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Prefácio 6
1. Mulheres sob cerco 16
2. Indignação, ressentimento e culpa coletiva 44
3. Transformando a Academia 54
4. As Novas Epistemologias 83
5. A Sala de Aula Feminista 99
6. Uma Burocracia Própria 137
7. O estudo da autoestima 161
8. O Relatório Wellesley: Um Gênero em Risco 185
9. Nobres Mentiras 223
10. Pesquisa sobre estupro 248
11. O Mito do Backlash 27o
12. As Vigilantes de Gênero 305
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PREFÁCIO
1 Essas reticências indicam supressão de texto. Preferi deixar assim mesmo a colocá-las entre parênte-
ses, como é mais usado no Brasil.
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***
4 Alguns dos significados dados pelo dicionário virtual Linguee para backlash são reação, retrocesso,
recuo, retaliação, golpe. Em vista do nosso tema, significaria uma suposta reação dos homens ao
avanço das mulheres. Na maior parte das vezes, optei por não traduzir o termo, uma vez que a tradu-
ção brasileira do livro da Susan Faludi – Backlash, o contra-ataque na guerra não declarada contra a
mulher – conservou o termo original.
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CAPÍTULO 1
MULHERES SOB CERCO
nossos dias. Ele exigia que as mulheres pudessem viver livremente como os
homens. Para a maioria dos americanos, isso era uma exigência justa. O ve-
lho feminismo não foi nem derrotista nem divisor de gênero, e é ainda hoje
filosofia da feminista “tradicional”.
As Novas Feministas, muitas delas privilegiadas, todas legalmente protegi-
das e livres, estão preocupadas com seu próprio sentimento de mágoa e
seus próprios sentimentos de embaraço e "cerco". Quando elas falam de
sua situação pessoal, eles usam palavras apropriadas para a situação trágica
de muitas mulheres americanas do passado e de milhões de contemporâ-
neas, mulheres verdadeiramente oprimidas em outros países. Mas sua re-
tórica ressentida desacredita o movimento das mulheres americanas hoje
e seriamente distorce suas prioridades.
***
5 Clarence Thomas é um juiz da Suprema Corte Americana. De acordo com a Wikipédia, foi o segundo
negro a ocupar esse posto. Antes de ser empossado, no entanto, Thomas enfrentou uma acusação de
assédio sexual feita por Anita Hill, uma procuradora que tinha trabalhado para ele no Departamento
de Educação.
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res sofrem quando outras mulheres são maltratadas. Ela foi igualmente afe-
tada pela provação de Patricia Bowman no julgamento de William Kennedy
Smith6:
Assistir ao segundo enforcamento público de uma mulher que acusou um
homem poderoso de violação sexual reflete a maneira pela qual a agressão
sexual nos Estados Unidos hoje se assemelha ao linchamento em tempos
não muito antigos. A mulher é linchada e estuprada como membra de um
grupo socialmente subordinado. Cada ato é um ato de tortura, um ritual
humilhante de violência sexual em que as vítimas são frequentemente mor-
tas. Quando isso acontece, a população-alvo se encolhe, se retira, se identi-
fica e se desidentifica no terror.
Que as provações de Hill e Bowman eram comparáveis a linchamentos é
discutível. Embora o efeito terrível que elas tiveram na Sra. MacKinnon e
outras novas feministas não possa ser discutido, o alegado efeito ramifi-
cado sobre todas as mulheres, a chamada "população-alvo", é questioná-
vel. De fato, não há evidências de que a maioria das mulheres, incluindo
aquelas que acreditavam que a verdade estava mais com Ms. Hill ou Sra.
Bowman, sentia-se aterrorizada ou sob "alvo"; ou que elas "se encolheram"
ou pensaram em si mesmas como membras de um "grupo socialmente su-
bordinado".
Alice Jardine ("zangada e lutando" na conferência de Heilbrun) disse à Har-
vard Crimson como ela reagiu ao relatório de que um misógino enfurecido
tinha acabado de atirar e matar 14 estudantes mulheres na Universidade
de Montreal: "O que eu vi no incidente em Montreal foi a atuação do que
6 Segundo a Wikipédia: William Kennedy Smith é um médico americano cujo trabalho se con-
centra em minas terrestres e na reabilitação de vítimas de minas terrestres. Ele é membro
da proeminente família Kennedy e é famoso por um julgamento bem divulgado em 1991, no
qual foi absolvido. (...) Em 1991, Smith foi julgado e absolvido por uma acusação de estupro,
representada pelo advogado de defesa criminal Roy Black, em Miami, em um julgamento que
atraiu ampla cobertura da mídia. (...) O incidente começou na noite da Sexta-Feira Santa, 29
de março de 1991, quando Smith, então com 30 anos, estava em um bar (Au Bar) em Palm
Beach, Flórida, com seu tio, o senador Ted Kennedy e seu primo Patrick. J. Kennedy. Smith
conheceu Patrícia Bowman, uma mulher de 29 anos e outra jovem no bar. Os cinco então
foram para uma casa próxima de propriedade da família Kennedy. Smith e a Bowman de 29
anos caminharam pela praia. Bowman alegou que Smith a estuprou; Smith declarou que eles
tiveram sexo consensual. Embora três mulheres estivessem dispostas a testemunhar que
Smith as havia agredido sexualmente em incidentes na década de 1980 que não foram de-
nunciados à polícia, seu testemunho foi excluído. Smith foi absolvido de todas as acusações.
25
ginástica para verificar sua postura. Um ano, as fotos foram roubadas e co-
locadas à venda no distrito da luz vermelha de New Haven... As fotos não
encontraram compradores." Segundo a Sra. Wolf, o momento foi devasta-
dor. "Fomos silenciosas em nossos vestidos pretos, nossas borlas, nossos
novos sapatos. Nós não ousamos quebrar o silêncio... Naquela tarde, várias
centenas de homens foram confirmados no poder de uma instituição pode-
rosa. Mas muitas das mulheres sentiam a vergonha dos sem-poder: o silên-
cio sufocante, a cumplicidade, o desamparo”. Não importa que a sra. Wolf
se dirigisse a algumas das mulheres mais privilegiadas do país. O restante
de seu discurso foi dedicado a dar-lhes sugestões para o "kit de sobrevivên-
cia" que elas precisariam ter no mundo masculino hostil onde estavam
prestes a entrar.
É possível que as mulheres de Yale tenham sido tão atingidas pela piada de
mau gosto de Cavett? As mulheres do Colégio Scripps realmente precisaram
de um kit de sobrevivência? Se estas privilegiadas jovens mulheres são re-
almente tão frágeis, o que o kit de sobrevivência de Wolf pode fazer por
elas de qualquer maneira? (Parece que Cavett desconcertou Wolf ainda
mais do que ela percebeu. Em uma carta ao Times, Cavett apontou que,
embora Wolf o tenha chamado de "o orador" em seu início, ele não falou
no início, mas no Dia da Classe, "um evento separado, mais alegre."
A própria Wolf estava mostrando à turma de formatura do Scripps como
ela sobrevive, mas, embora seus métodos fossem diferentes, sua aborda-
gem geral era antiquada de fato. No início deste século, muitas famílias
ainda tinham sais aromáticos à mão no caso de mulheres "delicadas" reagi-
rem a exibições de vulgaridade masculina com desmaio. Hoje, as mulheres
delicadas têm uma nova maneira de demonstrar suas sensibilidades frágeis:
explicando para quem quiser ouvir como elas foram arruinadas e violadas
pela grosseria ofensiva de algum macho. Se nada de uma natureza revela-
dora recentemente aconteceu para nós, podemos dizer sobre como nos
sentimos ao ouvir o que aconteceu com os outros. Desmaiamos "discursi-
vamente" e publicamente diante das nossas humilhações nas mãos dos ho-
mens.
***
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8 No original, ouch experiences. Ouch é uma interjeição usada para exprimir dor. Eu traduzi como ai,
mas poderia ser o grito que você dá quando algo te machuca.
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da minha família disfuncional, e você está nos vendo no pior momento pos-
sível".
Mas a "família disfuncional" da professora Rothenberg teve muitos desses
momentos. “Ais” e terapia de massa são mais a norma do que a exceção.
No ano anterior, em uma reunião de diretores de programas de estudos
sobre mulheres, todos se uniram para formar um "círculo de cura". Eles
também assumiram a postura de árvores experimentando enraizamento e
tranquilidade. Testemunhos de vítimas e rituais de cura expulsaram a lei-
tura de trabalhos acadêmicos em conferências da NWSA.
Eu disse a Sra. Rothenberg que isso deveria ser uma conferência aberta e
que eu tinha todo o direito de participar. Mas eu me senti um pouco triste
por ela. Como filósofa, ela fora treinada para pensar analiticamente. Agora
ela se encontrava em uma "família disfuncional" cujas terapias modestas
ela própria devia achar tola. Ainda assim, ela tem seus consolos. Ela é dire-
tora do "Projeto de Nova Jersey: Integração da Bolsa de Estudos sobre Gê-
nero", um movimento de reforma educacional financiado pelo Estado para
tornar o currículo de Nova Jersey mais "centrado nas mulheres". Mais
tarde, naquele mesmo dia, ela estaria se gabando com seus colegas de tra-
balho sobre como o simpático reitor de educação em Nova Jersey, Edward
Goldberg, era favorável aos seus objetivos.
Rothenberg e as outras conferencistas de Austin têm o maior crescimento
na academia. Embora suas conferências possam ser desordenadas, elas são
politicamente astutas em seus campi. Elas têm forte influência em áreas-
chave, em departamentos de Inglês (especialmente cursos de redação para
calouros), departamentos de Francês e Espanhol, departamentos de Histó-
ria, faculdades de Direito e escolas de Teologia. Elas estão desproporcional-
mente representadas na reitoria de escritórios de alunos, na administração
de dormitórios, nos escritórios de assédio, nos escritórios de assuntos mul-
ticulturais, e em vários centros de aconselhamento. Elas estão silenciosa-
mente engajadas em centenas de projetos bem-financiados para transfor-
mar um currículo que consideram inaceitavelmente "androcêntrico". Essas
conscientizadoras estão expulsando os estudiosos de muitos campi. Sua au-
toridade moral vem de uma crença generalizada de que elas representam
as "mulheres." Na verdade, sua versão ginocêntrica do feminismo fica
muito aquém de ser representativa.
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9 A tradução disso seria algo como barragens dentárias. Clique aqui para ver o que é esse produto:
<https://www.youtube.com/watch?v=BB0Yb27BcrY>.
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nosso orador assim. E isso está errado. Mas", ela continuou, "como femi-
nista, eu acredito em quebrar as normas".
Então Raphael falou, embora olhasse para o chão enquanto falava. "É um
dilema. Pequenas partes de mim concordam com Rita", disse ele. "Homens
não pertencem a Smith. Então, por que estou lá? Além das questões essen-
ciais de mercado de trabalho e meus modestos projetos de pesquisa – eu
ainda pergunto: eu pertenço àquele lugar? Isso me entristece, me desmo-
raliza e me deprime. Ainda sinto raiva por você, Rita. Eu sinto que você me
indigitou. Eu me pergunto se é possível para nós ter um diálogo? No voo
para casa, eu vou pensar sobre o que eu poderia ter dito."
Crosby estava agora em seu elemento: "Um aspecto do patriarcado é que
temos que manter os horários. Mas antes de terminar, vamos ao redor da
sala e ver se alguém quer compartilhar seus sentimentos." Ela moveu-se,
ao estilo Phil Donahue, solicitando comentários. Sua primeira aposta foi
uma mulher que disse: "Meu coração está batendo forte com Rita e Terry...
Eu fiquei chateada ao ver um homem no painel. Eu pensei que só haveria
mulheres. Eu não estava esperando esse tipo de diferença.”
Minha irmã Louise falou. "Eu gosto de diferenças entre pessoas. Eu tento
realçar as diferenças entre as pessoas. Eu gosto de indivíduos." A senhora
Crosby se aproximou apressadamente de outro orador. "Meu nome é An-
thea. Eu sou a filha de Beatrice, que é filha de sua mãe, que era vegana e
sufragista. Vamos aplaudir a todos." A maioria das pessoas aplaudiu. Então
Raphael gritou: "Rita e eu habitamos diferentes esferas. Eu sou um homem
branco, com idade entre 30 e 34 anos. Isso é difícil para mim".
Uma mulher de cabelos grisalhos descendo até as costas, uma membra da
AAUW e um feminista da velha escola, se aventurou mansamente: "Eu sou
a favor de educar nossos jovens, meninas e meninos, para aceitar um ao
outro como iguais." Mas antes que qualquer um pudesse atacar aquela he-
resia em particular, era hora de partir.
Os participantes do workshop se reuniram para participar do próximo
evento. Raphael desapareceu completamente. No próximo workshop, to-
dos os participantes do painel eram mulheres, o que, sem dúvida, deixou a
facção de Rita mais confortável. Quando minha irmã e eu saímos da sala de
seminários, passamos por uma exultante professora Crosby falando com
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uma aluna da Faculdade Smith e seus pais visitantes. Os pais tinham assis-
tido ao workshop e pareciam um pouco confusos. "Eu considero essa sessão
um grande sucesso", disse Crosby," porque foi a mais parecida com uma
aula da Faculdade Smith do que qualquer outro evento até agora!"
Feministas de gênero não gostam de críticas, e não há fóruns onde velhas
e novas feministas se encontram para uma troca livre de ideias concorren-
tes. Aprendi sobre um desses encontros que ocorreu es-
pontaneamente na primavera de 1991, em uma conferên-
cia chamada "Glasnost em duas culturas: escrita de mulhe-
res na Rússia Soviética e na América do Norte", patroci-
nada por acadêmicas feministas do Instituto de Nova York
para as Ciências Humanas da Universidade de Nova York.
O episódio foi recontado pelo escritor russo-americano Da-
vid Gurevich, que participou da conferência como tradutor.
Um pequeno grupo de talentosas e sinceras poetisas rus-
sas e romancistas haviam sido convidadas para participar
da conferência, que começou, de forma pouco auspiciosa,
com a autora norte-americana Grace Paley levando os vi-
sitantes a um passeio pelo Lower East Side para ver de
perto as favelas americanas, com pedintes e viciados. Os
visitantes, que desde a infância viram filmes de propaganda soviética des-
tacando a miséria americana, não ficaram devidamente agradecidos.
Na reunião em si, o fosso ideológico entre as feministas russas e americanas
tornou-se mais óbvio. A crítica literária Natalya Adzhikhina defendeu a ideia
de jogar fora o cânone, uma ideia que foi bem-recebida por todos os lados
até que lentamente as feministas de gênero se deram conta de Adzhikhina
estava se referindo ao cânone oficial do Partido Comunista. Ela e a maioria
dos outros escritores russos queriam voltar ao cânone de obras-primas que
as feministas americanas consideram "masculinista".
Quando as outras escritoras russas falaram, elas também
proferiram blasfêmias, como "Há apenas boa e má litera-
tura - não masculina e feminina". Ficou chocantemente
claro que as russas estavam procurando libertar a arte da
política, incluindo a política sexual. A professora Linda
Kauffman, do Universidade de Maryland, ficou alarmada
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e ofendida: "Eu não quero soar como se fosse da Califórnia – que na ver-
dade eu sou – mas isso soa como negação pesada."
Kauffman continuou fazendo um sermão improvisado sobre os males do
FBI, Jesse Helms10 e censura na NEA. Ela apontou que o "MacNeil/Lehrer
News Hour11" foi financiado pela AT&T12 e falou de um gulag feminino. En-
quanto ela continuava nessa toada familiar, várias das mulheres russas fo-
ram lentamente para o banheiro feminino, o único lugar onde estavam li-
vres para fumar.
Quando foi novamente a vez das mulheres russas falarem, as blasfêmias se
espalharam mais uma vez. Olesya Nikolayeva, a poetisa de Moscou, disse
às feministas americanas como o socialismo havia negado às mulheres sua
feminilidade, como rompeu a tradição de mulheres morais e espirituais na
literatura russa, e como quebrou a tradição cristã sem a qual a literatura
russa depois de Pushkin era impensável. Ela insistiu que o ataque à religião
tinha sido fatal para a literatura, uma vez que a religião sempre foi uma
força de sustentação para os escritores. Ela concluiu citando estatísticas
perturbadoras sobre o crime juvenil em Moscou e encorajando todas as
mulheres na plateia a prestar mais atenção ao seu papel tradicional de
"guardiãs do lar".
Catharine Stimpson, diretora da Fundação MacArthur e
uma das mães fundadoras do Novo Feminismo, não con-
seguiu mais se conter. Ela alertou para um "novo totalita-
rismo" e disse que mães trabalhadoras não poderiam ser
culpadas por fugitivos e delinquência: o estado deveria
encontrar uma solução. Domna Stanton, uma professora
de estudos das mulheres em Michigan que havia organizado a conferência,
alertou para os perigos da "moralidade masculina branca".
10 Da Wikipédia: Jesse Alexander Helms, Jr. (Raleigh, 18 de outubro de 1921 — 4 de julho de 2008) foi
um radialista e político conservadorestadunidense, senador durante cinco mandatos pela Carolina
do Norte. Era filiado no Partido Republicano.
11 Encontrei num site da PBS a seguinte explicação: Jim Lehrer uniu forças com Robert MacNeil em
1973 para ancorar a cobertura sem precedentes da televisão pública sobre as audiências do Senado
Watergate nos EUA.
12 Da Wikipédia: a AT&T (abreviação em inglês para American Telephone and Telegraph) Corporation é
uma companhia americana de telecomunicações. A AT&T provê serviços de telecomunicação de voz,
vídeo, dados e Internet para empresas, particulares e agência governamentais.
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CAPÍTULO 2
INDIGNAÇÃO, RESSENTIMENTO E CULPA COLETIVA
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Garotos que provocam garotas sacudindo suas saias devem ser tratados de-
cisivamente e talvez severamente. Mas apenas mulheres que veem o
mundo através da lente do sistema "sexo/gênero" veriam na grosseria do
pátio escolar das crianças a fabricação de serial killers e terroristas de gê-
nero.
Deveria a grosseria ser considerada em termos sexuais? Os monitores de
gênero acreditam que deveria ser e que as meninas devem estar cientes de
sua verdadeira natureza. Um dos objetivos das especialistas em equidade
sexual é ensinar as meninas a se ressentir das brincadei-
ras dos meninos, apontando que o que eles estão fa-
zendo é assédio sexual e contra a lei. Bernice Sandler,
especialista em relações de gênero do Centro de Estudos
sobre Políticas para Mulheres, de Washington, oferece
oficinas de assédio para crianças do ensino fundamental.
Em uma oficina, uma menina contou sobre um colega de classe que a jogou
no chão e fez cócegas nela. A Sra. Sandler fez questão de colocar o ato do
garoto em perspectiva: "Agora, você tem que perguntar: o que esse menino
está fazendo, jogando garotas ao chão? Isso é uma ofensa sexual em Nova
York e na maioria dos estados".
A presunção de culpa sexual continua quando as crianças crescem. Em mais
e mais escolas públicas e faculdades, encontramos um grupo dinâmico de
reformadores feministas – oficiais de assédio, professores de estudos femi-
ninos, funcionários de corredores, decanos e assistentes
adjuntos, e especialistas em igualdade de sexo – que con-
sideram a sexualidade masculina com alarme e buscam
maneiras de controlá-la. O antropólogo da Universidade
Rutgers, Lionel Tiger, descreveu o ambiente sexual con-
temporâneo com sua histeria sobre assédio e estupro
como uma reversão da descrita em A letra escarlate: "É o macho que agora
carrega o estigma de suposta violação sexual".
Se o fizerem, muitos não notarão isso. A ideologia feminista de gênero afeta
mulheres muito mais profundamente. Muitas são "convertidas" para a ideia
de que a sociedade que elas habitam é um sistema patriarcal de opressão.
Para a maioria, isso acontece na Faculdade. Laurie Martinka, graduada em
estudos femininos na Vassar, falou comigo sobre sua transformação pes-
soal. "Você nunca é a mesma novamente. Às vezes, até lamento o fato de
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que muita coisa mudou. Eu estou cansada de sempre rasgar as coisas por-
que elas excluem a perspectiva de mulheres... Você se torna tão consciente
das coisas. E é difícil. Minha mãe não pode aceitá-lo. É difícil para ela porque
eu mudei completamente." Anne Package, uma estudante da Universidade
da Pensilvânia, disse-me que as estudantes falam entre si sobre essa nova
percepção aguçada: "Nós chamamos isso de estar no limite" ou "no fundo".
Você está triste em tudo. Nada é mais engraçado. Acerta como uma tone-
lada de tijolos. Você bateu no fundo e pergunta: como posso viver a minha
vida?" Quando eu sugeri a ela que muitos contariam com ela e seus colegas
entre as jovens mais afortunadas do mundo, ela se irritou. "Nós ainda so-
fremos opressão psicológica. Se você sente que o mundo inteiro está em
cima de você, então está."
Fiquei intrigada, no entanto, pela expressão dela "estar no limite". No limite
de quê? Embora a expressão sugira uma experiência transitória, estar no
limite é interpretado como uma condição permanente das mulheres que
sentem que alcançaram uma percepção realista de sua situação na socie-
dade dominada pelos homens. Essas mulheres às vezes se organizam em
pequenos mas poderosos grupos dentro de instituições que elas conside-
ram bastiões masculinistas e onde elas fazem a sua presença sentida em
termos inequívocos.
O Boston Globe é o maior e mais prestigiado jornal da
Nova Inglaterra. Em 1991, cerca de duas dúzias de mu-
lheres editoras, gerentes e colunistas (incluindo Ellen
Goodman) formaram um grupo chamado "Mulheres no
limite” para contrariar o que a editor sênior de educação
Muriel Cohen chamou de "sala de notícias machista". As
"vergies13", como vieram a ser conhecidas, têm algumas
preocupações feministas tradicionais de equidade sobre salários e promo-
ções; mas elas também pegaram em armas contra coisas como o uso de
metáforas esportivas em notícias e o tradicional jogo de basquete na “hora
do almoço”, que simboliza para elas a outrora poderosa e excludente rede
13 O inglês às vezes forma adjetivos derivados de substantivos que não encontram correspondente em
nossa língua. É o caso de vergies, derivado de verge (limite, borda, limiar). As vergies seriam, caso
houvesse tal palavra em português, as limitadeiras, limiteiras... Dada a feiura da palavra e a ambigui-
dade que ela gera, preferi manter a forma inglesa. Tenha em mente que as vergies são as tais mulheres
que estão no limite.
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CAPÍTULO 3
TRANSFORMANDO A ACADEMIA
14 Jogo de palavras formado pelo substantivo story e pelo pronome próprio de cada sexo: his (dele) e her
(dela). Ou seja, history é a história dele, contada por homens, sobre feitos de homens, para outros
homens. Herstory é história dela, contada por mulheres, sobre feitos de mulheres, para outras mulhe-
res.
55
***
raiva Lerner: "Há muito sabemos que o estupro tem sido uma forma de nos
aterrorizar e nos manter em submissão. Agora também sabemos que parti-
cipamos, embora inconscientemente, no estupro de nossas mentes."
A "revisão" feminista de gênero foi descrita em termos mais sóbrios em um
folheto distribuído pela prestigiosa Associação Americana de Faculdades:
Nas últimas duas décadas, os educadores começaram a reconhecer que as
experiências e perspectivas das mulheres estão quase totalmente ausentes
do currículo tradicional. Pesquisas nos anos 70 revelaram, por exemplo, que
os livros didáticos de história dedicaram menos de 1% de sua cobertura para
as mulheres; que o livro didático mais utilizado na história da arte não in-
cluiu uma única artista mulher solteira; e que os cursos de literatura conti-
nham, em média, apenas 8% de mulheres autoras. Tais descobertas leva-
ram muitas pessoas a questionar a validade da versão da experiência hu-
mana oferecida pelas artes liberais.
É possível chegar a tal consciência sem decidir que a resposta racional é
revisar todo o cânon da experiência ocidental. Muitas estudiosas começa-
ram a se esforçar para dar às mulheres o reconhecimento que muitas vezes
lhes foi negado em relatos anteriores. Mulheres estudiosas de antropolo-
gia, psicologia e sociologia descobriram muitas pesquisas anteriores que
tendiam a se concentrar nos homens, que generalizavam conclusões que
não se aplicavam necessariamente às mulheres. Nos últimos dez ou quinze
anos, cientistas sociais têm trabalhado para corrigir essa negligência. As
acadêmicas literárias feministas descobriram e resgataram muitas escrito-
ras talentosas do esquecimento não merecido. Editores de livros didáticos
agora se esforçam para que as mulheres sejam devidamente representadas
e não sejam negativamente estereotipadas. Tais conquistas ficam bem den-
tro dos limites do tipo de ajuste equitativo que um feminismo convencional
exigiu com razão. Mas as feministas de gênero não estão contentes com
isso. Elas querem transformação; uma mera correção do registro não serve.
A maioria das pessoas sabe que há dois significados para a palavra história.
