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PESQUISA REALIZADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.


É PROIBIDA A REPRODUÇÃO OU A TRANSMISSÃO CONFORME LEI DE DIREITOS AUTORAIS.

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Livraria e Editora Lumen Juris Ltda.
Adilson Abreu Dallari - Prof. Titular de Dir. Administrativo da PUC/SP.

Alexandre Santos de Aragão - Professor de Direito Administrativo da


Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. Professor da Pós-gradua-
ção em Direito da Administração Pública da Universidade Federal
Fluminense - UFF. Professor do Mestrado em Regulação e Concorrência da
A LIVRARIA E EDITORA LUMEN JURIS LTDA. Universidade Candido Mendes. Professor visitante do Instituto de Economia
não se responsabiliza pelas opiniões da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Procurador do Estado e
manifestadas nesta obra. Advogado no Rio de Janeiro (alexaragao@zipmail.com.br).
Aline Paola C. B. Câmara de Almeida - Procuradora do Estado do Rio de Janeiro,
advogada da Confederação Nacional da Indústria e Mestranda em Direito
Econômico pela Universidade Gama Filho.
Almiro do Couto e Silva - Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito
É proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
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constitui crime (Código Penal, art. 184 e §§, e Lei n Q 6.895, Sócio de Sundfeld Advogados.
de 17/12/1980), sujeitando-se a busca e apreensão e
Christian Chêne - Professeur à l'Université René Descartes Paris 5 Doyen hono-
indenizações diversas (Lei n Q 9.610/98).
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3G UI) Cláudio Brandão - Juiz de Direito; Professor de Direito Administrativo da
Universidade Candido Mendes.
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Dinorá Grotti - Doutora e Mestre pela PUC/SP. Professora de Direito
Administrativo da PUC/SP. Ex-Procuradora do Município de São Paulo.
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Todos os direitos desta edição reservados à Eduardo García de Enterría - Catedrático Emérito de Derecho Administrativo.
Livraria e Editora Lumen Juris Ltda.
Egon Bockmann Moreira - Mestre e Doutor em Direito do Estado pela Faculdade
de Direito da UFPR. Pós-Graduado em Regulação Pública pelo CEDIPRE, da

~
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Advogado e Consultor.
(j Fábio Medina Osório - Vice-Presidente do Instituto Internacional de Estudos de
Direito do Estado. Doutor em Direito Administrativo pela Universidade
Complutense de Madrid (UCM) e Mestre em Direito Público pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde é Professor con-
vidado nos cursos de mestrado e doutorado na Faculdade de Direito.
Promotor de Justiça no Rio Grande do Sul (RS). Secretário de Estado da
Justiça e da Segurança Adjunto (RS).

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As Atividades Comunicadas
e o Controle do Exercício das Liberdades
Paulo César Melo da Cunha

1. A Proposta
o presente estudo tem por objeto demonstrar a evolução do Direito
Administrativo, no que concerne às técnicas de atribuição de direitos e da fiscaliza-
ção das atividades privadas, conciliando livre-iniciativa com viabilidade e efetivida-
de do controle estatal sobre tais atividades. Isso faz parte de um contexto de muta-
ções, estudado com o pioneirismo de sempre de Diogo de Figueiredo Moreira Neto.
Em sua obra "Mutações do Direito Administrativo", publicada pela Editora Renovar,
já em sua segunda edição, bem como em outra edição ampliada, denominada
"Mutações do Direito Público"(no prelo), Diogo de Figueiredo Moreira Neto sempre
procurou enfrentar, apresentar e ensinar às novas gerações os novos conceitos.
Sempre fugiu do comum e do conservadorismo infrutífero!
Como um de seus discípulos, com o privilégio que tive de ter meus estudos
de mestrado por ele acompanhados, sob a orientação de seu discípulo mais pró-
ximo, Marcos Juruena Villela Souto, animo-me, também, a discutir polêmicas
novidades, já que uma justa homenagem ao Mestre Diogo não poderia ficar no
plano das obviedades.
A proposta é a de compatibilizar o preceito constitucional de atendimento
às necessidades de consumo de bens e serviços com o desenvolvimento das
ações estatais de controle das liberdades.
Parte-se, portanto, da leitura do artigo 1º, inciso IV; da Constituição Federal,
que prevê como fundamento da República o princípio da livre-iniciativa, que vem
desenhado no artigo 170, parágrafo único, como sendo a liberdade de desenvol-
vimento de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização,
ressalvadas as hipóteses previstas em lei.
O princípio fundamental da livre-iniciativa é, contudo, excepcionado, tanto
pelas regras disciplinadoras das liberdades (polícia administrativa), como no
artigo 175 da Constituição Federal, que prevê a responsabilidade estatal para a
prestação de serviços públicos, conforme definidos em lei, sendo certo que tais
atividades podem ser objeto de exploração mediante concessão ou permissão,
sempre precedidas de licitação, ou autorização, na forma estabelecida em lei.
Em outras palavras, a liberdade só pode ser excepcionada por meio de. con-
troles estatais do exercício dessas liberdades (manifestada pelo exercício da polí-
cia administrativa, que não se desenvolve apenas pelo consentimento de polícia,
mas também por meio da fiscalização de polícia1 - mais acessível com a comuni-

1 A necessidade de exercer a polícia administrativa para harmonizar o exercício das liberdades e


dos direitos individuais, considerando os interesses superiores da coletividade fez com que ela

