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Os Cavaleiros

de Athena
Οι ματητές της Αθηνά

Thiago R. Miziara
Os Cavaleiros de Athena
Οι ματητές της Αθηνά

Um Romance fictício escrito e ilustrado por T.R. Miziara,

baseado em elementos reais da Tradição judaico-cristã,

na Mitologia Grega Clássica,

bem como nas Obras de Saint Seiya.

(Fanfic de interpretação livre e não oficial. Direitos de autores originais reservados.


Direitos do autor secundário reservado. Proibida a venda e a comercialização sem a
devida autorização do autor. Permitida a distribuição gratuita e sem fins lucrativos,
desde que citada a fonte autoral)
SUMÁRIO
LIVRO I – AS LENDAS DO GRANDE HIPERMITO
Capítulo 1 – A Teogonia
Capítulo 2 – A Cosmogonia
Capítulo 3 – A Tirania de Chronos
Capítulo 4 – A Titanomáquia
Capítulo 5 – O Roubo da Chama Divina
Capítulo 6 – As Lágrimas de Athena
Capítulo 7 – O Dia do Juízo

LIVRO II – AS LENDAS DE UMA ERA MITOLÓGICA


Capítulo 1 – O Desaparecimento de Zeus
Capítulo 2 – A Loucura de Poseidon
Capítulo 3 – A Fundação de Atlântida
Capítulo 4 – A Primeira Guerra Santa
Capítulo 5 – Rodório e os Cavaleiros do Zodíaco
Capítulo 6 – A Criação das Armaduras
Capítulo 7 – A Destruição de Atlântida

LIVRO III – AS LENDAS DE UMA ERA ANTIGA


Capítulo 1 – Uma nova Humanidade
Capítulo 2 – A Vila de Rodório e a Criação do Santuário de Athena
Capítulo 3 – A Maldade de Éris e o Frenesi de Ares
Capítulo 4 – Os Quatro Exércitos de Ares
Capítulo 5 – As Armaduras Negras
Capitulo 6 – A Rainha da Morte
Capítulo 7 – A Punição do Grande Culpado

LIVRO IV – AS LENDAS DE UMA IDADE MÉDIA


Capítulo 1 – Tenma, Alone e Sasha
Capítulo 2 – Os laços de flor
Capítulo 3 – Um passeio no Submundo
Capítulo 4 – O cativeiro de Alone
Capítulo 5 – O ataque dos deuses oníricos
Capítulo 6 – O Quadro Perdido
Capítulo 7 – Os sobreviventes da Guerra Santa

LIVRO V - AS LENDAS DE UMA NOVA ERA


Capítulo 1 – Traição no Santuário
Capítulo 2 – A Guerra Galáctica
Capítulo 3 – Os Cavaleiros de Prata
Capítulo 4 – A Batalha das 12 casas
Capítulo 5 – O Ressurgimento de Poseidon
Capítulo 6 – A Última Guerra Santa contra Hades
Capítulo 7 – O Destino de Seiya
LIVRO VI – AS LENDAS DE UM FUTURO VOLÚVEL
Capítulo 1 – Uma brincadeira de Chronos
Capítulo 2 – A Viagem ao Passado
Capítulo 3 – Um Passado Diferente
Capítulo 4 – O 13º Cavaleiro do Zodíaco
Capítulo 5 – O Colapso do Universo e a Próxima Dimensão
Capítulo 6 – O Retorno de Zeus
Capítulo 7 – A Volubilidade do Futuro

LIVRO VII – AS LENDAS DOS ÚLTIMOS DIAS


Capítulo 1 – O Meteoro do destino
Capítulo 2 – A Origem do Multiverso
Capítulo 3 – A Morte de Seiya
Capítulo 4 – Os Cavaleiros do Ômega
Capítulo 5 – O Último Cavaleiro de Pégaso
Capítulo 6 – Um Universo de Caos
Capítulo 7 –
LIVRO I

As Lendas do Grande
Hipermito
CAPÍTULO 1 – A TEOGONIA

A Origem dos deuses

No princípio, havia apenas o Ser Supremo. Tudo era o Ser Supremo. E


o Ser Supremo era tudo o que havia. O Ser habitava as profundezas de sua
própria Existência, Ele conhecia tudo sobre Si próprio dentro de Si mesmo, e
Ele amava tudo o que conhecia sobre Si próprio dentro de Si mesmo.
Ele era “o que” era, Ele era “quem” era, e Ele era “onde” estava.
Ele sabia “o que” era. Ele sabia “quem” era. Ele sabia “onde” estava.
E Ele amava “o que” era. Ele amava “quem” era. E Ele amava “onde”
estava.
E foi então que, após uma eternidade de Éons em que o Ser
contemplou a absoluta perfeição daquilo que Ele era/conhecia/amava, houve
um certo “momento” em que o Ser percebeu que tudo aquilo que conhecia e
amava era exata e absolutamente aquilo que “era Ele mesmo”, e que nada
existia além daquilo que Ele era, conhecia e amava.
E então o Ser se manifestou, pela primeira vez, falando:
- Eu Sou !
Essas Palavras foram a primeira manifestação do Ser Supremo. E
essas Palavras ecoaram no Infinito que era o próprio Ser, e nunca mais esse
som deixou de existir. Essa frase para sempre passou a existir. E desde o
momento em que o som das Palavras ecoou no Infinito que havia dentro do Ser
Supremo, a imagem invisível de uma Luz Azul e esférica surgiu em meio à
vastidão do Todo.
E então o Ser olhou para dentro de Si mesmo e contemplou essa Luz
Azul e esférica por eternidades sem fim. Quando finalmente conheceu,
entendeu e compreendeu por inteiro o que era aquela imagem invisível (e que
aquela Luz Azul era Ele mesmo), o Ser se manifestou pela segunda vez e
falou:
- Eu Sei !
Essas Palavras foram a segunda manifestação do Ser Supremo. E
essas Palavras ecoaram no Infinito que era o próprio Ser, e nunca mais esse
som deixou de existir. Essa frase para sempre passou a existir. E desde o
momento em que o som dessas Palavras ecoou no Infinito que havia dentro do
Ser Supremo, a imagem invisível de uma Luz Amarela surgiu de dentro da Luz
Azul e esférica, e começou a envolvê-la infinitamente em meio a vastidão do
Todo. A Luz Amarela nascia de dentro da Luz Azul e a envolvia para todo o
sempre.
E então, por eternidades sem fim (Éons e mais Éons de infinito tempo-
presente que nunca passa), o Ser Supremo olhou para dentro de Si mesmo e
contemplou essa imagem invisível e esférica formada por essa Luz Amarela
que surgia de dentro daquela Luz Azul. E o Ser desejava profundamente para
Si próprio aquela imagem infinita e invisível, porque aquela imagem era Ele
mesmo. Nasceu no Ser uma Vontade Infinita e Suprema que se inclinava sobre
a imagem. E Ele amava infinitamente aquela imagem. Quando finalmente
compreendeu por inteiro que aquela imagem invisível da Luz Azul envolvida
pela Luz Amarela era tudo o que realmente desejava/queria/amava por toda a
eternidade (e nada mais), então o Ser se manifestou pela terceira vez e falou:
- Eu Amo !
Essas Palavras foram a terceira manifestação do Ser Supremo. E
essas Palavras ecoaram no Infinito que era o próprio Ser, e nunca mais esse
som deixou de existir. Essa frase para sempre passou a existir. E desde o
momento em que o som das Palavras ecoou no Infinito que havia dentro do Ser
Supremo, a imagem invisível de uma Luz Vermelha surgiu de dentro do núcleo
interior da Luz Azul e esférica, atravessou a Luz Amarela que envolvia a Luz
Azul, e envolveu esfericamente tanto a Luz Amarela quanto a Luz Azul. A Luz
Vermelha surgia de dentro das outras duas e as envolvia infinitamente em meio
à vastidão do Todo. A Luz Vermelha nascia de dentro da Luz Azul, passava
pela Luz Amarela e surgia de dentro da Luz Amarela, e, por fim, as envolvia
para todo o sempre.
Ocorreu, desse modo, uma outra eternidade sem fim (Éons e mais
Éons de infinito tempo-presente que nunca passa), na qual o Ser Supremo
olhou para dentro de Si mesmo e contemplou essa imagem invisível e esférica
formada por essa Luz Vermelha que surgia de dentro daquela Luz Amarela,
que surgia de dentro daquela primeira Luz Azul e esférica. E o Ser conhecia e
amava aquela imagem invisível e infinita, porque essa imagem era a Expressão
máxima e definitiva de Si mesmo, a maior prova da Sua AutoExistência. A
imagem era a prova definitiva de que Ele era o Ser Supremo (Onipresença), o
Saber Supremo (Onisciência), e o Querer Supremo (Onipotência).
O surgimento daquela Imagem Divina era a prova necessária de que o
Ser era Todo-Poderoso (Onipotente), conhecia todas as coisas (Onisciente) e
estava presente e era Ele mesmo todas as coisas (Onipresente).
Não se pode amar/desejar aquilo que não se conhece, nem pode se
conhecer aquilo que não existe. Logo, só se ama aquilo que se conhece. E só
se conhece aquilo que existe. A Vontade Suprema se inclina infinitamente
sobre o Conhecimento Supremo, desejando-O. E o Conhecimento Supremo se
inclina infinitamente sobre o Ser Supremo, conhecendo-O. E o Ser Supremo dá
origem ao Conhecimento Supremo e à Vontade Suprema ao inclinar-Se sobre
Si mesmo. O Ser Supremo amava tudo o que era porque conhecia tudo o que
era. E Ele só amava e conhecia tudo o que era porque Ele próprio era a Fonte
de tudo aquilo que conhecia e desejava.
Em suma, Ele era tudo o que conhecia. Ele era tudo o que desejava. E
Ele era a Fonte do que Conhecia e do que Desejava. Logo, Ele era ao mesmo
tempo a Fonte e a Origem de Si mesmo.
Aquela imagem invisível de Luz Tricolor era a maior prova de que o Ser
Supremo não só É, como também tem o poder de fazer ser e existir tudo aquilo
que deseja, por meio do poder de Sua própria Vontade, pois conheceu e
desejou a Si mesmo, e, assim, deu Origem a Si mesmo. Aquela imagem de
Luz invisível é a prova da Sua Onipotência, isto é, de seu Poder Absoluto, pois
Sua Vontade Suprema fez surgir a imagem completa, perfeita e definitiva do
próprio Infinito, que é o seu Ser.
O Poder Absoluto, isto é, a Onipotência é a consequência direta e
necessária da Suprema Vontade, pois tudo o que o Ser desejava
instantaneamente passava a existir, inclusive a estrutura de seu próprio Eu
(que era, até então, o único e absoluto objeto de seu Infinito Querer).
Ouvia-se, pois, nas profundezas do Infinito o som reverberante e eterno
daquelas 3 frases: “Eu Sou... Eu Sei... Eu Amo...”
Então, ouvindo aquele som eterno de Suas três mais veementes
afirmações sobre Si mesmo ecoando simultaneamente pelo Infinito, surgiu no
Ser Supremo a vontade de Afirmar novamente a Verdade sobre seu Ser,
porém dessa vez de uma só vez e em uma única manifestação. Movido pela
Sua Suprema Vontade, o Ser então pronunciou a seguinte frase:
- Eu Sou, Eu Sei, Eu Amo... EU SOU... DEUS !
O som dessa nova afirmação chocou-se violentamente com os 3
primeiros sons que já ecoavam simultaneamente e de modo perene no Infinito,
como uma quarta nota que se junta a outras três notas harmônicas de um
único acorde perfeito e belíssimo. A Música do Ser.
Houve um tremendo tremor e comoção nas profundezas do Infinito.
Aquela perfeita imagem invisível constituída pela Luz Tricolor foi
instantaneamente distinguida de algo negro, profundo e vazio: o Nada (Caos).
O Nada se definia naquele momento como uma mera sombra da
Essência verdadeira. É que a mais absoluta afirmação do Ser deu-se com tanta
necessidade, que só poderia fazer isso em face de algo que “Não Era”, “não
existia” e “não tinha imagem alguma”. Ora, o “Ser” percebeu que só se afirma
algo quando se tem necessidade de se contrapor a outro algo. E aquilo que o
“Ser” afirmou era a Sua própria Auto Existência. Isso fez surgir algo estranho
ao redor do “Ser”: o “Não Ser” (o Caos). Assim, mesmo sem querer, ao Se
afirmar, o “Ser” parecia ter dado origem a um “Não Ser”. Digo “parecia”, porque
o “Não Ser” não existia de verdade, apenas aparentava estar ali. Apenas
parecia existir. Ele não existia de verdade porque não tinha substância alguma.
Não tinha essência nenhuma. Era antes uma ausência de existência, uma
ausência de substância, uma ausência de som, uma ausência de imagem, isto
é, uma total ausência de ser. Era contra o “Não Ser” que o “Ser”
constantemente e infinitamente se auto afirmava. Era contra aquele vazio que o
Ser gritava “Eu sou”. Era contra o Caos que Deus se afirmava, dizendo “Eu
Sou tudo o que Você não é”.
O “Ser” era a Luz Perfeita. A Imagem Eterna. A Música Perene.
O “Não Ser” era a Treva, o Nada Vazio, e o Silêncio Perene. A absoluta
ausência de tudo o que era o Ser. O Nada era o grande paradoxo da
Eternidade. Se o “Ser era”, como poderia “Não Ser”? Ou havia o “Ser” ou havia
o “Não Ser”. Ou havia o “Todo”, ou havia o “Nada”. Ou havia o “Sempre”, ou
havia o “Nunca”. Em suma, ou havia “Deus”, ou havia “Caos”. Era impossível o
“Ser” e o “Não Ser” existirem simultaneamente, pois a essência de Um
contradiz e exclui a “inessência” do Outro. E era contra o “Nada” que o Ser
passou a lutar com todas as suas forças. Quanto mais forte ecoava o som
eterno do Ser, que gritava “EU SOU”, mais densas pareciam crescer aquelas
trevas que eram o Nada e o Vazio (o Caos).
E, assim, o Ser percebeu que Sua Existência era absolutamente
necessária, pois se Ele não existisse, nada mais existiria. Seria apenas o
Vazio, o Nada, isto é, o Caos. Haveria apenas o “Não Ser”. O Ser olhou para Si
próprio e proclamou:
- Eu Sou! Eu sou Necessário! Eu sou Bom!
O Caos se remexeu ao redor do Ser, como se quisesse crescer mais
ainda. Porém, o Ser olhou para o Caos e proclamou:
- Você Não É. Você não é necessário... Não é bom!
Então, com um ato de bravura contra o “Não Ser”, o “Ser” resolveu
humilhar aquele Caos debochado e desnecessário (que era o Nada, o Vazio, o
Não Ser). O “Ser” desejou que o “Não Ser” se tornasse algo. E, como já dito,
tudo o que o “Ser” desejava passava a existir. Porém, não bastava que o “Ser”
se auto afirmasse novamente, dizendo “Eu Sou”, pois isso só faria “surgir
novamente” a Luz Eterna que é o Seu próprio Ser (e isso não era preciso fazer
de novo, pois a Luz Eterna já existia desde toda a eternidade). Se Ele dissesse
“Eu Sou”, essa frase só faria surgir o Ser que já era (e o Ser já existia desde
todo o sempre).
O “Ser” não podia pensar em toda a Perfeição de tudo o que conhecia,
pois se assim fizesse, o que seria gerado seria absolutamente um Ser idêntico
a Ele mesmo. E isso Ele já tinha feito antes. Ele queria que existisse algo
diferente Dele mesmo. Portanto, o Ser pensou em algo um pouco menos
perfeito do que Ele mesmo. O “Ser” parou de só pensar em Si mesmo, de só
conhecer a Si mesmo e de só desejar a Si mesmo. Ele pensou em algo
diferente. E Ele planejou e conheceu profundamente tudo o que seria esse
novo algo. E Ele desejou profundamente que esse novo algo existisse.
O “Ser” estava pronto para humilhar o “Não Ser”. O “Ser” estava pronto
para ordenar que o “Não Ser” se tornasse algo. E esse algo seria diferente de
tudo o que já existiu antes, diferente até mesmo do próprio Ser Supremo.
Então, movido pela Sua Suprema Vontade, o Ser Supremo desejou
profundamente que existisse uma criatura bem parecida com Ele mesmo,
porém menos perfeita. E, após pensar, projetar e desejar essa criatura, Ele por
fim disse:
- Faça-se a luz !
E pelo poder da Suprema Vontade1 de Deus, a luz foi feita. Houve um
grande estouro2. Uma quantidade enorme de energia e matéria simplesmente
irrompeu do Nada e passou a preencher todos os recônditos do Nada,
expandindo-se cada vez mais e “desfazendo” aquele Caos. Era o fim do
“Caos”, e o início do “Cosmos”.
A partir do “Nada”, Deus criou algo novo, Deus fez algo inédito. Tirou
um “ser” daquilo que era um “não ser”. Foi a Grande humilhação do Caos. Com
isso, Deus destruiu o Caos e fez surgir um Universo onde antes não havia
nada. Foi a origem do Cósmos3.
Juntamente com o Universo, Deus fez surgir uma porção de criaturas
espirituais, formadas de pura energia cósmica. Essas criaturas eram muito
parecidas com o Ser Supremo, pois também nasceram da Vontade que Deus
tinha de criar algo apenas um pouco menos perfeito que Ele mesmo. Por esse
motivo, essas criaturas herdaram uma quantidade grande de características de
Deus. Dentre elas, a que mais interessa ressaltar é a capacidade de realizar

1
“Big Will”. Em inglês, significa “Grande Vontade” ou “Suprema Vontade”. Também conhecido pelos fãs pelo termo “Suprema
Virtude”. Big Will é um termo idealizado por Kurumada, em sua obra intitulada Hipermito (que na verdade se trata de um
compêndio ou apêndice de Saint Seiya). Nesta obra, trata-se da Vontade Divina, um Poder capaz de realizar qualquer coisa.
Curiosamente, esse termo coincide com o conceito teológico de Vontade Divina ou Divina Providência, oriundo da Tradição
judaico-cristã.
2
“Big Bang”. Evento a partir do qual teria começado a existir o Universo, segundo a teoria científica mais aceita atualmente. Essa
teoria também foi acolhida pela Obra de Kurumada, segundo o que consta do Hipermito.
3
“Cosmos” em grego significa “Ordem”, “Mundo”, “Universo”. Ou seja, é o antônimo de “Caos”.
tudo aquilo que desejam. O Poder de fazer “milagres”. Isso mesmo. As
primeiras criaturas do universo herdaram a “Suprema Vontade” do Criador.
Por esse motivo, essas criaturas passaram a ser posteriormente
denominadas de “deuses” ou “anjos de Deus”, pois em muito se pareciam com
Deus, embora frequentemente não tivessem o mesmo comportamento ético e
amoroso que sempre apresentava o “Ser Supremo”. Esse comportamento
sempre correto e constante os deuses não herdaram de seu Criador. Eles
poderiam fazer o que quiser, seja bem ou mal. Isso era chamado “Livre-
Arbítrio”4.
Essa foi a origem dos primeiros “deuses” do Universo. E eles surgiram
mais ou menos junto com a emanação de toda a matéria e energia que formou
o Cósmos. Por esse motivo, era impossível dizer exatamente quando eles
surgiram. Mas é consenso que os primeiros “deuses” surgiram há cerca de uns
14 bilhões de anos, junto com os primeiros resquícios do Universo que
conhecemos. Os deuses, assim, tiveram um início. Não são seres eternos,
como Deus. São seres eviternos5, isto é, são imortais. Apesar de criados, sua
predestinação precípua é não ter um fim.
Da mesma forma que o Universo foi evoluindo e se aperfeiçoando, os
deuses foram evoluindo e às vezes até mesmo gerando novos deuses. É assim
que a Teogonia6 não pode ser, de modo algum, separada da Cosmogonia7.
Então, no princípio do Universo, a Teogonia se deu da seguinte
maneira:
Deus criou primeiramente 2 casais de seres imortais, cada casal para
presidir um aspecto do recém-criado Cósmos. O primeiro casal deveria presidir
a “matéria clara”, enquanto que o segundo casal deveria presidir a “matéria
escura”.
Então, esta era a Vontade de Deus: que o primeiro casal desejasse e
amasse a parte da criação relacionada à “matéria clara”, enquanto que o
segundo casal desejasse e amasse a parte da criação relacionada à “matéria
escura”. O primeiro casal de deuses era Urano e Gaia. O segundo casal de
deuses era Érebo8 e Nix.