Por um lado, a história se refere a uma série de eventos que realmente
aconteceram. Por outro lado, há História, um relato do que aconteceu. As
feministas de gênero afirmam que a História (escrita por homens e se con-
centrando quase exclusivamente em homens) tem sistematicamente dis-
torcido a história.
62
***
palestra pública sobre feminismo e educação para uma audiência que in-
cluía vários adeptos da transformação dos currículos. Na palestra, defendi
os ideais tradicionais de busca pela objetividade e veracidade histórica. Um
homem irritado na plateia perguntou: "Mas como sabemos que a Sra. Wa-
shington não deu ao marido todas as suas ideias?" Eu respondi que não tí-
nhamos evidências disso. "Sim", disse meu interlocutor, agora muito em-
polgado, "esse é justamente o ponto. Não há evidências! Não pode haver
evidências. Porque essa história escrita suprimiu isso: o fato de que não há
história não prova nada. Está perdido para nós para sempre."
Eu respondi que temos que confiar nas evidências disponí-
veis até que tenhamos bons motivos para mudar de ideia.
Eu apontei que é muito implausível que Martha Washing-
ton soubesse muito sobre campanhas militares ou ques-
tões de Estado. Também é possível (e igualmente impro-
vável) que uma das tias-avós de Washington fosse o cére-
bro por trás de suas proezas militares. Nós simplesmente não podemos fa-
zer história desse jeito.
Eu pude ver que alguns membros da plateia ficaram totalmente indiferen-
tes com minha réplica e minha insistência "obtusa" em uma razoabilidade
histórica convencional, e eu sabia por quê: os transformadores querem
"Herstory". Eles estão impacientes com uma abordagem da História que
impede o tipo de revisionismo que muitas feministas de gênero estão exi-
gindo como parte de uma "base de conhecimento transformada".
A "reconceitualização" da História promovida pelas feministas de gênero
está avançando no nível universitário. Mas as mudanças curriculares são
ainda mais dramáticas nas escolas secundárias e elementares. Como os go-
vernos locais e estaduais estão intimamente envolvidos nos currículos das
escolas públicas, e por serem muito sensíveis e receptivos às pressões das
feministas de gênero, essas mudanças estão sendo impostas por decreto a
milhares de escolas públicas.
Os textos de história contemporânea e ciências sociais, especialmente para
os graus primário e secundário, fazem esforços especiais para fornecer
"modelos de comportamento" para as meninas. Os textos de jardim e pre-
zinho geralmente têm uma abundância de imagens; atualmente, eles mos-
tram mulheres trabalhando em fábricas ou olhando através de microscó-
pios. Uma imagem "estereotipada" de uma mulher com um bebê é uma
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15 Da Wikipédia: Charles Augustus Lindbergh (...) foi um pioneiro da aviaçãoestadunidense e ficou fa-
moso por ter feito o primeiro voo solitário transatlântico sem escalas em avião, em 1927.
16 Anne Morrow Lindbergh (...) foi uma escritora dos Estados Unidos. É a autora de O presente do Mar,
e foi casada com o famoso aviador Charles Lindbergh.
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18 Da Wikipédia: Harriet Tubman (nascida Araminta Ross; Condado de Dorchester, c. 1822 — Auburn, 10
de março de 1913), foi uma americana abolicionista, humanitária, olheira armada e espiã do Exército
dos Estados Unidos durante a Guerra Civil Americana. Nascida durante a escravidão, Tubman escapou
e, posteriormente, fez cerca de treze missões para resgatar cerca de setenta famílias e amigos escra-
vizados, usando a rede de ativistas abolicionistas e casas seguras conhecida como Underground rail-
road. Mais tarde, ela ajudou o abolicionista John Brown a recrutar homens para a sua invasão em Har-
pers Ferry, e na era do pós-guerra foi uma participante ativa na luta pelo voto feminino.
69
***
perguntei à Dr. Minnich se ela realmente acreditava que havia colchas que
rivalizavam ou superavam o teto da Capela Sistina. Ela admitiu que tal jul-
gamento realmente choca nossa sensibilidade, mas me perguntou: "Não é
disso que se trata a história das artes – sensibilidades chocadas?" Padrões
e gostos estão sempre em fluxo, ela disse. O que uma sociedade ou grupo
julga ser grande outra acha banal ou ofensivo.
O público pareceu surpreso com a minha discordância aberta com a Dr.
Minnich. A reação deles, tenho vergonha de dizer, fez com que eu me con-
tivesse de fazer as perguntas que eu queria muito perguntar: por que nós
mulheres deveríamos jogar um jogo indigno de superioridade em que esta-
mos fadadas a perder? O que motiva os esforços revisionistas de reescrever
a História ou revisar os padrões de "grandeza" de uma maneira calculada
para dar às mulheres vitórias e triunfos que elas nunca tiveram a oportuni-
dade de ganhar? Agora temos essas oportunidades. Por que não podemos
avançar para o futuro e parar de desperdiçar energia em se ressentir (e "re-
escrita") do passado?
Muitos de nós que nos chamamos de feministas estamos muito conscientes
das indignidades e privações do passado que limitaram as mulheres nas ar-
tes. Embora deploremos o passado, agradecemos que a situação tenha mu-
dado: hoje, as mulheres artisticamente dotadas gozam de condições de
igualdade. Assim, rejeitamos o chamado para mudar os padrões de exce-
lência, e estamos explorando as alternativas mais construtivas abertas para
nós agora, que nós julgamos ser nossas melhores perspectivas.
Infelizmente, ninguém está consultando as feministas tradicionais sobre o
valor ou a sabedoria das propostas para mudar os padrões a fim de "valori-
zar" as mulheres na História da arte ou em qualquer outro ramo da História.
Se os transformacionistas continuarem a ter seu caminho desimpedido na
academia, um grande número de estudantes americanos aprenderá a ver
as grandes obras-primas de uma maneira doutrinariamente correta – para
a sua profunda perda. Além disso, o movimento das mulheres perde-se por
estar associado ao anti-intelectualismo partidário e ressentido que está ins-
pirando um revisionismo ginocêntrico na crítica de arte.
Na literatura, como nas artes, feministas de gênero fizeram um ataque
abrangente a supostas concepções masculinas de excelência. Como Elaine
Marks do departamento francês da Universidade de Wisconsin diz: "Esta-
mos contestando o cânon e o próprio conceito de cânones e obras-primas".
72
A professora Marks nos lembra mais uma vez que muitas mulheres talen-
tosas no passado não receberam o devido reconhecimento. Uma boa
feminista acadêmica aborda esse problema e, em muitos casos, ressuscita
reputações que, de outra forma, permaneceriam negligen-
ciadas. Mas feministas de gênero não se contentam em pa-
rar por aí. Como a ativista transformacionista Charlotte
Bunch declara: "Você não pode simplesmente adicionar
mulheres e mexer". De acordo com Bunch, devemos atacar
o problema em suas raízes "transformando uma cultura
masculina" e "reconstruindo o mundo do ponto de vista das mulheres". De-
vemos, em outras palavras, rejeitar os padrões masculinos que colocaram
homens europeus como Michelangelo e Shakespeare nos escalões mais al-
tos e relegaram suas irmãs ao esquecimento.
As feministas de gênero desafiam a própria ideia de "grande arte", "grande
literatura" e (como veremos a seguir) "grande ciência". Falar de "grandeza"
e "obras-primas" implica um ranking de artistas e obras, uma abordagem
"hierárquica" considerada inaceitável porque implicitamente denigre aque-
les que recebem um status menor. A própria ideia de "gênio" é vista como
suspeita de ser elitista e "masculinista". Peggy McIntosh está entre as pro-
ponentes dessa crença: "O estudo da literatura geralmente envolve muito
poucos gênios... Ser comum é pecado, no mundo da maioria dos professo-
res de literatura... Apenas aqueles trabalhos que se distanciam da plateia,
ao se estabelecerem em um gênero separado do leitor e não necessitando
de resposta do leitor, são considerados literários”. McIntosh não explica por
que um trabalho de um gênio como Leon Tolstoi deveria ser mais "distan-
ciador" do que um trabalho de uma romancista feminista do século XX
como Margaret Atwood ou Alice Walker.
O projeto transformacionista já tem influenciado fortemente as universida-
des americanas, e a atitude desdenhosa que promove em relação aos clás-
sicos da literatura tradicional está ficando cada vez mais da moda. Os orga-
nizadores de uma conferência literária sobre diversidade e multicultura-
lismo em Boston, em junho de 1991, pediram aos 200 professores partici-
pantes que listassem os cinco autores americanos que eles acreditavam ser
mais necessários para uma educação de qualidade. Mark Twain obteve 36
votos; Toni Morrison, 34; Maya Angelou, 26; Alice Walker, 24; John Stein-
beck, 21; Malcolm X, 18; Richard Wright, 13; James Baldwin, 13; Langston
73
Hughes, 13; William Faulkner, 11; Nathaniel Hawthorne, 10; Ernest Hem-
ingway, 10; Henry David Thoreau, 9; Willa Cather, 8; F. Scott Fitzgerald, 7;
Dee Brown, 7; W.E.B Du-Bois, 7; Emily Dickinson, 6; Amy Tan, 6; Harper Lee,
5; e Walt Whitman, 5. Thomas Palmer, um repórter do Boston Globe que
cobriu a conferência, parou de contar depois de Whitman. Em qualquer
caso, Herman Melville, que a maioria dos críticos literários costumava con-
siderar como o maior escritor americano, não entrou na lista. Nem Henry
James. Os conferencistas aplaudiram os resultados da pesquisa. "Esta lista
me faz sentir muito mais conectada", disse um participante ao Globe. Eu,
por outro lado, fiquei deprimida com os resultados.
Em sua crítica à cultura masculina imperial, as feministas transformacionis-
tas não se limitam a impugnar a história, a arte e literatura do passado. Elas
também consideram lógica e racionalidade como "falocêntrica". Elizabeth
Minnich atribui a tradição cultural a uns "poucos machos privilegiados...
que geralmente são chamados ‘os gregos’". Em comum com muitas outras
transformacionistas, Minnich acredita que as concepções de racionalidade
e inteligência são criações brancas e masculinas: "Atualmente, os alunos
não apenas são ensinados sobre noções ‘falocêntricas’ e ‘coloniais’ de razão
como as formas de expressão racional, mas toda a extensão possível de ex-
pressão da inteligência humana também tende a ser limitada a uma noção
severamente encolhida de inteligência.” Observe a referência a uma racio-
nalidade "colonial" com sua implicação de subjugação deliberada. Agora é
prática comum usar aspas assustadas19 para indicar a suspeita feminista de
uma "realidade" peculiar aos modos masculinos de conhecer. Por exemplo,
a filósofa feminista Joyce Trebilcot fala de "aparatos de ‘verdade’, ‘conhe-
cimento’, ‘ciência’”, que os homens usam para “projetar suas personalida-
des como realidade”.
O ataque à cultura tradicional, portanto, degenerou para um ataque aos
padrões e métodos racionais que têm sido a marca do progresso científico.
O Projeto de Nova Jersey para reformar as escolas públicas faz circular um
documento intitulado "Diretrizes para Estudos Feministas". A primeira di-
retriz é inatingível: "As acadêmicas feministas buscam recuperar o trabalho
19 Da Wikipédia: aspas assustadas são aspas que um escritor coloca em torno de uma palavra ou frase
para sinalizar que elas estão sendo usadas de forma não padronizada, irônica, ou outro sentido espe-
cial. Podem indicar que o autor está usando o termo de outra pessoa (...), implicar ceticismo ou desa-
cordo, crença de que as palavras são mal utilizadas ou que o escritor pretende dar significado oposto
às palavras entre aspas.
74
***
75
A fase 4 nos leva além de ganhar e perder. "Ele produz cursos em que todos
nós estamos juntos, todos tendo identidades étnicas e raciais, todos tendo
cultura... todos com algum poder para dizer não, e sim, e 'Isto eu crio'... As
aulas da fase 4 podem ser maravilhosas em seu poder de cura."
A descrição de McIntosh da fase 4 é alusiva e poética, mas para os pensa-
dores "verticais" ocultos não é muito esclarecedora. Ela diz ainda menos
sobre a quinta e mais alta fase em seu ideal de conhecimento. Ela admite
que é "ainda impensável" e escreve em frases com uma abundância de le-
tras maiúsculas que significam seu caráter apocalíptico: "A Fase 5 nos dará
a História Global e Biológica Reconstruídas para Sobreviver". Discutir a
quinta fase lembra McIntosh de uma observação feita pela historiadora fe-
minista Gerda Lerner: "Não se preocupem... estivemos 6000 anos cuidado-
samente construindo uma estrutura patriarcal de conhecimento, e nós ti-
vemos apenas 12 anos para tentar corrigi-la, e 12 anos não é nada".
Marilyn R. Schuster e Susan R. Van Dyne da Faculdade Smith "prestam con-
sultoria nacionalmente" sobre a transformação curricular feminista. Elas
desenvolveram uma teoria de seis níveis pedagógicos que se parece muito
com a teoria das cinco fases de McIntosh. Eles descrevem uma alternativa
feminista ao currículo masculinista, que deve ser pluralista em vez de hie-
rárquico, atento à diferença em vez de elitista, concreto em vez de abstrato.
Mas elas também não estão dispostas a nos dizer para onde as transforma-
ções vão levar:
Com o que realmente se pareceria um currículo que oferecesse uma visão
inclusiva da experiência humana e que atendesse com tanto cuidado à dife-
rença e ao genuíno pluralismo em vez da mesmice e da generalização? Em-
bora possuamos as ferramentas de análise que nos permitam conceber tal
educação, não podemos, ainda, apontar para qualquer instituição que te-
nha entrado no milênio e adotado tal currículo.
Mas o problema não é que o "milênio" de uma academia transformada
ainda não tenha chegado. Schuster e Van Dyne não percebem que não têm
ideia do currículo que substituirá o currículo "androcêntrico". Em vez de
submeter um currículo feminista abrangente a uma séria consideração e
escrutínio, nós somos apresentados a um monte de conversa mole e meta-
fórica sobre epistemologias femininas, caracterizando como as mulheres
veem o mundo a partir de uma perspectiva feminina.
78
20 Da Wikipédia: Jeopardy! é um programa de televisão atualmente exibido pela CBS Television Distri-
buition. É um show de perguntas e respostas (quiz) variando história, literatura, cultura e ciências.
21 Anne Hutchinson (Alford, 1591 — Pelham Bay, 1643) foi uma pregadora e dissidente religiosa puri-
tana que viveu no começo da era colonial inglesa na América do Norte, tendo sido expulsa da Massa-
chusetts Bay Colony. (...) Em 1634 Anne e a sua família mudaram-se para a América do Norte, em
concreto para a Massachusetts Bay Colony, para poderem acompanhar as pregações de John Cotton,
que se tinha mudado para a colónia no ano anterior. (...) Uma vez na cidade, Anne passou a organizar
um encontro semanal no qual as mulheres se juntavam para debater o sermão de Cotton e para dia-
logarem sobre outras questões espirituais. (...) Em novembro de 1637 Anne foi acusada de sedição,
por ter considerado que os clérigos da colónia ensinavam erros. Uma vez que na época não existia
uma separação entre religião e estado, criticar as autoridades religiosas implicava criticar as autorida-
des políticas. John Cotton testemunhou a favor de Anne no julgamento, afirmando que as ideias de
Anne tinha sido retiradas do contexto. Contudo, Anne Hutchinson recusou retratar-se e alegou
que Deus comunicava directamente com ela. O tribunal declarou-a culpada e Anne foi banida da co-
lónia junto com a sua família e os seus seguidores.
79
CAPÍTULO 4
AS NOVAS EPISTEMOLOGIAS
***
solidariedade e comunidade cultural que parece ter permitido que elas ig-
norem o fato de que sua doutrina tende a segregar as mulheres em uma
cultura própria, aumenta a divisividade ao longo das linhas de gênero, e
pode enfraquecer seriamente a Academia americana. Tampouco preocupa
essas feministas que seu ensino permita que homens inseguros mais uma
vez apadrinhem e denigram as mulheres como o sexo ingênuo que pensa
com o coração, não com a cabeça.
***
Quando os médicos voltaram, a senhora Stanton lhes disse como suas ban-
dagens haviam sido inadequadas e como ela havia resolvido o problema.
Eles sorriram conscientemente um para o outro. "Bem, afinal, o instinto de
uma mãe é melhor que a razão de um homem", comentou um. "Obrigado,
senhores" Stanton respondeu: "não havia instinto nisso. Eu refleti bastante
antes de ver como conseguia pressão no ombro sem impedir a circulação,
como você fez".
***
da Mulher" podem significar que as mulheres são levadas a ler livros medí-
ocres ou livros sobre mulheres ao invés dos grandes livros da humanidade
em geral... É um beco sem saída, que periga simplesmente separar as mu-
lheres do pensamento dominante da raça humana. Tais cultos também po-
dem desperdiçar o tempo de jovens que podem estar lendo todos os livros
mais recentes sobre feminismo, em vez de estudar as coisas difíceis e impor-
tantes que pertencem à cultura da humanidade.
O transformacionismo está se galvanizando e provou ser lucrativo. Nin-
guém está oferecendo dinheiro para um workshop que ensinaria aos seus
participantes que homens e mulheres não são tão diferentes, que os pa-
drões tradicionais devem ser preservados em vez de transformados pelos
ideólogos que acreditam em "foco nas mulheres", ou que os estudantes são
melhores aprendizes de um currículo universal que não é divisor de gênero.
Os pensamentos de Susan Haack, Iris Murdoch, e um punhado de críticos
do transformacionismo não se prestam ao modelo de workshop: eles não
podem ser expressos como uma "teoria de cinco fases" que se presta de
maneira tão precisa a workshops e retiros. É quase impossível obter finan-
ciamento para implementar ideias que favoreçam uma reforma moderada,
em vez de excitantes transformações copernicanas. Apoiando e promo-
vendo o transformacionismo, os administradores escolares não só cons-
troem seus currículos, como também sentem que estão participando do
equivalente educacional da tomada da Bastilha. As feministas da equidade
não têm nada tão excitante para oferecer.
Os transformacionistas não pedem críticas ou escrutínio intelectual de suas
suposições, e não é provável que o movimento de transformação será veri-
ficado em um debate justo e aberto. As conferências das mulheres tendem
a ser comícios de fiéis. Críticos que levantam dúvidas sobre o valor do mo-
vimento transformacionista são descartados como "extremistas de direita"
e seus argumentos são ignorados. O sistema usual de freios e contrapesos
por meio de revisão por pares parece ter desmoronado.
No entanto, embora as transformacionistas tenham muitos motivos para
celebrar muitos sucessos, elas recentemente experimentaram um revés
inesperado. Quando McIntosh, Minnich e suas seguidoras exigiram que a
cultura branca, masculina, opressora e europeia ensinada nas escolas fosse
transformada radicalmente, não imaginaram que alguém pudesse consi-
derá-las opressoras. As líderes transformacionistas não são homens, mas
89
mulheres que descrevem o "click" como "uma experiência que faz você per-
ceber sua opressão como mulher." Elas apontam que os clicks são para
aqueles que são relativamente privilegiados. As minorias, sejam elas mas-
culinas ou femininas, não as experimentam: "O imediatismo cotidiano da
violência e da opressão" é suficiente para lembrá-las de sua condição.
As líderes e teóricas feministas estão um tanto desconcertados por essas
reprovações inesperadas. Mas seria um erro subestimar a autoconfiança e
resolução das feministas de gênero. Elas não estão prestes a renunciar ao
seu domínio, nem mesmo para outras mulheres cuja boa-fé como vítimas é
maior do que a sua.
O encontro típico de acadêmicas feministas de gênero ilustra o compro-
misso desconfortável e um tanto instável que foi atingido. O público con-
siste em grande parte de mulheres brancas de classe média que são pilares
do feminismo acadêmico. Por outro lado, as mulheres das minorias rece-
bem forte representação nos painéis e simpósios, e a retórica de transfor-
mação feminista ganha um verniz multicultural.
A conferência de abril de 1993 em Parsippany, Nova Jersey, sobre a trans-
formação do currículo que discuti no capítulo 3 é um exemplo. Todas as
transformacionistas proeminentes do feminismo de gênero estavam lá: Ca-
tharine Stimpson, Annette Kolodny, a equipe de Schuster e Van Dyne, Eli-
zabeth Minnich, Beverly Guy-Sheftall, Sandra Harding e, é claro, a onipre-
sente Peggy McIntosh.
A professora Paula Rothenberg, moderadora da conferên-
cia e autointitulada "feminista marxista", nos deu boas-vin-
das e nos convidou a unir-se a ela "para imaginar juntos um
currículo para o próximo século". O clima era geralmente
otimista, mas um apresentador após o outro nos avisou so-
bre o iminente backlash. Rothenberg alertou o público para
desconfiar do compromisso anunciado pela administração Clinton com a
diversidade; ela o chamou de uma versão "étnica de alimentos e festas" da
inclusão.
Annette Kolodny explicou como sua posição como reitora de humanidades
na Universidade do Arizona lhe deu os meios para promover mudanças
transformadoras lá. Kolodny foi instrumental ao apresentar as propostas da
"nova promoção e estabilidade" que recompensam e protegem o trabalho
92
22 Da Wikipédia: A Shriners International (…) é uma organização ligada à Maçonaria. É conhecida por
manter hospitais para crianças (Shriners Hospitals for Children). Seus membros usam um fez verme-
lho.
93
***
vários anos na China como chefe da sucursal da revista Time, e que escre-
veu um livro maravilhoso sobre a China, me disse que ao longo do século
XX os reformadores chineses tiveram grande respeito pela ciência ocidental
como uma força progressista. "Ciência e Democracia" foi o slogan do céle-
bre Movimento 4 de Maio entre 1915 e 1918. Os reformadores chineses
viam a ciência ocidental como uma arma poderosa contra o autoritarismo
e a superstição que eram o baluarte do sistema imperial. Nem Bernstein
nem eu nos arriscamos a criticar os pontos de vista de Harding. Nós dois
estávamos muito conscientes de que teria sido excessivamente indecoroso
para qualquer um levantar objeções. Este foi um encontro de "conhecedo-
res conectados": questões difíceis de "conhecedores separados" eram de-
cididamente indesejadas.
Ronald Takaki, o especialista de Berkeley em estudos étni-
cos, foi facilmente a figura mais popular no encontro Par-
sippany, e não apenas porque sua presença conferia ao
projeto de transformação feminista o prestígio de um mo-
vimento multicultural. Feministas de gênero descobriram
que é sábio aliar-se a homens e mulheres de ascendência
não europeia que são críticos da cultura ocidental por seu
"eurocentrismo". Uma ofensiva mais geral sobre a cultura "eurocêntrica"
ocidental (criada por e controlada por "homens brancos burgueses de des-
cendência europeia") é então processada sob as bandeiras do "pluralismo
cultural", da "inclusão" e da "diversidade". As lideranças feministas abraça-
ram avidamente essas causas em parte para desviar a atenção do caráter
amplamente branco e de classe média de seu próprio movimento e em
parte para camuflar a misandria divisiva que as inspira, mas que é ofensiva
para os outros. A estratégia propiciatória de colocar seu feminismo radical
sob a bandeira da "inclusão" também foi bem-sucedida em um contexto
interno: deu a muitas ativistas feministas a sensação de que elas são parte
de uma luta mais ampla pela justiça social. Finalmente, o chamado à "inclu-
são" desvia a atenção do fato incômodo, mas inegável, de que as feministas
obtêm a maior parte do dinheiro, dos cargos de professor e dos empregos
bem-remunerados (mas vagamente definidos) dentro da nova e florescente
indústria das vítimas de preconceito.
Takaki começou reconhecendo que ninguém parecia saber exatamente
como seria um currículo transformado. E ele perguntou: "Como fazemos
isso?" "Como podemos conceituar isso?" Ele aconselhou as feministas de
95
gênero reunidas a ouvir atentamente sua palestra, porque ele iria mostrar
a elas o que uma palestra transformadora realmente seria. "Eu vou fazer
isso! Vou praticá-lo", disse ele.
Ele nos contou sobre os trabalhadores chineses incompreendidos e aliena-
dos da estrada de ferro na Califórnia, e sobre as garotas irlandesas explora-
das e denegridas das fábricas em Lowell, Massachusetts, no século XIX, mis-
turando fatos com comentários sobre o colonialismo britânico e a Guerra
do Ópio. Ele nos leu alguns telegramas enviados por um jovem trabalhador
chinês da estrada de ferro para alguns amigos pedindo-lhes para ajudá-lo
em seus planos de se casar com uma jovem chinesa. Takaki explicou que
estudou telegramas porque os chineses deixaram poucos documentos para
estudo. Os telegramas – que Takaki chamava de "textos" – verelavam a im-
potência da futura noiva chinesa. (Pareceu-me que eles revelaram muito
sobre as atitudes dos imigrantes chineses em relação às mulheres, refle-
tindo o status das mulheres na China, um ponto que Takaki se esqueceu de
falar.) Takaki pediu ao público que ouvisse os silêncios. O silêncio dos ope-
rários irlandeses, o silêncio dos imigrantes chineses. O silêncio da noiva. O
silêncio de milhões de estrangeiros que fazem parte da história americana,
ainda que raramente, ou nunca, figurem na narrativa.
