 milhões significariam uma mulher
agredida a cada 7,9 ou 10,5 segundos. Esse erro é comum:
Segundo a Coalizão Nacional contra a Violência Doméstica, 3 a 4 milhões de
mulheres são agredidas todos os anos nos EUA, uma a cada 15 segundos.
(Mary McGrory, Washington Post, 20 de outubro de 1987)
230

A violência doméstica afeta cerca de 4 a 5 milhões de mulheres por ano. A


cada 15 segundos, uma mulher americana é abusada por seu parceiro.
(Christian Science Monitor, 12 de outubro de 1990)
Há 3 milhões a 4 milhões de mulheres espancadas pelos maridos ou aman-
tes todos os anos; isso é uma a cada 15 segundos. (Chicago Tribune, 10 de
fevereiro de 1992)
Richard J. Gelles e Murray A. Straus são cientistas sociais
acadêmicos (da Universidade de Rhode Island e da Univer-
sidade de New Hampshire, respectivamente) que estudam
a violência doméstica há mais de 25 anos. Suas pesquisas
estão entre as mais respeitadas e frequentemente citadas
por outros cientistas sociais, pela polícia, pelo FBI e pelo
pessoal de agências de violência doméstica.
Durante muito tempo, Gelles e Straus foram altamente considerados por
ativistas feministas pelo trabalho pioneiro que haviam feito nessa área ou-
trora negligenciada. Mas eles caíram em desgraça no final dos anos 1970,
porque suas descobertas não endossaram a tese de que a "violência é cau-
sada pelo patriarcado". O fato de que eles eram homens também pesou
contra eles.
Gelles e Straus encontraram altos níveis de violência em muitas famílias
americanas; mas em ambas as pesquisas nacionais eles descobriram que as
mulheres eram tão propensas a se envolverem nela quanto os homens. Eles
também descobriram que os irmãos são os mais violentos de todos. Eles
distinguem entre violência menor, como arremessar objetos, apertar, em-
purrar e esbofetear (sem ferimentos, sem intimidação grave), e violência
severa, como chutar, bater ou tentar acertar com um objeto, bater com o
punho, espancar, e ameaçar com arma ou faca – ações que têm uma alta
probabilidade de levar a ferimentos ou são acompanhadas pela grave ame-
aça de lesão. A grande maioria das disputas familiares envolve mais violên-
cia menor do que violência grave. Em seu Segundo Inquérito Nacional sobre
Violência Familiar, de 1985, patrocinado pelo Instituto Nacional de Saúde
Mental, eles descobriram que 16% dos casais eram violentos – os "Lutado-
res de Sábado à Noite" (com a esposa tão propensa quanto o marido a es-
bofetear, agarrar, empurrar ou jogar coisas). Em 3 a 4% dos casais, houve
pelo menos um ato de violência severa do marido contra a esposa. Mas, em
suas pesquisas, eles também descobriram que "as mulheres atacam seus
231

parceiros quase na mesma proporção que os homens agridem suas parcei-


ras. Isso se aplica tanto aos ataques menores quanto aos severos".
Gelles e Straus têm o cuidado de dizer que é muito mais provável que as
mulheres sejam feridas e precisem de cuidados médicos. Mas, no geral, a
porcentagem de mulheres que são feridas seriamente o
bastante para precisar de assistência médica ainda é relati-
vamente pequena comparada às alegações infladas das fe-
ministas de gênero e dos políticos – menos de 1%. Murray
Straus estima que aproximadamente 100.000 mulheres por
ano são vítimas dos tipos graves de violência mostrados no
filme de TV The Burning Bed. Esse é um número chocantemente alto de
vítimas, mas está muito aquém da afirmação do senador Biden, derivada
de estudos de defesa feminista, de que mais de 3 ou 4 milhões de mulheres
são vítimas de violência "horripilante".
Straus e Gelles fizeram outras descobertas não apreciadas pelas feministas
de gênero. Entre eles está a constatação de que, devido à mudança demo-
gráfica e ao aumento da conscientização pública, houve uma redução signi-
ficativa na agressão contra mulheres entre 1975 e 1985. Além disso, em-
bora tenham relatado que a agressão aumentou durante a gravidez, agora
dizem estar enganados: "Dados da Segunda Pesquisa Nacional de Violência
Familiar de 1985 indicam que a associação anteriormente relatada entre
gravidez e violência entre marido e mulher é espúria e é um artefato do
efeito de outra variável, a idade".
Gelles e Straus consideram a violência doméstica um grave problema naci-
onal. Eles têm sido, durante anos, defensores da intervenção social, médica
e jurídica para ajudar as mulheres agredidas. Mesmo assim, de acordo com
seus estudos, mais de 84% das famílias não são violentas, e entre as 16%
que são, quase metade da violência (embora não metade da que causa fe-
rimentos) é perpetrada por mulheres.
Jornalistas, ativistas e até mesmo feministas de gênero fazem amplo uso
das pesquisas de Gelles e Straus. Alguns pesquisadores manipulam seus da-
dos para obter números chocantes sobre abuso. Se você ignorar a distinção
dos pesquisadores entre a violência menor e a severa, se você nunca men-
cionar que as mulheres agarram, empurram e estapeiam tanto quanto os
232

homens, chega-se a números muito altos de agressões: 3 milhões, 4 mi-


lhões, 6 milhões, dependendo de quão flexível você é no que você conta
como agressão.
A Coalizão Nacional contra a Violência Doméstica dá números chocantes
sobre o abuso em seu panfleto de angariação de fundos: "Mais de 50% de
todas as mulheres experimentam alguma forma de violência de seus mari-
dos durante o casamento. Mais de 1/3 é atacada repetidamente a cada
ano". Ficamos com a impressão de que 1/3 de todas as mulheres casadas
(18 milhões) estão sendo repetidamente agredidas. Onde a coalizão conse-
guiu esses números? Ou confiavam em suas próprias fontes feministas de
gênero ou interpretavam criativamente os estudos do FBI, do Departa-
mento de Justiça, ou de Gelles e Straus para atender aos seus propósitos.
Este último foi o que o Fundo da Comunidade, uma fundação filantrópica
do Estado de Nova York preocupada com a saúde pública, fez em sua Pes-
quisa de Saúde da Mulher.

***

Em julho de 1993, o Fundo da Comunidade divulgou os resultados de uma


pesquisa telefônica com 2.500 mulheres, projetada e realizada pela Louis
Harris e Associados. Os investigadores do Fundo da Comunidade e da Harris
tiraram suas perguntas diretamente da pesquisa Gelles e Straus e obtive-
ram os seguintes resultados:
Eu gostaria que você me dissesse se, nos últimos 12 meses, seu marido ou
parceiro já:
SIM NÃO
1 Insultou ou praguejou contra você 34% 66%
2 Saiu pisando forte no quarto, na casa, no quintal51 34% 66%
3 Ameaçou bater em você ou atirar algo em você 5% 95%
4 Atirou, esmagou, bateu ou chutou alguma coisa 11% 89%
5 Atirou alguma coisa contra você 3% 97%
6 Apertou, agarrou, empurrou ou estapeou você 5% 95%

51 No original, stomped out of the room or house or yard.


233

7 Chutou, mordeu ou bateu em você com o punho 2% 98%


ou qualquer outro objeto
8 Espancou você 0% 100%
9 Sufocou você 0% 99%52
10 Ameaçou você com uma arma ou faca 0% 100%
11 Usou uma faca ou arma 0% 100%

Usando essas descobertas, e com base na suposição de que existem apro-


ximadamente 55 milhões de mulheres casadas ou vivendo com alguém
como um casal, a pesquisa Harris/Comunidade concluiu que cerca de 4 mi-
lhões de mulheres eram vítimas de agressões físicas e 20,7 milhões eram
verbal ou emocionalmente abusadas pelos seus parceiros.
Jornais de todo o país, incluindo o Wall Street Journal, o Washington Post,
o Detroit News e o San Francisco Chronicle, transmitiram as tristes notícias
de que 37% das mulheres casadas são abusadas emocionalmente e 3,9 mi-
lhões são agredidas fisicamente todos os anos.
Ninguém mencionou que todas as perguntas da pesquisa foram tiradas do
questionário que Gelles e Straus usaram em suas Pesquisas de Violência Fa-
miliar de 1975 e 1985, com resultados muito diferentes. Interpretando
como Gelles e Straus interpretaram os dados, a pesquisa mostrou que, na
verdade, a violência ainda estava diminuindo. A pesquisa descobriu que 2 a
3% dos entrevistados sofreram o que Gelles e Straus classificam como "vio-
lência severa".
Mas a descoberta mais interessante de todas, e totalmente ignorada pela
imprensa, por não se harmonizar com as notas de alarme nos comunicados
de imprensa da Harris/Comunidade, foi a resposta que a pesquisa recebeu
para as perguntas de 8 a 11, sobre as formas mais severas de violência. Gel-
les e Straus estimaram que essas coisas acontecem com menos de 1% das
mulheres. De acordo com a amostra da pesquisa, o percentual de mulheres
que tiveram essas experiências foi praticamente zero: todas as entrevista-
das responderam "não" a todas as perguntas sobre violência grave. Este
achado não significa, evidentemente, que nenhuma mulher foi brutalmente
atacada. Mas sugere que a violência severa é relativamente rara.

52 Está assim mesmo no livro: 0 – 99.


234

Então, de onde veio o número de 4 milhões de vítimas de agressões físicas?


E os 20 milhões de abusos psicológicos? Claramente, os intérpretes dos da-
dos da pesquisa Harris/Comunidade estavam operando com uma concep-
ção muito mais ampla de "abuso" do que Gelles e Straus. Olhando para o
"instrumento de pesquisa", descobrimos que eles de fato abriram a porta
para as conclusões alarmistas que disseminaram. Para algumas das respos-
tas que Gelles e Straus contaram como menores e não indicativas de abuso,
o pessoal da Harris/Comunidade levou a sério. Por exemplo, o questionário
perguntava "se nos últimos 12 meses seu parceiro já: 1) te insultou ou pra-
guejou contra você, ou 2) saiu pisando forte no quarto, na casa ou no quin-
tal". 34% das mulheres responderam "sim" a essas perguntas, e todas fo-
ram classificadas como vítimas de "abuso emocional e verbal". Se os ho-
mens tivessem sido incluídos, é de se perguntar se não teria ficado provado
que eles são igualmente "abusados".
Para chegar à cifra de 4 milhões de abusos físicos, a pesquisa utilizou o sim-
ples expediente de ignorar a distinção entre atos violentos menores e seve-
ros, contando todos os atos de violência como atos de abuso. 5% das mu-
lheres com quem falaram disseram ter sido "apertadas, agarradas, empur-
radas ou esbofeteadas"; todas foram classificadas como vítimas de violên-
cia doméstica e usadas para obter uma projeção de 4 milhões de vítimas
em todo o país. Nenhum esforço foi feito para descobrir se a agressão era
mútua ou se era fisicamente prejudicial ou seriamente intimidante. Se um
casal tem uma briga, e ela sai pisando forte do quarto (ou quintal), e ele
agarra o braço dela, isso contaria como um violento ataque físico a ela.
Se os dados da pesquisa puderem ser confiáveis e os interpretarmos da ma-
neira cuidadosa e razoável que Gelles e Straus recomendam, podemos
aprender que os piores tipos de abuso podem estar diminuindo. Isso ainda
não é nada para comemorar. Se até 3% das mulheres americanas que são
casadas ou moram com parceiros correm risco de abuso grave, isso equiva-
leria a 1,6 milhão de mulheres. Se os números mais altos encontrados por
Gelles e Straus estiverem corretos (3-4%), então o número de mulheres em
risco é de 2,2 milhões. Ambos os números são tragicamente grandes e
apontam para a necessidade urgente de prevenção, abrigos e outras formas
de ajuda às vítimas.
Mas como isso ajuda as feministas de gênero em sua campanha misân-
drica? Elas precisam descobrir que uma grande proporção de homens são
235

espancadores; uns escassos 3 ou 4% não servirão ao seu propósito. Quanto


aos jornalistas e apresentadores de jornal, seus interesses muitas vezes es-
tão em dar uma imagem sensacionalista e não exata da violência de gênero,
e eles tendem a dar crédito às pesquisas de advocacia. Melhor 4 milhões ou
5 do que 1 ou 2. Evidentemente, a revista Time achou que 6 milhões era
ainda melhor. E ainda melhor se os leitores e telespectadores da mídia ti-
verem a impressão de que os números inflados não se referem a tapas, em-
purrões ou apertões, mas a agressões brutais, aterrorizantes e ameaçado-
ras à vida.

***

As feministas de gênero estão comprometidas com a doutrina de que a


grande maioria dos agressores ou estupradores não são personagens mar-
ginais, mas homens que a sociedade considera normais – fãs de esportes,
antigos irmãos da fraternidade, pilares da comunidade. Para esses homens
"normais", as mulheres não são tanto pessoas quanto "objetos". Na visão
feminista de gênero, uma vez que uma mulher é "objetificada" e, portanto,
desumanizada, espancá-la é simplesmente o próximo passo lógico.
Quão "normais" são os homens que batem? Eles são maridos comuns? Es-
sas são questões legítimas, mas o caminho para respostas razoáveis é mui-
tas vezes bloqueado por dogmas feministas. Ao deixar de lado as barreiras
feministas, podemos discernir algumas verdades importantes.
Os agressores são realmente apenas caras comuns? Se o estado de Massa-
chusetts pode ser considerado típico – a grande maioria dos agressores é
formada por criminosos. Andrew Klein, chefe do escritório de condicional
em Quincy Court, em Quincy, Massachusetts, estudou espancamentos rein-
cidentes para a Fundação Ford. Em seu relatório final, ele disse: "Quando
Massachusetts computadorizou seus arquivos de ordem de restrição civil
em 1992, relacionando-os com a base de dados de infratores criminais do
estado, descobriu que quase 80% dos primeiros 8.500 homens contra quem
havia ordens restritivas tinham antecedentes criminais no Estado."
Muitos dos registros dos espancadores eram por ofensas como dirigir em-
briagado e drogas, mas quase metade tinha antecedentes de violência con-
236

tra vítimas masculinas e femininas. Klein continua: "Em outras palavras, es-
ses homens eram geralmente violentos, agredindo outros homens tanto
quanto mulheres íntimas. O número médio de queixas anteriores de crimes
contra pessoas era de 4,5" (minha ênfase).
As feministas de gênero acreditam que o homem comum é um agressor em
potencial, porque é assim que os homens são "socializados" no patriarcado.
Mas ideologia à parte, há indícios de que aqueles que batem não são a mé-
dia. Falar de uma misoginia generalizada pode estar nos impedindo de ver
e encarar o efeito particular sobre mulheres e homens do grande elemento
criminoso em nossa sociedade.
Massachusetts pode não ser típico. Ainda assim, o perfil dos agressores de
Massachusetts sugere que não é útil pensar em espancadores exclusiva-
mente em termos de misoginia, patriarcado ou preconceito de gênero. Pre-
cisamos entender por que o número de sociopatas em nossa sociedade, es-
pecialmente o de homens sociopatas violentos, é tão alto.
Minha previsão é que as importantes descobertas de Klein serão ignoradas.
De que serve aos guerreiros de gênero como Marilyn French e Gloria Stei-
nem mostrar que os criminosos violentos tendem a abusar de suas esposas
e namoradas tanto quanto de outros machos? Sua principal preocupação é
persuadir o público de que o chamado homem normal é um ser humano
moralmente defeituoso que se diverte em ferir as mulheres.

***

Há outros estudos importantes que podem ajudar a lançar luz sobre o es-
pancamento e ajudar muitas vítimas que são ignoradas porque seus agres-
sores não se encaixam no estereótipo feminista de gênero.
Acontece que as lésbicas podem estar se agredindo na
mesma proporção que os heterossexuais. Vários livros e ar-
tigos documentam o problema da violência entre lésbicas.
Claire Renzetti, professora de sociologia na Universidade St.
Joseph's, na Filadélfia, estudou o problema da violência lés-
bica e resumiu as descobertas em Violent Betrayal: Partner Abuse em Les-
bian Relationships (Traição violenta: abuso de parceiros em relacionamen-
tos lésbicos):
237

Parece que a violência nas relações lésbicas ocorre aproximadamente com


a mesma frequência que a violência nas relações heterossexuais. O abuso
pode... [abranger] de ameaças verbais e insultos a esfaqueamentos e tiro-
teios. De fato, os agressores demonstram uma engenhosidade aterrorizante
em sua seleção de táticas abusivas, frequentemente adaptando o abuso às
vulnerabilidades específicas de seus parceiros.
Novamente, parece que a agressão pode ter muito pouco a ver com patri-
arcado ou preconceito de gênero. Onde não criminosos estão envolvidos, a
agressão parece ser uma patologia da intimidade, tão frequente entre gays
quanto entre pessoas heterossexuais.
Pesquisas sobre agressão e estupro são o principal material dos defensores
do feminismo de gênero. Pesquisadores que tentam prosseguir suas inves-
tigações de maneira não política estão frequentemente sujeitos ao ataque
dos defensores. Murray Straus relata que ele e alguns de seus colegas de
trabalho "se tornaram objeto de amargos ataques acadêmicos e pessoais,
incluindo ameaças e tentativas de intimidação". No final dos anos 70 e início
dos anos 80, suas apresentações acadêmicas eram às vezes obstruídas por
vaias, gritos ou piquetes. Quando ele estava sendo considerado para escri-
tórios em sociedades científicas, ele foi rotulado como um antifeminista.
Na edição de novembro de 1993 da Mirabella, Richard Gelles e Murray
Straus foram acusados de usar "raciocínio sexista" e de produzir trabalhos
de "conhecimento pop". O artigo não oferece evidências para esses julga-
mentos. Em 1992, circulou um boato de que Murray Straus havia espancado
sua esposa e assediado sexualmente suas alunas. Straus reagiu da melhor
maneira possível e, em um dos casos, conseguiu obter um pedido de des-
culpas por escrito de uma ativista da violência doméstica.
Richard Gelles afirma que sempre que os pesquisadores do
sexo masculino questionam as descobertas exageradas so-
bre a violência doméstica, nunca demora muito para que co-
mecem a circular rumores de que ele próprio é um agressor.
Para as céticas femininas, no entanto, a situação parece ser
igualmente intimidante. Quando Suzanne K. Steinmetz, co-
investigadora da Primeira Pesquisa Nacional sobre Violência
Familiar, estava sendo considerada para uma promoção, as feministas or-
ganizaram um abaixo-assinado pedindo que ela fosse negada. Ela também
recebeu ligações ameaçando a ela e sua família, e houve uma ameaça de
238

bomba em uma conferência onde ela falou. Enquanto os pesquisadores fo-


rem intimidados, provavelmente permaneceremos no escuro sobre a ver-
dadeira dimensão de um problema que afeta a vida de milhões de mulheres
americanas.
Outro fator que limita as perspectivas de pesquisa sólida nessa área é a au-
sência de um sistema rigoroso de revisão. Na maioria dos campos, quando
um estudo bem conhecido é falho, os críticos podem fazer o próprio nome
mostrando seus defeitos. Esse processo faz com que os pesquisadores se-
jam honestos. No entanto, no atual ambiente de pesquisa feminista, quanto
maior for o seu número para abusos, maior a probabilidade de obter re-
compensas, independentemente da sua metodologia. Você será mencio-
nado em enciclopédias feministas, dicionários, "fichas téc-
nicas" e livros didáticos. Sua pesquisa será amplamente di-
vulgada; Ellen Goodman, Anna Quindlen e Judy Mann co-
locarão você em suas colunas. Revistas de moda irão repro-
duzir seus gráficos e tabelas. Você pode ser citado por Pat
Schroeder, Joseph Biden e por cirurgiões gerais53 de ambos
os partidos. O escritório do senador Kennedy ligará. Você deve esperar ser
convidado para prestar um testemunho de especialista perante o Con-
gresso. Quanto a pretensos críticos, eles estão acabados.
A mesma reportagem da revista Time que relatou o inexistente estudo de
March of Dimes também informou aos leitores que "entre 22% e 35% de
todas as visitas de mulheres a salas de emergência são por ferimentos cau-
sados por agressões domésticas". Este dado é uma das estatísticas mais ci-
tadas na literatura sobre violência contra mulheres. Ele aparece regular-
mente em notícias sobre o abuso de mulheres. Está nos folhetos das agên-
cias de violência doméstica e está na ponta das línguas de muitos políticos.
De onde isso vem? A fonte primária é um artigo de 1984 intitulado "Vítimas
da Violência Doméstica no Departamento de Emergência", do Jornal da As-
sociação Médica Americana. Indo para o estudo, descobrimos que foi rea-

53 Segundo a Wikipédia, o Surgeon General (cirurgião geral) é um título usado nos Estados Unidos, em
vários países da Commonwealth e na maioria das nações da OTAN, para se referir a um oficial médico
militar sênior ou a um médico veterano comissionado pelo governo e encarregado de responsabilida-
des de saúde pública. (...) Nos Estados Unidos, o chefe de saúde pública é o cirurgião geral dos Estados
Unidos e muitos estados têm seus próprios cirurgiões gerais. Além disso, três dos serviços militares
dos EUA têm seu próprio cirurgião geral, a saber, o Cirurgião Geral do Exército dos Estados Unidos,
Cirurgião Geral da Marinha dos Estados Unidos e Cirurgião Geral da Força Aérea dos Estados Unidos.
239

lizado no Hospital Henry Ford, no centro de Detroit. Os autores nos infor-


mam abertamente que seu grupo de amostra não era representativo da
população americana em geral. Dos 492 pacientes que responderam a um
questionário sobre violência doméstica, eles relatam que 90% eram do cen-
tro de Detroit e 60% estavam desempregados. Também aprendemos que o
valor de 22% abrange homens e mulheres. 38% daqueles que se queixam
de abuso eram homens.
Os autores do estudo de Detroit tiveram o cuidado de apontar seu escopo
limitado, mas os editores do Jornal da Associação Médica Americana que
relataram seus resultados não foram tão cuidadosos. Em uma coluna de
1990 chamada "News Update", lemos que "22% a 35% das mulheres que
apresentam alguma queixa estão lá por causa de sintomas relacionados ao
abuso contínuo". Nas notas de rodapé, eles citam o estudo de 1984 em De-
troit, um artigo de Evan Stark e Anne Flitcraft, e um estudo publicado em
1989 nos Anais de Medicina de Emergência.
Evan Stark e Anne Flitcraft são, talvez, os dois pesquisadores
mais conhecidos sobre violência doméstica e admissões em
salas de emergência. Seus números para visitas a salas de
emergência causadas por violência doméstica chegam a 50%.
Mas eles também baseiam seus números em estudos em
grandes hospitais urbanos. Seus números são mais altos que os do estudo
de Detroit porque seu método é revisar antigos registros médicos e estimar
quantas mulheres foram espancadas – não confiando simplesmente no que
a mulher ou o médico assistente disseram. Eles desenvolveram o que eles
chamam de "índice de suspeita". Se uma mulher foi agredida, mas os regis-
tros não dizem quem a agrediu, Stark e Flitcraft classificam isso como um
caso de abuso doméstico "provável"; se ela tem ferimentos no rosto e no
tronco que são inadequadamente explicados ("Eu esbarrei numa porta"),
eles os classificam como "sugestivos" de abuso. Eles dizem: "No geral, as
lesões não abusivas tendem a ser nas extremidades, enquanto as lesões por
abuso tendem a ser centrais (face ou tronco)". Este método, juntamente
com sua dependência exclusiva de registros de grandes hospitais urbanos,
leva-os a números muito altos de abuso.
240

A metodologia de Evan Stark e Anne Flitcraft é inovadora e


imaginativa, e pode de fato ajudar os profissionais a identifi-
car mais mulheres que são vítimas de abuso. Ainda assim, a
metodologia é altamente subjetiva. A tendência de Stark e
Flitcraft de cair no jargão feminista de gênero levanta ques-
tões sobre sua objetividade. Em um artigo chamado "Medi-
cina e Violência Patriarcal", eles especulam sobre por que as mulheres se
casam: "A discriminação econômica contra as mulheres nas sociedades ca-
pitalistas – segregação no trabalho por sexo, empregos marginais e salários
mais baixos – leva as mulheres a se casarem, aplicarem seu tempo de tra-
balho subvalorizado à escravidão do lar, e permanecerem dependente dos
homens em geral, quando não de um marido, namorado ou pai específico".
Eles temem que os abrigos para mulheres possam ser coop-
tados por uma "ideologia burguesa" que desvia as mulheres
da necessidade de uma "revolução social fundamental". Eles
citam Karl Marx, Franz Fanon, Herbert Marcuse e Michel
Foucault como se fossem autoridades inquestionáveis na po-
lítica de gênero e no capitalismo. Eles criticam Friedrich En-
gels – mas apenas porque dizem que ele soa muito como um "moralista
burguês". Flitcraft e Stark parecem considerar o abuso que afirmam ter en-
contrado como o tipo de coisa que se deve esperar encontrar em um patri-
arcado capitalista burguês. Mas muitas vezes também funciona de outra
forma: você escolhe uma metodologia de pesquisa que lhe dará os resulta-
dos esperados.
O Jornal da Associação Médica Americana cita uma terceira fonte para a
estatística de 22% e 35%, um artigo chamado "Educação não é suficiente:
falha nos sistemas de proteção a mulheres agredidas", dos Anais da Medi-
cina de Emergência. Esse artigo relata um pequeno estudo feito a partir dos
"registros do departamento de emergência de uma escola de medicina que
atende a população urbana" da Filadélfia. Como Flitcraft e Stark, usando
"estimativas aproximadas" e concentrando-se no segmento da população
com as maiores taxas gerais de violência, os pesquisadores conseguiram
números muito altos – até 30%.
Ao examinar a pesquisa sobre a violência doméstica, vê-se que os periódi-
cos médicos respeitados favorecem acriticamente as feministas em suas
tendências inflacionárias. É difícil evitar a impressão de que os periódicos
241

médicos abandonaram seus padrões habituais ao relatar as descobertas


dos estudos de agressão. É bastante claro que os estudos deste calibre so-
bre algum outro assunto de interesse e importância médica não seriam re-
latados, ou seriam relatados com muitas ressalvas. Na minha opinião, fazer
uma pesquisa de latitude anormal sobre "temas femininos" é paternal-
mente sexista.
Em novembro de 1992, o Fundo de Prevenção da Violência Familiar realizou
uma pesquisa com todos os 397 departamentos de emergência dos hospi-
tais da Califórnia. Os gerentes de enfermagem foram questionados: "Du-
rante um mês típico, aproximadamente quantos pacientes foram diagnos-
ticados com uma lesão causada por violência doméstica?" As estimativas
dos enfermeiros variaram de 2 por mês para hospitais pequenos a 8 por
mês para os grandes hospitais. Esse achado corresponde ao baixo número
de Gelles e Straus por violência que poderia exigir hospitalização.
Os pesquisadores do Fundo não aceitaram os resultados; em vez disso, con-
cluíram que as enfermeiras simplesmente não estão preparadas para lidar
com o problema e estão amplamento subestimando-o. "As baixas taxas de
indivíduos relatadas nesta pesquisa podem ser explicadas pela marcada
falta de treinamento específico para a violência doméstica". Pode-se con-
cordar que enfermeiros e médicos precisam desse tipo de treinamento. Por
outro lado, as baixas taxas de agressão que eles encontraram soam plausí-
veis; pois, ao contrário de todos os outros estudos sobre salas de emergên-
cia e violência, este realmente pesquisou uma seção transversal justa dos
hospitais.
Como muitos ativistas feministas e pesquisadores têm uma tendência tão
grande em exagerar o problema e tão pouco escrúpulo em fazê-lo, infor-
mações objetivas sobre violência doméstica são muito difíceis de obter. A
história do Super Bowl foi uma mentira descarada desde o início. A lenda
da "regra do polegar" é um exemplo de revisionismo histórico no qual as
feministas acreditavam alegremente. Isso reforça a perspectiva delas sobre
a sociedade, e elas dizem isso como uma maneira de ganhar convertidos à
sua ideologia raivosa.
Como é dito no ensaio de abertura de um dos livros mais populares em es-
tudos femininos, Women: A Feminist Perspective (Mulheres: uma perspec-
tiva feminista), "A popular 'regra do polegar originou-se do direito comum
(common law) inglês, que permitia ao marido bater em sua esposa com um
242

chicote ou vara não maior em diâmetro que o polegar dele. A prerrogativa


do marido foi incorporada à lei americana. Vários estados tiveram estatutos
que essencialmente permitiram ao homem bater em sua esposa sem inter-
ferência dos tribunais."
O objetivo da história é levar os alunos à compreensão de que eles nasce-
ram em um sistema que tolera a violência contra as mulheres. Sheila Kuehl,
a ativista legal feminista que desempenhou um papel central no lança-
mento da fraude "Abuse Bowl", apareceu no "Sonya Live" da CNN quatro
meses após o incidente, falando sobre a suposta história da regra do pole-
gar e aclamando as Novas Feministas a finalmente revidar: "Eu acho que
estamos desfazendo milhares e milhares de anos da história humana. Você
conhece a expressão 'regra do polegar’ que todo mundo pensa ser a medida
padrão de tudo? Foi uma lei na Inglaterra que dizia que você poderia bater
em sua esposa com uma vara, contanto que não fosse mais grossa... que
seu polegar".
Colunistas e jornalistas que escrevem sobre a violência doméstica foram rá-
pidos em entender a anedota.
A expressão coloquial "regra do polegar" é supostamente derivada do di-
reito antigo de um marido de disciplinar sua esposa com uma vara "não
mais grossa que o polegar". (Revista Time, 5 de setembro de 1983)
O direito do marido de bater em sua esposa está incluído na codificação da
Lei Comum de Blackstone em 1768. Os maridos tinham o direito de "castigar
fisicamente" uma esposa malcriada, desde que a vara não fosse maior que
o polegar - a chamada "regra do polegar". (Washington Post, 3 de janeiro
de 1989)
A violência contra as mulheres não deve ser justificada pela regra do pole-
gar – uma expressão de uma antiga lei inglesa que dizia que um homem
poderia bater em sua esposa se a vara não fosse mais grossa que o polegar.
(Constituição de Atlanta, 22 de abril de 1993)
A "regra do polegar", no entanto, é um excelente exemplo do que pode ser
chamado de ficção feminista. Não se encontra no tratado de William Blacks-
tone sobre o direito comum inglês. Pelo contrário, a lei britânica desde os
anos de 1700 e nossas leis americanas anteriores à Revolução proíbem o
espancamento de esposas, embora tenha havido períodos e lugares nos
quais a proibição foi apenas aplicada indiferentemente.
243

