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perfeição e um período barroco de decadência ou de confusão das histórias. O progresso, fio condutor do relato histórico no
de valores. Assim nos mostraram, em seu momento, a arquite- mundo técnico, se esvazia de historicidade ao converter-se em
tura grega, a medieval e a renascentista. O caminho até a per- um desenvolvimento mecânico de renovação contínua, "fisiolo-
feição técnica foi outro argumento, utilizado por Choisy, por gicamente exigida para garantir a pura e simples sobrevivência
exemplo. E o percurso até a conquista final de uma arquitetura do sistema" 16 • Por outro lado, a ação dos meios de comunicação
moderna foi o argumento utilizado pelos pioneiros da historio- em massa, em particular da televisão, tende a "presentificar"
grafia contemporânea, com seus heróis e seus réprobos, como todos os acontecimentos, a achatar tudo no plano da contem-
tão bem nos descreveu Maria Luiza Scalvini' 3 • poraneidade e da simultaneidade, produzindo uma des-histo-
A estrutura tradicional dos textos historiográficos e a difi- rização da experiência 17•
culdade de inventar esse tipo de intriga ou argumento com Ocorreria, assim, uma espécie de imobilidade tanto no
o material latino-americano deve ter sido uma das causas da desenvolvimento como na consciência desse desenvolvimento.
situação marginal das arquiteturas latino-americanas na histo- Deve-se advertir, porém, que essas definições da dissolução
riografia geral. Uma história de tipo estruturalista, como aquela da historicidade aparecem como próprias do ponto de vista da
tentada no La Estructura Histórica dei Entorno, pode mostrar- modernidade, que assume o novo como valor e implica como
-se mais apropriada para organizar o material americano. De corolários os conceitos de progresso e superação' 8•
fato, os mais recentes ensaios de construção de uma história Situar a historiografia própria de nossos países em seme-
geral de nossa arquitetura' 4 movem-se em vários planos, entre- lhante contexto exige o aprofundamento de vários temas,
cruzando linhas de desenvolvimento, sem cair, em momento al g u ns dos quais tratados nesse livro, como a questão dos valo-
algum, na narração linear única. res, a distinção entre história e crítica, o conceito de moder-
Pois bem, em uma aproximação à problemática historio- nidade e, em especial, a relação centro/periferia, ou centro/
gráfica, mesmo quando esta se refira a um segmento muito margem, que aparece como uma questão crucial, tanto para a
específico como o arquitetônico, não se pode desconsiderar a compreensão como para o projeto de nossa identidade.
referência a uma questão de fundo que, insistentemente, apa-
rece no âmbito filosófico: a questão do fim da história, ou a
dissolução da história, ou a definição de nossa época como
pós-histórica.
O fim da história - ou melhor, da historicidade, se g u ndo
Gianni Vattimo, estaria marcado por uma série de caracterís-
ticas';: em primeiro lugar, pela dissolução da ideia de história
como processo unitário, isto é, pela multiplicação e dispersão
das histórias: o grande relato, urdido sobre a ideia do progresso
da humanidade até uma meta certa - que variou do cristia-
nismo ao Iluminismo ou à modernidade-, mostrou seu cará-
ter ideológico e, consequentemente, legitimou a proliferação
13 Maria Luísa ScaJvini; Maria Grazia Sandri, I:immagine storiografica dei/' archi-
tettura contemporanea da Platz a Giedion, Roma: Officina, 1984.
14 Cf. Ramón Gutiérrez, Arquitectura y Urbanismo en Iberoamérica, Madrid: 16 Idem, p.14. Ver também G. C. Argan, Progetto e Destino, Milano: I I Saggia-
ManuaJes Arte Cátedra, 1983. Enrique Browne, Otra Arquitectura en Amé- tori, 1965.
rica Latina, Cidade do México: Gustavo Gili, 1988. 17 G. Vattimo, op. cit., p.17.
15 Cf. E/Finde la Modernidad, Barcelona: Gedisa, 1987, p. 13. 18 Idem, p. 97.
2. História Geral, História da
Arquitetura, História da Arte
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14 O INTERIOR DA HISTÓRIA: HISTORIOGRAFIA ARQUITETÔNICA HISTÓRIA GERAL, HISTÓRIA DA ARQUITETURA, HISTÓRIA DA ARTE 15
A história geral, por seu lado, recebe um inestimável auxí- existiu, então, projeto. Porém, era um projeto duplo, de condi-
lio da obra de arte ou de arquitetura, considerada como docu- ção antagônica e com previsões opostas para os resultados. Na
mento de uma cultura. Nela podem ser lidos os mais variados obra de arte ou de arquitetura - e ainda sem deixar de lado o
e extremos aspectos dessa cultura, desde seus hábitos cotidia- vernáculo - a relação projeto/resultado é muito mais direta-e o
nos até sua concepção do mundo, representada pelo modo de projeto exist mpre - aterializado ou não - porque há um
conceber o espaço. Essa contribuição mostra-se mais valiosa nsdente de p.m.duzir um resultado determinado,
para culturas mais distanciadas daquelas do mundo ocidental, seJa este plenamente alc;ar1çado ou não. A incidência da von-
em cujo caso os testemunhos escritos não bastam para captar o tade laha) variará..s d.o-ci.rcuns-
inefável presente de toda criação humana. Os trabalhos histo- 6 mas existe de maneira cone a, e é possível
riográficos que prescindem da consideração das obras artísticas ser · da e confrontada com r--0.dutoJinal. É possível,
e arquitetônicas como documentos, não conseguem explicar por assim dizer, identificar um responsável fundamental pelo
o sentido total de um momento histórico e apresentam, por resultado, o que seria muito difícil de fazer em acontecimentos
assim dizer, uma visão unidimensional. Não é necessário res- como a tomada da Bastilha.
saltar que nossa imagem do Egito antigo deve tanto ou mais Todas essas diferenças assinaladas entre o objeto da his-
à muda grandiosidade das pirâmides ou aos afrescos domés- toriografia geral e os objetos das historiografias da arte e da
ticos de algumas tumbas do que aos fatos políticos e guerrei- arquitetura indicam a necessidade de diferenciar instrumen-
ros colhidos pela historiografia geral. Da mesma forma, não se tos e métodos para a exploração de causas, para a análise de
imagina como chegar a uma compreensão do mundo medieval dados, para todos os elementos que, por fim, conduzirão ao
sem uma análise das cidades, das catedrais, dos edifícios públi- juízo histórico.
cos; ou do caráter da colonização no México sem os chama-
dos conventos-fortaleza. Por seu lado, o sistema de perspectiva
renascentista diz tanto ou mais do ideal humanista da Itália do
século xv que as ações dos condottieres.
Há ainda outra diferença entre fato histórico e fato his-
tórico-artístico: o grau de vontade consciente que o produz.
"Muitos acontecimentos': disse Raymond Aron,