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MAX WEBER. CIÊNCIA E POLÍTICA.

DUAS VOCAÇÕES

TRAD. JEAN MELVILLE. São Paulo: Martín Claret.

A intuição é importante tanto na vida prática quanto na vida científica. (34)

Obras de arte não envelhecem. A obra científica está condenada a ser ultrapassada. (36)

Sem dúvida nenhuma, o progresso científico é um fragmento, o mais importante, do processo

de intelectualização a que estamos submetidos desde milênios e relativamente ao qual

algumas pessoas adotam, atualmente, posição estranhamente negativa. Inicialmente,

tentemos perceber com clareza o que significa, na prática, essa racionalização intelectualista

que devemos à ciência e à técnica científica. Acaso, significará que todos os que estão reunidos

nesta sala possuem, no que se refere às respectivas condições de vida, conhecimento superior

ao que um índio ou um hotentote poderiam alcançar a respeito de suas próprias condições de

vida? E pouco provável. Dentre nós, aquele que entra num trem não tem noção alguma do

mecanismo que permite ao veículo pôr-se em marcha - exceto se for um físico de profissão. De

outra feita, não temos necessidade de conhecer aquele mecanismo. É suficiente poder

"contar" com o trem e orientar, conseqüentemente, nosso comportamento. Não sabemos

todavia como se constrói aquela máquina que tem condições de deslizar. Contrariamente, o

selvagem conhece de modo incomparavelmente melhor, os instrumentos de que se utiliza. Eu

seria capaz de garantir que todos ou quase todos os meus colegas economistas porventura

presentes nesta sala, dariam respostas diferentes à pergunta: como explicar que, utilizando a

mesma quantia de dinheiro, ora se possa adquirir grande porção de coisas e ora uma porção

mínima? No entanto, o selvagem sabe perfeitamente como agir para obter o alimento diário e

conhece os meios capazes de favorecê-lo em seu propósito. A intelectualização e a


racionalização crescentes não equivalem, portanto, a um conhecimento geral crescente a

respeito das condições em que vivemos. Antes, significam que sabemos ou acreditamos que, a

qualquer instante, poderíamos, conquanto que o quiséssemos, provar que não existe,

primordialmenre, nenhum poder misterioso e imprevisível que interfira com o curso de nossa

vida. Em outras palavras, que podemos dominar tudo, por meio da previsão. Isso é o mesmo

que despojar de magia o mundo. Não mais se trata para nós, como para o selvagem que

acredita na existência daqueles poderes, de apelar a métodos mágicos para dominar os

espíritos ou exorcizá-los, mas de recorrer à técnica e à previsão. Essa é a essência da

significação da intelectualização. (37-38)

Para os jovens, as construções intelectuais da ciência constituem um reino irreal de abstrações

artificiais, e ela se esforça, em vão, por colher, em suas insensíveis mãos, o sangue e a seiva da

vida real. Atualmente, acredita-se que a realidade verdadeira palpita justamente nessa vida

que, aos olhos de Platão, não passava de um jogo de sombras projetadas contra a parede da

caverna. (39/40)

O conceito foi a grande descoberta grega que permitiu o desenvolvimento da lógica. (40) A

experimentação racional foi o segundo grande instrumento do trabalho cientifico, elaborado

pelo iluminismo. “Essa experimentação tornou-se meio seguro de controlar a experiência,

sem o qual a ciência não teria sido possível. Certamente que não se haviam feito experimentos

muito antes dessa época”. (40)

Recuemos um pouco. Afinal, nesses termos, qual é o sentido da ciência enquanto vocação, se

estão destruídas todas as ilusões que nela divisavam a via que conduz ao “ser verdadeiro”, à

“verdadeira arte”, à verdadeira natureza, “ao verdadeiro deus”, à “verdadeira felicidade”? A

mais simples das respostas dá Tólstoi a essa pergunta, dizendo: ela não tem sentido, já que

não possibilita responder à indagação que realmente nos interessa – “Que devemos fazer?