Que a expressão nem sequer tenha se originado na prática legal poderia ter
sido averiguada por qualquer cético que se desse ao trabalho de consultá-
la no Dicionário de Inglês Oxford, que observa que o termo tem sido usado
metaforicamente há pelo menos 300 anos para se referir a qualquer mé-
todo de medição ou técnica de estimativa derivados da experiência e não
da ciência.
Segundo o estudioso canadense do folclore Philip Hiscock,
"A verdadeira explicação da 'regra do polegar’ é que ela de-
riva de trabalhadores madeireiros... que conheciam tão bem
seu comércio que raramente ou nunca recaíam no uso de
coisas como réguas. Em vez disso, eles mediam as coisas,
por exemplo, pelo tamanho de seus polegares". Hiscock
acrescenta que a expressão passou a ser usada metaforicamente no final
do século XVII. Hiscock não pôde rastrear a fonte da ideia de que o termo
deriva de um princípio que rege o espancamento de uma esposa, mas ele
acredita ser um exemplo de "folclore moderno" e o compara a outras "ex-
plicações retroformadas", como a afirmação de que aspargos54 vem de
"sparrow-grass" ou que "anel ao redor da roseira55" é sobre a peste bubô-
nica.
Veremos que o palpite de Hiscock estava correto, mas devemos começar
exonerando William Blackstone (1723-80), o inglês que codificou séculos de
costumes e práticas legais díspares e incipientes no tomo elegante e clara-
mente organizado conhecido como Comentários sobre as Leis de Inglaterra.
Os Comentários, universalmente considerados um clássico da literatura ju-
rídica, tornaram-se a base para o desenvolvimento do direito americano. A
chamada regra do polegar como diretriz para espancamento de esposas
não aparece no compêndio de Blackstone, embora ele se refira a uma lei
antiga que permitia "castigo doméstico":
O marido... pela lei antiga, poderia aplicar em sua esposa uma correção mo-
derada. Pois, como ele deve responder pelo mau comportamento dela, a lei

54 No original, asparagus.
55 Segundo a Wikipédia: "Ring a Ring o' Roses", ou "Ring Around the Rosie", ou "Ring a Ring o' Rosie" é
uma canção de ninar ou cantiga e jogo de canto de recreio. Muitas versões do jogo têm um grupo de
crianças que formam um anel, dançam em círculo ao redor de uma pessoa e inclinam-se ou fazem
reverências com a linha final. A criança mais lenta a fazê-lo é confrontada com uma penalidade ou
torna-se a "rosie" (literalmente: roseira, do rosier francês) e ocupa o seu lugar no centro do ringue.
Você pode ver do que se trata clicando aqui: <https://www.youtube.com/watch?v=aZdPCCKPDBY>.
244

achou razoável confiar-lhe esse poder para contê-la, pelo castigo domés-
tico, desde que ele o fizesse com a mesma moderação com que se permite
a um homem corrigir seus aprendizes ou filhos... Mas esse poder de corre-
ção estava confinado dentro de limites razoáveis e o marido foi proibido de
usar qualquer tipo de violência contra sua esposa... Mas conosco, no rei-
nado de Carlos II, esse poder de correção começou a ser questionado; e uma
esposa pode agora ter a segurança da paz contra seu marido... Ainda [en-
tre] o escalão inferior de pessoas... os tribunais permitirão que um marido
restrinja a liberdade da esposa em caso de qualquer mau comportamento
grosseiro dela.
Blackstone diz claramente que a lei comum proibiu a violência contra as
esposas, embora as proibições tenham sido largamente não aplicadas, es-
pecialmente quando se tratava do "escalão inferior de pessoas".
Nos Estados Unidos, houve leis contra o espancamento de
mulheres desde antes da Revolução. Em 1870, era ilegal em
quase todos os estados; mas mesmo antes disso, os agres-
sores de mulheres foram presos e punidos por violência e
agressão. A historiadora e feminista Elizabeth Pleck observa
em um artigo acadêmico intitulado Wife-Battering in Nine-
teenth-Century America (Espancar esposas na América do século XIX):
Tem sido frequentemente alegado que espancar a esposa nos Estados Uni-
dos do século XIX era legal... Na verdade, porém, vários estados aprovaram
estatutos que proibiam legalmente o espancamento de esposas; e pelo me-
nos um estatuto antecede a Revolução Americana. A Colônia da Baía de
Massachusetts proibiu o espancamento de esposas em 1655. O decreto de-
clara: "Nenhum homem golpeará sua esposa e nem a mulher seu marido
sob pena de multa não excedente a dez libras por delito, ou punição corporal
a ser determinada pelo Condado".
Ela aponta que as punições para espancadores de esposas podiam ser se-
veras: de acordo com um estatuto de 1882 de Maryland, o culpado poderia
ser amarrado num pelourinho e receber 40 chicotadas; em Delaware, eram
30. No Novo México, multas variando de US $ 255 a US $ 1.000 foram co-
bradas, ou sentenças de 1 a 5 anos de prisão impostas. Na maior parte de
nossa história, de fato, espancar esposas foi considerado um pecado com-
parável ao roubo ou ao adultério. Grupos religiosos – especialmente grupos
245

protestantes como os Quakers, os Metodistas e os Batistas – puniam, evi-


tavam e excomungavam os agressores de mulheres. Maridos, irmãos e vizi-
nhos muitas vezes se vingavam do espancador. Grupos de vigilantes56 às
vezes raptavam espancadores de mulheres e os chicoteavam.
Como esse boato se originou e como ele conseguiu autoridade e populari-
dade? Tal como acontece com muitos mitos, há uma pequena ilha de ver-
dade cercada por um oceano de equívocos. No decorrer da representação
dos casos anteriores, dois juízes do Sul aludiram a uma "lei antiga" segundo
a qual um homem poderia bater em sua esposa desde que o implemento
não fosse mais largo que seu polegar. Os juízes, um da Carolina do Norte e
outro do Mississippi, não aceitaram a autoridade da "lei antiga". O juiz da
Carolina do Norte referiu-se a ela como "barbarismo", e ambos julgaram
que o marido, no caso em questão, era culpado de abuso de esposa. No
entanto, suas decisões pareciam tolerar a noção de que os homens tinham
uma certa margem para castigar fisicamente suas esposas. Felizmente,
como Pleck se esforça para nos lembrar, eles não representavam a opinião
judicial no resto do país.
Em 1976, Del Martin, coordenadora da Força-Tarefa da
NOW sobre Mulheres Maltratadas, encontrou uma referên-
cia aos dois juízes e suas observações. Nenhum dos juízes
havia usado a expressão "regra do polegar", mas um polegar
havia sido mencionado e Martin anotou:
Nossa lei, baseada nas velhas doutrinas inglesas do direito comum, permitia
explicitamente bater nas esposas para fins correcionais. No entanto, certas
restrições existiam... Por exemplo, a doutrina do direito comum havia sido
modificada para permitir que o marido "tivesse o direito de chicotear sua
esposa, desde que ele usasse uma vara não maior do que o polegar" – uma
regra do polegar, por assim dizer.
A sra. Martin não alegou que o termo "regra do polegar" se originou do
direito comum. Em pouco tempo, porém, a "lei antiga" mencionada por
dois obscuros juízes do Sul estava sendo tratada como um princípio incon-
testável das leis britânicas e americanas, e jornalistas e acadêmicos esta-
vam, no mesmo sentido, discutindo a ideia. A feminista Terry Davidson, em
um artigo intitulado Wife Beating: A Recurring Phenomenon Throughout

56 Grupos que atuavam à margem das leis, fazendo justiça com as próprias mãos.
246

History (Espancamento de esposa: um fenômeno recorrente ao longo da


história), afirma que "uma das razões pelas quais as esposas britânicas do
século XIX eram tratadas com tanta severidade por seus maridos e por seu
sistema legal era a 'regra do polegar’ endossada pelo próprio Blackstone.
Blackstone não viu nada irracional sobre a lei de espancamento da esposa.
Na verdade, ele acreditava que fosse bastante moderada."
Esses erros interpretativos receberam autoridade adicional de um grupo de
acadêmicos e advogados que, em 1982, prepararam um relatório para a
Comissão de Direitos Civis dos Estados Unidos sobre abuso de mulheres
chamado Under the Rule of Thumb: Battered Women and the Administra-
tion of Justice – A Report of the United States Commission on Civil Rights
(Sob a regra do polegar: mulheres espancadas e a administração da justiça
– um relatório da Comissão dos Estados Unidos sobre os Direitos Civis). Na
segunda página, eles observam: "A lei americana é construída a partir da lei
comum britânica que desculpava o espancamento de mulheres e até pres-
crevia a arma a ser usada. Essa 'regra do polegar’ estipulava que um homem
só podia bater em sua esposa com uma vara ‘não mais grossa que o pole-
gar’”. O relatório falava de Blackstone como o jurista que “influenciou
muito a elaboração da lei nas colônias americanas [e que] justificiou a 'regra
do polegar’ ao observar que a lei julgava razoável confiar [ao marido] esse
poder de... castigo, desde que ele o fizesse com a mesma moderação com
que se permite a um homem corrigir seus aprendizes ou filhos".
A publicação do relatório estabeleceu a fábula feminista sobre as origens
do termo no folclore popular, e a misoginia de Blackstone e da "nossa lei"
como um "fato". As distorções sobre a "regra do polegar" ainda aparecem
na imprensa popular.
O mesmo artigo da revista Time de 1993 que popularizou o estudo inexis-
tente da March of Dimes sobre violência doméstica e defeitos congênitos e
relatou que "entre 22% e 35% de todas as visitas de mulhe-
res a salas de emergência são por ferimentos de agressões
domésticas" também citou a professora de direito Holly
Maguigan da Universidade de Nova York: "Falamos sobre a
noção da regra do polegar, esquecendo que isso tem a ver
com a restrição do direito de um homem de usar uma arma
contra sua esposa: ele não poderia usar uma vara mais grossa que o seu
247

polegar." Os estudantes de direito da professora Maguigan fariam bem em


checar seu Blackstone.

***

Reagimos aos agressores com repulsa – primeiro, por causa do que fazem,
que é feio e cruel; e segundo, por causa do que são, covardes e muitas vezes
sádicos. Como sabem os que trabalham nos serviços sociais e nos abrigos,
ajudar mulheres espancadas é tão difícil quanto exigente. Os recursos são
limitados e as estratégias de ajuda são frequentemente controversas. Em
um quadro mais amplo, precisamos de uma boa legislação e boas políticas
públicas, bem como fundos destinados ao problema. Mas políticas públicas
sólidas sobre agressões não podem ser feitas sem informações credíveis e
confiáveis. Ao divulgar mentiras sensacionalistas, as feministas de gênero
sistematicamente diminuem a confiança pública. Especialistas preocupados
com o espancamento e dedicados a aliviar o problema estão preocupados.
Como Michael Lindsey disse a Ken Ringle: "Quando as pessoas fazem decla-
rações loucas como esta, a credibilidade da causa inteira pode ir direto pela
janela."
248

CAPÍTULO 10
PESQUISA SOBRE ESTUPRO

Peço desculpas ao leitor pelo tom clínico deste capítulo. Como um crime
contra a pessoa, o estupro é horrível em seus efeitos a longo prazo. A an-
gústia que ele traz é frequentemente seguida por uma permanente sensa-
ção de medo e vergonha. As discussões sobre os dados sobre estupro ine-
vitavelmente parecem insensíveis. Como se pode quantificar a sensação de
profunda violação por trás das estatísticas? Termos como incidência e pre-
valência pertencem ao jargão estatístico; uma vez que os usamos, necessa-
riamente nos abstraímos da miséria. No entanto, permanece claro que,
para chegar a políticas e estratégias inteligentes para diminuir a ocorrência
de estupro, não temos outra alternativa senão coletar e analisar dados, e
fazê-lo não nos torna insensíveis. A verdade não é inimiga da compaixão e
a falsidade não é amiga.
Algumas feministas rotineiramente se referem à sociedade americana
como uma "cultura do estupro". No entanto, estimativas sobre a prevalên-
cia de estupro variam muito. De acordo com o Relatório de Crime Uniforme
do FBI, houve 102.560 estupros relatados ou tentativas de estupro em
1990. O Bureau of Justice Statistics estima que 130.000 mulheres foram ví-
timas de estupro em 1990. Uma pesquisa da Harris define o número em
380.000 estupros ou agressões sexuais para 1993. De acordo com um es-
tudo realizado pelo Centro Nacional de Vítimas, houve
683.000 estupros em 1990. O Departamento de Justiça diz
que 8% de todas as mulheres americanas serão vítimas de
estupro ou tentativa de estupro durante sua vida. A femi-
nista radical Catharine MacKinnon, no entanto, afirma que
"por definição conservadora [o estupro] acontece com
quase metade de todas as mulheres pelo menos uma vez na vida".
Quem está certo? Ativistas feministas e outros argumentaram de maneira
plausível que os números relativamente baixos do FBI e do Bureau of Justice
Statistics não são confiáveis. A pesquisa do FBI é baseada no número de
casos reportados à polícia, mas o estupro está entre os crimes mais subno-
tificados. A Pesquisa Nacional sobre Crimes do Bureau of Justice Statistics é
249

baseada em entrevistas com 100.000 mulheres selecionadas aleatoria-


mente. Também se diz que ela é falha porque as mulheres nunca foram
diretamente questionadas sobre estupro. O estupro era discutido somente
se a mulher o trouxesse para responder a questões mais gerais sobre a viti-
mização criminal. O Departamento de Justiça mudou seu método de ques-
tionamento para responder a essas críticas, de modo que saberemos daqui
a um ano ou dois se isso tem um efeito significativo em seus números. Cla-
ramente, estudos independentes sobre a incidência e prevalência de estu-
pro são extremamente necessários. Infelizmente, os grupos de pesquisa
que investigam nesta área não têm nenhuma definição comum de estupro,
e os resultados até agora levaram à confusão e acrimônia.
Dos estudos de estupro realizados por grupos não gover-
namentais, os dois mais citados são o relatório de 1985
da revista Ms., de Mary Koss, e o Estudo Nacional das
Mulheres de 1992, pelo Dr. Dean Kilpatrick, do Centro de
Pesquisa e Tratamento das Vítimas de Crimes da Facul-
dade de Medicina da Carolina do Sul. Em 1982, Mary
Koss, então professora de psicologia na Universidade de
Kent, em Ohio, publicou um artigo sobre estupro no qual expressava a visão
feminista de gênero ortodoxa de que "estupro representa um comporta-
mento extremo, mas que está em um continuum com o comportamento
masculino normal dentro da cultura" (minha ênfase). Algumas ativistas fe-
ministas bem-colocadas ficaram impressionadas com ela. Como diz Koss,
ela recebeu um telefonema sem mais nem menos convidando-a para almo-
çar com Gloria Steinem. Para Koss, o almoço foi um ponto de virada. A re-
vista Ms. decidiu fazer uma pesquisa nacional sobre estupro nos campi das
faculdades, e Koss foi escolhida para dirigi-la. As descobertas de Koss se tor-
nariam a pesquisa mais citada sobre a vitimização de mulheres, não tanto
por estudiosos estabelecidos no campo da pesquisa sobre estupro, mas por
jornalistas, políticos e ativistas.
Koss e seus associados entrevistaram pouco mais de 3 mil universitárias,
selecionadas aleatoriamente em todo o país. As mulheres jovens responde-
ram a 10 questões sobre violação sexual. Estas questões foram seguidas por
várias perguntas sobre a natureza precisa da violação. Elas estavam be-
bendo? Quais foram suas emoções durante e após o evento? Quais formas
de resistência elas usaram? Como elas rotulariam o evento? Koss contou
250

todas que responderam afirmativamente a qualquer uma das últimas três


perguntas como tendo sido estupradas:
8 – Você já teve relações sexuais quando não queria porque um homem lhe
deu álcool ou drogas?
9 – Você já teve relações sexuais quando não queria porque um homem
ameaçou ou usou algum grau de força física (torcendo seu braço, segurando
você, etc.) para obrigá-la?
10 – Você já teve atos sexuais (relações sexuais anais ou orais ou foi pene-
trada por outros objetos além do pênis) quando não queria, porque um ho-
mem ameaçou ou usou algum grau de força física (torcer o braço, segurá-
lo, etc.) para obrigá-la?
Koss e seus colegas concluíram que 15,4% das entrevistadas foram estupra-
das e 12,1% foram vítimas de tentativa de estupro. Assim, um total de
27,5% das entrevistadas foram consideradas vítimas de estupro ou tenta-
tiva de estupro porque deram respostas que se encaixavam nos critérios de
Koss para estupro (penetração por pênis, dedo ou outro objeto sob influên-
cia coercitiva, como força física, álcool ou ameaças). No entanto, não é as-
sim que as chamadas vítimas de estupro a viram. Apenas cerca de 1/4 das
mulheres que Koss chama de vítimas de estupro rotularam o que aconteceu
com elas de estupro. Segundo Koss, as respostas às perguntas subsequen-
tes revelaram que "apenas 27%" das mulheres que ela contou terem sido
estupradas se identificaram como vítimas de estupro. Do restante, 49% dis-
seram que foi "falta de comunicação", 14% disseram que era "crime, mas
não estupro", e 11% disseram que "não se sentiam vitimizadas".
Alinhada com sua visão de estupro como existente em um continuum de
agressão sexual masculina, Koss também perguntou: "Você cedeu a brinca-
deiras sexuais (apalpando, beijando ou acariciando, mas não fazendo sexo)
quando você não queria porque você se sentiu oprimida pelos contínuos
argumentos e pressões de um homem?" Para essa questão, 53,7% respon-
deram afirmativamente e foram contadas como vítimas de violência sexual.
O estudo de Koss, lançado em 1988, ficou conhecido como o Relatório Ms.
Eis como a Fundação MS. caracterizou os resultados: "O projeto Ms. – a
maior investigação científica já realizada sobre o assunto – revelou algumas
estatísticas inquietantes, incluindo este fato surpreendente: 1 em cada 4
251

entrevistadas teve uma experiência que atendeu à definição legal de estu-


pro ou tentativa de estupro."
Desde então "1 em cada 4" se tornou o número oficial da vitimização de
estupro das mulheres, citada em departamentos de estudos femininos,
centros de crise de estupro, revistas femininas e em broches e cartazes de
protesto. Susan Faludi defendeu isso em uma reportagem da Newsweek so-
bre correção sexual. Naomi Wolf refere-se a ele em O mito da beleza, cal-
culando que o estupro por alguém conhecido é "mais comum do que o ca-
nhotismo, o alcoolismo e os ataques cardíacos". "1 em
cada 4" é cantado nas procissões de "Take Back the Ni-
ght", e é o número dado nos fôlderes sobre estupro en-
tregues na orientação de calouros em faculdades e uni-
versidades em todo o país. Políticos, do senador demo-
crata Joseph Biden, de Delaware, ao congressista repu-
blicano Jim Ramstad, de Minnesota, citam-no regular-
mente, e é a principal razão para a provisão do Título IV, "Campus Seguro
para as Mulheres" da Lei da Violência Contra a Mulher de 1993, que fornece
20 milhões de dólares para combater estupros nos campi universitários.
Quando Neil Gilbert, professor da Escola de Bem-Estar
Social de Berkeley, leu pela primeira vez o número "1 em
4" no jornal da escola, ele ficou convencido de que não
poderia ser exato. Os resultados não coincidem com os
resultados de quase todas as pesquisas anteriores sobre
estupro. Quando leu o estudo, pôde ver de onde vinham
os altos números e por que a abordagem de Koss era infundada.
Ele observou, por exemplo, que Koss e suas colegas contaram como vítimas
de estupro qualquer entrevistada que respondeu "sim" à pergunta "Você
teve relações sexuais quando não queria porque um homem lhe deu álcool
ou drogas?" Isso abriu a porta para considerar como uma vítima de estupro
qualquer uma que se arrependesse de sua aventura casual na noite ante-
rior. Se o seu namorado mistura um jarro de margaritas e a incentiva a be-
ber com ele e você aceita uma bebida, você foi induzida a ficar intoxicada e
seu juízo foi prejudicado? Certamente, se você desmaiar e for molestada,
alguém chamaria isso de estupro. Mas se você beber e, enquanto estiver
embriagada, tiver uma relação sexual da qual mais tarde se arrependerá,
você foi estuprada? Koss não aborda essas questões especificamente, ela
252

apenas conta seu namorado como um estuprador e você como uma esta-
tística de estupro se você bebeu com ele e se arrependeu de ter feito sexo
com ele. Como Gilbert aponta, a questão, como Koss colocou, é muito am-
bígua:
O que significa fazer sexo "porque" um homem lhe deu drogas ou álcool?
Uma resposta positiva não indica se coação, intoxicação, força ou ameaça
de força estavam presentes; se o julgamento ou controle da mulher foi subs-
tancialmente prejudicado; ou se o homem intencionalmente embriagou a
mulher para impedir sua resistência a seus avanços sexuais... Embora o item
pudesse ter sido claramente redigido para denotar "incapacitação intencio-
nal da vítima", a questão foi formulada de tal modo que seria necessário um
leitor de mente para detectar se uma resposta afirmativa correspondia a
essa definição legal de estupro.
Koss, no entanto, insistiu que seus critérios estavam de acordo com as de-
finições legais de estupro usadas em alguns estados, e citou em particular
o estatuto sobre estupro de seu próprio estado, Ohio: "Nenhuma pessoa
deve se envolver em conduta sexual com outra pessoa quando... com a fi-
nalidade de prevenir a resistência, o ofensor prejudica substancialmente o
julgamento ou controle da outra pessoa pela administração de qualquer
droga ou intoxicante" (Ohio revisou o código 1980, 2907.01A, 2907.02)
Dois repórteres do Blade – um jornal pequeno e progressista de Toledo,
Ohio, que ganhou prêmios pela excelência de seus artigos de investigação
– também não ficaram convencidos de que o número "1 em 4" era exato.
Eles examinaram de perto o estudo de Koss e vários outros que estavam
sendo citados para apoiar as notícias alarmantes de abuso sexual generali-
zado nos campi universitários. Em uma série especial de três partes sobre
estupro chamada "A Criação de uma Epidemia", publicada em outubro de
1992, os repórteres Nara Shoenberg e Sam Roe revelaram que Koss estava
citando o estatuto de Ohio de uma maneira muito enganosa: Koss deixou
de mencionar a cláusula de qualificação do estatuto, que exclui especifica-
mente "a situação em que uma pessoa oferece ao seu parceiro pretendido
bebida ou drogas na esperança de que a inibição diminuída possa levar a
uma relação sexual". Koss agora admite que a pergunta 8 foi mal formulada.
De fato, ela disse aos repórteres do Blade: "Na época, eu vi a questão como
legal; agora admito que é ambígua". Essa concessão deveria ter sido se-
guida pela admissão de que sua pesquisa pode ser imprecisa por um fator
253

de dois: pois, como a própria Koss disse ao Blade, uma vez que você remove
as respostas positivas à pergunta 8, a descoberta de que 1 em cada 4 uni-
versitárias é vítima de estupro ou tentativa de estupro cai para 1 em 9.
Para Gilbert, a indicação mais séria de que algo estava basicamente errado
no estudo de Ms./Koss era que a maioria das mulheres que ela classificou
como tendo sido estupradas não acreditava que tinham sido estupradas.
Daquelas que Koss contou como tendo sido estupradas, apenas 27% acha-
ram que tinham sido; 73% não disseram que o que aconteceu com elas ti-
nha sido estupro. Com efeito, Koss e suas seguidoras nos apresentam uma
imagem de jovens confusas, oprimidas por machos ameaçadores que for-
çam suas atenções sobre elas durante um encontro, mas
não conseguem ou não querem classificar sua experiência
como estupro. Esse quadro se encaixa na graduação femi-
nina média? Por falar nisso, aplica-se plausivelmente à co-
munidade maior? Como observa a jornalista Cathy Young,
"as mulheres fazem sexo após a relutância inicial por uma
série de razões... o medo de ser espancada por seus parcei-
ros raramente é relatado como um deles".
Katie Roiphe, uma estudante de pós-graduação em inglês em Princeton e
autora de The Morning After: Sex, Fear, and Feminism on
Campus (A Manhã Seguinte: Sexo, Medo e Feminismo no
Campus), argumenta em termos semelhantes quando
afirma que Koss não tinha o direito de rejeitar o julgamento
das mulheres que não acharam que tinham sido estupra-
das. Mas Katha Pollitt, da The Nation, defende Koss, apon-
tando que, em muitos casos, as pessoas são prejudicadas sem saber. Assim,
não dizemos que "as vítimas de outras injustiças – fraude, imperícia, discri-
minação no trabalho – não sofreram nenhum mal desde que não estejam
cientes da lei".
A analogia de Pollitt é falha, no entanto. Se Jane tem relações financeiras
danosas com Tom e um especialista explica a Jane que Tom a enganou, en-
tão Jane geralmente agradece ao especialista por tê-la esclarecido sobre os
fatos legais. Para defender seu caso, Pollitt teria de mostrar que as vítimas
de estupro que não sabiam que haviam sido estupradas aceitariam o julga-
mento de Koss de que realmente haviam sido. Mas isso não foi mostrado;
Koss não esclareceu às mulheres que ela conta como vítimas de estupro, e
254

elas não disseram "agora que você explicou, nós podemos ver que fomos
mesmo".
Koss e Pollitt chegam a uma conclusão técnico-legal (e de fato duvidosa): as
mulheres são ignorantes sobre o que conta como estupro. Roiphe chega a
uma conclusão simples: as mulheres estavam lá, e elas sabem melhor como
julgar o que aconteceu com elas. Desde quando as feministas consideram
que a "lei" se sobrepõe à experiência das mulheres?
Koss também descobriu que 42% daquelas que ela contava como vítimas
de estupro fizeram sexo com seus agressores em uma ocasião posterior.
Para as vítimas de tentativa de estupro, o número para sexo subsequente
com os agressores denunciados foi de 35%. Koss é rápida em apontar que
"não se sabe se [o sexo subsequente] foi forçado ou voluntário" e que a
maioria dos relacionamentos "termina depois da vitimização". Mas, é claro,
a maioria dos relacionamentos universitários termina por uma razão ou ou-
tra. No entanto, em vez de aceitar a palavra dessas jovens mulheres, Koss
faz explicações sobre por que tantas mulheres "estupradas" voltam para
seus agressores, o que significa que elas podem ter sido coagidas. Ela ter-
mina tratando a negativa delas como prova de que elas eram confusas e
sexualmente ingênuas. Existe uma explicação mais respeitosa. Como a mai-
oria das que foram contadas como vítimas de estupro não se considerava
estuprada, por que não levar em conta esse fato e o fato de que muitas
voltaram a seus parceiros como indícios razoáveis de que não haviam sido
estupradas?
Os repórteres de Toledo calcularam que, se você eliminar as respostas afir-
mativas à questão do álcool ou drogas, e também subtrair dos resultados
de Koss as mulheres que não pensaram que foram estupradas, o número 1
em cada 4 por estupro e tentativa de estupro "cai para 1 em 22 e 1 em 33."
O outro estudo não governamental sobre estupro frequentemente citado,
o Estudo Nacional das Mulheres, foi conduzido por Dean Kilpatrick. De uma
amostra de entrevista de 4.008 mulheres, o estudo projetou que havia
683.000 estupros em 1990. Quanto à prevalência, concluiu que "nos Esta-
dos Unidos, 1 em cada 8 mulheres adultas, ou pelo menos 12,1 milhões de
mulheres americanas, foi vítima de estupro em algum momento de sua
vida".
255