"Culpe os historiadores!" ele chorou. Ele destacou Oscar
Handlin e Arthur Schlesinger Jr., ambos historiadores ven-
cedores do Prêmio Pulitzer, por censura especial. Poucos
no meio da multidão pareciam saber muito sobre os escri-
tos seminais de Handlin sobre história americana. Mais re-
conhecido é Schlesinger, um liberal democrata, mas crí-
tico de muito do que se passa sob a bandeira do multicul-
turalismo, e eles assobiaram e vaiaram à menção de seu nome. Takaki ata-
cou The Uprooted (Os desenraizados), de Handlin, e The Age of Jack (A idade
de Jack), de Schlesinger, alegando que os dois "ignoraram completamente"
os chineses, os índios Cherokee e os afro-americanos. Takaki não disse à
plateia de não-historiadores que os livros foram escritos em 1941 e 1945,
respectivamente.
96
CAPÍTULO 5
A SALA DE AULA FEMINISTA
***
Nova York em Plattsburgh. O que fazer com os homens jovens que se recu-
sam a usar os pronomes de gênero neutros? A maioria concordou que o
professor deveria dar a eles notas baixas. Uma das plattsburghers nos con-
tou sobre um estudante do sexo masculino que a irritou quando ela defen-
deu o direito de uma adolescente de 15 anos de fazer um aborto sem o
consentimento dos pais. O aluno perguntou: "E se uma garota de 15 anos
quisesse casar com um homem de 30?" Ela se referiu a isso como uma “ar-
madilha”. Em filosofia, isso é conhecido como um contraexemplo legítimo
para ser tratado seriamente e lidado por uma contra-argumento. Mas ela
quis saber que conselho tínhamos para oferecer.
O remédio sugerido foi dizer a esse jovem mal-orientado: "Estou tentando
entender por que você está fazendo esse tipo de pergunta". Alguém obser-
vou que as alunas da turma geralmente podem confiar em manter os alunos
do sexo masculino sob controle. Uma mulher riu muito quando contou so-
bre uma estudante feminista que silenciou um "homem detestável" gri-
tando "Cale a boca, seu filho da puta!"
O grupo ficou mais perplexo sobre o que fazer com mulheres recalcitrantes.
Agora que os cursos de mulheres são mais e mais solicitados nos campi, as
pedagogas feministas esperam mais resistência. Como uma participante
observou triunfalmente: "Se os alunos estão confortáveis, não estamos fa-
zendo nosso trabalho".
Na sala de aula feminista, os alunos encontram professores comprometidos
que anseiam por interpretar suas vidas, suas sociedades, sua herança inte-
lectual para eles – em termos inequívocos. Eis, por exemplo, como a pro-
fessora Joyce Trebilcot, da Universidade de Washington em St. Louis, vê seu
dever pedagógico primário: "Se a situação da sala de aula é muito hetero-
patriarcal – uma grande turma de 50 ou 60 alunos, digamos, com poucas
alunas feministas –, é provável que eu defina minha tarefa de recruta-
mento... de persuadir as alunas de que as mulheres são oprimidas".
Persuadir as alunas de que elas são oprimidas é o primeiro passo no árduo
processo de conscientização. A professora Ann Ferguson, uma filósofa da
Universidade de Massachusetts, usa suas aulas de filosofia para ajudar as
alunas a descobrir seus sentimentos de "raiva e opressão": "Existem várias
técnicas que auxiliam na recuperação pessoal de sentimentos, incluindo di-
ários pessoais, representação de papéis... turma e professor coletivamente
compartilhando experiências e sentimentos pessoais". Alunos gostam de
105
23 Da Wikipédia: Preppy, também grafado preppie, é um termo surgido nos Estados Unidos. Refere-se a
uma tribo urbana tradicionalmente adotada por estudantes de colégios-preparatórios particulares do
nordeste estadunidense e frequentadores das prestigiadas universidades dessa região. O termo pre-
ppy envolve características sofisticadas no vocabulário, na atitude, no vestuário e principalmente no
estilo de vida de quem o adota. Essa palavra possui uma ideia cultural do mesmo modo que
os hippies e yuppies tiveram na história.
106
***
que intelectual. Se, por exemplo, algumas mulheres apontam que não são
oprimidas, apenas confirmam a existência de um sistema de opressão, pois
elas "mostram" como o sistema engana as mulheres, socializando-as para
acreditar que são livres, mantendo-as assim dóceis e cooperativas. Como
Marilyn Schuster e Susan Van Dyne, transformacionistas da Faculdade
Smith, observam: "O número de professoras que ainda não veem desigual-
dades ou omissões no currículo definido pelo homem... serve para enfatizar
dramaticamente o quanto as alunas podem ser completamente enganadas
ao acreditar que esses valores são congruentes com seus interesses.”
Mas o que essas abordagens enfatizam dramaticamente é como as feminis-
tas doutrinárias "efetivamente" lidam com qualquer fenômeno que repre-
sente a mais remota ameaça à sua pequena ilha mental. O feminismo de
gênero é um sistema fechado. Ele mastiga e digere todas as evidências con-
trárias, transmutando-as em evidências favoráveis. Nada e ninguém pode
refutar a hipótese do sistema sexo/gênero daqueles que "veem isso em to-
dos os lugares".
***
aprendendo isso. Mas como todos pensavam que isso era verdade, não de-
veríamos falar de "desinformação", o que implica mais do que um erro não
intencional. Da forma como as estudiosas das mulheres usam, "sistemati-
camente" conota "deliberadamente" e com propósitos políticos em mente.
Isso alude ao funcionamento insidioso do patriarcado, a "Unidade Oculta"
que mantém as mulheres escravizadas pelos homens. Mas é certamente
falso que todos nós estamos sendo doutrinados de forma deliberada (siste-
maticamente).
A regra n. 3 pede aos alunos que assumam que os grupos sempre fazem o
melhor que podem. Mas por que eles deveriam ser obrigados a fazer uma
suposição tão claramente falsa? As pessoas, especialmente em grupos,
muitas vezes poderiam fazer muito melhor do que elas fazem. Por que as-
sumir o oposto? Esta regra também é característica do espírito "se sentir
bem" de muitos cursos de estudos das mulheres. Como todo grupo está
"fazendo o seu melhor", é grosseiro criticar qualquer grupo. (Essa suposição
se estende às fraternidades? E para o time de futebol?) A regra n. 3 serve a
outro propósito não declarado: antecipar-se a críticas que possam pertur-
bar a agenda do professor.
A regra n. 4, que exige confidencialidade absoluta, é igualmente questioná-
vel. As aulas devem ser gratuitas e abertas: qualquer coisa dita na sala de
aula deve ser repetível no exterior. O fato de um instrutor convidar ou
mesmo permitir que seus alunos "falem" sobre assuntos pessoais é um sinal
infalível de que o curso é insubstancial e não-acadêmico. Além disso, os es-
tudantes que são encorajados a falar de incidentes dolorosos em suas vidas
não só estão sendo prejudicados academicamente, eles também estão em
risco de ser prejudicados pelas suas revelações.
Mesmo profissionais de saúde mental em ambientes clínicos exercem
grande cautela na hora de obter revelações traumáticas. Qualquer boa es-
cola fornece ajuda profissional aos alunos em dificuldades que precisam
dela. As intervenções amadoras de um professor são intrusivas e potencial-
mente prejudiciais.
Mas fazer com que os alunos façam revelações pessoais dolorosas é uma
característica da pedagogia feminista. Kali Tal, uma professora de estudos
culturais, recentemente compartilhou as "Regras de Conduta" que ela usou
na Universidade George Mason com todos os membros do boletim eletrô-
nico de estudos das mulheres:
115
***
118
24 O significado de Centerfold parece ser o de clube de strip-tease, desses que a gente vê em filmes o
tempo todo, em que uma mulher dança na frente do homem enquanto ele vai colocando dinheiro na
calcinha dela. Se você digitar centerfold no Google, vão aparecer vários sites que te levam a lugares
bem divertidos.
119
***
crime e violência?" Ele disse à turma que o amor é uma construção social,
acima de tudo uma arma política: "Como mestres do cinema fazem as pes-
soas acharem a guerra atraente? Sugerindo que os nazistas querem machu-
car a Sra. Miniver. Você mostra as mulheres como objetos que os homens
devem proteger. Nós bombardeamos Hiroshima por Rita Hayworth".
O professor Edelman perguntou à classe sobre um personagem menor:
"Como o Sr. Memória representa o conhecimento patriarcal? "Ninguém se
aventurou a responder. Um jovem apontou, hesitante, que Carroll parece
aproveitar o beijo de Donat, já que, afinal de contas, ela fecha os olhos e
deixa cair os óculos. Do fundo da sala de aula, uma jovem condenou o rapaz
junto com Hitchcock. Ambos, ela disse, promovem a ideia de que as mulhe-
res gostam de agressões. A discussão ficou mais animada. Edelman obser-
vou que o final feliz depende de "comprar a ideologia do amor romântico".
Aquecendo-se no tema, outra jovem disse: "No momento em que a heroína
se apaixona, ela deixa de ter uma identidade distinta". Edelman concordou:
"Ela usa um sorriso beatífico, o sorriso do relacionamento heterossexual
satisfeito." O tópico a ser explorado na semana seguinte: amor e casamento
na união convencional. Tarefa: Rebecca.
Mais tarde, falei longamente com o professor Edelman. Sua formação é em
desconstrução literária, um estilo de crítica que ele emprega para ler cada
"texto" (seja um romance, filme, música ou comercial de TV) como uma ex-
pressão, se não uma arma, da cultura opressora. Ele acredita que o propó-
sito do ensino é desafiar a cultura desmentindo ("desconstruindo") seus
"textos". Ele acredita que o bom ensino é contencioso.
Quando lhe perguntei se ele achava que tinha a obrigação de dar argumen-
tos para o outro lado, Edelman apontou o argumento da professora Al-
brecht: ele tem os alunos por apenas algumas preciosas horas por semana;
a cultura dominante os tem no resto do tempo. Pode ser a única vez em
suas vidas que eles estão expostos ao pensamento iconoclástico sobre sua
cultura.
Eu tinha gostado da aula e não teria me importado de ouvi-lo sobre Re-
becca. Edelman foi divertido de ouvir, mesmo quando ele continuava insis-
tindo que os alunos devem aprender a ver como o preconceito sexual está
inscrito em todas os artefatos culturais, toda obra de arte, todo romance,
todo filme. Os alunos foram aprendendo muito sobre como Hitchcock ex-
plorou temas sexuais, mas de onde eu estava sentado, havia muita coisa
122
que eles não estavam aprendendo, incluindo por que Hitchcock é conside-
rado um grande cineasta. Eles não estavam aprendendo sobre a sua maes-
tria na construção de suspense. Eles não foram informados, nem poderiam
explicar, por que 39 degraus tinha estabelecido um novo estilo para o diá-
logo cinematográfico. Os alunos do Tufts estavam sendo ensinados a "ver
através" dos filmes de Hitchcock antes de aprenderem a olhá-los e antes
que soubessem muito sobre por que deveriam estudá-los em primeiro lu-
gar. Nada que os estudantes disseram indicaram que haviam aprendido
muito sobre Hitchcock ou seu trabalho. No instante em que Edelman ter-
minou por "desmascarar" o sexismo de 39 degraus, o desdém dos estudan-
tes por esse aspecto do filme os deixaria com pouco incentivo para consi-
derarem Hitchcock um grande cineasta. Eles estavam aprendendo o que
Hitchcock estava "realmente" fazendo, e isso, aparentemente, era o que
importava.
Essas omissões são características de muitos ensinos que persistem na sala
de aula contemporânea. Os estudantes de hoje são culturalmente subnu-
tridos. A aula de inglês da faculdade é a única oportunidade para os alunos
serem expostos a grande poesia, contos, romances e teatro. Se eles não
aprendem a respeitar e gostar de boa literatura na faculdade, provavel-
mente nunca irão.
***
27 Calouro.
125
O que você tem aqui são muitos alunos e professores que são muito céticos,
mas que estão com medo de expressar suas reservas. Por outro lado, as pro-
fessoras de estudos femininos são bem organizados e possuem estratégias
muito eficazes. Primeiro elas se coordenam com outros departamentos e
oferecem um grande grupo de cursos, votam em bloco e se infiltram em
grande número nos comitês de política educacional. Não é difícil hoje em
dia ter uma administradora poderosa atrás de você. Para elas, é uma ma-
neira de fazer um nome para si na administração da faculdade. Elas podem
dizer que iniciaram um novo programa para mulheres.
Muitos estudantes se ressentem dos estudos das mulheres. Eles querem
menos ideologia e conteúdo mais objetivo em seus cursos. Alguém poderia
pensar que as administrações da faculdade seriam simpáticas às suas quei-
xas. Mas as administrações mudaram muito nas últimas duas décadas.
Agora encontramos reitores e presidentes de faculdade advertindo os alu-
nos a não serem pegos fazendo queixas sobre a objetividade e a suposta-
mente desinteressada bolsa de estudos de pedagogos que está fixada nas
fases iniciais de um currículo não transformado. Os administradores mais
esclarecidos pregam as virtudes de uma nova pedagogia que impugna toda
a objetividade, mesmo a da ciência. Em um discurso de assembleia, Donald
Harward, então vice-presidente de assuntos acadêmicos da Faculdade de
Wooster, disse: "Uma grande revolução intelectual ocorreu. Nas duas últi-
mas décadas, o... esforço ‘para objetivar’ campos de investigação foi colo-
cado em questão por um desafio à objetividade da ciência – o protótipo
proeminente".
Invocando a autoridade da epistemologista feminista Sandra Harding, entre
outras, o Dr. Harward informou aos estudantes que "não há objetividade,
126
mesmo na ciência". Ele então confidenciou que "a nova visão da ciência e,
assim, a nova visão de qualquer campo de investigação intelectual ficam
apenas a um triz da irracionalidade e do ceticismo total. Mas as linhas tê-
nues são importantes." No final de seu discurso, os alunos estavam prontos
para a mensagem edificante de que "aprender e ensinar têm menos a ver
com verdade, realidade e objetividade do que imaginávamos".
***
menos que fossem culpados? Se não fizeram nada, não seriam intimida-
dos".
Um professor estrangeiro submetido a esse tratamento ficou fisicamente
doente. A administração finalmente agiu suspendendo temporariamente
16 "guardiãs de vigilância". A professora de estudos de mulheres Patricia
Sharp negou toda a responsabilidade pelo comportamento das guardiãs de
vigilância; ela insistiu que a atitude delas não tem nada a ver com o femi-
nismo. No entanto, ela expressou preocupação de que quase metade das
18 alunas em sua aula de teoria feminista eram membras da guarda de vi-
gilância.
Que o comportamento dos alunos deve desconcertar até mesmo as profes-
soras feministas é compreensível. É igualmente compreensível que os alu-
nos se sintam traídos. Um membro da guarda de vigilância que estava na
classe da professora Sharp me disse que nos cursos de estudos femininos
as mulheres são incentivadas a se empoderar, mas "quando colocamos isso
em prática de forma direta e eficaz, somos suspensas".
O Simon's Rock faz parte do Bard College. Quando perguntado sobre as tá-
ticas das guardiãs de vigilância, Leon Botstein, o presidente da Bard, disse:
"A melhor coisa a dizer é que essas crianças não possuem uma memória
histórica suficiente para entender que tal comportamento é extremamente
reminiscente do fascismo, dos camisas marrons; é um grupo clássico de in-
timidação e humilhação pública que está associado com os anos 30 e, final-
mente, com os Guardas Vermelhos."
A Faculdade Estadual da Pennsylvania tem um jornal alternativo chamado
Lionhearted, que rotineiramente zomba da correção política do campus.
Em sua edição de 12 de abril de 1993, ele satirizou um artigo de opinião de
uma estudante feminista radical, Amanda Martin, que apareceu no jornal
da faculdade. Martin tinha participado recentemente da marcha antiestu-
pro da Penn State, que ela chamou de marcha das "250 guerreiras". Ela
comparou o patriarcado a um "monstro" sanguinário que devora todas as
mulheres. Para aqueles que a criticariam, ela emitiu um aviso: "Vou chutar
o seu traseiro".
O artigo de Martin implorava pela paródia, e o Lionhearted se obrigou a
criticar sua arenga e irreverentemente imprimiu uma charge em que ela
aparecia em um biquíni azul. As ativistas feministas do campus reagiram
128
seu grupo. Elas contaram sobre suas duas primeiras atividades planejadas:
publicar seu próprio livro de receitas e organizar uma festa em Tupper-
ware28. "Eu nunca vi nada parecido", disse Peters mais tarde. "50 mulheres
perplexas e estupefatas de incredulidade." Elas não foram financiadas e
desde então se separaram.
***
28 A Tupperware é uma multinacional americana conhecida por fabricar utensílios domésticos para do-
nas de casa.
131
29 No original, the denial of merit pay for a period of not less than five years. Pelo que pesquisei, parece
que, quando se apresenta uma petição a um tribunal e os juízes não a consideram convincente, diz-se
que eles negam o mérito dela. Ou seja, a negação do mérito não ocorre por erros técnicos, mas por
conteúdo insuficiente.
133
***
31
Quem roubou o feminismo? foi publicado em 1994.
136
Agora está bem claro que uma faculdade americana autoprotegida aban-
donou seriamente seu dever de defender a tradições liberais da academia
americana.
Os estudantes são rápidos em aprender que a crítica aberta à sala de aula
feminista não vai ganhar o apoio de professores que concordam com eles.
A lição que aprendem da covardia de seus professores nunca é esquecida:
fique longe de controvérsias. A conformidade é mais segura: pratique-a.
Essa é uma lição terrível para transmitir aos alunos e a antítese do que a
experiência universitária deveria ser.
Na história "As roupas novas do imperador", o menino no desfile que se
atreveu a declarar que o imperador estava nu foi imediatamente apoiado
pelos mais velhos, que ficaram gratos por alguém ter dado voz àquela ver-
dade inocente e óbvia. Infelizmente, não é assim na vida real. Na vida real,
é mais provável que o menino seja afastado pelos funcionários do desfile
por fracassar em perceber a elegância do imperador. Na vida real, os espec-
tadores não ficam do lado do garoto. Em Minnesota, Northwestern, Michi-
gan, Wooster, New Hampshire, Harvard e nos campi de todo o país, as fe-
ministas do gênero não são contestadas porque as faculdades agora acham
que é política olhar para o outro lado.
137
CAPÍTULO 6
UMA BUROCRACIA PRÓPRIA
32 Explicação do dicionário virtual Linguee: Apparatchik (...) é um termo coloquial russo que designa um
funcionário em tempo integral do Partido Comunista da União Soviética ou dos governos liderado por
este partido, ou seja, um agente do "aparato" governamental ou partidário que ocupa qualquer cargo
de responsabilidade burocrática ou política (com exceção dos cargos administrativos superiores, já
que o sufixo "-chik" no fim da palavra indica uma forma diminutiva). Já foi descrito como "um homem
[capaz] não de grandes planos, mas de cem detalhes cuidadosamente executados". Frequentemente
é considerado um termo pejorativo.
140
***
Uma análise feminista dessa retórica revela... uma analogia entre conheci-
mento e subjugação sexual..., uma ideia de aprender como dominação ou
controle. Claramente incorporado... são pressupostos androcêntricos in-
conscientes de dominância e subordinação entre o conhecedor e o conhe-
cido, pressupostos que prontamente trazem à mente a tradicional relação
entre homens e mulheres; dos colonizadores e colonizado; de fato, dos mes-
tres e os escravos. Tais metáforas falocêntricas... [não são] o uso acidental
de um relatório; elas replicam os discursos dominantes do empirismo oci-
dental que os estudos das mulheres... criticam.
A AAC não estava propensa a ofender novamente. Mesmo quando estava
sendo tão agudamente repreendida, a AAC foi alvo de uma reforma femi-
nista de gênero. Nestes dias, é um recurso importante para os transforma-
cionistas, e Caryn McTighe Musil é uma de suas membras seniores. Ela e
Johnnella Butler, a acadêmica feminista da Universidade de Washington,
estão desempenhando o papel principal no recém-inaugurado projeto de $
4,5 milhões de transformação da AAC.
Quanto à Sra. Schmitz, ela é agora uma associada sênior para o Projeto de
Pluralismo Cultural no Centro de Washington da Faculdade Estadual de
Evergreen, onde, amplamente financiada pela Fundação Ford e pelo go-
verno estadual, ela supervisiona o projeto de transformação em várias uni-
versidades e faculdades no estado. Ela também serviu recentemente como
membra sênior na AAC.
A AAC não é a única organização desse tipo que pegou a febre transforma-
cionista. Grupos como a Associação Americana das Mulheres Universitárias
e o prestigioso Conselho Americano de Educação agora aceitam por certo
que a educação americana deve ser radicalmente transformada. Considere,
por exemplo, esta declaração programática em um relatório patrocinado
pelo Conselho Americano de Educação intitulado "A Nova Agenda das Mu-
lheres para o Ensino Superior":
O que ainda tem que acontecer em todos os nossos campi é a transforma-
ção de conhecimento e, portanto, do currículo exigido por esta explosão de
novas informações e pelos desafios aos modos convencionais de pensar e
conhecer. Os estudos de mulher, a nova bolsa de estudos sobre as mulheres,
ou os projetos de transformação curricular – os nomes variam de acordo
com o campus e a cultura – devem ser metas do corpo docente e da admi-
nistração acadêmica em cada campus.
146
33 Segundo minhas pesquisas, a Filosofia nos Estados Unidos está dividida em dois ramos: o maior e o
menor. O ramo maior abrange a metafísica, a epistemologia, a filosofia dos valores e a filosofia da
linguagem. Cada um desses ramos pode se dividir, por sua vez, em numerosos sub-ramos. Esses sub-
ramos seriam a filosofia menor. A explicação veio deste site: https://www.quora.com/What-are-the-
major-and-minor-branches-of-philosophy.
34 Como se vê, as disciplinas do ramo maior da filosofia em Mount Holioke não correspondiam às quatro
disciplinas descritas na nota anterior. De todo modo, essa divergência não afeta o entendimento do
texto. O importante a saber é que existe o ramo maior e o menor, não as disciplinas que compõem
cada ramo.
147
35 A definição da Wikipédia para Comédia Maluca (Comedy Screwball) é a seguinte: é um gênero de filme
de comédia que se tornou popular durante a Grande Depressão, originado no início dos anos 1930 e
prosperando até o início dos anos 1940. Muitas características secundárias desse gênero são seme-
lhantes ao film noir, mas ele se distingue por ser caracterizado por uma mulher que domina a relação
com o personagem central masculino, cuja masculinidade é desafiada. Os dois se envolvem em uma
batalha humorística dos sexos, que era um novo tema para Hollywood e público na época. Outros
elementos são réplicas em ritmo acelerado, situações farsescas, temas escapistas e enredos envol-
vendo namoro e casamento. As Comédias Malucas muitas vezes retratam classes sociais em conflito,
como em Aconteceu naquela noite (1934), de Fank Capra, e Irene, a teimosa (1936), de Gregory La
Cava. Algumas peças cômicas são também descritas como comédias malucas.
148
***
36 Serviço que as universidades disponibilizam para seus visitantes, que podem ser professores que da-
rão cursos, aulas, ou alunos bolsistas egressos de outras faculdades.
37 Segundo a Wikipédia, uma organização guarda-chuva é uma associação de instituições (frequente-
mente relacionadas, específicas do setor), que trabalham juntas formalmente para coordenar ativida-
des ou reunir recursos. Em ambientes comerciais, políticos ou outros, um grupo, a organização guarda-
chuva, fornece recursos e muitas vezes uma identidade para as organizações menores. Às vezes, nesse
tipo de arranjo, a organização guarda-chuva é, até certo ponto, responsável pelos grupos sob seus
cuidados.
38 No original, National Association of Scholars.
149
39 No original, colleges e universities. Ambas são instituições de ensino superior. Os colleges são institui-
ções de porte menor, com menos cursos de gradução e voltadas mais para áreas técnicas. As univer-
sities são instituições maiores, que oferecem mais cursos, contam com cursos de pós-gradução, e onde
se faz pesquisa. Uma explicação mais detalhada você encontra aqui: <https://blogdointercam-
bio.stb.com.br/qual-a-diferenca-entre-college-e-university>.
151
Além disso, parte do legado dos anos 60 era que uma parcela significativa
da academia liberal há muito havia migrado do liberalismo individualista
clássico de John Locke e John Stuart Mill para "um liberalismo anti-esta-
blishment". Eles não eram contrários à mensagem das feministas de gênero
de que a própria universidade fazia parte de um establishment moralmente
desacreditado.