Como devemos viver?” (43)


A ciência fornece métodos de pensamento, ou seja, os intrumentos e uma disciplina. (52)

Na atualidade,a ciência é uma “vocação” alicerçada na especialização e posta a serviço de uma

tomada de consciência de nós mesmos e do conhecimento das relações objetivas. A ciência

não é produto de revelações, tampouco é graça que um profeta ou um visionário houvesse

recebido para assegurar a salvação das almas. Como também não é parte integrante da

meditação de sábios e filósofos que se dedicam a refletir sobre o sentido do mundo. Essa é a

posição histórica, a que não podemos escapar, se desejarmos permanecer fiéis a nós mesmos.

(54)

A POLÍTICA COMO VOCAÇÃO

O conceito de política abrange toda espécie de atividade diretiva autônoma. O controle que

uma mulher exerce sobre seu marido é política. Mas, Weber em seu estudo a utiliza como “tão

somente a direção do agrupamento político hoje denominado “Estado” ou a influência que se

exerce nesse sentido.” (59)

A violência não é o único instrumento de que se vale o Estado, mas é seu instrumento

específico. (60)

Entretanto, nos dias de hoje devemos conceber o Estado contporâneo como uma comunidade

humana que, dentro dos limites de determinado território – a noção de território corresponde

a um dos elementos essenciais do Estado – reivindica o monopólio do uso legítimo da violência

física. (60)

Por conseguinte, entenderemos por política o conjunto de esforços feitos visando a participar

do poder ou a influenciar a divisão do poder, seja entre Estados, seja no interior de um único

Estado.” (60)
“ Primordialmente existem - e veremos aqui três razões internas que justificam a dominação,

existindo, conseqüentemente, três fundamentos da legitimidade.

Inicialmente, a autoridade do "passado eterno", ou seja, dos costumes santificados pela

validez imemorial e pelo hábito, enraizado nos homens, de respeitá-los. Assim se apresenta o

“poder tradicional”, que o patriarca ou o senhor de terras exercia antigamente.

Em segundo lugar, existe a autoridade que se baseia em dons pessoais e extraordinários de

um indivíduo (carisma) - devoção e confiança estritamente pessoais depositadas em alguém

que se diferencia por qualidades prodigiosas, por heroísmo ou por outras qualidades

exemplares que dele fazem o chefe. Desse jeito é o poder "carismático", exercido pelo profeta

ou - no domínio político - pelo dirigente guerreiro eleito, pelo soberano escolhido por meio de

plebiscito, pelo grande demagogo ou pelo dirigente de um partido político.

Em suma, existe a autoridade que se impõe pela "legalidade”, pela crença na validez de um

estatuto legal e de uma "competência" positiva, estruturada em regras racionalmente

estabelecidas ou, em outras palavras, a autoridade fincada na obediência, que reconhece

obrigações concernentes ao estatuto estabelecido. Assim é o poder, tal Qual o exerce o

"servidor do Estado" atualmente e como exercem todos os detentores do poder que dele se

aproximam sob esse aspecto”. (61)

“Qualquer empresa de dominação que reclame continuidade administrativa exige, de um lado,

que a atividade dos súditos se oriente em detrimento da obediência devida aos senhores que

pretendem ser os detentores da força legítima e exige, de outro lado e em alguns casos, se

tornem necessários para aplicação da força física. Repetindo em outras palavras, a dominação

organizada necessita, por um lado, de um estado-maior administrativo e, por outro, necessita

dos meios materiais de gestão. (63)


“Representando externamente a organização de dominação política, assim como aliais

qualquer outra organização, o estado-maior administrativo não se inclina a obedecer ao

detentor do poder motivado apenas pelas concepções de legitimidade anteriormente

discutidas. Antes de tudo, baseia-se a obediência em duas espécies de motivo que se

relacionam a interesses pessoais: retribuição material e prestígio social. De um lado, a

homenagem dos vassalos, a prebenda dos dignatários, os vencimentos dos atuais servidores

públicos e, de outro lado,a honra do cavaleiro, os privilégios das ordens e a dignidade do

servidor constituem a recompensa esperada. O medo de perder o conjunto dessas vantagens é

o motivo decisivo de solidariedade que liga o estado-maior administrativo aos detentores do

poder. Ocorre o mesmo nos casos de dominação carismática. Proporciona esta, aos soldados

fiéis,a glória guerreira e as riquezas conquistadas e, aos seguidores do demagogo, destina os

“despojos”, ou seja, a exploração dos administrados graças ao monopólio dos tributos, às

pequenas vantagens da atividade política e às recompensas da vaidade.” (63)

Para assegurar estabilidade de uma dominação é preciso bens materiais, como ocorre com as

empresas. Por essa perspectiva as administrações podem ser classificadas em duas categorias.