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cação da atividade a ser fiscalizada); ou pelo conceito de serviços públicos, que


Com o tratamento de determinadas matérias sob a ótica da economia glo-
podem ser desenvolvidqs por particulares, por meio de concessão, permissão e
balizada, surgiu a necessidade de se repensar, à luz do princípio da subsidiarie-
autorização. Somente essas hipóteses condicionam, em caráter excepcional, a
liberdade de iniciativa. dade, a distinção entre os papéis do Estado e da sociedade, fazendo com que
determinados temas antes tratados como serviços públicos fossem revistos à luz
de uma nova maneira de interpretar e de um novo enfoque de prestação dessa
2. O Novo Perfil do Regime Jurídico dos Serviços Públicos atividade.
Há, entre nós, uma distinção entre serviços prestados por concessionários,
Na prática, no campo dos serviços públicos, fora das situações descritas no permissionários e autorizatários, que nos remete à distinção entre serviço públi-
respectivo ato concedente ou permitente, que trata das condições de sua presta- co e atividade econômica de interesse público, reproduzindo, no Brasil, com as
ção, não está excepcionado o princípio da livre-iniciativa. Significa dizer que não devidas adaptações, os modernos conceitos introduzidos pelo direito comunitá-
há, pois, como se impedir determinado prestador de, com vistas à preservação rio europeu entre serviços universais e serviços de interesse econômico geral.
de sua estabilidade financeira, desenvolver outras atividades, em regime de livre A aplicação destes conceitos parte da premissa de que a cada nova defini-
iniciativa, que não sejam definidas como serviço público - prestado com dever de ção de serviços públicos dada pelo Estado, excluía-se uma liberdade de iniciati-
generalidade, continuidade e a custos módicos. va, haja vista que o serviço público só seria desenvolvido pelo Estado ou por
Vale dizer, no exercício de uma liberdade de iniciativa conferida pela própria quem dele recebesse uma delegação para tanto. A Constituição, aliás, apresen-
Constituição e sem afetar a prestação do serviço público, em estrita consonância ta essa distinção entre serviço público e atividade econômica no seu artigo 175.
com o que dispõe o instrumento de concessão ou permissão, o regular prestador Portanto, ao se definir um serviço como público, integrante de um ordenamento
de um serviço público estaria legitimado a explorar, em regime privado, remune- jurídico, urge se dimensionar, igualmente, até onde o conceito de serviço públi-
rado por preço (e não por tarifa), um serviço de natureza especial (que, como o co pode restringir a liberdade de iniciativa.
próprio nome já diz, não é geral).
A idéia que se traz de serviço público é a daquele prestado de forma univer-
O reconhecimento da distinção entre serviços universais - prestados em sal, a preços módicos, atendendo a toda uma determinada camada geográfica.
regime público, mediante concessão ou permissão remunerados por tarifa (ou Isso, contudo, não pode excluir que outros serviços, mais aprimorados ou mais
até mesmo mediante autorização) - e serviços de interesse econômico geral _, céleres, considerando outra faixa econômica, sejam desenvolvidos em regime de
prestados em regime privado e remunerados por preço - já é reconhecido na liberdade, sem afastar a atividade fiscalizadora do Estado: a liberdade econô-
doutrina e na jurisprudência do Eg. Supremo Tribunal Federal. mica não afasta a regulação estatal, suposta que é relevante aquela atividade
Alguns serviços, embora genericamente definidos como públicos, nem sem- para o desenvolvimento da sociedade.
pre se revestem das obrigações de generalidade, continuidade e modicidade. Ora, mesmo os serviços concedidos têm por regra a não-exclusividade,
Daí por que o regime jurídico para sua titulação não é de direito público, salvo se por razões técnicas ou econômicas assim não puder se cumprir. Para a
mas, sim, de direito privado, por meio de autorizações. hipótese em que a exclusividade seja fundamental para a preservação da estabi-
lidade financeira da atividade, que lhe garanta a sua continuidade a custos módi-
cos, há previsão expressa no artigo 16 da Lei Federal nº 8.987, de 13 de fevereiro
se manifestasse como a mais antiga das formas de atuação administrativa das organizações de 1995, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de
políticas, dentro do conceito de uma limitação em prol da coletividade. Nestes moldes, a polícia
administrativa é classificada por DroGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO em quatro ciclos dis- serviços públicos previsto no artigo 175, da Constituição Federal.
tintos, a saber: (1) ordem ou comando de polícia - seria a proibição ou o condicionamento pro- Note-se que esta atribuição de exclusividade não é uma conduta que carac-
priamente ditos; (2) consentimento de polícia - é a verificação pela Administração (reguladora, teriza infração à ordem econômica, posto que a exclusividade aqui prevista não
no caso), por provocação do particular interessado, para que se identifique se ele se encontra
tem o condão de impedir potenciais concorrentes na exploração do mesmo servi-
dentro dos limites dispostos na ordem ou comando, dando-se a concordância da Administração
para a prática, por meio, especialmente, de atos de licença (vinculados) ou de autorização (dis- ço em um dado segmento de mercado,2 mas, simplesmente, reconhecer que o
cricionários); (3) fiscalização de polícia, por força da qual se constata, independentemente de setor tratado não absorve mais de um prestador em razão de a demanda não
provocação do interessado, se o particular observou ou não os limites impostos na ordem ou suportar os investimentos necessários à sustentabilidade do setor. Do contrário,
comando, dando ensejo, em caso de inobservância, à lavratura de um Auto de Infração, que
poderá ensejar uma (4) sanção de polícia, que se resume na aplicação da penalidade após o haveria um rompimento do equilíbrio econômico-financeiro de tantos quantos
devido processo legal em que seja assegurado o exercício do direito à ampla defesa e ao contra-
ditório, com decisão motivada e pena proporcional à gravidade da falta. (MOREIRA NETO, Diogo
de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. Parte Introdutória, Parte Geral e Parte Especial.
14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 395.) 2 A expressão "mercado"não é das mais adequadas quando se trata de serviço público prestado
em regime público, já que neste não há liberdade de ingresso e saída.