4
“Livre-Arbítrio”. Esse termo é oriundo da Teologia cristã, e significa a capacidade que os seres racionais têm de escolher fazer
tanto o bem quanto o mal. Diferencia-se do termo “Liberdade”, que significa a capacidade de poder fazer o que quiser, mas só
querer fazer o bem. Enquanto o Criador detém a Liberdade perfeita, as criaturas racionais (sejam elas mortais ou imortais) detêm
apenas o “Livre-arbítrio”.
5
“Eviterno”. Termo teológico que significa “aquilo que tem início, mas não tem fim”. Diferencia-se de “Eterno” pelo fato de que
este é “aquilo que não tem início nem tem fim”. “Temporal” é aquilo “que tem início e fim”. Enquanto o Ser Supremo é Eterno, os
deuses criados são eviternos, e as demais criaturas são temporais.
6
“Teogonia”. Palavra grega que significa a “Origem dos deuses”, evento que na mitologia grega se refere às gerações dos
primeiros deuses e de seus descendentes.
7
“Cosmogonia”. Palavra grega que significa “Origem do Cosmo”, evento que na mitologia grega se refere ao início de todas as
coisas do Universo, isto é, do Universo em si.
8
“Érebo”. É o deus das trevas na mitologia grega. É o mesmo deus “Apsu” da mitologia sumeriana.
E de fato, assim que passou a existir, Urano conheceu tudo sobre a
matéria clara e passou a amar e a desejar as coisas claras. Urano era um deus
que inclinava sua SV9 sobre todas as coisas abstratas e invisíveis da matéria
clara, isso incluía todo o tipo de energia e força invisível, como o magnetismo,
a gravidade, a eletricidade e o próprio espaço profundo em si mesmo. O
conjunto de todas essas coisas materiais que não se podem ver é chamado
tradicionalmente de “céu” ou “firmamento”, pois são a “base estrutural invisível”
das coisas concretas que se podem ver na matéria clara. Desse modo, Urano é
considerado o “deus-céu” ou o “pai-céu”.
Sua esposa era Gaia. E, de fato, conforme determinado pela Suprema
Vontade de Deus, assim que Gaia passou a existir, ela passou a conhecer e a
amar todas as coisas claras. Como Urano se inclinou sobre a parte abstrata da
matéria clara, Gaia se debruçou sobre a parte mais concreta, visível e passiva
da matéria clara. O conjunto de todas essas coisas concretas, brutas e visíveis
da matéria clara é tradicionalmente chamado de “terra”. Desse modo, Gaia é
considerada a “deusa-terra” ou a “mãe-terra”.
Urano e Gaia se relacionavam intimamente, como verdadeiro casal.
Urano agia ativamente (arquétipo masculino), enquanto Gaia agia
passivamente (arquétipo feminino). Era muito evidente a forma como o desejo
de Urano de estruturar algo complementava o desejo de Gaia de ser
estruturada por algo. De fato, a parte visível da matéria clara era
constantemente influenciada e moldada pela outra parte invisível da matéria
clara. E, assim, a energia gravitacional, a eletricidade, o magnetismo e as
demais outras forças ocultas e invisíveis da natureza começou a estruturar e a
dar forma a átomos, a moléculas, que mais tarde formaram estrelas, que mais
tarde formaram galáxias, planetas, satélites e demais corpos brutos e visíveis
do Universo Cósmico.
Desse modo é que, desde o princípio do Cósmos, Urano e Gaia
colaboraram com o Ser Supremo na formação e na estruturação da principal
parte da Criação. Deus ia criando tudo. Urano e Gaia iam ajudando, pois seu
desejo se inclinava para essas coisas. Não que Deus não pudesse fazer tudo
sozinho. Ele podia. E muitas vezes Ele realmente teve que concluir os
trabalhos, enquanto seus deusinhos se distraíam com as curiosidades da
matéria. Mas Ele permitia que os seres imortais participassem da Criação,
porque queria humilhar ainda mais o Caos ao permitir que outras criaturas que
não fossem onipotentes pudessem moldar e formar algo onde antes não havia
nada. Sim, digo “criaturas” porque os deuses (os primeiros espíritos imortais),
embora fossem muito poderosos, não existiram desde todo o sempre. Foram
9
SV, abreviação de “Suprema Vontade” ou “Suprema Virtude”.
criados por Deus a partir do Nada, assim como todas as outras coisas do
Universo.
Quanto ao segundo casal de imortais, como já dito, foi-lhes ordenado
por Deus que presidissem a matéria escura. Essa matéria escura é algo ainda
totalmente desconhecido pela humanidade. Mas em termos de retórica,
podemos dizer que a “matéria escura” é a “antimatéria”, ou seja, é o exato
contrário-oposto da “matéria clara”. Por exemplo, sua mão direita é exatamente
igual à sua mão esquerda, exceto pelo fato de que a esquerda é o inverso da
direita. Assim, analogicamente falando, pode-se dizer que a antimatéria é como
a existência espelhada e inversa da matéria.
De fato, conforme determinado pela Suprema Vontade de Deus, assim
que Érebo foi criado, esse deus conheceu e desejou a “matéria escura”. Érebo
amava mais que tudo a “matéria escura”, e seu desejo se inclinava para as
partes mais abstratas e invisíveis da “matéria escura”. De modo grosseiro,
pode-se dizer que Érebo é o avesso espelhado de Urano.
Ademais, conforme previsto e querido por Deus, assim que Nix passou
a existir, essa deusa conheceu e desejou profundamente a “máteria escura”,
inclinando-se para a parte mais bruta, concreta e visível da “matéria escura”.
Também de modo analógico, pode-se dizer que a deusa Nix é o avesso
espelhado da deusa Gaia. Assim, enquanto Urano é o “deus-céu”, Érebo
passou a ser conhecido como o “deus-trevas”. De modo semelhante, enquanto
Gaia era conhecida como “deusa-terra”, Nix passou a ser chamada de “deusa-
noite”.
Érebo e Nix também se relacionavam intimamente e de forma
complementar, assim como Urano e Gaia se relacionavam. E esse
relacionamento deu origem a estruturas desconhecidas e ocultas da “matéria
escura”, um Universo inteiro formado de “antimatéria”. Nenhum humano
chegou a compreender como funciona esse universo invertido. Muitas vezes
ele parece muito real, outras vezes parece ser formado apenas de ilusões e
fantasias.
Por fim, do relacionamento de Urano e Gaia nasceram também outros
deuses primordiais, deuses poderosos que ajudavam seus pais a organizar o
Universo Cósmico. De modo genérico, essa primeira geração de deuses
nascidos de Urano e Gaia passou a ser conhecida como Titãs ou “deuses
titânicos”, pois seus poderes regulavam uma porção de forças do Cósmos.
Os primeiros titãs a surgirem no universo foram os gêmeos Chronos e
Kairós, os deuses do tempo. Isso porque a existência da matéria e da cadeia
de causas e efeitos fez surgir uma sucessão de eventos que iam de um início,
passavam por um meio e chegavam ao seu fim. Essa cadeia de eventos se
chamou tempo. Pela primeira vez em toda a Eternidade, o tempo passou a
existir.
Enquanto Chronos regia o tempo linear, Kairós fazia pontes
intertemporais, ia ao passado e voltava ao presente, visitava o futuro e voltava
dizendo qual era o melhor presente a ser escolhido. Chronos passou a ser
conhecido como o “deus do tempo linear”, enquanto Kairós passou a ser
conhecido como o “deus do tempo oportuno”. Portanto, de Urano e Gaia
nasceram Chronos e Kairós, os Titãs do tempo.
Ademais, após o nascimento dos titãs gêmeos, Gaia desejou ter um
filho apenas seu, sem que Urano colaborasse com a geração. Foi a primeira
Partenogênese10 da teogonia. Assim, da Suprema Vontade de Gaia nasceu um
deus chamado Pontos, o deus das profundezas da matéria sem forma.
Após o nascimento de Pontos, Urano e Gaia se relacionaram muitas
vezes novamente. Eles deram origem juntos ainda a outros Titãs, como o deus
Oceano, a deusa Clímene, a deusa Téia, a deusa Tétis, o deus Kéios, o deus
Kreiós, o deus Hypérion, o deus Jápeto, a deusa Feíbe, a deusa Mnemôsine, a
deusa Têmis, a deusa Afrodite11, e, por fim, a deusa Réia.
Esses eram todos os Titãs. Se houve mais ou menos Titãs dos que
acima foram mencionados, ou se alguns desses surgiram de modo diferente,
não é sabido de modo específico, pois a teogonia titânica ocorreu há bilhões de
anos antes do surgimento da raça humana, e muitos dos eventos desse
passado longínquo não se tornou conhecido ou simplesmente foi esquecido.
Mas de modo genérico, pode-se dizer que todos os deuses Titânicos nasceram
do primeiro casal de deuses imortais, Urano e Gaia.
Mas não pensem que o segundo casal primordial de deuses imortais
ficou atrás de Urano e Gaia, pois Érebo e Nix também colocaram em seu
“universo escuro” uma porção de seres sombrios e poderosos, que regiam
aspectos curiosos daquela antimatéria. Essa primeira geração de deuses
nascidos de Érebo e Nix ficaram conhecidos como os AntiTitãs12. Assim como
Urano e Gaia deram origem primeiramente a uma dupla de deuses gêmeos,
Érebo e Nix também deram origem primeiramente a uma dupla de deuses
gêmeos chamados Thânatos e Hypnos.
Se Chronos controlava linearmente o tempo, Thânatos controlava um
aspecto bizarro desse “anti-tempo” ou “tempo invertido”, a chamada
efemeridade. Desse modo, Thânatos arrastava todas as coisas criadas a um

10
“Partenogênese”. Gaia foi a primeira deusa primordial a gerar um filho sem a participação de um consorte.
11
Classicamente, Afrodite surgiu dos testículos decepados de Urano. Porém, essa adaptação foi feita para simplificar o enredo e
torná-lo mais coerente com a narrativa do hipermito, no qual Chronos atrai o antagonismo para si só.
12
“AntiTitã”. Termo cunhado apenas para esta ficção, para relacionar melhor o tipo de poder que esses deuses tinham em
referência aos Titãs.
fim estranho, silencioso e irremediável conhecido como Morte. A Morte era o
fim de qualquer coisa criada, e, no princípio, até mesmo os deuses tiveram
medo da Morte, pois não sabiam ao certo se poderiam ou não estar sujeitos a
esse fim misterioso.

(Depois iremos explicar como os imortais podem ou não estar sujeitos


aos poderes de Thânatos, mas não há necessidade de dar detalhes sobre isso
neste momento em específico da história).

Se Kairós controlava oportunamente o tempo, Hypnos controlava


oportunamente a Morte, isto é, ele tinha o poder de lançar pelo período que
quisesse qualquer criatura do Universo em um torpor semelhante à morte.
Esse torpor estranho e bizarro, com gosto de morte, controlado por Hypnos,
passou a ser conhecido como Sono. Desse modo, Thânatos passou a ser
denominado “deus da morte”, enquanto seu irmão gêmeo Hypnos passou a ser
chamado de “deus do sono”.
Após Érebo e Nix gerarem os gêmeos Thânatos e Hypnos, o casal
gerou ainda uma outra porção de seres estranhos, como as Erínias 13, as
Keres14 e as Moíras (ou Parcas)15.
As deusas Erínias são Éres16 (a deusa do ódio), Nêmesis (deusa da
vingança), Tisífone (deusa do castigo), Megera (deusa do rancor), e Alecto
(deusa abominável).
As deusas Keres são Ker (a deusa da destruição), Anaplekte (a deusa
da fatalidade), Akhlys (a deusa do sumiço), Nosos (a deusa da doença),
Stýgere (deusa da raiva), Híbris (a deusa do orgulho), Limos (a deusa da
fome), e Poiné (a deusa do castigo).
As deusas Moíras tecem os fios das vidas de todos os seres viventes,
sejam eles mortais ou imortais. Elas são Cloto (a deusa que fia o passado),
Láquesis (a deusa que fia o presente), e Átropos (a deusa que fia o futuro, ou
melhor, a deusa que corta os fios). As Moíras conhecem o passado, o presente
e o futuro de todas as coisas.
Assim, em suma, tem-se que Érebo e Nix deram origem aos Gêmeos
Thânatos e Hypnos, bem como às Erínias, às Keres e às Moíras. Essa primeira

13
“Erínias”. Palavra grega que significa “fúrias”. Estão associadas aos acessos de raiva e ira dos deuses e dos homens.
14
“Keres”. Palavra grega que significa “desgraças”. Estão associadas aos infortúnios, ao azar, à violência e aos desastres
suportados pelo mortais.
15
“Moíra”. Palavra grega que significa “destino”, “fado” ou “fatalidade”, algo do qual não se pode escapar.
16
“Éres”. Segundo a tradição de Homero, Éris seria uma filha de Zeus. Porém, segundo a tradição de Hesíodo, Éris é filha de Nix.
Evidentemente, os filósofos se referiam à mesma entidade, dando-lhe, contudo, origens diferentes e causando uma grande
confusão até hoje não resolvida. Aqui nesta obra, para evitar a mistura, optei por manter as duas origens, mas grafando a filha de
Nix com a vogal “e”, ficando Éres. Já a filha de Zeus, optei por grafar com a vogal “i”, ficando Éris. Portanto, nesta história, Éres e
Éris são deusas diferentes que controlam o mesmo aspecto da realidade: o ódio e a discórdia.
geração de deuses obscuros que voltavam sua Vontade para as coisas da
“matéria escura” (ou antimatéria) se chamava “AntiTitãs”.
O primeiro dos deuses Titânicos e AntiTitânicos a descobrir que
possuía o poder de gerar outros filhos por si mesmo, sem se relacionar com um
outro deus ou deusa, foi o AntiTitã Hypnos. Ele descobriu que o Titã Pontos
não havia nascido da relação entre Urano e Gaia, mas tão somente de Gaia, e
procurou se informar sobre o processo da Partenogênese. Ele descobriu como
realizar a gênese de deuses por si só. Ele então começou a desejar possuir
ajudantes para acompanhá-lo na tarefa de comandar o reino do Sono. E por
meio da sua SV, Hypnos deu origem a quatro outros deuses do sono, que
saíram unicamente dele mesmo. São os chamados “deuses oníricos”. O mais
velho deles é Morpheus (o deus do torpor), seguido por Oneiros (o deus dos
sonhos), seguido por Íkelos (o deus das ilusões), seguido, ao final, por
Phântasos (a deusa das fantasias). Portanto, Hypnos foi o primeiro a iniciar a
segunda geração dos imortais.
Dizem que Jápeto, um dos Titãs, filho de Urano e Gaia, observando
como Hypnos havia gerado filhos, desejou ele também a ter alguns filhos por si
mesmo, sem ajuda de uma outra deusa. Foi Assim que Jápeto deu origem a
Prometheus (deus da estratégia e do treinamento racional e espiritual), a
Epimetheus (deus do treinamento emocional), e a Atlas (deus do treinamento
corporal). Esses 3 deuses agiam sempre em conjunto.
Dizem que muito tempo depois que foram gerados por Jápeto, após a
criação da humanidade (na sexta idade do Universo), esses 3 deuses se
apaixonaram pelos referidos humanos mortais e desejaram melhorá-los e fazê-
los parecidos com os deuses. Enquanto Atlas desenvolvia e tornava robustos
os corpos dos humanos, Epimetheus desenvolvia suas mentes e emoções, e
Prometheus treinava o lado espiritual e racional dos homens. A ação desses 3
deuses raramente era vista com bons olhos pelos demais deuses, pois estes
eram ciumentos e não queriam que a humanidade se parecesse com eles. Mas
isso é assunto para um outro momento. Voltemos para o assunto da Teogonia.
Por exemplo, podemos citar também que Hypnos e Jápeto não foram
os únicos deuses a quererem ter filhos. Dizem que o Titã Oceano (um dos
filhos de Urano e Gaia) tomou como esposa a Titânide chamada Clímene
(também filha de Urano e Gaia). Do relacionamento entre os Titãs Oceano e
Clímene nasceram os deuses sátiros, as deusas Ninfas, as deusas Melíades e
as deusas Musas17. Esses deuses e deusas são tão numerosos que seria
impossível citar pelo nome todos eles. Mas um dos sátiros mais famosos foi

17
Uma outra versão mitológica considera que as Musas são filhas de Zeus. Porém, uma vez que Zeus deu origem a outros tantos
deuses, resolvi seguir uma outra tradição menos popular.
Filoctetes (o treinador de heróis), e algumas das Ninfas e Musas mais
conhecidas pela humanidade foram Melissa, Ninfadora, Calíope, Clio, Tália,
Urânia, Plêione, etc.
Ademais, Chronos foi outro dos deuses da primeira geração que
desejou ter descendentes, dando origem a uma outra segunda geração de
deuses. Mas ele quis ter descendentes das duas formas: por geração
espontânea e individual (como fizeram Gaia, Hypnos e Jápeto), e também por
geração relacional e familiar (como fizeram os 2 casais primordiais, Urano/Gaia
e Érebo/Nix, bem como fizeram também o casal de Titãs, Oceano e Clímene).
Isso porque Chronos era um dos deuses mais orgulhosos, poderosos e
obstinados. Ele não queria ser menor ou ter menos feitos que os outros
deuses. E de fato, desde quando nasceu, Chronos demonstrou ter a maior SV
de todos os “deuses” até então gerados. O Poder de sua Vontade era maior até
que a de Urano. Portanto, quando Chronos decidia fazer algo, nenhum outro
deus conseguia desfazer ou ir contra. Os casais primordiais evitavam contrariá-
lo. Os Titãs e AntiTitãs o temiam e até mesmo obedeciam suas ordens.
Então, utilizando o tremendo Poder de sua SV, Chronos deu origem
por geração espontânea, aos 3 Hecatônquiros e aos 3 Ciclopes18. Os
Hecatônquiros eram criaturas bizarras, cheias de braços, pernas e um desejo
louco de girá-los infinitamente num redemoinho mortífero e destruidor.
Pareciam verdadeiros tornados em ação. Nenhum dos deuses gostava de ficar
perto dos Hecatônquiros, pois eles destruíam tudo o que chegava próximo a
eles. Já os Ciclopes eram gigantes com um único olho em seu rosto. Esse
olho, porém, era capaz de sugar tudo o que havia ao seu redor, semelhante a
um aspirador de ar, que sugava toda a energia e matéria cósmica ao seu redor.
Portanto, igualmente nenhum dos deuses queria ficar próximo dos Ciclopes.
Por esse motivo, após a reclamação de todos os outros deuses, o
próprio deus Chronos resolveu capturar e aprisionar seus filhos destruidores
em um local longínquo do Universo Cósmico, uma prisão chamada Tártaro. Era
um local interdimensional e intransponível, trancado pela SV de Chronos. O
Tártaro19 era um buraco negro dentro do espaço-tempo, uma prisão criada por
Chronos, da qual era impossível de se escapar por dentro. Só era possível ter
acesso ao Tártaro pelo lado de fora, e, mesmo assim, para abrir o Tártaro, era
preciso ter um poder tremendo, um poder que superasse a SV de Chronos. E,
até o momento, Chronos era o imortal mais poderoso conhecido.

18
Classicamente, os Hecatônquiros e os Ciclopes são filhos de Urano, e não de Chronos. Porém, uma adaptação foi feita neste
romance para que servisse melhor ao propósito do enredo e para simplificar de modo geral a história.
19
Classicamente, o Tártaro fica dentro de Gaia, a simbolizar o interior do planeta terra. Porém, uma vez que, nesse momento da
história, o planeta terra sequer havia sido criado, essa adaptação foi feita para servir melhor ao propósito do enredo e para dar
um alcance maior ao poder dos titãs.
Após a prisão dos Hecatônquiros e dos Ciclopes, milhares de anos
depois, por volta da sexta Era do Universo, Chronos resolveu que era hora de
gerar filhos pelo método relacional. Então, o deus Chronos (o filho mais velho
de Urano e Gaia) tomou como esposa a deusa Réia (a filha mais nova de
Urano e Gaia). E do relacionamento entre os dois nasceram os deuses da
terceira geração da matéria clara (que futuramente seriam chamados de
deuses Olimpianos). O nascimento da terceira geração de deuses se deu na
Sexta Era do Universo, após a origem da humanidade.
“Seriam” eles, na ordem de nascimento, a deusa Hera, a deusa Héstia,
a deusa Deméter, o deus Hades, o deus Poseidon, e por fim o deus Zeus.
“Seriam” três deusas e três deuses. Disse “seriam” porque na verdade esses
deuses foram gerados por Chronos e Réia, mas nunca foram vistos por mais
ninguém desde sua geração até o dia em que, dizem, a humanidade recém-
criada descobriu sobre a existência do “Poder do Cosmos”20.
Onde estavam os filhos de Chronos?? Todos os deuses começaram a
achar que esses deuses eram de mentira, que Chronos não foi capaz de gerar
filho nenhum. Chronos, contudo, se gabava frequentemente de ter dado origem
a outros seis deuses. De fato, segundo Chronos, ele havia dado origem a 12
deuses, seis dos quais estavam aprisionados no Tártaro e mais outros seis,
cujo paradeiro era desconhecido até então. Dizia que um dia iria superar a
capacidade de seu pai Urano de gerar muitos deuses, e iria gerar mais filhos
deuses que o número de Titãs gerados por Urano e Gaia. Essa afirmação
enchia de indignação os outros deuses. Será que Chronos teria uma SV tão
potente assim? Se era verdade, então onde estavam os outros 6 deuses?
O que aconteceu a esses 6 deuses e o motivo pelo qual nunca foram
vistos antes de os humanos despertarem para o “Poder do Cosmos” serão
contados no capítulo seguinte deste livro. Por hora, voltemos à Teogonia, a fim
de completar a lista da origem de todos os deuses conhecidos pela
humanidade.
Dos 12 filhos de Chronos, ao que se sabe, apenas Poseidon, Zeus e
Hera tiveram filhos. E Zeus teve tantos filhos que sequer se sabe a identidade
e o paradeiro de todos eles. Nesse quesito da geração, Zeus parece ter
superado seu Pai Chronos e seu avô Urano (ademais, como veremos no
próximo capítulo, Zeus irá superar seus ascendentes divinos em muitos outros
aspectos).

20
“Poder do Cosmos”. É como os homens conhecem o poder de realizar grandes feitos com base na sua própria vontade e
esforço. É o mesmo poder da Suprema Vontade, porém muito mais reduzido. Isso porque aos homens não basta apenas desejar.
Eles precisam explodir essa vontade, levando-a ao extremo. E mesmo assim o efeito é ainda muito menor que o causado pelos
deuses. Para conseguirem utilizar o poder cósmico ao seu favor, os homens precisam aprender a controlar o seu sétimo sentido.
Retomando, Zeus teve tantos filhos que sequer se sabe a identidade e
o paradeiro de todos eles. Dizem que Zeus chegou a ter cerca de 114 filhos,
sendo que, dentre eles, muitos foram até mesmo chamados de heróis pelos
humanos.
Porém, ainda que tenham sido numerosos os filhos de Zeus, vale a
pena lembrar os nomes dos filhos mais ilustres e conhecidos de Zeus e Hera21.
São eles os seguintes deuses da terceira geração: os gêmeos Apolo e Ártemis
(deuses do sol e a da lua, respectivamente), Ares (deus da guerra), Éris22
(deusa da discórdia), Hermes (deus dos ventos), Hefestos (deus da forja),
Dionísio (deus do vinho), Perséfone (deusa da primavera), Hércules (deus da
resiliência), Perseu (deus dos reis persas), Hebe (deusa da juventude), Estige
(deus dos rios), Pallas (deusa dos ciúmes), Kratos (deus da força física), Bia
(deusa da violência), Zelos23 (deus da rivalidade e do entusiasmo), e as
gêmeas Athena e Nike24 (as deusas das batalhas e da vitória,
respectivamente).
Quanto a Poseidon, dizem que, durante a Titanomáquia, esse deus
teve relações com a sua tia, a Titânide Tétis, dando origem a Chrysaor (deus
da lança dourada) e a Pégasos (deus que criou uma raça de cavalos alados,
que se tornaram conhecidos por esse mesmo nome)25.
No que se refere aos filhos de Zeus, sabe-se que, após a
Titanomáquia, o deus Hefestos se casou com a deusa Afrodite. Porém, como
Hefestos era feio e taciturno, a mencionada titânide nunca quis se deitar com
ele. Ao invés disso, tinha secretamente relações sexuais com o deus Ares, pois
este era belo e musculoso como seu pai Zeus. Da relação entre Ares e sua tia-
avó Afrodite nasceram Eros (deus do amor), Harmonia (deusa da concórdia),
Fobos (deus do medo) e Deimos (deus do pânico). Eros e Harmonia herdaram
a beleza e o temperamento de sua mãe Afrodite. Já Fobos e Deimos herdaram
o temperamento e a impetuosidade de seu pai Ares. Dizem que, quando Ares

21
Na verdade, na mitologia clássica, nem todos esses deuses listados são filhos de Zeus e Hera, mas apenas alguns são filhos dos
dois, outros são só de Hera, já outros são filhos do adultério de Zeus com outras deusas e até com humanas (semideuses). Por
exemplo, Perséfone é filha de Zeus com Deméter, já Hércules é filho de Zeus com a humana Alcmena, etc. Mas para simplificar a
história, evitar discussões morais, retirar o foco dos relacionamentos dos deuses e colocar o foco na história dos cavaleiros, optei
por adaptar os mitos e considerar que todos esses personagens são deuses (ignorando que entre os filhos de Zeus há semideuses)
e que são todos filhos do casamento entre Zeus e Hera.
22
Ver a nota de rodapé de número 14.
23
Uma outra corrente mitológica considera que o deus Pallas (macho) e a deusa Estige (fêmea) teriam gerado os deuses Kratus,
Bia, Zelos e Nike. Porém, na obra SS Ômega, Pallas é uma deusa (fêmea) e é chamada de irmã de Athena. Portanto, para
simplificar o mito, optei por seguir a adaptação feita pela Toei, por ser mais coerente com o panorama imaginado por Kurumada.
Nesse sentido, considerei Pallas como deusa (fêmea), Estige como um deus (macho) e que todos os filhos de Pallas seriam na
verdade seus irmãos (portanto, filhos de Zeus). Apenas uma simplificação que não traz prejuízo algum ao mito.
24
Ninguém nunca viu a deusa Athena sem estar ao lado da deusa Nike. Uma vez que, em todas as obras de saint seiya, e até
mesmo em todos os mitos, as duas deusas estão sempre juntas, considerei Athena como irmã gêmea de Nike. Apenas uma
adaptação, bem intuitiva e natural.
25
Na verdade, o mito clássico diz que Chrysaor e Pégasos são filhos de Poseidon com a Medusa. Nessa versão, Pégaso seria o
próprio cavalo alado. Porém, preferi adaptar a história do mito grego clássico para melhor atender às expectativas do hipermito.
Aqui, os dois deuses são filhos de Poseidon e Tétis, sendo que Pégasos é o criador dos cavalos alados, mas não o próprio cavalo.
saía para lutar nas suas guerras, seus filhos Fobos e Deimos iam à frente para
desestabilizar as tropas dos inimigos, garantindo a vitória para seu pai.
Portanto, foram mencionadas quatro gerações de deuses, que foram
surgindo desde a criação do Cósmos até depois do surgimento da
humanidade. Via de regra, sabe-se que o Poder Cósmico da SV dos deuses é
grande na primeira geração e vai enfraquecendo conforme se passam as
gerações, de modo que os deuses mais antigos são mais poderosos que os
deuses mais novos. Até hoje, as exceções a essa regra são Chronos e Zeus.
Isso porque Chronos superou o poder de seu pai Urano, e Zeus superou o
poder de seu pai Chronos. Assim, apenas na linhagem desses 3 deuses
(Urano -> Chronos -> Zeus), o poder cósmico da SV só foi aumentando com o
passar das gerações.
Ao que se sabe, essas foram as quatro gerações de deuses que
formam a lista da Teogonia, conforme se lembram os humanos mais sábios da
era clássica, bem como os nobres filósofos. Se existiram ou ainda existem
outros deuses além desses, é porque não chegaram a ser conhecidos pelos
humanos ou então foram esquecidos. Como já dito, o próprio Zeus parece ter
tido inúmeros outros filhos que sequer são lembrados nos contos antigos do
hipermito.
CAPÍTULO 2 – A COSMOGONIA

A Origem do Universo
e o Surgimento da Humanidade

Há aproximadamente 14 bilhões de anos26, Deus criou sozinho o


Universo, diretamente e livremente, sem ajuda de nenhum outro ser. Para
tanto, criou tudo a partir “do nada” (ex nihilo). E neste fato consiste a diferença
entre o Deus Criador (o Ser Supremo) e as suas criaturas, pois, em certo grau,
são também criadoras as criaturas imortais (deuses) e as mortais (homens).
Contudo, as criaturas de Deus criam sempre a partir de algo pré-existente,
como bem corroboram as ciências naturais e as leis físicas de conservação de
massa e de energia. Só o Deus Supremo, contudo, cria a partir do nada.
E foi isso que Ele fez.
No princípio, havia apenas o Ser Supremo. Então, esse Ser Supremo
compreendeu que era Tudo. E então esse Ser compreendeu que era Deus. E,
antes que qualquer outra coisa existisse, antes que o próprio tempo existisse, o
que “existia” era o Nada, pois dentro da categoria das coisas criadas, nada
havia ainda sido criado. E esse Nada existencial é aquilo que os homens
passaram a chamar futuramente de “Caos”. E então, o Ser Supremo deu
ordem ao Caos. A ordem é o Cósmos. A partir do que era Nada (Caos), Deus
tirou a ordem de tudo o que existe (o Cósmos).