Recentemente, eu estava discutindo o assunto da "colonização" feminista
de gênero da academia com uma proeminente erudita e feminista da equi-
dade. Falei a ela sobre minha visão de que administradores e professores
bem-intencionados – em sua maioria homens – não estavam conseguindo
distinguir entre o feminismo da equidade e seu gêmeo sem escrúpulos, o
feminismo de gênero, e o dano que a confusão deles estava causando. A
teoria da minha amiga era menos lisonjeira do que a minha. Em sua opinião,
os estudiosos do sexo masculino que deram tanto espaço a ideólogas femi-
nistas pouca qualificados sabiam muito bem o que estavam fazendo. A mai-
oria dos homens acadêmicos, diz ela, são professores medíocres e não se
sentem muito à vontade com a concorrência de mulheres capazes. As estu-
diosas femininas que eles permitiram que os encurralassem estrategica-
mente são pelo menos intelectualmente menos ameaçado-
ras do que pensadoras "verticais" como Helen Vendler,
Ruth Barcan Marcus ou Elizabeth Fox-Genovese. Se minha
amiga estiver certa, a influência desordenada do femi-
nismo de gênero na academia deve-se, pelo menos em
parte, ao sexismo antiquado. Sua teoria é maliciosa e atra-
ente, e tem elementos de verdade. Pois quando um homem de escassos
talentos tem consciência de ser inferior a uma mulher, o problema de sua
própria inferioridade tende a ser agravado pelo fato de estar sendo vencido
por uma mulher.
No geral, no entanto, a maioria das estudiosas com quem conversei sobre
isso não apoia a teoria da minha amiga. A maioria das mulheres acadêmicas
competentes acha que elas não são tratadas pior nem melhor do que suas
contrapartes masculinas. A explicação muito menos interessante que ofe-
recem para o fracasso dos homens – especialmente os reitores do sexo
masculino – de enfrentar as ideólogas feministas e seus projetos é que eles
querem evitar o desconforto.
159
40 Segundo a Wikipédia: um facilitador é alguém que se envolve em facilitação - qualquer atividade que
facilite ou facilite um processo social. Um facilitador geralmente ajuda um grupo de pessoas a enten-
der seus objetivos comuns e ajuda-os a planejar como alcançar esses objetivos. Ao fazê-lo, o facilitador
permanece "neutro", o que significa que ele não assume uma posição específica na discussão. Algumas
ferramentas facilitadoras tentarão ajudar o grupo a alcançar um consenso sobre quaisquer desacordos
que existam ou preexistam na reunião, de modo que ele tenha uma base forte para ação futura.
160
CAPÍTULO 7
O ESTUDO DA AUTOESTIMA
41 O tradutor do Google traduziu advocacy research como pesquisa de defesa de direitos, o que parece
captar melhor o sentido dado pelo Free Dicionary by Farlex para esse tipo de pesquisa: “é uma forma
de pesquisa de política social (por exemplo, sobre estupro) realizada por pesquisadores com forte
preocupação sobre a importância de um problema social. O objetivo é coletar informações sobre o
nível de um problema social e aumentar a consciência pública”. Optei pela forma “pesquisa de advo-
cacia” por mera economia.
165
certos termos. Uma carta finalmente chegou, assinada por Anne Bryant. Ela
escreveu: "Por favor, envie uma declaração descrevendo como você planeja
usar o instrumento de pesquisa e os resultados, juntamente com o seu pa-
gamento para o relatório de pesquisa completo. Se a sua revisão e análise
dos dados resultar em uma possível publicação ou apresentação, esse uso
dos dados deve receber aprovação prévia por escrito da AAUW. "
Enviei o dinheiro e uma "declaração" branda sobre meus planos. Também
usei o número 0800 para encomendar todos os panfletos, boletins informa-
tivos e resumos caros e, claro, o vídeo. Quando o relatório completo final-
mente chegou, depois de várias semanas e mais três telefonemas, vi imedi-
atamente por que a AAUW era tão cautelosa. Por um lado, não continha
nada como uma definição de autoestima, ou mesmo uma discussão infor-
mal sobre o que eles entendiam por isso.
O conceito de autoestima é geralmente considerado instável e controverso,
mas poucos psicólogos duvidam de sua importância central. A instabilidade
e a fluidez do conceito o tornam inadequado para uma abordagem de pes-
quisa de opinião. As empresas de pesquisa são boas em totalizar opiniões,
mas a autoestima é uma característica pessoal complexa, e as opiniões ex-
pressas das pessoas sobre elas mesmas podem ter pouco a ver com seu
senso de valor interior. No entanto, os procedimentos da AAUW/Green-
berg-Lake dependiam quase exclusivamente de autorrelatos.
A autoestima e uma série de características pessoais relacionadas, como
autossuficiência, humildade, orgulho e vaidade, têm sido estudadas desde
Aristóteles. O estudo científico da autoestima por psicólogos do desenvol-
vimento e sociólogos está em sua infância. No momento, há pouco acordo
sobre como defini-la e muito menos acordo sobre como medi-la.
O psiquiatra da Universidade de Oxford Philip Robson diz: "Tem sido ques-
tionado se a autoestima existe como uma entidade independente". Além
disso, testes diferentes produzem resultados diferentes. De acordo com o
Dr. Robson, "as mesmas pessoas não obtêm pontuações altas em todas
elas". Autorrelatos sobre sentimentos de valor interno não são consistentes
ao longo do tempo, nem são fáceis de interpretar. Altas pontuações em um
teste de autoestima, diz o Dr. Robson, podem indicar "conformidade, rigi-
dez ou insensibilidade".
168
corpo de pesquisas sobre como as meninas aprendem. Ele não está fazendo
isso.
William Damon, diretor do Centro de Estudos do Desen-
volvimento Humano da Universidade Brown, tirou algum
tempo para investigar a alegação de que as adolescentes
estavam sofrendo uma perda de autoestima. "Até agora,
não consegui encontrar um único artigo em nenhuma re-
vista científica que realmente ateste essa tese." Ele admite
que não passou meses pesquisando a literatura. Mas, ele diz, se existe tal
artigo, não é fácil de encontrar. Como ele vê, o debate sobre a autoestima
das meninas nunca ocorreu entre os pesquisadores. Em vez disso, "a coisa
toda está sendo realizada na corte da mídia".
Perguntei a Joseph Adelson, psicólogo da Universidade de Michigan e editor
do Manual de Psicologia Adolescente, o que ele achava do relatório da
AAUW sobre autoestima. "Quando vi o relatório, pensei: 'Isso é horrível. Eu
posso provar que é horrível, mas não vale a pena'."
Dados os riscos enfrentados por qualquer pesquisador que esteja fazendo
pesquisa na área da autoestima e, dado que poucos psicólogos adolescen-
tes corroboram as descobertas da AAUW, o ônus da prova é da AAUW em
mostrar que seu estudo foi bem planejado e suas descobertas cuidadosa-
mente interpretadas. Mas isso é precisamente o que não foi mostrado. Isso
pode explicar por que os dados reais da pesquisa Greenberg-Lake, nos quais
a AAUW baseia suas conclusões sensacionais, são tão difíceis de encontrar.
De fato, mostrar que os resultados da AAUW estão errados não é tão de-
morado quanto Adelson imaginou. Um olhar atento aos autorrelatos rapi-
damente revela as maneiras engenhosas pelas quais as perguntas foram
feitas e as respostas tabuladas para obter as conclusões alarmantes sobre
uma crise nacional na autoestima das garotas adolescentes.
A pesquisa sobre autoestima da AAUW/Greenberg-Lake pediu a três mil cri-
anças que respondessem a declarações do tipo: "Sou feliz do jeito que sou",
"Eu gosto da maioria das coisas sobre mim", "Sou bom em muitas coisas,"
"Minha professora está orgulhosa de mim" e "eu sou uma pessoa impor-
tante". Em sua brochura "Chamado à Ação", a AAUW diz que as respostas
a essas perguntas oferecem uma "medida crucial" de autoestima. Vamos
admitir que isso seja assim e considerar mais de perto os resultados relata-
dos sobre a questão da felicidade:
172
A pesquisa nacional encomendada pela AAUW descobriu que 60% das me-
ninas do ensino fundamental e 69% dos meninos do ensino fundamental di-
zem que "Sou feliz do jeito que sou" – um indicador-chave da autoestima.
No ensino médio, a autoestima das meninas cai 31 pontos, indo para 29%,
enquanto a autoestima dos meninos cai apenas 23 pontos, indo para 46% -
um aumento de 7 para 17 pontos43 na diferença de gênero nessa medida de
autoestima.
Pode-se ver por que qualquer pessoa justa ficaria completamente alarmada
com tal resultado. No entanto, mesmo se aceitarmos que os autorrelatos
são indicadores confiáveis de autoestima, as alegações apresentadas na
brochura são seriamente enganosas. Somos informados apenas sobre
quantos meninos e meninas responderam "sempre verdadeiro" a "Sou feliz
do jeito que sou". Não nos dizem que essa foi apenas uma das cinco respos-
tas possíveis, incluindo "mais ou menos verdadeiro", "às vezes verdadeiro /
às vezes falso", "mais ou menos falso" ou "sempre falso" e que a maioria
das respostas estava nas faixas intermediárias. Poucos psicólogos infantis
considerariam qualquer uma, exceto as duas últimas respostas - ou talvez
apenas a última delas – como um sinal de autoestima perigosamente baixa.
Os dados apresentados ao público pela AAUW em toda a sua literatura e
em seu documentário sugerem que a maioria das meninas está anormal-
mente carente de autoestima. Mas isso é enganoso porque, além dos 29%
de meninas que marcaram a opção "sempre verdadeiro", 34% marcaram
em "mais ou menos verdadeiro" e outros 25% em "às vezes verdadeiro / às
vezes falso" - um total de 88%, comparado a 92% dos garotos. A AAUW rei-
vindicou uma lacuna de gênero de 17 pontos na autoestima do adolescente.
A mídia, é claro, seguiu a linha estabelecida pela AAUW, que cuidadosa e
exclusivamente baseou seu relatório nos entrevistadores que marcaram a
opção "sempre verdadeiro" para "Sou feliz do jeito que sou", ignorando to-
dos os outros entrevistados que marcaram outras opções. Com base nisso,
o NEA Today, o jornal da Associação Nacional de Educação, disse: "Quando
as meninas estão no ensino médio, apenas 29% dizem que estão felizes con-
sigo mesmas".
43 Eu não sou bom em matemática, mas me parece que há um erro aqui. O certo seria de 9 para 17
pontos. Afinal, se a diferença de 46 para 29 é mesmo 17, a diferença de 69 para 60 é 9. O erro, se
realmente existir, não é meu, mas do texto original, onde se lê: an increase from 7 to 17 points in the
gender gap on this measure of self-esteem.
173
Eis como a própria AAUW logo estaria se referindo às suas próprias desco-
bertas:
Uma pesquisa nacional encomendada pela Associação Americana das Mu-
lheres Universitárias (AAUW) em 1990 descobriu que em média 69% dos
meninos do ensino fundamental e 60% das meninas do ensino fundamental
relataram que eles estão "felizes do jeito que são"; entre os estudantes do
ensino médio, os percentuais foram de 46% para meninos e apenas 29%
para meninas.
O folheto publicou outra conclusão equivocada: "As meninas têm menos
probabilidade do que os meninos de se sentirem ‘boas em muitas coisas’.
Menos de um terço das meninas expressam essa confiança, em compara-
ção com quase metade dos meninos. Uma lacuna de 10 pontos na confiança
em suas habilidades aumenta para 19 pontos no ensino médio.” Mas o lei-
tor não é informado de que quase a metade as meninas do ensino médio
(44%) escolheram a segunda resposta possível, "mais ou menos verda-
deira", o que daria um total de 67% de garotas e 79% de garotos que essen-
cialmente se sentem "bons em muitas coisas". Se a resposta "às vezes ver-
dadeira / às vezes falsa" for incluída, os resultados para meninas e meninos
são 95% e 98%, respectivamente, uma diferença totalmente insignificante.
A propósito, a sequência habitual de respostas em tais pesquisas é "sempre
verdadeiro", "geralmente verdadeiro", "algumas vezes verdadeiro", "rara-
mente verdadeiro" e "nunca verdadeiro". Será que os pesquisadores sus-
peitaram que tais respostas podem não produzir resultados úteis?
Por que, para esse assunto, alguém que responda "às vezes verdadeiro / às
vezes falso" para "sou bom em muitas coisas" é considerado desprovido de
autoconfiança? Na verdade, as respostas "sempre verdadeiro" não são sus-
peitas? Os 42% dos meninos que dizem "sempre verdadeiro" para "bom em
muitas coisas" podem estar mostrando falta de maturidade ou reflexivi-
dade, ou falta de humildade. Da mesma forma, um menino que pensa em
si mesmo como "sempre" "feliz do jeito que eu sou" pode estar sofrendo
de uma "lacuna de maturidade". Por outro lado, não é necessariamente
uma marca de insegurança ou baixa autoestima admitir que se sente triste
ou não prodigiosamente competente por algum tempo.
Os analistas da AAUW / Greenberg-Lake podem não ter percebido que seu
"instrumento de pesquisa" era seriamente inadequado e que seus pesqui-
175
44 “Best foot forward” é uma expressão idiomática inglesa que significa, segundo o The Free Dicionary
by Farlex, tentar agir como uma versão ideal de si mesmo, tipicamente para tentar impressionar os
outros. Não me ocorreu nenhuma expressão idiomática equivalente em português. Além disso, a ex-
pressão me pareceu muito boa e criativa. Por isso, optei pela tradução literal.
178
Isso nos leva, talvez, à mais séria falha do "Chamado à ação" da AAUW. O
relatório começa dizendo que nossos filhos não podem prosperar no pró-
ximo século, a menos que "eles se tornem as pessoas mais instruídas da
Terra". Mas o movimento de reforma educacional perdeu o ponto, conti-
nua, porque "a maior parte deste debate ignorou mais da metade das pes-
soas cujo futuro é moldado pelas escolas: as meninas." Depois disso, não
ouvimos mais sobre a lacuna de aprendizado entre crianças americanas e
estrangeiras, mas a implicação é clara: a lacuna de aprendizagem será su-
perada quando superarmos as diferenças de gênero. Embora essa suposi-
ção pareça superficialmente plausível, tais fatos apontam para sua impro-
babilidade.
O professor Harold Stevenson, da Universidade de Michi-
gan, é um dos vários pesquisadores que vem estudando as
diferenças entre estudantes americanos e asiáticos em ha-
bilidades e autoestima. Seu artigo influente na revista Edu-
cation Digest (dezembro de 1992), "As crianças merecem
mais do que falsa autoestima", relatou pesquisas acadêmi-
cas feitas ao longo de muitos anos. Ele não dependia de pesquisas e não
tinha noções preconcebidas sobre qual seria o resultado. Os pesquisadores
da AAUW não citam seu trabalho nem foram convidados para a mesa re-
donda. Ele descobriu que, embora haja uma séria lacuna de aprendizado
entre crianças americanas e estrangeiras, as crianças americanas não têm
consciência de suas deficiências:
Nosso grupo de pesquisa da Universidade de Michigan passou a última dé-
cada estudando o desempenho acadêmico de estudantes americanos, e
uma de nossas descobertas mais consistentes é que o desempenho acadê-
mico de nossos alunos é inferior ao de estudantes em muitas outras socie-
dades... As baixas pontuações dos estudantes americanos são angustiantes,
mas igualmente angustiante é a discrepância entre seus baixos níveis de
desempenho e as avaliações positivas que eles deram de sua habilidade em
matemática.
Em matemática, pelo menos, parece que a alardeada correlação entre au-
toestima e realização não é válida. Em vez de uma lei chamada "Equidade
de Gênero na Educação", precisamos de um projeto de lei chamado "Senso
Comum na Educação", que supervisionaria a maneira como o governo gasta
dinheiro em questões educacionais falsas. A medida não precisaria de um
179
45 O Free Dictionary by Farlex define mismeasure como “medir de forma imprecisa e incorreta”. Não
achei palavra melhor para isso do que “desmedida”.
181
***
torná-lo um evento anual. Ela criou um guia especial para professores "Leve
nossas filhas para o trabalho", que aborda a questão "Por que esse esforço
extra em nome das meninas?" O guia do professor recita a fórmula
AAUW/Gilligan: "Estudos recentes apontam para a adolescência como um
período de crise e perda para as meninas. Enquanto a maioria das garotas
são sinceras e autoconfiantes aos 9 anos de idade, os níveis de autoestima
despencam quando chegam ao ensino médio."
A Fundação MS. havia planejado inicialmente confinar o dia "Dia de levar
nossas filhas ao trabalho" à área de Nova York. Mas então Gloria Steinem
mencionou o evento em uma entrevista na revista Parade, na qual ela falou
da dramática perda de autoestima das meninas. Segundo Judy Mann, do
Washington Post, o evento "decolou como o Dia das Mães". Qual foi o co-
mentário galvanizador de Steinem? "Aos 11 anos, as meninas têm certeza
do que sabem... Mas aos 12 ou 13 anos, quando assumem o papel feminino,
ficam incertas. Elas começam a dizer: "Não sei. Seus verdadeiros eus vão
para o subterrâneo". Steinem acrescentou que isso torna as meninas vul-
neráveis à depressão, gravidez na adolescência e até distúrbios alimenta-
res. Desde o dia em que seus comentários apareceram na Parade, a Funda-
ção MS. diz que foi inundada com chamadas – mais de 500 por dia. O evento
rapidamente se desenvolveu para um acontecimento nacional. A fundação
preparou informação kits, guia de um professor, folhetos, panfletos e pros-
pectos, até mesmo uma "minimagazine" e camisetas. O comitê consultivo
estabelecido para ajudar a organizar o dia incluiu algumas das estrelas mais
brilhantes do Novo Feminismo: Marlo Thomas, Gloria Steinem, Carol Gilli-
gan, Naomi Wolf e Callie Khouri (a roteirista de Thelma e Louise).
O tema do evento era que, pelo menos por um dia, as meninas seriam "vi-
síveis, valorizadas e ouvidas". Quanto aos meninos deixados na escola, a
Fundação MS. sugeriu que eles passassem o dia fazendo exercícios que os
ajudassem a entender como a nossa sociedade diminui as mulheres. O guia
do professor sugere que os meninos ponderem a questão: "Na sala de aula,
quem fala mais, meninos ou meninas?" Usando "imagens guiadas", o pro-
fessor deve pedir que se imaginem vivendo dentro de uma caixa:
Descreva a caixa para eles: seu tamanho, aberturas para passagem do ar e
iluminação (se houver). Peça-lhes para estender a mão e tocar o teto e os
lados com as mãos. Agora faça a caixa ainda menor. Enquanto seus olhos
ainda estão fechados, pergunte: "E se você quiser sair da caixa e não puder?
184
CAPÍTULO 8
O RELATÓRIO WELLESLEY: UM GÊNERO EM RISCO
***
meninos estão melhores nos testes. Mas sua conclusão teria tido mais cre-
dibilidade se também tivessem considerado a possibilidade de que hou-
vesse um preconceito contra os meninos na hora de dar as notas.
De acordo com o Digest of Educational Statistics (Resumo das Estatísticas
Educacionais) de 1992, mais meninos desistem da escola. Entre 1980 e
1982, 19% dos homens e 15% das mulheres entre a 10ª e a 12ª série aban-
donaram a escola. Os meninos são mais propensos a serem roubados, ame-
açados e atacados dentro e fora da escola. Quase todas as patologias – in-
cluindo o alcoolismo e o abuso de drogas – atingem mais os meninos. De
acordo com o Relatório Wellesley, "as adolescentes são quatro a cinco ve-
zes mais propensas que os meninos a tentar o suicídio". Ele menciona entre
parênteses que mais meninos realmente morrem, mas não diz que cinco
vezes mais meninos do que meninas conseguem se matar. Para os rapazes
de 15 a 24 anos, o número é de 21,9 por 100.000; para as meninas é de 4,2
por 100.000. A taxa de suicídio de adultos não é muito diferente. Nos Esta-
dos Unidos, em 1990, 24.724 homens e 6.182 mulheres cometeram suicí-
dio. O que os pesquisadores de Wellesley e outros defensores fizeram des-
sas estatísticas que tinham os números invertidos?
As tribulações dos estudantes não são uma preocupação urgente da lide-
rança da AAUW; seu interesse está em estudos que revelam preconceitos
contra meninas e mulheres. Para obter detalhes sobre como as meninas
americanas sofrem com o tratamento desigual nas salas
de aula do país, os investigadores da Wellesley confiaram
muito na experiência de Myra e David Sadker, da Escola
de Educação da Universidade Americana, que já haviam
encontrado o tipo de coisa com que a AAUW estava pre-
ocupada: "Em um estudo conduzido por Myra e David
Sadker, os meninos do ensino fundamental e médio de-
ram respostas oito vezes mais do que as meninas. Quando os meninos res-
pondiam, os professores escutavam. Mas quando as meninas respondiam,
diziam-lhes para ‘levantar a mão se você quiser falar’." A diferença em “res-
postas ignoradas” tornou-se um tema favorito entre aqueles que procuram
mostrar como as meninas estão sendo enganadas. Pat Schroeder repetiu
fielmente a alegação na introdução de Lei de Equidade de Gênero na Edu-
cação: "Os professores são mais propensos em chamar os meninos e dar-
191
respostas espontâneas dos alunos. "É muito radical", diz ele. "Tudo de-
pende da vizinhança, do nível da turma e do professor. Muitos professores
simplesmente não permitem esse tipo de resposta." Eu perguntei a ele so-
bre a alegação dos Sadkers de que os meninos recebem comentários mais
cuidadosos e atenciosos dos professores. De acordo com Brophy, quaisquer
diferenças que estão aparecendo são negligentemente leves. Será que ele
viu uma ligação entre os modos como os professores interagem com meni-
nos e meninas em seu trabalho? "Não, e é por isso que eu nunca tentei fazer
tantas descobertas sobre diferenças sexuais."
Sobre os detalhes das descobertas dos Sadkers, o Relatório Wellesley re-
fere-se à pesquisa relatada em um volume de 1981 de um periódico cha-
mado The Pointer. O Pointer agora está extinto, mas quando finalmente li o
artigo fiquei surpresa ao ver que o que ele dizia sobre a disciplina na sala de
aula em particular não era, na minha opinião, indicativa de preconceito con-
tra as meninas. Essa parte do artigo do Pointer não se concentra nas "res-
postas espontâneas", mas em como os professores repreendem meninos e
meninas de maneira diferente, enfatizando que os meninos são mais repre-
endidos do que as meninas. Eis o que os Sadkers e seu coautor, Dawn Tho-
mas, descobriram:
Os meninos, especialmente os de baixo desempenho, recebem de oito a dez
vezes mais repreensões do que suas colegas de classe... Quando meninas e
meninos se comportam igualmente mal, os meninos ainda são mais discipli-
nados. Pesquisas mostram que, quando os professores enfrentam compor-
tamentos disruptivos de meninos e meninas, eles têm três vezes mais chan-
ces de repreender os meninos do que as meninas. Além disso, é mais prová-
vel que os meninos sejam repreendidos de maneira áspera e pública e rece-
bam penas mais pesadas; as meninas são mais propensas a serem repreen-
didas de maneira mais suave e privada e a receber penas mais leves.
O artigo não diz nada sobre "respostas espontâneas" e nada sobre ser dito
às garotas para levantar as mãos se elas quiserem falar. No entanto, ele é
citado como a fonte das repetidas alegações do Relatório sobre esse as-
sunto. Pensando que talvez eu estivesse errada, examinei um artigo de
1991 da Review of Research in Education (Revisão da Pesquisa em Educa-
ção) dos próprios Sadkers, no qual eles também citam a pesquisa relatada
no artigo do Pointer:
196
D. Sadker, Sadker e Thomas (1981) relataram que os meninos eram oito ve-
zes mais propensos do que as meninas a responder espontaneamente nas
salas de aula do ensino fundamental e médio. Quando os meninos respon-
diam, a reação mais frequente do professor era aceitar o chamado e conti-
nuar com a aula. Quando as meninas respondiam, um fenômeno muito mais
raro, a reação mais típica do professor era corrigir o comportamento inade-
quado com comentários como "nesta aula, levantamos nossas mãos".
Mas os Sadkers estão citando a si mesmos de forma equivocada; o Pointer
não contém tais descobertas. O apoio à alegação dos Sadkers sobre as "res-
postas espontâneas" pode muito bem existir. Mas deixando de lado tanto
o Relatório Wellesley quanto o aparente erro dos Sadkers em citar o artigo
do Pointer para sustentar sua tese, pode-se notar que a alegação sobre
"respostas espontâneas" mantém os tambores da indignação batendo e ali-
mentando a noção de que as garotas americanas "passam anos aprendendo
as lições de silêncio nas salas de aula do ensino fundamental, secundário e
universitário", após o que elas acham difícil ou impossível "recuperar suas
vozes".