Ao contrário do relatório Koss, que registrou tentativas de


estupro e estupros, o estudo de Dean Kilpatrick se concen-
trou exclusivamente no estupro. As entrevistas foram reali-
zadas por telefone, por entrevistadoras do sexo feminino.
Uma mulher que concordou em participar do estudo ouviu o
seguinte da entrevistadora: "Nem sempre denunciamos es-
sas experiências para a polícia ou discutimos com familiares ou amigos. A
pessoa que faz os avanços nem sempre é uma estranha, mas pode ser um
amigo, namorado ou até mesmo um membro da família.Tais experiências
podem ocorrer a qualquer momento na vida de uma mulher – mesmo
quando criança." Indicando que quer ouvir sobre tais experiências "inde-
pendentemente de há quanto tempo ela aconteceu ou de quem fez os
avanços", a entrevistadora faz quatro perguntas:
1 – Algum homem ou garoto já te obrigou a fazer sexo com ele usando a
força ou ameaçando te machucar ou alguém próximo a você? Para que não
haja erro, por sexo queremos dizer colocar um pênis em sua vagina.
2 - Alguém já te obrigou a fazer sexo oral usando a força ou ameaça de
dano? Para que não haja erro, por sexo oral queremos dizer que um homem
ou um garoto colocou o pênis em sua boca ou alguém penetrou na sua va-
gina ou ânus com a boca ou a língua.
3 - Alguém já fez você fazer sexo anal usando a força ou ameaça de dano?
4 - Alguém já colocou dedos ou objetos em sua vagina ou ânus contra sua
vontade usando força ou ameaça?
Qualquer mulher que respondesse sim a qualquer uma das quatro pergun-
tas era classificada como vítima de estupro.
Esta parece ser uma pesquisa bastante simples e bem-projetada que for-
nece uma janela para o horror privado que muitas mulheres, especialmente
mulheres muito jovens, experimentam. Um dos achados mais preocupan-
tes da pesquisa foi que 61% das vítimas disseram que tinham 17 anos ou
menos quando o estupro ocorreu.
Há, no entanto, uma falha que afeta o significado das descobertas de Kilpa-
trick. Uma resposta afirmativa a qualquer uma das primeiras três questões
coloca razoavelmente uma mulher na categoria de vítima de estupro. A
quarta é problemática, pois inclui casos em que um garoto penetrava uma
256

garota com o dedo, contra a vontade dela, numa situação pesada de cari-
nho. Certamente, o menino se comportou mal. Mas ele é um estuprador?
Provavelmente nem ele nem sua namorada diriam isso. No entanto, a pes-
quisa classifica-o como um estuprador e ela como uma vítima de estupro.
Liguei para o Dr. Kilpatrick e perguntei sobre a quarta questão. "Bem", disse
ele, "se uma mulher for penetrada à força por um objeto como um cabo de
vassoura, chamaríamos isso de estupro".
"Eu também", eu disse. "Mas não há uma grande diferença entre ser violada
por um cabo de vassoura e ser violada por um dedo?" O dr. Kilpatrick reco-
nheceu isso: "Deveríamos ter dividido os dedos versus objetos", disse ele.
Ainda assim, ele me assegurou que a questão não afetou significativamente
o resultado. Mas eu me perguntei. O estudo encontrou uma epidemia de
estupro entre adolescentes – a faixa etária com maior probabilidade de en-
trar em situações como a que descrevi.
A preocupação mais séria é que as descobertas de Kilpatrick e muitas outras
descobertas sobre estupro variam muito, a menos que os entrevistados se-
jam explicitamente perguntados se foram estuprados. Em 1993, a Louis
Harris e Associados fez uma pesquisa por telefone e apresentou resultados
bem diferentes. Harris foi contratado pelo Fundo da Comunidade para fazer
um estudo sobre a saúde das mulheres. Como veremos, seus altos números
sobre a depressão das mulheres e o abuso psicológico cometido por ho-
mens causaram um tumulto. Mas sua descoberta sobre estupro passou to-
talmente despercebida. Entre as perguntas feitas a uma amostra populaci-
onal aleatória de 2.500 mulheres, estava: "Nos últimos cinco anos, você foi
vítima de um estupro ou agressão sexual?" 2% das entrevistadas disseram
que sim; 98% disseram que não. Como a tentativa de estupro conta como
agressão sexual, os números combinados de estupro e tentativa de estupro
seriam de 1,9 milhão ao longo de cinco anos ou 380 mil para um único ano.
Como há aproximadamente duas vezes mais tentativas de estupro do que
estupros concluídos, o número da Harris/Comunidade para estupros con-
cluídos chegaria a aproximadamente 190.000. Isso é dramaticamente me-
nor do que o achado de Kilpatrick de 683.000 estupros.
O entrevistador da Harris também fez uma pergunta sobre o estupro por
conhecidos e o estupro conjugal, que é muito parecida com a de Kilpatrick
e Koss: "No ano passado, seu parceiro tentou ou forçou você a ter relações
257

sexuais usando força física, seja te segurando, ou te batendo, ou amea-


çando te bater, ou não?" Nem um único entrevistado da amostra da pes-
quisa da Harris respondeu sim.
Como explicar a discrepância? É verdade que as mulheres muitas vezes são
extremamente relutantes em falar sobre a violência sexual que sofreram.
Mas os pesquisadores de Harris fizeram muitas outras perguntas pessoais
embaraçosas às quais as mulheres responderam com franqueza: 6% disse-
ram ter cogitado o suicídio, 5% admitiram usar drogas pesadas, 10% disse-
ram ter sido abusadas sexualmente quando estavam crescendo. Eu não te-
nho a resposta, embora pareça óbvio para mim que variações tão grandes
devem nos fazer apreciar a dificuldade que enfrentam os pesquisadores
para obter dados confiáveis sobre o risco de estupro. Que o risco real deve
ser conhecido é óbvio. Os repórteres do Blade entrevistaram as estudantes
sobre seus medos e as acharam ansiosas e desnorteadas. "Faz muita dife-
rença se é 1 em 3 ou 1 em cada 50", disse April Groff, da Universidade de
Michigan, que diz que está "muito assustada". "Eu tenho que dizer, hones-
tamente, que eu pensaria muito menos em estupro se soubesse que o nú-
mero era 1 em 50."
Quando os repórteres do Blade perguntaram a Kilpatrick por que ele não
perguntou às mulheres se elas haviam sido estupradas, ele disse que não
tivera tempo na entrevista de 35 minutos. "Isso foi provavelmente algo que
terminou no chão da sala de edição57." Mas a exclusão de Kilpatrick de tal
questão resultou em números muito mais altos. Quando pressionado sobre
por que ele omitiu isso de um estudo para o qual ele recebeu uma doação
federal de um milhão de dólares, ele respondeu: "Se as pessoas pensam
que é uma questão-chave, deixe-as obter sua própria doação e fazer seu
próprio estudo."
Kilpatrick havia feito um estudo anterior em que os entrevistados foram
explicitamente perguntados se tinham sido estuprados. Esse estudo mos-
trou uma prevalência relativamente baixa de 5% – 1 em cada 20 – e obteve
pouca publicidade. Kilpatrick subsequentemente abandonou sua antiga
metodologia em favor do método Ms./Koss, que permite ao pesquisador

57 Segundo a Wikipédia, o termo cutting-room floor (no chão da sala de edição) é usado na indústria
cinematográfica como uma figura de linguagem referindo-se a imagens não incluídas no filme final.
Fora da indústria cinematográfica, pode referir-se a qualquer trabalho criativo não utilizado no pro-
duto final.
258

decidir se ocorreu um estupro. Como Koss, ele usou uma definição expan-
dida de estupro (ambos incluem a penetração por um dedo). A nova abor-
dagem de Kilpatrick rendeu-lhe altos números (1 em cada 8) e citações nos
principais jornais de todo o país. Seus gráficos foram reproduzidos na re-
vista Time sob o título "Relatório Inquietante sobre uma Epidemia de Estu-
pro". Agora ele compartilha com Koss a honra de ser o principal especialista
citado pela mídia, políticos e ativistas.
Há muitos pesquisadores que estudam a vitimização por estupro, mas seus
números relativamente baixos não geram manchetes. Os repórteres do
Blade entrevistaram vários estudiosos cujas descobertas sobre estupro não
foram sensacionais, mas cujos métodos de pesquisa eram sólidos e não se
baseavam em definições controversas. Eugene Kanin, professor aposen-
tado de sociologia da Universidade de Purdue e pioneiro no campo do es-
tupro por alguém conhecido, está incomodado com a intromissão da polí-
tica no campo da investigação: "Isso é um ativismo altamente complicado,
e não uma pesquisa em ciências sociais". A professora Margaret Gordon, da
Universidade de Washington, realizou um estudo em 1981 que resultou em
números relativamente baixos para o estupro (1 em cada 50). Ela fala sobre
a reação negativa às suas descobertas: "Houve alguma pressão – pelo me-
nos eu senti pressão – para que o estupro fosse o mais prevalente possível...
Eu sou uma feminista muito forte, mas uma das coisas contra a qual eu es-
tava lutando é que feministas realmente ávidas estavam tentando fazer
com que eu dissesse que as coisas eram piores do que realmente são". A
Dra. Linda George, da Universidade Duke, também encontrou taxas relati-
vamente baixas de estupro (1 em cada 17), embora ela tenha feito pergun-
tas muito próximas às de Kilpatrick. Ela disse ao Blade que
está preocupada que muitos de seus colegas tratem os altos
números como se fossem "moldados em pedra". Naomi
Breslau, diretora de pesquisa do departamento de psiquia-
tria do Centro de Ciências da Saúde Henry Ford, em Detroit,
que também encontrou números baixos, acha importante contestar a visão
popular de que números mais altos são necessariamente mais precisos. A
Dr. Breslau vê a necessidade de um programa novo e mais objetivo de pes-
quisa: "É realmente uma questão em aberto... Nós realmente não sabemos
muito sobre isso."
Alguns poucos intrépidos na academia criticaram publicamente aqueles
que proclamaram uma "crise de estupro" por exagerar irresponsavelmente
259

o problema e causar ansiedade desnecessária. Camille Paglia afirma que


eles têm sido especialmente histéricos sobre o estupro por conhecidos58:
"O estupro por conhecidos se transformou em um evento cósmico catas-
trófico, como um asteroide ameaçando a Terra em um filme de ficção cien-
tífica dos anos 50." Ela rejeita sem rodeios a alegação de que "não" sempre
significa não... "Não" sempre foi, e sempre será, parte do perigoso e fasci-
nante ritual de cortejo envolvendo sexo e sedução, observável até mesmo
no reino animal."
O desprezo de Paglia pelo estupro por conhecidos enfurece as feministas
do campus, para quem a crise de estupro é muito real. Na maioria dos
campi, grupos de mulheres realizam reuniões, marchas e comícios. As víti-
mas são "sobreviventes" e seus amigos são "co-sobreviventes" que também
sofrem e precisam de aconselhamento. Em algumas reuniões de conscien-
tização sobre estupro, as mulheres que ainda não foram estupradas são
chamadas de "sobreviventes em potencial". Seus colegas de classe são "es-
tupradores em potencial".
O estupro por conhecidos atingiu proporções críticas no campus da facul-
dade? Tendo ouvido falar de um surto de estupro na Univer-
sidade de Columbia, Peter Hellman, da revista New York, de-
cidiu fazer uma reportagem sobre isso. Para sua surpresa, ele
descobriu que os registros da polícia do campus não mostra-
vam nenhuma evidência disso. Apenas dois estupros foram
denunciados à polícia do campus da Columbia em 1990 e, em ambos os
casos, as acusações foram retiradas por falta de provas. Hellman verificou
os números em outros campi e descobriu que em 1990 menos de 1.000
estupros foram reportados à segurança dos campi universitários em todo o
país. Isso representa menos de metade de um estupro por campus. No en-
tanto, apesar da existência de um centro de crise de estupro no Hospital St.

58 No original, date rape. Date pode ser traduzido como namoro, ou encontro, e rape como estupro. A
junção das duas palavras, no entanto, não dá o significado real da expressão. Segundo o Free Dictio-
nary by Farlex, date rape é uma forma de estupro por alguém conhecido (acquaintance rape). As duas
expressões (date rape e acquaintance rape) são frequentemente usadas de forma intercambiável, mas
o date rape refere-se especificamente a um estupro em que houve algum tipo de relacionamento
romântico ou potencialmente sexual entre as duas partes. O estupro por alguém conhecido também
inclui estupros em que a vítima e o agressor têm relações não românticas e não sexuais, por exemplo,
como trabalhadores ou vizinhos. O date rape é particularmente prevalente nos campi universitários,
onde ocorre frequentemente em situações que envolvem álcool ou outras drogas, o que pode facilitar
a execução de agressão sexual.
260

Luke's-Roosevelt, a duas quadras da Universidade de Columbia, as feminis-


tas do campus pressionaram o governo a instalar um caro centro de crise
de estupro dentro da universidade. Peter Hellman descreve uma noite tí-
pica no centro em fevereiro de 1992: "Em uma recente noite de sábado,
três conselheiras de plantão sentaram-se no Centro de Crise de Estupro –
uma na retaguarda para as outras duas... Ninguém ligou; ninguém apare-
ceu. Como se estivesse num quartel do corpo de bombeiros, as três mulhe-
res sentaram-se em alerta e esperaram que o desastre acontecesse. Era fá-
cil esquecer que eram as horas que se desvaneciam na véspera do Dia dos
Namorados."
Em The Morning After, Katie Roiphe descreve as medidas
elaboradas para prevenir ataques sexuais em Princeton. Lu-
zes azuis foram instaladas ao redor do campus, as calouras
recebem assobios durante a orientação. Há marchas, ses-
sões de aconselhamento sobre estupros, telefones de emer-
gência. Mas, como diz Roiphe, Princeton é uma cidade muito segura, e sem-
pre que atravessava um campo de golfe deserto para chegar às aulas, tinha
mais medo dos gansos selvagens do que de um estuprador. Roiphe relata
que entre 1982 e 1993 apenas dois estupros foram denunciados à polícia
do campus. E, quando se trata de ataques violentos em geral, os estudantes
do sexo masculino são, na verdade, mais propensos a serem vítimas. Roiphe
vê o movimento da crise de estupro no campus como um fenômeno de pri-
vilégio: essas jovens têm tudo, e quando descobrem que o mundo pode ser
perigoso e imprevisível, ficam indignadas:
Muitas dessas meninas [em marchas de estupro] vieram de Milton e Exeter
para Princeton. Muitas de suas vidas foram cheias de verões em Nantucket
e aulas de equitação. São mulheres que cresceram esperando justiça, consi-
deração e polidez.
A história do Blade sobre estupro é única no jornalismo contemporâneo
porque os autores ousaram questionar as estatísticas feministas populares
sobre esse problema terrivelmente sensível. Mas, a meu ver, a importante
e intrigante história que eles contam sobre estatísticas de advocacia não
confiáveis é ofuscada pelas descobertas ainda mais importantes que fize-
ram sobre a maneira moralmente indefensável com os fundos públicos para
o combate ao estupro são alocados. Schoenberg e Roe estudaram os bair-
ros de Toledo e calcularam que as mulheres nas áreas mais pobres tinham
261

quase 30 vezes mais chance de serem estupradas do que as das áreas ricas.
Eles também descobriram que as taxas de estupro no campus eram 30 ve-
zes menores do que as taxas de estupro para a população geral de 18 a 24
anos em Toledo. A atenção e o dinheiro estão indo desproporcionalmente
para aqueles em menos risco. De acordo com os repórteres do Blade:
Em todo o país, as universidades públicas estão gastando milhões de dóla-
res por ano em programas cada vez mais numerosos para combater o estu-
pro. Vídeos, aulas de autodefesa e educadores em tempo integral são co-
muns... Mas os novos gastos ocorrem em um momento em que os progra-
mas de combate ao estupro para a comunidade – também dependentes de
impostos – estão lutando desesperadamente por dinheiro para ajudar as
populações em risco muito maior do que as estudantes universitárias.
Uma razão óbvia para essa desigualdade é que as defensoras feministas
vêm em grande parte da classe média e, portanto, exercem grande pressão
para proteger a si próprias. Para tornar suas alegações plausíveis, elas se
dramatizam como vítimas – sobreviventes ou "sobreviventes
em potencial". Outro dispositivo é expandir a definição de
estupro (como Koss e Kilpatrick fizeram). A Dra. Andrea Par-
rot, presidente da Coalizão de Defesa da Educação sobre Es-
tupro, da Universidade de Cornell, e autora de Sexual Assault
on Campus (Ataque Sexual no Campus), começa seu manual
de prevenção de estupro com as palavras: "Qualquer intercurso sexual sem
desejo mútuo é uma forma de estupro. Qualquer pessoa física ou psicolo-
gicamente pressionada a entrar em contato sexual em qualquer ocasião é
tão vítima quanto a pessoa que é atacada nas ruas" (ênfase minha). Com
essa definição, as jovens privilegiadas das faculdades do nosso país ganham
paridade moral com as vítimas reais na comunidade como um todo. O novo
conceito de estupro de Parrot também justifica os salários que estão sendo
pagos a todos os novos funcionários na florescente indústria dos estupros
por conhecidos da faculdade. Afinal, é muito mais agradável lidar com es-
tupro de um escritório em Princeton do que nas ruas do centro de Trenton.
Outra razão pela qual as universitárias obtêm uma grande parte dos recur-
sos públicos para o combate ao estupro é que o dinheiro colegiado, embora
originalmente público, é alocado pelos funcionários da faculdade. Como o
Blade aponta:
262

As universidades públicas têm orçamentos multimilionários fortemente sub-


sidiados por dólares estaduais. Funcionários da escola decidem como o di-
nheiro será gasto e estão ansiosos para abordar questões de alto nível,
como estupro no campus. Em contraste, os centros de crise de estupro –
agências sem fins lucrativos que fornecem serviços gratuitos na comuni-
dade – devem apelar diretamente aos governos federal e estaduais por di-
nheiro.
Schoenberg e Roe descrevem casos típicos de mulheres em comunidades
em todo o país – em Madison, Wisconsin, em Columbus, Ohio, em Austin,
Texas, e em Newport, Kentucky – que foram estupradas e tiveram que es-
perar meses por serviços de aconselhamento sobre estupro... Houve 3 es-
tupros denunciados à polícia na Universidade de Minnesota em 1992; na
cidade de Nova York, havia quase 3 mil. A Universidade de Minnesota tem
uma linha direta para lidar com a crise de estupro, mas a cidade de Nova
York não. O Blade relata que o Ato contra a Violência contra a Mulher de
1993 reflete as mesmas prioridades injustas. Eles apontam que "se o sena-
dor Biden conseguir, os campi receberão pelo menos 20 milhões de dólares
a mais em educação e prevenção de estupros". Enquanto isso, Gail
Rawlings, da Coalizão da Pensilvânia Contra o Estupro, reclama que o pro-
jeto não garante nada para serviços básicos, aconselhamento e grupos de
apoio para a comunidade maior: "É ridículo. Essa lei deveria encorajar a de-
núncia da violência contra as mulheres, [e] uma das principais chaves é dar
apoio para a vítima... Eu simplesmente não entendo por que [o dinheiro]
não está lá."
Como o estupro é o mais subnotificado dos crimes, as ativistas do campus
nos dizem que não podemos apreender as verdadeiras dimensões do estu-
pro no campus a partir de registros policiais ou relatórios de hospitais. Mas
como explicação de por que há tão poucos incidentes conhecidos e com-
provados de estupro no campus, isso não serve. A subnotificação de crimes
sexuais não se limita ao campus, e sempre que houver um alto nível de es-
tupro relatado – digamos, em comunidades urbanas pobres onde os fundos
para combater o estupro são quase inexistentes –, o nível de estupro sub-
notificado será ainda maior. Não importa como você olhe para isso, o fato
é que as mulheres no campus não enfrentam o mesmo risco de estupro que
as mulheres em outros lugares. O fato de as universitárias continuarem re-
cebendo uma parcela desproporcional e cada vez maior dos recursos públi-
cos já escassos alocados para a prevenção de estupro e ajuda às vítimas de
263

estupro mostra quão desproporcionalmente poderosas e autopreocupadas


são as feministas do campus, apesar de toda a sua alegada preocupação
com as "mulheres".
Mais uma vez, vemos que longo caminho o Novo Feminismo percorreu
desde Seneca Falls. As mulheres privilegiadas e protegidas que lançaram o
movimento de mulheres, como Elizabeth Cady Stanton e Susan B. Anthony
fizeram questão de salientar, não se consideravam as principais vítimas da
desigualdade de gênero: "Elas tinham almas grandes o suficiente para sen-
tir a dor alheia sem tem a própria carne escarificada". Eles não agiam como
se tivessem "em sua própria experiência suportado as formas mais grossei-
ras de tirania resultantes de leis injustas, ou associação com homens imo-
rais e inescrupulosos". Ms. Stanton e Anthony concentraram seus esforços
na defesa de Hester Vaughns e de outras mulheres vulneráveis cuja neces-
sidade de equidade de gênero era urgente e inquestionável.

***

Grande parte da autopreocupação e vitimologia entediante que encontra-


mos nos campi de hoje tem sido irresponsavelmente engendrada pela in-
flada e horripilante estatística "1 em cada 4" sobre estupro no campus. Em
alguns casos, a campanha de alarmismo desperta exasperação de outro
tipo. Em um artigo da Revista New York Times, Katie Roiphe questionou os
números de Koss: "Se 25% das minhas amigas fossem realmente estupra-
das, eu não saberia?" Ela também questionou a perspectiva feminista sobre
as relações masculino/feminino: "Essas feministas estão endossando sua
própria visão utópica das relações sexuais: sexo sem luta, sexo sem poder,
sexo sem persuasão, sexo sem propósito. Se coerção verbal constitui estu-
pro, então a palavra estupro se expande para incluir qualquer tipo de sexo
que a mulher experimente como negativo."
A publicação do artigo de Roiphe enfureceu as feministas do
campus. "A New York Times deveria ser baleada", protestou
Laurie Fink, professora da Faculdade Kenyon. "Não convide
[Katie Roiphe] para a sua escola se você puder evitar", acon-
selhou Pauline Bart, da Universidade de Illinois. Gail Dines,
264

professora de estudos das mulheres na Faculdade Wheelock e ativista con-


tra estupro por conhecidos, chamou Roiphe de traidora que se vendeu ao
"patriarcado masculino branco".
Outros críticos, como Camille Paglia e o professor de assistência social Neil
Gilbert, de Berkeley, foram alvo de manifestações, boicotes e denúncias.
Gilbert começou a publicar suas análises críticas sobre o estudo de
Ms./Koss em 1990. Muitas ativistas feministas não olharam com simpatia
para o desafio de Gilbert ao número "1 em 4". Uma câmara de liquidação 59
em São Francisco dedicou-se a "refutar" Gilbert e enviou toneladas de lite-
ratura atacando-o. Ela anunciou conferências feministas com panfletos ver-
des e laranja com a manchete Parem, Vadias! As palavras não são de Gil-
bert, mas a tática é uma maneira eficaz de chamar a atenção
para seu trabalho. Em uma manifestação contra Gilbert no
campus de Berkeley, os alunos gritaram: "Parem com isso ou
o impeçam", e carregaram cartazes que diziam: "Mate NEIL
GILBERT!" Sheila Kuehl, diretora do Centro de Direitos das
Mulheres da California, confidenciou aos leitores do Los An-
geles Daily Journal (Jornal Diário de Los Angeles): "Eu me vi desejando que
o próprio Gilbert fosse estuprado e... que lhe dissessem que nunca havia
acontecido".
As descobertas citadas em apoio a uma "epidemia" de estupro no campus
são produtos da pesquisa de advocacia. Aqueles que promovem esse tipo
de pesquisa são fortemente contrários a vê-la ser exposta como imprecisa.
Por outro lado, o estupro é de fato o mais subnotificado dos crimes. Preci-
samos da verdade para que a política seja justa e eficaz. Se as defensoras
feministas parassem de turvar as águas, provavelmente conseguiríamos
sabê-la.
Os altos números de estupros servem às feministas de gênero, pois pro-
move a crença de que a cultura americana é sexista e misógina. Mas a su-
posição comum de que o estupro é uma manifestação de misoginia é ques-
tionável. Suponhamos, apenas para argumentar, que Koss e Kilpatrick este-
jam certos e que os números mais baixos do FBI, do Departamento de Jus-
tiça, da pesquisa Harris, do estudo anterior de Kilpatrick e de muitos outros

59 No original clearinghouse. Segundo o dicionário Merriam-Webster, pode ser uma dessas duas coisas:
1) um estabelecimento de banqueiros onde os cheques e contas dos bancos membros são trocados,
de modo que apenas os saldos precisam ser pagos em dinheiro. 2) uma agência ou organização que
coleta e distribui algo, especialmente informações. Pelo contexto, parece ser mais o segundo.
265

estudos mencionados anteriormente estejam errados. Então, segue-se daí


que somos uma "cultura patriarcal de estupro"? Não necessariamente. A
sociedade americana é excepcionalmente violenta e a violência não é espe-
cificamente patriarcal ou misógina. De acordo com as Taxas de Crime Inter-
nacional, um relatório do Departamento de Justiça dos Estados Unidos,
"Crimes de violência (homicídio, estupro e roubo) são 4 a 9 vezes mais fre-
quentes nos Estados Unidos do que na Europa. O estupro foi... aproxima-
damente 7 vezes maior do que a média para a Europa". A incidência de es-
tupro é muitas vezes menor em países como Grécia, Portugal ou Japão –
países muito mais patriarcais do que o nosso.
Pode-se dizer que lugares como Grécia, Portugal e Japão não mantêm bons
registros sobre estupro. Mas o fato é que a Grécia, Portugal e Japão são
significativamente menos violentos do que nós. Eu atravessei o equivalente
ao Central Park em Kyoto à noite. Senti-me segura, e segura não porque o
Japão seja uma sociedade feminista (é o contrário), mas porque o crime é
relativamente raro. Os estudos internacionais sobre violência sugerem que
o patriarcado não é a principal causa de estupro, mas que o estupro, junta-
mente com outros crimes contra a pessoa, é causado por qualquer coisa
que faça de nossa sociedade uma das mais violentas das chamadas nações
avançadas.
Mas a sugestão de que a violência criminal, e não a misoginia patriarcal, é
a principal razão para nossa taxa relativamente alta de estupro não é bem-
vinda às feministas de gênero como Susan Faludi, que insistem, diante de
todas as evidências em contrário, que "a maior taxa de estupros aparece
em culturas que têm o mais alto grau de desigualdade de gênero, onde os
sexos são segregados no trabalho, que têm religiões patriarcais, que cele-
bram rituais esportivos e de caçadores masculinos, ou seja, uma sociedade
como a nossa."
Na primavera de 1992, Peter Jennings realizou um especial da ABC sobre o
estupro. Catharine MacKinnon, Susan Faludi, Naomi Wolf e Mary Koss es-
tavam entre os participantes do painel, juntamente com John Leo do US
News & World Report. Quando MacKinnon divulgou a alegação de que 25%
das mulheres são vítimas de estupro, o Sr. Leo respondeu: "Não acredito
nessas estatísticas... Isso é totalmente falso". MacKinnon respondeu: "Isso
significa que você não acredita nas mulheres. Não está preparado, são en-
trevistas com mulheres por pessoas que acreditavam nelas quando diziam
266

isso. Essa é a metodologia." A acusação de que Leo não acreditava nas "mu-
lheres" o silenciou, como pretendido. Mas, como vimos, acreditar no que
as mulheres realmente dizem não é precisamente a metodologia pela qual
algumas defensoras feministas obtêm suas estatísticas incendiárias.
O próximo dardo de MacKinnon foi certamente no alvo. Ela apontou que as
estatísticas que ela citou "estão começando a ser aceitas nacionalmente
pelo governo". Essa alegação não poderia ser recusada, e MacKinnon pode
ser perdoada por se gabar disso. O governo, como a mídia, está aceitando
as reivindicações feministas de gênero e está introduzindo uma legislação
cujo "propósito ... é elevar a consciência do público americano". As palavras
são de Joseph Biden, e a lei a que ele se referiu – o Ato contra a Violência
Contra a Mulher - introduz o princípio de que a violência contra a mulher é
como a violência racial, exigindo medidas civis e criminais. Assim como o
linchamento ou a queima de cruzes 60, um ato de violência de um homem
contra uma mulher pode ser enquadrado como um crime de preconceito
de gênero, sob o título 3 do projeto de lei: "As leis criminais estaduais e
federais não protegem adequadamente contra o elemento de preconceito
dos crimes motivados por gênero, que separa esses crimes de atos de vio-
lência aleatória, nem essas leis fornecem adequadamente às vítimas de cri-
mes motivados por gênero a oportunidade de reivindicar seus interesses."
Enquanto a violência comum é "aleatória", a "violência contra as mulheres"
pode ser um ato discriminatório equivalente ao ato de intolerância que dis-
crimina alguém por causa de raça ou religião.
Mary Koss e Sarah Buel foram convidadas para dar depoimento sobre o
tema da violência contra a mulher perante o Comitê Judiciário da Câmara.
As descobertas de Dean Kilpatrick foram citadas. Neil Gilbert não estava lá;
nem nenhum dos outros estudiosos entrevistados pelo Blade.
As ações judiciais que podem resultar do projeto de lei alegram o coração
das feministas de gênero. Se considerarmos que um garoto que passou dos
limites no banco traseiro de um carro pode ser processado tanto por tenta-
tiva de estupro quanto por ser um fanático de gênero que violou os direitos