Na primeira os funcionários são proprietários dos instrumentos de gestão (edifícios, carros).

Na segunda o critério é oposto. Os funcionários, o estado maior, são privados do meio de

gestão, assim como os operários de uma fábrica são privados dos meios de produção.

Agrupamento organizado – agrupamento político no qual os meios materiais de gestão são,

total ou parcialmente, propriedade do estado maior administrativo (funcionários). Tratando-se

de Estados soberanos o líder só consegue governar com ajuda de uma aristocracia.

Domínio pessoal do chefe – O chefe procura se transformar no dominador da administração

entregando-a a súditos que a ele se ligam de maneira pessoal,a escravos,a servos, a

protegidos, a favoritos ou a pessoas a quem ele assegura vantagens. O líder banca as despesas.
O governante busca apoio em pessoas dele diretamente dependentes ou em plebeus, ou seja,

camadas sociais desprovidas de honra social própria. Filiam-se a esta espécie de poder todos

os tipos de poder patriarcal e patrimonial, bem como o despotismo de um sultão e os Estados

de estrutura burocrática, que é aquele que melhor caracteriza a estrutura do Estado moderno.

(63-65).

“Em generalidade, o desenvolvimento do Estado moderno tem por ponto de partida o desejo

de o príncipe expropriar os poderes "privados" independentes que, ao lado do seu, detêm

força administrativa, quer dizer, todos os proprietários de meios de gestão, de recursos

financeiros, de instrumentos militares e de quaisquer espécies de bens suscetíveis de utilização

para fins de caráter político. Desenvolve-se, esse processo, um paralelo perfeito com o

desenvolvimento da empresa capitalista que domina, a pouco e pouco, os produtores

independentes. Finalmente nota-se que, no Estado moderno, o poder que dispõe da

totalidade dos meios políticos de gestão tende a reunir-se sob comando único. Nenhum

funcionário permanece como proprietário pessoal do dinheiro que ele manipula ou dos

edifícios, reservas e máquinas de guerra que ele controla. Dessa forma o Estado moderno - e

isto é de importância no plano dos conceitos - conseguiu e de maneira integral, "privar" a

direção administrativa, os funcionários e trabalhadores burocráticos de quaisquer meios de

gestão. A essa altura, observa-se o nascimento de um processo inédito, que se desenrola a

nossos olhos e que ameaça expropriar do expropriador os meios políticos de que ele dispõe e

o seu poder político”.

“O Estado moderno é um agrupamento de dominação que apresenta caráter institucional e

que procurou – com êxito – monopolizar, nos limites de um território, a violência física

legítima como instrumento de domínio e que, tendo esse objetivo, reuniu nas mãos dos

dirigentes os meios materiais de gestão. Isso é o mesmo que dizer que o Estado moderno
expropriou todos os funcionários que, consoante o princípio dos “Estados” dispunham no

passado, por direito próprio, de meios de gestão, substituindo-se a esses funcionários, no topo

da hierarquia”. (66)

Os colaboradores eventuais não satisfaziam as necessidades do príncipe. Por isso fez-se

necessário que ele buscasse estar rodeado de um corpo de colaboradores permanente, que

tivesse na política sua principal atividade. (p. 67)

O caso de um Estado ou de um partido serem dirigidos por homens que, no aspecto

econômico da palavra, vivam exclusivamente para a política e não da política significa,

necessariamente, que as camadas dirigentes são arrebanhadas por critério "plutocrático''. Ao

fazer essa afirmação não pretendemos, de maneira alguma, dizer que a direção plutocrática

não busque tirar vantagem de sua situação dominante, com o objetivo de também viver "da"

política, explorando essa posição em benefício de seus interesses econômicos. É óbvio que isso

ocorre. Inexistem camadas dirigentes que não tenham sido levadas a essa exploração, de uma

ou de outra maneira. Nossa citação quer dizer simplesmente que os políticos profissionais nem

sempre se vêem compelidos a reclamar pagamento pelos serviços que prestam nessa

condição, enquanto o indivíduo desprovido de fortuna está sempre obrigado a tomar esse

aspecto em consideração. De outro modo, não é de nossa intenção insinuar que os políticos

desprovidos de fortuna tenham como única preocupação, durante o empenho da atividade

política, obter, exclusivamente ou mesmo principalmente, vantagens econômicas e que eles

não se preocupem ou não considerem, primordialmente, com a causa a que se dedicaram .

