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questões da opinião pública

BOLSONARO E A ILUSÃO DOS 30%


Análise de 127 pesquisas desde o início do governo mostra queda contínua da popularidade e
redução no terço do eleitorado incondicional do presidente
CESAR ZUCCO
15jul2020_17h56

Ilustração de Paula Cardoso

P
esquisas que medem a popularidade do presidente têm se
tornado muito frequentes no Brasil. Um levantamento
abrangente – porém certamente incompleto – de fontes públicas
indica que até 2014 não alcançávamos mais do que duas pesquisas
divulgadas por mês em anos sem eleições presidenciais. Essa
frequência subiu um pouco entre 2014 e 2018 e disparou nos últimos
dois anos. No ano passado, por exemplo, registramos uma média
mensal de seis pesquisas, e nos primeiros seis meses de 2020 foram
mais de nove. Mesmo se excluirmos a Ideia Big Data, empresa que
vem realizando e divulgando pesquisas semanalmente nos dois
últimos anos, encontramos médias mensais de três e cinco
respectivamente, muito acima do que tínhamos antes. Pesquisas, ao
que parece, são um novo passatempo nacional.

Pesquisas de popularidade do presidente


Frequência mensal
9

0
1990

1992

1994

1996

1998

2000

2002

2004

2006

2008

2010

2012

2014

2016

2018

2020

Quando falamos em popularidade do presidente, geralmente temos


em mente a proporção dos eleitores (ou potenciais eleitores) que
avaliam a gestão presidencial positivamente (como boa ou ótima).
Pesquisas de opinião buscam estimar esse valor através da obtenção e
análise de uma amostra dos adultos brasileiros. A natureza
probabilística dessa empreitada é tal que sempre há incerteza
associada a qualquer estimativa. Ainda que a mesma pesquisa fosse
realizada no mesmo dia e seguindo o mesmo método, haveria
variação entre as estimativas obtidas a partir das diferentes amostras.
Além dessa variação que é inerente a qualquer pesquisa de opinião,
há também variações entre as empresas (e, às vezes, entre pesquisas
da mesma empresa) na forma pela qual as amostras são desenhadas e
obtidas. Por conta dessa heterogeneidade toda, não é trivial tirarmos
conclusões acerca de níveis e tendências da popularidade do
presidente.

Para tentarmos enxergar o contexto mais amplo e evitarmos ficar


refém de um único (e por vezes idiossincrático) instituto de pesquisa,
um caminho pode ser o de agregar diferentes pesquisas. Como
exercício ilustrativo, tomamos 127 pesquisas de avaliação do
desempenho do presidente Jair Bolsonaro à frente do governo,
divulgadas por dez empresas diferentes, realizadas entre 10 de
janeiro de 2019 e 9 de julho de 2020.

Há inúmeras maneiras possíveis de agregar essas estimativas. Aqui


implementamos duas. A primeira, facilmente compreensível, consiste
em calcular uma simples média de todas as pesquisas realizadas em
cada mês/calendário. A agregação mensal é arbitrária, mas dado o
grande número de pesquisas realizadas no período em questão,
permite gerar uma estimativa para cada mês desde a posse. Temos
uma média de pouco mais de seis pesquisas por mês, com um
mínimo de duas (no corrente mês de julho que se encontra ainda na
metade) e um máximo de dezesseis (registrado em abril de 2020).
Nessa agregação, somos agnósticos sobre a qualidade de cada
pesquisa. Não realizamos nenhuma ponderação por tamanho da
amostra ou método empregado, e passamos ao largo de interessantes
discussões metodológicas que estão sendo travadas entre partidários
de diferentes modelos de pesquisa. Nesse sentido, a nossa média é
obviamente influenciada pelo número de pesquisas divulgada por
cada empresa. Uma empresa com mais pesquisas num dado mês será
implicitamente mais influente.

Uma segunda agregação, mais sofisticada, consiste em empregar um


algoritmo conhecido como razão diádica (dyads-ratio algorithm, o
DRA), desenvolvido por James Stimson (Universidade da Carolina do
Norte) para o estudo da opinião pública estadunidense. O DRA
assume que a verdadeira proporção de pessoas avaliando
positivamente o presidente é uma quantidade “latente”, isto é, não
pode ser observada diretamente. As pesquisas realizadas por cada
empresa são tratadas como uma série. Cada série é uma fotografia
imprecisa da quantidade latente, e inclui seus próprios vieses. O
algoritmo implementa uma imputação de valores faltantes, suaviza as
variações ao longo do tempo e usa associação observada entre as
diferentes séries para estimar os valores do que seria a popularidade
latente em cada período de interesse (para simetria com o método
anterior, estipulamos uma agregação mensal). A estimativa da
popularidade latente é particularmente adequada para avaliar a
variação da popularidade, mas num caso como o nosso, no qual todas
as séries se propõem a estimar a mesma quantidade na população, ela
pode também ser um indicativo razoável sobre o nível real da
popularidade.