60 Segundo o Free Dictionary by Farlex, a queima de cruz é uma prática amplamente associada à Ku Klux
Klan. No início do século 20, os Klan queimaram cruzes em encostas ou perto das casas daqueles que
eles queriam intimidar.
267

civis de sua namorada, podemos ver por que a provisão do


título 3 está sendo saudada por feministas radicais como Ca-
tharine MacKinnon e Andrea Dworkin. Dworkin, que ficou
surpresa e satisfeita com o apoio que o projeto estava rece-
bendo, observou francamente que os senadores "não en-
tendem o significado da legislação que eles aprovam".
O senador Biden nos convida a ver o potencial da lei como um instrumento
de educação moral em escala nacional. "Eu me convenci... que a violência
contra as mulheres reflete tanto o fracasso da imaginação moral coletiva
de nossa nação quanto o fracasso das leis e regulamentos de nossa nação."
É justo, mas por que não incluir crimes contra idosos ou crianças? Que base
constitucional ou moral existe para identificar vítimas femininas de crime
para tratamento especial sob as leis de direitos civis? Será que Biden e os
outros estão comprando a ontologia feminista de gênero de uma sociedade
dividida contra si mesma ao longo da zona de conflito do gênero?
As feministas da equidade estão tão perturbadas quanto qualquer outra
pessoa com relação à prevalência da violência contra as mulheres, mas não
possuem a visão de mundo que autoriza suas irmãs superzelosas a apresen-
tar dados incendiários mas imprecisos sobre o abuso masculino. Elas que-
rem que os cientistas sociais lhes digam a verdade objetiva sobre a preva-
lência do estupro. E por não estarem comprometidos com a visão de que
os homens estão mobilizados contra as mulheres, elas são capazes de ver a
violência contra a mulher no contexto do que, em nosso país, parece ser
uma crise geral de violência contra as pessoas. Ao distinguir entre atos de
violência aleatória e atos de violência contra as mulheres, os patrocinado-
res da Lei contra a Violência contra as Mulheres acreditam que estão mos-
trando sensibilidade às preocupações feministas. Na verdade, eles podem
estar causando dano social ao aceitar uma abordagem divisiva, específica
de gênero, para um problema que não é causado por preconceito de gê-
nero, misoginia ou "patriarcado" – uma abordagem que pode obscurecer
problemas reais e urgentes como a violência entre lésbicas ou violência se-
xual entre homens.
De acordo com Stephen Donaldson, presidente da Stop Pri-
son Rape (Parem com o estupro na prisão), mais de 290.000
prisioneiros homens são estuprados a cada ano. O estupro na
prisão, diz Donaldson em um artigo de opinião do New York
268

Times, "é uma tradição arraigada". Donaldson, que foi vítima de um estupro
na prisão há 20 anos, quando foi encarcerado por atividades antiguerra,
calculou que pode haver até 45.000 estupros todos os dias em nossa popu-
lação carcerária de 1,2 milhão de homens. O número de estupros é muito
maior do que o número de vítimas, porque com frequência os mesmos ho-
mens são atacados repetidamente. Muitos dos estupros são "gang bangs 61"
repetidos dia após dia. Como denunciar um estupro na cadeia é uma coisa
terrivelmente perigosa, esses estupros podem ser os mais subnotificados
de todos. Ninguém sabe quão precisos são os números de Donaldson. Eles
parecem incríveis para mim. Mas as atrocidades trágicas e negligenciadas
com que ele se preocupa não são do tipo que atraem doações para pesquisa
das fundações Ford ou Ms. Se ele estiver de algum modo perto da verdade,
a incidência de estupro masculino seria tão ou mais alta que a do estupro
feminino.
As feministas da equidade acham razoável abordar o problema da violência
contra as mulheres alinhando-a com as causas profundas do aumento geral
da violência e do declínio da civilidade. Considerar o estupro como um
crime de preconceito de gênero (incentivado por um patriarcado que olha
com tolerância para a vitimização das mulheres) distorce perversamente
sua verdadeira natureza. O estupro é perpetrado por criminosos, o que
equivale a dizer que é perpetrado por pessoas que costumam se gratificar
de maneira criminosa e que se importam muito pouco com o sofrimento
que infligem aos outros.
Que a maioria da violência é provocadapor homens não é novidade. Mas
muito pouco disso parece ser causado por misoginia. Este país tem uma
grande parcela de homens violentos; estatisticamente, devemos esperar
que eles se satisfaçam às custas de pessoas mais fracas que eles, homens
ou mulheres; e assim eles o fazem. As ideólogas feministas de gênero con-
fundem e alarmam o público com estatísticas infladas. E elas não provam a
alegação de que a violência contra as mulheres é sintomática de uma cul-
tura profundamente misógina.
O estupro é apenas uma variedade de crime contra a pessoa, e o estupro
de mulheres é apenas uma subvariedade. O verdadeiro desafio que enfren-

61 Acho que isso eu não preciso traduzir... Mas se você não sabe o significado, entre no Xvídeos, no Re-
dTube ou em qualquer outro site pornô da sua preferência para ver do que se trata.
269

tamos em nossa sociedade é como reverter a maré da violência. Como con-


seguir isso é um verdadeiro desafio para a nossa imaginação moral. É claro
que precisamos aprender mais sobre por que tantos de nossos filhos do
sexo masculino são tão violentos. E é claro que devemos encontrar manei-
ras de educar todos os nossos filhos a considerar a violência com aversão e
desprezo. Devemos mais uma vez ensinar decência e consideração. E isso
também deve ficar claro: em qualquer agenda construtiva para o futuro, a
filosofia social divisiva das feministas de gênero não tem lugar.
270

CAPÍTULO 11
O MITO DO BACKLASH

Quando o respeito pela verdade for quebrado ou


mesmo levemente enfraquecido, todas as coisas per-
manecerão duvidosas. SANTO AGOSTINHO.

Há dois anos, o mercado editorial americano foi ani-


mado pelo lançamento de Backlash, de Susan Faludi, e
O Mito da Beleza, de Naomi Wolf, duas tediosas e fervo-
rosas obras feministas que descobriam e denunciavam
os esquemas que impedem as mulheres de desfrutar dos
frutos do movimento feminista. Para os nossos propósi-
tos, o que esses livros têm em comum é mais interes-
sante e importante do que aquilo que os distingue. Ambos relatam uma
conspiração generalizada contra as mulheres. Em ambos, a suposta conspi-
ração tem o mesmo objetivo: impedir que as mulheres de hoje façam uso
de suas liberdades duramente conquistadas – para puni-las, em outras pa-
lavras, por se libertarem. Como Wolf nos informa: "Depois do sucesso da
segunda onda do movimento das mulheres, o mito da beleza foi aperfeiço-
ado de modo a frustrar o poder em todos os níveis na vida individual da
mulher”.
Teorias de conspiração são sempre populares, mas neste caso as autoras,
escrevendo principalmente para leitores de classe média, enfrentaram um
problema complicado. Nenhuma pessoa razoável nos dias de hoje poderia
acreditar que, em algum lugar dos Estados Unidos, um grupo de "anciãos"
masculinos senta-se para traçar maneiras de perpetuar a subjugação das
mulheres. Como, então, elas poderiam convencer alguém da existência de
um esforço generalizado para controlar as mulheres para o bem dos ho-
mens?
A solução que elas encontraram possibilitou que elas defendessem a tese
da conspiração enquanto a rejeitavam. Faludi e Wolf argumentaram que a
conspiração contra a mulher está sendo promovida por malévolas mas in-
visíveis forças do backlash ou por forças do mito da beleza que agem de
maneira proposital. As forças em questão são sutis, poderosas e insidiosa-
mente eficientes, e as mulheres estão amplamente inconscientes delas. O
271

que é mais importante, os agentes principais da conspiração não são um


grupo de homens amotinados que tramam e planejam as próximas mano-
bras do backlash: são as próprias mulheres que "internalizam" os objetivos
do backlash, que, inconscientemente, cumprem suas ordens. Em outras pa-
lavras, o backlash somos nós. Ou, como diz Wolf, "muitas mulheres inter-
nalizam o olho do Big Brother".
O escopo de Faludi é mais amplo que o de Wolf; ela argumenta que a mídia
e o sistema político também foram cooptados pelo backlash:
O backlash não é uma conspiração, com um conselho emanando ordens de
uma sala de controle central, e as pessoas que servem aos seus propósitos
muitas vezes nem estão conscientes dos seus papéis; algumas até se consi-
deram feministas. Na maioria dos casos, as suas maquinações são codifica-
das e internalizadas, difusas e camaleônicas... geradas por uma máquina
cultural que está continuamente à procura de "novos" ângulos. Considera-
dos em conjunto, entretanto, todos estes códigos e bajulações, estes sussur-
ros e ameaças e mitos, levam esmagadoramente numa única direção: ten-
tar mais uma vez prender a mulher aos seus papéis "aceitáveis".
Naomi Wolf se concentra mais estreitamente no "backlash
da beleza", que pressiona as mulheres a fazer dieta, vestir-
se, arrumar e trabalhar de maneiras que estão "destruindo-
as fisicamente e esgotando-as psicologicamente": "O bac-
klash da beleza contra o feminismo não é uma conspiração,
mas um milhão de reflexos individuais separados... que se fundem num es-
tado de espírito nacional que pesa sobre as mulheres; o backlash é ainda
mais opressivo porque a fonte da sufocação é tão difusa que é quase invisí-
vel".
Tendo assim contornado uma alegação de conspiração direta, Faludi e
Wolf, no entanto, usam livremente a linguagem do subterfúgio para des-
pertar raiva e amargura. Em seus sistemas, o backlash e o mito da beleza
tornam-se forças personificadas malévolas por trás do complô contra as
mulheres.
Eles incitam fantoches inescrupulosos na mídia a escrever artigos que fa-
zem com que "mulheres solteiras e sem filhos se sintam como monstros de
circo". As vendedoras de cosméticos são agentes do backlash, "treinadas",
diz Wolf, "com técnicas semelhantes àquelas usadas por hipnotizadores e
272

por recrutadores profissionais de adeptos para seitas". Ela chama os Vigi-


lantes do Peso de um "culto" e compara suas disciplinas às da Igreja da Uni-
ficação62, da Cientologia, e da Lifespring63. Nas aulas de aeróbica, as mulhe-
res "robóticas" fazem a "mesma dança saltitante... praticada pelos Hare
Krishnas para o mesmo efeito".
O que o backlash "quer" é claro para Faludi e Wolf. Nos anos 70, as mulhe-
res receberam demasiada igualdade. O principal objetivo do backlash é re-
tomar o terreno perdido, colocando as mulheres no caminho certo. O sub-
título do livro de Faludi é A guerra não declarada contra as
mulheres americanas. O livro Backlash em si pode ser consi-
derado um contra-ataque feminista nesta suposta guerra.
Como Patricia Schroeder observou em uma resenha do livro,
as mulheres não estão "irritadas o suficiente", e Faludi "pode
ser capaz de fazer o que ativistas políticos tentaram fazer por anos". De
fato, ela e Wolf juntas conseguiram levar inúmeras mulheres à raiva e ao
desânimo.
Onde é que Faludi e Wolf tiveram a ideia de que massas de mulheres apa-
rentemente livres estavam a ser misteriosamente manipuladas por dentro?
Um olhar sobre sua fonte de inspiração ilustra o funcionamento de uma lei
da moda intelectual que o jornalista Paul Berman chama de "determinismo
parisiense" – o que é a moda de Paris estará na moda nos Estados Unidos
15 anos depois.
Michel Foucault, professor de filosofia no ilustre Collège de
France e um irreverente pensador social que se sentia pro-
fundamente alienado da sociedade em que vivia, introduziu
sua teoria das disciplinas interiores em 1975. Seu livro Vigiar
e Punir, com sua nova explicação sobre como grandes grupos
de pessoas podiam ser controlados sem a necessidade de
controladores externos, levou a Paris intelectual a uma tempestade. Fou-
cault tinha pouco amor pelo moderno estado democrático. Como Marx, ele
estava interessado nas forças que mantêm os cidadãos das democracias
cumpridores da lei e obedientes.

62 Segundo a Wikipédia: a Igreja da Unificação é um novo movimento religioso, criado pelo coreano Sun
Myung Moon, conhecido como Reverendo Moon, fundado em Seul, na Coreia do Sul.
63 Segundo a Wikipédia: a Lifespring, fundada em 1974, era uma empresa privada, com fins lucrativos,
para treinamento em potencial humano da Nova Era. A Lifespring disse que mais de 400.000 pessoas
participaram de seus treinamentos.
273

Segundo Foucault, os sujeitos individuais das democracias contemporâneas


não são livres de forma alguma. Em vez disso, as sociedades democráticas
revelam-se ainda mais rigidamente autoritárias do que as tiranias que subs-
tituíram. Os cidadãos modernos encontram-se sujeitos às regras (ele as
chama de "disciplinas") das instituições burocráticas modernas: escolas, fá-
bricas, hospitais, as forças armadas, as prisões. Nas sociedades pré-moder-
nas, onde o poder era abertamente autoritário, a fiscalização era inconsis-
tente, aleatória e ineficiente: os subordinados do rei não podiam estar em
todo lugar o tempo todo. Nas sociedades contemporâneas, o controle é pe-
netrante e contínuo: o cidadão moderno, tendo internalizado as disciplinas
das instituições, policia a si próprio. Isso resulta em uma "sociedade disci-
plinar" de sujeitos "dóceis" que se mantêm alinhados com o que é espe-
rado. Segundo o filósofo Richard Rorty, Foucault acreditava estar expondo
"uma vasta organização de repressão e injustiça". Ele considerava a multi-
dão de indivíduos autodisciplinados como constituindo um "microfas-
cismo" que é ainda mais eficiente do que o macrofascismo dos estados to-
talitários.
Quão seriamente se pode levar a teoria de Foucault? Não
muito, diz o filósofo político de Princeton Michael Walzer,
que caracteriza a política de Foucault como "esquerdismo
infantil". Foucault sabia que estava equiparando democra-
cias moderadas a sistemas repressivamente brutais, como
os campos de prisioneiros soviéticos no Gulag. Em uma en-
trevista de 1977, ele mostrou certa preocupação sobre como suas ideias
poderiam ser interpretadas: "Estou realmente preocupado com um certo
uso... que consiste em dizer: 'Todo mundo tem seu próprio Gulag, o Gulag
está aqui à nossa porta, em nossas cidades, nossos hospitais, nossas pri-
sões, está aqui em nossas cabeças.” Mas, como Walzer aponta, enquanto
Foucault rejeitou a possibilidade da liberdade individual, que é a base moral
da democracia liberal, não ficou claro como ele poderia sustentar a distin-
ção entre o Gulag real e aquele dentro das cabeças dos cidadãos burgueses.
A teoria de Foucault tem poucos adeptos entre os filósofos sociais, mas,
não obstante, é altamente popular entre as teóricas feministas de gênero,
que consideram sua crítica da democracia liberal útil para seus propósitos.
Foucault deu-lhes uma arma para todos os fins para ser usada contra as
feministas de mentalidade tradicional.
274

As feministas da equidade acreditam que as mulheres americanas fizeram


grandes progressos e que o nosso sistema de governo lhes permite esperar
mais. Elas não acreditam que as mulheres sejam "socialmente subordina-
das". Em contrapartida, as feministas de gênero acreditam que as mulheres
modernas ainda são escravizadas pelo patriarcado, e Foucault as ajuda a
argumentar. Quando as feministas da equidade apontam para os ganhos
das mulheres nas últimas décadas, as feministas de gênero as consideram
ingênuas. Aplicando Foucault, elas insistem que o poder masculino perma-
nece onipresente, só que agora se tornou "interiorizado" e,
portanto, ainda mais eficiente; a força não é mais necessá-
ria. De fato, elas adotaram os "discursos" de Foucault para
argumentar que a "feminilidade" em si é realmente uma dis-
ciplina que continua a degradar e oprimir as mulheres,
mesmo aquelas nas chamadas democracias livres. Como
Sandra Lee Bartky afirma:
Ninguém é levado para eletrólise na ponta de um rifle... Mesmo assim... as
práticas disciplinares da feminilidade... devem ser entendidas como aspec-
tos de uma disciplina muito maior, um sistema opressivo e desigual de su-
bordinação sexual. Este sistema visa transformar as mulheres em compa-
nheiras dóceis e complacentes dos homens, da mesma forma que o exército
quer transformar seus recrutas em soldados.
Para Bartky, as mulheres americanas contemporâneas vivem em uma espé-
cie de prisão sexual, sujeitas a disciplinas que ordenam grande parte de sua
vida diária:
A mulher que verifica sua maquiagem meia dúzia de vezes por dia para ver
se sua base está endurecida ou se seu rímel escorreu, que teme que o vento
ou a chuva estrague seu penteado, que olha com frequência para ver se suas
meias se prenderam no tornozelo, ou que, sentindo-se gorda, monitora tudo
o que come, se tornou igual a um prisioneiro [sob vigilância constante], um
sujeito que se autopolicia, um eu comprometido com uma autovigilância
implacável. Essa autovigilância é uma forma de obediência ao patriarcado.
Catharine MacKinnon apresenta sua própria versão mais sexy de como a
mulher contemporânea "interiorizou" uma identidade autodestrutiva, au-
tossustentável, desesperada e covarde que serve muito bem aos homens e
continua a humilhar as mulheres:
275

O desejo sexual nas mulheres, pelo menos nessa cultura, é socialmente


construído como aquilo pelo qual passamos a querer nossa autoaniquila-
ção; isto é, nossa subordinação é erotizada... nós saímos disso, até certo
ponto. Esta é a nossa participação neste sistema que não é do nosso inte-
resse, a nossa participação neste sistema que está nos matando. Estou di-
zendo que a feminilidade, tal como a conhecemos, é como passamos a que-
rer o domínio masculino, o que enfaticamente não é do nosso interesse.
MacKinnon rejeita a "feminilidade como a conhecemos" porque passou a
significar aceitar e até mesmo desejar a dominação masculina. Seu femi-
nismo militante e ginocêntrico nos ensinaria a ver quão profunda, astuciosa
e enganosamente a cultura masculina as socializou: "A dominação mascu-
lina é talvez o sistema de poder mais difundido e tenaz da história... Sua
força é exercida como consentimento, sua autoridade como participação".
Seria um erro pensar que a ideia de um poder interiorizado e tenaz que está
mantendo as mulheres subjugadas está à margem do Novo Feminismo e
não no seu centro. Para a maioria dos líderes feministas, o backlash é muito
real. Foi o tema de uma conferência de 1992 da qual participei na Faculdade
Radcliffe chamada "No Olho da Tempestade: Pesquisa Feminista e Ação nos
Anos 90". Uma das finalidades da conferência foi "explorar o backlash con-
tra o movimento das mulheres, contra a pesquisa das mulheres, os estudos
sobre as mulheres... e contra as agendas públicas de políticas de igualdade".
A conferência foi patrocinada pelo prestigioso Conselho Nacional para Pes-
quisa sobre as Mulheres – uma organização guarda-chuva que representa
mais de 70 grupos de mulheres, incluindo o Centro de Pesquisa sobre Mu-
lheres da Faculdade Wellesley e a Associação Americana das Mulheres Uni-
versitárias. As despesas foram pagas pela Fundação Ford. Embora a confe-
rência apresentasse extremistas como Charlotte Bunch (que se referia a
Dan Quayle64 como um membro da Klu Klux Klan), também tinha Nannerl
Keohane, agora presidente da Universidade Duke, que parecia não se inco-
modar com toda a retórica do backlash.

64 Da Wikipédia: James Danforth "Dan" Quayle (Indianápolis, 4 de fevereiro de 1947) é um político esta-
dunidense, sendo o 44º Vice-presidente dos Estados Unidos, durante a presidência de George H. W.
Bush (1989–1993). Também foi membro da Câmara dos Representantes e do Senado pelo estado
de Indiana.
276

A suposição de que as mulheres devem defender-se contra um inimigo que


está travando uma guerra não declarada contra elas já al-
cançou o status de sabedoria feminista convencional. Em
grande parte, isso aconteceu porque as feministas aparen-
temente razoáveis e muito bem posicionadas, como Nan-
nerl Keohane, não acharam adequado desafiá-la. Se eles es-
tão em silêncio porque concordam ou porque acham que é politico abster-
se de críticas, eu não sei.
Foucault promulgou sua doutrina de autovigilância em meados dos anos
70. Por volta de meados dos anos 80, ela apareceu nos livros das teorias
feministas; nos anos 90, tornou-se temática em best-sellers feministas.
Wolf menciona Foucault em sua bibliografia. Faludi não lhe oferece reco-
nhecimento, mas sua caracterização do backlash indica sua influência:
A falta de orquestração, a ausência de uma única liderança, só servem para
torná-lo mais difícil de ver – e talvez mais eficiente. Um backlash contra os
direitos da mulher tem sucesso na medida em que parece não ter conota-
ções políticas, na medida em que se mostra como tudo, menos uma luta. Ele
é tanto mais poderoso, quanto mais consegue transformar-se numa ques-
tão privada, alojando-se na mente da mulher e torcendo a sua visão para
dentro, até ela imaginar que a pressão está toda na cabeça dela, até ela
começar a impor as regras do backlash a si mesma.
Wolf e Faludi tendem a retratar as mulheres "disciplinadas" e dóceis nas
garras do backlash como esposas de Stepford65 – indefesas, possuídas e ro-
bóticas. Wolf às vezes fala de mulheres como vítimas da "hipnose em
massa". "Esta não é uma teoria da conspiração", ela nos lembra. "Não tem
que ser." Faludi explica como o backlash conseguiu "infiltrar-se nos pensa-
mentos das mulheres, transmitindo nesses canais privados ondas sonoras
de vergonha e reprovação".

65 Tirado da Wikipédia: The Stepford Wives é um romance de suspense satírico de 1972 de Ira Levin. A
história diz respeito a Joanna Eberhart, uma fotógrafa e jovem mãe que começa a suspeitar que as
donas de casa assustadoramente submissas em seu novo bairro idílico de Connecticut podem ser ro-
bôs criados por seus maridos. (...) O termo "esposa de Stepford" entrou em uso comum no idioma
inglês depois da publicação do livro de Levin e geralmente é usado como um termo depreciativo que
se refere a uma esposa submissa e dócil que parece se conformar cegamente ao estereótipo de um
subserviente e antiquado papel em relação ao marido. Às vezes é usada em referência a qualquer
mulher, até mesmo uma profissional experiente, que subordinou sua vida ou carreira aos interesses
de seu marido e que afetou a submissão e a devoção a ele, mesmo diante dos problemas públicos do
marido e da desgraça.
277

***

Além da teoria foucaultiana, Faludi e Wolf apropriaram-se de toneladas de


estatísticas e estudos que "mostram consistentemente" o funcionamento
do backlash e do mito da beleza e seus efeitos sobre as mulheres america-
nas. Mas, apesar de seus livros terem quilos de notas de rodapé, as evidên-
cias estatísticas confiáveis para a hipótese do backlash são terrivelmente
escassas. De acordo com Wolf, "Pesquisas recentes mostram consistente-
mente que, no interior da vida da maioria das mulheres trabalhadoras, atra-
entes e bem-sucedidas do Ocidente, existe uma 'sub-vida' secreta envene-
nando nossa liberdade; infundida com noções de beleza, é uma veia obs-
cura de auto-ódio, obsessões físicas, terror do envelhecimento e medo de
perder o controle". A pesquisa que ela cita foi feita em 1983 na Universi-
dade Old Dominion. Ela afirma que os pesquisadores descobriram que mu-
lheres atraentes "se comparam apenas a modelos, não a outras mulheres",
e se sentem pouco atraentes. Esse tipo de afirmação é central para a alega-
ção de Wolf de que imagens de mulheres bonitas e esbeltas em revistas de
moda desmoralizam as mulheres reais. Na verdade, o estudo que ela citou
sugeriu o contrário. Os pesquisadores do Old Dominion compararam os au-
torrelatos de três grupos de mulheres em idade universitária: um grupo se
avaliou após olhar para fotos de modelos de moda, outro grupo depois de
olhar para fotos de mulheres sem atrativo e um terceiro grupo depois de
olhar para fotos de mulheres muito atraentes. Os pesquisadores tiveram o
cuidado de não exagerar o significado desse pequeno experimento, mas
concluíram (provisoriamente) que, embora as reações a mulheres atraen-
tes tenham influenciado negativamente a autoavaliação das mulheres, a
exposição às modelos não teve esse efeito:
Talvez, aos olhos da maioria de nossos sujeitos, a beleza das colegas seja
qualificada como um padrão mais apropriado para comparação social do
que a beleza profissional... Visto em um sentido prático, nossos resultados
sugerem ainda que folhear revistas populares cheias de modelos bonitos
pode ter pouco efeito imediato sobre a autoimagem da maioria das mulhe-
res.
278

Liguei para o principal autor do estudo, Thomas Cash, um


psicólogo da Old Dominion, e perguntei o que ele achava
do uso que Wolf havia feito de sua pesquisa. "Não tinha
nada a ver com o que havíamos encontrado. Não fazia
sentido. O que eu relatei era exatamente o oposto do que
Wolf alegou.... Ela pegou, correu com ela e recuou66." Nós
já discutimos a sua revelação sensacional de que o bac-
klash da beleza está causando estragos em jovens mulheres, levando-as a
uma epidemia letal de anorexia, com um total de 150.000 fatalidades ao
ano. As fatalidades reais parecem ser consideravelmente menores que 100
por ano.
Grande parte do apoio que Wolf oferece à sua teoria do mito da beleza
consiste simplesmente em rotular uma atividade insidiosa em vez de mos-
trá-la assim – fazer exercício, fazer dieta e comprar produtos Lancôme no
balcão de cosméticos da Bloomingdale's estão sob ataque. Caracterizar os
Vigilantes do Peso como um culto não constitui evidência de que eles o são.
Em seu zelo para interpretar todos os esforços das mulheres americanas
para perder peso como um sintoma de ansiedade induzida por homens, ela
ignora o fato de que muitas pessoas – homens e mulheres – sofrem de obe-
sidade e são ameaçados por doenças que não afetam pessoas que estão em
forma. Enfatizar a importância da dieta e da forma física dificilmente pode
ser considerado uma tentativa insidiosa do establishment masculino de en-
fraquecer as mulheres. O desejo de obter maior aptidão talvez seja o prin-
cipal motivo que inspira homens e mulheres a se exercitarem e monitora-
rem suas dietas.
Wolf reciclou os resultados de todos os estudos de advocacia alarmistas em
que ela conseguiu colocar as mãos. Os resultados de Mary Koss sobre o es-
tupro por conhecidos são devidamenteo relatados: "1 em cada 4 entrevis-
tadas teve uma experiência que atendeu à definição legal americana de es-
tupro ou tentativa de estupro". Ela não menciona que a definição de estu-
pro de Koss era controversa. Ela não nos diz que quase metade das mulhe-

66 Há uma expressão idiomática inglesa conhecida como “pegar a bola e correr com ela” (take the ball
and run with it), que, segundo o Cambridge Dictionary, significa “continuar uma atividade que outra
pessoa começou, muitas vezes quando essa pessoa não conseguiu finalizá-la ou fazê-la funcionar”.
Imagino que a frase do senhor Cash tenha relação com essa expressão. A bola, no caso, era a pesquisa
feita por ele.
279

res classificadas como vítimas tiveram encontros amorosos com seus "es-
tupradores" novamente. Wolf às vezes aponta para problemas reais, como
o medo esmagador de ser "não feminina", a taxa excessiva de cirurgia esté-
tica e a alta incidência de violência doméstica. Mas ela erra em atribuí-los
sistematicamente à mesma causa misógina. Os bons teóricos sociais estão
dolorosamente conscientes da complexidade dos fenômenos que procu-
ram explicar, e pesquisadores honestos tendem a desconfiar de explicações
de fator único, não importa o quão sedutoras elas pareçam ser.
A abordagem de Faludi é a do repórter investigativo empenhado em salvar
as mulheres expondo as mentiras, meias-verdades e enganos que os meios
de comunicação dominados pelos homens criaram para desmoralizar as
mulheres e mantê-las fora do local de trabalho. Seus leitores podem natu-
ralmente supor que ela mesma tomou o cuidado de ser sincera. No entanto,
não poucos críticos descobriram surpresos que o impacto do Backlash se
baseia em muitas inverdades – algumas muito mais graves do que as que
são expostas. Em sua resenha do New York Times, a jornalista e feminista
Ellen Goodman criticou suavemente Faludi por ignorar as provas que não
combinavam com seu quebra-cabeça. Mas o tom de Goodman era tão en-
tusiasmado – ela elogiou o livro por seu "estilo agudo" e meticuloso – que
poucos ouviram suas críticas. Em poucas semanas, o Backlash chegou ao
topo das listas de mais vendidos, tornando-se o livro feminista mais quente
em décadas. Faludi estava em demanda – no circuito de palestras, em
talkshows, em lojas de livro, e na mídia impressa. A mais séria crítica veio
alguns meses depois.
Em uma carta ao New York Times Book Review, Barbara Lo-
venheim, autora de Beating the Marriage Odds (Superando
as probabilidades de casamento), relatou que havia investi-
gado algumas das principais alegações de Faludi e descobriu
que elas estavam erradas. Sua carta apresentou alguns exem-
plos notáveis e concluiu que Faludi "distorce os dados, cita erroneamente
fontes primárias e comete sérios erros de omissão". Embora Lovenheim
seja uma jornalista respeitada e responsável, os editores de resenhas do
Times têm uma política de verificação de fatos de material controverso e
pediram a Lovenheim que fornecesse provas detalhadas de que suas críti-
cas a Faludi estavam bem fundamentadas. Ela concordou, e o Times dedi-
cou meia página à publicação da carta de Lovenheim. Aqui está uma parte
do argumento e das descobertas de Lovenheim.
280