Nenhuma afirmação seria mais falsa que a feita nesse sentido. Por experiência, sabe-se que a

preocupação com a "segurança" econômica é, realmente - de maneira consciente ou não - o

ponto cardeal na orientação da vida de um homem que já possui fortuna. Não se detendo

diante de nenhuma consideração e de nenhum princípio, o idealismo político é praticado, se


não exclusivamente ao menos principalmente, por indivíduos que, em razão da pobreza, estão

à margem das camadas sociais interessadas na manutenção de certa ordem econômica em

sociedade determinada. Nota-se isso especialmente em períodos excepcionais,

revolucionários. Entretanto, tudo o que nos interessa realçar é o seguinte: o recrutamento de

pessoal político fora da plutocracia, sejam chefes ou seguidores, envolve, obrigatoriamente, a

condição de a organização política assegurar-lhe ganhos regulares e garantidos. Por

conseguinte, jamais existem mais de duas possibilidades. Ou se exerce a atividade política

"honorificamente" e, nesse caso, somente pode ser exercida por pessoas que sejam, como se

costuma dizer, "independentes", ou seja, por pessoas que gozam de fortuna pessoal,

entendida, principalmente, em termos de rendimentos; ou as avenidas do poder são abertas a

pessoas sem fortuna, caso em que a atividade política precisa ser remunerada. O político

profissional que vive "da política", pode ser um puro "beneficiário" ou um "funcionário"

remunerado. Em suma, ele receberá rendas, que são honorários ou emolumentos por serviços

prestados - não passando a gorjeta de uma forma desnaturada, irregular e formalmente ilegal

dessa espécie de renda - ou que assumem a forma de remuneração fixada em dinheiro ou em

ambos ao mesmo tempo. (70)

“No passado, a típica compensação outorgada pelos príncipes, pelos conquistadores vitoriosos

ou pelos chefes de partido, quando triunfantes, consistia em feudos, doação de terras,

prebendas de todo tipo e, com o desenvolvimento da economia financeira, consistiu, mais

comumente, em gratificações. Hoje em dia, são empregos de toda espécie, em partidos, em

jornais, em cooperativas, em organizações de seguro social, em municipalidades ou na

administração do Estado - distribuídos pelos chefes de partido a seus partidários, pelos bons e

leais serviços prestados. Não são, por conseguinte, as lutas partidárias apenas lutas para
consecução de metas objetivas, mas sim, a par disso, e acima de tudo, emulação para

controlar a distribuição de empregos.”

“Irritam-se os partidos muito mais com arranhões ao direito de distribuição de empregos do

que com desvios de programas”. (71)

“Nesses três domínios – o financeiro, o do exército e o da justiça – os funcionários de carreira

triunfaram definitivamente nos Estados evoluídos, durante o século XVI. Desse modo, com o

fortalecimento do absolutismo do príncipe em relação às “ordens”, aconteceu sua progressiva

abdicação em favor dos funcionários que haviam exatamente auxiliado o príncipe a conquistar

vitória sobre as “ordens”. (73)

“Ao mesmo tempo em que transformava a política em uma "empresa”, a evolução ia exigindo

formação especial daqueles que participavam da luta pelo poder e que aplicavam os métodos

políticos, visando aos princípios do partido moderno. Nesse sentido, a evolução conduz a uma

divisão dos funcionários em duas categorias: de um lado, os funcionários de carreira e, de

outro, os funcionários "políticos". Evidentemente, não se trata de uma distinção que tome

inertes ambas as categorias, mas essa distinção é, todavia, suficientemente nítida. Os

funcionários "políticos", no sentido próprio do termo, são, geralmente, reconhecíveis

facilmente pela circunstância de que é possível deslocá-los à vontade ou, então, "colocá-los

em disponibilidade", assim como ocorre com os préfets na França ou com funcionários

semelhantes em outros países. Essa situação é totalmente diferente da que têm os

funcionários de carreira de magistratura, estes "inamovíveis". Na Inglaterra, é possível incluir

na categoria de funcionários políticos todos os que, por força de convenção estabelecida,

abandonam seus postos, quando tem lugar uma alteração da maioria parlamentar e, por

conseguinte, uma reforma de gabinete. Dessa maneira ocorre, habitual e especialmente, com

referência aos funcionários cuja incumbência é a de velar pela "administração interna", que é
essencialmente "política", importando, acima de tudo, em manter a "ordem" no país e,

portanto, em manter o existente equilíbrio de forças.” (76)