Suponha, de fato, que os professores atendam os meninos com mais fre-
quência. Não há provas claras de que as meninas perdem por causa disso.
As meninas estão tirando notas melhores, gostam mais da escola, desistem
menos, e mais delas vão para a universidade. Se a atenção do professor
estivesse brutalmente correlacionada com o desempenho do aluno, sería-
mos levados à conclusão perversa de que mais atenção causa pior desem-
penho.
De qualquer forma, não consegui encontrar nenhum estudo que mostrasse
uma relação direta entre a interação entre professor e aluno e o rendi-
mento dos alunos. Olhando para o Ano Três: Relatório Final, noto que os
Sadkers também reconhecem que "neste ponto, não é possível estabelecer
ligações diretas de causa e efeito entre o comportamento do professor e os
resultados dos alunos".
O Relatório Wellesley cita outros estudos supostamente corroborativos da
afirmação de que a falta de atenção dos professores equivocadamente pre-
judica as colegiais americanas. Mas, novamente, as fontes citadas não pro-
vam o ponto. Por exemplo, um estudo do governo intitulado Relatório Final:
Um Estudo da Equidade Sexual na Educação em Sala de Aula feito por Mar-
laine Lockheed, especialista em educação do Departamento de Educação e
197
Política Social do Banco Mundial, diz que os meninos ganham mais atenção
dos professores; no entanto, resumindo suas descobertas, Lockheed nega
que isso deva ser interpretado em termos de desigualdade de gênero: "Os
dados do estudo não apoiam a noção de que os professores desempenham
um papel importante na criação e manutenção das desigualdades. Apesar
dos resultados de que os meninos são mais disruptivos (e, portanto, rece-
bem mais atenção do professor), os dados sugerem que os professores res-
pondem à natureza do comportamento e não ao gênero do estudante".
Outro estudo citado no relatório adverte que "neste momento, todos os
comentários sobre os efeitos potenciais de vários padrões de comporta-
mento professor-criança no desenvolvimento social e cognitivo são alta-
mente especulativos". O relatório também inclui uma referência a uma pes-
quisa feita em 1989 por M. Gail Jones. O artigo não contém nenhum dado
original, mas sim um breve resumo de 20 artigos sobre preconceito na in-
teração em sala de aula. A partir da pesquisa de Jones, os estudos – alguns
mais bem delineados do que outros – parecem inconclusivos. Muitos pes-
quisadores encontram mais interação do professor com os garotos mais de-
sordeiros – mas nenhum deles mostrou que isso prejudica as garotas. Um
estudo de 1987 de K. Tobin e P. Garnett descobriu que alguns alunos "mar-
cados" na sala de aula de ciências tendiam a dominar as interações em sala
de aula, e esses alunos tendiam a ser homens. Mas um estudo mais apro-
fundado dos alunos “marcados” pela própria Jones descobriu que "embora
os alunos ‘marcados’ fossem mais do sexo masculino do que do feminino,
as estudantes ‘marcadas’ tiveram em média mais interações por aula do
que os alunos do sexo masculino". Esse tipo de resultado é típico do status
da pesquisa nessa área. Faz pensar se o estudo da interação aluno-profes-
sor, usando o gênero como uma categoria-chave e o "preconceito inconsci-
ente" como um parâmetro possível, vale todo o trabalho.
Por incrível que pareça, os autores do Relatório Wellesley mencionam,
quase como um aparte, que "novas evidências indicam que é muito cedo
para estabelecer uma conexão definitiva entre um comportamento especí-
fico do professor e um resultado particular do aluno". O relatório não diz o
que é essa nova evidência e nunca a menciona novamente. Também não
nos é dito por que a existência de tal evidência não vicia a conclusão sensa-
cional do relatório de que o preconceito de gênero que favorece os meni-
nos é abundante e sua correção é uma questão de urgência nacional. Para
198
***
***
Eu não podia acreditar que a PBS sabia sobre esse relacionamento sem me
dizer antes do show, então liguei para Ira Glass. Ele sabia que Steindam es-
tava familiarizada com os métodos de treinamento dos Sadkers, mas não
fazia ideia de que ela era sua colega e coautora.
O professor da Universidade Americana era cético em relação às técnicas
de coleta de dados dos Sadkers em geral. "Eles, ou seus alunos de pós-gra-
duação, sentam-se em salas de aula e calculam quantas vezes os professo-
res elogiam, criticam, etc., meninos versus meninas. As possibilidades de
interpretação subjetiva são infinitas."
Ele também me contou sobre seu encontro com uma das alunas dos Sad-
kers, que estava fazendo pesquisas para sua própria tese:
Uma estudante de doutorado deles usou uma das minhas aulas em sua pes-
quisa. No final de sua primeira visita, ela disse: "Você está ferrando meus
dados". Quando eu mostrei surpresa, ela disse: "Sim, você é uma das classes
de controle e você deve mostrar preconceito, mas você não o faz." Ela veio
para essa classe mais duas vezes e, a cada vez, descobria mais preconceito.
Na verdade, da última vez que ela observou, os números pareciam tão de-
sequilibrados e não refletiam de jeito nenhum a maneira como a turma ia,
que eu pedi à minha assistente de pós-graduação que fizesse uma pesquisa
com os alunos para ver se suas lembranças concordavam com os números
que ela anotava... Em todos os casos, os estudantes do sexo masculino lem-
braram de ser chamados para responder a alguma pergunta muito menos
vezes, e as estudantes do sexo feminino muito mais vezes do que seus nú-
meros indicavam. Eu desconfio dessa pesquisa.
Algo mais aconteceu durante o show da PBS que aumentou minha própria
desconfiança sobre esses métodos de pesquisa. Na metade do programa,
uma mulher chamada Lisa ligou. Ela se identificou como uma feminista e
passou a admoestar Ira Glass, o moderador muito educado e respeitoso da
PBS, por interromper Myra e eu "sete vezes", mas David Sadker, o homem
solitário, "nem uma única vez." Glass ficou claramente abalado com esse
ataque. David Sadker ficou feliz por ter esta confirmação pura de sua tese.
"Lisa está certa", disse ele, e deu uma breve palestra sobre como as mulhe-
res são muito mais interrompidas do que os homens.
201
Voltei para a fita da PBS com um cronômetro. Até o ponto em que Lisa ligou,
David Sadker havia falado por um total de dois minutos, e eu e Sadker fala-
mos por seis minutos cada uma. É verdade que fomos mais interrompidas -
mas falamos três vezes mais! Glass interrompeu o Sr. Sadker aproximada-
mente uma vez a cada 52 segundos. Ele interrompeu a sra. Sadker e a mim
uma vez a cada 93 segundos. Com efeito, o sr. Glass interrompera quase
duas vezes mais seu convidado do sexo masculino do que suas convidadas
do sexo feminino. Além disso, enquanto um Sr. Sadker interrompido ficou
em silêncio, a senhora Sadker e eu insistimos em terminar o que estávamos
dizendo.
Em 7 de abril de 1992, o "Dateline" da NBC News, apresentado por Jane
Pauley e Stone Phillips, tinha Myra e David Sadker como convidados. A Sra.
Pauley começou:
O relatório [Wellesley] cita dados compilados na última década por uma
equipe de pesquisa formada por marido e mulher. Os doutores David e Myra
Sadker, da Universidade Americana, são os principais especialistas em pre-
conceito de gênero. Nós os contratamos como consultores para observar a
Srta. Lowe [professora] e analisar nossa fita de vídeo em busca de evidên-
cias de preconceito contra as meninas.
Uma equipe da "Dateline" havia filmado a aula da escola primária de Lowe
por várias horas. Alguns minutos disto foram mostrados. Em uma cena, as
crianças estavam trabalhando silenciosamente em suas
mesas, e Lowe estava se movendo de um menino para ou-
tro, fazendo comentários breves e cuidadosos. Ela então foi
até uma garota, mas não disse nada de importância para
ela. Na locução, Jane Pauley disse animadamente: "Lem-
bre-se, ela sabe que nossas câmeras estão lá, e ela sabe que
estamos procurando por preconceitos de gênero". Pauley
ficou visivelmente chocada com o que ela considerava o comportamento
machista de Lowe: "Então os garotos estão recebendo a mensagem de que
o que eles têm a dizer é importante, e as meninas começam a concluir exa-
tamente o oposto, com sérias consequências".
Liguei para a Sra. Lowe. Ela concorda com os objetivos da pesquisa dos Sad-
kers e acredita que os professores podem apresentar um preconceito in-
consciente. Ela mesma participou de uma apresentação de professores em
apoio à Lei de Equidade de Gênero na Educação. No entanto, ela achava
202
que o programa "Dateline" era uma farsa. "Essa aula estava repleta de me-
ninos", ela disse. "É claro que chamei mais garotos. Um bom documentário
deve dizer a proporção de garotos para garotas na classe. Havia quatro ou
cinco garotos a mais do que garotas." Além disso, ela apontou, a equipe do
"Dateline" filmou-a por oito a dez horas, mas apenas alguns minutos foram
mostrados. Claro que foi possível encontrar em todas as filmagens uma pe-
quena sequência que parecia mostrar preconceito. "Por esse método",
Lowe observou com desdém, "eles poderiam documentar quase tudo". (A
propósito, o segmento foi ao ar logo após a NBC ter resistido ao embaraço
de exibir um "documentário" sobre os perigos dos caminhões da GM cujos
tanques de gasolina estavam localizados na lateral. Acontece que uma
equipe da NBC colocou um explosivo num caminhão e, em seguida, grafica-
mente "mostrou" como o impacto fez o tanque de combustível explodir
sem explicar como as imagens foram manipuladas.)
Lowe me contou que seus alunos da quinta série ficaram furiosos com o
que "Dateline" fez das longas horas de filmagem. As crianças sabiam que
havia mais meninos do que meninas na classe. Por que isso não foi infor-
mado, eles se perguntaram. O sentimento geral deles era de que o "Date-
line" estava exagerando para transmitir uma mensagem. Perguntei a Lowe
como a equipe do "Dateline" e a Sra. Pauley escolheram a escola para fil-
mar. Lowe informou-me que o contato foi feito através da Dra. Sharon
Steindam, uma de suas administradoras escolares que trabalhou com os
Sadkers.
O "Dateline" entrevistou uma cética. Pauley perguntou a Di-
ane Ravitch, então secretária assistente de educação de La-
mar Alexander, o que ela achava do Relatório Wellesley.
Sra. Ravitch contou a Pauley sobre os dados avassaladores
que mostram os meninos com sérios problemas. Ela falou
sobre as taxas de evasão, a lacuna de notas que favorece as meninas, o nú-
mero muito maior de meninos com deficiências de aprendizado. De acordo
com Ravitch, Pauley não demonstrou nenhum interesse na situação dos ga-
rotos, mas continuou atrás dela para admitir que as meninas sofriam de
preconceito de gênero. Quando ficou claro que Ravitch não iria capitular,
Pauley perguntou-lhe: "Bem, e se as pessoas acreditam que há precon-
ceito?" A Sr. Ravitch, irritada, respondeu: "Se as pessoas acreditam que este
é um problema sério, devem enviar suas filhas para escolas só de meninas."
203
***
Os Sadkers são apenas dois dos vários autores do Relatório Wellesley. Pe-
ggy Mcintosh é outra. Ela é listada como uma "integrante principal da
equipe" que ajudou a fazer a pesquisa e a escrever o relatório e que "discu-
tiu, revisou e debateu todos os aspectos do projeto do início ao fim, durante
doze meses". Além da acusação de que as escolas prejudicam a autoestima
das meninas "silenciando-as" nas salas de aula de nossa nação, o relatório
afirma que as meninas "não se veem" refletidas no currículo. Essa é a acu-
sação predileta de Mcintosh.
Aceitando suavemente a peculiar distinção de Mcintosh entre pensamento
"lateral" (feminino) e pensamento "vertical" (masculino), o relatório exige
que as formas especiais de pensar e saber das meninas sejam reconhecidas
e enfatizadas nas escolas primárias da nação. Da mesma forma, o relatório
refere-se às cinco fases interativas de desenvolvimento curricular da McIn-
tosh como se fossem descobertas científicas reconhecidas:
205
46 Segundo a Wikipédia, “Yeshivá é o nome dado às instituições que incidem sobre o estudo de textos
religiosos tradicionais, principalmente o Talmud e a Torá”. Talvez você esteja se perguntando o que
isso tem a ver com a Babilônia. No verbete Sura (Babilônia) da própria Wikipédia, encontramos a se-
guinte explicação: “Sura era uma cidade na parte sul da Antiga Babilónia, localizada a oeste do rio Eu-
frates. Era famosa pela sua produção agrícola, a qual incluía uvas, trigo e cevada. Foi também um cen-
tro importante de estudo e ensino da Torá, e sede de uma importante yeshivá, a qual, juntamente
com as yeshivot de Pumbedita e Nehardea, deram origem ao Talmude Babilónico.”
208
47 Segundo a Wikipédia: a College Board é uma associação sem fins lucrativos nos Estados Unidos que
foi formada em 1900 como o College Entrance Examination Board (CEEB). É composta por mais de
5700 escolas, universidades e outras organizações educacionais. Ela vende testes de admissão usados
pelas universidades com a finalidade de medir a habilidade dos estudantes.
209
***
bre janelas, espelhos e vozes, seus workshops e, acima de tudo, seus cons-
tantes alarmes sobre o estado das relações entre homens e mulheres na
sociedade americana.
O que nos leva de volta ao que é mais equivocado no Relatório Wellesley:
sua exploração do problema muito real da América como uma nação edu-
cacional em risco. Apesar de sua sugestão de que resolver o "problema da
equidade de gênero" nos ajudará de alguma maneira a superar a lacuna
entre crianças americanas e crianças educacionalmente superiores de ou-
tros países – o que o pesquisador de educação Harold Stevenson chama
apropriadamente de "lacuna de aprendizado" –, o relatório nunca diz como.
A razão para a omissão é óbvia: os autores não têm uma solução plausível
para oferecer.
Em 1990, os japoneses traduziram para o inglês a seção de
matemática de seu vestibular. Matemáticos americanos fi-
caram surpresos com o que viram. O professor Richard As-
key, matemático da Universidade de Wisconsin, falou por
muitos cientistas e matemáticos americanos quando disse:
"O nível em que os estudantes [japoneses] se apresentam
nesses exames é simplesmente incrível".
A revista Science publicou recentemente uma amostra do exame de admis-
são à Universidade de Tóquio. Para resolver a próxima questão seria preciso
muito "pensamento vertical": "Dada uma pirâmide regular, há uma bola
com seu centro na parte inferior da pirâmide e tangente a todas as bordas.
(Uma pirâmide regular tem quatro triângulos isósceles adjacentes a um
quadrado na base.) Se cada borda da base da pirâmide tem comprimento
x, encontre a altura da pirâmide e o volume da porção que ela tem em co-
mum com a bola. "
Os editores da Science ressaltam que esta pergunta não está sendo feita a
futuros acadêmicos de matemática e ciências, mas a estudantes japoneses
do ensino médio que estavam planejando se formar em humanidades. Eles
observaram: "Quando os acadêmicos de matemática dos Estados Unidos
ficam atrás de iluminados estudantes no Japão, há muito o que fazer".
213
***
215
48 Segundo a Wikipédia: Alfred "Alf" Mossman Landon (9 de setembro de 1887—12 de outubro de 1987)
foi um político dos Estados Unidos da América e um milionário, membro do Partido Republicano e go-
vernador do Kansas de 1933 a 1937. Concorreu à eleição presidencial de 1936 e foi derrotado de
forma avassaladora por Franklin D. Roosevelt.
218
Então, mais uma vez, somos informados de que "a pesquisa sugere" que as
garotas estão sendo lesadas. Os efeitos sobre elas (querer matar aulas e
ficar em casa) foram marcadamente piores. Mas querer matar aulas e real-
mente matar aulas não é a mesma coisa, e o último efeito é exatamente o
tipo de fenômeno que podemos verificar. Se McKee estiver certa, as meni-
nas devem mostrar altas taxas de absenteísmo, aulas “matadas” e notas
mais baixas. Na verdade, as meninas têm melhor frequência e ganham no-
tas melhores do que os meninos, e mais delas se formam. Isso não quer
dizer que garotas e garotos reajam ao assédio da mesma maneira. A res-
posta das meninas a insultos ou desrespeitos pode ser mais dramática, le-
vando-as a expressar o desejo de matar aulas mais do que os meninos –
uma conclusão que estaria de acordo com as de Wendy Wood e seus cole-
gas do Texas A&M: “as garotas são mais conscientes de seus sentimentos e
mais precisas em relatar emoções negativas".
Desta vez, os pesquisadores da AAUW apresentaram resultados que não se
prestavam prontamente ao tema das "garotas lesadas". E pela primeira vez
algumas vozes céticas começaram a falar na imprensa popular. Em uma re-
portagem do New York Times, Felicity Barringer citou estudantes que criti-
caram a pesquisa por "caracterizar muitos comportamentos como assédio
sexual". Depois que o Boston Globe publicou uma reportagem que dizia
exatamente o que a AAUW queria, o repórter Thomas Palmer duvidava da
validade da pesquisa de assédio. Ele e Alison Bass escreveram um artigo
questionando as descobertas da AAUW e incorporando opi-
niões externas. Billie Dziech, especialista em assédio sexual
e autora de um dos livros mais respeitados sobre o assunto,
The Lecherous Professor (O professor lascivo), apontou que
a terminologia inexata viciou o relatório da AAUW. "Há uma
diferença entre algo que eu chamaria de ‘aborrecimento se-
xual' e 'assédio sexual'."
Jerry Weiner, presidente eleito da Associação Americana de Psiquiatria,
disse ao Globe: "Tenho muitas reservas e preocupações sobre a confiabili-
dade dos dados e o uso desse tipo de dados para extrair as amplas e abran-
gentes conclusões que foram extraídas no relatório". Tom W. Smith, diretor
do Centro Nacional de Pesquisa de Opinião da Universidade de Chicago,
também criticou a imprecisão das perguntas e a ampla gama de interpreta-
ções possíveis.
221
CAPÍTULO 9
NOBRES MENTIRAS
49 Segundo o The Free Dicionarty by Farlex: Old Dominion é um estado no leste dos Estados Unidos; uma
das colônias originais; um dos Estados Confederados na Guerra Civil Americana.
225
sua caneta como uma espada, como um agressor faz com o seu punho
quando não consegue ter o que ele acha ser do seu direito."
Os abrigos e linhas diretas, que monitoraram o domingo do 27º Super Bowl
com especial cuidado, não relataram variação no número de pedidos de
ajuda nesse dia, nem mesmo em Búfalo, cujo time (e seus fãs) sofreu uma
derrota esmagadora50. Como Michael Lindsay comentou a Ken Ringle:
“Quando as pessoas fazem declarações loucas como esta, a credibilidade
da causa inteira pode ir direto pela janela”.
Apesar da exposição de Ringle, a "estatística" do Super Bowl de domingo
estará conosco por um tempo, fazendo seu trabalho divisivo de gerar medo
e ressentimento. No livro How to Make the World a Better Place for Women
in Five Minutes a Day (Como tornar o mundo um lugar melhor para as mu-
lheres em cinco minutos por dia), um comentário sob o título "Did You
Know?" (Você sabia?) informa aos leitores que "o domingo de Super Bowl”
é o dia mais violento do ano, com o maior número reportado de casos de
violência doméstica". Como a crença nessa lorota misândrica pode tornar o
mundo um lugar melhor para as mulheres não é explicado.
***
50 Segundo a Wikipédia, nesse dia, o Dallas Cowboys bateu o Buffalo Bills por 52 a 17.
229
***
***
tra vítimas masculinas e femininas. Klein continua: "Em outras palavras, es-
ses homens eram geralmente violentos, agredindo outros homens tanto
quanto mulheres íntimas. O número médio de queixas anteriores de crimes
contra pessoas era de 4,5" (minha ênfase).
As feministas de gênero acreditam que o homem comum é um agressor em
potencial, porque é assim que os homens são "socializados" no patriarcado.
Mas ideologia à parte, há indícios de que aqueles que batem não são a mé-
dia. Falar de uma misoginia generalizada pode estar nos impedindo de ver
e encarar o efeito particular sobre mulheres e homens do grande elemento
criminoso em nossa sociedade.
Massachusetts pode não ser típico. Ainda assim, o perfil dos agressores de
Massachusetts sugere que não é útil pensar em espancadores exclusiva-
mente em termos de misoginia, patriarcado ou preconceito de gênero. Pre-
cisamos entender por que o número de sociopatas em nossa sociedade, es-
pecialmente o de homens sociopatas violentos, é tão alto.
Minha previsão é que as importantes descobertas de Klein serão ignoradas.
De que serve aos guerreiros de gênero como Marilyn French e Gloria Stei-
nem mostrar que os criminosos violentos tendem a abusar de suas esposas
e namoradas tanto quanto de outros machos? Sua principal preocupação é
persuadir o público de que o chamado homem normal é um ser humano
moralmente defeituoso que se diverte em ferir as mulheres.
***
Há outros estudos importantes que podem ajudar a lançar luz sobre o es-
pancamento e ajudar muitas vítimas que são ignoradas porque seus agres-
sores não se encaixam no estereótipo feminista de gênero.
Acontece que as lésbicas podem estar se agredindo na
mesma proporção que os heterossexuais. Vários livros e ar-
tigos documentam o problema da violência entre lésbicas.
Claire Renzetti, professora de sociologia na Universidade St.
Joseph's, na Filadélfia, estudou o problema da violência lés-
bica e resumiu as descobertas em Violent Betrayal: Partner Abuse em Les-
bian Relationships (Traição violenta: abuso de parceiros em relacionamen-
tos lésbicos):
237
53 Segundo a Wikipédia, o Surgeon General (cirurgião geral) é um título usado nos Estados Unidos, em
vários países da Commonwealth e na maioria das nações da OTAN, para se referir a um oficial médico
militar sênior ou a um médico veterano comissionado pelo governo e encarregado de responsabilida-
des de saúde pública. (...) Nos Estados Unidos, o chefe de saúde pública é o cirurgião geral dos Estados
Unidos e muitos estados têm seus próprios cirurgiões gerais. Além disso, três dos serviços militares
dos EUA têm seu próprio cirurgião geral, a saber, o Cirurgião Geral do Exército dos Estados Unidos,
Cirurgião Geral da Marinha dos Estados Unidos e Cirurgião Geral da Força Aérea dos Estados Unidos.
239
Que a expressão nem sequer tenha se originado na prática legal poderia ter
sido averiguada por qualquer cético que se desse ao trabalho de consultá-
la no Dicionário de Inglês Oxford, que observa que o termo tem sido usado
metaforicamente há pelo menos 300 anos para se referir a qualquer mé-
todo de medição ou técnica de estimativa derivados da experiência e não
da ciência.
Segundo o estudioso canadense do folclore Philip Hiscock,
"A verdadeira explicação da 'regra do polegar’ é que ela de-
riva de trabalhadores madeireiros... que conheciam tão bem
seu comércio que raramente ou nunca recaíam no uso de
coisas como réguas. Em vez disso, eles mediam as coisas,
por exemplo, pelo tamanho de seus polegares". Hiscock
acrescenta que a expressão passou a ser usada metaforicamente no final
do século XVII. Hiscock não pôde rastrear a fonte da ideia de que o termo
deriva de um princípio que rege o espancamento de uma esposa, mas ele
acredita ser um exemplo de "folclore moderno" e o compara a outras "ex-
plicações retroformadas", como a afirmação de que aspargos54 vem de
"sparrow-grass" ou que "anel ao redor da roseira55" é sobre a peste bubô-
nica.
Veremos que o palpite de Hiscock estava correto, mas devemos começar
exonerando William Blackstone (1723-80), o inglês que codificou séculos de
costumes e práticas legais díspares e incipientes no tomo elegante e clara-
mente organizado conhecido como Comentários sobre as Leis de Inglaterra.
Os Comentários, universalmente considerados um clássico da literatura ju-
rídica, tornaram-se a base para o desenvolvimento do direito americano. A
chamada regra do polegar como diretriz para espancamento de esposas
não aparece no compêndio de Blackstone, embora ele se refira a uma lei
antiga que permitia "castigo doméstico":
O marido... pela lei antiga, poderia aplicar em sua esposa uma correção mo-
derada. Pois, como ele deve responder pelo mau comportamento dela, a lei
54 No original, asparagus.
55 Segundo a Wikipédia: "Ring a Ring o' Roses", ou "Ring Around the Rosie", ou "Ring a Ring o' Rosie" é
uma canção de ninar ou cantiga e jogo de canto de recreio. Muitas versões do jogo têm um grupo de
crianças que formam um anel, dançam em círculo ao redor de uma pessoa e inclinam-se ou fazem
reverências com a linha final. A criança mais lenta a fazê-lo é confrontada com uma penalidade ou
torna-se a "rosie" (literalmente: roseira, do rosier francês) e ocupa o seu lugar no centro do ringue.