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fossem os prestadores, pela ausência de condições de desenvolvimento de rela- Daí surgir, na União Européia, o conceito de serviço de interesse geral, como
ções comerciais simultâneas. gênero, do qual são espécies o serviço público (geral) e o serviço de interesse
Já os serviços públicos autorizados se submetem às regras da livre-iniciati- econômico geral, este último também objeto da regulação estatal, dada a sua
va e, ainda que sob regulação estatal, às regras da livre concorrência. Devem relevância.
pois, tais atividades ser desenvolvidas em regime de ampla competição, nã~ Tal distinção nos é trazida pela doutrina portuguesa, com procedência nos
P?dendo se falar em autorização exclusiva, salvo, como dito, nas hipóteses defi- estudos de Rodrigo Gouveia,4 que diferencia os serviços de interesse geral (aqui
mdas em lei em função das limitações físicas e/ou econômicas do mercado. Em inseridos os serviços públicos propriamente ditos, porquanto serviços essen-
outras palavras, qualquer exclusividade, seja de concessão, permissão ou auto- ciais) e os serviços de interesse econômico geral (aqui assentados os serviços de
rização, deve ser motivada na inviabilidade de competição e o direito ao afasta- natureza econômica, não incluídos os serviços típicos essenciais, de obrigação
mento .de competidores deve ser conquistado mediante licitação. de prestação pelo Estado).
DIversamente dos serviços públicos concedidos e permitidos, que se sub- Confira-se também a respeito a lição de Marçal Justen Filho: 5
metem ao regime jurídico de direito público, as modernas autorizações, que têm
p~r objetivo incrementar a competição com vistas à eficiência no serviço público, "Existem serviços - que não são públicos - cujo desempenho pelos par-
sao submetidas ao regime jurídico de direito privado e a outorga do ato autoriza- ticulares sujeita-se a uma fiscalização estatal mais rigorosa. Essas atividades
dor é vinculada e não mais discricionária e precária como defendido pela doutri- econômicas sujeitas a maior fiscalização estatal são conhecidas em todos os
na tradicional. países do mundo, inclusive nos ordenamentos que não consagram o instituto
Exemplos deste tipo de distinção entre os serviços universais e seletivos do serviço público. Muitas vezes, costuma-se utilizar a expressão serviço
podem ser vistos não só na Lei Geral de Telecomunicações _ que prevê a compe- público virtual para a eles referir-se. A hipótese abrange os casos de trans-
tição entre serviços concedidos e autorizados - mas, ainda, no setor postal, que porte por meio de táxi, profissões regulamentadas, atividades de hotéis, ban-
prevê a convivência entre a expedição de uma carta comum e o serviço de entre- cos, seguros etc.
ga de encomenda expressa. O mesmo ocorre quanto aos transportes urbanos Entre nós, a hipótese está explicitamente prevista no art. 170, parágra-
com a distinção patente entre as atividades de transportes por ônibus comuns ~ fo único, da CFj88. Ali se prevê que a lei poderá subordinar o exercício de cer-
por transportes alternativos e/ou por táxis. Cite-se, também, no transporte aéreo, tas atividades a uma autorização estatal prévia. O ato estatal destina-se a
as linhas de vôos regulares concedidas e as linhas autorizadas para fretamentos verificar o preenchimento pelo particular dos requisitos necessários. A inter-
eventuais.
venção do Estado, nesses casos, não atinge a natureza do serviço nem altera
Em todos estes casos, há a convivência entre atividades privadas em com- o regime jurídico sob o qual se desenvolve, ainda que se imponham requisitos
peti~ão. com aquelas que têm compromisso de generalidade (universalidade), para o desempenho das atividades e se as subordine a controle de intensida-
contInUIdade e modicidade de tarifas; estas duas últimas não se aplicam aos ser- de variável. "
viços seletivos ou especiais, que se submetem ao regime de preços ditados pelo
mercado, vedado, apenas, o abuso.3
No mesmo sentido é o ensinamento de Marcos Juruena Villela Souto: 6