“Tudo se passa de maneira semelhante numa empresa privada. O verdadeiro soberano, isto é,

a assembléia de acionistas, numa empresa privada, está tão desprovida de influências a

respeito da gestão dos negócios quanto um "povo" dirigido por funcionários especializados. As

pessoas que têm poder de decisão na política da empresa, quer dizer, os membros do

"conselho administrativo", dominadas pelos bancos, nada mais fazem que traçar as diretrizes

econômicas e designar quem seja competente para dirigir a empresa, já que elas próprias não

têm aptidão para administrá-la tecnicamente. Segundo esse ponto de vista, é evidente que

não constitui novidade alguma a estrutura atual do Estado revolucionário, que entrega a

direção administrativa a verdadeiros diletantes, somente porque estes dispõem de

metralhadoras, e que não vê nos funcionários especializados mais que simples agentes

executivos.” (77)

Traços particulares dos políticos profissionais. Eles surgiram no passado, da luta que opunha o

príncipe às “ordens” e logo se colocaram a serviço do mandatário. Os primeiros políticos

profissionais foram os religiosos, porque sabiam escrever. O sacerdote, por sua posição

eclesiática, não era tentado como outros a subir no ordenamento. Não tinha filhos. Além dos

religiosos houve os letrados com formação humanística. A nobreza da corte era a terceira

categoria. Após ter conseguido retirar da nobreza o poder político que ela detinha enquanto

ordem, os soberanos a atraíram para a corte e lhe atribuíram funções políticas e diplomáticas.

A quarta categoria é o patriciado, que é uma figura tipicamente inglesa, que compreendia a

pequena nobreza e os rendeiros da aldeia. Por fim, a quinta e última categoria eram os

juristas. (78-79)

O verdadeiro funcionário não deve fazer política exatamente em virtude de sua vocação: deve

administrar, antes de tudo, de forma apartidária. (81)


Desde o início dos Estados constitucionais e mesmo desde o início das democracias, o

“demagogo” tem sido o chefe político típico do ocidente. (82)

Chefes políticos devem ter senso de responsabilidade. (85)

Políticos profissionais ascendem ao poder apenas com a utilização de meios pacíficos. (88)

No momento presente assistimos à decadência do domínio dos homens de prol, bem como

decai a política dirigida apenas segundo os parlamentares. Retomam a direção da empresa

política os indivíduos que fazem da atividade política a profissão principal, mantendo-se no

entanto afastados do parlamento. São "empreendedores" semelhante ao boss norte-

americano ou ao election agent inglês ou funcionários dos partidos, com posições fixas. Do

ponto de vista formal, assistimos a uma democratização acentuada. Não é mais o grupo

parlamentar que estabelece o programa e define a linha de conduta do partido, nem são mais

os homens de importância local os que decidem das candidaturas às eleições. Essas tarefas

tornam-se responsabilidades de reuniões de militantes dos partidos, em que se escolhem os

candidatos e de onde partem representantes para participar de assembléias de instância

superior, assembléias que podem estender-se por escalões vários, até a assembléia geral

denominada "Congresso do Partido". Na realidade, o poder repousa, na atualidade, nas mãos

dos permanentes, que são responsáveis pela continuidade do trabalho no interior da

organização, ou pertence o poder àquelas personalidades que dominam individual ou

financeiramente a empresa, à maneira dos mecenas ou dos chefes de poderosos clubes

políticos de interesse, do gênero do Tammany Hall. Reside o elemento novo e decisivo na

circunstância de que esse imenso aparelho - a "máquina", de acordo com a expressão

característica empregada nos países anglo-saxões - ou melhor, os responsáveis pela

organização podem fazer frente aos parlamentares e estão mesmo em condição de impor, de

forma considerável, a própria vontade. O elemento referido é de importância particular no que

diz respeito à escolha dos membros da direção do partido. Apenas aquele que a máquina se
disponha a apoiar, mesmo em detrimento da orientação parlamentar, poderá vir a

transformar-se em chefe. Em outras palavras, a instituição dessas máquinas corresponde à

instalação da democracia plebiscitária.” (94)