A Primeira Era do Cósmos:


Deus deu ordens ao Nada, e o Nada se tornou algo.
- Faça-se a luz! – disse Deus.
E a luz foi feita. Há cerca de 14 bilhões de anos, na imensidão do
vazio, surgiu um ponto de luz, de infinita energia, infinita massa e infinita
densidade. Uma singularidade. Inexplicável pelas leis da física humana era
esse único e maciço ponto de luz.
Foi então que o ponto de luz começou a se expandir a uma velocidade
incompreensível, maior do que a velocidade da própria luz. Em pouco menos
de 1 único segundo, esse ponto de luz já era do tamanho de milhares de
espaços galácticos. Aquele ponto de luz, que surgiu do nada e se expandiu em

26
Considerando “ano” a mesma unidade de tempo humano na Terra, muito embora a Terra ainda não existisse neste momento
primordial. Obviamente, usa-se a contagem humana de tempo para tornar a história do Cósmos compreensível ao próprio
homem, ainda que de modo abstrato.
menos de 1 segundo até ter o tamanho de galáxias, se parecia com um ovo.
Um Ovo cósmico, feito de pura energia e matéria superdensas e superquentes.
De repente, no segundo imediatamente após a expansão do ovo de luz, toda
essa energia e matéria acumuladas ali explodiu.

BUUUMMM...

Uma Grande Explosão27.


Dessa explosão surgiram fragmentos de átomos em profusão. Se
espalharam pela imensidão sem fim do espaço vazio, preenchendo-o e
modelando-o.
Foi nessa mesma Era do Universo que Deus criou os 2 primeiros
casais de imortais: Urano e Gaia, e Érebo e Nix. E Deus permitiu que esses 4
espíritos primordiais O ajudassem na tarefa de ordenar aquela grande sopa de
matéria e energia cósmica.
Passados alguns Éons, após a Grande Explosão e o surgimento dos
quatro seres primordiais, os fragmentos de matéria e de energia cósmica se
juntaram suficientemente para formar o primeiro átomo do Universo, o mais
rudimentar e pequeno átomo de todos, formado apenas por um próton e um
elétron: o “éter”28. Esse único átomo de matéria situou-se em um “local” e em
um “momento”. E então surgiu um outro átomo igual ao primeiro.
Foi então que Urano e Gaia geraram Chronos e Kairós, ainda na
primeira Era do Universo. Chronos e Kairós traçaram padrões de relação entre
aqueles 2 átomos. Perceberam que onde um átomo estava o outro não poderia
estar, exceto se fosse em um momento diferente. Então, da interação desses 2
átomos surgiu o tempo. O tempo foi definido como as mais variadas formas de
relação entre a matéria e a energia. Espaço-tempo havia surgido no Cósmos.
E então mais e mais fragmentos de matéria e energia se juntaram,
fazendo surgir átomos iguais aos dois primeiros em escala extraordinariamente
imensa: um segundo ápice de expansão cósmica. O Universo inteiro encheu-se
daqueles átomos de éter. Era átomo para todo lado e em todas as direções. O
éter se agitava e se aquecia.
Logo após esses eventos, Gaia deu origem sozinha ao deus Pontos, o
deus das profundezas do mar cósmico. Pontos espalhava mais e mais os
átomos de éter para todos os lados, enquanto os seus 2 irmãos tentava traçar
padrões entre eles.

27
Big Bang.
28
Os humanos chamam esse elemento primitivo de “átomo de Hidrogênio”. Mas antes do surgimento dos homens, ele era
conhecido pelos imortais como “éter”.
Aqueles sete espíritos primordiais olharam para o Ser Supremo,
esperando a aprovação daquela imensidão de “sopa cósmica”. Para felicidade
dos deuses, a chama vermelha e invisível do Ser Supremo saiu de Deus e
começou a pairar sobre todo aquele “mar primordial” de éter. O Espírito de
Deus pairava sobre as águas primordiais29, abençoando aquele éter,
preenchendo o Universo inteiro com a Sua Presença necessária, sem a qual
toda a matéria e toda a energia voltariam ao Nada.
A partir do momento em que Deus emanou-Se para preencher o
Universo, a Chama Divina emanada de Deus fez átomo se aproximar de
átomo. Logo, em alguns milhões de anos, uma quantidade enorme de átomos
primordiais se juntou, e se aqueceu tanto, que começou a brilhar e a pegar
fogo numa grande bola incandescente.
Nascia, então, a primeira estrela do Universo.
O nascimento da primeira estrela foi como uma nova criação da luz.
Pois desde o evento do Big Bang, nada mais havia brilhado no Universo. Com
o surgimento da primeira estrela, a luz voltou a brilhar pelo Cósmos30.
Aquela primeira estrela era supergrande, superquente e muito
brilhante. Ela iluminou toda a vastidão do Universo que havia próximo a ela,
revelando a cor e a forma do éter. E então, os 7 seres começaram a imitar o
Ser Supremo. Assim, eles criaram milhões e milhões de outras estrelas.
Enquanto os sete iam construindo estrelas, o Ser Supremo ia fazendo as
estrelas interagirem entre si. Ele as agrupava em montes de bilhões, e outros
montes de bilhões, enquanto a energia da explosão inicial afastava os grupos
de estrelas, espaçando-as umas das outras. Érebo e Nix ajudaram Criador
nessa tarefa de espalhar os conjuntos de estrelas uns dos outros, com o poder
da matéria/energia escura. Foi assim que surgiram as grandes galáxias do
Universo.
Muitos milhões de anos depois, secretamente, no interior de cada uma
das estrelas, os átomos de éter eram tão comprimidos pelo peso da própria
estrutura estelar que acabavam se fundindo entre si. Assim, 2 átomos de éter
(cada um formado por 1 próton e 1 elétron) eram comprimidos tão
violentamente que se fundiam em um novo átomo (formado agora por 2
prótons e 2 elétrons). No interior das estrelas, o éter do universo se
transformava em etérium31, o segundo elemento do Cósmos. Em termos
modernos, o hidrogênio se fundia no interior das estrelas e dava origem ao

29
É esse o sentido cosmológico do verso contido em Gn 1,2.
30
Gn 1,3. A criação da Luz começou no Big Bang, mas se consumou com o surgimento da primeira estrela. Interpretando o relato
bíblico, só nesse pequeno verso parece ter-se transcorrido bilhões de anos cósmicos.
31
Esse é o mesmo elemento que os humanos mais tarde chamariam de “átomo de Hélio”. Isso porque os homens antigamente
davam ao Sol o nome de Hélio. Como o elemento surgiu dentro das estrelas, os homens deram a esse elemento o nome “hélio”.
hélio. É que, por serem muito grandes, as estrelas queimavam hidrogênio
como combustível. Porém, a massa de hidrogênio era tão grande que a
gravidade da estrela a mantinha em compressão, evitando que a energia da
fusão atômica explodisse a estrela de dentro pra fora. A gravidade esmagava
os átomos no núcleo. Os átomos do núcleo se fundiam, gerando novos
elementos e liberando energia e calor em forma de explosões que iluminavam
e aqueciam os arredores de cada estrela. Mas a estrela continuava viva e
redonda, porque a gravidade a comprimia de volta. Um equilíbrio entre
explosão de fogo e compressão de massa gravitacional. Uma estrela brilhando
no universo.
Desse mesmo modo, conforme as estrelas iam ficando maiores e as
camadas de fora da estrela iam esmagando as camadas de hidrogênio em seu
interior, novos átomos de hidrogênio e hélio se fundiam entre si, dando origem
a outros elementos mais pesados, um a um: lítio, berílio, boro, carbono,
nitrogênio, oxigênio, flúor, neônio, sódio, magnésio, alumínio, silício, fósforo,
enxofre, cloro, argônio, potássio, cálcio, escândio, titânio, vanádio, cromo,
manganês e ferro...
As estrelas daquele universo primitivo produziram milhares de novos
átomos em seu interior, camada por camada, estando os elementos mais leves
nas camadas superiores, e os mais pesados nas suas camadas mais internas.
Contudo, quando o núcleo da primeira estrela a fundir átomos
finalmente produziu pela primeira vez o elemento “ferro”, então algo muito
bizarro aconteceu. As forças que mantinham a estrela viva acabaram
colapsando. Isso porque o ferro é um elemento que suga e acumula a energia,
porque absorve e conduz maior calor. É um metal com ótimas características
de condução de calor. Isso significa que o núcleo de ferro das estrelas puxou
mais energia do que liberou em explosão. O equilíbrio entre a gravidade que
esmaga as camadas da estrela e a energia que as expande se desfez. A
gravidade venceu a batalha, fazendo as camadas externas da estrela
literalmente desabarem subitamente sobre todas as camadas inferiores do
núcleo. A estrela literalmente virou do avesso. Essa inversão foi tão grande que
as camadas de fora da estrela foram para dentro violentamente, enquanto que
as de dentro simplesmente liberaram de uma vez toda aquela energia
acumulada pelo ferro, fazendo explodir a estrela de dentro para fora.
BUUUMMM...
Uma supernova.
Isso aconteceu quando Érebo e Nix geraram Thânatos e Hypnos no
Universo. Foi Thânatos quem sugeriu a morte da estrela. A primeira morte do
Universo. Até aquele momento, nada havia sido destruído no Universo. Apenas
construído. Mas a morte da primeira estrela não foi em vão. Estava nos planos
do Ser Supremo.
Deus se aproveitou da explosão da estrela para espalhar os elementos
mais pesados pelo Cósmos. Todos aqueles elementos mais pesados, que
foram fundidos no núcleo da estrela, agora estariam livres pelo espaço-tempo,
e seriam essenciais para a criação das demais coisas e da vida no Universo,
seriam usados como matéria-prima na criação de planetas, satélites e outros
corpos cósmicos, inclusive a vida humana.
Depois da morte da primeira estrela, mais e mais estrelas começaram
a explodir em supernovas no Cósmos, espalhando elementos pesados pelo
espaço-tempo e permitindo a existência da matéria-prima que seria usada na
criação dos planetas e de outras formas de criaturas e de vida.
Mas nem todos os elementos passaram a existir em quantidades iguais
no Universo. As estrelas passavam milhares de anos fundindo átomos em seu
interior, proporcionando a geração de toneladas de átomos menos pesados
que o ferro. Porém, devido à súbita e rápida explosão da supernova, o pouco
tempo que a gravidade das camadas superiores das estrelas tinham para fundir
outros elementos mais pesados que o ferro (antes que o interior da estrela
explodisse para fora) fez gerar pouquíssimos elementos mais pesados que o
ferro. Um dos últimos elementos naturais a serem criados foi o metal chamado
“ouro”. Apenas por um nano segundo antes de as estrelas morrerem, elas
conseguiam fundir mais átomos pesados e criar o elemento ouro, por exemplo.
Por isso é que na natureza acha-se em abundância uma grande quantidade de
ferro e outros elementos mais leves que ele. Mas há muito menos quantidade
de outros metais mais pesados, sendo que o mais raro de todos os metais era
o ouro, átomo cujo núcleo é tão grande e denso que possui 79 prótons e 79
nêutrons em seu interior, com uma amplíssima eletrosfera de 79 elétrons. E
nem toda estrela era tão grande e vivia tempo suficiente para conseguir fundir
ouro em seu interior. A maioria das estrelas morria antes de conseguir isso. Só
as estrelas maiores e mais pesadas conseguiam gravidade suficiente para
fundir átomos de ouro em seu núcleo comprimido.
Então o Universo conheceu o seu apogeu, a sua idade de ouro. Havia
estrelas aos bilhões, que formavam bilhões de galáxias. E agora, cada estrela
podia ver nascer ao seu redor corpos mais brutos e pesados, pois os
elementos liberados do interior das estrelas mortas permitiram a formação de
cometas, satélites, planetas, sistemas planetários inteiros. Lugares onde os
átomos criados se combinavam em variações infinitas, dando origem a novas
substâncias. Hidrogênios se juntavam com oxigênio e formavam moléculas de
água. O carbono começou a ligar-se entre si e também com outros elementos,
formando moléculas cada vez mais complexas de proteínas e aminoácidos,
que futuramente seriam a origem do DNA.
Então, mais e mais planetas começaram a existir no Todo.
Esse foi o fim da primeira Era do Universo.
Ademais, da explosão do Big Bang até o aparecimento dos primeiros
planetas, praticamente todos os deuses de primeira e segunda geração já
tinham surgido no Cósmos. Já haviam nascido os Titãs, os AntiTitãs, os
Hecatônquiros, os Ciclopes e muitos outros espíritos imortais. Foi também
nesta Era do Universo que Chronos foi obrigado a aprisionar os seus 6
primeiros filhos no Tártaro, uma prisão dentro de um buraco-negro, do qual era
impossível de se escapar.
Porém, Chronos e Réia ainda não haviam dado origem aos seus outros
6 filhos mais novos.

A Segunda Era do Cósmos:


Há cerca de uns 4,5 bilhões de anos, na periferia de um dos braços de
uma galáxia em formato de dupla espiral conhecida como “via láctea”, começou
a formar-se um sistema planetário, regido por uma estrela amarela de tamanho
médio e luz branca, chamada Sol. Nesse sistema, um planeta começou a
chamar a atenção dos deuses. Era um planeta mediano, o terceiro mais
distante da estrela Sol. Ele estava na posição astronômica perfeita para o
surgimento de vida. Essa foi a grande surpresa notada pelos imortais. Por
longos 10 bilhões de anos, milhares de planetas já tinham surgido no Cósmos,
mas nenhum tão propício e cheio de possibilidades quanto aquela pequena
esfera quente de rocha incandescente. A posição daquele planeta era
curiosamente favorável ao surgimento de criaturas nunca antes vistas em todo
o Universo.
Então, o Ser Supremo revelou aos imortais que aquele alinhamento
cósmico não havia acontecido ocasionalmente. Ele mesmo havia planejado
aquele lugar e colocado aquele planeta em sua órbita peculiarmente
privilegiada. Essa declaração de Deus despertou imediatamente a atenção dos
deuses.
Então, Deus ordenou o seguinte:
- Faça-se um firmamento entre as águas, e separe as águas de cima
das águas de baixo, formando um espaço entre elas!
Os deuses não entenderam nada, mas imediatamente voltaram toda
sua atenção para aquela esfera de rocha ígnea. Ela era uma bola de magma
puro e derretido, que foi orbitando o Sol de forma regular e cíclica, em sua
constante translação, esfriando aos poucos, ficando sólido aos poucos e
juntando gases ao seu redor. Esses gases formaram uma primitiva camada
atmosférica ao redor do planeta, que se esfriou e condensou, fazendo chover
por muitos anos continuamente. Quando os líquidos entravam em contado com
a rocha quente do planeta, esfriavam ainda mais o planeta. O planeta, por sua
vez, esquentava o líquido e fazia evaporar mais água em sua atmosfera. Esse
ciclo de chuvas e evaporações continuou por milhares de anos, até que a
crosta mais externa do planeta finalmente esfriou o suficiente para manter o
líquido em sua superfície. Toda a crosta da Terra estava coberta por aquele
líquido chamado água.
Dentro da Terra, em seu núcleo mais interior, as rochas ainda estavam
quentes e em formato de magma. Após milhares de anos, aquele pequeno
calor vindo do interior do núcleo derretido do planeta fez evaporar água
suficiente para fazer formar uma grossa camada de gases em volta do planeta.
Essa camada era até mais grossa do que aquela inicial. O Planeta foi
totalmente estabilizado em um grande mar salgado abaixo, que foi
gradualmente separado de uma atmosfera acima composta de gases como
oxigênio, nitrogênio, etc.
Foi assim que os mares e atmosfera formaram-se mutuamente,
precipitando e evaporando até se estabilizarem como os conhecemos hoje.
E Deus fez isso tudo acontecer diante dos olhos dos deuses curiosos e
atônitos. Tudo aconteceu após um mero comando verbal do Todo-Poderoso.
Deus separou as águas de baixo das águas de cima, fazendo surgir um espaço
entre eles. Abaixo estavam as águas vastas e profundas do planeta. Acima
estava a sua atmosfera, aquela água evaporada, chamada também de
firmamento. E como a água cobria toda a superfície do planeta, não havia
ainda surgido a parte seca do planeta. Era simplesmente aquela bola azul e
brilhante na vastidão da galáxia. Todos os deuses se enamoraram e quiseram
neste planeta habitar.
O espírito de Gaia se apaixonou de tal modo pela rocha ígnea que
formava o corpo central do planeta que quis com ela fundir-se e misturar-se.
Foi então que o espírito de Gaia assumiu o corpo do planeta, como se ele
fosse o seu próprio corpo. E desde então o espírito de Gaia só era visto e
sentido apenas junto do corpo rochoso daquele planeta. Foi ela quem afinal
deu nome ao planeta. Porque ela era conhecida como a deusa “mãe-terra” (isto
é, a deusa da matéria visível e concreta), assim também passou a ser
chamado aquele planeta: Terra. Pois dentro dele agora habitava o espírito de
Gaia.
Já o espírito de Urano se apaixonou pelas águas de cima, pelas
inúmeras nuvens formadas de água evaporada e pelos demais gases da
atmosfera. Foi então que o espírito de Urano assumiu a atmosfera do planeta,
fundindo-se com ele. E desde então o espírito de Urano só era visto e sentido
apenas junto da atmosfera do firmamento do planeta Terra. E porque Urano
era conhecido como o deus “pai-céu” (isto é, o deus da parte invisível da
matéria e de todas as forças abstratas), assim também passou a ser chamado
o firmamento do planeta: Céu. Pois dentro dele agora habitava o espírito de
Urano.
Quanto ao Titã Oceano, filho de Urano e Gaia, este também se
enamorou das águas que cobriam a superfície de sua mãe. E o espírito do
referido Titã assumiu as águas de baixo e as tomou como seu próprio corpo.
Por esse motivo, as vastas e profundas águas daquele planeta passaram a ser
chamadas de Oceano, pois dentro dos mares da Terra agora habitava o
espírito do Titã Oceano. O Titã Pontos, deus das profundezas, também quis
imitar seu meio-irmão, porém gostava de morar em águas bem profundas e
escuras, pois elas lembravam as profundezas do Cósmos no início do
Universo. Já a Titânide Clímene, que era esposa do Oceano, também assumiu
as águas vastas e foi com o Oceano morar. E da relação entre o Oceano e
Clímene surgiram as ninfas, as musas e as melíades. Todos elas moravam
com seu pai Oceano no interior das águas. Ademais, a titânide Tétis, irmã de
Oceano e de Clímene, também quis morar nas vastas águas com seus irmãos
e suas sobrinhas.
E assim acabou a Segunda Era do Universo.

A Terceira Era do Cósmos:


O Ser Supremo levantou-se mais uma vez e disse:
- Que as águas de baixo se juntem num mesmo lugar e faça aparecer o
elemento árido!
Então, os espíritos imortais testemunharam o grande evento. Conforme
as águas do mar aumentavam ainda mais o seu grau de evaporação, para que
formassem uma camada ainda mais grossa de atmosfera, o nível dos mares
consequentemente abaixou cada vez mais, fazendo aparecer a Terra seca, os
continentes. É que antes a água não tinha evaporado o suficiente para fazer
aparecer a terra seca. Porém, tendo sido ordenado por Deus, as águas
continuaram a evaporar mais e mais, engrossando a atmosfera, reduzindo o
nível do Oceano e fazendo surgir os continentes.
Depois de "separar" os mares da atmosfera, fazendo surgir a Terra,
Deus fez brotar árvores e vegetais na terra. As ciências geológicas
demonstram que, de fato, os vegetais surgiram muito antes que as primeiras
formas de animais. Primeiro vieram as algas marinhas e daí uma gama enorme
de vegetais. Cada árvore deu seu fruto e sua semente, e então se espalharam
pela superfície de Gaia durante milhares de anos.
Na borda dos mares, onde as ondas tocavam a terra, Oceano e
Clímene tiveram mais filhos, os chamados sátiros32, que começaram a morar
nessas recém-criadas praias, florestas e bosques da Terra. Os sátiros também
ajudavam a semear e a espalhar as frutas e as sementes pelo mundo todo,
isso quando não estava atrás de alguma musa ou ninfa, pois eram por elas
apaixonados.
E então acabou a Terceira Era do Universo.

A Quarta Era do Cósmos:


O Ser Supremo disse:
- Façam-se luzeiros na Terra!
Surgiram, então, a Lua, o Sol e as Estrelas, que iluminavam o planeta.
Mas como se deu isso? Bom... é que, naquele momento, um grande meteoro
colidiu lateralmente com a Terra. Não foi a destruição total do Planeta, porque
o grande cometa atingiu o mundo apenas na tangente. O poder desse impacto
fez a Terra girar em seu próprio eixo, criando o movimento de rotação do
mundo. Parte desse grande cometa (a maior parte, na verdade) ricocheteou na
superfície e quicou para fora da crosta rochosa do planeta, indo parar no
espaço além da atmosfera. Porém, a gravidade do mundo puxou-o de volta,
prendendo-o em sua órbita. Esse pedaço grande de cometa deu origem à Lua.
A energia do impacto fez o mundo girar em seu próprio eixo e fez também o
resto do meteoro que quicou para fora do mundo girar em volta daquele
planeta.
A rotação da Terra fez “aparecer” os luzeiros, isto é, o Sol, a Lua e as
estrelas. Aos olhos dos deuses, parecia que Deus havia acabado de criar os
luzeiros, não só a Lua mas também o Sol. Isso porque de onde estavam não
podiam ver o Sol se mexer. Evidentemente, o Sol e as estrelas já existiam
antes do planeta Terra ser criado. Contudo, foi apenas na quarta Era do
Mundo, após a queda do grande cometa, que tais luzeiros se “moveram” no
firmamento. Cientificamente falando, podemos imaginar que nesta Era, Deus
criou a Lua, e completou e estabilizou os movimentos de rotação da Terra,
fixando-a em sua órbita estável e atual, criando a ilusão de que o Sol e a Lua
se moviam regularmente na abóbada celeste. A Lua foi criada. E agora o
movimento de rotação dava a ilusão de que o Sol também se movia ao redor
do mundo.