Você pode ver do que se trata clicando aqui: <https://www.youtube.com/watch?v=aZdPCCKPDBY>.
244
achou razoável confiar-lhe esse poder para contê-la, pelo castigo domés-
tico, desde que ele o fizesse com a mesma moderação com que se permite
a um homem corrigir seus aprendizes ou filhos... Mas esse poder de corre-
ção estava confinado dentro de limites razoáveis e o marido foi proibido de
usar qualquer tipo de violência contra sua esposa... Mas conosco, no rei-
nado de Carlos II, esse poder de correção começou a ser questionado; e uma
esposa pode agora ter a segurança da paz contra seu marido... Ainda [en-
tre] o escalão inferior de pessoas... os tribunais permitirão que um marido
restrinja a liberdade da esposa em caso de qualquer mau comportamento
grosseiro dela.
Blackstone diz claramente que a lei comum proibiu a violência contra as
esposas, embora as proibições tenham sido largamente não aplicadas, es-
pecialmente quando se tratava do "escalão inferior de pessoas".
Nos Estados Unidos, houve leis contra o espancamento de
mulheres desde antes da Revolução. Em 1870, era ilegal em
quase todos os estados; mas mesmo antes disso, os agres-
sores de mulheres foram presos e punidos por violência e
agressão. A historiadora e feminista Elizabeth Pleck observa
em um artigo acadêmico intitulado Wife-Battering in Nine-
teenth-Century America (Espancar esposas na América do século XIX):
Tem sido frequentemente alegado que espancar a esposa nos Estados Uni-
dos do século XIX era legal... Na verdade, porém, vários estados aprovaram
estatutos que proibiam legalmente o espancamento de esposas; e pelo me-
nos um estatuto antecede a Revolução Americana. A Colônia da Baía de
Massachusetts proibiu o espancamento de esposas em 1655. O decreto de-
clara: "Nenhum homem golpeará sua esposa e nem a mulher seu marido
sob pena de multa não excedente a dez libras por delito, ou punição corporal
a ser determinada pelo Condado".
Ela aponta que as punições para espancadores de esposas podiam ser se-
veras: de acordo com um estatuto de 1882 de Maryland, o culpado poderia
ser amarrado num pelourinho e receber 40 chicotadas; em Delaware, eram
30. No Novo México, multas variando de US $ 255 a US $ 1.000 foram co-
bradas, ou sentenças de 1 a 5 anos de prisão impostas. Na maior parte de
nossa história, de fato, espancar esposas foi considerado um pecado com-
parável ao roubo ou ao adultério. Grupos religiosos – especialmente grupos
245
56 Grupos que atuavam à margem das leis, fazendo justiça com as próprias mãos.
246
***
Reagimos aos agressores com repulsa – primeiro, por causa do que fazem,
que é feio e cruel; e segundo, por causa do que são, covardes e muitas vezes
sádicos. Como sabem os que trabalham nos serviços sociais e nos abrigos,
ajudar mulheres espancadas é tão difícil quanto exigente. Os recursos são
limitados e as estratégias de ajuda são frequentemente controversas. Em
um quadro mais amplo, precisamos de uma boa legislação e boas políticas
públicas, bem como fundos destinados ao problema. Mas políticas públicas
sólidas sobre agressões não podem ser feitas sem informações credíveis e
confiáveis. Ao divulgar mentiras sensacionalistas, as feministas de gênero
sistematicamente diminuem a confiança pública. Especialistas preocupados
com o espancamento e dedicados a aliviar o problema estão preocupados.
Como Michael Lindsey disse a Ken Ringle: "Quando as pessoas fazem decla-
rações loucas como esta, a credibilidade da causa inteira pode ir direto pela
janela."
248
CAPÍTULO 10
PESQUISA SOBRE ESTUPRO
Peço desculpas ao leitor pelo tom clínico deste capítulo. Como um crime
contra a pessoa, o estupro é horrível em seus efeitos a longo prazo. A an-
gústia que ele traz é frequentemente seguida por uma permanente sensa-
ção de medo e vergonha. As discussões sobre os dados sobre estupro ine-
vitavelmente parecem insensíveis. Como se pode quantificar a sensação de
profunda violação por trás das estatísticas? Termos como incidência e pre-
valência pertencem ao jargão estatístico; uma vez que os usamos, necessa-
riamente nos abstraímos da miséria. No entanto, permanece claro que,
para chegar a políticas e estratégias inteligentes para diminuir a ocorrência
de estupro, não temos outra alternativa senão coletar e analisar dados, e
fazê-lo não nos torna insensíveis. A verdade não é inimiga da compaixão e
a falsidade não é amiga.
Algumas feministas rotineiramente se referem à sociedade americana
como uma "cultura do estupro". No entanto, estimativas sobre a prevalên-
cia de estupro variam muito. De acordo com o Relatório de Crime Uniforme
do FBI, houve 102.560 estupros relatados ou tentativas de estupro em
1990. O Bureau of Justice Statistics estima que 130.000 mulheres foram ví-
timas de estupro em 1990. Uma pesquisa da Harris define o número em
380.000 estupros ou agressões sexuais para 1993. De acordo com um es-
tudo realizado pelo Centro Nacional de Vítimas, houve
683.000 estupros em 1990. O Departamento de Justiça diz
que 8% de todas as mulheres americanas serão vítimas de
estupro ou tentativa de estupro durante sua vida. A femi-
nista radical Catharine MacKinnon, no entanto, afirma que
"por definição conservadora [o estupro] acontece com
quase metade de todas as mulheres pelo menos uma vez na vida".
Quem está certo? Ativistas feministas e outros argumentaram de maneira
plausível que os números relativamente baixos do FBI e do Bureau of Justice
Statistics não são confiáveis. A pesquisa do FBI é baseada no número de
casos reportados à polícia, mas o estupro está entre os crimes mais subno-
tificados. A Pesquisa Nacional sobre Crimes do Bureau of Justice Statistics é
249
apenas conta seu namorado como um estuprador e você como uma esta-
tística de estupro se você bebeu com ele e se arrependeu de ter feito sexo
com ele. Como Gilbert aponta, a questão, como Koss colocou, é muito am-
bígua:
O que significa fazer sexo "porque" um homem lhe deu drogas ou álcool?
Uma resposta positiva não indica se coação, intoxicação, força ou ameaça
de força estavam presentes; se o julgamento ou controle da mulher foi subs-
tancialmente prejudicado; ou se o homem intencionalmente embriagou a
mulher para impedir sua resistência a seus avanços sexuais... Embora o item
pudesse ter sido claramente redigido para denotar "incapacitação intencio-
nal da vítima", a questão foi formulada de tal modo que seria necessário um
leitor de mente para detectar se uma resposta afirmativa correspondia a
essa definição legal de estupro.
Koss, no entanto, insistiu que seus critérios estavam de acordo com as de-
finições legais de estupro usadas em alguns estados, e citou em particular
o estatuto sobre estupro de seu próprio estado, Ohio: "Nenhuma pessoa
deve se envolver em conduta sexual com outra pessoa quando... com a fi-
nalidade de prevenir a resistência, o ofensor prejudica substancialmente o
julgamento ou controle da outra pessoa pela administração de qualquer
droga ou intoxicante" (Ohio revisou o código 1980, 2907.01A, 2907.02)
Dois repórteres do Blade – um jornal pequeno e progressista de Toledo,
Ohio, que ganhou prêmios pela excelência de seus artigos de investigação
– também não ficaram convencidos de que o número "1 em 4" era exato.
Eles examinaram de perto o estudo de Koss e vários outros que estavam
sendo citados para apoiar as notícias alarmantes de abuso sexual generali-
zado nos campi universitários. Em uma série especial de três partes sobre
estupro chamada "A Criação de uma Epidemia", publicada em outubro de
1992, os repórteres Nara Shoenberg e Sam Roe revelaram que Koss estava
citando o estatuto de Ohio de uma maneira muito enganosa: Koss deixou
de mencionar a cláusula de qualificação do estatuto, que exclui especifica-
mente "a situação em que uma pessoa oferece ao seu parceiro pretendido
bebida ou drogas na esperança de que a inibição diminuída possa levar a
uma relação sexual". Koss agora admite que a pergunta 8 foi mal formulada.
De fato, ela disse aos repórteres do Blade: "Na época, eu vi a questão como
legal; agora admito que é ambígua". Essa concessão deveria ter sido se-
guida pela admissão de que sua pesquisa pode ser imprecisa por um fator
253
de dois: pois, como a própria Koss disse ao Blade, uma vez que você remove
as respostas positivas à pergunta 8, a descoberta de que 1 em cada 4 uni-
versitárias é vítima de estupro ou tentativa de estupro cai para 1 em 9.
Para Gilbert, a indicação mais séria de que algo estava basicamente errado
no estudo de Ms./Koss era que a maioria das mulheres que ela classificou
como tendo sido estupradas não acreditava que tinham sido estupradas.
Daquelas que Koss contou como tendo sido estupradas, apenas 27% acha-
ram que tinham sido; 73% não disseram que o que aconteceu com elas ti-
nha sido estupro. Com efeito, Koss e suas seguidoras nos apresentam uma
imagem de jovens confusas, oprimidas por machos ameaçadores que for-
çam suas atenções sobre elas durante um encontro, mas
não conseguem ou não querem classificar sua experiência
como estupro. Esse quadro se encaixa na graduação femi-
nina média? Por falar nisso, aplica-se plausivelmente à co-
munidade maior? Como observa a jornalista Cathy Young,
"as mulheres fazem sexo após a relutância inicial por uma
série de razões... o medo de ser espancada por seus parcei-
ros raramente é relatado como um deles".
Katie Roiphe, uma estudante de pós-graduação em inglês em Princeton e
autora de The Morning After: Sex, Fear, and Feminism on
Campus (A Manhã Seguinte: Sexo, Medo e Feminismo no
Campus), argumenta em termos semelhantes quando
afirma que Koss não tinha o direito de rejeitar o julgamento
das mulheres que não acharam que tinham sido estupra-
das. Mas Katha Pollitt, da The Nation, defende Koss, apon-
tando que, em muitos casos, as pessoas são prejudicadas sem saber. Assim,
não dizemos que "as vítimas de outras injustiças – fraude, imperícia, discri-
minação no trabalho – não sofreram nenhum mal desde que não estejam
cientes da lei".
A analogia de Pollitt é falha, no entanto. Se Jane tem relações financeiras
danosas com Tom e um especialista explica a Jane que Tom a enganou, en-
tão Jane geralmente agradece ao especialista por tê-la esclarecido sobre os
fatos legais. Para defender seu caso, Pollitt teria de mostrar que as vítimas
de estupro que não sabiam que haviam sido estupradas aceitariam o julga-
mento de Koss de que realmente haviam sido. Mas isso não foi mostrado;
Koss não esclareceu às mulheres que ela conta como vítimas de estupro, e
254
elas não disseram "agora que você explicou, nós podemos ver que fomos
mesmo".
Koss e Pollitt chegam a uma conclusão técnico-legal (e de fato duvidosa): as
mulheres são ignorantes sobre o que conta como estupro. Roiphe chega a
uma conclusão simples: as mulheres estavam lá, e elas sabem melhor como
julgar o que aconteceu com elas. Desde quando as feministas consideram
que a "lei" se sobrepõe à experiência das mulheres?
Koss também descobriu que 42% daquelas que ela contava como vítimas
de estupro fizeram sexo com seus agressores em uma ocasião posterior.
Para as vítimas de tentativa de estupro, o número para sexo subsequente
com os agressores denunciados foi de 35%. Koss é rápida em apontar que
"não se sabe se [o sexo subsequente] foi forçado ou voluntário" e que a
maioria dos relacionamentos "termina depois da vitimização". Mas, é claro,
a maioria dos relacionamentos universitários termina por uma razão ou ou-
tra. No entanto, em vez de aceitar a palavra dessas jovens mulheres, Koss
faz explicações sobre por que tantas mulheres "estupradas" voltam para
seus agressores, o que significa que elas podem ter sido coagidas. Ela ter-
mina tratando a negativa delas como prova de que elas eram confusas e
sexualmente ingênuas. Existe uma explicação mais respeitosa. Como a mai-
oria das que foram contadas como vítimas de estupro não se considerava
estuprada, por que não levar em conta esse fato e o fato de que muitas
voltaram a seus parceiros como indícios razoáveis de que não haviam sido
estupradas?
Os repórteres de Toledo calcularam que, se você eliminar as respostas afir-
mativas à questão do álcool ou drogas, e também subtrair dos resultados
de Koss as mulheres que não pensaram que foram estupradas, o número 1
em cada 4 por estupro e tentativa de estupro "cai para 1 em 22 e 1 em 33."
O outro estudo não governamental sobre estupro frequentemente citado,
o Estudo Nacional das Mulheres, foi conduzido por Dean Kilpatrick. De uma
amostra de entrevista de 4.008 mulheres, o estudo projetou que havia
683.000 estupros em 1990. Quanto à prevalência, concluiu que "nos Esta-
dos Unidos, 1 em cada 8 mulheres adultas, ou pelo menos 12,1 milhões de
mulheres americanas, foi vítima de estupro em algum momento de sua
vida".
255
garota com o dedo, contra a vontade dela, numa situação pesada de cari-
nho. Certamente, o menino se comportou mal. Mas ele é um estuprador?
Provavelmente nem ele nem sua namorada diriam isso. No entanto, a pes-
quisa classifica-o como um estuprador e ela como uma vítima de estupro.
Liguei para o Dr. Kilpatrick e perguntei sobre a quarta questão. "Bem", disse
ele, "se uma mulher for penetrada à força por um objeto como um cabo de
vassoura, chamaríamos isso de estupro".
"Eu também", eu disse. "Mas não há uma grande diferença entre ser violada
por um cabo de vassoura e ser violada por um dedo?" O dr. Kilpatrick reco-
nheceu isso: "Deveríamos ter dividido os dedos versus objetos", disse ele.
Ainda assim, ele me assegurou que a questão não afetou significativamente
o resultado. Mas eu me perguntei. O estudo encontrou uma epidemia de
estupro entre adolescentes – a faixa etária com maior probabilidade de en-
trar em situações como a que descrevi.
A preocupação mais séria é que as descobertas de Kilpatrick e muitas outras
descobertas sobre estupro variam muito, a menos que os entrevistados se-
jam explicitamente perguntados se foram estuprados. Em 1993, a Louis
Harris e Associados fez uma pesquisa por telefone e apresentou resultados
bem diferentes. Harris foi contratado pelo Fundo da Comunidade para fazer
um estudo sobre a saúde das mulheres. Como veremos, seus altos números
sobre a depressão das mulheres e o abuso psicológico cometido por ho-
mens causaram um tumulto. Mas sua descoberta sobre estupro passou to-
talmente despercebida. Entre as perguntas feitas a uma amostra populaci-
onal aleatória de 2.500 mulheres, estava: "Nos últimos cinco anos, você foi
vítima de um estupro ou agressão sexual?" 2% das entrevistadas disseram
que sim; 98% disseram que não. Como a tentativa de estupro conta como
agressão sexual, os números combinados de estupro e tentativa de estupro
seriam de 1,9 milhão ao longo de cinco anos ou 380 mil para um único ano.
Como há aproximadamente duas vezes mais tentativas de estupro do que
estupros concluídos, o número da Harris/Comunidade para estupros con-
cluídos chegaria a aproximadamente 190.000. Isso é dramaticamente me-
nor do que o achado de Kilpatrick de 683.000 estupros.
O entrevistador da Harris também fez uma pergunta sobre o estupro por
conhecidos e o estupro conjugal, que é muito parecida com a de Kilpatrick
e Koss: "No ano passado, seu parceiro tentou ou forçou você a ter relações
257
57 Segundo a Wikipédia, o termo cutting-room floor (no chão da sala de edição) é usado na indústria
cinematográfica como uma figura de linguagem referindo-se a imagens não incluídas no filme final.
Fora da indústria cinematográfica, pode referir-se a qualquer trabalho criativo não utilizado no pro-
duto final.
258
decidir se ocorreu um estupro. Como Koss, ele usou uma definição expan-
dida de estupro (ambos incluem a penetração por um dedo). A nova abor-
dagem de Kilpatrick rendeu-lhe altos números (1 em cada 8) e citações nos
principais jornais de todo o país. Seus gráficos foram reproduzidos na re-
vista Time sob o título "Relatório Inquietante sobre uma Epidemia de Estu-
pro". Agora ele compartilha com Koss a honra de ser o principal especialista
citado pela mídia, políticos e ativistas.
Há muitos pesquisadores que estudam a vitimização por estupro, mas seus
números relativamente baixos não geram manchetes. Os repórteres do
Blade entrevistaram vários estudiosos cujas descobertas sobre estupro não
foram sensacionais, mas cujos métodos de pesquisa eram sólidos e não se
baseavam em definições controversas. Eugene Kanin, professor aposen-
tado de sociologia da Universidade de Purdue e pioneiro no campo do es-
tupro por alguém conhecido, está incomodado com a intromissão da polí-
tica no campo da investigação: "Isso é um ativismo altamente complicado,
e não uma pesquisa em ciências sociais". A professora Margaret Gordon, da
Universidade de Washington, realizou um estudo em 1981 que resultou em
números relativamente baixos para o estupro (1 em cada 50). Ela fala sobre
a reação negativa às suas descobertas: "Houve alguma pressão – pelo me-
nos eu senti pressão – para que o estupro fosse o mais prevalente possível...
Eu sou uma feminista muito forte, mas uma das coisas contra a qual eu es-
tava lutando é que feministas realmente ávidas estavam tentando fazer
com que eu dissesse que as coisas eram piores do que realmente são". A
Dra. Linda George, da Universidade Duke, também encontrou taxas relati-
vamente baixas de estupro (1 em cada 17), embora ela tenha feito pergun-
tas muito próximas às de Kilpatrick. Ela disse ao Blade que
está preocupada que muitos de seus colegas tratem os altos
números como se fossem "moldados em pedra". Naomi
Breslau, diretora de pesquisa do departamento de psiquia-
tria do Centro de Ciências da Saúde Henry Ford, em Detroit,
que também encontrou números baixos, acha importante contestar a visão
popular de que números mais altos são necessariamente mais precisos. A
Dr. Breslau vê a necessidade de um programa novo e mais objetivo de pes-
quisa: "É realmente uma questão em aberto... Nós realmente não sabemos
muito sobre isso."
Alguns poucos intrépidos na academia criticaram publicamente aqueles
que proclamaram uma "crise de estupro" por exagerar irresponsavelmente
259
58 No original, date rape. Date pode ser traduzido como namoro, ou encontro, e rape como estupro. A
junção das duas palavras, no entanto, não dá o significado real da expressão. Segundo o Free Dictio-
nary by Farlex, date rape é uma forma de estupro por alguém conhecido (acquaintance rape). As duas
expressões (date rape e acquaintance rape) são frequentemente usadas de forma intercambiável, mas
o date rape refere-se especificamente a um estupro em que houve algum tipo de relacionamento
romântico ou potencialmente sexual entre as duas partes. O estupro por alguém conhecido também
inclui estupros em que a vítima e o agressor têm relações não românticas e não sexuais, por exemplo,
como trabalhadores ou vizinhos. O date rape é particularmente prevalente nos campi universitários,
onde ocorre frequentemente em situações que envolvem álcool ou outras drogas, o que pode facilitar
a execução de agressão sexual.
260
quase 30 vezes mais chance de serem estupradas do que as das áreas ricas.
Eles também descobriram que as taxas de estupro no campus eram 30 ve-
zes menores do que as taxas de estupro para a população geral de 18 a 24
anos em Toledo. A atenção e o dinheiro estão indo desproporcionalmente
para aqueles em menos risco. De acordo com os repórteres do Blade:
Em todo o país, as universidades públicas estão gastando milhões de dóla-
res por ano em programas cada vez mais numerosos para combater o estu-
pro. Vídeos, aulas de autodefesa e educadores em tempo integral são co-
muns... Mas os novos gastos ocorrem em um momento em que os progra-
mas de combate ao estupro para a comunidade – também dependentes de
impostos – estão lutando desesperadamente por dinheiro para ajudar as
populações em risco muito maior do que as estudantes universitárias.
Uma razão óbvia para essa desigualdade é que as defensoras feministas
vêm em grande parte da classe média e, portanto, exercem grande pressão
para proteger a si próprias. Para tornar suas alegações plausíveis, elas se
dramatizam como vítimas – sobreviventes ou "sobreviventes
em potencial". Outro dispositivo é expandir a definição de
estupro (como Koss e Kilpatrick fizeram). A Dra. Andrea Par-
rot, presidente da Coalizão de Defesa da Educação sobre Es-
tupro, da Universidade de Cornell, e autora de Sexual Assault
on Campus (Ataque Sexual no Campus), começa seu manual
de prevenção de estupro com as palavras: "Qualquer intercurso sexual sem
desejo mútuo é uma forma de estupro. Qualquer pessoa física ou psicolo-
gicamente pressionada a entrar em contato sexual em qualquer ocasião é
tão vítima quanto a pessoa que é atacada nas ruas" (ênfase minha). Com
essa definição, as jovens privilegiadas das faculdades do nosso país ganham
paridade moral com as vítimas reais na comunidade como um todo. O novo
conceito de estupro de Parrot também justifica os salários que estão sendo
pagos a todos os novos funcionários na florescente indústria dos estupros
por conhecidos da faculdade. Afinal, é muito mais agradável lidar com es-
tupro de um escritório em Princeton do que nas ruas do centro de Trenton.
Outra razão pela qual as universitárias obtêm uma grande parte dos recur-
sos públicos para o combate ao estupro é que o dinheiro colegiado, embora
originalmente público, é alocado pelos funcionários da faculdade. Como o
Blade aponta:
262
***
59 No original clearinghouse. Segundo o dicionário Merriam-Webster, pode ser uma dessas duas coisas:
1) um estabelecimento de banqueiros onde os cheques e contas dos bancos membros são trocados,
de modo que apenas os saldos precisam ser pagos em dinheiro. 2) uma agência ou organização que
coleta e distribui algo, especialmente informações. Pelo contexto, parece ser mais o segundo.
265
isso. Essa é a metodologia." A acusação de que Leo não acreditava nas "mu-
lheres" o silenciou, como pretendido. Mas, como vimos, acreditar no que
as mulheres realmente dizem não é precisamente a metodologia pela qual
algumas defensoras feministas obtêm suas estatísticas incendiárias.
O próximo dardo de MacKinnon foi certamente no alvo. Ela apontou que as
estatísticas que ela citou "estão começando a ser aceitas nacionalmente
pelo governo". Essa alegação não poderia ser recusada, e MacKinnon pode
ser perdoada por se gabar disso. O governo, como a mídia, está aceitando
as reivindicações feministas de gênero e está introduzindo uma legislação
cujo "propósito ... é elevar a consciência do público americano". As palavras
são de Joseph Biden, e a lei a que ele se referiu – o Ato contra a Violência
Contra a Mulher - introduz o princípio de que a violência contra a mulher é
como a violência racial, exigindo medidas civis e criminais. Assim como o
linchamento ou a queima de cruzes 60, um ato de violência de um homem
contra uma mulher pode ser enquadrado como um crime de preconceito
de gênero, sob o título 3 do projeto de lei: "As leis criminais estaduais e
federais não protegem adequadamente contra o elemento de preconceito
dos crimes motivados por gênero, que separa esses crimes de atos de vio-
lência aleatória, nem essas leis fornecem adequadamente às vítimas de cri-
mes motivados por gênero a oportunidade de reivindicar seus interesses."
Enquanto a violência comum é "aleatória", a "violência contra as mulheres"
pode ser um ato discriminatório equivalente ao ato de intolerância que dis-
crimina alguém por causa de raça ou religião.
Mary Koss e Sarah Buel foram convidadas para dar depoimento sobre o
tema da violência contra a mulher perante o Comitê Judiciário da Câmara.
As descobertas de Dean Kilpatrick foram citadas. Neil Gilbert não estava lá;
nem nenhum dos outros estudiosos entrevistados pelo Blade.
As ações judiciais que podem resultar do projeto de lei alegram o coração
das feministas de gênero. Se considerarmos que um garoto que passou dos
limites no banco traseiro de um carro pode ser processado tanto por tenta-
tiva de estupro quanto por ser um fanático de gênero que violou os direitos
60 Segundo o Free Dictionary by Farlex, a queima de cruz é uma prática amplamente associada à Ku Klux
Klan. No início do século 20, os Klan queimaram cruzes em encostas ou perto das casas daqueles que
eles queriam intimidar.
267
Times, "é uma tradição arraigada". Donaldson, que foi vítima de um estupro
na prisão há 20 anos, quando foi encarcerado por atividades antiguerra,
calculou que pode haver até 45.000 estupros todos os dias em nossa popu-
lação carcerária de 1,2 milhão de homens. O número de estupros é muito
maior do que o número de vítimas, porque com frequência os mesmos ho-
mens são atacados repetidamente. Muitos dos estupros são "gang bangs 61"
repetidos dia após dia. Como denunciar um estupro na cadeia é uma coisa
terrivelmente perigosa, esses estupros podem ser os mais subnotificados
de todos. Ninguém sabe quão precisos são os números de Donaldson. Eles
parecem incríveis para mim. Mas as atrocidades trágicas e negligenciadas
com que ele se preocupa não são do tipo que atraem doações para pesquisa
das fundações Ford ou Ms. Se ele estiver de algum modo perto da verdade,
a incidência de estupro masculino seria tão ou mais alta que a do estupro
feminino.