Ambas agregações, cabe ressaltar, incluem os dados de todas os


institutos disponíveis, mesmo que suas estimativas sejam
parcialmente discrepantes dos demais.

Popularidade do presidente Bolsonaro


Medidas de popularidade Média mensal Popularidade latente (DRA)
55

50

45
Avaliação positiva

40

35

30

25

20

15
01/01/2019 01/04/2019 01/07/2019 01/10/2019 01/01/2020 01/04/2020 01/07/2020

Pesquisas: Atlas, Datafolha, DataPoder360, IBOPE, IBPAD, IdeaBigData, IPESPE, MDA, Quaest, Vox

Infografia: Emily Almeida

N
a figura, cada ponto corresponde ao percentual de avaliações
positivas do desempenho do presidente Bolsonaro em uma
pesquisa diferente. A linha cinza é a agregação através das
médias mensais, e a linha mais escura é a estimativa de popularidade
latente.

Em que pese a diferença de métodos de agregação, a trajetória é


extremamente semelhante. Vemos uma queda fortíssima nos
primeiros meses de governo, seguido de um período de certa
estabilidade com levíssima recuperação que durou até o início de
2020. Essa estabilidade deu origem à ideia de que o presidente conta
com apoio sólido de cerca de um terço do eleitorado, mas apesar de
um ou outro resultado desviante, como as recentes pesquisas do
Datafolha realizadas por telefone, a trajetória agregada indica que
desde fevereiro de 2020 houve uma queda bastante pronunciada. A
única dúvida é se essa queda continua, já que a estimativa da
popularidade latente indica alguma estabilidade nos últimos três
meses,enquanto que essa estabilidade ainda não é visível na
agregação via médias. A ideia do terço resiliente continua sendo
propalada apesar da evidência sugerir que não passa de uma ilusão.

O terço simpático a Bolsonaro foi interpretado como sólido por conta


da estabilidade da popularidade em face dos quase diários conflitos e
das notícias negativas nos campos institucionais, educacionais,
ambientais e, por que não?, policiais. Depois que o seu estilo
beligerante de ser e do caótico funcionamento do governo levaram
àquela acelerada queda inicial, a manutenção da popularidade
demandava explicações.

No entanto, é importante reconhecer que a trajetória de popularidade


do presidente é bastante compatível com o desempenho econômico
observado no período. O ano de 2019 foi de certa estabilidade, com o
crescimento do PIB de 0,2% no primeiro trimestre, seguido de dois
trimestres com crescimento de 0,5%, e fechando o ano em 0,4%.
Tivemos, em termos coloquiais, uma economia que andou de lado.
Houve um tênue alívio da crise para parte da população, e havia
ainda a expectativa de uma retomada econômica, que acabou sendo
frustrada antes mesmo da pandemia. Não chega a ser surpreendente,
nesse contexto, que a popularidade do presidente tenha permanecido
estável em níveis relativamente baixos para um primeiro ano de
mandato.

No primeiro trimestre de 2020, no entanto, houve uma forte retração


da atividade econômica, com queda de 1,5% do PIB e um colapso
ainda maior no consumo das famílias (-2,0%). Podemos invocar,
novamente, fatores conjunturais, como as polêmicas sobre a
pandemia, a intensificação da crise sanitária, a queda do então
ministro Sergio Moro e talvez até a prisão de Fabrício Queiroz. É
provável que todos este fatores tenham dado a sua contribuição para
a queda na popularidade do presidente, mas tal queda já seria o
resultado esperado de uma crise econômica com a magnitude da que
vivemos hoje. Nesse contexto, a gigantesca (e necessária)
transferência direta de renda via auxílio emergencial pode até ter
amenizado o impacto da crise, mas seria muito improvável que a
popularidade do presidente seguisse incólume.

Independentemente de suas causas, a análise agregada das pesquisas


indica que o “chão” de um terço de apoio já cedeu há alguns meses e
vários fatores sugerem que esse pode ser o “novo normal” do futuro
próximo. A crise econômica durará mais algum tempo, mesmo na
melhor das hipóteses. O auxílio emergencial é um fator apenas
temporário. Os acontecimentos políticos imprevistos têm sido, até
hoje, praticamente todos negativos e, apesar de o presidente estar
numa fase “silenciosa”, nada nos faria crer que passassem a ser
majoritariamente positivos daqui para a frente.

Assim, apenas uma recuperação econômica forte a médio prazo


levará a popularidade a um patamar mais alto. A continuidade da
crise, por outro lado, poderá fazer o apoio atual minguar mais ainda.
O terço sólido era um mito. Na realidade, o chão pode ser bem mais
embaixo. E os proponentes do movimento #somos70% podem
atualizar seu nome para #somos75%.

CESAR ZUCCO
Cientista político e professor da FGV/Ebape, é autor de The Volatility Curse, a ser lançado pela Cambridge
University Press

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