32
Também conhecidos como “faunos”.
Mas... e as estrelas? Já não existiam antes da Quarta Era? Sim, as
estrelas foram criadas na Primeira Era. Contudo, a luz das estrelas,
evidentemente, demorou milhares de anos para aparecer no firmamento do
mundo, dadas as grandes distâncias astronômicas que separavam aquelas
estrelas do planeta Terra. Ou seja, ainda que as estrelas tivessem surgido
apenas alguns milhares de anos após a explosão do "big bang", foi apenas na
quarta Era do Cósmos que a luz dessas estrelas efetivamente "apareceu" nos
céus da Terra.
E todos os deuses ali presentes olharam para cima e se enamoraram
de ver que aquelas enormes bolas de gás incandescente que haviam ajudado
a criar bilhões de anos atrás finalmente surgiam ali naquele lugar distante do
Cósmos, e de ver que pareciam nada mais do que apenas pequenos pontos
coloridos de luz. Era comovente e cativante. Muitos dos deuses ficaram anos a
fio contemplando as estrelas.
O segundo casal primordial de deuses, Érebo e Nix, amou flutuar nas
escuridões das sombras proporcionada pelo movimento do planeta. É que a
grande esfera da Terra girava continuamente. Ora estava voltado para o sol,
ora ficava nas sombras. Era nas sombras que Érebo e Nix passaram a habitar,
por isso é que esses deuses começaram a ser chamados pelos homens
posteriormente de Trevas e de Noite, respectivamente.
Os outros deuses gerados há bilhões de anos por Érebo e Nix também
se enamoraram desse espetáculo que era o claro e o escuro. Muitos deles
amaram mais as trevas e a noite, como Thânatos, Hypnos e as Erínias. Já
outros gostaram mais da luz das estrelas, como as Keres e as Moíras. Quanto
aos filhos de Hypnos, eles tinham fascínio pela mudança e alternância em si
entre o dia e a noite, pois essas transições favoreciam as ilusões e as quimeras
que eram de domínio de Oneiros, Morpheus, Íkelos e Phântasos.
E, então, após milhares de anos, acabou a Quarta Era do Universo.

A Quinta Era do Cósmos:


O Ser Supremo levantou-se novamente e ordenou com o poder
poderoso de sua voz:
- Pululem as águas de uma multidão de seres vivos, e que voem aves
sobre a terra, debaixo do firmamento dos céus!
Deus fez surgir animais marinhos e terrestres no planeta. Para as
ciências, esse "momento" evolutivo compreende milhões de anos geológicos,
em que a vida marinha e terrestre foi surgindo aos poucos. Primeiro peixes e
répteis gigantes (dinossauros). Depois répteis pequenos e animais rastejantes.
Depois as aves (que, dizem alguns, evoluíram dos dinossauros e dos répteis).
Observem que nesse momento geológico, a Terra é povoada por animais
grandes e selvagens. Ainda não haviam surgido animais mais aperfeiçoados,
como os mamíferos.
Esses animais selvagens foram objeto de paixão e de devoção de
alguns dos Titãs que com eles se identificavam, tais como Chronos, Jápeto,
Hypérion, Kreiós e Kéios. Se os Hecatônquiros e Ciclopes estivessem soltos,
certamente também se agradariam com a selvageria desses animais primitivos
que enchiam a Terra.
Essa foi a Quinta Era do Universo.

A Sexta Era do Cósmos:


Levantou-Se Deus uma outra vez e disse:
- Produza a terra seres vivos segundo a sua espécie: animais
domésticos, mamíferos e seres cordados.
Deus criou, então, os mamíferos, os animais dóceis e domésticos. E
muitos dos outros Titãs se enamoraram dessas criaturas, tais como Téia, Réia
e Têmis. Cientificamente falando, essa Era do Universo refere-se aos períodos
geológicos mais recentes da evolução da vida na Terra. Os cientistas
demonstram que os últimos seres a surgirem na Terra foram os mamíferos
cordados.

.........................

Até agora, os espíritos imortais (os deuses) eram somente seres


imateriais e sem corpos. Contudo, muitos deles haviam assumido o próprio
planeta como seu corpo pessoal, tais como Urano e Gaia. Outros apenas
moravam nos lugares da Terra, mas continuavam sem corpos físicos.
O Ser Supremo estava muito satisfeito. Há bilhões de anos, Ele havia
humilhado o Caos, e agora ele estava satisfazendo, pela primeira vez em todo
aquele tempo, a vontade de suas criaturas imortais. Todos os deuses
pareciam, enfim, satisfeitos com a Criação. Os deuses inclinavam sua Vontade
sobre todas as criaturas do planeta.
Mas não era suficiente. Deus Todo-Poderoso não inclinava Sua
Suprema Vontade especificamente sobre nenhuma daquelas criaturas, mas
apenas procurava satisfazer aos deuses. Era preciso criar seres mais
sofisticados, seres menos selvagens, que agradassem, sobretudo, à Sua
própria Vontade. E, então, Deus finalmente revelou a sua última e derradeira
surpresa. Ele chamou a atenção de todos os deuses e lhes falou em discurso:
- Até agora tenho feito todas as coisas para a satisfação da imensa e
infinita vontade de vocês. E, por fim, consegui satisfazer os anseios últimos da
maioria de vocês, inclusive dos mais poderosos, como Urano, Gaia, Nix, Érebo,
Pontos, Oceano e Clímene, que se satisfizeram com os elementos naturais
deste planeta. Os AntiTitãs se satisfizeram com as forças sublimes, escuras,
ocultas, bem como com os fenômenos físicos e luminosos produzidos pelos
movimentos do planeta em interação com as luzes vindas do profundo
Cósmos. Já os Titãs mais jovens se satisfizeram com as florestas, com os
bosques, com os desertos, com os rios, com os vales, com os animais
selvagens e com os grandes lagartos terríveis33. Outros Titãs, por sua vez, se
apaixonaram pelos animais dóceis e mamíferos. Muitos de vocês até
desejaram para si próprios o corpo e a imagem dessas criaturas, e muitos de
vocês já até fizeram essa escolha de definitivamente assumirem tais corpos.
Os que já escolheram para si um corpo, não poderão mais voltar atrás. Estarão
para sempre nos corpos que já assumiram. Mas Eu, como vocês sabem, nunca
assumi nenhum corpo. Ninguém nunca Me viu. Todos vocês foram criados por
Mim, vocês Me conhecem desde o princípio do Universo e desde a origem de
si mesmos, e, no entanto, nunca viram Meu rosto. Unicamente conhecem em
suas próprias mentes a Minha imagem invisível, a chama de Luz Divina
imperecível. Conhecem essa Chama, e, contudo, nunca viram um rosto ou
corpo algum. Pois bem. Agora eis que revelarei como é o Meu corpo, como é a
Minha imagem. Pois esta é a última criatura do Universo. É a imagem
definitiva. Nada mais perfeito no Universo será criado. Nada mais bonito e bom
será realizado. E essa é a última e mais perfeita forma, porque é aquela que
um dia, no futuro, Eu mesmo escolherei assumir como sendo a Minha Imagem.
Esse discurso deixou todos os imortais tensos e com grande
expectativa. O que será que viria agora? Que tipo de criatura o Ser Supremo
criaria. E Ele seria uma cópia da imagem do próprio Deus Supremo? Então
nada até agora demonstrava com máxima perfeição a imagem que o Criador
imaginou para Si próprio? Como será essa imagem?
Então Deus se levantou e disse simultaneamente com Suas três vozes
34
juntas , aquelas vozes que formavam a imagem invisível do seu Ser:
- Façamos o homem à nossa imagem e semelhança!
33
“Lagartos terríveis”. Trata-se dos dinossauros, quando eles ainda existiam no mundo. Porém, aparentemente, na Sexta Era do
Mundo já não existiam tais lagartos terríveis vivos por aí. Todos foram consumidos pela vontade dos Titãs, que com eles se
deliciavam e brincavam, armando grandes disputas e batalhas entre eles, usando esses animais para ver qual era o mais forte e o
mais poderoso.
34
Cada uma das três vozes que ecoou antes que o Universo existisse as três vozes que autoproclamaram “Eu Sou... Eu Sei... Eu
Amo”.
Naquele momento, a Chama Divina e invisível de Luz Tricolor que os
imortais conheciam apenas em suas mentes brilhou visivelmente pela primeira
vez desde o princípio dos séculos, e todos os imortais e todas as criaturas ao
redor testemunharam a manifestação da forma gloriosa do Ser Supremo: A
Luz Divina e Tricolor tornou-se visível.
A Luz esférica foi mudando gradativamente de forma e assumiu um
formato humanoide. No centro daquela forma espectral e translúcida, a Luz
Azul se juntou na região do que seria o coração. Já a Luz Amarela preencheu o
restante do corpo espectral, enquanto que a Luz Vermelha irradiava e emanava
daquela forma, delimitando os contornos humanoides e exalando luz e calor
para o redor, como se fossem raios de luz emanando do núcleo de uma estrela
para a sua coroa estelar.
Então, a forma humanoide de luz espectral andou e parou na beira de
um rio. Agachou-se e pegou com as mãos um punhado de barro molhado.
Começou a modelar um corpo semelhante ao Seu, isto é, naquele mesmo
formato. Fez todos os detalhes: olhos, boca, nariz, orelhas, pescoço, tronco,
braços e pernas. Por fim, o Ser assoprou nas narinas daquele boneco de barro.
Uma centelha da Luz Vermelha espectral saiu da boca do Ser Supremo. Tinha
a consistência de vapor. Esse vapor luminoso saiu da boca de Deus e entrou
pelas narinas do boneco, enchendo seus pulmões. E Deus disse:
- Torne-se vivo, Adão35!
Os olhos do boneco de barro se abriram. Ele se levantou respirando.
Estava todo sujo de barro marrom. O boneco, então, se levantou e foi se lavar
no rio ao lado. Quando entrou, todo o barro lhe foi lavado, e quando saiu, exibiu
um corpo feito de carne, como a dos mamíferos, porém mais sublime e mais
sofisticada.
Deus havia criado o homem à Sua Imagem. Criou-o à Sua imagem e
semelhança. À imagem de Deus, Ele os criou. Homem e mulher, Ele os criou.
Isso porque Deus fez mais modelos de barro e soprou sobre eles também. Ao
todo, Deus fez 2 casais primordiais. Assim como no início Deus havia criado 2
casais de seres imortais, agora Ele havia criado 2 casais de seres mortais. O
primeiro casal de mortais foram Adão e Eva36. O Segundo casal de mortais
foram Ândros e Pandora37.
Então, a forma espectral de Deus ordenou a formação de um jardim no
planeta Terra. Esse jardim ficava em uma planície verdejante onde corriam 4
rios. E ao redor do jardim havia um deserto chamado Éden. Por isso, aquele

35
A Palavra “Adão” significa em hebraico “barro”. Esse era o nome do primeiro homem, porque foi feito do barro.
36
“Adão e Eva”. Em hebraico significa “Barro” e “Vida”, respectivamente, pois a mulher é a vida de seu homem.
37
“Ândros e Pandora”. Em grego significa em “Macho” e “doadora de tudo”, pois a mulher é aquela que tudo dá ao seu marido.
jardim paradisíaco passou a ser conhecido como o “jardim do Éden” 38. Naquele
paraíso, Deus colocou os 2 casais de mortais humanos primordiais.
No restante do mundo, Deus ordenou que a Terra brotasse “embriões”
de barro. E assim foi feito. Da Terra começou a irromper bolhas, fazendo surgir
grandes “embriões” de barro em toda a extensão do planeta. Eram bolsas de
água com uma crosta de barro por cima, que subiam da Terra e depois
eclodiam como se fosse ovos rachando. Dos embriões de barro saíam homens
e mulheres, semelhantes aos originais modelados pelas mãos de Deus. Em
poucos instantes, a Terra inteira estava totalmente preenchida pela criatura que
espelhava e refletia a imagem do Ser Supremo. Homens e mulheres encheram
a face da Terra.
E Deus, então, foi morar com os 2 casais primordiais no jardim que
havia criado para eles. E, ali, eles conviviam e interagiam entre si, como uma
família. O ser humano caminhava com Deus todos os dias.
Os imortais, ao verem tudo isso acontecer, se indignaram. Como
podem esses seres inferiores possuir a imagem do Altíssimo? Não deveríamos
nós também termos essa mesma imagem? Por que não podemos nos parecer
também nós com o nosso Criador, já que somos mais perfeitos e poderosos
que os homens? Então os deuses se lembraram do discurso de Deus. Os que
já haviam assumido um corpo não poderiam escolher outra forma visível, pois a
escolha foi definitiva. Ninguém pode ter mais do que uma única imagem visível.
Foi assim que Urano, Gaia, Érebo, Nix, Pontos, Oceano e Clímene não
puderam mais mudar de corpo.
Porém, os outros deuses, embora tivessem se enamorado de outros
locais, fenômenos ou criaturas, não chegaram a literalmente assumir um corpo,
mas apenas habitaram junto àquelas realidades que mais lhes satisfaziam.
Então, esses seres que ainda não haviam assumido um corpo se reuniram
diante de Deus e Lhe falaram:
- Eis que somos imortais, superpoderosos. Eis que herdamos o poder
da Suprema Vontade. Contudo, estamos invisíveis neste planeta onde tudo é
imagem e tudo é muito belo. Queremos ter nós também corpos belos como os
dos humanos, pois eles possuem uma imagem semelhante à Tua.
- Meus queridos – respondeu Deus – A vocês eu dei a Suprema
Vontade, e tudo o que vocês desejam do fundo de seus corações é
automaticamente realizado. Aos homens, porém, não foi dada a Suprema
Vontade. Não passam de animais frágeis e vulneráveis em um planeta

38
“Jardim do Éden”. Era um jardim paradisíaco no meio de um deserto. Literalmente, significa que apenas Deus pode fazer brotar
vida em qualquer lugar, mesmo nos lugares mais ermos e desertos. Mais tarde, o próprio jardim passou a ser chamado de Éden,
por antonomásia.
perigoso e hostil. Nada mais justo que ao menos a imagem perfeita eles
tivessem herdado de Seu Criador.
- Aos nossos olhos, no entanto, não parece justo que criaturas tão
imperfeitas e débeis ostentem tamanha beleza e formosura. Achamos justo que
nós, que estamos Contigo há bilhões de anos, desde o princípio do Cósmos,
tenhamos uma imagem semelhante à Tua. Se nossos pais puderam assumir
corpos menos belos e nobres, e se nós podemos assumir também corpos de
criaturas mais selvagens e antigas, porque não podemos agora assumir a mais
bela das formas? Seria, por acaso, o Ser Supremo mesquinho a ponto de nos
negar esse dom?
- Nunca fui invejoso nem mesquinho em toda a eternidade. A prova
disso é a infinidade de criaturas diferentes em todo o Universo criado. Nem
mesmo o Meu poder eu reservei apenas para Mim, pois o dei de presente a
vocês. Pois bem. Vocês podem assumir a forma humana – respondeu o Ser
Supremo. – Contudo, se o fizerem, considerarei justo algum dia conceder o
“poder cósmico” também aos homens. E, então, os homens poderão desejar
ser deuses. E eles poderiam vir a ser, desse modo, deuses como vocês.
Consideram isso justo?
- Não nos importamos com o fato de o homem possuir a Suprema
Vontade. Porém, que isso não aconteça a todos eles, pois somos apenas
alguns poucos deuses. Eles, entretanto, são multidões de pessoas que se
espalham por toda a superfície da Terra. É preciso haver uma limitação, para
que os homens não se tornem superiores a nós, que estamos Contigo desde o
princípio do Universo.
- Então, considerem a seguinte proposta: vocês poderão assumir a
forma humana, isto é, a Minha própria forma. Porém, colocarei no coração do
homem apenas a capacidade para despertar o “poder do cosmo”, e não o
poder já operante em si. A princípio, eles não poderão usar esse poder, e
sequer saberão que possuem essa capacidade. Contudo, quanto mais
conscientes desse poder se tornarem, mais próximos poderão chegar de
alcançar o nível da Suprema Vontade. Este será o único freio: não poderão
sequer despertar para esse poder, a não ser que contemplem a Chama Divina,
que é a imagem invisível do Meu próprio Ser. Pois é justo que, já possuindo a
imagem visível do Meu Ser, os homens só venham a herdar a Suprema
Vontade ao se tornarem capazes de enxergar a imagem invisível do Meu Ser.
Deus, então, ergueu a palma de sua mão direita, e sobre a palma de
Sua mão surgiu uma pequena bola de Luz azul, que foi envolvida por uma
chama amarela, que foi envolvida por uma língua de fogo vermelha. Essa
pequenina chama visível era uma cópia da imagem invisível de Deus.
- Eis aqui a Chama Imperecível. Aqueles humanos que contemplarem
essa chama poderão despertar para o poder do cosmos, o poder da Vontade
Divina.
Deus fez uma pausa em seu discurso. Os deuses ficaram admirados
de ver, pela primeira vez, uma cópia visível da chama invisível do Ser de Deus.
Então, Deus voltou a falar:
- Até agora, a maioria dos deuses inclinaram sua vontade sobre todas
as outras criaturas criadas. Mas há 3 entre vocês que não haviam se inclinado
sobre nenhuma outra criatura forjada antes do ser humano. São os 3 filhos de
Jápeto: Atlas, Epimetheus e Prometheus. Contudo, percebo agora que esses 3
Titãs se inclinam, desejam e amam a criatura humana mais do que todos os
outros deuses desejam. Por isso, proclamo os filhos de Jápeto como os oficiais
protetores da Humanidade. E a um deles eu confiarei a Chama Divina, para
que seja entregue aos homens no momento oportuno, isto é, no momento em
que eles tiverem maturidade suficiente para lidar com o poder cósmico.
Ao olharem a Chama Divina, os deuses que queriam assumir a forma
de um corpo humano automaticamente se tornaram visíveis. A primeira a
assumir o corpo humano foi a deusa Afrodite, e, por isso, a ela pertence o mais
belo corpo assumido pelos deuses. Em seguida, assumiram um corpo humano
os deuses Chronos, Kairós, Feíbe, Réia, Téia, Tétis, Kéios, Kréios, Hypérion,
Têmis, etc... Os últimos a assumirem um corpo humano foram os filhos de
Jápeto: Atlas, Epimetheus e, por fim, Prometheus.
Foi então que Deus chamou Prometheus à Sua presença para
entregar-lhe a cópia da Chama Divina, pois havia prometido39 que a confiaria a
um dos filhos de Jápeto. Prometheus se aproximou, mas temeu segurá-la com
suas próprias mãos, pois se considerava indigno. Usando sua SV, Prometheus
criou uma tocha de ouro puro, encrustada de diamantes. E com a tocha, ele
tomou a Chama Divina.
Havia no jardim do Éden uma quantidade enorme de árvores frutíferas
de todas as espécies. Mas no centro do jardim havia especialmente uma árvore
que Deus reservou apenas para Si mesmo. Essa árvore se chamava “árvore
do conhecimento do bem e do mal”. Isso porque Deus reservou para Si o
poder de definir o que é certo e o que é errado, tornando-Se o único justo juiz
entre todas as criaturas do Cósmos. Nenhum deus ou homem poderia chegar
próximo dessa árvore ou comer de seus frutos, não poderiam tocá-las, nem
mesmo chegar próximo a elas. Essa única árvore era o lembrete da Soberania
do Ser Supremo. As criaturas poderiam fazer o que quisessem, desde que não

39
Sim... um jogo de palavras. Deus “prometeu” a chama ao “Prometheus”. Obviamente, esse jogo de palavras não deve funcionar
muito bem em outras línguas, o que é uma pena.
tocassem na árvore de Deus, isto é, que não discordassem de Deus a respeito
do que é certo ou errado fazer. Todas as criaturas deveriam se submeter a
Deus, ou seja, ao que Deus definia como certo ou errado. E era justo que Deus
exercesse a Soberania, pois de fato Ele era o único que conhecia todas as
coisas, e tinha perfeita liberdade. Ele era o modelo de liberdade, para que as
criaturas pudessem bem exercer o seu livre-arbítrio e o seu direito de escolha
entre os bens e dons criados pelo Altíssimo.
Havia ainda, no jardim do Éden, uma outra árvore semelhante à árvore
de Deus. Essa árvore foi escolhida por Prometheus para abrigar a Chama
Divina. Por esse motivo, essa árvore se chamava “a árvore da Vida”. E a sua
localização no jardim era secreta. Ninguém, exceto Prometheus, sabia onde se
localizava a árvore da Vida40. Ela era uma árvore enorme, gigantesca, e dentro
de seu interior, Prometheus esculpiu um pequeno santuário, onde depositou a
tocha de ouro com a Chama Divina e imperecível.
Após esses eventos, os deuses com corpo humano ficaram satisfeitos
com sua bela forma, e julgaram que estavam imunes a qualquer mazela que
pudesse existir. Já os humanos prosperaram e cresceram em toda a Terra, se
tornando ainda mais numerosos e construindo cultura e civilizações grandes e
poderosas. No jardim do Éden, porém, Deus continuava habitando com os 2
casais de humanos primordiais, aos quais foi dada uma longevidade fora do
comum. Enquanto os homens ordinários viviam cerca de cem anos lá fora do
jardim, os humanos originais já tinham vivido cerca de mil anos ao lado de
Deus em seu jardim, e não apresentavam sinais de velhice ou doença. E, no
jardim, viviam apenas Deus, alguns deuses e os humanos originais. Os demais
humanos sequer sabiam da existência do Éden (ou sabiam apenas de lendas
sobre seu local), e nunca nenhum deles descobriu sua verdadeira localização.
Esse foi o fim da Sexta Era do mundo.