As feministas da equidade acham razoável abordar o problema da violência
contra as mulheres alinhando-a com as causas profundas do aumento geral
da violência e do declínio da civilidade. Considerar o estupro como um
crime de preconceito de gênero (incentivado por um patriarcado que olha
com tolerância para a vitimização das mulheres) distorce perversamente
sua verdadeira natureza. O estupro é perpetrado por criminosos, o que
equivale a dizer que é perpetrado por pessoas que costumam se gratificar
de maneira criminosa e que se importam muito pouco com o sofrimento
que infligem aos outros.
Que a maioria da violência é provocadapor homens não é novidade. Mas
muito pouco disso parece ser causado por misoginia. Este país tem uma
grande parcela de homens violentos; estatisticamente, devemos esperar
que eles se satisfaçam às custas de pessoas mais fracas que eles, homens
ou mulheres; e assim eles o fazem. As ideólogas feministas de gênero con-
fundem e alarmam o público com estatísticas infladas. E elas não provam a
alegação de que a violência contra as mulheres é sintomática de uma cul-
tura profundamente misógina.
O estupro é apenas uma variedade de crime contra a pessoa, e o estupro
de mulheres é apenas uma subvariedade. O verdadeiro desafio que enfren-
61 Acho que isso eu não preciso traduzir... Mas se você não sabe o significado, entre no Xvídeos, no Re-
dTube ou em qualquer outro site pornô da sua preferência para ver do que se trata.
269
CAPÍTULO 11
O MITO DO BACKLASH
62 Segundo a Wikipédia: a Igreja da Unificação é um novo movimento religioso, criado pelo coreano Sun
Myung Moon, conhecido como Reverendo Moon, fundado em Seul, na Coreia do Sul.
63 Segundo a Wikipédia: a Lifespring, fundada em 1974, era uma empresa privada, com fins lucrativos,
para treinamento em potencial humano da Nova Era. A Lifespring disse que mais de 400.000 pessoas
participaram de seus treinamentos.
273
64 Da Wikipédia: James Danforth "Dan" Quayle (Indianápolis, 4 de fevereiro de 1947) é um político esta-
dunidense, sendo o 44º Vice-presidente dos Estados Unidos, durante a presidência de George H. W.
Bush (1989–1993). Também foi membro da Câmara dos Representantes e do Senado pelo estado
de Indiana.
276
65 Tirado da Wikipédia: The Stepford Wives é um romance de suspense satírico de 1972 de Ira Levin. A
história diz respeito a Joanna Eberhart, uma fotógrafa e jovem mãe que começa a suspeitar que as
donas de casa assustadoramente submissas em seu novo bairro idílico de Connecticut podem ser ro-
bôs criados por seus maridos. (...) O termo "esposa de Stepford" entrou em uso comum no idioma
inglês depois da publicação do livro de Levin e geralmente é usado como um termo depreciativo que
se refere a uma esposa submissa e dócil que parece se conformar cegamente ao estereótipo de um
subserviente e antiquado papel em relação ao marido. Às vezes é usada em referência a qualquer
mulher, até mesmo uma profissional experiente, que subordinou sua vida ou carreira aos interesses
de seu marido e que afetou a submissão e a devoção a ele, mesmo diante dos problemas públicos do
marido e da desgraça.
277
***
66 Há uma expressão idiomática inglesa conhecida como “pegar a bola e correr com ela” (take the ball
and run with it), que, segundo o Cambridge Dictionary, significa “continuar uma atividade que outra
pessoa começou, muitas vezes quando essa pessoa não conseguiu finalizá-la ou fazê-la funcionar”.
Imagino que a frase do senhor Cash tenha relação com essa expressão. A bola, no caso, era a pesquisa
feita por ele.
279
res classificadas como vítimas tiveram encontros amorosos com seus "es-
tupradores" novamente. Wolf às vezes aponta para problemas reais, como
o medo esmagador de ser "não feminina", a taxa excessiva de cirurgia esté-
tica e a alta incidência de violência doméstica. Mas ela erra em atribuí-los
sistematicamente à mesma causa misógina. Os bons teóricos sociais estão
dolorosamente conscientes da complexidade dos fenômenos que procu-
ram explicar, e pesquisadores honestos tendem a desconfiar de explicações
de fator único, não importa o quão sedutoras elas pareçam ser.
A abordagem de Faludi é a do repórter investigativo empenhado em salvar
as mulheres expondo as mentiras, meias-verdades e enganos que os meios
de comunicação dominados pelos homens criaram para desmoralizar as
mulheres e mantê-las fora do local de trabalho. Seus leitores podem natu-
ralmente supor que ela mesma tomou o cuidado de ser sincera. No entanto,
não poucos críticos descobriram surpresos que o impacto do Backlash se
baseia em muitas inverdades – algumas muito mais graves do que as que
são expostas. Em sua resenha do New York Times, a jornalista e feminista
Ellen Goodman criticou suavemente Faludi por ignorar as provas que não
combinavam com seu quebra-cabeça. Mas o tom de Goodman era tão en-
tusiasmado – ela elogiou o livro por seu "estilo agudo" e meticuloso – que
poucos ouviram suas críticas. Em poucas semanas, o Backlash chegou ao
topo das listas de mais vendidos, tornando-se o livro feminista mais quente
em décadas. Faludi estava em demanda – no circuito de palestras, em
talkshows, em lojas de livro, e na mídia impressa. A mais séria crítica veio
alguns meses depois.
Em uma carta ao New York Times Book Review, Barbara Lo-
venheim, autora de Beating the Marriage Odds (Superando
as probabilidades de casamento), relatou que havia investi-
gado algumas das principais alegações de Faludi e descobriu
que elas estavam erradas. Sua carta apresentou alguns exem-
plos notáveis e concluiu que Faludi "distorce os dados, cita erroneamente
fontes primárias e comete sérios erros de omissão". Embora Lovenheim
seja uma jornalista respeitada e responsável, os editores de resenhas do
Times têm uma política de verificação de fatos de material controverso e
pediram a Lovenheim que fornecesse provas detalhadas de que suas críti-
cas a Faludi estavam bem fundamentadas. Ela concordou, e o Times dedi-
cou meia página à publicação da carta de Lovenheim. Aqui está uma parte
do argumento e das descobertas de Lovenheim.
280
Faludi escreveu: "Mulheres com menos de 35 anos agora dão à luz crianças
com síndrome de Down em uma taxa mais alta do que mulheres com mais
de 35 anos". Essa afirmação se encaixa bem com a tese central de Faludi de
que o backlash é particularmente voltado para mulheres solteiras profissio-
nalmente bem-sucedidas. Ao divulgar relatos falsos de que mulheres com
mais de 35 anos correm maior risco de ter um filho com defeitos congênitos,
o backlash busca desencorajar as mulheres e prejudicar suas carreiras, fa-
zendo com que elas se preocupem com sua decisão de retardar o parto.
Mas, diz Lovenheim, a verdade deplorável é que a idade aumenta acentua-
damente a chance de uma mulher ter um bebê com síndrome de Down. As
chances são de 1 em 1.000 para mulheres com menos de 25 anos, 1 em 400
aos 35 anos, 1 em 100 aos 40 anos, e 1 em 35 aos 44 anos. Lovenheim sali-
enta que, ao fazer sua falsa afirmação, Faludi deturpa sua própria fonte,
Working Woman (agosto de 1990). Pois o Working Woman (Mulher Traba-
lhadora) alertou suas leitoras que uma variedade de anormalidades está
associada com a idade materna, entre elas que as mulheres mais velhas
"são mais propensas a conceber fetos com defeitos cromossômicos, como
a síndrome de Down".
Uma das alegações mais sensacionais de Faludi – na abertura de seu livro –
é que há um esforço conjunto em curso para desmoralizar as mulheres
bem-sucedidas, assustando-as com uma grande escassez de homens. Faludi
nega que haja uma escassez, mas Lovenheim mostra que os fatos não a
apoiam. Embora não haja escassez de homens para mulheres na faixa dos
20 e 30, as coisas mudam quando as mulheres chegam a 30 e poucos anos.
Os dados do censo indicam que entre as idades de 35 e 44, há 84 homens
solteiros para cada 100 mulheres. Há mais de um milhão de mulheres sol-
teiras do que homens solteiros entre as idades de 35 e 54. Lovenheim
aponta que Faludi fez parecer o contrário, deixando de fora todos os soltei-
ros divorciados e viúvos.
Faludi respondeu à carta de Lovenheim duas semanas depois. Ela disse que
"deu boas-vindas" às tentativas de corrigir "pequenas imprecisões". Mas
que ela não podia "deixar de pensar nos possíveis motivos de uma pessoa
que é autora de um livro chamado Beating the Marriage Odds". Ela fez uma
tentativa de explicar sua afirmação bizarra de que mulheres mais velhas
têm uma menor incidência de filhos nascidos com síndrome de Down. A
alegação foi mal formulada, ela admitiu: ela realmente quis dizer que, uma
281
vez que mulheres com mais de 35 tendem a ser examinadas para defeitos
congênitos, muitas abortam seus fetos defeituosos, diminuindo sua taxa de
nascidos vivos para bebês com essa anormalidade. Ela deixou de acrescen-
tar que essa concessão enfraquece seu argumento maior.
Depois que a carta de Lovenheim foi publicada, críticos de várias revistas
começaram a apresentar outros erros sérios nos argumentos de Faludi. Ela
citou, por exemplo, um artigo de 1986 da revista Fortune, relatando que
muitas mulheres de sucesso estavam achando insatisfatórias as carreiras
exigentes e estavam "pulando do barco" para se adaptar ao casamento e
aos filhos. De acordo com Faludi, "A história da Fortune deixou uma impres-
são especialmente profunda e problemática em jovens aspirantes a carrei-
ras empresariais e de gestão... No ano seguinte ao artigo da Fortune falar
da tendência de "pular do barco", a proporção de mulheres matriculadas
em faculdades de administração começou a encolher - pela primeira vez em
uma década".
Em uma resenha, Gretchen Morgenson, da revista Forbes,
chamou essa tese de "interessante, mas errada". Ela es-
creveu: "Não houve encolhimento após o artigo da For-
tune. De acordo com a Assembleia Americana de Faculda-
des Colegiadas de Administração, que informa sobre o nú-
mero de graduados em faculdades de administração, a
proporção de graduados cresceu a cada ano de 1967 a
1989, os números mais recentes disponíveis".
Morgenson também esvaziou a afirmação de Faludi de que, nos anos 80,
"as mulheres estavam entrando em muitos guetos de trabalho feminino
mal remunerados". As estatísticas do Departamento de Trabalho dos Esta-
dos Unidos, ela apontou, mostram que "a porcentagem de mulheres exe-
cutivas, administradoras e gerentes entre todos os gerentes da força de tra-
balho americana subiu de 32,4% em 1983 para 41% em 1991." Morgenson
julgou o livro de Faludi "um labirinto de bobagens seguido de 80 páginas de
notas de rodapé".
282
um trabalho mais satisfatório do que o do marido. Mais uma vez, sua pro-
fessora expressou sua irritação na margem: "Como você racionalizaria o
fato de que as mulheres ganham 49% do salário dos homens em todos os
campos?"Conforme monitorado pelo Departamento de Inglês da Pensilvâ-
nia, a condição das mulheres parecia ter piorado sensivelmente em menos
de um ano!
Todos nós já vimos essas estatísticas iradas. Mas não há muita verdade ne-
las. Na maioria das medidas, os anos 80 foram uma época de conquistas
espetaculares por parte das mulheres americanas – na educação, nos salá-
rios e em profissões tradicionalmente masculinas como negócios, direito e
medicina. A feminista de gênero não reconhecerá nada disso. De acordo
com Susan Faludi, os anos 80 foram a década do backlash, em que os ho-
mens conseguiram recuperar muitos dos ganhos tirados deles nas décadas
anteriores. Essa visão, inconvenientemente, não se enquadra nos fatos.
Uma vez que qualquer crítica à alegação de Faludi de um backlash contra
os salários pode ser interpretada como apenas mais um sintoma de bac-
klash, deve-se agradecer aos editores da seção de negócios do New York
Times por desafiar a ira das ideólogas feministas ao apresentar um relato
objetivo de como o cenário econômico afeta as mulheres.
Pesquisando vários relatos de mulheres economistas so-
bre os ganhos de mulheres na década de 1980, a colunista
de negócios do New York Times Sylvia Nasar rejeitou a
tese de Faludi. Ela apontou para a existência de massas de
dados empíricos mostrando que "Longe de perder ter-
reno, as mulheres ganharam mais nos anos 80 do que em toda a era pós-
guerra anterior. E quase tanto quanto entre 1890 e 1980".
Hoje, mais do que nunca, a posição econômica depende da educação. Em
1970, 41% dos estudantes universitários eram mulheres; em 1979, 50%
eram mulheres; e em 1992, 55% eram mulheres. Em 1970, 5% dos diplomas
dos cursos de Direito foram concedidos às mulheres. Em 1989, o número
era de 41%; em 1991, era de 43% e, desde então, subiu. Em 1970, as mu-
lheres ganhavam 8% dos diplomas do curso de Medicina. Isso aumentou
para 33% em 1989; em 1991, era de 36%. Os grandes avanços na educação
refletem-se no progresso acelerado das profissões e negócios. Diane Ravi-
tch, pesquisadora do Brookings Institution, relata que as mulheres fizeram
285
67 Devido ao corte feito pela Hoff Sommers, a citação ficou sem sentido. Mas, no Blacklash, da Faludi,
pouco antes desse trecho, há a informação de que um relatório do Censo americano de 1986 desco-
briu que as mulheres estavam ganhando 64 centavos para cada dólar ganho pelos homens. Mas os
dados desse relatório não eram de 1986, mas “de outro ano”. Isso explicaria a referência a “cinco anos
antes”.
287
Isso não quer dizer que não há espaço para melhorias. Um caso óbvio é o
fracasso da universidade moderna em ajustar seu sistema de cátedras ao
crescente número de mulheres que ingressam em carreiras acadêmicas.
Uma vez que todos os novos professores são obrigados a "publicar ou pe-
recer" nos primeiros seis anos de sua carreira, o relógio de cátedra bate
exatamente no mesmo ritmo que o relógio biológico das jovens mulheres.
Ajustes são necessários, pois esse estado de coisas afeta seriamente a igual-
dade de oportunidades. É importante notar, no entanto, que o lento ajuste
das universidades à mudança de circunstâncias é, pelo menos em parte,
porque são instituições públicas ou sem fins lucrativos que estão isoladas
do mercado. O setor privado, sem dúvida, tem sido mais criativo no que diz
respeito a horários flexíveis, creches no local e opções de trabalho em casa,
e é provável que evolua ainda mais – pelo imperativo econômico, e não
pelo tipo de intrusão governamental favorecida pelos guerreiros de gênero.
A geralmente sóbria profissão econômica também tem algu-
mas de suas próprias feministas de gênero. Uma de seus ex-
poentes mais proeminentes é Barbara Bergmann, profes-
sora de economia da Universidade Americana, que alega
"discriminação generalizada, severa e contínua por empre-
gadores e colegas de trabalho". Recentemente, a professora
Bergmann surpreendeu algumas de suas colegas feministas (e não feminis-
tas) ao se opor a uma proposta de longa data para incluir o valor da ativi-
dade de não remunerada, como o trabalho doméstico e o cuidado infantil,
nos números oficiais do produto interno bruto (PIB). Sua razão foi revela-
dora: "Parte do motivo [da proposta] é dar alguma dignidade à posição das
donas de casa. O que eu acho que o feminismo deve fazer é tirar as mulhe-
res do caminho da dona de casa". A professora Bergmann propôs que todos
os candidatos a cargos na Associação Econômica Americana sejam questio-
nados sobre "suas filiações em organizações feministas e antifeministas".
Ela não especificou quais organizações "antifeministas" ela tinha em mente,
mas o tom de sua proposta é particularmente perturbador porque ela foi
recentemente presidente da Associação Americana de Professores Univer-
sitários.
Como Nasar nos lembra, as mulheres ainda não atingiram a paridade. No
entanto, o copo está pelo menos 3/4 cheio e ficando mais cheio. Alguém
290
***
68 Segundo o próprio site da instituição, o seu objetivo é “preparar as garotas para uma vida inteira de
liderança - desde fazer uma caminhada noturna sob as estrelas até aceitar uma missão na Estação
Espacial Internacional; desde fazer lobby no conselho da cidade com sua tropa até ocupar um assento
no Congresso; desde gerir o seu próprio negócio de cookies hoje até lidar com cibersegurança ama-
nhã”. Ora, uma vez que esses objetivos se harmonizam com o ideário de empoderamento do femi-
nismo, devo imaginar que a Girl Scout faz o contrário do que promete.
69 Segundo a Wikipédia, as ligas juniores, que existem no Canadá, México, Reino Unido e Estados Unidos,
“são organizações de mulheres educacionais e de caridade destinadas a melhorar suas comunidades
através do voluntariado e da construção de habilidades de liderança cívica de seus membros por meio
de treinamento”.
291
70 Segundo a Wikipédia: de acordo com o escritor norte-americano Paul Dickson (1972), think tanks po-
dem ser chamados de fábricas de ideias. Também podem ser traduzidos como círculo de refle-
xão ou laboratório de ideias. Think, na língua inglesa, pode ser traduzido como ‘pensar’; já a pala-
vra tank significa ‘tanque’, ‘reservatório’.
293
particular, Susan Faludi agora irá classificá-la como apenas outra agente do
backlash.
Barbara Walters havia achado a tese do mito da beleza de
Naomi Wolfs sobre a miséria secreta das profissionais bem-
sucedidas ofensiva e absurda. Kathleen Gilles Seidel, escri-
tora de best-sellers e ávida leitora de novelas românticas,
ficou ofendida com a análise de Kay Mussell, acadêmica fe-
minista da Universidade Americana, sobre as mulheres que
gostam de ler esse tipo de literatura 71. Mussell descreve as leitoras de ro-
mance como mulheres infelizes que buscam escapar de sua própria "impo-
tência, da ausência de sentido e da falta de autoestima e identidade". Seidel
acha isso arrogantemente errado:
Sou leitora de novelas românticas e me oponho fortemente a qualquer um
que descreva minha vida nesses termos. Eu tenho meus momentos de insa-
tisfação, claro, mas tenho poder e significado, não sofro de falta de autoes-
tima ou identidade. Eu concordo que nem todas as mulheres têm salas de
estar com janela decorada das quais elas gostam tanto quanto eu gosto da
minha, ou uma mãe como a minha ou um trabalho sobre o qual elas se sen-
tem como eu me sinto em relação ao meu, mas eu acho que é possível para
as mulheres encontrar contentamento, satisfação, paz e felicidade dentro
de nossa cultura, e acredito que muitas delas estão fazendo um bom traba-
lho.
Não é difícil imaginar como as feministas foucaultianas ex-
plicariam o entusiasmo de Kathleen Gilles Seidel pela sua
janela decorada – ou sua visão otimista sobre a vida de ou-
tras mulheres americanas. Para elas, é um princípio de fé
que a vida das mulheres sob o patriarcado é de silencioso
desespero. Mas quando perguntadas, a maioria das mulhe-
res parece concordar com a Sra. Seidel.
Ocasionalmente, um estudo destinado a documentar as desgraças das mu-
lheres americanas revela inadvertidamente dados que sugerem que a mai-
oria das mulheres americanas está curtindo a vida. Um caso interessante é
o estudo já mencionado sobre os problemas das mulheres, encomendado
71 Segundo a Wikipédia, “romances deste tipo colocam seu foco principal no relacionamento e amor
romântico entre duas pessoas, e devem ter um ‘final emocionalmente satisfatório e otimista’”.
295
A grande maioria das mulheres (82%) afirmou que "curtia a vida a maior
parte do tempo". A mesma pequena proporção (5% de homens e mulheres)
disseram que ficavam deprimidos a maior parte da semana. Que muitas
mulheres americanas estejam curtindo a vida pode não ser interessante. Eis
a forma surpreendente como o Fundo da Comunidade e a Harris e Associa-
dos resumiram os resultados do questionário em seu comunicado à im-
prensa: "Os resultados da pesquisa indicam que a depressão e a baixa au-
toestima são problemas persistentes para as mulheres americanas. 40% das
mulheres pesquisadas relataram estar severamente deprimidas na semana
passada, em comparação com 26% dos homens".
Chegou-se a essa conclusão pela maneira como a pesquisa Harris interpre-
tou as respostas às seis perguntas. O relatório da pesquisa representou esse
resultado graficamente:
296
questionados: "Considerado tudo, quão satisfeito você está com a sua vida
hoje em dia?" Aqui estão os resultados percentuais:
Homens Mulheres
55 Muito satisfeito 54
38 De certa forma satisfeito 40
4 Não muito satisfeito 4
2 Nada satisfeito 2
1 Não tenho certeza 1
72 Segundo o Free Dictionary by Farlex, “os baby boomers são o grupo demográfico nascido durante a
explosão demográfica após a Segunda Guerra Mundial, aproximadamente entre os anos de 1946 e
1964.
300
Eu lhe disse que a nota de rodapé a que ela se referia não constava do re-
latório do Fundo da Comunidade. Em nenhum lugar havia qualquer menção
pública de que "depressão severa" não deveria ser lida literalmente. Ela
concordou que as respostas reais não foram úteis para determinar a preva-
lência de depressão clínica, mas mostraram que mais mulheres estão depri-
midas do que os homens. "Se você está interessado em diferenças de gê-
nero, você pode usar essas descobertas."
Perguntei-lhe sobre as ideias que a orientaram na concepção e interpreta-
ção do questionário. Ela me disse que estava muito preocupada que o es-
tudo da Harris não fosse apenas mais um estudo que refletisse "normas
masculinas brancas" de pesquisa. Ela queria evitar o habitual preconceito
"falocêntrico". Ela disse: "Eu não estou realmente interessada na teoria fa-
locêntrica. Muito da psicologia é baseada no fato de que os homens estão
reprimindo as mulheres. Eu não posso lidar com isso. A maioria das teorias
tradicionais é baseada em normas masculinas brancas".
Ela havia escrito sua tese de mestrado no Programa de Pesquisa Social da
Faculdade Hunter. Seu tema era "teorias sociais feministas do eu" e sua
pesquisa analisou as idéias de Carol Gilligan. Ela acha Gil-
ligan inadequada porque "Gilligan ainda está fundamen-
tada na teoria psicológica masculina". Hoeffler me disse
que a teóloga feminista radical Mary Daly foi uma influên-
cia mais direta em seu trabalho. Outra influência foi o Mo-
dos das Mulheres de Conhecer, o livro que introduziu a dú-
bia distinção epistemológica entre "conhecedores conectados" (mulheres)
e "conhecedores separados" (homens).
A Sra. Hoeffler me disse que seu trabalho como investigadora principal da
Harris e Associados lhe proporcionou uma oportunidade única de imple-
mentar suas ideias. "Não é todo mundo que pode aplicar o que escreveu
em sua dissertação de mestrado. Tive sorte." Perguntei-lhe se o seu contri-
buto tinha sido um fator importante no produto final, ao que ela respon-
deu: "Eu entrei em algumas coisas, mas menos do que eu poderia ter feito".
"Quão aberto foi o presidente da Harris e Associados, Humphrey Taylor, a
suas idéias?", eu perguntei:
Humphrey estava em sintonia com as coisas feministas quando eu estava
lá. No decorrer deste projeto, ele se tornou mais consciente... Mas eu não
tento reeducar os homens. Eu falo em sua língua. Você tem que falar em
303
linguagem masculina. Você diz: nós devemos fazer este levantamento por-
que é um tema quente e vai dar dinheiro, não que devemos fazer isso porque
é a coisa certa a fazer.
Perguntei a ela se existem outras organizações de pesquisa nas quais ativis-
tas feministas são influentes. Ela disse: "Oh sim. Greenberg-Lake". O leitor
se lembrará de que a AAUW usou a Greenberg-Lake como agência de pes-
quisa para estudar a autoestima dos adolescentes. Surgiu a estatística dra-
mática e imprecisa de que as alunas experimentam uma "queda de 31 pon-
tos na autoestima".
Hoeffler continuou dizendo que, com o aumento do número de feministas
que estão fazendo pesquisas, ela espera que mais sondagens e pesquisas
reflitam a nova consciência. "Estamos atingindo o momento de pico. A po-
lítica de um pesquisador está sempre na pesquisa. Nós [as pesquisadoras
feministas] equilibramos o jogo". Como ela considera a maior parte das pes-
quisas politicamente enviesadas contra as mulheres, ela viu poucos motivos
para se desculpar pelo seu viés feminista.