"Ao lado dessas fórmulas previstas no artigo 175, CF; foi prevista, como
3 ~~ ~stado do Rio de Janeiro esta distinção produz efeitos da mesma forma no transporte aqua- instrumento de ampliação da competição, a autorização dos serviços para sua
v~a~o envolvendo a competição entre a concessionária prestadora do sorvico social (com exclu-
slvI~ade, confor_me regras editalícias e contratuais, por se tratar de condiçã) comercial justificá-
vel a manutençao do operador do sistema, como garantia de cobertura dos custos necessários a
equilibrar a operação) e a autorizatária do serviço seletivo. l'Teste caso, em momento algum exis-
te, e.m favor da autorizatária o mesmo direito à exclusividade, conferido por licitação à concessio- incompatível com o regime de livre-iniciativa (salvo previsão em lei). Afinal, harmoniza-se a este
nana do serviço social, como técnica de viabilizar a universalidade de acesso a custos módicos argumento o princípio da atualidade tecnológica norteador da prestação do serviço adequado,
~se-se que es:a ?aracterística é .típica dos serviços públicos universais e não dos serviços d~ com a aplicação de novos incrementos aptos a tornar mais eficiente a execução do objeto con-
mteresse economlCO geral, que Vlsam o lucro como atividade econômico tipicamente privada. tratual.
Tem, pois, a autorizatária, que suportar a competição da concessionária do serviço, sendo, con- 4 GOUVEIA, Rodrigo. Os serviços de interesse geral em Portugal. Coimbra: Coimbra Editora, 2001.
t~do, ~ercados distintos (o primeiro, de serviço público de transporte social; o segundo de ser- p.177.
VlÇO pr:vado de transporte seletivo). Nesta competição, é legítima a adoção pela concessionária 5 JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria Geral das Concessões de Serviço Público. São Paulo: Dialética,
de eqmpamentos de última geração, de melhor qualidade e rendimento oferecendo tarifas módi- 2003, pp. 129 e 130.
cas ao~ ~suários, sem que isso possa representar concorrência desleal'ou burla a uma pretensa 6 SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito Administrativo Requlatório. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen
excluSlvIdade de operação no regime seletivo, eis que qualquer exclusividade ou monopólio é Juris, 2005, pp. 340 e 341.

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Paulo César Melo da Cunha

Nas demais situações, o particular se submete à "fiscalização de políci~",


exploração em regime privado, mediante ato administrativo vinculado (e não
que não depende de provocação, mas, por outro lado, a Administração não dIS-
discricionário, como definido na citada doutrina clássica de Hely Lopes
Meirelles), editado desde que preenchidas as condições objetivas e subjetivas põe de informações para saber como, quando e onde está sendo desempenhada
necessárias à obtenção do título atributivo do direito de ingresso no mercado. a atividade que deve fiscalizar. . '
Esta será baseada nos princípios constitucionais da atividade econômi- Sugere-se, assim, que tais liberdades sejam exercidas medIante comUnIca-
ca, tendo por objetivo garantir a diversidade de serviços, o incremento de sua ção à Administração Pública. .
oferta e sua qualidade, a competição livre, ampla e justa, o respeito aos direi- São as atividades comunicadas que viabilizam o conheCImento do seu
tos dos usuários, a convivência entre as modalidades de serviço e entre pres- desenvolvimento pelos órgãos e entidades da Administração a fim de que seja
tadoras em regime privado e público, observada a prevalência do interesse controlado o exercício de uma liberdade, de modo a que tal exercício não cause
público, o equilíbrio das relações entre prestadoras e usuários dos serviços, a prejuízo ao interesse geral. _
isonomia de tratamento às prestadoras, o uso eficiente dos bens públicos, o Logo, diante da ausência de proibição em lei ou em contrato ~e concessao
cumprimento da função social do serviço de interesse coletivo, bem como dos ou permissão e sem criar qualquer tipo de embaraço ao seu c~mpnmento, p.o~e
encargos dela decorrentes. o prestador de um serviço público apresentar os fatos, os motIVOS e a descnçao
O preço dos serviços será livre, reprimindo-se toda prática prejudicial à da operação pretendida.
competição, bem como o abuso do poder econômico. É o que se extrai da doutrina de Marcos Juruena Ville.la So~to, citan.d~ os
A prestadora de serviço em regime privado não terá direito adquirido à ensinamentos de Maria Del Carmen Nunes Lozano,7 que aSSIm defme as atIVida-
permanência das condições vigentes quando da expedição da autorização ou des comunicadas:
do início das atividades, devendo observar os novos condicionamentos impos-
tos por lei e pela regulação, as quais concederão prazos suficientes para "Importa registrar que nem toda atividade privada, econômica ou não,
adaptação aos novos condicionamentos. depende da prévia manifestação de polícia da Ad~inistr~ção. ~~ria ~el
A Agência poderá, excepcionalmente, em face de relevantes razões de Carmen Núnes Lozano destaca as atividades comunIcadas a admmlstraçao,
caráter coletivo, condicionar a expedição de autorização à aceitação, pelo distinguindo, dentre estas, aquelas dedicadas a mero registro ou para fins de
interessado, de compromissos de interesse da coletividade. informação, daquelas que habilitam a administração a intervir, provocando
Não haverá limite ao número de autorizações de serviço, salvo em caso um controle a posteriori. 11

de impossibilidade técnica ou, excepcionalmente, quando o excesso de com-


petidores puder comprometer a prestação de uma modalidade de serviço de °
Como fundamento não pode ser afastado, a regra é a liberdade. Logo, °
interesse coletivo, hipótese em que as prestadoras serão selecionadas que não estiver tratado na exceção normatizada estará contido na re~ra d~ li~er­
mediante procedimento licita tório. "(grifo nosso) dade. É lógico, entretanto, que a comunicação é importante para eVIta~ duvI~as
acerca da licitude da conduta. Por outras palavras, significa dizer que e medIda
É evidente, no entanto, que mesmo as atividades em regime de livre-inicia- de boa-fé do comunicante, que acaba fornecendo os meios para o exercício efi-
tiva se submetem ao dever de polícia do Estado, ainda que não prevista em lei a ciente da fiscalização de polícia - não sendo um pedido de consentimento de
forma de obtenção do correspondente consentimento de polícia. polícia.