A Sétima Era do Mundo:


Há cerca de uns 20 mil anos antes de nossa época atual, em um
determinado dia, quando tudo parecia em ordem e harmonia, Deus reuniu
todos os principais deuses e também os casais de humanos originais em frente
à Sua árvore, no centro do Éden, e fez o seguinte pronunciamento:
- O Universo possui mais de 14 bilhões de anos. A Terra, por sua vez,
já completa seus mais de 4 bilhões de anos. Por Eras contínuas e duradouras
tenho trabalhado para o bem de todas as criaturas, para provar que o “Ser” é
bom, que o “Ser” é melhor que o “Não Ser”. E, de fato, nenhum de vocês

40
Futuramente, os povos nórdicos passaram a chamar essa árvore pelo nome “Yggdrasil”, e muito tempo depois inventaram uma
série de lendas relacionadas a essa árvore. Será que são verdadeiras tais lendas?
deseja retornar ao Nada de onde vieram. Isso prova que ninguém deseja não
ser. Todos preferem o existir. Por isso, considero cumprida a minha missão. A
partir de hoje, me retirarei do Universo e irei descansar no meu local de
Origem, naquele local que é o abrigo natural do meu Ser, naquele lugar que é
ademais o meu próprio Ser, que desde toda a eternidade existe e que já existia
antes mesmo de o Universo ser criado. Contudo, minha Presença Invisível
permanecerá aqui, junto a este planeta, observando tudo o que fizerem. E esta
árvore permanecerá aqui no centro deste jardim, como memorial da minha
Suprema Soberania. Ao olharem para a árvore, lembrem-se de Mim, lembrem-
se que Eu Sou o Único, e que ninguém poderá tomar o Meu lugar. Aqueles que
intentarem tomar do fruto da árvore certamente morrerão, mesmo que seja um
dos homens originais, mesmo que seja um dos deuses mais poderosos. Eu me
despeço hoje de vocês, mas um dia Eu voltarei e assumirei definitivamente o
Meu corpo. Quanto Eu voltar, todos me verão, não mais como uma forma de
luz espectral, mas me verão de carne e osso, como vocês mesmo são agora.
Isso acontecerá na plenitude dos tempos.
Dito isso, sob o olhar curioso dos deuses, e mediante as lágrimas
comovidas dos casais de humanos originais, a visível forma humanoide e
espectral de Deus, que tinha estado no planeta desde a criação dos homens,
começou a se encolher. A Luz Vermelha e brilhante que emanava da forma
humanoide começou a reduzir seu brilho, a encolher e a entrar para dentro da
Luz Amarela, sumindo ao final dentro dela. Depois disso, a Luz Amarela
começou a se encolher, desfazendo o nítido formato humanoide ao entrar para
dentro do núcleo de Luz Azul no peito daquela imagem. Por fim, restou apenas
o ponto de Luz Azul espectral, que foi encolhendo progressivamente até sumir
diante dos olhos de todos.
Deus havia “desaparecido” da Terra. Ele foi “repousar” em Seu próprio
Ser, naquele local inacessível, naquele local onde nem mesmo os deuses
sabem onde fica, pois ele não fica em lugar nenhum dentro deste Universo
criado.
Os que estavam ali presentes, porém, sentiram um vento sair
subitamente do ponto onde a Luz Azul havia sumido. E esse vento se espalhou
como um forte vendaval por todo o planeta, diminuindo lentamente sua
velocidade, até se tornar uma leve brisa e finalmente parar de emanar do ponto
central. Era a prometida Presença Invisível de Deus.
Esse foi o início da Sétima Era do Universo.
CAPÍTULO 3 – A TIRANIA DE CHRONOS

A Cruel Voracidade do Tempo


e o Surgimento dos deuses Olimpianos

Desde a Segunda Era do Universo, a partir do momento que Urano e


Gaia assumiram o corpo da Terra e do Céu deste nosso Planeta, começou a
surgir no coração de Chronos o desejo de reinar sobre todos os outros deuses
e criaturas. Seus pais (que eram o primeiro casal de imortais primordiais, os
primeiros seres criados por Deus neste Universo) agora já não podiam agir fora
dos limites que eles mesmos desejaram para si próprios. Assim, com seus pais
estritamente ocupados com a manutenção do Planeta, Chronos percebeu que
era agora o deus mais poderoso no panteão dos imortais.
Chronos começou a maquinar maneiras de exercer cada vez mais o
seu poder do tempo, criando teias e enredos históricos dos quais as criaturas
primitivas não poderiam escapar. Quando chegou a Quinta Era do Mundo,
Chronos foi o primeiro a se deliciar com os dinossauros. Ele planejava o início,
o meio e o fim de inúmeras espécies de lagartos terríveis. E ele começou a
ordenar que essas criaturas se tornassem cada vez mais violentas e vorazes.
Os dinossauros destruíam tudo por onde passavam e devoravam todas as
outras criaturas menores que eles. Esse comportamento, na verdade, refletia a
Suprema Vontade de Chronos em ação naquela Era.
Os outros deuses ficavam intimidados com a selvageria causada por
Chronos, mas não podiam fazer nada, pois eram mais fracos em poder de
Vontade. Por isso, simplesmente deixavam que o Poder de Chronos
consumisse todas as obras do Criador. O tempo devorava tudo. O Ser
Supremo criava cada vez mais criaturas esplêndidas, porém Chronos tinha
prazer em devorá-las uma a uma. Nada era imune à imensa “voracidade” do
tempo. O tempo arrastava tudo ao seu redor.
Como tinha planos para criaturas ainda mais excelentes, e como queria
frear um pouco o poder de Chronos, o Criador “determinou” secretamente a
extinção dos dinossauros, pois sabia que isso traria um pouco de temor ao
deus Chronos, que amava a devastação e a selvageria incontida. Ele retirou
dos dinossauros a proteção de seu Espírito, que evitava que todas as coisas
voltassem ao caos.
De fato, antes do fim da Quinta Era, já não havia dinossauros na Terra,
Deus os fez voltar ao pó, espécie após espécie, lentamente, pois estavam
todos corrompidos pela violência de Chronos. Isto é, sem a proteção divina, as
próprias criaturas se destruíram em razão de sua violência (violência esta que
refletia a Vontade corrupta de Chronos).
No começo da Sexta Era, quando Deus criou seres mais dóceis e
inteligentes, Chronos sentiu que seu poder estava de algum modo sendo
tolhido pelo Todo-Poderoso. Isso o deixou muito agressivo e temperamental.
Porém, Chronos procurava não demonstrar esses sentimentos, pois não tinha
desistido de seus planos de dominar sobre todos os outros deuses e criaturas
do planeta. Todos deveriam se submeter, um dia, ao cruel e irrevogável poder
do tempo. Ninguém deveria fugir da história que ele queria traçar para cada
criatura. E ele haveria de traçar um fim para cada uma delas, um fim violento e
inexorável.
Quando Deus criou a humanidade e deu aos deuses a oportunidade de
assumir um corpo em formato humano, Chronos tratou logo de desejar para si
o maior e mais poderoso dos corpos humanos. Ele tornou-se gigantesco, com
cerca de 3 metros de altura. Seu corpo era todo musculoso e sua pele, apesar
de ter a aparência da pela humana, ao tato era tão grossa e dura quanto as
escamas dos dinossauros que ele tanto amou um dia. O propósito de Chronos
era claro: ele queria intimidar os outros deuses e também os recém-criados
humanos. Queria deixar bem visível que ele era o mais poderoso, e o mais
resistente. Ninguém deveria se meter contra o poderoso tempo. De fato, ao
lado do imenso corpo de Chronos, os outros deuses e os humanos pareciam
meras criancinhas.
A primeira vítima da tirania de Chronos foi sua irmã Réia. Há muito
tempo, Chronos vinha cortejando sua irmã, pois queria ter com ela muitos
filhos. Ele ainda se lembrava de como os outros deuses se juntaram, na
Primeira Era do Universo, para obrigá-lo a prender seus primeiros filhos (os
Hecatônquiros e os Ciclopes) no Tártaro, pois temiam a selvageria desses
seres que surgiram unicamente da sua SV. Mas, desde aquela época, Chronos
nutriu o desejo de ter outros filhos, porém a partir de um relacionamento com
uma deusa. Assim, ele conseguiria mostrar a todos que ele era capaz de gerar,
com a participação de uma deusa, outros deuses tão poderosos quanto ele
mesmo. Ele queria criar uma dinastia de deuses que governariam sobre todas
as criaturas.
Desse modo, desde a Primeira Era, Chronos cortejava Réia e
procurava convencê-la a aceitá-lo como esposo. Mas Réia rejeitava seu irmão
Chronos, por considerá-lo bruto, grosseiro e violento. Mas agora, na Sexta Era
do Cósmos, Chronos tinha um corpo monstruoso, e seria mais fácil obrigar
Réia a se relacionar com ele. Réia possuía um belo corpo de mulher, mas era
um corpo frágil e delicado. Não conseguiria resistir às violências de seu irmão.
Foi assim que, num dia em que todos os outros Titãs estavam distraídos em
terras distantes, Réia foi violentada por Chronos, e que, mesmo contra sua
vontade, ficou grávida do deus do tempo.
Até o momento, nenhum deus tinha tido filhos por meio de um corpo
humano. O que será que nasceria? Nasceriam espíritos cósmicos, como
nasceram os primeiros Titãs e AntiTitãs? Será que nasceriam bebês? Será que
teriam poderes divinos como os dos pais? Ninguém sabia, pois nunca antes os
deuses tinham tido corpos. E agora que tinham corpos em forma humana, era
a primeira vez que teriam filhos. A gestação de Réia durou muito menos tempo
do que a gestação dos humanos normais. Enquanto os filhos dos homens
nasciam após 9 meses de gravidez, Réia ficou grávida por algumas semanas.
Ao final de seu tempo gestacional, Réia deu à luz uma linda menininha, a qual
colocou o nome de Hera.
Quando se iniciou a Sétima Era do Mundo, o Ser Todo-Poderoso
retirou-se do Universo, deixando recomendações para que nenhuma criatura
tocasse ou comesse o fruto de Sua árvore, que estava no centro do jardim do
Éden. Embora a proibição tivesse sido destinada a todos, dizem que Deus
olhou primeiramente para Chronos ao fazer o Seu discurso, pois o Ser
Supremo já bem sabia o que havia no coração do deus do tempo, sobre o
desejo que ele tinha de submeter toda criatura ao seu poder devorador.
Depois que Deus entrou em seu Repouso, no início da Sétima Era do
Universo, Chronos não se deixou humilhar pelas proibições impostas pelo
Divino Criador. Ele arquitetou em seu coração um modo de roubar o fruto da
árvore de Deus, tomando assim o lugar Supremo entre todos os seres viventes
do Universo. Ele visitou os deuses Thânatos e Hypnos, seus fiéis comparsas,
e, com eles, elaborou um plano para adentrar no centro do jardim e comer do
fruto sem que ninguém o tentasse impedir.
Chronos pediu a Hypnos que lançasse sobre todo o Éden um sono do
qual nenhum deus pudesse acordar, e a Thânatos ele pediu que arrastasse à
morte qualquer um dos 4 humanos do jardim que intentasse entrar pelos limites
do centro do Éden (pois ele invejava e desprezava os homens). Foi assim que
Chronos conseguiu livre acesso à árvore do conhecimento do bem e do mal.
Enquanto todos os deuses dormiam em um irresistível torpor onírico,
Chronos aproximou-se da árvore de Deus, tomou um dos frutos dourados que
pendiam de seus galhos, jogou-o para dentro de sua imensa bocarra e o
engoliu inteiro, sem nem mastigar. Naquele mesmo momento, os olhos de
Chronos ficaram vermelhos, e tornou-se como que possuído por uma força
maligna e por um poder fora do controle.
Naquele instante, de dentro da árvore saiu uma brisa suave que
começou a envolver Chronos. Do meio da brisa, Chronos ouviu no fundo de
sua mente a voz do Ser Supremo lhe dizendo:
- Pretendeste tomar o meu lugar. Filho ingrato e servo inútil. Fiz-te o
imortal mais poderoso de todos, para que com grande sabedoria pudesses
governar o Planeta. Contudo, movido pela selvageria de tuas paixões, te
deixastes corromper a ponto de querer destruir tudo e até mesmo de me
substituir. Saibas que Eu Sou o Único, e que não há ninguém igual a Mim.
Porque tentaste decidir a vida de todos, e traçar para todos uma história da
qual não pudessem escapar, tirando-lhes o livre-arbítrio, porque tentaste
devorar cada uma das criaturas que eu mesmo criei, eu hoje determino o
seguinte a teu respeito: assim como tentaste destronar a Mim, que sou teu
Criador, um filho teu irá te destronar e acabar com a tua tirania. Tu que
pretendes devorar a todos serás devorado pelo poder de teus filhos, e eles
governarão a Terra em teu lugar. Teu belo corpo será reduzido a cinzas pelo
teu herdeiro, e tua alma imortal será selada e vagará pela imensidão sem fim
das dimensões do espaço-tempo.
Após tais palavras, a brisa suave se desfez. Os galhos da árvore
pararam subitamente de se mover. Tudo ficou quieto e no mais absoluto
silêncio. O tempo parecia ter parado de existir. O sangue de Chronos congelou
em suas veias e um fogo quente começou a subir de suas entranhas.
Descontrolado pelo furor de sua raiva, Chronos soltou um terrível rugido, que
acordou todos os seres do jardim, interrompendo até mesmo o poder do deus
Hypnos.
Movido por grande ira, e temendo o vaticínio determinado por Deus,
Chronos saiu em disparada para sua casa, onde se encontravam Réia e o
bebê Hera. Ao entrar na casa, Chronos empurrou Réia para o lado, se apossou
do bebê, e, antes que Réia pudesse dizer qualquer palavra, ele abriu a imensa
bocarra e engoliu a pequena Hera por inteiro, sem ao menos mastigar. Olhou
para a irmã estupefata e gritou:
- Nenhum filho meu irá me destronar! Eu serei o único governador
deste Planeta! Ninguém assumirá meu lugar! Eu devorarei todos que se
puserem contra minha vontade.
Horrorizada pelo acontecimento bizarro e cruel, Réia tentou fugir
correndo. Contudo, Chronos a impediu, segurando-a pelo braço. Tracou-a em
seu quarto e a forçou a ter relações sexuais com ela pela segunda vez.
Chronos parecia divertir-se ao ver Réia sofrer sob o peso de seu imenso corpo,
sem poder fazer nada.
Com o passar dos dias, Réia deu à luz uma nova menininha, a qual
colocou o nome de Héstia. No mesmo dia em que Héstia nasceu, seu pai
Chronos a roubou de sua mãe e a devorou por inteiro, sem ao menos mastigar,
assim como havia feito com o primeiro bebê. E do mesmo modo que foi violada
da primeira e da segunda vez, Réia foi violada novamente pelo seu irmão-
esposo. E novamente Réia ficou grávida.
Esse processo repetiu-se por várias vezes. Na terceira vez, nasceu a
deusa Deméter. Na quarta vez, nasceu o deus Hades. E na quinta vez, nasceu
o deus Poseidon. Todos frutos da violência de Chronos. Réia deu à luz cinco
filhos, e os cinco filhos foram devorados inteiros pelo seu pai Tirano.
E tendo sido violentada uma sexta vez, eis que Réia encontrava-se
agora novamente grávida de um sexto filho.
Em um certo dia, Chronos havia saído para se “divertir” destruindo as
aldeias dos homens que havia fora do jardim do Éden. Não suportando mais a
tirania de Chronos, Réia ainda grávida do sexto filho aproveitou a ausência de
seu irmão e resolveu fugir secretamente de sua casa. Ela foi procurar a ajuda
de sua irmã Têmis, que era a mais justa entre os Titãs. Ela saberia o que fazer.
No palácio da deusa Têmis, Réia tomou um chá preparado pela irmã.
Sob o efeito desse chá, foi-lhe revelado por uma visão que Chronos havia
roubado o fruto proibido e o comido, e que, como castigo, Deus lhe havia
prometido que seus filhos iriam destroná-lo e governar a Terra em seu lugar.
Assim, Réia entendeu o motivo pelo qual Chronos devorava todos os
seus filhos, um a um. Então, ela pediu o conselho de sua irmã Têmis, a deusa
da justiça. Têmis lhe sugeriu que, quando o próximo filho nascesse, Réia o
escondesse de Chronos e colocasse uma pedra embrulhada em cobertores em
seu berço. Assim, o tirano deus do tempo engoliria a pedra sem perceber que
não era seu filho, pois ele nunca mastigava nada, sempre engolindo tudo por
inteiro. Quanto ao bebê, Têmis sugeriu que Réia o levasse para fora do jardim
do Éden, para uma gruta que ficava num monte chamado Olimpo, bem longe
dali, bem longe do jardim. Lá a criança seria criada pelas musas e pelas ninfas,
filhas dos Titãs Oceano e Clímene.
Passado o tempo da gestação, Réia deu à luz um menino, ao qual deu
o nome de Zeus. Ela imediatamente escondeu Zeus de seu pai, colocando-o
em um balaio abaixo da cama. No berço do bebê, Réia colocou uma pedra
envolvida em cobertores e lençóis. Quando Chronos chegou de suas idas
destrutivas às vilas dos homens, encontrou Réia ao lado do berço e disse:
- Já pariste outro deusinho? Que ousadia! Pois venha aqui que irei
mostrar quem é que manda neste Mundo. Nenhum filho tomará o meu lugar!
Chronos bateu violentamente na face de Réia, fazendo-a cair para o
lado. Enquanto ela estava prostrada ao chão, Chronos pegou a pedra
embrulhada dentro do berço e a atirou para dentro de sua boca imensa,
engolindo-a inteiramente, com cobertores e tudo. Após a deglutição, Chronos
tentou mais uma vez violentar sua irmã Réia.
Esta, porém, saiu correndo e gritando por socorro. Implorou até mesmo
aos céus, até mesmo ao deus Urano, caso ele pudesse fazer alguma coisa.
Chronos correu atrás da irmã, tentando capturá-la de todos os modos e
submetê-la a uma nova violência sexual. Contudo, Réia tanto chorou e
implorou, que Urano finalmente ouviu suas preces. Mesmo estando fisicamente
fundido ao Céu do mundo, Urano escutou os pedidos de socorro de sua filha
Réia e resolveu agir. Ele escureceu-se, formando nuvens pesadas de chuva.
As nuvens ficaram tão carregadas com a fúria de Urano que começaram a
disparar raios para todos os lados. A voz de Urano foi ouvida como um trovão
por seu filho Chronos:
- Maldito! Se eu soubesse o quanto violento serias um dia, jamais teria
te gerado. Como pôde violentar tua própria irmã e devorar teus próprios filhos?
Tu irás sucumbir agora pela força de minha ira.
Urano tentava acertar Chronos com seus raios, porém o deus do tempo
era mais rápido e desviava de todos os disparos. Então Kairós, que observava
a luta de longe e era contra a tirania de seu irmão, resolveu interferir. Ele
aproveitou que Chronos estava distraído, se esquivando dos raios de Urano, e
aproximou-se furtivamente de seu irmão gêmeo. Quando chegou próximo o
suficiente, o segurou fortemente dizendo:
- Este é o momento da Justiça, pai. Esta é a oportunidade. Aproveite
este breve lapso de tempo, enquanto eu consigo deter Chronos com meus
braços, para poder acertar este selvagem com a fúria de seus raios.
Enquanto Kairós segurava firmemente o irmão, e Réia fugia para longe,
Urano mirou bem no meio da testa de Chronos e lançou-lhe um raio
devastador. Kairós soltou o corpo do irmão apenas um milésimo de segundo
antes de o raio atingir Chronos, dando um belo salto mortal para trás e saindo
da área de devastação elétrica. O raio atingiu Chronos em cheio. Após a
colisão elétrica, Chronos desabou desacordado, indo ao chão com um grande
estrondo.
Réia aproveitou o desmaio de Chronos para voltar para casa e resgatar
o bebê Zeus que estava debaixo da cama. Pegou a criança e entregou-a a
Kairós, dizendo:
- Leve seu sobrinho para bem longe daqui, para fora do jardim do
Éden. Se eu for, Chronos me perseguirá, e nunca teremos paz. A oeste daqui,
fora do jardim, há um monte alto chamado Olimpo. E neste monte há uma
gruta. Leve seu sobrinho para lá, e deixe-o aos cuidados das ninfas e das
musas de Oceano.
Kairós fugiu com Zeus em seus braços, tanto para ajudar Réia e o
bebê, quanto para fugir da fúria de Chronos, pois quando seu irmão acordasse
certamente iria buscar vingar-se dele.
Ao ver que Réia salvara Zeus, Urano voltou ao seu normal. O céu foi
ficando claro novamente, e os ventos levaram as nuvens carregadas de chuva
para bem longe dali, dispersando a tempestade para dentro do mar
mediterrâneo. Réia olhou para o alto e agradeceu ao seu pai.
Após alguns dias, Chronos acordou de seu desmaio. Ele olhou para os
lados e não notou sinal de Réia ou de Chronos. Olhou para cima e não viu
nenhuma ameaça de seu pai Urano. Aparentemente, todo o episódio se
passara sem que os outros deuses ou homens tivessem notado. E Chronos
então deu um sorrisinho de canto de boca. Isso era bom, pois ele poderia fingir
para todos que nada tinha acontecido. Se os deuses suspeitassem que ele
havia sido ferido por Urano, Chronos perderia sua moral, e os deuses poderiam
passar a resistir à sua Tirania. Portanto, como Chronos pretendia manter sua
imagem intimidadora, passou a fingir que nada havia acontecido.
Ele se vangloriava para todos de ter tido 12 filhos, sendo que 6 tinham
nascido dele mesmo (por partenogênese) e estavam no tártaro, enquanto que
os outros 6 tinham nascido de Réia e estavam bem seguros em um lugar bem
pertinho dele mesmo. Chronos começou a espalhar a notícia de que iria ter
tantos filhos deuses que iria superar até mesmo o seu pai Urano.
Os outros deuses ouviam as histórias de Chronos e achavam tudo
suspeito. Afinal, onde estavam os filhos de Chronos? Todos os deuses
começaram a achar que esses 6 outros filhos eram de mentira, que Chronos
não foi capaz de gerar filho nenhum com Réia. Chronos, contudo, se gabava
frequentemente de ter dado origem a outros seis deuses. De fato, segundo
Chronos, ele havia dado origem a 12 deuses, seis dos quais estavam
aprisionados no Tártaro e mais outros seis, cujo paradeiro era desconhecido
até então. Dizia que um dia iria superar a capacidade de seu pai Urano de
gerar muitos deuses, e iria gerar mais filhos deuses que o número de Titãs
gerado por Urano e Gaia.
Essa afirmação enchia de indignação os outros deuses. Será que
Chronos teria uma SV tão potente assim? Se era verdade, então onde estavam
os 6 deuses que supostamente nasceram de Réia? Réia nunca comentava
sobre esses 6 filhos, porém nunca negou que os havia gerado. Os próprios
deuses se lembravam de ter visto Réia grávida várias vezes, porém nunca
viram nenhum dos bebês.
Muito tempo se passou, mas interiormente, dentro de si mesmo,
Chronos nunca esqueceu a humilhação sofrida pelas mãos de Urano. Embora
fingisse para todos que nada havia acontecido, Chronos alimentava ódio e
rancor por ter sido acertado por um dos raios de seu pai. E então Chronos
percebeu que, mesmo tendo comido do fruto proibido, enquanto Urano
estivesse ativo, ele nunca poderia dominar sobre o mundo totalmente. Sempre
haveria a ameaça de Urano pairando secretamente sobre sua cabeça. Chronos
começou, então, a elaborar uma forma de derrotar seu pai. Ele visitou seus
primos Thânatos e Hypnos novamente, e com eles começou a arquitetar um
plano para derrotar Urano. É que os 3 deuses sonhavam dominar o Universo
algum dia, porém Chronos era o mais obstinado deles, já que secretamente
desejava subjugar até mesmo o sono e a morte à sua vontade. No templo de
Thânatos, os 3 deuses começaram a trabalhar na construção de uma arma
secreta que fosse capaz de deter a ação de Urano sobre o mundo, algo que
pudesse ao menos castrar a eficácia de seus ataques relâmpagos.
Bem longe dali, na gruta do monte Olimpo, Zeus crescia cada vez
mais. Ele tinha lições de guerra e de controle de SV com seu tio Kairós. E nas
horas vagas, ele era criado pelas ninfas e pelas musas, que cuidavam de seu
corpo, curavam suas feridas e lhe ensinavam as artes e as ciências. Zeus
cresceu oportunamente de tal modo gracioso, que aos 15 anos o poder de sua
SV já era maior que a de seu pai Chronos. Ele havia herdado o poder dos céus
de seu avô Urano, o poder terreno de sua avó Gaia, e alguns dos poderes
temporais de seu pai Chronos. Outrossim, Kairós ensinou vários truques de
tempo-contínuo-descontínuo para Zeus, de modo que este dominou artes
mágicas nunca antes vistas ou conhecidas por nenhum outro deus.
Zeus dominava o poder dos ventos, dos raios, dos terremotos, e
também fazia truques com o tempo. Zeus superava o poder de Chronos, de
Urano, de Gaia, e de Kairós. Zeus transformou-se no deus mais poderoso do
panteão. Porém, era preciso manter a sua existência e seus poderes em
segredo, e por isso Kairós nunca contou a Zeus quem eram seus pais, nem
onde estavam seus irmãos. Era preciso esperar o momento certo.
Enquanto isso, longe do Olimpo, o mundo continuava sendo tiranizado
por Chronos, que fazia questão de ser ostensivo e devastador, fazendo todos
obedecerem às suas ordens, sob ameaças de destruição e violência. Tanto os
deuses quanto os homens se submetiam a essa Tirania, apenas por medo de
serem destruídos pelas selvagerias de Chronos. O tempo era cruel. O tempo
não parava nunca. O tempo era voraz e devorava tudo em seu caminho. E em
certo momento da História, Chronos passou a divulgar que tinha à sua
disposição uma arma capaz de tolher as ações de Urano sobre o mundo.
Começou a divulgar que iria ferir seu pai, como prova de que ninguém deveria
ir contra a autoridade do tempo. Chronos fazia isso, pois era imprudente e
gostava de ver o medo nos rostos de todos. Ele nunca era discreto. Mal
imaginava ele que Kairós observava tudo, e maquinava planos de destrona-lo
por meio de Zeus.
E foi quando Zeus completou seus 20 anos de idade é que Chronos
finalmente anunciou a conclusão de sua arma secreta. Ele havia passado as
duas últimas décadas com seus primos, desenvolvendo essa nova forma de
combate e destruição. E então ele anunciou a todos qual seria o dia e o horário
em que iria destronar Urano.
No dia, na hora e no local estabelecidos por Chronos, todos os deuses
e homens originais se reuniram para ver se as ameaças do deus do tempo se
cumpririam. Só não compareceu ao horripilante espetáculo o deus Zeus, que
não sabia que Chronos era seu pai. Ademais, Kairós havia proibido
expressamente que Zeus comparecesse (pois ele sabia que não era a hora
oportuna para Zeus tomar conhecimento da verdade, muito menos de Chronos
saber que não havia conseguido engolir seu último filho). Por esse motivo, com
excessão de Zeus, todos os moradores do jardim do Éden se reuniram naquele
local, para ver qual seria a ameaçadora arma desenvolvida pelo sórdido
Chronos. Muitos deles rezavam para que fosse apenas outra de suas mentiras,
pois não queriam que ele tivesse tanto poder assim, a ponto até de limitar as
ações de Urano.
Então, estando todos ali naquele local do jardim, Chronos se colocou
no centro deles e começou a se gabar, dizendo:
- Vejam todos vocês o motivo pelo qual eu sou o único digno de ser
adorado, respeitado, obedecido e temido. Esta é a proteção máxima. Com esta
proteção, ninguém será capaz de me ferir. Esta é a Sôhma41!
Naquele momento, o imenso corpo de Chronos, que já era bastante
intimidador, começou a rachar. Começaram a abrir fendas em sua grossa pele,
e como se estivesse vindo de dentro do seu corpo, peças metálicas de uma
armadura negro-roxa começaram a surgir e a envolver a carne do Titã. Em
pouco menos de um minuto, todo o corpo de Chronos estava envolvido por
essa proteção dura e bizarra. Era uma armadura em tons de negro e roxo que