Faludi escreveu: "Mulheres com menos de 35 anos agora dão à luz crianças
com síndrome de Down em uma taxa mais alta do que mulheres com mais
de 35 anos". Essa afirmação se encaixa bem com a tese central de Faludi de
que o backlash é particularmente voltado para mulheres solteiras profissio-
nalmente bem-sucedidas. Ao divulgar relatos falsos de que mulheres com
mais de 35 anos correm maior risco de ter um filho com defeitos congênitos,
o backlash busca desencorajar as mulheres e prejudicar suas carreiras, fa-
zendo com que elas se preocupem com sua decisão de retardar o parto.
Mas, diz Lovenheim, a verdade deplorável é que a idade aumenta acentua-
damente a chance de uma mulher ter um bebê com síndrome de Down. As
chances são de 1 em 1.000 para mulheres com menos de 25 anos, 1 em 400
aos 35 anos, 1 em 100 aos 40 anos, e 1 em 35 aos 44 anos. Lovenheim sali-
enta que, ao fazer sua falsa afirmação, Faludi deturpa sua própria fonte,
Working Woman (agosto de 1990). Pois o Working Woman (Mulher Traba-
lhadora) alertou suas leitoras que uma variedade de anormalidades está
associada com a idade materna, entre elas que as mulheres mais velhas
"são mais propensas a conceber fetos com defeitos cromossômicos, como
a síndrome de Down".
Uma das alegações mais sensacionais de Faludi – na abertura de seu livro –
é que há um esforço conjunto em curso para desmoralizar as mulheres
bem-sucedidas, assustando-as com uma grande escassez de homens. Faludi
nega que haja uma escassez, mas Lovenheim mostra que os fatos não a
apoiam. Embora não haja escassez de homens para mulheres na faixa dos
20 e 30, as coisas mudam quando as mulheres chegam a 30 e poucos anos.
Os dados do censo indicam que entre as idades de 35 e 44, há 84 homens
solteiros para cada 100 mulheres. Há mais de um milhão de mulheres sol-
teiras do que homens solteiros entre as idades de 35 e 54. Lovenheim
aponta que Faludi fez parecer o contrário, deixando de fora todos os soltei-
ros divorciados e viúvos.
Faludi respondeu à carta de Lovenheim duas semanas depois. Ela disse que
"deu boas-vindas" às tentativas de corrigir "pequenas imprecisões". Mas
que ela não podia "deixar de pensar nos possíveis motivos de uma pessoa
que é autora de um livro chamado Beating the Marriage Odds". Ela fez uma
tentativa de explicar sua afirmação bizarra de que mulheres mais velhas
têm uma menor incidência de filhos nascidos com síndrome de Down. A
alegação foi mal formulada, ela admitiu: ela realmente quis dizer que, uma
281

vez que mulheres com mais de 35 tendem a ser examinadas para defeitos
congênitos, muitas abortam seus fetos defeituosos, diminuindo sua taxa de
nascidos vivos para bebês com essa anormalidade. Ela deixou de acrescen-
tar que essa concessão enfraquece seu argumento maior.
Depois que a carta de Lovenheim foi publicada, críticos de várias revistas
começaram a apresentar outros erros sérios nos argumentos de Faludi. Ela
citou, por exemplo, um artigo de 1986 da revista Fortune, relatando que
muitas mulheres de sucesso estavam achando insatisfatórias as carreiras
exigentes e estavam "pulando do barco" para se adaptar ao casamento e
aos filhos. De acordo com Faludi, "A história da Fortune deixou uma impres-
são especialmente profunda e problemática em jovens aspirantes a carrei-
ras empresariais e de gestão... No ano seguinte ao artigo da Fortune falar
da tendência de "pular do barco", a proporção de mulheres matriculadas
em faculdades de administração começou a encolher - pela primeira vez em
uma década".
Em uma resenha, Gretchen Morgenson, da revista Forbes,
chamou essa tese de "interessante, mas errada". Ela es-
creveu: "Não houve encolhimento após o artigo da For-
tune. De acordo com a Assembleia Americana de Faculda-
des Colegiadas de Administração, que informa sobre o nú-
mero de graduados em faculdades de administração, a
proporção de graduados cresceu a cada ano de 1967 a
1989, os números mais recentes disponíveis".
Morgenson também esvaziou a afirmação de Faludi de que, nos anos 80,
"as mulheres estavam entrando em muitos guetos de trabalho feminino
mal remunerados". As estatísticas do Departamento de Trabalho dos Esta-
dos Unidos, ela apontou, mostram que "a porcentagem de mulheres exe-
cutivas, administradoras e gerentes entre todos os gerentes da força de tra-
balho americana subiu de 32,4% em 1983 para 41% em 1991." Morgenson
julgou o livro de Faludi "um labirinto de bobagens seguido de 80 páginas de
notas de rodapé".
282

A revista Time, que estava preparando um artigo sobre Faludi, encontrou


outras incoerências gritantes, principalmente nos cálculos econômicos de
Faludi, que aparentemente a levaram a modificar o tom animado de sua
história para a admoestação de que Faludi "acertadamente
critica os jornalistas que distorcem dados para promover o
que eles veem como uma verdade maior, mas em vários ca-
sos, ela pode ser acusada das mesmas táticas". A repórter
da Time, Nancy Gibbs, analisou algumas das queixas de Fa-
ludi sobre a maneira como a mídia lidou com os efeitos
econômicos do divórcio sobre as mulheres:
Faludi demonstra que os estudos sobre o impacto do divórcio exageram
grandemente a queda no padrão médio de vida da mulher no ano seguinte
após ela abandonar o marido. Mas ela acrescenta que, cinco anos após o
divórcio, o padrão de vida da maioria das mulheres melhorou. Ela relega a
uma nota de rodapé o fato de que isso é porque a maioria se casou nova-
mente.
Faludi é especialmente crítica de qualquer pessoa na mídia que encontre
falhas no sistema atual das creches. Ela trata uma reportagem de 1984 da
Newsweek como uma diatribe contra creches que glorifica as mulheres que
desistem de suas carreiras profissionais para criar os filhos. Mas Cathy
Young, a crítica da revista Reason, aponta que Faludi absteve-se cuidadosa-
mente de mencionar que o autor do artigo pedia por uma creche de quali-
dade e a considerava "uma necessidade básica da família". Para justificar
em geral a existência de um backlash da mídia, Faludi coletou assiduamente
histórias da mídia que questionam as alegrias da vida de solteiro ou a sabe-
doria de uma mãe com crianças pequenas que escolheu trabalhar. Young
observou que Faludi nunca menciona os numerosos artigos que encorajam
as mulheres nessas escolhas, nem aqueles que celebram "a nova paterni-
dade, os benefícios para as meninas de terem mães que trabalham fora,
mulheres nos negócios e empregos não tradicionais". Ao longo de seu longo
livro, Faludi dá a nítida impressão de que a inclinação da cobertura nos prin-
cipais jornais e revistas é nitidamente antifeminista. Segundo Young, o
oposto é verdadeiro.
283

Em uma resenha para a revista Working Woman, Carol Po-


gash descobriu que Faludi "interpreta erroneamente as es-
tatísticas de acordo com sua opinião de que as mulheres
americanas não estão mais muito ansiosas para se casar".
Faludi interpreta uma pesquisa da Virginia Slims de 1990
como se ela concluísse que as mulheres colocaram a busca
de um marido no final de sua lista de preocupações. "Talvez", diz Pogash,
"seja porque 62% das mulheres da amostra já eram casadas, um fato que
[Faludi] não menciona". Pogash observa que Faludi também citou erronea-
mente os resultados de outra pesquisa da Virginia Slims, mostrando que
"70% das mulheres acreditavam que poderiam ter uma 'vida feliz e comple-
ta' sem uma aliança de casamento". Na verdade, a pergunta era: "Você acha
que é possível para uma mulher ter uma vida completa e feliz sendo sol-
teira?" – não se a própria entrevistada poderia ser feliz como uma mulher
solteira.
Faludi fala sobre "os salários do backlash", e seu tema mais insistente é que
as mulheres estão sendo severamente punidas economicamente pelo pro-
gresso social e cívico que fizeram antes dos anos 80. Como uma feminista
reage a dados sobre diferenças salarial entre homens e mulheres e oportu-
nidades econômicas é uma excelente indicação do tipo de feminista que ela
é. Em geral, a feminista da equidade aponta com orgulho para os muitos
ganhos que as mulheres têm conquistado para atingir a paridade no local
de trabalho. Em contrapartida, as feministas de gênero fazem questão de
menosprezar esses ganhos e de falar em backlash. Perturba-a que o público
seja levado a pensar que as mulheres estão indo bem e que os homens es-
tão permitindo isso. A feminista de gênero insiste que o tão chamado pro-
gresso é ilusório.
Eu senti a força dessa insistência dois anos atrás, quando meu enteado
Tamler era aluno do 3º ano na Universidade da Pensilvânia. Ele escrevera
um artigo sobre Jane Eyre no qual ele fazia a observação "insensível" de que
as oportunidades vocacionais para as mulheres são mais amplas hoje do
que para Jane Eyre. "Não!" escreveu sua professora na margem. "Mesmo
hoje, as mulheres ganham apenas 59% do que os homens ganham!" (Mais
tarde, eu veria essa professora em um dos painéis da conferência de Heil-
brun.) No semestre seguinte, em outro curso de outra professora de inglês,
Tamler "errou" novamente dizendo que uma personagem feminina tinha
284

um trabalho mais satisfatório do que o do marido. Mais uma vez, sua pro-
fessora expressou sua irritação na margem: "Como você racionalizaria o
fato de que as mulheres ganham 49% do salário dos homens em todos os
campos?"Conforme monitorado pelo Departamento de Inglês da Pensilvâ-
nia, a condição das mulheres parecia ter piorado sensivelmente em menos
de um ano!
Todos nós já vimos essas estatísticas iradas. Mas não há muita verdade ne-
las. Na maioria das medidas, os anos 80 foram uma época de conquistas
espetaculares por parte das mulheres americanas – na educação, nos salá-
rios e em profissões tradicionalmente masculinas como negócios, direito e
medicina. A feminista de gênero não reconhecerá nada disso. De acordo
com Susan Faludi, os anos 80 foram a década do backlash, em que os ho-
mens conseguiram recuperar muitos dos ganhos tirados deles nas décadas
anteriores. Essa visão, inconvenientemente, não se enquadra nos fatos.
Uma vez que qualquer crítica à alegação de Faludi de um backlash contra
os salários pode ser interpretada como apenas mais um sintoma de bac-
klash, deve-se agradecer aos editores da seção de negócios do New York
Times por desafiar a ira das ideólogas feministas ao apresentar um relato
objetivo de como o cenário econômico afeta as mulheres.
Pesquisando vários relatos de mulheres economistas so-
bre os ganhos de mulheres na década de 1980, a colunista
de negócios do New York Times Sylvia Nasar rejeitou a
tese de Faludi. Ela apontou para a existência de massas de
dados empíricos mostrando que "Longe de perder ter-
reno, as mulheres ganharam mais nos anos 80 do que em toda a era pós-
guerra anterior. E quase tanto quanto entre 1890 e 1980".
Hoje, mais do que nunca, a posição econômica depende da educação. Em
1970, 41% dos estudantes universitários eram mulheres; em 1979, 50%
eram mulheres; e em 1992, 55% eram mulheres. Em 1970, 5% dos diplomas
dos cursos de Direito foram concedidos às mulheres. Em 1989, o número
era de 41%; em 1991, era de 43% e, desde então, subiu. Em 1970, as mu-
lheres ganhavam 8% dos diplomas do curso de Medicina. Isso aumentou
para 33% em 1989; em 1991, era de 36%. Os grandes avanços na educação
refletem-se no progresso acelerado das profissões e negócios. Diane Ravi-
tch, pesquisadora do Brookings Institution, relata que as mulheres fizeram
285

grandes avanços em direção à plena igualdade em todos os campos profis-


sionais, e "em alguns, como farmácia e medicina veterinária, as mulheres
se tornaram maioria em profissões que antes eram dominadas por ho-
mens".
O artigo do New York Times resumiu a pesquisa da seguinte forma:
Um novo corpo de pesquisa – principalmente por uma nova geração de mu-
lheres economistas que extraíram uma montanha de dados inexplorados –
mostra convincentemente que as mulheres foram as grandes vencedoras da
expansão nos anos 80 e que seus ganhos provavelmente continuarão cres-
cendo nos anos 90, independentemente de quem esteja na Casa Branca... A
sabedoria convencional – consagrada em livros como o best-seller Backlash:
A guerra não declarada contra as mulheres americanas, entre outros – diz
que as mulheres não progrediram na última década. De fato, as mulheres
ficaram obcecadas em ganhar cerca de 60 centavos do dólar masculino de
1960 a 1980, mas começaram a se recuperar rapidamente à medida que a
economia se expandia durante os anos 80.
O Times relata que as mulheres passaram a ganhar 72 centavos para cada
dólar ganho pelos homens, o que representou um recorde em 1990. Mas o
Times aponta que mesmo esse número é erroneamente pessimista, porque
inclui mulheres mais velhas que estão apenas marginalmente na força de
trabalho, como "a mãe que se formou no ensino médio, deixou a força de
trabalho aos 20 e voltou a um salário mínimo em uma loja local." Mulheres
mais jovens, diz o Times, "agora ganham 80 centavos por cada dólar ganho
pelos homens da mesma idade, acima dos 69 centavos de dólar em 1980".
Pode-se supor que não foi tanto que as mulheres tenham se saído bem, mas
que os homens tenham se saído mal na recente recessão. No entanto, a
professora de economia da Faculdade Baruch, June O'Neill, diretora do Cen-
tro de Estudos de Negócios e Governo, mostrou que,
mesmo em áreas onde os homens se davam bem, as mu-
lheres se saíam melhor: "Na extremidade superior, onde
os homens se davam muito bem, as mulheres alcançavam
o topo." Segundo Francine Blau, economista da Universi-
dade de Illinois, citada na reportagem do Times, os anos
80 foram anos em que "tudo começou a dar certo para as mulheres".
286

Nenhum desses fatos causou a menor impressão nos adeptos da tese do


backlash. Durante anos, as ativistas feministas usaram broches alegando
que as mulheres ganham "US $ 0,59 dólar de um homem". Alguns jornalis-
tas questionaram esse número: Faludi os chama de "porta-vozes" do bac-
klash. De acordo com Faludi, "em 1988, mulheres com um diploma univer-
sitário ainda podiam usar os famosos broches dos 59 centavos. Elas ainda
estavam fazendo 59 centavos para cada dólar ganho pelos homens. Na ver-
dade, a diferença salarial para elas agora era um pouco pior do que cinco
anos antes67".
As fontes que Faludi cita não sustentam seus números. O número real para
1988 é de 68 centavos, tanto para todas as mulheres quanto para as mu-
lheres com diploma universitário. Isso é substancialmente mais alto, não
menor do que cinco anos antes. Os números mais recentes, para 1992, são
consideravelmente mais altos ainda, o mais alto que já foram registrados:
71 centavos para todas as mulheres e 73 centavos para mulheres com di-
ploma universitário.
A cifra de 59 centavos pode ser um grito de guerra útil para ativistas femi-
nistas de gênero, mas, como muitos desses slogans, é altamente enganosa
e agora notoriamente ultrapassada. O diagrama a seguir mostra o aumento
dramático da proporção entre os ganhos de mulheres para homens, du-
rante o ano todo, em período integral, de cerca de 59 centavos durante os
anos 70 para 71 centavos em 1992.

67 Devido ao corte feito pela Hoff Sommers, a citação ficou sem sentido. Mas, no Blacklash, da Faludi,
pouco antes desse trecho, há a informação de que um relatório do Censo americano de 1986 desco-
briu que as mulheres estavam ganhando 64 centavos para cada dólar ganho pelos homens. Mas os
dados desse relatório não eram de 1986, mas “de outro ano”. Isso explicaria a referência a “cinco anos
antes”.
287

Evidentemente, a cifra de 59 centavos é escolhida pelo seu valor de propa-


ganda e não por verdadeiros insights sobre qualquer discriminação rema-
nescente.
Qual a razão da diferença restante entre salários masculinos e femininos?
Para as feministas de gênero, a resposta é simples: a diferença salarial é o
resultado da discriminação contra as mulheres. Mas, na verdade, estudio-
sos da economia sérios que são treinados para interpretar esses dados (in-
cluindo muitas eminentes economistas do sexo feminino) apontam que a
maioria das diferenças salariais reflete questões prosaicas como semanas
de trabalho mais curtas e menor experiência no local de trabalho. Por
exemplo, a semana média de trabalho para mulheres em período integral
durante todo o ano é mais curta que a dos homens. Quando economistas
comparam o salário por hora de homens e mulheres em vez de seus ganhos
anuais, a diferença salarial diminui ainda mais.
Os economistas diferem em quanto exatamente, se houver, a diferença sa-
larial remanescente é fruto de discriminação. A maioria dos economistas
concorda que grande parte dela representa simplesmente o fato de que,
em média, as mulheres acumularam menos experiência no local de traba-
lho do que os homens da mesma idade. Uma estimativa acadêmica recente
mostra que, a partir de 1987, as mulheres que trabalhavam atualmente em
período integral e durante o ano todo tinham, em média, 1/4 a menos de
288

anos de experiência de trabalho na comparação com os homens. Além


disso, um ano de experiência média de trabalho feminino geralmente re-
presenta menos horas do que um ano de experiência média de trabalho
masculino, por causa da menor média de trabalho semanal das mulheres.
A diferença de experiência é particularmente importante para explicar a di-
ferença de rendimentos entre mulheres e homens mais velhos, que é con-
sideravelmente mais ampla do que a dos trabalhadores mais jovens (67
centavos para idades de 55 a 64 anos versus 82 centavos para idades de 25
a 34). Para as mulheres mais velhas, a diferença de experiência é maior do
que 1/4, e soma-se ao longo do tempo a uma diferença considerável em
anos de experiência e a uma diferença ainda maior em horas de experiên-
cia.
Esses dados são importantes para entender a alegação frequentemente ci-
tada de que há um "teto de vidro" para as mulheres. Promoção em empre-
gos profissionais mais valorizados muitas vezes vai para aqueles que traba-
lham longas horas à noite e nos finais de semana. Os maridos são muito
mais propensos a fazer isso do que as esposas, por uma variedade de ra-
zões, incluindo divisão desigual de responsabilidades em casa, mas nesse
caso a fonte da dificuldade está em casa, não no mercado de trabalho.
Obviamente, a diferença de experiência também reflete o fato de que mui-
tas mulheres optam por entrar e sair da força de trabalho durante os anos
de maternidade e criação de filhos. Isso reduz a quantidade de experiência
adquirida no local de trabalho e, naturalmente, resulta em ganhos meno-
res, independentemente de qualquer possível discriminação. Alguma evi-
dência disso é fornecida por dados sobre trabalhadores sem filhos, para
quem a diferença de experiência deve ser muito mais estreita, resultando
em uma diferença menor de renda. Esse, de fato, é o caso: a proporção dos
ganhos por hora entre homens e mulheres para trabalhadores brancos sem
filhos de 20 a 34 foi de 86 a 91%, a partir de 1987.
A conclusão é que, embora os economistas ainda difiram quanto à discrimi-
nação remanescente, praticamente todos concordam que o valor de 59
centavos é altamente enganoso. Por exemplo, June O'Neill conclui que "as
diferenças nos lucros atribuíveis unicamente ao gênero tendem a ser muito
menores do que comumente se acredita, provavelmente menos de 10%".
Isso contrasta bastante com o valor de 41% reivindicado por Faludi.
289

Isso não quer dizer que não há espaço para melhorias. Um caso óbvio é o
fracasso da universidade moderna em ajustar seu sistema de cátedras ao
crescente número de mulheres que ingressam em carreiras acadêmicas.
Uma vez que todos os novos professores são obrigados a "publicar ou pe-
recer" nos primeiros seis anos de sua carreira, o relógio de cátedra bate
exatamente no mesmo ritmo que o relógio biológico das jovens mulheres.
Ajustes são necessários, pois esse estado de coisas afeta seriamente a igual-
dade de oportunidades. É importante notar, no entanto, que o lento ajuste
das universidades à mudança de circunstâncias é, pelo menos em parte,
porque são instituições públicas ou sem fins lucrativos que estão isoladas
do mercado. O setor privado, sem dúvida, tem sido mais criativo no que diz
respeito a horários flexíveis, creches no local e opções de trabalho em casa,
e é provável que evolua ainda mais – pelo imperativo econômico, e não
pelo tipo de intrusão governamental favorecida pelos guerreiros de gênero.
A geralmente sóbria profissão econômica também tem algu-
mas de suas próprias feministas de gênero. Uma de seus ex-
poentes mais proeminentes é Barbara Bergmann, profes-
sora de economia da Universidade Americana, que alega
"discriminação generalizada, severa e contínua por empre-
gadores e colegas de trabalho". Recentemente, a professora
Bergmann surpreendeu algumas de suas colegas feministas (e não feminis-
tas) ao se opor a uma proposta de longa data para incluir o valor da ativi-
dade de não remunerada, como o trabalho doméstico e o cuidado infantil,
nos números oficiais do produto interno bruto (PIB). Sua razão foi revela-
dora: "Parte do motivo [da proposta] é dar alguma dignidade à posição das
donas de casa. O que eu acho que o feminismo deve fazer é tirar as mulhe-
res do caminho da dona de casa". A professora Bergmann propôs que todos
os candidatos a cargos na Associação Econômica Americana sejam questio-
nados sobre "suas filiações em organizações feministas e antifeministas".
Ela não especificou quais organizações "antifeministas" ela tinha em mente,
mas o tom de sua proposta é particularmente perturbador porque ela foi
recentemente presidente da Associação Americana de Professores Univer-
sitários.
Como Nasar nos lembra, as mulheres ainda não atingiram a paridade. No
entanto, o copo está pelo menos 3/4 cheio e ficando mais cheio. Alguém
290

deveria informar ao Departamento de Inglês da Universidade da Pensilvâ-


nia sobre isso – e, mais importante ainda, os muitos leitores de Backlash
que podem ter sido desencorajados por estatísticas enganosas.

***

Segundo Faludi e Wolf, existem três tipos de mulheres a considerar. A mai-


oria são de ingênuas que, de uma forma ou de outra, são serviçais do patri-
arcado que moldam suas mentes e desejos. A minoria sofisticada de mulhe-
res conscientes pode ser dividida em duas classes: aquelas
que não se venderam ao patriarcado e aquelas que o fizeram.
Não surpreendentemente, Faludi se coloca no primeiro
grupo, enquanto aquelas que discordam dela são jogadas no
segundo grupo. Faludi inclui, entre as últimas, feministas de-
dicadas como Betty Friedan, Germaine Greer, Sylvia Hewlett,
Erica Jong e Susan Brownmiller.
Betty Friedan, que criticou as feministas radicais por "chafur-
dar" na vitimização e que até se atreveu a sugerir que as fe-
ministas estavam erradas em desprezar as líderes da Girl
Scoute (Garotas Escoteiras) 68 e as membras da Junior League
(Liga Júnior)69, é acusada de usar a retórica da Nova Direita e
de ser parte integrane de sua agenda “pró-família”. Mas a
questão não é que Betty Friedan possa estar errada, mas sim que ela está,
nas palavras de Faludi, "pisando em um movimento que ela se esforçou por
criar e liderar". A "explicação" de Faludi é que Friedan está tendo "as birras
de uma líder caída que está claramente aflita e zangada por não ter tido
permissão de ser o lobo Alfa pelo tempo que ela gostaria". Segundo Faludi,
a mesquinharia de Friedan a tornava suscetível à traição.

68 Segundo o próprio site da instituição, o seu objetivo é “preparar as garotas para uma vida inteira de
liderança - desde fazer uma caminhada noturna sob as estrelas até aceitar uma missão na Estação
Espacial Internacional; desde fazer lobby no conselho da cidade com sua tropa até ocupar um assento
no Congresso; desde gerir o seu próprio negócio de cookies hoje até lidar com cibersegurança ama-
nhã”. Ora, uma vez que esses objetivos se harmonizam com o ideário de empoderamento do femi-
nismo, devo imaginar que a Girl Scout faz o contrário do que promete.
69 Segundo a Wikipédia, as ligas juniores, que existem no Canadá, México, Reino Unido e Estados Unidos,
“são organizações de mulheres educacionais e de caridade destinadas a melhorar suas comunidades
através do voluntariado e da construção de habilidades de liderança cívica de seus membros por meio
de treinamento”.
291

Sylvia Ann Hewlett é ex-professora de economia da Bar-


nard, conhecida por seu trabalho em questões de política
familiar. Ela havia trabalhado duro na campanha dos anos
70 para a Emenda dos Direitos Iguais (Equal Rights Amend-
ment - ERA). Seu choque e consternação com a derrota fi-
zeram com que perguntasse, em seu livro A Lesser Life: The
Myth of Women's Liberation in America (Uma Vida Menor: O Mito da Liber-
tação Feminina na América): "Por que as mulheres não conseguiram dar à
ERA o apoio necessário para a vitória?"
As conclusões a que ela chegou a colocaram no topo da lista negra do bac-
klash de Faludi. "De uma maneira profunda", escreve Hewlett, "as feminis-
tas não conseguiram se conectar com as necessidades e aspirações das mu-
lheres americanas comuns". Segundo Hewlett, a ERA não
passou por causa de uma deserção generalizada das mulhe-
res que já não se sentiam bem representadas pelas líderes
feministas que defendiam a sua aprovação. "É preocupante
perceber que a ERA foi derrotada não por Barry Goldwater,
Jerry Falwell ou qualquer combinação de porcos chauvinis-
tas, mas por mulheres que foram alienadas de um movimento feminista
cujos valores pareciam elitistas e desconectados das vidas das pessoas co-
muns."
Faludi está, é claro, comprometida com a visão de que tanto as mulheres
quanto os homens estão participando e favorecendo o backlash. Portanto,
as alegações de Hewlett não são indesejáveis para Faludi: ambas concor-
dam que as mulheres não menos que os homens são responsáveis pela der-
rota da ERA. Mas enquanto Hewlett atribui a oposição das mulheres à ERA
à sua alienação do movimento das mulheres devido à sua falta de simpatia
por "mulheres comuns", Faludi insiste em vê-la como um efeito direto do
backlash que isolou e desacreditou as líderes do movimento de mulheres.
Para Faludi, não há maneira de explicar o fenômeno, mas deve-se ter pena
das massas de mulheres que não apoiaram a ERA como vítimas covardes e
assustadas do backlash. E como Hewlett não pode ser descartada de ma-
neira tão arrogante, ela deve ser uma agente do backlash. Faludi usa uma
técnica clássica para lidar com oponentes sofisticados: acusá-los de terem
se vendido ao inimigo. Ela maliciosamente informa o leitor que Hewlett vive
em um "endereço da moda de Manhattan" e é uma membra de um think
292

tank70 do establishment. Ela menciona que as editoras disputavam o livro


de Hewlett quando descobriram que ela criticava o feminismo e insinua que
ela faz muito dinheiro como uma autoridade na política familiar, citando
um jantar de gala que Hewlett patrocinou no Capitólio. Em suma, ela su-
gere, Hewlett é uma oportunista com um interesse pecuniário substancial
em manter e promover as opiniões que ela expressa.
Faludi lida com Germaine Greer, Susan Brownmiller e Erica
Jong da mesma maneira. Assim como Friedan é descrita
como tendo uma "birra", Greer e Brownmiller são conside-
radas "revisionistas" e "apóstatas". Quanto à sra. Jong, Fa-
ludi nos informa que seu apoio ao feminismo "na verdade
sempre foi bastante equívoco". Mas a verdade é que Faludi
se colocou em uma posição que não permite críticas.
Wolf não possui o temperamento explosivo de Faludi. Ela
costuma dizer que seus críticos são equivocados e prefere
perdoá-los, pois eles não sabem o que fazem. Depois de ver
Wolf entrevistada em "20/20", Barbara Walters chamou
sua teoria do mito da beleza de "baboseira". Wolf interpre-
tou isso como uma evidência adicional de quão profunda-
mente o mito está embutido na mente de mulheres aparentemente livres:
até mesmo Walters foi fisgada. Wolf admite que acha perturbador quando
as mulheres negam sua própria opressão. Mas, ela explica, "Esses impulsos
iniciais de negação são compreensíveis: as pessoas precisam mais do meca-
nismo de negação quando uma situação intolerável foi apontada para elas".
No entanto, o fato de a maioria das mulheres rejeitar o feminismo radical
divisivo que ela vem promovendo parece ter finalmente impressionado
Wolf, cujo novo livro, Fire with Fire (Fogo contra Fogo), trombeteia uma
mudança do que ela chama de "feminismo da vítima" para um novo "femi-
nismo do poder". O feminismo do poder de Wolf acaba por ser uma versão
do feminismo tradicional liberal clássico com a adição de alguns temas con-
temporâneos sobre "sentir-se bem". Para a consternação de muitas que ad-
miravam as alegações inflamadas de seu primeiro livro, Wolf agora parece