Então ela trouxe Foucault. Ela achava que a maioria dos pesquisadores do
sexo masculino era extremamente ignorante. Foucault a ajudou a entender
por que "aqueles que são subjugados e marginalizados estão posicionados
para ver a situação com mais clareza". "Foucault é ótimo", concluiu, e afir-
mou que suas teorias "influenciaram minha participação na Harris en-
quanto eu estava lá".
Eu examinei duas áreas da pesquisa de saúde feminina – aquelas sobre
abuso psicológico e depressão. Ambas revelaram falhas graves e uma incli-
nação ideológica pronunciada. Pode haver problemas com outras partes da
pesquisa. O Fundo da Comunidade – uma das fundações mais antigas dos
Estados Unidos, com uma dotação de US $ 340 milhões – sabia que um es-
tudo encomendado a um instituto de pesquisa renomado e de longa data
usaria uma pesquisadora ginocêntrica que tentasse evitar métodos "fa-
locêntricos"?
Mas talvez o Fundo da Comunidade não seja contra a
fraude. Ellen Futter, presidente da Faculdade Barnard, é
presidente da Comissão de Saúde da Mulher do Fundo da
Comunidade, que patrocinou a pesquisa da Harris. Ela está
304
***
Hoeffler tinha visto com sucesso que o relatório Harris não era apenas outro
estudo aplicando "normas masculinas brancas" de pesquisa. Donna Shalala
identificou essa característica do relatório e a elogiou como uma virtude
distintiva. É de se esperar que seu comentário de que a pesquisa do "ho-
mem branco" tenha prevalecido "por muito tempo" não represente um jul-
gamento ponderado. Porque, ao contrário de Hoeffler, uma ideológica sra.
Shalala não seria uma figurante no jogo de misandria que as fanáticas do
feminismo de gênero estão jogando. O profissionalismo da pesquisa ameri-
cana é um recurso nacional enorme e precioso. E Shalala lidera um depar-
tamento cujos gastos são quase o dobro dos gastos do Departamento de
Defesa.
Robert Reich, o secretário de trabalho dos EUA, escreveu
uma sinopse para o Backlash descrevendo-o como "fasci-
nante e assustador... um alerta para os homens bem como
para as mulheres que estão lutando para construir uma so-
ciedade que respeite as questões de gênero". Podemos
apenas esperar, novamente, que Reich tenha ficado fasci-
nado demais para ler o Backlash com uma mente criteriosa. O que é mais
alarmante do que qualquer coisa que Faludi tenha a dizer sobre uma guerra
não declarada contra as mulheres americanas é a credulidade que encon-
trou em altos funcionários públicos em cujo julgamento devemos confiar.
305
CAPÍTULO 12
AS VIGILANTES DE GÊNERO
Às vezes, é dito que as feministas não têm senso de humor. Ainda assim,
existem algumas situações, não engraçadas para a maioria das mulheres,
que as feministas de gênero parecem achar muito divertidas.
Cerca de mil feministas estiveram presentes na 92nd Street
Y de Manhattan, no Dia das Mães de 1992, para ouvir um
debate entre Susan Faludi e o colunista da Playboy Asa Ba-
ber. Baber abriu sua palestra observando que, no Dia das
Mães, as linhas telefônicas nos Estados Unidos estão con-
gestionadas porque todos estão tentando ligar para casa
para conversar com as mães. No dia dos pais, as linhas são gratuitas. "Te-
mos que perguntar por que há muito menos interesse nos pais", disse Ba-
ber.
As mulheres reunidas, a maioria fãs de Faludi, acharam isso hilariante. "Isso
derrubou a casa", disse Baber. "No começo, eu não entendi. Eu pensei que
minha mosca estava aberta 74." Mas então ele entendeu e disse: "Se você
acha isso engraçado, você vai pensar que isso é motivo de riso: acho que o
fato de nossos pais estarem tão fora do circuito é uma grande tragédia em
nossa cultura".
Baber tinha dado um passo em falso, e desta vez ele não fez ninguém rir.
Um público indignado o vaiou. Mais tarde, quando ele foi perguntado se
74 No English Language e Usage, há a seguitne explicação para isto: “Aparentemente, quando um cava-
lheiro se esquece de fechar as calças, nos EUA eles o lembram assim: ‘Sua mosca está aberta’”.
306
isso era porque as suas apupadoras acreditavam que os homens eram inú-
teis, irrelevantes e potencialmente perigosos, Baber respondeu: "Você en-
tendeu". Para elas, ele parecia ser apenas mais um patriarca exigindo ho-
menagens.
A atmosfera de zombaria e vaias em que Baber se encontrava era familiar
para mim. Eu a encontrei nos "espaços seguros", onde as feministas de gê-
nero se reúnem para contar histórias descrevendo como uma irmã havia
derrotado um homem que não fazia ideia de quão ofensivo ele era (lembre-
se do "Cale a boca, seu filho da puta ", com o qual uma partidária havia
esmagado um desavisado crítico em uma sala de aula feminista. Eu ouvi isso
na risada apreciativa da plateia quando acadêmicas feministas relataram
como elas haviam jogado com a culpa liberal da faculdade para conseguir
fazer seus projetos serem aprovados. Baber estava no acampamento do ini-
migo, e qualquer coisa que ele dissesse seria considerado ofensivo ou, se
tivesse sorte, risível.
O escárnio das mulheres que estavam vaiando Baber foi seguramente diri-
gido aos "homens". É preciso imaginar o que o público de Baber faria dos
milhões de mulheres que ainda cumprem as amenidades do Dia dos Pais.
Tão decididas são as feministas de gênero que condenam o "patriarcado"
que raramente deixam transparecer como elas se sentem em relação às
mulheres que celebram o dia. No entanto, não é difícil ver que, ao zombar
de Baber, eles também estavam zombando da maioria das mulheres ame-
ricanas.
Esse é o paradoxo corrosivo da postura misândrica do feminismo de gênero:
nenhum grupo de mulheres pode travar uma guerra contra os homens sem,
ao mesmo tempo, denegrir as mulheres que respeitam esses homens. Não
é possível incriminar homens sem implicar que um grande número de mu-
lheres são tolas ou coisa pior. Outros grupos tiveram seus inimigos oficiais
– trabalhadores contra capitalistas, brancos contra negros, hindus contra
muçulmanos – e por um tempo tais inimizades podem ser estáveis. Mas
quando as mulheres se colocam contra os homens, elas simultaneamente
se colocam contra outras mulheres em um antagonismo de grupo que é
insustentável desde o início. No final, a feminista de gênero é sempre for-
çada a mostrar sua decepção e aborrecimento com as mulheres que podem
ser encontradas no campo do inimigo. A misandria evolui para a misoginia.
307
75 Personagem do livro E o vento levou, de Margareth Mitchell. No cinema, foi interpretado por Clarck
Gable.
308
deve ser trocada por uma em que tomamos o poder do Estado e o reedu-
camos". Bartky, no entanto, não defende medidas autoritárias para prote-
ger as mulheres de valores e preferências incorretos moldados pelos "mes-
tres da sociedade patriarcal". Ela aponta que, no momento, não sabemos
como "descolonizar a imaginação". Ela adverte que "renovar" os desejos e
"trocar" as fantasias populares pode ter de esperar pelo dia em que as teó-
ricas feministas desenvolverem uma "teoria adequada da sexualidade". Em
sua visão feminista apocalíptica, homens e mulheres podem um dia ser ra-
dicalmente reconstruídos. Teremos aprendido a preferir o modo "certo" de
viver.
Embora possam discordar politicamente sobre quais medidas tomar contra
as mulheres que fazem as escolhas erradas, de Beauvoir e suas últimas des-
cendentes compartilham uma postura comum: elas condescendem, apadri-
nham e compadecem-se das mulheres ignorantes que, por terem sido "so-
cializadas" no sistema sexo/gênero, não podem deixar de querer as coisas
erradas da vida. Seu desdém pelas infelizes vítimas do patriarcado é rara-
mente reconhecido. Quando as feministas falam de uma nova sociedade e
de como as pessoas devem ser mudadas, elas invariavelmente têm em
mente os homens que exploram e abusam das mulheres. Mas não é difícil
ver que elas consideram a maioria das mulheres como joguetes dos ho-
mens.
Considere como Naomi Wolf (em O Mito da Beleza) considera os 8 milhões
de mulheres americanas membros dos Vigilantes do Peso – como cultistas
que precisam se desprogramar. A maioria das feministas de gênero pode
não estar pronta para defender a coerção de mulheres de baixa consciência
feminista, mas elas são muito a favor de um esforço massivo e concentrado
para submeter os desejos, as aspirações e os valores das
mulheres americanas a uma completa reformulação. Como
diz a filósofa feminista Alison Jaggar: "Se os desejos e inte-
resses individuais são socialmente constituídos... a autori-
dade final do julgamento individual entra em questão. Tal-
vez as pessoas possam estar erradas sobre a verdade, a
moralidade ou até mesmo sobre seus próprios interesses; talvez elas pos-
sam sistematicamente se autoenganar”. Note que Jaggar explicitamente
despreza o princípio liberal tradicional de que os muitos juízos e preferên-
cias individuais são a autoridade final. Eu acho isso uma doutrina assusta-
dora: quando as pessoas se autoenganam sistematicamente, a autoridade
309
final deve ser concedida a uma vanguarda que desmascara sua autoilusão.
Como diz Jaggar: "Certas circunstâncias históricas permitem que grupos es-
pecíficos de mulheres possam transcender, pelo menos parcialmente, as
percepções e construções teóricas da dominação masculina." São essas mu-
lheres de alta consciência feminista que "inspiram e guiam as mulheres em
uma luta pela mudança social".
O respeito pelas preferências das pessoas é geralmente considerado funda-
mental para a democracia. Mas as ideólogas encontram maneiras de negar
esse princípio. A feminista de gênero que afirma representar os verdadeiros
interesses das mulheres está convencida de que ela entende profunda-
mente sua situação e, portanto, está em uma posição excepcional para co-
nhecer seus verdadeiros interesses. Na prática, isso significa
que ela está preparada para rejeitar as preferências popula-
res de maneira antiliberal. Para justificar isso, a filósofa fe-
minista Marilyn Friedman argumenta que as preferências
populares são frequentemente "inautênticas" e que até os
liberais estão cientes disso:
As feministas liberais podem facilmente juntar-se a outras feministas ao re-
conhecer que a democracia política por si só é insuficiente para garantir que
as preferências sejam formadas sem coerção, constrangimento, restrição
indevida de opções e assim por diante. As condições sociais, culturais e eco-
nômicas são tão importantes quanto as condições políticas, se não mais,
para garantir que as preferências sejam, em algum sentido importante, au-
tênticas.
Friedman está completamente errada em suas suposições: qualquer um,
liberal ou conservador, que acredite na democracia sentirá o perigo que
elas representam. Quem irá "garantir" que as preferências são "autênti-
cas"? Que intervenções na democracia política Friedman tem em mente?
Uma emenda constitucional para fornecer campos de reeducação para ho-
mens e mulheres de falsa consciência? Ela está preparada para seguir o ca-
minho autoritário indicado por Beauvoir?
A feminista que pensa que a democracia é insuficiente acredita que as mu-
lheres americanas aparentemente livres e esclarecidas têm valores e dese-
jos que, sem o conhecimento delas, estão sendo manipulados por um sis-
tema destinado a manter a mulher subjugada aos homens. O romance, uma
das principais causas de deserção do enclave ginocêntrico, é sempre um
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Harriet Taylor, com razão, temiam que tal ensinamento estivesse ajudando
a perpetuar as desigualdades. Sob tais circunstâncias, a democracia política
aplicava-se apenas minimamente às mulheres. Por isso elas não votavam,
suas preferências não estavam em jogo, e a questão de quão autênticas
eram suas preferências era importante na medida em que afetava sua ca-
pacidade de lutar pelos direitos que lhes estavam sendo tomados.
Mas as mulheres não são mais marginalizadas e suas preferências estão
sendo levadas em conta. E nem agora elas são ensinadas que são subordi-
nadas ou que um papel subordinado para elas é adequado e apropriado.
Quais mulheres na história foram mais bem informadas e mais conscientes
de seus direitos e opções? Como as mulheres hoje em dia não podem mais
ser vistas como vítimas de doutrinação antidemocrática, devemos conside-
rar suas preferências como "autênticas". Qualquer outra atitude em relação
às mulheres americanas é inaceitavelmente paternalista e profundamente
iliberal.
***
***
Mas é claro que não são apenas as religiosas que rejeitam a perspectiva
feminista de gênero. Uma clara maioria das mulheres americanas seculares
desfruta de muitos aspectos de "la différence". Muitas querem coisas das
quais as feministas de gênero estão tentando libertá-las, sejam casamentos
e famílias convencionais, ou modas e maquiagem que às vezes as transfor-
mam em "objetos sexuais". Essas feministas estão desconfortavelmente
conscientes de que não estão alcançando essas mulheres; mas, em vez de
se perguntarem o que estão fazendo de errado, recorrem à teoria da falsa
consciência, que contém uma petição de princípio 77, para explicar a indife-
rença em massa das mulheres que desejam salvar.
As feministas de gênero querem salvar as mulheres – de si mesmas. A falsa
consciência é considerada endêmica no patriarcado. E toda feminista tem
sua teoria. As feministas que se especializam na teoria da consciência femi-
nista falam sobre mecanismos pelos quais "o patriarcado invade os recan-
tos íntimos da personalidade, onde ele pode enfraquecer e mutilar o espí-
77 Uma falácia em que a conclusão é dada na premissa. Ou seja, você presume como verdadeiro aquilo
que deseja provar. Neste blogue, você encontra uma boa explicação sobre esta falácia. <http://aqui-
temfilosofiasim.blogspot.com/2007/03/petio-de-princpio-e-tautologia.html>.
314
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78 Tirado da Wikipédia: Richard Franklin Speck (Kirkwood, 6 de dezembro de 1941 - Joliet, 5 de dezem-
bro de 1991) foi um assassino em massa e estuprador norte-americano que aos 24 anos, invadiu uma
casa em Chicago, em 1966, e matou oito enfermeiras com estrangulamento e com facadas.
315
por que ela havia escrito a carta. No começo, ela negou ter pedido a eles
que suprimissem meu artigo, alegando que ela só havia solicitado que meu
artigo fosse acompanhado por outro, dando um ponto de vista diferente.
Mas quando o repórter da Chronicle apontou que ele tinha uma cópia da
carta e que não continha tal pedido, ela confessadamente admitiu ter ten-
tado censurar o artigo: "Eu não gostaria de ver um maluco que acha que
não houve Holocausto escrevendo sobre o Holocausto. Os editores exerci-
tam a discrição. Não pedir a alguém que escreva um artigo não é censura,
é discrição."
Inadvertidamente, Bartky conseguiu o que queria. Quando o assunto foi re-
solvido, a Atlantic passou a outras questões. O editor Michael Curtis disse a
Chronicle que estava envergonhado pelo artigo não ter sido publicado. O
repórter da Chronicle perguntou o que ele achava da carta de Bartky. "Pa-
receu confirmar alguns dos aspectos mais sombrios do artigo da Sra. Som-
mers, que apontou a extensão extraordinária com que algumas das mulhe-
res estavam preparadas para moldar toda discussão na qual elas tinham
interesse", respondeu ele.
Rhett Butler continua a despertar ressentimento nas feministas de gênero.
Naomi Wolf, pelo menos em sua encarnação anterior, gostava de explicar
ao público como as mulheres cooperam em sua própria degradação.
Quando perguntada por que as mulheres gostavam da "cena do estupro"
em E o vento levou, Wolf respondeu que elas haviam sido "treinadas" para
aceitar esse tipo de tratamento e assim cresceram: "Não é surpresa que,
após décadas sendo expostas a uma cultura que consistentemente erotiza
a violência contra as mulheres, as mulheres também costumem internalizar
seu próprio treinamento".
Não posso deixar de me divertir com o quanto as Novas Feministas se irri-
tam com o prazer vicário que as mulheres experimentam nos êxtases de
Scarlett. Todo aquele desmaio incorreto! Como vamos conseguir que as
mulheres vejam como isso está errado? Não obstante, as feministas de gê-
nero parecem acreditar que daqui a 30 anos, com a academia transformada
e a consciência feminista da população elevada, haverá um novo Zeitgeist.
As mulheres que interpretam a dominação sexual como prazerosa serão
então poucas e distantes entre si, e Scarlett, infelizmente, estará fora de
moda.
317
Este cenário está fora de questão? Eu acho que sim. A sexualidade sempre
fez parte de nossa natureza e não há um caminho certo. Homens como
Rhett Butler continuarão a fascinar muitas mulheres. Nem a doutrina de
que isso as rebaixa tem muito efeito. Quantas mulheres que gostam de ti-
pos como Rhett Butler estão em busca de grupos de apoio para ajudá-las a
mudar? Tais mulheres não são gratas às feministas de gênero por irem à
guerra contra a luxúria masculina. Podem até ficar ofendidas com a suges-
tão de que elas estão sendo degradadas e humilhadas; pois isso trata seu
prazer como patológico.
Defender as mulheres que apreciam a ideia de ser dominadas por um ho-
mem não é o mesmo que defender qualquer tipo específico de fantasia ou
preferência sexual. Fantasias de dominação feminina também são popula-
res. As mulheres são claramente capazes de tratar os homens como "obje-
tos sexuais" com um entusiasmo igual e, em alguns casos, superior ao dos
homens para tratar as mulheres como tais. Shows de strip masculino pare-
cem ser tão populares quanto as festas da Tupperware.
A feminista dissidente Camille Paglia usa o termo "voyeurs pagãos " para
aqueles que assistem publicamente a homens ou mulheres como objetos
sexuais. Ela não tem desavença com os voyeurs masculinos, mas ela positi-
vamente aplaude as fêmeas. "As mulheres estão ficando mais honestas so-
bre a forma maliciosa como olham para os homens. Finalmente, estamos
chegando a algum lugar."
Se Paglia estiver certa, a liberação sexual pode não estar indo na direção de
eliminar o Outro como um objeto sexual; em vez disso, pode estar indo na
direção de encorajar as mulheres a objetificarem o homem como Outro
também. Tal desenvolvimento certamente estaria muito distante da Utopia
feminista de gênero descrita pela filósofa da Universidade de Massachu-
setts Ann Ferguson:
Com a eliminação dos papéis sexuais e o desaparecimento, em um mundo
superpovoado, de qualquer necessidade biológica de sexo associado à pro-
criação, não haveria razão para que tal sociedade não pudesse transcender
o gênero sexual. Não importaria mais o sexo biológico que os indivíduos te-
riam. Os relacionamentos amorosos e as relações sexuais que se desenvol-
veriam a partir deles se baseariam na união individual de seres humanos
andróginos.
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79 É um tipo de sapato ou sandália com uma sola cheia de cortiça e uma parte superior de couro grossa.
Pelo que vi da sandália, seu uso parece ser estimulado pelas feminsitas de gênero porque, sendo ela
muito feia, funcionaria como um repelente sexual. Clique aqui para ver o que é: https://www.goo-
gle.com/search?q=Birkenstock&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0ahUKEwjW-L7incLbAhWJk-
pAKHehQDBoQ_AUIDCgD#imgrc=ONcnw96eImDi6M.
80 Segundo a Wikipédia: a L.L.Bean é uma empresa americana de varejo de capital fechado fundada em
1912 por Leon Leonwood Bean. A empresa está sediada em Freeport, Maine, Estados Unidos. É espe-
cializada em roupas e equipamentos de recreação ao ar livre.
81 Segundo a Wikipédia: a palavra womyn é uma das várias grafias alternativas da palavra inglesa women,
usada por algumas feministas. Existem outras grafias, incluindo womban ou womon (singular) e
wimmin (plural). Alguns escritores que usam tais grafias alternativas, evitando o sufixo "man" ou
"men", os veem como uma expressão da independência feminina e um repúdio às tradições que defi-
nem as mulheres por referência a uma norma masculina.
319
para a revisão dos desejos estão em vigor, o que impediria a sua implanta-
ção por novos grupos que têm concepções diferentes sobre o que é sexual-
mente correto e incorreto? Tendo tomado o poder do Estado, alguma fac-
ção zelosa teria à disposição o aparato necessário para reeducar as pessoas
à sua ideia do que é "autêntico", não apenas sexual, mas política e cultural-
mente.
Até agora, os esforços para conseguir que as mulheres revisem suas fanta-
sias e desejos não são coercitivos, mas não parecem ter sido particular-
mente eficazes. Para obter os resultados desejados, as fe-
ministas de gênero voltaram sua atenção para a arte e a li-
teratura, onde as fantasias são fabricadas e reforçadas. Ms.
Friedman chama nossa atenção para a reescrita feminista
de Angela Carter da cena "depois da manhã" em E o Vento
Levou: "Scarlett está na cama sorrindo na manhã seguinte
porque ela quebrou as rótulas de Rhett na noite anterior. E
a razão pela qual ele desapareceu antes de ela despertar foi porque ele foi
para a Europa visitar um bom especialista em rótulas."
Isso é divertido, mas naturalmente o ponto é sério. As feministas de gênero
acreditam que Margaret Mitchell entendeu errado. Se Mitchell tivesse en-
tendido melhor como fazer uma verdadeira heroína de Scarlett, ela a teria
feito diferente. Scarlett, então, teria sido o tipo de pessoa que veria clara-
mente que Rhett deveria ser severamente punido pelo que infligira a ela na
noite anterior. Mais genericamente, as feministas de gênero acreditam que
devem refutar e substituir a ficção que glorifica os homens dominantes e as
mulheres que os consideram atraentes. Essa literatura popular, que "ero-
tiza" a dominação masculina, deve ser combatida e, se possível, erradicada.
Além disso, o establishment feminista deve buscar maneiras de fomentar a
popularidade de um novo gênero de filme e ficção romântica que envie uma
mensagem mais edificante para os homens e as mulheres da América. Um
livro didático amplamente usado nos dá uma boa idéia do que essa mensa-
gem deve ser:
Os enredos para filmes não sexistas podem incluir mulheres em empregos
tradicionalmente masculinos (por exemplo, motorista de caminhão de
longa distância)... Por exemplo, uma oficial do Exército de alto escalão, tra-
tada com respeito por homens e mulheres, poderia ser mostrada não ape-
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nas em vários encontros sexuais com outras pessoas, mas também reali-
zando seu trabalho de maneira humana. Ou talvez o personagem principal
pudesse ser uma urologista feminina. Ela poderia interagir com enfermeiras
e outros profissionais de saúde, diagnosticar doenças de forma brilhante e
tratar pacientes com grande simpatia, bem como fazer sexo com eles.
Quando a oficial do Exército ou a urologista se envolverem em atividades
sexuais, elas tratarão seus parceiros e serão tratadas por eles de algumas
das maneiras consideradas descritas acima.
A motorista de caminhão e a urologista devem ser modelos de comporta-
mento sérios para a mulher feminista livre, humana, francamente sexual,
mas sem discriminar qualquer gênero em suas preferências por parceiros,
sendo tão compreensiva que todos a respeitarão. Esses modelos são proje-
tados na esperança de que, algum dia, filmes e romances com temas e he-
roínas sejam preferidos, substituindo os romances "incorretos" atualmente
populares por um ideal mais aceitável.
Parece uma esperança inútil. Talvez a melhor maneira de ver o que as femi-
nistas de gênero estão enfrentando é comparar sua versão de romance com
a que é incorporada nos romances de ficção contemporâneos que vendem
milhões. Eis um exemplo típico:
Os moradores da cidade o chamavam de diabo. O sombrio e enigmático Ju-
liano, conde de Ravenwood, era um homem com um temperamento lendá-
rio e uma primeira esposa cuja morte misteriosa não seria esquecida...
Agora a camponesa Sophy Dorring está prestes a se tornar a nova noiva de
Ravenwood. Atraída por sua força masculina e o brilho de desejo que ardia
em seus olhos de esmeralda, a moça de cabelos castanhos tinha suas pró-
prias razões para concordar com um casamento de conveniência... Sophy
Dorring pretendia ensinar o diabo a amar.
As novelas românticas têm quase 40% de todas as vendas de livros impres-
sos do mercado de massa. A Harlequin Enterprises sozi-
nha atinge vendas de cerca de 200 milhões de livros em
todo o mundo. Eles aparecem em muitos idiomas, inclu-
indo japonês, sueco e grego, e agora começam a apare-
cer na Europa Oriental. Os leitores são quase exclusiva-
mente mulheres. O desafio que isso representa para as
ideólogas feministas de gênero é formidável, já que
quase todo herói deste tipo de literatura é um "macho
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82 Hoff Sommers omitiu aqui a palavra dick (cacete, no sentido de pênis mesmo). Você pode ver a obra
da tal Sue Williams clicando aqui: <https://hammer.ucla.edu/take-it-or-leave-it/art/the-art-world-
can-suck-my-proverbial-dick/>.
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