41
“Sôhma”. A palavra significa literalmente “corpo” em grego. Nesta obra, trata-se de uma armadura divinamente criada a partir
do próprio corpo de um Titã, apenas pelo desejo da sua Suprema Vontade. Essa armadura nasce de dentro do corpo e se funde à
pele, tornando-se parte do próprio corpo de um Titã. Dizem ser uma das mais poderosas proteções já desenvolvidas para
batalhas.
envolvia todo o corpo de Chronos, oferecendo-lhe proteção nunca antes vista
entre os deuses.
Então, sob os olhares temerosos de todos, sentindo o medo tomar
conta de cada coração ali presente, Chronos tornou a realizar seu discurso
ameaçador e horripilante:
- Vejam agora a arma secreta com a qual irei destronar meu pai Urano,
e estabelecer definitivamente a minha Soberania sobre todo o Universo.
Naquele momento, Thânatos e Hypnos saíram da multidão e se
aproximaram de Chronos, trazendo uma urna metálica na cor dourada.
Depositaram a urna em frente a Chronos e abriram a tampa. Chronos curvou-
se e pegou de dentro da urna uma grande foice feita de uma liga metálica
superdura e resitente. No cabo da foice, havia correntes que poderiam ser
usadas para segurar a foice, atirá-la em um inimigo e depois recolhê-la de
volta.
- Esta é a Megas Drepanon42! É a Grande Foice, a arma capaz de ferir
um deus. Com ela irei castrar o poder de meu pai Urano – ameaçou Chronos,
aos brados.
Naquele instante, a multidão ali presente se desesperou e começou a
fugir correndo para todos os lados. Ninguém queria mais ficar ali e ver o que
aconteceria, principalmente sob a perspectiva de se tornar também uma das
presas da selvageria de Chronos.
Em meio à confusão de vários deuses e dos 4 seres humanos originais
fugindo, Chronos deu um grande salto para o alto, empunhando a Foice em
seu braço direito. Pairou no ar, e começou a rodar a Foice usando suas
correntes. Após um bom impulso, Chronos lançou a Foice mágica para o alto.
Ela foi subindo com grande velocidade para cima, enquanto mais e mais elos
da corrente magicamente iam sendo conjurados em sua base, o que permitiria
que Chronos recuperasse sua arma depois simplesmente puxando-a. A Foice
foi acelerando mais e mais para o alto, até que finalmente atingiu o topo do
céu, fazendo o estrondo de um trovão. Após o impacto, Chronos puxou a
corrente, fazendo a arma retornar novamente para suas mãos fortemente
protegidas pela Sôhma.
No ponto onde a Foice atingiu, abriu-se um imenso buraco na
atmosfera do firmamento, fazendo grande parte da camada de ozônio se esvair
para o espaço distante. Era como se Urano estivesse sangrando através de
uma ferida aberta. De fato, o céu havia sido rasgado pela Megas Drepanon, e
uma enorme quantidade de gases essenciais para a vida no planeta
começaram a dispersar-se pelo espaço infinito acima.
42
“Megas Drepanon”. Em grego antigo, significa “Grande Foice”.
Urano imediatamente sentiu a dor da ferida em seu imenso corpo
celeste, e, a partir daquele momento, Urano colocou toda sua atenção e
concentração divinas naquele buraco, para evitar que toda a atmosfera se
degenerasse e matasse todas as formas de vida do Planeta. Aquele buraco
passou para sempre a existir na atmosfera da Terra, e ali naquela ferida de
Urano, a camada de ozônio é superfina, motivo pelo qual uma quantidade
maior de raios ultravioletas vindas do sol acabam entrando e afetando
nocivamente o Planeta. Mas graças aos esforços de Urano, os danos não
foram maiores e a vida continuou existindo na Terra.
Chronos havia obtido seu intento. Ele tinha conseguido distrair a
atenção de Urano. A partir daquele momento, o deus do céu manteve-se
totalmente concentrado na tarefa de manter íntegro o restante da atmosfera do
Planeta, para que a vida continuasse a existir na superfície da Terra. Urano
não seria mais ameaça para os planos de dominação de Chronos.
Ainda pairando sobre o ar, Chronos segurou novamente a Megas
Drepanon, e a ergueu ao alto, fazendo que os deuses temerosos fugissem
correndo para o mais distante que pudessem. Chronos girou as correntes e
mirou em Kairós.
- Maldito! Nunca me esquecerei da sua traição! Agora chegou a hora
de pagar com a sua vida! – Bradou Chronos para o seu irmão gêmeo.
Kairós parou de correr e voltou o olhar para cima. Seu irmão girava as
correntes e mirava a foice em sua direção. Quando finalmente atirou a arma
em seu encalço, Kairós deteve-se corajosamente e esperou que a arma
chegasse bem próximo. Então, quando faltava apenas 1 segundo para ser
atingido, Kairós ergueu sua mão direita, paralisou o tempo, e moveu-se
correndo para bem longe dali. Ninguém exceto Kairós (e eventualmente Zeus)
sabia desse truque temporal. Ao chegar a um lugar seguro, Kairós descongelou
o tempo. A Foice atingiu o sopé de um monte, perfurando-o e criando uma
imensa cratera de cerca de 5 km de raio. Gaia gemeu de dor, ao sentir sua
pele ser perfurada pela Foice do enlouquecido filho. Kairós fez esse “truque de
teletransporte” para observar de longe e em local seguro o poder de destruição
da nova arma do irmão. Com os olhos arregalados, pensou:
- “Chronos não pode acertar essa arma em nenhum deus ou homem,
caso contrário, nada restará. Chegou o momento de Zeus se revelar e fazer
frente contra esse Tirano”.
Incauto, Chronos não percebeu quando Kairós sumiu da frente de seus
olhos, pois seu movimento havia sido muito rápido. Ele então imaginou ter
destruído o irmão gêmeo, e deu risadas sinistras de prazer macabro. Enquanto
isso, todos que estavam à volta finalmente fugiram para bem longe, deixando o
trio de deuses sinistros ali naquele local destruído. Thânatos, Hypnos e
Chronos se deleitaram com os estragos causados no céu e na superfície do
corpo de Gaia, a crosta terrestre. Este foi o único local em que a destruição
tocou o jardim do Éden, o que maculou profundamente o sentimento de todos
os deuses, com exceção talvez de alguns sinistros Titãs e AntiTitãs. Antes
disso, Chronos só havia destruído vilas e coisas fora do jardim de Deus.
Algum tempo depois da castração de Urano, e a ferida de Gaia, Kairós
finalmente chega ao monte Olimpo, local que ficava bem distante do jardim do
Éden, em um lugar seguro e longe dos informantes de Chronos. Chegando ali,
Kairós encontrou Zeus entretido com suas primas musas e ninfas na encosta
do monte Olimpo, nas proximidades do mar que futuramente seria chamado de
Egeu. Kairós então foi falar com seu sobrinho Zeus.
- Meu caro Zeus, chegou a hora de eu te contar a verdade. Tu és filho
do deus do tempo, Chronos, aquele Tirano que procura dominar e destruir
todas as formas de vida do Universo, a começar por este Planeta. Ele já feriu o
pai Urano e a mãe Gaia, os deuses primordiais que são teus avós. Ele
submeteu Réia, tua mãe, a um tratamento humilhante e violento. Chronos a
forçou a ter com ele relações sexuais, das quais nasceram teus 5 irmãos e, por
fim, a tua pessoa.
- Mas onde estão meus 5 irmãos? Nunca conheci nenhum deles. –
Disse Zeus.
- Teus irmãos foram engolidos inteiros e vivos por Chronos, assim que
eles nasceram. E ainda devem estar dentro do estômago daquele tirano, visto
que são imortais como tu. Porém, tu foste salvo pela esperteza de tua mãe, e
de tua tia Têmis. Elas bolaram um plano para que tu escapasses da voracidade
de Chronos. Quando teu pai procurou te devorar, tua mãe o fez engolir uma
pedra envolvida em cobertores. O tirano glutão nem percebeu que havia
devorado uma pedra, pois nunca mastigava nada do que devorava. E essa foi
a tua sorte. Eu te trouxe aqui a pedido de tua mãe, para que crescesses seguro
e livre das garras de teu pai.
- Mas por que Chronos não pode saber da minha existência agora, que
tenho 20 anos? Ele não será mais capaz de me devorar.
- Chronos foi amaldiçoado pelo Ser Supremo, depois que ele devorou o
fruto proibido. Esse fruto era símbolo da Soberania do Deus Todo-Poderoso. E
teu pai quis se apossar dessa Soberania. Então, Deus determinou que teu pai
nunca seria o dominador do Mundo, mas que um de seus filhos iria dominar o
Universo em seu lugar.
Kairós fez uma pausa em seu discurso e olhou para o rosto de Zeus,
esperando que ele entendesse. Mas como o garoto não parecia entender, ele
continuou:
- Zeus.... tu és esse filho. Tu és aquele que irá acabar com a Tirania de
Chronos. Tu és o vingador prometido pelo Todo-Poderoso, pois tu foste o único
a escapar da voracidade do deus do tempo. Por isso, mantive o segredo até
agora. Era preciso esperar que tu fosses mais forte que teu pai, caso contrário
ele viria para te destruir e evitar que a maldição se cumprisse.
Kairós parou de falar ao observar que Zeus estava com os olhos
vermelhos e húmidos. Zeus então derramou uma tímida lágrima de seu olho
esquerdo. Essa lágrima não era de tristeza. Era de puro ódio e indignação. O
olhar de Zeus era firme. Seu semblante demonstrava profundo desprezo por
aquele ser que agora sabia que era na verdade seu pai. Ele havia devorado os
próprios filhos, e não mediria esforços para destruí-lo também, caso soubesse
que não tinha sido devorado enquanto era um bebê.
Após a pausa, em que Kairós sentiu a ira de Zeus crescer, o deus do
tempo oportuno tornou a falar:
- Chronos é obstinado pelo Poder, e não cederá tão facilmente. E
agora ele possui uma armadura protetora chamada Sôhma, e possui também
uma arma poderosíssima chamada Megas Drepanon. Receio que, mesmo
mais forte que teu pai, tu não consigas detê-lo sozinho. Vais precisar da ajuda
de teus irmãos. Dos 5 que foram devorados por Chronos, e dos outros 6 que
foram aprisionados por ele no Tártaro.
- Tártaro? O que é isso? – Perguntou Zeus com assombro. – Meus
outros seis irmãos? Você não disse que minha mãe teve cinco filhos antes de
mim? Que outros seis são esses?
Kairós ficou paralisado e admirado. Esquecera completamente o
quanto Zeus cresceu isolado de todos. Enquanto todos conheciam os
Hecatônquiros e os Ciclopes e ignoravam os outros 6, Zeus agora sabia sobre
os filhos de Réia, mas ignorava totalmente a existência de seus meios-irmãos,
filhos apenas de Chronos. Kairós começou a explicar:
- Antes que o Planeta Terra fosse criado, nos primórdios da História,
durante a Primeira Era do Universo, Chronos gerou sozinho seis filhos
monstruosos. Três deles foram chamados de Hecatônquiros (porque possuíam
cem braços e pernas em seu tronco) e três deles ficaram conhecidos como
Ciclopes (porque só possuíam um único olho em seus rostos). Como os seis
filhos de Chronos eram tão selvagens e instáveis quanto seu pai, Chronos foi
obrigado a prendê-los em um buraco negro supermassivo após os pedidos
incessantes dos outros deuses. Esse buraco negro encontra-se agora no
centro desta nossa galáxia, chamada Via Láctea. Esse buraco negro é o que
chamamos de Tártaro, e é impossível sair de lá. O Tártaro só é acessível por
fora, mas não por dentro. Ou seja, o buraco devora tudo ao seu redor, mas não
permite que nada saia de dentro dele.
- Se é impossível sair do Tártaro, como poderei tirar meus seis meios-
irmãos de lá? – Indagou Zeus.
- Há algum tempo, descobri que é possível abrir o Tártaro, desde que a
Suprema Vontade seja igual ou superior à daquele que o criou. Isto é, o deus
que possuir a SV igual ou maior que a de Chronos consegue ter acesso. Eu
descobri isso porque minha SV é igual a de Chronos, pois sou irmão gêmeo
daquele Tirano. Mas para mim é possível apenas chegar próximo do Tártaro
sem ser engolido pelo buraco. Não consigo, contudo, ir além. Não consigo abrir
o buraco e puxar os seis. Porém, tu és agora o mais poderoso dos deuses. Tu
herdaste os poderes de teu pai, e também um pouco dos poderes de teus
avós. Tu serás capaz de te aproximar do Tártaro e de puxar teus irmãos de lá.
- E para que eu iria querer libertar seres tão selvagens e instáveis
quanto meu pai? Não seria uma estratégia imprudente?
- Não seria. Porque nessas aproximações que eu consegui fazer do
Tártaro, tive a oportunidade de conversar com os seis pela brecha do buraco. E
eu convenci os Hecatônquiros a combater Chronos por vingança. Eles são
ressentidos pelo fato de terem sido aprisionados pelo próprio pai. E eu também
convenci os Ciclopes a elaborarem armas capazes de combater e derrotar
aquele selvagem deus do tempo.
- Quando fizeste isso, tio?
- Eu os convenci assim que soube dos boatos acerca da construção da
arma secreta de Chronos, a Megas Drepanon. O próprio Chronos nunca fez
segredo disso, e gostava de esnobar, dizendo aos quatro ventos que um dia
iria destronar Urano. Acredite, durante estes últimos 20 anos, desde que eu
soube dos planos de Chronos, eu estive trabalhando para que tu te tornasses o
mais poderoso dos deuses, e para que os seis aceitassem colaborar com a
batalha contra teu pai.
- E que armas são essas, que serão capazes de derrotar o poder de
Chronos? – Perguntou Zeus.
- Cada um dos Ciclopes elaborou uma arma. Um deles fez um Tridente
mágico capaz de comandar todas as águas dos oceanos e dos rios do Mundo.
O segundo deles fez uma espada capaz de controlar o poder dos raios. Essa
arma eu pedi, para que tu fosses capaz de controlar o teu poder elétrico, já que
não herdaste totalmente os poderes de teu avó Urano. Tu precisarás da
espada para acertar com máxima precisão os raios em teus alvos. Ao último
dos Ciclopes eu pedi que fizesse uma arma que te permitisse te aproximar
furtivamente de Chronos, sem que ele se apercebesse. Então, ele elaborou um
capacete capaz de tornar invisível o seu usuário.
- E com essas armas poderei derrotar Chronos?
- Não sei te dizer ao certo. Mas, certamente, com tais armas tuas
chances serão bem maiores. Vamos. Chegou a hora. Deves libertar teus
meios-irmãos do Tártaro, e depois fazer teu pai vomitar os filhos de tua mãe.
Sem teus 11 irmãos, será impossível vencer Chronos. A humanidade e os
deuses esperam a libertação da Tirania do tempo.
Após a conversa, Kairós e Zeus decidiram partir imediatamente do
Olimpo em direção ao espaço sideral. Os olhos dos dois brilharam com uma luz
branca e muito clara. E então os dois deram um salto para o alto e foram
voando para cima. Ultrapassando as comportas de Urano, os dois deuses
ganharam a imensidão do espaço. Lá em cima, os dois olharam ao longe o
centro da galáxia. Seria verdade que o Tártaro estava lá? Kairós então abriu
um buraco de minhoca logo depois que passaram pelos limites da Lua.
- Que truque bizarro é esse, tio?
- O Tártaro está a aproximadamente 25 mil anos-luz de distância da
Terra. Mesmo que alcancemos a velocidade máxima do Universo (que é a da
luz), levaríamos 25 mil anos para chegarmos lá. Nesse tempo, Chronos já terá
destruído o Planeta. Precisamos de um atalho, moleque. Veja, esse buraco de
minhoca é uma distorção no espaço-tempo, uma dobra no tecido do éter. Isso
irá encurtar um pouco as distâncias, e poderemos ir e voltar bem mais rápido.
Pelos meus cálculos, levaremos duas semanas.
- Um truque genial! Só podia ter nascido da mente do deus do tempo. –
Disse Zeus.
- Teu pai é o deus do tempo, Zeus.
- Não, tio. Você que é o verdadeiro deus do tempo. Chronos nunca
seria tão esperto como você.
Kairós sentiu um pouco de orgulho com as palavras de seu sobrinho,
esboçou um sorrisinho enviesado e dirigiu-se para a dobra espaço-temporal
que criara após os limites da órbita da lua, em um local discreto e seguro, onde
os outros deuses não pudessem enxergar. Ali, os dois deuses entraram no
portal, atravessaram metade da Via Láctea pelo atalho do “buraco de minhoca”
criado por Kairós e foram parar no centro da Galáxia, às margens do buraco
negro central.
- UUAAAUU.... Que viagem louca! Depois me ensine esse truque
também, tio! Talvez eu precise saber como fazer isso para derrotar meu pai.
- Combinado, moleque.
Ali, à beira do buraco negro supermassivo no centro da galáxia, os dois
sentiram as condições mais extremas que um dia já sentiram. O lugar era
excessivamente quente e conturbado. Havia radiação sendo emitida para todos
os lados, e uma fortíssima gravidade arrastava tudo para dentro do Tártaro.
Definitivamente, era o lugar mais perigoso que Zeus já havia visto em toda sua
vida.
Então, usando o máximo de suas Supremas Vontades, Zeus e Kairós
foram aproximando-se do núcleo negro e denso. Ao chegar bem próximo,
Kairós gritou para os seis seres que estavam dentro da esfera supermassiva:
- Ó, filhos injustiçados de Chronos! Eu hoje vos trouxe o vosso
libertador. É Zeus, o vosso senhor. Prometam lealdade, e ele vos libertará e os
conduzirá à vingança contra seu pai.
Vozes grotescas e horripilantes foram ouvidas vindas de dentro do
buraco negro, semelhantes a trovões em dia de tempestade:
- Nós prometemos lealdade a Zeus, nosso senhor! Libertem-nos!
Libertem-nos!
Zeus aproximou-se mais ainda, e então, com o máximo de SV que
pode concentrar em suas mãos, começou a distorcer o espaço na superfície do
buraco negro, o que fez a singularidade cuspir uma quantidade enorme de
energia do interior do núcleo escuro. Zeus continuou forçando o espaço a se
dobrar, aliviando a força da Gravidade em um ponto específico do buraco
negro. Mais e mais energia escapava pela brecha. Essa luta durou, talvez,
umas duas semanas (em parâmetros terrenos de tempo).
Os fortes jorros de
energia gama que
escapavam do núcleo negro
iluminaram todo o redor da
Galáxia, num espetáculo
fenomenal chamado
“Quasar”. Contudo, esse
incrível efeito visual (para
sorte dos dois deuses
conspiradores), só seria
percebido lá no planeta Terra
daqui a 25 mil anos. Por isso, apesar de toda a epifania do momento, nada
denunciou a atividade de Zeus. Tudo continuou no mais absoluto segredo.
E então, o inacreditável aconteceu!
Zeus finalmente conseguiu fazer uma abertura grande o suficiente na
superfície do buraco negro pela qual os seis seres monstruosos escaparam. E
eles deram gritos terríveis de felicidade e de prazer.
- LIVRES!! ENFIM, LIVRES!!!
Zeus percebeu que eles não possuíam corpos, mas eram fantasmas
espectrais, apenas espíritos cósmicos. Ao ver a surpresa do sobrinho, Kairós
explicou que os seis haviam sido aprisionados na Primeira Era do Universo,
quando nenhum deus possuía forma visível. Apenas após a criação da
humanidade, a maioria dos deuses desejou assumir corpos carnais, para se
parecerem com o Todo-Poderoso. Da mesma forma, Kairós explicou aos seis
monstruosos espíritos o modo de obter um corpo carnal por meio da Suprema
Vontade. Se quisessem se vingar de Chronos, deveriam assumir um corpo
humano e viajar para o planeta Terra.
Foi assim que os seis terríveis filhos de Chronos assumiram as mais
bizarras e grotescas formas carnais. As formas eram exatamente um reflexo do
bizarro formato espectral, e não tinham a formosura do corpo humano, pois os
seis não tinham visto a forma do Todo-Poderoso e tampouco desejaram se
parecer com Ele. Os hecatônquiros pareciam um tronco de árvore gigante,
cheios de braços e de pernas ameaçadores. Os Ciclopes pareciam gigantescos
monstros com um só olho no meio do rosto. Eram realmente assustadores.
- Ó, terríveis monstros primordiais. Eu sou Zeus, vosso senhor. E eu
também sou vosso meio-irmão. Isso mesmo. Sou filho de Chronos com a
Titânide Réia. Porém, fui igualmente vítima da tirania do deus do tempo. E vos
peço ajuda para detê-lo. Preciso que me confiem as poderosas armas forjadas
por vós no interior do Tártaro e que vos juntem a mim na batalha contra o
terrível Ditador.
Os três Ciclopes se aproximaram de Zeus, levando as armas mágicas
nas mãos.
O primeiro Ciclope parou em frente a Zeus com uma espada forjada no
mais puro ouro, cravejada de pedras preciosas. Ele então disse:
- Esta é a espada chamada Júpiter. Ela se chama assim porque foi
forjada para o maior e mais poderoso dos imortais. Apenas o deus mais
poderoso será capaz de empunhá-la e comandá-la. Se tu possuis a convicção
de que és o mais poderoso entre os deuses, tome a espada na mão e a
domine. Mas, cuidado... se não fores o mais poderoso, a espada disparará a
mais violenta descarga de energia elétrica, e tu perderás o braço. Vá em frente!
Tente a sorte. – Falou o Ciclope em tom de deboche.
- Certamente, eu sou o maior e mais poderoso dentre os imortais
criados pelo Todo-Poderoso. A espada Júpiter será minha e apenas minha. Ela
obedecerá somente aos meus comandos. – Disse Zeus com confiança.
Ele estendeu o braço e tomou a arma dourada das mãos do Ciclope.
Em seguida, levantou a magnífica espada acima de sua cabeça. Para surpresa
e admiração de todos, a espada começou a brilhar em um tom azul claro
luminoso. E então Zeus começou a comandar raios por todos os lados. Ele
apontava a espada para a direita, e os raios que saíam de seu corpo se
direcionavam para o local apontado pela espada. Ele virava a espada para a
esquerda, e os raios se viravam juntamente com a direção indicada pela
espada segurada por Zeus. Para qualquer lugar que Zeus apontasse a espada,
os raios saíam do corpo do deus e iam para a exata direção apontada.
Por fim, Zeus fez cessar o show pirotécnico de raios e relâmpagos. Ele
girou a espada três vezes em torno do eixo de seu cabo. Quando a espada
parou de brilhar e voltou a ficar dourada, Zeus a colocou de volta em sua
bainha.
- Tu és realmente o mais poderoso dos imortais. Tu és digno de possuir
e empunhar a gloriosa espada Júpiter, a arma mais poderosa do Universo. –
Disse o primeiro Ciclope admirado.
Após a exibição de raios, relâmpagos e trovões, o segundo Ciclope
aproximou-se de Zeus com um tridente peculiarmente forjado. O cabo parecia
feito de um metal alaranjado (que mais tarde viria a ser conhecido como
oricalco) e sua lança era de pura prata afiada, enfeitada com adornos em metal
oricalco. Entre a lança e o início do cabo de oricalco, havia uma fita de tecido
lilás. Uma das pontas da fita estava presa e enrolada no cabo, e a outra ponta
da fita estava solta e acompanhava o movimento do cabo da arma.
- Este tridente se chama Netuno. Isso porque ele é capaz de comandar
as profundezas das águas mais agitadas e turbulentas de qualquer planeta do
Cósmos. O ser que a empunhar será capaz de comandar as águas conforme a
sua vontade.
Zeus tomou o Tridente chamado Netuno e o guardou ao seu lado.
Então, por fim, aproximou-se o terceiro Ciclope. Ele veio trazendo um
capacete forjado em metal preto, com detalhes em cinza e prata. Ele era todo
fechado, e seu topo era comprido e levemente inclinado para trás, na região
onde deveria ficar a nuca do usuário.
- Este elmo se chama Pluton. Isso porque o imortal que o utilizar se
tornará o mais furtivo e imperceptível ser do Universo. Ele é capaz de tornar o
seu usuário totalmente invisível, inodoro e inaudível.
Zeus tomou o capacete chamado Pluton e o colocou na cabeça.
Imediatamente, Zeus sumiu mediante os olhos de todos ali presentes. Os sete
deuses ali em volta aplaudiram a atitude corajosa de Zeus e o sucesso ao
dominar o poder das três armas. Aos gritos e urros de “viva o deus dos
deuses”, Zeus finalmente retirou o Pluton e tornou-se novamente visível.
- Agora já podemos cruzar a galáxia de volta para a Terra. – Disse
Kairós.
Os oitos deuses entraram no buraco de minhoca e foram do centro da
galáxia para as proximidades da lua em apenas algumas breves horas. Ao
chegarem um pouco mais próximos da Terra, Kairós fechou o buraco do atalho
e desfez a dobra no tecido do espaço-tempo. Os oito se dirigiram para o
planeta, atravessaram as comportas de Urano, cruzaram o firmamento e
finalmente aterrissaram no sopé do monte Olimpo.
Assim que chegaram ao Olimpo, observaram a presença de três
figuras misteriosas e encapuzadas em sua encosta.
Eram três mulheres imortais muito velhas e muito feias, com cabelos
grisalhos e parcos. Os mantos e capuzes eram cinzas e muito velhos e sujos:
- Me chamo Clóto, tecedora do passado. – Disse a mais gorda
- Me chamo Láquesis, tecedora do presente. – Disse a mais magra.
- Me chamo Átropos, tecedora do futuro. – Disse a mais jovem das três.
- Nós somos as Moíras43. As deusas do destino. E estamos ao dispor
de nosso Senhor Zeus. – Disseram as três velhas juntas em uníssono.
Kairós adiantou-se aos demais, colocando seu braço na frente dos
outros sete, como se precisasse evitar que os outros falassem antes dele. E
então disse:
- Como sabiam de nosso plano e que Zeus se abriga no Olimpo? Eu
sei quem são vocês três. E sei também que são filhas de Érebo e Nix, assim
como Thânatos e Hypnos. Como podemos ter certeza de que estão do nosso
lado, já que os vossos irmãos são comparsas de Chronos? Estou avisando,
não tentem nos enganar, ou se arrependerão.
- Ora, nós três, as Moíras, sabemos todas as coisas. Sabemos
passado, sabemos presente... e sabemos futuro!
Nesse momento, as três retiraram os capuzes e revelaram suas faces.
Elas possuíam apenas um olho, que era compartilhado pelas três. Apenas uma
delas poderia usar o único olho de cada vez. O olho delas era mágico e
revelava qualquer coisa sobre qualquer época da História do Cósmos. Quando
os oito deuses presenciaram o aspecto bizarro das Moíras, tiveram ânsias de