70 Segundo a Wikipédia: de acordo com o escritor norte-americano Paul Dickson (1972), think tanks po-
dem ser chamados de fábricas de ideias. Também podem ser traduzidos como círculo de refle-
xão ou laboratório de ideias. Think, na língua inglesa, pode ser traduzido como ‘pensar’; já a pala-
vra tank significa ‘tanque’, ‘reservatório’.
293

considerar as mulheres americanas como indivíduos que devem ser enco-


rajados a tomar conta de suas vidas, em vez de reclamar sobre hipnose em
massa e conspirações masculinas. O feminismo da vítima, do qual ela havia
sido uma competente porta-voz, era agora "obsoleto": "Não combina mais
com o que as mulheres veem acontecendo em suas vidas. E, se o feminismo,
trancado há anos na mentalidade de cerco que antes era necessária, não
consegue ver essa mudança, pode falhar em abraçar as novas oportunida-
des da era."
A nova Wolf pede um feminismo que "seja tolerante com as escolhas de
outras mulheres sobre igualdade e aparência", um feminismo que "não
agrida os homens com base no gênero", que "sabe que fazer mudanças so-
ciais não contradiz o princípio que as garotas apenas querem se divertir."
Quando li isso, senti vontade de chamar a srta. Wolf para lhe dizer: "Tudo
está perdoado!" Mas eu provavelmente teria sido incapaz de me abster de
acrescentar: "Bem, quase tudo: a mentalidade de cerco que você tão habil-
mente contribuiu em O Mito da Beleza era realmente necessária?" No final,
estou inclinada a atribuir seu extremismo anterior à doutrinação eficaz que
obteve nos estudos de mulheres em Yale.
Suas antigas aliadas não são tão indulgentes. Afinal de contas, foi apenas
ontem que elas estavam aplaudindo as descrições de Wolf
sobre como as mulheres sofrem hipnose em massa e são
escravas dos homens que as exploram. Na rede feminista
acadêmica, vê-se agora Wolf ser insultada e atacada. Uma
reação típica vem da participante da rede Suzanna Wal-
ters, professora de sociologia da Universidade de George-
town: "O livro de Wolf é lixo e backlash e tudo de desagradável (incluindo
homofóbico e racista)".
Acostume-se com isso, Srta. Wolf. Você logo descobrirá como é ser cha-
mada de antifeminista simplesmente porque se recusa a considerar os ho-
mens como inimigos e as mulheres como suas infelizes vítimas. Você fala
do "princípio de que as garotas só querem se divertir". Isso irá ofender du-
plamente suas ex-irmãs de armas. Primeiro, eles preferem que todas as mu-
lheres americanas com mais de 14 anos sejam chamadas de "mulheres".
Segundo, elas acham a ideia de que as mulheres querem se divertir frívola
e retrógrada. Você será monitorada por mais violações de doutrina. E, em
294

particular, Susan Faludi agora irá classificá-la como apenas outra agente do
backlash.
Barbara Walters havia achado a tese do mito da beleza de
Naomi Wolfs sobre a miséria secreta das profissionais bem-
sucedidas ofensiva e absurda. Kathleen Gilles Seidel, escri-
tora de best-sellers e ávida leitora de novelas românticas,
ficou ofendida com a análise de Kay Mussell, acadêmica fe-
minista da Universidade Americana, sobre as mulheres que
gostam de ler esse tipo de literatura 71. Mussell descreve as leitoras de ro-
mance como mulheres infelizes que buscam escapar de sua própria "impo-
tência, da ausência de sentido e da falta de autoestima e identidade". Seidel
acha isso arrogantemente errado:
Sou leitora de novelas românticas e me oponho fortemente a qualquer um
que descreva minha vida nesses termos. Eu tenho meus momentos de insa-
tisfação, claro, mas tenho poder e significado, não sofro de falta de autoes-
tima ou identidade. Eu concordo que nem todas as mulheres têm salas de
estar com janela decorada das quais elas gostam tanto quanto eu gosto da
minha, ou uma mãe como a minha ou um trabalho sobre o qual elas se sen-
tem como eu me sinto em relação ao meu, mas eu acho que é possível para
as mulheres encontrar contentamento, satisfação, paz e felicidade dentro
de nossa cultura, e acredito que muitas delas estão fazendo um bom traba-
lho.
Não é difícil imaginar como as feministas foucaultianas ex-
plicariam o entusiasmo de Kathleen Gilles Seidel pela sua
janela decorada – ou sua visão otimista sobre a vida de ou-
tras mulheres americanas. Para elas, é um princípio de fé
que a vida das mulheres sob o patriarcado é de silencioso
desespero. Mas quando perguntadas, a maioria das mulhe-
res parece concordar com a Sra. Seidel.
Ocasionalmente, um estudo destinado a documentar as desgraças das mu-
lheres americanas revela inadvertidamente dados que sugerem que a mai-
oria das mulheres americanas está curtindo a vida. Um caso interessante é
o estudo já mencionado sobre os problemas das mulheres, encomendado

71 Segundo a Wikipédia, “romances deste tipo colocam seu foco principal no relacionamento e amor
romântico entre duas pessoas, e devem ter um ‘final emocionalmente satisfatório e otimista’”.
295

pelo Fundo da Comunidade em 1992 e realizado por Louis Harris e Associa-


dos.
Os pesquisadores da Harris fizeram uma série de perguntas a uma amostra
aleatória de 2.500 mulheres e 1.000 homens sobre seu bem-estar físico e
mental. Quando perguntados sobre como se sentiram na semana passada,
os entrevistados responderam o seguinte:

Nunca Raramente Às Quase


vezes sempre
1 Eu me sinto de- Homens 48 25 22 5
primido Mulheres 36 29 29 5
2 Meu sono é in- Homens 20 21 28 11
quiteto Mulheres 29 22 36 12
3 Eu curto a vida Homens 1 2 13 83
Mulheres 1 2 15 82
4 Eu tenho crises Homens 88 6 5 -
de choro Mulheres 63 19 16 2
5 Eu me sinto Homens 41 29 28 2
triste Mulheres 33 27 35 4
6 Eu sinto que as Homens 61 22 14 2
pessoas não Mulheres 61 22 14 2
gostam de mim

A grande maioria das mulheres (82%) afirmou que "curtia a vida a maior
parte do tempo". A mesma pequena proporção (5% de homens e mulheres)
disseram que ficavam deprimidos a maior parte da semana. Que muitas
mulheres americanas estejam curtindo a vida pode não ser interessante. Eis
a forma surpreendente como o Fundo da Comunidade e a Harris e Associa-
dos resumiram os resultados do questionário em seu comunicado à im-
prensa: "Os resultados da pesquisa indicam que a depressão e a baixa au-
toestima são problemas persistentes para as mulheres americanas. 40% das
mulheres pesquisadas relataram estar severamente deprimidas na semana
passada, em comparação com 26% dos homens".
Chegou-se a essa conclusão pela maneira como a pesquisa Harris interpre-
tou as respostas às seis perguntas. O relatório da pesquisa representou esse
resultado graficamente:
296

Humphrey Taylor, presidente da Louis Harris e Associados, anunciou na co-


letiva de imprensa que os resultados sobre a depressão feminina o surpre-
enderam mais. Ele disse que a pesquisa pode ser "precisamente projetada
para a população feminina americana [de 94,6 milhões]. Esta é de longe a
pesquisa mais abrangente já feita sobre a saúde das mulheres".
Após a coletiva de imprensa e o comunicado de imprensa em 14 de julho
de 1993, as notícias sombrias sobre a condição mental das mulheres ame-
ricanas foram divulgadas no noticiário da Reuters, sob a manchete: PES-
QUISA MOSTRA QUE 4 DE 10 MULHERES ESTÃO DEPRIMIDAS:
Uma pesquisa autodenomida a mais abrangente já feita so-
bre saúde da mulher encontrou um grande número de mu-
lheres – 4 em cada 10 – que sofrem de "depressão severa"...
O estudo foi definido como "importante" pela Secretária de
Serviços Humanos e de Saúde dos EUA, Donna Shalala, que
participou da conferência [da imprensa]. "Por muito tempo,
a atenção à saúde [e] a pesquisa em saúde foi abordada do ponto de vista
do homem branco".
297

No dia seguinte, essas histórias apareceram em reportagens em todo o país:


• 4 em 10 mulheres entrevistadas sofrem de depressão grave. (Registro do
Condado de Orange)
• 4 em cada 10 mulheres estão deprimidas, segundo pesquisa. (Baltimore
Sun)
• Em uma determinada semana, 40% das mulheres, em comparação com
26% dos homens, apresentaram "depressão grave". (Seattle Post-Intelligen-
cer)
• 40% das mulheres em comparação com 26% dos homens experimentaram
"depressão grave" na semana anterior. (Newark Star-Ledger)
• Estudo: 40% das mulheres sofrem de depressão grave. (Boston Herald)
• A pesquisa da Harris conduzida para a organização de caridade com sede
em Nova York [o Fundo da Comunidade]... descobriu que 40% das mulheres
sofreram depressão grave recentemente. (WCBS-AM newsradio, Nova Ior-
que)
Esses jornais e estações de rádio confiavam na Reuters, e a Reuters havia
confiado nos "Destaques da Pesquisa" preparados pelo Fundo da Comuni-
dade. Ninguém parece ter olhado para os resultados reais da pesquisa. Mas
eu o fiz, e não pude entender como aqueles que os interpretaram conse-
guiram descobrir sobre a depressão das mulheres.
Liguei para o Fundo da Comunidade e me transferiram para Mary Johnson,
a mesma educada assistente de programa com quem conversei quando
questionei a inclusão das trocas de insultos acalorados entre casais como
exemplos de "abuso psicológico" de mulheres. Dessa vez, perguntei a ela
como haviam chegado à estatística que 40% das mulheres estavam grave-
mente deprimidas. E os 82% des mulheres que disseram que curtem a vida
a maior parte do tempo? "Tiramos algumas conclusões que pareciam sur-
preendentes", respondeu Johnson. "Não estamos dizendo que elas estão
clinicamente deprimidas".
Eu disse a ela que "depressão severa" certamente soava como algo real –
além do mais, essa era uma pesquisa de saúde feminina. Perguntei-lhe no-
vamente por que o relatório não dava atenção às fortes respostas positivas,
sugerindo que a maioria das mulheres era, em geral, bastante feliz. A Sra.
298

Johnson me assegurou novamente que o valor de 40% era confiável, o pro-


duto de um método diagnóstico desenvolvido pelo Centro de Estudos Epi-
demiológicos (CES) e adaptado por uma equipe de "consultores" que redu-
ziu o questionário CES de 20 perguntas a 6. Pedi-lhe mais detalhes. Ela me
disse que não estava por perto quando a pesquisa foi desenvolvida e me
dirigiu a sua supervisora, Evelyn Walz, coordenadora do programa, que su-
geriu que eu dirigisse quaisquer outras perguntas à pesquisa da Harris.
Liguei para a Harris e Associados e consegui falar com Liz Cooner, a vice-
presidente, que me disse que certa Lois Hoeffler estava encarregada da pes-
quisa de saúde feminina, mas que desde então deixara a faculdade para
estudar pós-graduação em sociologia. A Sra. Cooner se ofereceu para res-
ponder a minhas perguntas em seu lugar.
Perguntei-lhe como o pessoal da Harris tinha chegado a 40% de mulheres
gravemente deprimidas e lhe disse que as respostas sugeriam o contrário.
Ela imediatamente me repreendeu por usar o termo "depressão severa".
Ela disse que era uma linguagem forte e inadequada para os resultados.
Quando eu disse a ela que estava apenas citando o relatório, ela disse: "Eu
não vi isso ser relatado como "depressão severa". Eu a encaminhei para a
página 3 do relatório e para os "Destaques" e o gráfico. Ela concordou que,
se o relatório tivesse de fato usado o termo "depressão severa", seria ina-
propriado. Ela disse que não sabia para que eu precisava de informação,
mas uma vez que eu tinha tantas perguntas sobre a validade das conclu-
sões, eu provavelmente "não deveria referenciá-la" no que quer que eu es-
tivesse escrevendo.
Lembrei-a de todos os jornalistas que já "haviam referenciado a pesquisa",
para não mencionar Donna Shalala. Como ela própria concordou que a des-
coberta anunciada estava incorreta, perguntei-lhe se ela poderia agora de-
sassociar a pesquisa da Harris dessa reivindicação. Ela disse que não estava
em condições de fazer isso, mas eu estava livre para escrever para Hum-
phrey Taylor e pedir a ele que reconsiderasse. Pareceu-me, no entanto,
que, tendo sido informada de seu erro, a tarefa de tomar a iniciativa de
corrigi-la e tornar a correção pública deveria ser da Harris e Associados, não
minha.
Havia, além disso, outra seção do questionário Harris que nunca foi incluída
nos gráficos ou nos jornais. As 2.500 mulheres e os 1.000 homens foram
299

questionados: "Considerado tudo, quão satisfeito você está com a sua vida
hoje em dia?" Aqui estão os resultados percentuais:

Homens Mulheres
55 Muito satisfeito 54
38 De certa forma satisfeito 40
4 Não muito satisfeito 4
2 Nada satisfeito 2
1 Não tenho certeza 1

Se projetarmos a partir dessas respostas, devemos concluir que 94% das


mulheres (e 93% dos homens) estão, pelo menos, um pouco satisfeitas com
suas vidas, uma descoberta que dificilmente se enquadra com o número de
40% de mulheres gravemente deprimidas. De fato, outras sondagens, pes-
quisas e estudos sugerem altos níveis de satisfação entre os homens e as
mulheres americanas. O instituto de pesquisa Gallup faz periodicamente a
pesquisa "Satisfação com a Vida Pessoal dos EUA", na qual pergunta: "Em
geral, você está satisfeito ou insatisfeito com a maneira como as coisas es-
tão indo na sua vida pessoal?" Em março de 1992, 78% das mulheres e 80%
dos homens responderam que estavam satisfeitos. Em 1993, o San Fran-
cisco Chronicle fez uma pesquisa sobre a satisfação com a vida dos "baby
boomers72" (com idades entre 30 e 47 anos) que viviam na área da baía e
descobriu que "as mulheres baby boomers estavam mais felizes e sexual-
mente satisfeitas do que os homens baby boomers."
É provavelmente impossível obter números precisos sobre algo tão ambí-
guo quanto a satisfação com a vida. A depressão, por outro lado, é uma
desordem razoavelmente bem definida. Se as diretrizes e definições esta-
belecidas pela Associação Americana de Psiquiatria forem seguidas, há vá-
rias perguntas que os pesquisadores poderiam fazer que dariam uma boa
ideia da prevalência da depressão. Aqui estão duas usadas pela Associação
Americana de Psiquiatria (em conjunto com várias outras):
• Você está deprimido a maior parte do dia, quase todos os dias?

72 Segundo o Free Dictionary by Farlex, “os baby boomers são o grupo demográfico nascido durante a
explosão demográfica após a Segunda Guerra Mundial, aproximadamente entre os anos de 1946 e
1964.
300

• Você tem um interesse ou prazer marcadamente diminuído em todas ou


quase todas as atividades durante a maior parte do dia, quase todos os
dias?
Os psiquiatras fazem essas perguntas para chegar a um diagnóstico de de-
pressão, e os epidemiologistas as usam para ter uma ideia de sua prevalên-
cia na população. De acordo com o Psychiatric Disorders in America (Trans-
tornos Psiquiátricos na America) do Instituto Nacional da Saúde Mental
(NIMH73), a prevalência anual de depressão é de 2,2% para os homens e de
5,0% para as mulheres; a taxa de duração é de 3,6% para homens e 8,7%
para mulheres. Decidi conferir a pesquisa da CES que Mary Johnson havia
me dito ter sido adaptada pelos pesquisadores da Harris. Liguei para o
NIMH e fui colocada em contato com Karen Bourdon, a psicóloga encarre-
gada de pesquisar sintomas de angústia comunitária. O que eles acharam
da maneira como a pesquisa Harris usou sua escala? Ela disse imediata-
mente: "Nós gostaríamos que eles não fizessem isso. Eles deveriam saber
melhor".
Ela explicou que o instrumento de pesquisa nunca foi planejado como uma
medida de depressão: se todas as 20 perguntas forem feitas e cuidadosa-
mente interpretadas, pode ser útil para medir sintomas de sofrimento em
uma comunidade, mas não para diagnosticar uma doença médica. Ela
acrescentou que, em alguns de seus outros estudos, encontrou uma por-
centagem similar de homens e mulheres mostrando sinais de sofrimento
afetivo: as mulheres têm mais sintomas de depressão; homens, de compor-
tamento antissocial e alcoolismo.
Em conversas informais com vários psiquiatras, aprendi rapidamente que
eles consideravam ridículo o achado de 40% de depressão (sem falar em
"depressão grave"), porque as respostas às 6 perguntas que os pesquisado-
res de Harris haviam selecionado das 20 do CES não mostravam depressão.
Elas mostraram apenas que algumas mulheres (e homens) se sentiram "pra
baixo" durante a semana em questão. Eles estavam sem entender como a
Harris e Associados tinha chegado a um resultado tão bizarro.
O Backlash de Faludi apareceu antes que a Harris e Associados publicasse
seus números sobre a depressão feminina, mas também encontrou taxas
significativamente mais altas de depressão entre as mulheres casadas, isto

73 No original, National Institute of Mental Health.


301

é: "As mulheres casadas têm mais colapsos nervosos, neurastenia, pal-


pitações cardíacas e inércia... insônia, mãos trêmulas, tonturas, pesadelos,
hipocondria, passividade, agorafobia... as esposas têm a
menor autoestima, sentem-se menos atraentes, relatam
mais solidão. Sua descoberta ecoou a advertência de
1972 da socióloga feminista Jessie Bernard de que "o ca-
samento pode ser perigoso para a saúde das mulheres".
No entanto, em Transtornos Psiquiátricos na América, le-
mos: "O forte efeito protetor do casamento contra os
transtornos afetivos é confirmado em grande parte da literatura epidemio-
lógica". Aqui estão as conclusões de um grande estudo do Instituto Nacional
de Saúde Mental:

Taxa anual de depressão


grave por 100
Casado (nunca divorciado) 1.5
Nunca casado 2.4
Uma vez divorciado 4.1
Divorciado duas vezes 5.8
Coabitando 5.1

Em uma revisão de 1989 da literatura sobre felicidade conjugal no Boletim


Psicológico, os autores concluem: "Para ambos os sexos, o estado casado
(versus solteira) foi associado a um bem-estar favorável, mas os resultados
favoráveis mostraram-se mais fortes para as mulheres do que para os ho-
mens".
No dia seguinte à conversa com Mary Johnson e Liz Cooner, recebi um te-
lefonema de Lois Hoeffler, a investigadora principal que deixara a Harris e
Associados para se formar em sociologia. Ela estava me contatando a
mando da Harris e Associados para explicar a descoberta dos 40%.
Hoeffler era charmosa, sincera e muito segura de si mesma. Quando lhe
perguntei como ela selecionou as seis perguntas do questionário de diag-
nóstico do NIMH/CES, ela disse: "Nós as escolhemos arbitrariamente". Ela
me disse que uma nota de rodapé na página 185 do relatório completo da
pesquisa da Harris "explica que as descobertas não representam uma indi-
cação de depressão clínica".
302

Eu lhe disse que a nota de rodapé a que ela se referia não constava do re-
latório do Fundo da Comunidade. Em nenhum lugar havia qualquer menção
pública de que "depressão severa" não deveria ser lida literalmente. Ela
concordou que as respostas reais não foram úteis para determinar a preva-
lência de depressão clínica, mas mostraram que mais mulheres estão depri-
midas do que os homens. "Se você está interessado em diferenças de gê-
nero, você pode usar essas descobertas."
Perguntei-lhe sobre as ideias que a orientaram na concepção e interpreta-
ção do questionário. Ela me disse que estava muito preocupada que o es-
tudo da Harris não fosse apenas mais um estudo que refletisse "normas
masculinas brancas" de pesquisa. Ela queria evitar o habitual preconceito
"falocêntrico". Ela disse: "Eu não estou realmente interessada na teoria fa-
locêntrica. Muito da psicologia é baseada no fato de que os homens estão
reprimindo as mulheres. Eu não posso lidar com isso. A maioria das teorias
tradicionais é baseada em normas masculinas brancas".
Ela havia escrito sua tese de mestrado no Programa de Pesquisa Social da
Faculdade Hunter. Seu tema era "teorias sociais feministas do eu" e sua
pesquisa analisou as idéias de Carol Gilligan. Ela acha Gil-
ligan inadequada porque "Gilligan ainda está fundamen-
tada na teoria psicológica masculina". Hoeffler me disse
que a teóloga feminista radical Mary Daly foi uma influên-
cia mais direta em seu trabalho. Outra influência foi o Mo-
dos das Mulheres de Conhecer, o livro que introduziu a dú-
bia distinção epistemológica entre "conhecedores conectados" (mulheres)
e "conhecedores separados" (homens).
A Sra. Hoeffler me disse que seu trabalho como investigadora principal da
Harris e Associados lhe proporcionou uma oportunidade única de imple-
mentar suas ideias. "Não é todo mundo que pode aplicar o que escreveu
em sua dissertação de mestrado. Tive sorte." Perguntei-lhe se o seu contri-
buto tinha sido um fator importante no produto final, ao que ela respon-
deu: "Eu entrei em algumas coisas, mas menos do que eu poderia ter feito".
"Quão aberto foi o presidente da Harris e Associados, Humphrey Taylor, a
suas idéias?", eu perguntei:
Humphrey estava em sintonia com as coisas feministas quando eu estava
lá. No decorrer deste projeto, ele se tornou mais consciente... Mas eu não
tento reeducar os homens. Eu falo em sua língua. Você tem que falar em
303

linguagem masculina. Você diz: nós devemos fazer este levantamento por-
que é um tema quente e vai dar dinheiro, não que devemos fazer isso porque
é a coisa certa a fazer.
Perguntei a ela se existem outras organizações de pesquisa nas quais ativis-
tas feministas são influentes. Ela disse: "Oh sim. Greenberg-Lake". O leitor
se lembrará de que a AAUW usou a Greenberg-Lake como agência de pes-
quisa para estudar a autoestima dos adolescentes. Surgiu a estatística dra-
mática e imprecisa de que as alunas experimentam uma "queda de 31 pon-
tos na autoestima".
Hoeffler continuou dizendo que, com o aumento do número de feministas
que estão fazendo pesquisas, ela espera que mais sondagens e pesquisas
reflitam a nova consciência. "Estamos atingindo o momento de pico. A po-
lítica de um pesquisador está sempre na pesquisa. Nós [as pesquisadoras
feministas] equilibramos o jogo". Como ela considera a maior parte das pes-
quisas politicamente enviesadas contra as mulheres, ela viu poucos motivos
para se desculpar pelo seu viés feminista.
Então ela trouxe Foucault. Ela achava que a maioria dos pesquisadores do
sexo masculino era extremamente ignorante. Foucault a ajudou a entender
por que "aqueles que são subjugados e marginalizados estão posicionados
para ver a situação com mais clareza". "Foucault é ótimo", concluiu, e afir-
mou que suas teorias "influenciaram minha participação na Harris en-
quanto eu estava lá".
Eu examinei duas áreas da pesquisa de saúde feminina – aquelas sobre
abuso psicológico e depressão. Ambas revelaram falhas graves e uma incli-
nação ideológica pronunciada. Pode haver problemas com outras partes da
pesquisa. O Fundo da Comunidade – uma das fundações mais antigas dos
Estados Unidos, com uma dotação de US $ 340 milhões – sabia que um es-
tudo encomendado a um instituto de pesquisa renomado e de longa data
usaria uma pesquisadora ginocêntrica que tentasse evitar métodos "fa-
locêntricos"?
Mas talvez o Fundo da Comunidade não seja contra a
fraude. Ellen Futter, presidente da Faculdade Barnard, é
presidente da Comissão de Saúde da Mulher do Fundo da
Comunidade, que patrocinou a pesquisa da Harris. Ela está
304

entre os muitos administradores acadêmicos que se esforçam por negar a


existência do politicamente correto (PC) nos campi da América. Pelo con-
trário, como ela vê, aqueles que afirmam que há um problema estão fa-
zendo mal. Em uma recente entrevista com Anna Quindlen para a Mira-
bella, Futter disse que o debate sobre o "PC" deu ao público uma imagem
"distorcida" da academia. "Por causa dessas caracterizações, alguns... es-
forços cuidadosos para ampliar a apresentação de ideias intelectuais (...)
foram mal interpretados". A presidente Futter deve examinar de perto os
"esforços cuidadosos" que foram feitos na pesquisa de saúde das mulheres,
encomendada sob sua vigilância.

***

Hoeffler tinha visto com sucesso que o relatório Harris não era apenas outro
estudo aplicando "normas masculinas brancas" de pesquisa. Donna Shalala
identificou essa característica do relatório e a elogiou como uma virtude
distintiva. É de se esperar que seu comentário de que a pesquisa do "ho-
mem branco" tenha prevalecido "por muito tempo" não represente um jul-
gamento ponderado. Porque, ao contrário de Hoeffler, uma ideológica sra.
Shalala não seria uma figurante no jogo de misandria que as fanáticas do
feminismo de gênero estão jogando. O profissionalismo da pesquisa ameri-
cana é um recurso nacional enorme e precioso. E Shalala lidera um depar-
tamento cujos gastos são quase o dobro dos gastos do Departamento de
Defesa.
Robert Reich, o secretário de trabalho dos EUA, escreveu
uma sinopse para o Backlash descrevendo-o como "fasci-
nante e assustador... um alerta para os homens bem como
para as mulheres que estão lutando para construir uma so-
ciedade que respeite as questões de gênero". Podemos
apenas esperar, novamente, que Reich tenha ficado fasci-
nado demais para ler o Backlash com uma mente criteriosa. O que é mais
alarmante do que qualquer coisa que Faludi tenha a dizer sobre uma guerra
não declarada contra as mulheres americanas é a credulidade que encon-
trou em altos funcionários públicos em cujo julgamento devemos confiar.
305

CAPÍTULO 12
AS VIGILANTES DE GÊNERO

A censura é o impulso mais forte na natu-


reza humana; o sexo é um segundo fraco.
- PHILIP KERBY, escritor editorial do Los
Angeles Times, em um cartão postal para
Nat Hentoff.

Pergunta: Quantas feministas são neces-


sárias para enroscar uma lâmpada?
Resposta feminista: Isso não é engraçado.