3. A Função das Atividades Comunicadas 4. As Atividades Comunicadas no Direito Positivo Brasileiro

É aqui que se insere a contribuição deste estudo para o aprimoramento das Exemplos dessa natureza podem ser enc.ontrados a p~rtir da Cart~
ações de controle estatal sobre as atividades de interesse geral. Constitucional, que, ao tratar dos direitos e garantIas fundamentaIs, em seu art.l-
No caso dos serviços públicos, prestados em regime público, é o Estado go 5Q , inciso XVI estabelece que todos podem reunir-se pacificament~ em locaIS
quem toma a iniciativa de promover a delegação; nos serviços públicos presta- abertos ao público, independentemente de autorização, desde que nao frustrem
dos em regime privado, o interessado requer uma autorização de exploração do
serviço; para as demais atividades econômicas, a lei prescreve o procedimento
para provocação da Administração para o consentimento de polícia (via licença, LOZANO Maria Del Carmen Nunes. Las actividados comunicadas a la administración - La
7
autorização, permissão, matrícula, registro, enfim, os chamados "atos nego- potestad 'administrativa de veto sujeta a plazo. Madrid: Marcial Pons, 2001, pp. 73 e ss., apud
ciais" ou "receptícios"). Marcos Juruena Villola Souto, oh. cito p. 71.

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outra reunião convocada para o mesmo espaço, exigido apenas prévio aviso à
autoridade competente. as hipóteses que independerão de autorização, nas quai~ a prest~dora do ,serv~­
ço que se encontre nesta situação deverá somente comumcar preVIamente a entI-
O mesmo ocorre na legislação que rege os planos privados de assistência à
saúde, na hipótese de substituição de entidade hospitalar contratada, referencia- dade reguladora o início de suas atividades (§§ 2Q , 3Q e 4ll). .
da ou credenciada junto aos contratos previamente firmados, ocasião em que se De maneira análoga, a atividade comunicada também é encontrada na LeI
faculta a alteração desde que por outro equivalente e mediante comunicação aos Orgânica da Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro (LC n Q 15, de
consumidores e à Agência Nacional de Saúde Suplementar _ ANS (entidade 25/11/80), que estabelece, em seu artigo 69, que o Procurador do Estado, a~t~s
reguladora do setor) com trinta dias de antecedência (art. 17, § 1Q , da Lei nQ 9.656, de entrar de férias, comunicará ao Procurador-Geral o endereço onde podera ser
de 03/06/98). encontrado, caso se afaste da sede onde tem exercício. .
Q Veja-se, também, a respeito, o Decreto-Lei n Q25, de 30/11/37, que o~ga~Iza
A Lei n 9.074, de 07/07/95, que estabelece normas para outorga e prorroga-
ções das concessões e permissões de serviços públicos traz, em seu artigo 8Q , a a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional e que, ~o tratar do mst.Itu-
possibilidade de aproveitamento de potenciais hidráulicos e a implantação de to do tombamento, determina que a transferência de determmado bem p.artlC~-
usinas termelétricas de pequenos potenciais mediante comunicação ao poder ., t ombado (ainda que se trate de transmissão judicial
I ar ja . ou causa
.,. mortls) seja
.
concedente, dispensadas, que são, a concessão, a permissão ou a autorização. promovida no prazo de trinta dias no competente regIstro de Imov~Is: ~o~um-
Q
Em seu artigo 2 , § 2Q , também sugere o mesmo regime ao estabelecer que "inde- cando-se a transferência pelo adquirente e a deslocação pelo propneta:-lO junto
pende de concessão, permissão ou autorização o transporte de cargas pelos ao Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, sob pena de nao restar
meios rodoviário e aquaviário"(conforme redação dada pela Lei nQ 9.432, de configurada eficácia erga omnes da restrição imposta ao bem. Em outras pala-
08.01.97). O mesmo se diga do § 3Q , que também afasta a necessidade de conces- vras, não havendo comunicação, o negócio jurídico será inválido, sem outorga no