43
Pronuncia-se “Miras”.
vômito, porém se contiveram por educação. A cena era bizarra, nojenta e
grotesca.
Átropos, a mais nova das três, enfiou os longos dedos na sua própria
cavidade ocular, retirando o olho mágico e o repassando para sua irmã mais
velha, Cloto. Esta pegou o olho, deu uma assoprada (como se quisesse limpar
alguma sujeira) e o colocou na sua própria cavidade ocular. E então disse:
- Eu vejo Chronos sendo gerado por Urano e Gaia, e entendo como foi
que o desejo pelo Poder começou a consumir o coração do poderoso Titã.
Com um passado desses, eu entendo que Chronos não pode estar mais neste
Planeta, sob pena de destruição sem fim. Este é o fio da vida de Chronos.
Cloto meteu a mão dentro de uma bolsa que carregava ao lado e
retirou dela um fio de cabelo que parecia revestido com uma luz de aspecto
roxo e escuro.
- Eu tenho nesta bolsa o fio da vida de todos os seres do Cósmos,
exceto o do Todo-Poderoso. Vejam! Este é o fio da vida de Chronos. E eu nada
posso fazer com ele. A aura de Chronos está totalmente corrompida. Esse fio
só é capaz de trançar uma história horrível e cruel. Nenhum tapete magnífico
poderia ser trançado usando-se este fio.
Dizendo isso, Cloto passou o seu olho para Láquesis, que igualmente o
limpou com um assopro e o inseriu em sua face.
- Eu vejo Chronos tiranizando esta Terra. Nada pode prosperar
enquanto o deus do tempo quiser devorar todas as realidades existentes. Sua
fome é insaciável, e sua crueldade é sem fim.
Láquesis retirou o olho da face e o devolveu aos cuidados de sua irmã
mais nova, Átropos. Esta o pegou, o assoprou, e o inseriu novamente em sua
cavidade ocular.
- Eu vejo Chronos no amanhã. Chronos não tem fidelidade a ninguém.
Ele engana Thânatos e Hypnos, a fim de se tornar senhor até mesmo do sono
e da morte. Isso acontecerá muito em breve. Eu vejo Chronos destruindo todos
os homens e eu vejo Chronos devorando todos os deuses. Sua fome é sem
fim.
- Mas nada pode ser feito? - Perguntou Zeus – Ninguém poderá
escapar deste futuro?
- Que bom que perguntaste, meu senhor. Pois o futuro é uma nuvem
inserta de probabilidades. Não é uma visão nítida e definida como a enxergada
por Cloto e Láquesis. Eu vejo o futuro volúvel, enevoado. Os futuros que
podem vir a ser e os que nunca serão. E agora eu só preciso tirar uma última
prova, fazer uma última coisa, para saber a quem devemos ser leais e qual é o
futuro mais favorável aos deuses.
Átropos retirou o olho mágico de sua face, limpou um cisco que estava
sobre a íris e o entregou gentilmente nas mãos de Zeus.
- Veja o seu futuro, senhor do Olimpo! E nos diga se a partir de tuas
mãos podemos esperar dias melhores.
Zeus abriu as mãos, e olhou para dentro do horripilante olho das
Moíras. O olho começou a brilhar forte, com uma luz azul clara, e depois
começou a levitar alto, acima das cabeças de todos. Os que estavam ali
presentes olharam para cima, para dentro do globo brilhante. E então todos
viram cenas do futuro de Zeus se passarem dentro do olho mágico, como se
fossem miragens dentro de um globo de vidro de uma cigana.
“Raios partiam nos céus para todos os lados. A imagem de um monte
se elevou sobre todos os montes da Terra. Sobre o monte, surgiram 12
templos. Dentro dos 12 templos, moravam 12 deuses, alguns conhecidos, mas
outros antes nunca vistos. Já teriam nascido? Após a visão do monte, viram a
Terra dividida em 3 domínios. As partes secas e as florestas formavam o
domínio menor. Os mares e os oceanos formavam o domínio médio. Os
espíritos desencarnados formavam o maior domínio. No domínio dos espíritos,
viram almas de homens e também de deuses, alguns dos quais eles
conheciam, já outros nunca antes vistos. Para além dos 3 domínios, em um
lugar isolado do Cósmos, viram a alma de Chronos aprisionada em um artefato
mágico em formato de ampulheta. A alma de Chronos estava selada dentro
deste artefato misterioso, e ficava girando para sempre, junto com suas areias,
pelos séculos dos séculos, em uma hiperdimensão longe de todas as galáxias
e espaços-tempos conhecidos.”
O olho das Moíras parou de brilhar e voltou flutuando levemente para
as mãos de Zeus. Assustado, o jovem deus tremeu as mãos e deixou o
precioso olho cair ao chão. Zeus deu alguns passos para trás e quis fugir
correndo. Kairós, porém, o pegou pelo braço e o deteve.
- Se acalme! – Disse Kairós.
- E isso responde à pergunta do irmão de Chronos. Sim. Estaremos ao
lado de Zeus, ainda que nossos irmãos estejam do lado do Tirano. Essa era a
visão que faltava em nosso panorama, para termos certeza de qual caminho
devemos tomar. E Sim. Apoiaremos Zeus! Seremos fiéis a ele, pois nenhuma
outra visão mostra um futuro mais favorável do que a visão que tivemos do
futuro que vem pelas mãos de Zeus. – Falou Átropos, pegando seu olho
mágico no chão e colocando-o de novo em sua face.
- Eu não posso! Não tenho poder para realizar todas as coisas
mostradas na visão. Eu... eu não sei como... – Disse Zeus, querendo correr
dali.
- É por isso que o futuro deve ser velado para a maioria dos deuses e
dos homens, pois eles entram em choque ao conhecerem seu destino. Não se
preocupe, sobrinho. Você não estará sozinho nesta tarefa. – Disse Kairós,
abraçando Zeus, mais para impedir que ele fugisse dali do que para acalmá-lo.
- Mas o que devo fazer? – Perguntou Zeus.
- Um futuro melhor só será possível depois que você libertar seus
irmãos. Deves retirar os seus 5 irmãos das entranhas de Chronos e fazer com
eles uma aliança sobre este Monte. Jurem que a aliança feita no Olimpo nunca
deve ser quebrada, caso contrário, o futuro poderá ser bem diferente.
- Está certo. Então irei salvar meus irmãos. – Disse Zeus.
- Boa sorte, meu jovem senhor – Disse Átropos, se afastando de Zeus
e indo se juntar às suas irmãs.
Naquele momento, uma névoa espessa começou a surgir por toda a
parte. As Moíras entraram na parte mais obscura da névoa e ali sumiram. Após
alguns minutos, a névoa se dissipou, e os oito deuses viram-se novamente
sozinhos no sopé do monte Olimpo.
- Devemos agir agora, o mais rápido possível. – Disse Kairós.
- Vamos! – Disse Zeus.

...............................

Após discutirem as melhores estratégias por horas a fio, os oito


chegaram ao consentimento de que Zeus deveria se aproximar sozinho e
furtivamente de Chronos, para que a presença dos Hecatônquiros e dos
Ciclopes não denunciassem a ação que deveria se desenvolver secretamente,
até a libertação dos outros 5 irmãos. Se Chronos e seus comparsas
suspeitassem da intenção deles, nunca permitiriam que chegassem nem
próximos do deus do tempo. Hypnos os faria dormir em segundos, e Thânatos
os arrastaria lentamente à morte.
Então, enquanto os três Hecatônquiros e os três Ciclopes esperavam
escondidos dentro das cavernas do monte Olimpo, Zeus e Kairós foram ao
encontro de Chronos. A missão de Zeus era retirar os irmãos da barriga do
monstruoso deus, e a missão de Kairós era indicar a Zeus o tempo mais
oportuno para conduzir a ação secreta.
Finalmente, tiveram notícias de que Chronos se encontrava nas
proximidades de um lago cristalino. Este lago ficava em uma região próxima ao
litoral de um mar que futuramente seria conhecido como Adriático, ao norte das
ilhas gregas. Chronos estava imerso naquele lago cristalino, do qual procurava
tragar toda a água até que secasse completamente, apenas por pura diversão
e pelo prazer que sentia no fútil espetáculo da entropia.
- Este é o melhor momento – Disse Kairós, analisando as
probabilidades. – Vista as armas secretas, e espere até o momento em que o
monstro estiver saindo das margens do lago que quer tragar.
- Obrigado, tio. – Disse Zeus.
Zeus vestiu o elmo Pluton, ficando completamente invisível, inodoro e
inaudível. Enquanto estivesse com o Pluton sobre a cabeça, nada denunciaria
a sua presença ali. Chronos emergiu da água, com um urro de alegria, por ter
drenado cerca de metade de todo o lago. Suas risadas eram grotescas e
cruéis. O monstruoso deus do tempo não pressentiu a presença do filho, caso
contrário teria tido a prudência de invocar sua Sôhma e sua Foice. Contudo,
como era exibido e narcisista, encontrava-se totalmente nu e sem arma
alguma, pois sabia que seu assustador físico era o suficiente para intimidar
todos os seres que estivessem por perto. Chronos foi aproximando-se das
margens do lago, pois queria descansar um pouco sob a sombra de uma
árvore, antes de voltar a engolir o restante do lago.
Logo que o monstro saiu do lago, Zeus empunhou o Netuno e sacou a
espada Júpiter da bainha. Aproximou-se furtivamente do próprio pai e, quando
estava a cerca de uns 10 metros apenas, ergueu o Netuno e invocou parte das
águas do lago. As águas saíram do centro do quase drenado lago e formaram
uma tromba que se ergueu para cima e depois desabou sobre a cabeça de
Chronos, fazendo-o ficar caído de barriga para cima sob a pressão da coluna
d’água. Assustado com o acontecimento, Chronos não teve tempo para fugir.
Não conseguia livrar-se do peso da coluna de água invocada por Zeus. Logo
que a água parou de cair sobre o corpo do monstro, Zeus ergueu a espada
Júpiter e invocou um raio que caiu em menos de um milésimo de segundo
sobre o estômago de Chronos, abrindo as pavorosas entranhas do monstro.
Gemendo de dor e urrando de raiva, Chronos começou a gritar!
- O que está havendo? Quem ousa ferir meu belo corpo e se colocar
contra o meu poderoso domínio?
Zeus retirou o Pluton, correu para cima de seu pai e saltou com a
espada Júpiter virada para baixo, abrindo ainda mais o espaço no estômago do
monstro. Enquanto rasgava as entranhas do deus do tempo com a lâmina de
Júpiter, Zeus chegou bem perto do rosto de Chronos e disse:
- Sou eu, o seu filho mais novo! E agora eu vim para libertar todos os
meus irmãos que engoliste no passado, monstro miserável!
Zeus soltou suas armas, enfiou as mãos dentro da barrida do pai e,
para sua surpresa, conseguiu agarrar as mãos de uma outra pessoa. Ele
puxou-a, e de dentro da barriga do pai saiu seu irmão Poseidon, já adulto, nu e
todo sujo de suco gástrico e restos de coisas que seu pai comia. Mais uma vez,
Zeus enfiou o braço na barriga do pai e conseguiu resgatar de lá mais um
irmão, o chamado Hades. Este também estava nu, como Poseidon, e todo sujo
com as nojentas refeições de seu pai. Dessa mesma forma, Zeus tirou da
barriga do pai as irmãs Deméter e Héstia, e, por fim, Zeus conseguiu agarrar e
puxar para fora a irmã mais velha, a deusa Hera.
Chronos horrorizado e prostrado de dor, não conseguia se mexer.
Apenas ficou ali, com a barriga aberta vertendo sangue e rejeitos de comida
para todo lado. Isso deu tempo para que os 5 irmãos mergulhassem no lago, e
saíssem dali bem depressa, limpos e prontos para o confronto.
Após o susto, Chronos conseguiu se erguer e invocar poderes de cura,
que começou a fechar a barriga ferida. Enquanto isso, os filhos preparavam-se
para o combate. Hades vestiu o Pluton e sumiu da vista de todos. Poseidon
empunhou o Netuno e postou-se na frente das três irmãs para protegê-las.
Zeus pulou o corpo do pai e recuperou a espada Júpiter que havia soltado
antes, a fim de puxar os irmãos com as mãos livres. Com a espada novamente
em punhos, começou a invocar uma tempestade de nuvens carregadas de
eletricidade. Seus olhos brilhavam com uma luz branca assustadora.
Após curar-se da ferida no ventre, Chronos começou a invocar sua
Sôhma, para proteger-se dos ataques dos filhos.
- Seus miseráveis! Eu os engoli justamente para nunca ter o dissabor
de ver um filho meu contra o meu domínio! Agora só me resta destruí-los. –
Gritava Chronos, irado com a esperteza de Zeus.
- Maldito! Nem mesmo a própria família tu poupaste de tua voraz
crueldade. Agora chegou o momento de se cumprir a profecia que fora
vaticinada contra ti pelo próprio Todo-Poderoso. Eis que eu venho para acabar
com a tua Tirania, pai. – Disse Zeus, erguendo a Júpiter.
Chronos já estava todo protegido com a Sôhma e agora invocava sua
Megas Drepanon. A Foice foi conjurada do nada e apareceu nas mãos do deus
do tempo. Ele agarrou as correntes e começou a girá-la, mirando o corpo de
Zeus. Este, por sua vez, invocou um grande raio das nuvens escuras lá em
cima e começou a concentrar poder elétrico dentro da lâmina mágica.
Chronos lançou a Foice em direção a Zeus, ao mesmo tempo em que
este abaixava a espada e a mirava em direção ao pai, descarregando toda a
centelha elétrica absorvida das nuvens. A Foice e o raio disparado por Zeus
chocarem-se no meio do espaço que separava os dois deuses, fazendo um
grande estrondo.
- O poder de Urano!!! Não!! – Exclamou Chronos, assustado. –
Maldição! Herdaste o poder de teu avô. Pois saiba que, como o incapacitei, hei
de castrar teus poderes também, fedelho insolente!
Chronos preparou uma nova investida, girando as correntes de sua
Foice. Mas antes que qualquer outra coisa pudesse acontecer, ouviu-se um
grito que ecoou por toda a campina:

- περιέτει !!!!!44

Kairós saiu do meio das árvores, onde estava escondido, girou o dedo
no ar, desenhando um circulo em volta dos 6 deuses. Nesse mesmo tempo,
uma luz saía dos dedos de Kairós e traçava um círculo de luz em torno dos
filhos de Chronos. O círculo se fechou em volta dos seis, girou formando uma
esfera de luz e lá dentro o tempo pareceu estar congelado. Chronos lançou a
Foice, porém a arma chocou-se contra a esfera de luz e tombou para o lado.
Antes que o deus do tempo pudesse recolher as correntes, Kairós falou
novamente:

- για το μέλλον !45

A esfera de luz foi fechando-se até desaparecer, sumindo também com


os seis deuses que estavam lá dentro.
Na campina, encontravam-se, agora, apenas Chronos e seu irmão
gêmeo Kairós. Os dois deuses eram absolutamente iguais, exceto pela cor dos
olhos e dos cabelos. Enquanto Chronos possuía cabelos e olhos negros,
Kairós possuía cabelos grisalhos e olhos acinzentados.
- Você!!! Estás vivo? Eu não te destrocei na campina, após ter castrado
nosso pai Urano? – Gritou Chronos.
- Idiota! Achou mesmo que me mataria com apenas um golpe. Foi até
muito fácil me desviar do ataque, bastando apenas que eu parasse o tempo por
alguns segundos, até sair da sua mira. HAHAHA.. – Disse Kairós.
- Eu devia suspeitar que tudo isso era conspiração tua, maldito! Eu já
devia ter acabado contigo desde quando interferiste na luta contra meu pai.
Urano nunca teria me acertado o raio daquela primeira vez se tu não tivesses
me parado. Foi por culpa tua que tudo isso aconteceu!

44
Pronuncia-se “Periékei”, que significa, em grego, “conter”.
45
Pronuncia-se “Guiá to Méllon”, significando em grego “Pelo futuro”.
- Adivinha, irmão. Foi exatamente isso mesmo. E saiba, fui eu que
escondi teu filho mais novo na Grécia, a pedido de nossa irmã Réia. Ela
enganou-te, fazendo-te engolir uma pedra, quando na verdade o bebê já
estava seguro longe de tua gula. Pois saibas que fui eu que ajudei a criar Zeus,
teu filho, para que ele pudesse te destronar. HAHAHA!
- Maldito! Veremos agora quem é o verdadeiro deus do tempo.
Acabarei com tua vida, e depois cuidarei de apagar da História todos os
vestígios da tua existência. Ninguém jamais se lembrará de ti, e eu serei o
único deus do tempo conhecido. Prepare-se, maldito! – Disse Chronos,
rodando as correntes e preparando um ataque com sua Megas Drepanon!
- Faça seu melhor, Chronos! Pois o futuro eu já conheço, e te garanto:
ele não é favorável a ti! Tome isto, seu miserável! – Disse Kairós, soltando uma
rajada de poder cósmico em direção ao irmão.
Chronos esquivou-se do poder com um salto, e lançou a Foice em
direção a Kairós. O gêmeo também se esquivou da arma, saltando para o lado.
Neste momento, Kairós fechou os olhos e começou a invocar a existência de
uma proteção. Luzes começaram a envolver o corpo do Titã, com um poder
cósmico assustador. Com o poder de sua Suprema Vontade, Kairós conjurou
uma armadura idêntica a de Chronos, exceto pelo fato de que era toda branca
e prata. As partes da Sôhma surgiram de dentro da pele do deus e fundiram-se
ao seu próprio corpo, como uma fortaleza sem brechas.
- NÃO!! COMO CONSEGUISTE FAZER ISSO?? Apenas eu tenho
poder suficiente para dominar a arte da defesa absoluta.
- HAHAHA! Maldito! Esqueceste que sou teu irmão gêmeo, e que tenho
os mesmos poderes que você? Por acaso acreditaste que após o horripilante
espetáculo no qual feriste Urano, eu e os demais Titãs ficaríamos sem fazer
nada? Imbecil. Ignoras que todos os Titãs possuem poderes para realizar
truques parecidos? Saibas, pois, que o teu exibicionismo foi a tua ruína. Todos
nós passamos a treinar após o bizarro espetáculo, e cada um de nós Titãs
temos agora uma Sôhma para te combater. Você não sairá livre desta, seu
Tirano!!! – Respondeu Kairós.
Então, Kairós partiu para cima do irmão gêmeo. A luta entre os dois
continuou violentamente por horas afinco. E nenhum dos dois lados parecia
querer ceder.

................