Às vezes, é dito que as feministas não têm senso de humor. Ainda assim,
existem algumas situações, não engraçadas para a maioria das mulheres,
que as feministas de gênero parecem achar muito divertidas.
Cerca de mil feministas estiveram presentes na 92nd Street
Y de Manhattan, no Dia das Mães de 1992, para ouvir um
debate entre Susan Faludi e o colunista da Playboy Asa Ba-
ber. Baber abriu sua palestra observando que, no Dia das
Mães, as linhas telefônicas nos Estados Unidos estão con-
gestionadas porque todos estão tentando ligar para casa
para conversar com as mães. No dia dos pais, as linhas são gratuitas. "Te-
mos que perguntar por que há muito menos interesse nos pais", disse Ba-
ber.
As mulheres reunidas, a maioria fãs de Faludi, acharam isso hilariante. "Isso
derrubou a casa", disse Baber. "No começo, eu não entendi. Eu pensei que
minha mosca estava aberta 74." Mas então ele entendeu e disse: "Se você
acha isso engraçado, você vai pensar que isso é motivo de riso: acho que o
fato de nossos pais estarem tão fora do circuito é uma grande tragédia em
nossa cultura".
Baber tinha dado um passo em falso, e desta vez ele não fez ninguém rir.
Um público indignado o vaiou. Mais tarde, quando ele foi perguntado se

74 No English Language e Usage, há a seguitne explicação para isto: “Aparentemente, quando um cava-
lheiro se esquece de fechar as calças, nos EUA eles o lembram assim: ‘Sua mosca está aberta’”.
306

isso era porque as suas apupadoras acreditavam que os homens eram inú-
teis, irrelevantes e potencialmente perigosos, Baber respondeu: "Você en-
tendeu". Para elas, ele parecia ser apenas mais um patriarca exigindo ho-
menagens.
A atmosfera de zombaria e vaias em que Baber se encontrava era familiar
para mim. Eu a encontrei nos "espaços seguros", onde as feministas de gê-
nero se reúnem para contar histórias descrevendo como uma irmã havia
derrotado um homem que não fazia ideia de quão ofensivo ele era (lembre-
se do "Cale a boca, seu filho da puta ", com o qual uma partidária havia
esmagado um desavisado crítico em uma sala de aula feminista. Eu ouvi isso
na risada apreciativa da plateia quando acadêmicas feministas relataram
como elas haviam jogado com a culpa liberal da faculdade para conseguir
fazer seus projetos serem aprovados. Baber estava no acampamento do ini-
migo, e qualquer coisa que ele dissesse seria considerado ofensivo ou, se
tivesse sorte, risível.
O escárnio das mulheres que estavam vaiando Baber foi seguramente diri-
gido aos "homens". É preciso imaginar o que o público de Baber faria dos
milhões de mulheres que ainda cumprem as amenidades do Dia dos Pais.
Tão decididas são as feministas de gênero que condenam o "patriarcado"
que raramente deixam transparecer como elas se sentem em relação às
mulheres que celebram o dia. No entanto, não é difícil ver que, ao zombar
de Baber, eles também estavam zombando da maioria das mulheres ame-
ricanas.
Esse é o paradoxo corrosivo da postura misândrica do feminismo de gênero:
nenhum grupo de mulheres pode travar uma guerra contra os homens sem,
ao mesmo tempo, denegrir as mulheres que respeitam esses homens. Não
é possível incriminar homens sem implicar que um grande número de mu-
lheres são tolas ou coisa pior. Outros grupos tiveram seus inimigos oficiais
– trabalhadores contra capitalistas, brancos contra negros, hindus contra
muçulmanos – e por um tempo tais inimizades podem ser estáveis. Mas
quando as mulheres se colocam contra os homens, elas simultaneamente
se colocam contra outras mulheres em um antagonismo de grupo que é
insustentável desde o início. No final, a feminista de gênero é sempre for-
çada a mostrar sua decepção e aborrecimento com as mulheres que podem
ser encontradas no campo do inimigo. A misandria evolui para a misoginia.
307

Betty Friedan disse certa vez a Simone de Beauvoir que


acreditava que as mulheres deveriam ter a opção de ficar
em casa para criar os filhos, se desejassem fazer isso. Be-
auvoir respondeu: "Não, não acreditamos que qualquer
mulher deva ter essa escolha. Nenhuma mulher deve ser
autorizada a ficar em casa para criar seus filhos. A socie-
dade deve ser totalmente diferente. As mulheres não devem ter essa esco-
lha, precisamente porque, se houver tal escolha, muitas mulheres farão
isso".
De Beauvoir achava que essa política drástica era necessária para evitar que
as mulheres levassem vidas convencionais arruinadas. Embora ela não o te-
nha soletrado, ela devia estar ciente de que sua sociedade "totalmente di-
ferente" exigiria uma legião de Grandes Irmãs dotadas pelo Estado com o
poder de proibir qualquer mulher que quisesse se casar e ficar em casa com
crianças de levar adiante seus planos. Ela trai a atitude condescendente tí-
pica de muitas feministas de gênero em relação às mulheres "não inicia-
das".
Um autoritarismo antiliberal está implícito na doutrina de que as mulheres
são socializadas para querer as coisas que as feministas de gênero acredi-
tam que elas não deveriam querer. Aquelas que acreditam que o que as
mulheres querem e esperam é obra de "constrangimento" ou "coação" por
terem sido criadas no patriarcado são levadas a descartar os valores e aspi-
rações da maioria das mulheres. O próximo passo pode não ser inevitável,
mas é quase irresistível: considerar as mulheres como crianças mal-educa-
das, cujos desejos prejudiciais e escolhas imaturas devem ser desconside-
radas.
Feministas de gênero, como Sandra Lee Bartky, defendem uma "reconstru-
ção feminista do eu e da sociedade [que] deve ir muito além de qualquer
coisa agora contemplada na teoria ou na política do movimento feminista
tradicional". Bartky, que escreve sobre "a fenomenologia da consciência fe-
minista", está preocupada com o que uma consciência feminista apropriada
deveria ser. Em seu livro Femininity and Domination (Feminilidade e Domi-
nação), ela diz: "Uma revisão completa do desejo está claramente na
agenda feminista: a fantasia de que somos dominadas por Rhett Butler 75

75 Personagem do livro E o vento levou, de Margareth Mitchell. No cinema, foi interpretado por Clarck
Gable.
308

deve ser trocada por uma em que tomamos o poder do Estado e o reedu-
camos". Bartky, no entanto, não defende medidas autoritárias para prote-
ger as mulheres de valores e preferências incorretos moldados pelos "mes-
tres da sociedade patriarcal". Ela aponta que, no momento, não sabemos
como "descolonizar a imaginação". Ela adverte que "renovar" os desejos e
"trocar" as fantasias populares pode ter de esperar pelo dia em que as teó-
ricas feministas desenvolverem uma "teoria adequada da sexualidade". Em
sua visão feminista apocalíptica, homens e mulheres podem um dia ser ra-
dicalmente reconstruídos. Teremos aprendido a preferir o modo "certo" de
viver.
Embora possam discordar politicamente sobre quais medidas tomar contra
as mulheres que fazem as escolhas erradas, de Beauvoir e suas últimas des-
cendentes compartilham uma postura comum: elas condescendem, apadri-
nham e compadecem-se das mulheres ignorantes que, por terem sido "so-
cializadas" no sistema sexo/gênero, não podem deixar de querer as coisas
erradas da vida. Seu desdém pelas infelizes vítimas do patriarcado é rara-
mente reconhecido. Quando as feministas falam de uma nova sociedade e
de como as pessoas devem ser mudadas, elas invariavelmente têm em
mente os homens que exploram e abusam das mulheres. Mas não é difícil
ver que elas consideram a maioria das mulheres como joguetes dos ho-
mens.
Considere como Naomi Wolf (em O Mito da Beleza) considera os 8 milhões
de mulheres americanas membros dos Vigilantes do Peso – como cultistas
que precisam se desprogramar. A maioria das feministas de gênero pode
não estar pronta para defender a coerção de mulheres de baixa consciência
feminista, mas elas são muito a favor de um esforço massivo e concentrado
para submeter os desejos, as aspirações e os valores das
mulheres americanas a uma completa reformulação. Como
diz a filósofa feminista Alison Jaggar: "Se os desejos e inte-
resses individuais são socialmente constituídos... a autori-
dade final do julgamento individual entra em questão. Tal-
vez as pessoas possam estar erradas sobre a verdade, a
moralidade ou até mesmo sobre seus próprios interesses; talvez elas pos-
sam sistematicamente se autoenganar”. Note que Jaggar explicitamente
despreza o princípio liberal tradicional de que os muitos juízos e preferên-
cias individuais são a autoridade final. Eu acho isso uma doutrina assusta-
dora: quando as pessoas se autoenganam sistematicamente, a autoridade
309

final deve ser concedida a uma vanguarda que desmascara sua autoilusão.
Como diz Jaggar: "Certas circunstâncias históricas permitem que grupos es-
pecíficos de mulheres possam transcender, pelo menos parcialmente, as
percepções e construções teóricas da dominação masculina." São essas mu-
lheres de alta consciência feminista que "inspiram e guiam as mulheres em
uma luta pela mudança social".
O respeito pelas preferências das pessoas é geralmente considerado funda-
mental para a democracia. Mas as ideólogas encontram maneiras de negar
esse princípio. A feminista de gênero que afirma representar os verdadeiros
interesses das mulheres está convencida de que ela entende profunda-
mente sua situação e, portanto, está em uma posição excepcional para co-
nhecer seus verdadeiros interesses. Na prática, isso significa
que ela está preparada para rejeitar as preferências popula-
res de maneira antiliberal. Para justificar isso, a filósofa fe-
minista Marilyn Friedman argumenta que as preferências
populares são frequentemente "inautênticas" e que até os
liberais estão cientes disso:
As feministas liberais podem facilmente juntar-se a outras feministas ao re-
conhecer que a democracia política por si só é insuficiente para garantir que
as preferências sejam formadas sem coerção, constrangimento, restrição
indevida de opções e assim por diante. As condições sociais, culturais e eco-
nômicas são tão importantes quanto as condições políticas, se não mais,
para garantir que as preferências sejam, em algum sentido importante, au-
tênticas.
Friedman está completamente errada em suas suposições: qualquer um,
liberal ou conservador, que acredite na democracia sentirá o perigo que
elas representam. Quem irá "garantir" que as preferências são "autênti-
cas"? Que intervenções na democracia política Friedman tem em mente?
Uma emenda constitucional para fornecer campos de reeducação para ho-
mens e mulheres de falsa consciência? Ela está preparada para seguir o ca-
minho autoritário indicado por Beauvoir?
A feminista que pensa que a democracia é insuficiente acredita que as mu-
lheres americanas aparentemente livres e esclarecidas têm valores e dese-
jos que, sem o conhecimento delas, estão sendo manipulados por um sis-
tema destinado a manter a mulher subjugada aos homens. O romance, uma
das principais causas de deserção do enclave ginocêntrico, é sempre um
310

ponto de discórdia para as feministas de gênero. Gloria Steinem, escre-


vendo sobre o assunto, se engaja nesse tipo de "crítica" de desmascara-
mento: "O próprio romance serve a um propósito político maior oferecendo
pelo menos uma recompensa temporária por papéis de gênero e amea-
çando a rebeldes com solidão e rejeição... Ele privatiza nossa esperança e
nos distrai de fazer mudanças sociais. A estratégia romana de ‘pão e circo’
de manter as massas felizes... pode agora ser atualizada." Jaggar também
vê no romance uma distração da política sexual: "A ideologia do amor ro-
mântico tornou-se tão difundida que a maioria das mulheres no capitalismo
contemporâneo provavelmente acredita que se casa por amor e não por
apoio econômico".
Por seu desdém autoritário, de Beauvoir merece nossa censura liberal. Mas
as feministas menos autoritárias também merecem isso. Nenhuma pessoa
inteligente e liberal – ninguém que tenha lido e apreciado a prosa política
límpida de George Orwell ou que tenha aprendido com a história selvagem
do totalitarismo do século XX – pode aceitar a ideia de uma agenda social
para "reverter" os desejos de grande número de pessoas para torná-las
mais "autênticas".
Em sua defesa, a feminista de gênero responde que professores eficazes ou
líderes políticos devem sempre tentar ajudar os outros a superar a ignorân-
cia. Quando as mulheres são criadas em um sistema projetado para perpe-
tuar a dominação masculina, elas devem ser esclarecidas. Não há nada in-
trinsecamente antiliberal na tentativa de torná-las conscientes de sua sub-
jugação. É próprio da essência de uma educação liberal abrir mentes e ilu-
minar a consciência. Se isso implica "reeducá-las" a reverter seus desejos,
que assim seja.
Esse argumento poderia ser facilmente empregado em uma época anterior,
quando os princípios classicamente libe-
rais estavam sendo aplicados aos homens,
mas não às mulheres. No século XIX, a pro-
posição de que todos os homens são cria-
dos iguais significava "todos os machos".
As mulheres não tinham os direitos que os
homens tinham e, além disso, estavam
sendo ensinadas que seu status subordi-
nado era adequado e natural. Filósofos feministas como John Stuart Mill e
311

Harriet Taylor, com razão, temiam que tal ensinamento estivesse ajudando
a perpetuar as desigualdades. Sob tais circunstâncias, a democracia política
aplicava-se apenas minimamente às mulheres. Por isso elas não votavam,
suas preferências não estavam em jogo, e a questão de quão autênticas
eram suas preferências era importante na medida em que afetava sua ca-
pacidade de lutar pelos direitos que lhes estavam sendo tomados.
Mas as mulheres não são mais marginalizadas e suas preferências estão
sendo levadas em conta. E nem agora elas são ensinadas que são subordi-
nadas ou que um papel subordinado para elas é adequado e apropriado.
Quais mulheres na história foram mais bem informadas e mais conscientes
de seus direitos e opções? Como as mulheres hoje em dia não podem mais
ser vistas como vítimas de doutrinação antidemocrática, devemos conside-
rar suas preferências como "autênticas". Qualquer outra atitude em relação
às mulheres americanas é inaceitavelmente paternalista e profundamente
iliberal.

***

As feministas de gênero desaprovam especialmente a vida das mulheres


tradicionalmente religiosas, como as evangélicas, as católicas ou as judias
ortodoxas, que elas consideram condicionadas a papéis altamente restritos.
Com certeza, dizem eles, é evidente que tais mulheres são subjugadas e as
escolhas que elas fazem inautênticas. Como explica Gloria Steinem, o apelo
do fundamentalismo religioso para as mulheres é "a promessa de segu-
rança em troca de obediência, de respeitabilidade em troca de autoestima
e liberdade – um triste acordo".
Esse é um julgamento duro para fazer sobre milhões de mulheres america-
nas. A Sra. Steinem é, naturalmente, livre para discordar de mulheres con-
vencionalmente religiosas sobre qualquer número de questões, mas ela
não é moralmente livre para lançar críticas à sua autonomia e autorres-
peito. O Novo Feminismo deveria ser sobre irmandade. Por que suas prati-
cantes mais proeminentes são tão condescendentes?
A própria Steinem sabe uma ou duas coisas sobre como recrutar adeptos
para uma causa através de promessas de "segurança" e "autorrespeito". A
ortodoxia feminista que ela retrata promete segurança em uma irmandade
312

que oferecerá às mulheres infelizes ou inseguras um local onde elas possam


construir a autoestima e obter uma autenticidade não desfrutada por ne-
nhum outro grupo de mulheres.
As mulheres tradicionalmente religiosas de hoje, sejam cristãs protestan-
tes, judias ortodoxas ou católicas observantes – enfaticamente não pensam
em si mesmas como subjugadas, carentes de autorrespeito ou de liberdade.
De fato, elas se ressentem devidamente de serem descritas dessa maneira.
Pois elas estão perfeitamente conscientes de que têm todos os direitos que
os homens têm. Se elas escolherem levar a vida que levam, isso é problema
delas.
Naturalmente, há feministas que desaprovam o modo como essas mulhe-
res vivem, e algumas podem até pensar nelas como lamentáveis. Essas fe-
ministas são perfeitamente livres para tentar persuadi-las a mudar seu
modo de vida. De sua parte, as mulheres tradicionais podem tentar persu-
adir as feministas sobre os méritos do modo de vida religioso. No entanto,
a maioria das feministas de gênero se contenta em desprezar e até mesmo
zombar das religiosas sem envolvê-las ou confrontá-las em um diálogo res-
peitoso, e não é de surpreender que as últimas se tornem cada vez mais
impacientes com suas críticas feministas.
Vários anos atrás, Liz Harris escreveu um artigo extraordinário e muito co-
mentado no New Yorker sobre as mulheres hassídicas ultraortodoxas do
Brooklyn, Nova York. Ela esperava encontrar mulheres oprimidas – "servi-
çais modestas", desgastadas por um sistema familiar que exaltava os ho-
mens e denegria as mulheres. Em vez disso, ficou impressionada com os
casamentos fortes, as famílias grandes e prósperas e a "comunidade de mu-
lheres notavelmente enérgica e solidária, uma sociedade quase amazô-
nica". "A maioria das mulheres [hassídicas] andava de um lado para o outro
como mísseis intergalácticos, e a grande maioria daquelas que eu encontrei
parecia... estar ocupada com projetos tão dignos como os de Eleanor Roo-
sevelt, tão hospitaleiras quanto os Wagoneers76 de boas-vindas".

76 No original “as hospitable as Welcome Wagoneers”. Segundo a Wikipédia, o Wagoneer é um veículo


utilitário esportivo de grande porte, produzido inicialmente pela Willys Overland Motors e, posterior-
mente, pela Jeep, entre 1963 e 1991. Sucedeu o Willys Jeep Station Wagon (vendido no Bra-
sil como Rural Willys) e foi sucedido pelo Jeep Grand Cherokee.
313

Meus parentes do lado do meu marido são judeus, e a maioria é ortodoxa.


A descrição da Sra. Harris se ajusta a eles com perfeição. Nos encontros fa-
miliares, às vezes digo à minha cunhada, às minhas sobrinhas e a suas ami-
gas sobre as teóricas feministas que têm pena delas e que as libertariam de
suas "famílias patriarcais". Elas acham isso mais engraçado do que ficam
ofendidas. Pode surpreender Gloria Steinem ouvir que elas têm uma com-
preensão bastante perspicaz de seu tipo de feminismo. Elas simplesmente
não querem fazer parte disso. Elas acreditam que fizeram uma escolha au-
tônoma: elas também acreditam que seu modo de vida lhes oferece vanta-
gens básicas como comunidade, graça, dignidade e espiritualidade. Elas
veem os aspectos patriarcais de sua tradição como geralmente benignos.
Algumas deles acham os aspectos do judaísmo insensíveis a importantes
preocupações das mulheres, mas são ainda mais prejudicadas pela rejeição
feminista de gênero à religião tradicional.

***

Mas é claro que não são apenas as religiosas que rejeitam a perspectiva
feminista de gênero. Uma clara maioria das mulheres americanas seculares
desfruta de muitos aspectos de "la différence". Muitas querem coisas das
quais as feministas de gênero estão tentando libertá-las, sejam casamentos
e famílias convencionais, ou modas e maquiagem que às vezes as transfor-
mam em "objetos sexuais". Essas feministas estão desconfortavelmente
conscientes de que não estão alcançando essas mulheres; mas, em vez de
se perguntarem o que estão fazendo de errado, recorrem à teoria da falsa
consciência, que contém uma petição de princípio 77, para explicar a indife-
rença em massa das mulheres que desejam salvar.
As feministas de gênero querem salvar as mulheres – de si mesmas. A falsa
consciência é considerada endêmica no patriarcado. E toda feminista tem
sua teoria. As feministas que se especializam na teoria da consciência femi-
nista falam sobre mecanismos pelos quais "o patriarcado invade os recan-
tos íntimos da personalidade, onde ele pode enfraquecer e mutilar o espí-

77 Uma falácia em que a conclusão é dada na premissa. Ou seja, você presume como verdadeiro aquilo
que deseja provar. Neste blogue, você encontra uma boa explicação sobre esta falácia. <http://aqui-
temfilosofiasim.blogspot.com/2007/03/petio-de-princpio-e-tautologia.html>.
314

rito para sempre". No entanto, um número crescente de mulheres questi-


ona se o feminismo de gênero, com sua insistência em que as relações pes-
soais são construídas em termos de poder político, tirou grande parte da
alegria da intimidade masculina/feminina, mutilando e debilitando o espí-
rito de algumas de suas devotas para sempre.

***

Há alguns anos, um artigo de opinião que escrevi para a Chronicle of Higher


Education (Crônica da Educação Superior) despertou uma tempestade de
protestos porque defendia as "muitas mulheres que continuam a desmaiar
ao verem Rhett Butler carregando Scarlett O'Hara escada acima para um
destino não imaginado na filosofia feminista". A Sociedade para as Mulhe-
res na Filosofia (SWIP), uma organização da Associação Filosófica Ameri-
cana, organizou um debate público entre mim e Marilyn Friedman, filósofa
da Universidade de Washington. A Sra. Friedman informou à plateia abar-
rotada de gente que estava atordoada pela minha reação insolente ao es-
tupro de Rhett por Scarlett – o estupro que ela considerou ser. "O nome de
Richard Speck78, para dar um exemplo, pode nos lembrar que o estupro real
não é a fantasia prazerosa sugerida em E o Vento Levou. Para ilustrar grafi-
camente: ‘muitas mulheres’ ainda desmaiariam com o estupro de O'Hara
por Butler se soubessem que ele urinou nela?" Para que os leitores não fi-
quem se perguntando como perderam essa cena sinistra em E o Vento Le-
vou, apresso-me a dizer que Friedman inventou esse detalhe para reforçar
seu argumento. Na minha tréplica, eu disse à plateia sobre uma recente
pesquisa feita por Harriet Taylor, a autora feminista de Scarlett's Women:
"Gone with the Wind" and Its Female Fans (As mulheres de Scarlett: “E o
Vento Levou” e suas Fãs Femininas). Taylor não fingiu que sua pesquisa era
científica, mas o que ela encontrou tem uma dose de verdade. Ela pergun-
tou aos fãs do filme o que eles achavam que tinha acontecido quando Scar-
lett foi levada pelas escadas. A esmagadora maioria dos 400 entrevistados
disse que não achou que Rhett tivesse estuprado Scarlett, embora houvesse
algum "sexo mutuamente violento e prazeroso". Quase todos relataram

78 Tirado da Wikipédia: Richard Franklin Speck (Kirkwood, 6 de dezembro de 1941 - Joliet, 5 de dezem-
bro de 1991) foi um assassino em massa e estuprador norte-americano que aos 24 anos, invadiu uma
casa em Chicago, em 1966, e matou oito enfermeiras com estrangulamento e com facadas.
315

que acharam a cena "eroticamente excitante". Como um entrevistado afir-


mou:
A história de Scarlett é a de uma mulher que teve sexo ruim com dois mari-
dos incompetentes (um "menino" e um "velho", como Rhett a lembra) que
não sabiam nada sobre mulheres. Por fim, ela descobre como é um bom
sexo, mesmo que (ou provavelmente porque) sua primeira experiência
ocorra em inebriação mútua e um espírito de raiva vingativa.
A idéia de "sexo mutuamente violento e prazeroso" não está no topo da
lista de entretenimentos das feministas de gênero. Mesmo assim, se as fi-
lósofas do Novo Feminismo fossem honestas sobre levar as mulheres a sé-
rio, estariam prestando atenção ao que, na opinião da maioria das mulhe-
res, é uma distinção fundamental: Scarlett foi dominada, não estuprada. Na
manhã seguinte, encontra-se saboreando a memória. A insistência de Frie-
dman de que Scarlett foi estuprada é apenas mais um exemplo de como as
feministas de gênero, alienadas das mulheres que elas afirmam represen-
tar, tendem a ver as relações entre homens e mulheres como violentas ou
humilhantes para as mulheres.
Friedman, como Bartky, se consola com a ideia de que os desejos e aspira-
ções das mulheres vão mudar com o tempo. As mulheres mais jovens, ela
diz, já estão menos inclinadas a serem enganadas pela mística de Rhett Bu-
tler, e seu fascínio deve continuar a diminuir. Isto é, a menos que pessoas
como eu deem às mulheres mais jovens a ideia de que não há nada de er-
rado em sentir prazer com a submissão arrebatada de Scarlett.
"Quão triste seria", escreve ela, "se os escritos de Sommers funcionassem
como um obstáculo à mudança, fortalecendo aqueles que interpretam a
dominação sexual das mulheres como prazerosas e intimidando aqueles
que falam contra tal dominação".
Friedman considera Sandra Bartky uma de suas mentoras e Bartky é, na
verdade, da opinião de que medidas ativas devem ser tomadas para evitar
a disseminação de escritos "prejudiciais". Em 1990, fui comissionada pela
Atlantic para escrever um artigo sobre o feminismo do campus. Quando
Sandra Bartky de algum modo soube disso, ela escreveu aos editores im-
plorando a eles que não o publicasse. Ela disse a eles que eu era uma filó-
sofa de má reputação e "uma ideóloga da direita". A Chronicle of Higher
Education descobriu sobre o alvoroço e ligou para Bartky para perguntar
316

por que ela havia escrito a carta. No começo, ela negou ter pedido a eles
que suprimissem meu artigo, alegando que ela só havia solicitado que meu
artigo fosse acompanhado por outro, dando um ponto de vista diferente.
Mas quando o repórter da Chronicle apontou que ele tinha uma cópia da
carta e que não continha tal pedido, ela confessadamente admitiu ter ten-
tado censurar o artigo: "Eu não gostaria de ver um maluco que acha que
não houve Holocausto escrevendo sobre o Holocausto. Os editores exerci-
tam a discrição. Não pedir a alguém que escreva um artigo não é censura,
é discrição."
Inadvertidamente, Bartky conseguiu o que queria. Quando o assunto foi re-
solvido, a Atlantic passou a outras questões. O editor Michael Curtis disse a
Chronicle que estava envergonhado pelo artigo não ter sido publicado. O
repórter da Chronicle perguntou o que ele achava da carta de Bartky. "Pa-
receu confirmar alguns dos aspectos mais sombrios do artigo da Sra. Som-
mers, que apontou a extensão extraordinária com que algumas das mulhe-
res estavam preparadas para moldar toda discussão na qual elas tinham
interesse", respondeu ele.
Rhett Butler continua a despertar ressentimento nas feministas de gênero.
Naomi Wolf, pelo menos em sua encarnação anterior, gostava de explicar
ao público como as mulheres cooperam em sua própria degradação.
Quando perguntada por que as mulheres gostavam da "cena do estupro"
em E o vento levou, Wolf respondeu que elas haviam sido "treinadas" para
aceitar esse tipo de tratamento e assim cresceram: "Não é surpresa que,
após décadas sendo expostas a uma cultura que consistentemente erotiza
a violência contra as mulheres, as mulheres também costumem internalizar
seu próprio treinamento".
Não posso deixar de me divertir com o quanto as Novas Feministas se irri-
tam com o prazer vicário que as mulheres experimentam nos êxtases de
Scarlett. Todo aquele desmaio incorreto! Como vamos conseguir que as
mulheres vejam como isso está errado? Não obstante, as feministas de gê-
nero parecem acreditar que daqui a 30 anos, com a academia transformada
e a consciência feminista da população elevada, haverá um novo Zeitgeist.
As mulheres que interpretam a dominação sexual como prazerosa serão
então poucas e distantes entre si, e Scarlett, infelizmente, estará fora de
moda.
317

Este cenário está fora de questão? Eu acho que sim. A sexualidade sempre
fez parte de nossa natureza e não há um caminho certo. Homens como
Rhett Butler continuarão a fascinar muitas mulheres. Nem a doutrina de
que isso as rebaixa tem muito efeito. Quantas mulheres que gostam de ti-
pos como Rhett Butler estão em busca de grupos de apoio para ajudá-las a
mudar? Tais mulheres não são gratas às feministas de gênero por irem à
guerra contra a luxúria masculina. Podem até ficar ofendidas com a suges-
tão de que elas estão sendo degradadas e humilhadas; pois isso trata seu
prazer como patológico.
Defender as mulheres que apreciam a ideia de ser dominadas por um ho-
mem não é o mesmo que defender qualquer tipo específico de fantasia ou
preferência sexual. Fantasias de dominação feminina também são popula-
res. As mulheres são claramente capazes de tratar os homens como "obje-
tos sexuais" com um entusiasmo igual e, em alguns casos, superior ao dos
homens para tratar as mulheres como tais. Shows de strip masculino pare-
cem ser tão populares quanto as festas da Tupperware.
A feminista dissidente Camille Paglia usa o termo "voyeurs pagãos " para
aqueles que assistem publicamente a homens ou mulheres como objetos
sexuais. Ela não tem desavença com os voyeurs masculinos, mas ela positi-
vamente aplaude as fêmeas. "As mulheres estão ficando mais honestas so-
bre a forma maliciosa como olham para os homens. Finalmente, estamos
chegando a algum lugar."
Se Paglia estiver certa, a liberação sexual pode não estar indo na direção de
eliminar o Outro como um objeto sexual; em vez disso, pode estar indo na
direção de encorajar as mulheres a objetificarem o homem como Outro
também. Tal desenvolvimento certamente estaria muito distante da Utopia
feminista de gênero descrita pela filósofa da Universidade de Massachu-
setts Ann Ferguson:
Com a eliminação dos papéis sexuais e o desaparecimento, em um mundo
superpovoado, de qualquer necessidade biológica de sexo associado à pro-
criação, não haveria razão para que tal sociedade não pudesse transcender
o gênero sexual. Não importaria mais o sexo biológico que os indivíduos te-
riam. Os relacionamentos amorosos e as relações sexuais que se desenvol-
veriam a partir deles se baseariam na união individual de seres humanos
andróginos.
318

A Utopia de Ferguson evoca visões de um mundo de per-


sonagens de gênero neutro, como o Pat de "Saturday Night
Live". Embora as pessoas parecidas com Pat possam ser
muito agradáveis (sem dúvida, elas nunca são ásperas), sua
combinação sexualmente correta não convida a especula-
ções animadoras. Para colocar a questão sem rodeios: a so-
ciedade andrógina sempre foi um conto de fadas feminista
chato sem fundamento na realidade psicológica ou social.
Um grupo de lésbicas que se autodenominam de "lésbicas
batom" estão se rebelando contra o ideal andrógino que
feministas como Ann Ferguson e Joyce Trebilcot celebram.
De acordo com Lindsy Van Gelder, escritora da revista
Allure, as “lésbicas batom” estão cansadas de Birkenstock 79
e L. L. Bean80, festivais de música "womyn81", jantares e to-
dos os "rígidos prós e contras da ideologia feminista". Ela relata vários bares
lésbicos go-go em diferentes partes do país onde lésbicas batom se reúnem
e se tratam de maneiras que são muito mal vistas na maioria dos círculos
feministas de gênero.
Acredito que as Bartkys, as Friedman e as Ferguson estão fadadas ao desa-
pontamento, mas, de qualquer forma, nenhuma feminista jamais deveria
ter uma agenda para lidar com os desejos e fantasias das mulheres. Pois
suponhamos que poderíamos ter sucesso em "trocar a fantasia de sermos
dominadas por Rhett Butler por uma em que tomamos o poder do Estado
e o reeducamos". Suponha, de fato, que conseguessimos que a maioria das
pessoas se sentisse e se comportasse da maneira sexualmente correta ima-
ginada pelas feministas de gênero. Uma vez que os métodos e instituições