são e permissão para o transporte aquaviário de passageiros que não seja entre direito de preferência. .
portos organizados, o rodoviário e aquaviário de pessoas por operadoras de turis- O mesmo modelo de atividade comunicada pode ser Igual~ente encontra-
mo e o transporte de pessoas em caráter privativo de organizações públicas ou do no Brasil nos casos de importação e exportação de mercadonas, que esbar-
privadas. Aqui, abre-se o espaço para que se estabeleça tanto o regime de auto-
rização quanto comunicação. ramem uma série de burocracias impostas pela Receita Federal, ao ..passo
. que
I t
em
outros países a totalidade dos conhecimentos ,tec~~lóg~cos permItI~ a Imp an ~-
Este, no entanto, não foi o marco inicial do regramento, haja vista que o ção de recursos que orientam os interessados a utIhzaçao de mecamsmos .ele:ro-
Q
Decreto n 24.643, de 10/07/34, que dispôs sobre o Código de Águas, já versava, nicos com instruções tanto para liberação de uma carga, ('~mo p~ra submIssao.a
em seu art. 139, que o aproveitamento de energia hidráulica de quedas d'água uma inspeção, poupando-se contatos físicos, o que tend(:na a eVItar. ou a.r~~uz.Ir
de potência inferior a 50 kws para uso exclusivo do respectivo proprietário não a corrupção. Neste ensaio, a atividade comunicada resultaria em maIor eflcIenc:a
depende de autorização, bastando somente sua notificação ao regulador compe- estatal, à medida que o Poder Público tomaria conhecimento para onde estao
tente para efeitos estatísticos.
sendo levadas as mercadorias importadas em vez de ficarem armaze~adas em
O mesmo se diga no tocante ao aproveitamento de quedas d'água e outras
um depósito estatal, estragando e elevando custos, sem falar na morosIdade dos
fontes de energia de potência até o máximo de 150 kws quando os permissioná-
procedimentos administrativos. 8
rios forem titulares de direitos de ribeiras com relação à totalidade ou ao menos
à maior parte da seção do curso d'água a ser aproveitada, desde que tal energia
se destine a seu uso exclusivo.
Tais dispositivos continuam a encontrar fundamento constitucional, como 8 Este tema foi noticiado pela revista Exame, em sua edição n2 85~, ~e 28/09/0~ (pp. 32 e s~), que
se nota da leitura do § 4Q do art. 176 da Constituição Federal, in verbis: "Não em sua matéria de capa destacava que o mundo cresce e o BraSlI fica p~ra tras, r:ssa_ta~1 o qu~
onomia lobal vive uma fase de prosperidade sem precedentes, cUJa evo~uçao nao e acom
dependerá de autorização ou concessão o aproveitamento do potencial de energia
a:~ada pe~ Brasil, que deve passar por uma indispensável reform.a em razao d~ sua extrem,a
renovável de capacidade pequena. '
p 'a' "Alóm de consumir tempo e dinheiro, a burocracia torna mcerto o amblen~e;de nego-
Q
A Lei n 9.472, de 16/07/97, que dispõe sobre a organização dos serviços de b~rocraCl.
mos Alguns pUlses, • t entando aumentar a previsibilidade, estabelecendo
vem ,. . Uprazos ngldos _ para
de
telecomunicações, e a criação e funcionamento da Agência Nacional de . - s do governo É o que fez a Rússia nas operações de comermo extenor. ma carga nao po ,
Telecomunicações, ao tratar da obtenção da autorização de serviço de telecomu-
~~::;:ais que quat;o dias parada no porto à espera de inspeção. Ao final desse prazo, o dono esta
t " do ir buscá-la ou a embarcá-la. Bulgária e Polônia têm sistema sem~lhante para a co~­
nicações, prevê, em seu artigo 131, que a exploração de serviço no regime priva- ~~s;~:~e li~en as de novas empresas. O governo tem até 30 dias para cumpnr ~eu papel. Se nao
do dependerá de prévia autorização da Agência Reguladora (cuja eficácia depen- der uma respos~a no prazo, o empresário pode simplesmente exigir do Estado. a licença e co;wç:
derá de publicação em Diário Oficial), mas que serão disciplinadas pela Agência a operar 1egalmen t e "(LARO' Z, André . Cinco lições que vêm de fora. ReV1sta Exame. 10 e
Janeiro: Abril, 2005, p. 35).