Esperam os militantes e, principalmente, os funcionários e dirigentes do partido,

naturalmente, que o triunfo do chefe lhes traga compensação pessoal: posições ou outras

vantagens. (94)

“Três qualidades determinantes do homem político podemos notar com precisão: paixão,

sentimento de responsabilidade e senso de proporção.” “Paixão no sentido de “propósito a

realizar”, ou seja, devoção apaixonada a uma “causa”, ao deus ou ao demônio que a inspira”

(107).

Senso de proporção significa que o homem político deve possuir a faculdade de permitir que

os fatos ajam sobre si no recolhimento e na calma interior do espírito. (108)

“Nesse contexto, desembocamos na questão decisiva. De forma cristalina, impõe-se que nos

demos conta do seguinte fato: qualquer atividade orientada segundo a ética pode ser

subordinada a duas máximas inteiramente diferentes e irredutivelmente opostas. A oritação

pode ser segundo a ética da responsabilidade ou segundo a ética da convicção. Não quer dizer

isso que a ética da convicção equivalha a ausência de responsabilidade e a ética da

responsabilidade, a ausência de convicção. Não é nada disso, evidentemente. Sem embargo,

oposição profunda há entre a atitude de quem se resigna às máximas da ética da convicção –

diríamos em linguagem religiosa, “O cristão cumpre seu dever e, quanto aos resultados da

ação, confia em deus” – e a atitude de quem se orienta pela prática da responsabilidade que

diz: “Devemos responder pelas previsíveis conseqüências de nossos atos”. Perderá tempo

quem busque mostrar, de maneira a mais persuassiva possível, a um sindicalista apegado à


verdade da ética da convicção, que sua atitude não terá outro efeito senão o de fazer

aumentarem as possibilidades de reação, de tardar a ascensão de sua classe e de rebaixá-la

ainda mais – esse sindicalista não poderá acreditar. Sempre que as conseqüências de um ato

praticado por pura convicção se revelam desagradáveis , o partidário dessa ética não atribuirá

responsabilidade ao agente, mas ao mundo, à tolice dos homens ou à vontade de Deus, que

criou os homens desse jeito. Contrariamente, o partidário da ética da responsabilidade contará

com as fraquezas comuns do homem – já que, como dizia com muita profundidade Fichte, não

temos o direito de pressupor a bondade e a perfeição do homem – e entenderá que não pode

lançar a ombros alheios as conseqüências previsíveis de sua própria ação. Por conseguinte,

dirá : “Essas conseqüências são imputáveis à minha própria ação”. Aquele que toma o partido

da ética da convicção só se sentirá “responsável” pela necessidade de velar em favor da chapa

da doutrina pura, a fim de que ela não se extinga , de velar, por exemplo, para que se

mantenha a chama que anima o protesto contra a injustiça social. Seus atos, que podem

apenas e apenas dvem ter valor exemplar, mas que, considerados do ponto de vista do

objetivo essencial, aparecem como totalmente irracionais, objetivam apenas àquele fim:

estimular continuamente a chama da própria convicção. (115)

No entanto, esta análise não esgota a matéria. A nenhuma ética se permite ignorar o seguinte

ponto: com a finalidade de alcançar metas "boas", vemo-nos, freqüentemente, compelidos a

recorrer, de um lado, a meios desonestos ou, pelo menos, perigosos, e compelidos, de outro, a

contar com a possibilidade e mesmo a eventualidade de conseqüências desagradáveis.