79 É um tipo de sapato ou sandália com uma sola cheia de cortiça e uma parte superior de couro grossa.
Pelo que vi da sandália, seu uso parece ser estimulado pelas feminsitas de gênero porque, sendo ela
muito feia, funcionaria como um repelente sexual. Clique aqui para ver o que é: https://www.goo-
gle.com/search?q=Birkenstock&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0ahUKEwjW-L7incLbAhWJk-
pAKHehQDBoQ_AUIDCgD#imgrc=ONcnw96eImDi6M.
80 Segundo a Wikipédia: a L.L.Bean é uma empresa americana de varejo de capital fechado fundada em
1912 por Leon Leonwood Bean. A empresa está sediada em Freeport, Maine, Estados Unidos. É espe-
cializada em roupas e equipamentos de recreação ao ar livre.
81 Segundo a Wikipédia: a palavra womyn é uma das várias grafias alternativas da palavra inglesa women,
usada por algumas feministas. Existem outras grafias, incluindo womban ou womon (singular) e
wimmin (plural). Alguns escritores que usam tais grafias alternativas, evitando o sufixo "man" ou
"men", os veem como uma expressão da independência feminina e um repúdio às tradições que defi-
nem as mulheres por referência a uma norma masculina.
319

para a revisão dos desejos estão em vigor, o que impediria a sua implanta-
ção por novos grupos que têm concepções diferentes sobre o que é sexual-
mente correto e incorreto? Tendo tomado o poder do Estado, alguma fac-
ção zelosa teria à disposição o aparato necessário para reeducar as pessoas
à sua ideia do que é "autêntico", não apenas sexual, mas política e cultural-
mente.
Até agora, os esforços para conseguir que as mulheres revisem suas fanta-
sias e desejos não são coercitivos, mas não parecem ter sido particular-
mente eficazes. Para obter os resultados desejados, as fe-
ministas de gênero voltaram sua atenção para a arte e a li-
teratura, onde as fantasias são fabricadas e reforçadas. Ms.
Friedman chama nossa atenção para a reescrita feminista
de Angela Carter da cena "depois da manhã" em E o Vento
Levou: "Scarlett está na cama sorrindo na manhã seguinte
porque ela quebrou as rótulas de Rhett na noite anterior. E
a razão pela qual ele desapareceu antes de ela despertar foi porque ele foi
para a Europa visitar um bom especialista em rótulas."
Isso é divertido, mas naturalmente o ponto é sério. As feministas de gênero
acreditam que Margaret Mitchell entendeu errado. Se Mitchell tivesse en-
tendido melhor como fazer uma verdadeira heroína de Scarlett, ela a teria
feito diferente. Scarlett, então, teria sido o tipo de pessoa que veria clara-
mente que Rhett deveria ser severamente punido pelo que infligira a ela na
noite anterior. Mais genericamente, as feministas de gênero acreditam que
devem refutar e substituir a ficção que glorifica os homens dominantes e as
mulheres que os consideram atraentes. Essa literatura popular, que "ero-
tiza" a dominação masculina, deve ser combatida e, se possível, erradicada.
Além disso, o establishment feminista deve buscar maneiras de fomentar a
popularidade de um novo gênero de filme e ficção romântica que envie uma
mensagem mais edificante para os homens e as mulheres da América. Um
livro didático amplamente usado nos dá uma boa idéia do que essa mensa-
gem deve ser:
Os enredos para filmes não sexistas podem incluir mulheres em empregos
tradicionalmente masculinos (por exemplo, motorista de caminhão de
longa distância)... Por exemplo, uma oficial do Exército de alto escalão, tra-
tada com respeito por homens e mulheres, poderia ser mostrada não ape-
320

nas em vários encontros sexuais com outras pessoas, mas também reali-
zando seu trabalho de maneira humana. Ou talvez o personagem principal
pudesse ser uma urologista feminina. Ela poderia interagir com enfermeiras
e outros profissionais de saúde, diagnosticar doenças de forma brilhante e
tratar pacientes com grande simpatia, bem como fazer sexo com eles.
Quando a oficial do Exército ou a urologista se envolverem em atividades
sexuais, elas tratarão seus parceiros e serão tratadas por eles de algumas
das maneiras consideradas descritas acima.
A motorista de caminhão e a urologista devem ser modelos de comporta-
mento sérios para a mulher feminista livre, humana, francamente sexual,
mas sem discriminar qualquer gênero em suas preferências por parceiros,
sendo tão compreensiva que todos a respeitarão. Esses modelos são proje-
tados na esperança de que, algum dia, filmes e romances com temas e he-
roínas sejam preferidos, substituindo os romances "incorretos" atualmente
populares por um ideal mais aceitável.
Parece uma esperança inútil. Talvez a melhor maneira de ver o que as femi-
nistas de gênero estão enfrentando é comparar sua versão de romance com
a que é incorporada nos romances de ficção contemporâneos que vendem
milhões. Eis um exemplo típico:
Os moradores da cidade o chamavam de diabo. O sombrio e enigmático Ju-
liano, conde de Ravenwood, era um homem com um temperamento lendá-
rio e uma primeira esposa cuja morte misteriosa não seria esquecida...
Agora a camponesa Sophy Dorring está prestes a se tornar a nova noiva de
Ravenwood. Atraída por sua força masculina e o brilho de desejo que ardia
em seus olhos de esmeralda, a moça de cabelos castanhos tinha suas pró-
prias razões para concordar com um casamento de conveniência... Sophy
Dorring pretendia ensinar o diabo a amar.
As novelas românticas têm quase 40% de todas as vendas de livros impres-
sos do mercado de massa. A Harlequin Enterprises sozi-
nha atinge vendas de cerca de 200 milhões de livros em
todo o mundo. Eles aparecem em muitos idiomas, inclu-
indo japonês, sueco e grego, e agora começam a apare-
cer na Europa Oriental. Os leitores são quase exclusiva-
mente mulheres. O desafio que isso representa para as
ideólogas feministas de gênero é formidável, já que
quase todo herói deste tipo de literatura é um "macho
321

alfa" como Rhett Butler ou o Conde de Ravenwood. Era, portanto, de se


esperar que as Novas Feministas fizessem uma tentativa coordenada de
corrigir essa literatura e substituí-la por uma nova.
Kathleen Gilles Seidel relata que "jovens editores politicamente conscien-
tes" têm pressionado as escritoras "a dar pelo menos a aparência de uma
fantasia mais feminista" em seus livros. Mas essas autoras "sentiram que
uma sensibilidade alienígena estava sendo forçada em seu trabalho, que
não estavam autorizadas a falar com seus leitores em suas próprias vozes.
Eles não queriam escrever sobre heroínas que consertam helicópteros".
Seidel observa que a pressão editorial foi especialmente forte em escritoras
que foram atraídas pelo herói dominador e machista.
Seidel é ecoada por Jayne Ann Krentz, a bem-sucedida escri-
tora de novelas românticas que criou o intrigante conde e
sua Sophy:
Grande parte desse esforço foi exercido por uma leva de jo-
vens editores recém-saídos das faculdades da Costa Leste,
que chegaram a Nova York para assumir suas primeiras posições no mer-
cado editorial... Eles decidiram tentar tornar os romances respeitáveis. Eles
procuraram novas autoras que compartilhassem suas visões sobre o que um
romance respeitável deveria ser, e tentaram mudar os livros que estavam
sendo escritos por autoras estabelecidas e bem-sucedidas. O primeiro alvo
desses editores reformadores foi o que veio a ser conhecido no comércio
como o macho alfa.
Krentz lista vários outros "alvos", entre eles "a sedução agressiva da heroína
pelo herói" e a convenção de que a heroína é virgem. O fracasso dos jovens
editores foi "retumbante". Suas exortações à mudança tiveram pouco
efeito nos escritores mais estabelecidos. Tampouco conseguiram que seus
novos escritores introduzissem um gênero novo e popular de "romances
politicamente corretos... com heróis sensíveis e não agressivos e heroínas
de pensamento correto e com experiência sexual em histórias ‘modernas’
que lidam com questões atuais. Do outro lado do quadro, do romance em
série ao lançamento de um único título, os livros que consistentemente su-
peram todos os outros são os das escritoras que resistiram firmemente aos
esforços para reformar o gênero.
322

As vendas são o verdadeiro indicador da preferência do público; em última


análise, foi a resistência dos leitores às heroínas e heróis do "pensamento
correto" que fizeram com que os editores zelosos se retirassem e recuas-
sem.
O esforço para impor a retidão feminista às vezes aparece
em gêneros literários menos populares. O poeta israelense
Gershom Gorenberg, que havia submetido vários poemas a
Marge Piercy, editora de poesia da revista Tikkun, recebeu
uma carta dela que dizia: "Achei seu trabalho espirituoso e
original, e estou tomando partes dele para ... a Tikkun. Tenho
que dizer que não gosto da maneira como você escreve sobre as mulheres,
mas deixei de fora aquelas partes. Quando apago essas partes, gosto do
que você está fazendo.”
O primeiro impulso de Gorenberg foi procurar em sua poesia as "estrofes
criminosas", embora não conseguisse encontrar nada em seus escritos que
lhe parecesse sexista: "E então percebo que o inquisidor é admiravelmente
bem-sucedido: a própria imprecisão da acusação me levou a procurar meus
pecados, incriminar a mim mesmo, confessar".
Gorenberg viu que os cortes no seu trabalho tinham implicações maiores e
descreveu o problema em uma coluna de opinião do New York Times. Foi
publicado junto com uma refutação de Piercy. Piercy ficou indignada: "Eu
tento escolher o melhor trabalho que vem pela caixa de correio – e o me-
lhor é considerar as implicações da linguagem usada e as sensibilidades de
muitos grupos, incluindo as mulheres. Por que eu publicaria trabalhos que
me degradam?"
Piercy defende uma censura a que ela mesma nunca foi submetida. Pode-
mos imaginar sua indignação se um editor tentasse apagar qualquer parte
de seu romance Women on the Edge of Time (Mulheres no Limite do
Tempo) por seu tratamento dos valores familiares tradicionais. Ela descre-
veu uma Utopia feminista de gênero na qual tanto mulheres quanto ho-
mens são capazes de gerar filhos e amamentar. É lamentável que a preocu-
pação de Piercy em libertar mulheres das restrições biológicas não seja
igualada por um respeito apaixonado pela liberdade de expressão.
323

Escritoras estabelecidas e bem-sucedidas não acharam


muito difícil resistir às pressões feministas de gênero. As
escritoras mais jovens são mais vulneráveis. Em 1992, Pam
Houston publicou uma coleção de contos elogiada pela crí-
tica intitulada Cowboys Are My Weakness (Cowboys são a
minha fraqueza). Algumas de suas personagens femininas
"têm uma suscetibilidade a um certo tipo de homem emocionalmente in-
disponível", e Houston, que dá oficinas para outros jovens escritores, mui-
tas vezes se encontra na linha de fogo de feministas que estão convencidas
de que está fazendo muito mal para a causa. Durante uma de suas sessões
de abertura, ela foi confrontada por uma mulher que perguntou: "Como
você pode assumir a responsabilidade de colocar histórias como essas no
mundo?" Houston aponta que seus críticos feministas "confundem ficção
com literatura de autoajuda".
Como ela escreve desse jeito, a sra. Houston recebe mensagens de ódio,
assédios pelo telefonema e ameaças. Ela fala de outras escritoras como ela,
jovens e velhas, que se sentem compelidas a "pedir desculpa por suas per-
sonagens femininas se elas não forem um tipo de amazona... se sua perso-
nagem for 'apenas uma garçonete', desculpa se ela ficar em casa para cui-
dar das crianças... desculpa se ela fracassou no bar, ou perdeu as chaves,
ou amou um homem." Houston adverte que com as “Grandes Irmãs” assis-
tindo, as mulheres parecem não estar "concedendo umas às outras o di-
reito de contar a história de sua própria experiência". Ela acredita que "a
pressão que as mulheres estão colocando umas sobre as outras" é "mais
insidiosa e muito mais difícil de resistir do que a pressão que os homens
usaram para tentar silenciar as mulheres por séculos". De fato, diz ela, "em
1994, as mulheres estão silenciando umas às outras e estamos fazendo isso
de maneira tão eficaz que estamos silenciando até a nós mesmas".
De certa forma, o mundo da arte oferece perspectivas ainda melhores do
que a literatura para um revisionismo censorial ideologicamente correto.
Uma recente exposição na Sexagésima Sétima Bienal do Museu Whitney,
em Nova York, apresentou exemplos de arte que é aceitavelmente didática
para celebrar a "fúria das mulheres". Um trabalho de Sue Williams explica-
se: "O mundo da arte pode sugar meu proverbial...82", a que o catálogo dá

82 Hoff Sommers omitiu aqui a palavra dick (cacete, no sentido de pênis mesmo). Você pode ver a obra
da tal Sue Williams clicando aqui: <https://hammer.ucla.edu/take-it-or-leave-it/art/the-art-world-
can-suck-my-proverbial-dick/>.
324

a legenda: "arranca a pintura de seu domínio masculino branco". Dois tra-


balhos expressam a fúria da artista sobre a vulnerabilidade das mulheres
aos transtornos alimentares: um consiste em uma grande quantidade de
vômito de plástico no chão; a outra, chamada "Gnaw” (Roer), consiste em
dois cubos de chocolate e banha com 600 libras com as marcas de dentes
da artista neles 83. Outra instalação contém três moldes de laringe e língua,
que devemos tomar como restos de uma mulher mutilada, acompanhados
de sons de riso e choro das mulheres. Os moldes são feitos de batom, para
representar, como explica o catálogo, "o silenciamento das mulheres por
meio do uso de um material especificamente de gênero".
A arte política livremente criada pode ser excitante. Mas a arte forjada sob
a restrição de uma ideologia política é, na melhor das hipóteses, chata e, na
pior, terrível. Isso é conhecido desde a história do "realismo socialista", há
muito tempo uma praga na literatura e na arte soviéticas. As restrições mais
sérias, no entanto, não vêm do que é produzido, mas do que é sufocado.
Elizabeth Broun, diretora do Museu Nacional Smithsoni-
ano de Arte Americana, invocou "duas décadas de escrita
feminista" como apoio para sua decisão de remover de
uma exibição uma obra de Sol LeWitt que ela considerou
"degradante e ofensiva". O trabalho ofensivo foi descrito
pelo New York Times:
Consiste em uma caixa preta, com cerca de 1 pé de altura, 1 pé de profun-
didade e 8 pés de comprimento, na frente da qual 10 pequenos buracos fo-
ram perfurados. O interior da caixa é iluminado para revelar uma série de
fotografias visíveis através dos orifícios. As fotografias mostram uma mu-
lher nua se movendo em direção ao observador, começando com uma ima-
gem distante e granulada de seu corpo inteiro e concluindo com um close
de seu umbigo.
Sol LeWitt fez a exposição para homenagear o fotógrafo pio-
neiro Eadweard Muybridge. Os pequenos buracos eram refe-
rências às aberturas nas múltiplas câmeras de Muybridge,
que davam a ilusão de movimento antes da era dos filmes.
Broun viu o contrário. "Espreitar através de buracos sucessi-
vos e se concentrar cada vez mais na região pubiana invoca

83 Obra de Janine Antoni, que você pode ver aqui: <http://www.janineantoni.net/gnaw/>.


325

referências inequívocas a uma experiência pornográfica degradante. Não


posso, em boa consciência, oferecer essa experiência aos nossos visitantes
como algo significativo e importante." Após um protesto, a peça de Le Witt
foi restabelecida.
Infelizmente, o grande artista espanhol Francisco de Goya não teve essa
sorte na Universidade Estadual da Pensilvânia.
Nancy Stumhofer, professora do Departamento
de Inglês, ofendeu-se com uma reprodução da
pintura de Goya A maja nua, que, junto com re-
produções de várias outras pinturas europeias,
ficou pendurada na sua sala de aula por mais
tempo do que ela se poderia lembrar. A Sra.
Stumhofer recorreu a Bonnie Ortiz, uma oficial de assédio da faculdade.
Juntas, elas impetraram acusações formais de assédio contra os responsá-
veis pela presença da pintura por criar "um ambiente assustador". Para jus-
tificar sua ação, Stumhofer disse: "Estou lutando pelos direitos humanos,
por ter uma sala de aula onde todos os meus alunos estejam confortáveis."
A Comissão das Mulheres do Estado da Pensilvânia agiu em favor da Sra.
Stumhofer: a pintura de Goya foi removida.
Não é preciso muito para transformar um lugar num “ambiente assusta-
dor”. Chris Robison, um estudante de pós-graduação da Universidade de
Nebraska, colocou em sua mesa uma pequena fotografia de sua esposa na
praia usando um biquíni. Duas de suas companheiras de escritório, ambas
estudantes de pós-graduação em psicologia, exigiram que ele a removesse
porque "criava um ambiente de trabalho hostil". Conversei com o Sr. e a
Sra. Robison, que me disseram que no começo eles achavam que as mulhe-
res estavam brincando. Mas então os colegas de escritório ofendidos dei-
xaram claro para Robison que "a foto transmitia uma mensagem sobre [sua]
atitude em relação às mulheres" que eles não aprovavam.
O chefe do departamento, o professor John Berman, ficou do lado das mu-
lheres, alertando que as alunas que entravam no escritório poderiam ficar
ofendidas. O Sr. Robison tirou a foto de sua esposa de sua mesa, dizendo
ao jornal local: "Não posso correr o risco de sofrer as consequências de co-
locar a foto novamente".
326

A acusação de ofender criando um ambiente hostil ou "intimidador" está


agora sendo feita com grande frequência e, quase sempre, os acusados re-
cuam, pois sabem que não podem depender do apoio daqueles que têm a
autoridade. Não importa que a própria acusação geralmente crie um ambi-
ente hostil, intimidante ou "assustador" ou que eles poderiam ter usado
formas menos conflituosas de lidar com uma situação desconfortável –
como chamar o departamento de prédios e fundações para remover uma
pintura indesejada. De qualquer maneira, todos notam que as sensibilida-
des feministas, não importa quão preciosas ou estranhas, não devem ser
levadas em conta.
O "ambiente hostil" criado por aqueles que são hipersensíveis a todas as
ofensas possíveis não é mais um fenômeno estritamente acadêmico. Esta-
mos começando a ver isso nos museus, na imprensa (vide as “Mulheres de
Verge” do Boston Globe), e em muitos locais de trabalho, onde os empre-
gadores estão praticando a repressão defensiva de comportamentos ino-
centes com medo de que isso possa ser considerado assédio por feministas
litigiosas.
Por enquanto, porém, a exigência da retidão ainda é mais intensa no mo-
derno campus americano, onde quadros de fanáticas bem treinadas nas sa-
las de aula feministas estão vingativamente preparadas para encontrar se-
xismo em cada canto de seu ambiente. Uma das coisas preciosas e frágeis
que murcham no clima hostil e intolerante da retidão feminista é a criativi-
dade artística.
O ataque à arte por estudantes hipócritas começou a causar alarme em
bairros que geralmente são simpáticos às preocupações feministas de gê-
nero. Liza Mundy, escrevendo na edição de outono de 1993 de Lingua
Franca, relata os sucessos chocantes que as estudantes, afrontadas pela
arte em seus campi, tiveram na censura.
Na Universidade da Carolina do Norte, estudantes feministas se ofenderam
com uma escultura chamada The Student Body84, de Julia Balk. Consiste em
vários estudantes caminhando pelo campus – um homem tem o braço em
volta de uma mulher e está lendo um livro; ela está comendo uma maçã.
Os estudantes organizaram um Comitê Contra Estátuas Ofensivas e conse-
guiram persuadir o chanceler, Paul Hardin, a levar o trabalho para um lugar

84 Clique aqui para ver a escultura ofensiva: <https://hiveminer.com/Tags/sculpture%2Cunc>.


327

afastado, onde ninguém seria forçado a vê-lo. Na Universidade de Colgate,


uma mistura de alunos e professores desafiou com sucesso a exposição de
fotos nuas de um dos principais fotógrafos da América, Lee Friedlander. Na
Universidade do Arizona, alunos suficientes denunciaram as fotos nuas que
a estudante de graduação Laurie Blakeslee tirou de si mesma e provocaram
sua remoção. A Universidade de Pittsburgh proibiu a pintura da exposição
aberta de arte estudantil do ano passado, por insistência de um painel só
de mulheres que a considerou obscena e sexualmente ofensiva. A antropó-
loga Carol Vance, da Universidade de Columbia, está descontente com es-
ses atos de censura. Como ela disse a Liza Mundy: "O que pode parecer
sexista para mim pode não parecer sexista para você". Ela critica as admi-
nistrações por cederem: "As administrações que realmente mostram inér-
cia quando se trata de abordar o problema do sexismo e assim por diante
sucumbem quando alguém diz que um filme ou obra de arte é ofensivo... É
uma maneira relativamente barata para uma administração mostrar sua
preocupação".
Na Universidade de Michigan, onde Catharine MacKinnon inspira a censura,
os estudantes simplesmente removeram uma fita de vídeo que considera-
ram ofensiva de uma exposição da artista Carol Jacobsen. Jacobsen então
exigiu que eles censurassem a coisa toda ou substituíssem a fita. Depois de
se encontrar com MacKinnon e sua companheira de cruzada antipornogra-
fia Andrea Dworkin, as estudantes foram para outra sala e "independente-
mente" pediram a Jacobsen para retirar a exposição inteira. MacKinnon é
inflexível sobre a necessidade de monitoramento feminista da arte e não
esconde sua própria visão e conhecimento sobre o que não pode passar: "O
que você precisa é de pessoas que enxerguem literatura como Andrea
Dworkin, que enxergam através de leis como eu, para ver através da arte e
criar o vocabulário visual das mulheres inflexíveis." Comentando sobre o
"silêncio ensurdecedor" da faculdade de Michigan, Carol Vance sugeriu que
"ninguém queria irritar Catharine MacKinnon".
Com os monitores de gênero em posição de influência, os escritores e ar-
tistas mais criativos são deixados de lado. O efeito nos novatos e nos que
ainda não são reconhecidos pelo grande público é especialmente sério.
Quantas obras não são publicadas (ou não escritas) por medo de ofender
as sensibilidades feministas de financiadores, curadores, editores e outros
guardiões de gênero dentro e fora da academia? Quantas pinturas não são
exibidas (ou não são pintadas), quantas músicas não são gravadas (ou não
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foram cantadas)? Os artistas precisam de coragem, mas a intimidação ide-


ológica os afeta profundamente e inibe a criatividade.
O governo poderia ajudar se entendesse o problema. Mas longe de desen-
corajar os apparatchiks culturais, o governo pode em breve "empoderá-
los", oferecendo apoio federal para monitores de "equidade de gênero" em
todas as escolas e em todos os locais de trabalho. Esses monitores já estão
fortemente entrincheirados em nossas instituições culturais, e lá continua-
rão a dominar até que seu poder seja desafiado.
Mas quem os desafiará? A resposta a essa pergunta transcende a política
do liberalismo e do conservadorismo. Demasiadas vezes, aqueles que de-
nunciam a falta de tolerância das ideólogas feministas são tachados de re-
acionários de direita. É verdade que "a direita" tendeu a ficar mais alarmada
com a censura da esquerda "liberal". Mas há relativamente poucos conser-
vadores em nossas instituições educacionais e templos culturais, e seria
muito irrealista contar com eles para lutar de forma eficaz contra o femi-
nismo de gênero. E a julgar pelo triste registro de sua fraqueza no mundo
acadêmico, tampouco deveríamos contar com os intelectuais masculinos
para se engajar em uma batalha aberta contra as feministas de gênero. As-
sim, a tarefa desagradável, mas necessária de confrontar o feminismo de
gênero recai sobre as mulheres que acreditam na liberdade de expressão e
desprezam os que a sufocam. Essas mulheres travaram e ganharam a bata-
lha pelo sufrágio e por todos os direitos básicos que a mulher americana
agora desfruta. Essas mulheres ainda são a maioria, mas por falta de cons-
ciência da extensão do problema ou pela relutância em criticar suas irmãs
zelosas, elas permaneceram em silêncio. O preço tem sido enorme – as
ideólogas têm feito o movimento das mulheres desaparecer.
Seria difícil exagerar a extensão das dificuldades que nós enfrentamos
agora. As feministas de gênero provaram ser muito hábeis em obter apoio
financeiro de fontes governamentais e privadas. Eles detêm as chaves de
muitos feudos burocráticos, centros de pesquisa, programas de estudos de
mulheres, comitês de cátedras e organizações para-acadêmicas. Agora é
virtualmente impossível ser indicado para altos cargos administrativos em
qualquer sistema universitário sem ter sido aprovado por feministas de gê-
nero. Se as leis que estão agora no Congresso forem aprovadas, serão pagos
monitores de gênero em todas as escolas primárias e secundárias do país e
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oficiais de assédio em todas as escolas e faculdades secundárias. Esse fenô-


meno tampouco ficará restrito às escolas; especialistas em assédio serão
necessários para monitorar o local de trabalho. Desnecessário dizer que os
únicos "especialistas" válidos são as feministas de género, cuja razão de ser
é encontrar mais e mais abusos.
Além disso, as feministas de gênero continuarão a fazer tudo o que estiver
ao seu alcance para garantir que seu patrocínio vá para as mulheres com a
consciência correta. E, deve ser reconhecido, elas têm certas vantagens ine-
rentes sobre as feministas tradicionais. Agora que a maioria dos impedi-
mentos legais aos direitos das mulheres foram derrubados, o feminismo da
equidade não é mais estimulante: não produz fanáticos. As moderadas em
geral não são temperamentalmente adequadas ao ativismo. Elas tendem a
ser reflexivas e individualistas. Elas não fazem panelinhas. Elas não se reú-
nem. Elas não recrutam. Elas não ameaçam seus oponentes com perda de
emprego ou perda de patrocínio. Elas não são especialmente litigiosas. Em
suma, até agora não foram páreo politicamente para as guerreiras de gê-
nero.
Por outro lado, as feministas tradicionais estão se tornando conscientes do
fato de que as Faludis e as Steinens falam em nome das mulheres, mas não
as representam. Com a nova consciência de que as líderes e teóricas femi-
nistas estão “paternalizando-as”, existe uma possibilidade muito real de
que o feminismo tradicional seja a maré de um futuro não muito distante.
Comecei a pesquisa para este livro em 1989. Desde então, o público apren-
deu que o feminismo acadêmico tem desempenhado um papel de liderança
na promoção do movimento antiliberal conhecido como "PC" nas faculda-
des do país. Agora está começando a perceber que o Novo Feminismo é
socialmente divisivo e que, em geral, não tem simpatizantes na população
em geral.
O feminismo da equidade clássico está muito vivo no coração das mulheres
americanas. É lamentável que parte de suas energias devam agora ser des-
viadas para defender o movimento das mulheres da grave ameaça repre-
sentada pelas ideólogas feministas de gênero. Ironicamente, um esforço
conjunto para lidar com a ameaça pode revelar-se revitalizante para o com-
balido feminismo tradicional. Sair de baixo dos cuidados sufocantes e con-
descendentes das ideólogas é uma causa revigorante e um estimulante
passo necessário para as mulheres verdadeiramente liberadas. Quando
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muitas mulheres aceitarem este desafio, a falta de simpatizantes das femi-


nistas de gênero entre as mulheres americanas será exposta, e sua estru-
tura de poder não sobreviverá.
Dentro da academia, seriam necessários apenas alguns poucos corajosos
para lançar a crítica há muito atrasada que irá destruir as afetações intelec-
tuais das feministas de gênero. A crítica aberta de um feminismo acadêmico
que subordinou as bolsas de estudos à ideologia deteria rapidamente a pre-
tensiosa campanha de "transformar a base de conhecimento" e, por fim,
abriria as portas para estudiosas mais representativas, menos doutrinárias
e mais capazes nos programas de estudos das mulheres. O resultado disso
será o fim das "salas de aula feministas" que recrutam estudantes para a
ala mais extrema do movimento de mulheres.
Do lado de fora da academia, vozes individuais já começa-
ram a ser ouvidas em protesto, de mulheres tão diversas
quanto Camille Paglia, Betty Friedan, Katie Roiphe, Midge
Decter, Mary Lefkowitz, Cathy Young, Erica Jong, Diane Ra-
vitch, Karen Lehrman e Wendy Kaminer, mulheres que não
se intimidam ao serem denunciadas como traidoras e bac-
klashers. Podemos esperar que mais e mais mulheres ex-
pressem sua frustração e aborrecimento com as feministas que falam em
seu nome, mas não compartilham seus valores. Quando isso acontecer, po-
demos esperar que o público fique alerta para o que as feministas de gê-
nero defendem; sua influência deve então diminuir precipitadamente. Por
algum tempo, os monitores de gênero ainda estarão lá – nas escolas, nos
centros feministas, no local de trabalho – mas, cada vez mais, suas intrusões
não serão bem-vindas.
O leitor deste livro pode se perguntar se há algo de que eu goste nas femi-
nistas de gênero. Eu me sentei entre elas em muitas reuniões e ocasional-
mente me vi concordando descontraidamente com elas. Pois gosto das ca-
racterísticas que elas compartilham com o feminismo clássico: uma preocu-
pação com as mulheres e a determinação de vê-las tratadas de forma justa.
Precisamos muito dessa preocupação e energia, mas decididamente não
precisamos do seu ginocentrismo e misandrismo militantes. É uma pena
que, no caso das feministas de gênero, não possamos ter os aspectos bons
sem o resto da bagagem. Acredito, no entanto, que uma vez que sua ideo-
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logia se tornar fora de moda, muitas feministas de gênero se despirão dis-


cretamente da lente de sexo/gênero através das quais elas agora veem a
realidade social e se unirão à corrente feminista da equidade. Eu não acho
que isso vá acontecer amanhã, mas estou convencida de que isso vai acon-
tecer. Credos e modas intelectuais vêm e vão, mas o próprio feminismo – o
artigo puro e saudável exibido pela primeira vez em Seneca Falls, em 1848
– é tão americano quanto a torta de maçã, e permanecerá.

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