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Paulo César Melo da Cunha As Atividades Comunicadas e o Controle do Exercício das Liberdades

Enfim, trata-se do exercício da atividade privada, com pleno fundamento do serviço, bem como dos resultados auferidos reverterem (total ou parcialmen-
constitucional de liberdade de iniciativa. 9 te) ou não para o cálculo das tarifas,11
Poder-se-ia afirmar que em todos os casos, as situações de atividades comu- Não estão, assim, sujeitas à concessão, permissão ou autorização do regu-
nicadas foram descritas em lei. Ora, condicionar à autorização legislativa o exer- lador, salvo se houver previsão expressa em lei. Este argumento se dá, logica-
cício de uma liberdade seria não só negar validade a toda a tese como, mais mente, em razão de não se tratar, como já dito, de serviço público, mais ainda
grave, negar vigência ao art. 5º, lI, CF, segundo o qual ninguém será obrigado a reforçado o argumento se prestada por pessoa jurídica sob controle da concessio-
fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; não havendo lei, a nária, mas dela distinta, dedicada a outro ramo de negócios que não a atividade
liberdade é a regra.
concedida ou permitida.
Tanto isso é certo, que LUIS ROBERTO BARROSO 10 preconiza uma nova Como não são receitas da concessionária, não cabe a aplicação do citado
visão sobre o princípio da legalidade, que deve ser visto como princípio da cons- artigo 11 da Lei nº 8.987/95, para o fim de levá-las para o cálculo das tarifas, pois
titucionalidade ou da juridicidade, ou seja, o agir conforme o ordenamento jurídi- o direito de fazer negócios com outras empresas é constitucionalmente legitima-
co e os objetivos constitucionais. Nesse passo, entende que diante da ausência do no mencionado parágrafo único do art. 174.
de norma legal, pode o administrador praticar os atos que dêem exeqüibilidade Nesse sentido é a lição de MARCOS JURUENA VILLELA SOUTO:
aos princípios constitucionais.
Isso nada mais é que o reconhecimento de uma das facetas da normativida- O contrato pode, ainda, explicar que ao concessionário é possível, por meio
de dos princípios. de subsidiárias, explorar outras atividades não relacionadas com a concessão
Aqui se preconiza a aplicação do fundamento da República, manifestado no (não se incluindo entre as receitas complementares), desde que não interfiram
princípio da livre-iniciativa. na qualidade do serviço. É o caso do distribuidor de gás que aproveita as insta-
lações para passar os cabos de televisão por assinatura. Destas receitas não se
5. A Comunicação das Atividades que Propiciam Receitas presta contas, que toma mais valorizada a outorga devida ao Estado.
Adicionais nas Concessões (... )
Prosseguindo, sabe-se que a tarifa é a mola mestra da remuneração do
concessionário; mas a lei prevê a possibilidade de assegurar-lhe receitas
O artigo 11 da Lei nº 8.987/95 dispõe que as concessionárias e permissioná-
alternativas, complementares ou acessórias com vistas à modicidade; o con-
rias poderão explorar receitas alternativas, complementares, acessórias ou de
trato pode, assim, prever a exploração de estacionamentos, publicidade,
projetos associados com vistas ao favorecimento da modicidade das tarifas.
espaços comerciais. A questão que se põe é se todas essas receitas devem,
Tais atividades não são serviços públicos, mas, sim, atividades privadas,
obrigatoriamente, integrar o cálculo da tarifa, com vistas à modicidade.
não sujeitas à regulação do serviço público. Como tais, a utilidade da comunica-
Parece-nos que, se definidas como receitas alternativas, complementa-
ção é permitir a fiscalização do fato de sua exploração afetar ou não a qualidade
res ou acessórias do concessionário, nos termos do artigo 11 da Lei nº
8.987/95, é bastante razoável o entendimento que sustenta tal tese; em
outras palavras, tais receitas teriam a única finalidade de assegurar a modi-
9 Outros exemplos de atividades comunicadas podem ser vistos com largueza no ordenamento cidade das tarifas.
legislativo pátrio, donde se pode exemplificar a Lei nº 5.191, de 16/05/00, do Município de Natal
(RN), que dispõe sobre a preservação e o tombamento do patrimônio histórico, cultural e natural Tal orientação, contudo, em vez de beneficiar a toda a comunidade, pri-
daquela cidade (tal como o exemplo já dado do tombamento em nível federal). Destaca-se desse vilegiaria apenas uma coletividade dos usuários de um serviço.
diploma o artigo 34, que estabelece que na hipótese de deslocamento do bem tombado ou trans- O sistema da lei parece não impedir que o concessionário - que só pode
ferôncia de propriedade, o Conselho Municipal de Cultura deverá ser comunicado no prazo de ter como objeto a prestação do serviço concedido - crie uma subsidiária para
trinta dias do deslocamento ou da aquisição, sob pena de aplicação de penalidade pecuniária.
Trata-se aqui da liberdade de usar, gozar e dispor da propriedade, versada no artigo 1.228, do explorar outros negócios a partir da concessão, sem que deles deva contas ao
Código Civil, mas que, embora livre, deve ser comunicada ao poder público competente para a concedente - desde que, obviamente, não interfira na prestação de serviço
adoção das providôncias de praxe, notadamente de fiscalização de polícia. O mesmo diploma adequado.
legal prevê outro exemplo de comunicação, que, muito embora não tenha pertinência com a Cite-se, mais uma vez, o exemplo da exploração de estacionamentos de
liberdade de agir, demonstra igualmente a necessidade de ação de sindicância da
Administração Pública, na hipótese de eventual dano em imóvel tombado que tenha resultado veículos ao lado ou sobre as estações metroviárias. Trata-se de outra pessoa
de ato de terceiro ou de fato da natureza, hipótese em que o proprietário ou possuidor deverá jurídica, diversa do concessionário referido no artigo 11 da Lei nº 8.987/95.
comunicar com urgência o fato ao órgão local disciplinador dessa matéria a fim de que sejam
adotadas as medidas de direito (art. 28, § 22).
10 Palestra proferida em 10/11/2005, no UI Fórum de Direito Público da Economia, no Rio de Janeiro. 11 Esta discussão depende de como estiver formatada a economia do contrato.