Nenhuma ética pode dizer-nos em que momento e em que medida um objetivo moralmente

bom justifica os meios e as conseqüências moralmente perigosos. (115)


A violência é o instrumento decisivo da política. Pode-se ter idéia de até onde estender, do

ponto de vista ético, a tensão entre meios e fim, quando se considera a bastante conhecida

atitude dos socialistas revolucionários da corrente Zimmerwald. Durante a guerra eles já se

haviam declarado favoráveis a um princípio que se pode exprimir, de forma contundente, nos

seguintes termos: "Condicionados a escolher entre mais alguns anos de guerra seguidos de

uma revolução e a paz imediata não seguida de uma revolução, escolhemos a primeira

alternativa: mais/alguns anos de guerra!" (...) (115)

“... é perfeitamente ridículo, da parte dos revolucionários, condenar em nome da moral “a

política de força” praticada pelos homens do antigo regime, quando, afinal de contas, eles se

utilizam exatamente desse meio – por mais justificada que seja a posição que adotam quando

repelem os objetivos de seus adversários.” (116)

“Portanto, tudo indica que é o problema da justificação dos meios pelo fim que, de forma

geral, coloca em cheque a ética da convicção. Positivamente, não lhe resta, por certo, outra

possibilidade senão a de condenar qualquer ação que faça apelo a meios moralmente

perigosos. Convém realçar: logicamente. Sem embargo, no mundo das realidades,

constatamos, por experiência incessante, que o partidário da ética da convicção toma-se,

bruscamente, um profeta milenarista e que os mesmos indivíduos que, alguns minutos antes,

haviam pregado a doutrina do "amor oposto à violência" fazem, pouco tempo depois, apelo a

essa mesma força - à força última que levará à destruição de toda violência -, à semelhança

dos chefes militares alemães que, por ocasião de cada ofensiva, proclamavam: é a última, a

que nos conduzirá à vitória e nos trará a paz. Não pode suportar a irracionalidade ética do

mundo o partidário da ética da convicção. Ele é um racionalista "cosmo-ético". Dentre os

senhores, aqueles que conhecem Dostoiewski poderão, a esta altura, evocar a cena do Grande

Inquisidor na qual essa questão é exposta de maneira adequada. Impossível é conciliar a ética

da convicção e a ética da responsabilidade, bem como não é possível, se jamais se fizer


qualquer concessão ao princípio segundo o qual o fim justifica os meios, decretar, em nome da

moral, qual o fim que justifica um meio determinado. (116)

“Politicamente falando, quem não o percebe não passa de uma criança”. (117)

“O líder não é senhor absoluto dos resultados de sua atividade, devendo curvar-se também às

exigências de seus partidários, exigências que podem ser moralmente torpes.” (121)

É verdade que a política se faz com o cérebro, mas indiscutível, também, que ela não se faz

exclusivamente com o cérebro. No que se refere a esse ponto, razão cabe aos partidários da

ética da convicção. Não convém recomendar a ninguém que atue de acordo com a ética da

convicção ou consoante a ética da responsabilidade, bem como não se deve dizer-lhe quando

observar uma e quando observar outra. Convém apenas dizer-lhe unia coisa: quando, hoje em

dia, num tempo de excitação que, a seu ver, não é estéril- saiba, entretanto, que a excitação

não é sempre e nem mesmo genuinamente uma paixão autêntica – vemos subitamente surgir,

por toda parte, homens políticos animados pelo espírito da ética da convicção e proclamando:

“Não eu, mas o mundo é que é estúpido e vulgar; a responsabilidade pelas conseqüências não

cabe a mim, porém àqueles a cujo serviço estou; todavia, esperem um pouco e saberei

destruir porém àqueles a cujo serviço estou; todavia, esperem um pouco e eu saberei destruir

essa estupidez e essa vulgaridade" - diante de uma situação dessa, confesso que,

primeiramente, procuro informar-me a respeito do equilíbrio interior desses partidários da

ética da convicção. Tenho a impressão de que, nove vezes em dez, estarei diante de balões

cheios de vento, sem consciência das responsabilidades que assumem e embriagados de

sensações românticas. Sob uma ótica humana, isso não me interessa muito, nem me comove

absolutamente. Por outro lado, perturbo-me muito profundamente, diante da atitude de um

homem maduro - seja velho ou jovem - que se sente, de fato e com toda a alma, responsável

pelas conseqüências de seus atos e que, praticando a ética da responsabilidade, chega, em

determinado momento, a declarar: "Não posso agir de outro modo; paro por aqui". Uma
atitude dessa é autenticamente humana e é comovedora. Qualquer um de nós, que não tenha

ainda a alma totalmente morta, poderá vir a encontrar-se nessa situação. Dessa forma, vemos

que a ética da convicção e a ética da responsabilidade não se contrapõem, mas se completam

e, juntas, formam o homem autêntico, ou seja, um homem que pode aspirar à "vocação

política". (122/123)

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