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Com isso, o concedente pode obter uma elevação no valor pago pela Conclusões
outorga (ou maior aporte de recursos investidos na concessão), aplicando os
recursos em outras áreas mais carentes, beneficiando, assim, um maior Em face do exposto, conclui-se que sendo uma atividade exercida em regi-
número de pessoasll(Qireito Administrativo das Concessões. 5-ª ed. Rio de me de liberdade constitucionalmente assegurada (desenvolvida, portanto, em
Janeiro: 2004, pp. 33 e 263.) regime privado), a atividade comunicada representa um incremento à competi-
ção com vistas à eficiência. O papel da atividade comunicada é fornecer ao
Nesta situação - de exploração de atividade comunicada por pessoa distin- Estado elementos necessários ao controle das ações privadas. Frise-se que os
ta da concessionária - a comunicação terá por objetivo, apenas, o controle do uso atos clandestinos são cotidianos. O Poder Público precisa ter conhecimento da
de bens afetados ao serviço ou o impacto da atividade sobre o serviço, que deve- existência da atividade.
rá merecer decisão motivada do regulador, mas nunca para requerer uma conces- Quando muito, diante da atividade comunicada, o ente regulador poderia
são, permissão ou autorização. entender, mediante motivação técnica, que tal atividade prejudicaria o desempe-
nho do serviço público ou as liberdades privadas, hipótese em que negaria a
6. O Papel do Regulador Diante da Atividade Comunicada autorização e determinaria a paralisação, sem, no entanto, que caiba qualquer
penalidade pelo exercício da liberdade comunicada.
A utilidade na discussão do tema das atividades comunicadas se encontra Deve-se limitar a Administração, ao tomar conhecimento da sua exploração
no fato de que se aplica a esta hipótese a mesma carga regulatória administrada por iniciativa do próprio explorador de um serviço público, a declarar a sua abu-
às atividades naturalmente sujeitas à regulação estatal.12 sividade, na forma do artigo 173, § 4Jl, da Constituição da República - tema que
A comunicação de atividades exploradas com vistas à obtenção de receitas deveria ser submetido ao CADE, na forma da Lei nQ 8.884, de 11 de junho de
adicionais à prestação dos serviços públicos, desenvolvidas em regime de livre- 1994). Não se permite à Administração, pois, fixar um preço pela sua exploração,
iniciativa (já que não representam o próprio serviço público), serve, exatamente, em face das características já aduzidas.
para que o regulador verifique se seu exercício não prejudica o serviço remanes- Igualmente, não pode impor uma tarifa, eis que, por não se tratar de servi-
cente. ço público, não tem caráter de generalidade, mo di cidade e de continuidade. Aqui
Não se pretende corromper os modelos tradicionais de prestação de servi- se trata de serviço especial, ou, na forma da melhor doutrina, serviço de interes-
ços públicos. Ao revés, complementa-os, com a inspiração buscada no próprio se econômico geral, que, quando muito, poderia ser objeto de autorização; daí a
texto constitucional, que assenta a possibilidade de prestação de um serviço pri- comunicação, com tal objetivo.
vado na forma do parágrafo único do artigo 170, ao estabelecer que é assegura- Em síntese, se a atividade comunicada não é aprovada, o que se pode fazer
do a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, fundada na livre- é informar o resultado da deliberação para que, a partir dessa decisão, seja ces-
iniciativa, independente de autorização dos órgãos públicos. Trata-se, nestas sada a atividade ou instaurado o contencioso, mas jamais penalizar-se o comuni-
hipóteses, de se conceber um serviço de interesse econômico geral, e não de um cante, tendo em vista que agiu no exercício da livre-iniciativa (e não clandestina-
serviço público em sentido estrito, por não se revestir de todas as características mente). Prejudicado, no entanto, por competição desenvolvida por prestadores
próprias deste tipo de atividade. irregulares (ausência de concessão, permissão, autorização ou comunicação),
Logo, vê-se acolhido este conceito na medida em que o serviço deve satis- grave lesão suportará o executor regular pela concorrência desleal e pela omis-
fazer seu papel em conformidade com o propósito pelo qual foi concebido, sem são de fiscalizar da Administração Pública.
limitar a liberdade de iniciativa naquilo que não seja indispensável para assegu- O importante é concluir mencionando o conceito de parceria, tão bem expli-
rar observância ao princípio da dignidade da pessoa humana. cado na obra de Diogo de Figueiredo Moreira Neto, demonstrando que as ativi-
dades comunicadas representam uma forma de o particular colaborar com a
Administração Pública, fugindo da clandestinidade e viabilizando a fiscalização
12 No entanto, ó pertinente lembrar que regulação não se confunde com defesa do usuário; esta é
de polícia, tudo isso sem frustrar os princípios da livre iniciativa e da eficiência
um dos elementos a ser objeto de ponderação na disciplina dos interesses em conflito. Não deve administrativa.
uma entidade reguladora, portanto, defender os interesses exclusivamente dos usuários, mas de Essa colaboração não pode ser obstaculizada por penalizações que sejam
todo o sistema, neste compreendido também os dos prestadores. Está-se a tratar, aqui, do decorrentes de discordância da Administração em relação às condutas comuni-
mesmo enfoque dado ao consumidor de uma atividade privada comum a par do usuário de um
serviço público. Significa dizer que o consumidor passa a ser uma peça importante no cenário cadas, sob pena de malograr-se a boa-fé e a confiança legítima do administrado
regulatório, na medida em que poderá ter um tratamento de proteção. (outro conceito fartamente explicado pelo Mestre e Amigo Diogo, a quem todas

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as homenagens serão singelas diante da gratidão que lhe deve a sociedade bra-
sileira, em especial a classe jurídica).
Igualmente, deve o regulador valer-se de outro conceito magistralmente
exposto por Diogo de Figueiredo Moreira Neto, a saber: a consensualidade. Se o
regulador não concordar com a atividade comunicada, deve determinar a sua
paralisação, ou, alternativamente, estabelecer um acordo substitutivo, seja para
a cessação, seja para o ajustamento da conduta. Afinal, o direito regulatório não
tem por meta a punição, mas sim o atendimento do interesse geral.
Importa, assim, concluir que os conceitos apresentados pelo Mestre Diogo
representam a chave para o Direito Administrativo do Novo Milênio.

SEGUNDA PARTE

CIDADANIA E PARTICIPAÇÃO

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