Enquanto a luta entre os gêmeos seguia naquela campina do Jardim


do Éden, um ponto de luz surgiu dentro de uma caverna aos pés do Monte
Olimpo. Os Hecatônquiros se levantaram para ver o que era. Os Ciclopes se
viraram e encararam a luz com o único olho que cada um deles tinha. O ponto
de luz foi crescendo até de se tornar uma grande esfera de luz, os seis deuses
irmãos lá dentro paralisados em algum tipo de prisão espaço-temporal. De
repente a esfera estourou, como se fosse uma bolha de sabão, liberando os
deuses de sua paralisia. Hades tirou seu elmo, e tornou-se visível aos demais.
Com exceção de Zeus, estavam todos nus e assustados.
- Irmãos, me chamo Zeus. Nosso pai Chronos engoliu cada um de
vocês enquanto ainda eram bebês, assim que nasceram de nossa mãe Réia.
Ela foi forçada a ter com ele relações sexuais das quais nascemos nós. E nem
mesmo o prazer de ser mãe, Chronos permitiu-lhe. Isso porque, após o roubo
do fruto proibido, o Senhor Deus Todo-Poderoso, o Criador do Cósmos,
profetizou que um dos filhos de Chronos o destronaria. Por isso, a cada filho
nascido, o monstro covarde fazia questão de o devorar. Apenas eu escapei da
voracidade de Chronos, por pura esperteza de Réia, que seguia os conselhos
de Têmis.
- Crescemos dia e noite queimados pelos sucos gástricos daquele
infame, sem nunca saber por que não morríamos. Agora sabemos o motivo.
Somos imortais, filhos daquele deus sem coração. E agora, após passarmos
uma vida inteira aprisionados dentro do corpo do Tirano, o que devemos fazer?
– Disse Poseidon.
- Devemos nos vingar do miserável e cumprir a profecia do Todo-
Poderoso! – Gritou Hades.
- Vingança! – Gritaram as irmãs Hera, Héstia e Deméter.
- Se acalmem, irmãos. Precisamos usar de estratégia, pois não é
qualquer investida que será capaz de derrotar Chronos. Nosso tio Kairós tem
sido esperto por todos esses anos, e me ensinou vários truques. Mas
precisamos ademais do maior número de aliados possíveis. – Disse Zeus.
- Precisamos jurar lealdade! – Disse Hades.
- Precisamos fazer uma aliança! – Disse Poseidon.
- Precisamos fazer o voto perpétuo de que nunca iremos para o lado de
Chronos! – Disse Zeus.
- Venham, irmãos. Façamos a aliança do Olimpo! – Disseram as outras
três deusas.
Os seis deuses irmãos, filhos de Chronos e Réia, deram-se as mãos e
ficaram em círculo. E então começaram a entoar mantras em uma língua
angélica desconhecida. Caso pudessem ser traduzidos para alguma língua
moderna, os mantras trariam aproximadamente a seguinte invocação:
“Senhor Deus, Todo-Poderoso, nós juramos cumprir a profecia que
proferiste a respeito do profano Chronos, que ousou desobedecer tua
Soberania. Juramos destronar o Tirano e selar sua alma bem longe dos
domínios deste Mundo. Sob este monte, fundamos a nossa Sociedade. A partir
de hoje somos a Sociedade dos deuses Olimpianos, e nossa missão é
destronar Chronos e impedir que ele retorne ao Mundo.”
Enquanto a invocação era feita, conjurou-se um anel de chamas em
torno dos seis irmãos. Assim que os mantras cessaram, o anel de chamas se
fechou em torno dos seis e desapareceu. Naquele mesmo momento, surgiram
nos pescoços dos seis deuses irmãos seis medalhões, cada um com formato e
inscrições diferentes.
O medalhão de Zeus era um círculo dourado, com um raio prateado
dentro. Abaixo havia as seguintes inscrições: Son of Time.
O medalhão de Hera era um círculo bronzeado, com flores douradas
no centro. Abaixo havia as seguintes inscrições: Keep Up.
O medalhão de Deméter era um círculo prateado, adornado com uma
coroa de folhas em seu centro. Abaixo havia a seguinte inscrição: Alive.
O medalhão de Poseidon era um círculo de oricalco com uma lança
tridentada feito em ouro e prata no centro. Abaixo havia a seguinte inscrição:
The Promisse.
O medalhão de Héstia era um círculo de ouro com uma fênix de
oricalco em seu centro. Abaixo havia a seguinte inscrição: Of Flames.
Por fim, no pescoço de Hades, apareceu um medalhão de prata. Era
um círculo prateado, com uma estrela de cinco pontas no centro. Abaixo havia
as seguintes inscrições: Yours Ever.
Os seis medalhões, lidos na mesma ordem em que os irmãos
ocupavam no círculo, formavam juntos a seguinte frase:
“Son of Time, Keep Up Alive
The Promisse of Flames Yours Ever”.46
A frase era a resposta do Ser Supremo à promessa que os seis irmãos
haviam feito aos pés do Olimpo. Pelo visto, o juramento havia sido aceito. A
partir daquele momento estava fundada a Sociedade dos deuses Olimpianos.
Mais ao fundo da caverna, os outros seis deuses olhavam curiosos
para o grupo de mãos dadas.
– Vejam, Irmãos! Esses são nossos seis meios-irmãos, nascidos
unicamente de Chronos durante a Primeira Era do Universo. Desde então,
estavam aprisionados no Tártaro, e agora que os libertei eles também buscam

46
Em inglês, a frase significa o seguinte: “Ó, Filho do Tempo, mantenha viva a promessa de chamas que é sua para sempre”.
vingança. – Disse Zeus, soltando suas mãos, desfazendo o círculo e
apontando para os monstros ao fundo da caverna.
Os cinco deuses olharam para os seis monstruosos meios-irmãos e a
acenaram com as cabeças.
- Ao todo, somamos 12 deuses. Outrossim, temos essas três armas
mágicas forjadas pelos Ciclopes: a Júpiter, o Netuno e o Pluton. Enquanto que
do lado contrário, sabemos que Chronos conta unicamente com o apoio de
Thânatos e Hypnos. Portanto, estamos em maioria. A propósito, devemos
repartir as armas entre nós, para que a vitória sobre qualquer um de nós seja
mais dificultosa para Chronos. Como eu sou o único capaz de domar a Júpiter,
a espada mágica fica comigo. – Disse Zeus.
- Já que é assim, aceito ficar com este Tridente mágico, pois foi a
primeira arma que meu coração já teve o impulso de possuir. – Disse
Poseidon.
- Este Tridente se chama Netuno, irmão. E com ele tu serás capaz de
controlar todas as águas dos rios, dos lagos, dos mares e dos oceanos da
Terra. – Disse Zeus.
- Desse modo, como sou o mais tímido, prefiro ficar com o elmo. Já sei
que ele é capaz de me deixar completamente invisível, inodoro e inaudível. É o
disfarce perfeito para uma pessoa como eu, que não gosta de expor o próprio
corpo. – Disse Hades.
- Esse capacete se chama Pluton, caro irmão. E cumprirá
perfeitamente o propósito de sumir com os rastros do deus mais furtivo e oculto
de todos. – Disse Zeus.
Mal Zeus havia terminado de falar, e um pequeno ponto de luz surgiu
dentro da caverna. A Luz foi crescendo até virar uma esfera, estando lá dentro
o deus Kairós ferido. A bolha de luz estourou, deixando o referido deus no chão
húmido da caverna.
- TIO!! – Exclamou Zeus.
Os 12 se aproximaram em torno de Kairós ao chão. Estava
terrivelmente ferido, com um corte na barriga. Sua armadura Sôhma estava
extremamente danificada em vários locais.
- O covarde não aceitou um combate de igual para igual. – Disse
Kairós, gemendo e com enorme dificuldade. – Convocou por telepatia os seus
fiéis comparsas, Thânatos e Hypnos. E então as duas duplas de deuses
gêmeos duelaram ferozmente naquela campina. Os gêmeos do tempo e os
gêmeos da morte. Porém, não eram 2 contra 2, mas sim os três contra mim.
Pura covardia. Se não fosse a interferência daqueles gêmeos, talvez eu tivesse
conseguido... ah... aaarrr....
Kairós tossiu, cuspindo sangue.
- Zeus, não há mais tempo. Aqueles dois armaram uma armadilha para
mim. Chronos esfolou minhas entranhas. Com o meu sangue, os deuses
gêmeos fizeram um ritual para selar minha alma num sono perene por séculos
numerosos. Não tenho muito tempo. Preciso que você vá até um vilarejo nos
arredores do mar Egeu e encontre lá um rapaz chamado Méllon. Ele tem uma
marca... de nascença... no braço... arrgg...
- Não se esforce demais, tio. Tome cuidado! – Disse Zeus.
- Pode deixar que eu encontrarei o rapaz – Disse Hades.
- Ele não é um homem qualquer... ele é mais do que um mero mortal...
ele é.... meu fi.... argg. – Disse Kairós desmaiando.
A maldição estava completa. Da boca de Kairós saiu um pequeno
espectro em forma de galáxia estelar. Era a alma do deus do tempo oportuno.
A pequena galáxia cristalizou-se dentro de uma pepita polida de quartzo
branco. Essa pepita rodopiou rapidamente até ser teleportada daquele local,
provavelmente pelos deuses autores da magia de selamento.
Os 12 deuses estavam tristes em volta de Kairós. Zeus agachou-se
e segurou as mãos do corpo inerte do tio. Uma lágrima caiu de seu rosto.
CAPÍTULO 4 – A TITANOMÁQUIA

A Batalha entre os Titãs e os deuses Olimpianos

Enquanto Hades foi procurar por Méllon nos vilarejos que existiam
próximos às praias do mar Egeu, seus irmãos se reuniam em vários dias
diferentes, dentro das cavernas do Olimpo, para discutir estratégias de
combate. Como afinal, deveriam combater Chronos? Deveriam usar o
elemento surpresa? Ou deveriam chegar marchando ostensivamente? O que
causaria o fracasso do Tirano?
- Acredito que devemos chegar marchando e atrair Chronos para fora
de seu lar, para que a batalha ocorra nos campos que estão fora do Jardim do
Éden, a fim de preservar o local santo contra a profanação. – Dizia Zeus.
- Eu acho que a melhor estratégia é chegar soturnamente, com o
auxílio de Hades, para pegar o monstro desprevenido. – Sugeria Poseidon.
- Não seria melhor atraí-lo para uma grande pira de fogo e queimá-lo
vivo? Seria muito fácil realizar tal feito, pelo menos para mim. – Gabava-se
Héstia, a deusa do fogo.
- Devemos seguir os conselhos de Zeus, pois ele é o mais poderoso e
sábio dentre nós. – Dizia Hera, demonstrando de modo claro um afeto fora do
comum por seu irmão. Zeus correspondia aos afetos, pois também achava
Hera muito bonita e atraente.
- Podemos combater ostensivamente, desde que preservemos ao
máximo todas as florestas e bosques do mundo, pois amo tais criaturas – Dizia
Deméter.

...................

Enquanto os cinco irmãos passavam os seus dias discutindo


estratégias de guerra, bem como treinando o físico e o poder cósmico para a
grande batalha contra Chronos, Hades percorria todos os vilarejos dos homens
à procura de Méllon. Algo muito importante havia sido confiado a esse mortal
pelo próprio deus Kairós, e esse poderia ser o trunfo da guerra contra Chronos.
Hades estava usando seu Pluton, para evitar ser reconhecido e atrair a fúria de
seu pai monstruoso.
- Já visitei mais de 13 vilas, em busca do humano chamado Méllon,
mas não consigo encontrar ninguém com esse nome. Kairós disse que ele
possuía uma marca de nascença no braço. Mas até agora, não vi nenhum
homem com braços suspeitos. Mesmo furtivamente e entrando nos lugares
mais escondidos das vilas, não encontro nenhum homem que corresponda às
características indicadas. – Pensava Hades, em suas buscas por Méllon. –
Talvez seja melhor tirar o disfarce de Pluton e abordar os cidadãos
pessoalmente. Será que assim consigo ter maiores pistas? Seria prudente tirar
o capacete?
Após dias de caminhada, Hades entrou em um novo vilarejo de
humanos chamado Fáleron. Este vilarejo ficava na região da Ática, bem
próximo a uma grande cidade de homens (que futuramente ficaria conhecida
como Athenas). Ao chegar ao cais de Fáleron, Hades ouviu um capataz
comentando com um colega de trabalho sobre como um tal homem recém-
contratado para ajudar na capatazia dos portos era bastante forte e eficiente,
carregando e descarregando centenas de barcos todos os dias.
- O homem é bom e trabalhador, porém, muito esnobe. Ele sabe que
tem maior capacidade que os capatazes da vila. Chegou há pouco tempo de
fora e já está conquistando os corações de nossas mulheres... sem vergonha!
– Disse o capataz zombeteiro, dando um tapinha nas costas do seu colega.
- Claro, claro... e ouvi dizer que até mesmo tua mulher anda arrastando
as asas para cima do estrangeiro. Hahaha. – Respondeu o colega, para irritar o
capataz zombeteiro, que fechou imediatamente o semblante para o amigo.
- Mentira! É a sua que anda saindo com os homens todos da região,
seu trouxa. Abre o olho. Hahaha! – Disse zombando.
Hades achou curioso que um forasteiro tivesse chegado ali
recentemente e já estivesse causando muitas impressões nos moradores
locais. Talvez fosse o procurado Méllon. Mas apenas uma coisa seria capaz de
provar isso: a marca de nascença. Hades seguiu os capatazes secretamente,
com o elmo Pluton, para ver se descobria mais informações sobre o forasteiro.
Ele seguiu os trabalhadores até um grande navio que estava sendo carregado
com mercadorias a serem vendidas em todo o litoral do mediterrâneo.
- Hey, George! Temos serviço para hoje? Vai precisar de ajuda para
carregar o navio? Estamos precisando de dinheiro hoje... – Falou o capataz
mais velho, o que gostava de zombar do amigo.
- Boa tarde, Peristo. Por enquanto, acredito que não vamos precisar. O
rapaz novo está fazendo todo o serviço, e por um preço bem mais barato. –
Respondeu George, o dono do navio.
- Todo o serviço? Mentira! Que garoto esnobe. Só acredito vendo. –
Disse Peristo.
Nesse momento, viram um homem alto, forte e musculoso, trazendo
caixas de um armazém, indo em direção ao navio. Estava sem camisa. Com o
braço direito carregava 3 caixas de cereais, apoiando-as nos ombros. Com o
braço esquerdo, trazia arrastando, em um carrinho rudimentar, um tonel cheio
de vinho.
- Deve ser o forasteiro de que tanto falam por aqui. – Pensou Hades.
- Miserável, fica se exibindo com esses braços fortes descobertos,
nunca vi capataz nenhum trabalhar sem camisa. Vais me pagar pela afronta. –
Murmurou Peristo, consigo mesmo. Mas para azar do trabalhador, Hades
conseguiu ouvir o sibilo e ficou em alerta.
O invejoso Peristo, querendo acabar com a fama do estrangeiro, que
tirava dos moradores todos os serviços e mulheres, discretamente chutou uma
pedra para perto do navio, bem no local onde passaria o homem forte com o
carrinho carregado com o tonel de vinho. A intenção era clara: fazer o exibido
perder o equilíbrio e derramar a preciosa mercadoria de George. Assim, ele
nunca mais conseguiria trabalho naquele porto.
- Cuidado! – Gritou George, para o novato.
O forasteiro esbarrou na pedra, perdendo o equilíbrio. Ao tentar
compensar o movimento, o carrinho de vinho começou a emborcar. Mais do
que depressa, Hades retirou o elmo mágico e correu com sua velocidade divina
para perto da cena, conseguindo segurar o tonel e evitar que a mercadoria se
perdesse.
- Opa, meu jovem! Tenha mais cuidado. – Disse Hades, entregando o
tonel de volta para o rapaz.
- Obrigado, senhor. Quase perdi a mercadoria do patrão. – Disse o
jovem, todo envergonhado.
- Não precisa se desculpar. – Disse Hades.
- Hey, novato. Cuidado, hein. Da próxima vez, pode perder o emprego.
– Disse Peristo, zombando do forasteiro, porém nitidamente decepcionado pela
intervenção daquele homem que parecia ter surgido do nada.
- Não preciso que um velho como você me diga como fazer meu
serviço, ouviu?! – Gritou o jovem, em resposta.
- Fedelho esnobe, venha aqui que eu te mostro quem é velho – Disse
Peristo, levantando os punhos, claramente convidando o jovem para um
combate.
Hades interferiu mais uma vez, pois não tinha tempo a perder com
demonstrações fúteis de virilidade motivadas por disputa de trabalho:
- Escuta, rapaz. Deixe aquele velho invejoso pra lá. Não perca seu
tempo com provocações tolas. Todos sabem que você é o melhor capataz do
porto, mesmo tendo chegado recentemente ao vilarejo de Fáleron. – Disse
Hades.
- Todos sabem? – Perguntou o homem, admirado. Pelo visto, ele não
conhecia a fama que tinha por ali.
- Sim, você trabalha mais do que dois homens juntos e cobra sempre a
metade do preço. É por isso que esses invejosos querem te tirar da jogada. Se
sentem ameaçados. Pelo menos é o que cochicham entre si, o dia todo. Não
sabia que eles falam de você o tempo todo, premeditando maneiras de fazer
você perder a credibilidade? Mas não caia na armadilha desses velhacos.
Apenas ignore as provocações. – Disse Hades, revelando ao jovem forasteiro
aquilo que ele conseguiu descobrir ao ouvir escondido a conversa dos
trabalhadores.
- Nunca imaginei que meu trabalho fosse tão valorizado aqui neste
vilarejo portuário. Na verdade, estou só de passagem, fazendo bicos aqui ou
ali. Não pretendia mesmo ficar por aqui muito tempo. Sou um guerreiro, fui
treinado para batalhas, e não para carregar mercadorias. – Disse o jovem.
- Verdade? Um guerreiro? Desses que protegem os portões das vilas
dos homens? Que nobre atividade... Mas, me perdoe, como se chama mesmo?
– Perguntou Hades.
- Me chamo... – Começou a falar o jovem, porém foi interrompido por
George.
- Escuta, garoto. Você vai ou não terminar de colocar as mercadorias
no navio? Faltam só essas três caixas e esse tonel de vinho. Preciso partir do
porto o mais breve possível, antes que o administrador das docas venha me
cobrar mais impostos. – Disse George.
- Desculpe-me, senhor. Termino o serviço agora mesmo. – Disse o
jovem. – Meu amigo, muito obrigado pela ajuda aqui com este tonel. Se o vinho
tivesse derramado, nem mesmo um mês inteiro de trabalho seria suficiente
para pagar ao George pelos danos. Você salvou meu dia. Olha, estou te
devendo. Assim que eu terminar aqui, e receber o pagamento, poderia te pagar
uma bebida na estalagem da vila?
- Nem precisa, amigo. Mas já que insiste, e que o dia está quente e
ensolarado, uma bebida bem gelada será muito bem-vinda. – Disse Hades,
apostando veementemente em seu interior que havia encontrado a pessoa
certa.
O forasteiro terminou de carregar o navio de George, recebeu três
moedas de ouro e voltou para a beira do cais, para terminar a prosa com
aquele estranho que o havia ajudado. Antes que se aproximasse totalmente, os
demais capatazes se retiraram, nitidamente aborrecidos por terem perdido
mais um serviço para aquele estrangeiro.
- Então. Podemos terminar nossa conversa no bar da estalagem? –
Disse o rapaz, todo suado, limpando a face molhada com o avesso da mão
direita.
Hades olhou discretamente para os braços, à procura de qualquer
sinal, marca ou mancha que indicasse ser ele o homem indicado por Kairós.
Porém, não conseguiu ver nada. Ademais, o rapaz usava faixas enroladas nos
bíceps e nos punhos, o que atrapalhava ter uma visão total do braço.
- Claro, vamos sim! – Respondeu o deus olimpiano. – A propósito,
como se chama mesmo?
- Meu nome é... Mido! Meu nome é Mido! – Disse o rapaz, ruborizando.
Hades pensou que talvez não fosse quem procurava, mas notou que o
rapaz hesitou um pouco ao responder e ficara ligeiramente corado. Talvez
estivesse mentindo, para acobertar o nome verdadeiro.
- Meu nome é... – Hades parou um pouco, olhou para baixo e viu seu
elmo agarrado ao braço esquerdo. – Meu nome é Pluton, nobre guerreiro. –
Disse Hades, mentindo igualmente, e dizendo o primeiro nome que lhe veio à
cabeça.
- Muito bem, Pluton. Agora que somos conhecidos, podemos beber
juntos. Assim pago minha dívida moral para contigo.
- Bem lembrado, Mido. Vamos. – Disse Hades.
O deus olimpiano foi todo o trajeto entre o porto e a estalagem
conversando com aquele jovem que se apresentara com o nome de Mido.
Tudo parecia indicar que era quem ele procurava, apesar de o nome não
corresponder ao que Kairós falara. No entanto, também não conseguiu notar
nenhuma marca de nascença nos braços do rapaz. Quando chegaram ao bar
da hospedaria, se assentaram a uma mesa próxima a uma janela com visão
para a rua.
- O que vão querer, garotos? – Disse a atendente, segurando uma
bandeja prateada ao lado.
- Duas canecas de Hidromel, do mais forte que tiver, por favor. – Disse
Mido, mostrando uma das moedas que havia ganhado de George e colocando-
a na bandeja.
- Está certo. Duas canecas cheias do mais forte Hidromel. Anotado. –
Disse a senhorita, saindo com a moeda e passando por uma outra mesa com
outros homens igualmente sujos e suados, aparentemente recém-chegados do
expediente de trabalho. Dois deles eram já conhecidos, eram os velhacos que
estavam implicando Mido no carregamento do navio de George.
Quando a garçonete passou por aquela mesa, o referido grupo de
rapazes começou a provocá-la. Um dos homens passou a mão na bunda da
senhorita e fez um comentário indecente. Os outros que estavam à mesa
começaram a rir.
Mido olhou enfurecido com os cantos dos olhos.
- Pluton, me desculpe interromper a conversa, mas não posso permitir
tal covardia. – Disse Mido.
O guerreiro forasteiro se levantou subitamente de seu lugar, batendo
as mãos fortemente na mesa e dizendo alto:
– ESCUTA AQUI, IDIOTA! PEÇA DESCULPAS À SENHORITA
AGORA, OU TERÁ QUE SE VER COMIGO!
O outro homem também se levantou alarmado. Era um dos amigos do
velho que tentara derrubar Mido com uma pedra no cais. Apesar de aquele
homem também ser forte, parecia estar em evidente desvantagem em
comparação ao tamanho e envergadura de Mido. Mesmo assim, ele não deu o
braço a torcer e retrucou:
- Pois então venha! Estava mesmo querendo mexer o esqueleto, pois
hoje não vou levar para casa desaforo de nenhum marmanjo, ainda mais
forasteiro. – Disse o outro, sacando uma pequena faca do bolso e apontando
ameaçadoramente para Mido.
- HAHAHA! Acha mesmo que pode me vencer usando isso? Aviso
novamente: peça desculpas, ou irá para casa machucado e sem sua bebida. –
Disse Mido.
- Miserável exibido, vamos ver se é tão macho assim! Toma isso! –
Disse o homem, investindo a faca contra Mido. O guerreiro se esquivou
facilmente do golpe, porém a lâmina passou de raspão pelo seu braço direito,
cortando as faixas que enrolavam seu bíceps, e fazendo um filete de sangue
escorrer. Após ter se esquivado da faca, Mido agarrou o punho do adversário e
o girou, conseguindo desarmar o insolente. Tomou-lhe a lâmina e a jogou para
a própria mesa, perto de onde estava o prato de Hades.
- Não preciso de uma arma vagabunda para derrotar um ser tão
desprezível como você. – Disse Mido. – Agora veja como um homem de
verdade luta, covarde.
Mido encurvou seu corpo para baixo e depois levantou-se rapidamente
com o punho esquerdo em riste, acertando um fenomenal gancho de esquerda
no queixo do homem que havia provocado a garçonete. O homem foi lançado
dois metros para trás, batendo fortemente contra a parede e desmaiando em
seguida. Mido olhou para os demais homens da mesa, apontando o punho:
- E então? Teremos um pedido de desculpas, ou terei que mandar mais
um homem dormindo para casa hoje? – Disse Mido, com um sorriso enviesado.
- Se acalme, meu chapa. Nós não queremos confusão nenhuma. –
Disse um dos homens daquela mesa. – Nós vamos nos desculpar sim.
Um dos homens se desculpou com a senhorita. Depois, pediu ajuda
dos colegas para levantar o amigo caído ao chão. E então todos se retiraram
do bar, levando o homem desmaiado para sua casa, a fim de evitar maiores
confusões.
Mido voltou para sua mesa e sentou-se em seu lugar. Seu braço
direito estava com um corte apenas superficial, mas escorria um pouco de
sangue ali. Naquele momento, Hades olhou para Mido e viu o seu braço por
completo. Logo abaixo do ombro, entre o deltoide e o bíceps de Mido, havia
uma mancha negra em um formato curioso de raio, muito semelhante à letra
“mi” em grego47.
- Cavalheiro, muito obrigada por me defender, fico até sem palavras.
Nenhum outro homem havia me defendido antes desse tipo de abuso que
acontece em bares e tavernas. – Disse a garçonete. – Deixe-me cuidar dessa
ferida, como forma de gratidão...
A garçonete pegou panos limpos na cozinha e uma tigela com água.
Sentou-se ao lado de Mido, e começou a limpar a ferida de seu braço.
- Pronto, cavalheiro. É só manter o pano pressionado que o sangue vai
estancar em breve. – Disse a senhorita, retirando-se em seguida. Depois de
alguns momentos, ela voltou trazendo as canecas de Hidromel para Hades e
Mido.
- É como você disse, Pluton. Os homens dessa vila parecem gostar de
encrencas. – Falou Mido.
- Verdade, eu notei isso bem rapidamente. Escuta, não quero ser
indiscreto... mas me diga uma coisa: seu nome é Mido mesmo? – Perguntou
Hades.
O rapaz abaixou a cabeça e olhou fixamente para o próprio copo de
Hidromel, desviando o olhar do companheiro de mesa. Mas ficou em silêncio.
- Entendo. Seu nome não é Mido. Porém, não pode me dizer seu
nome, certo? Você prometeu a alguém que nunca revelaria sua verdadeira
identidade até que chegasse o momento oportuno. – Disse Hades.

47
A Letra “Mi” em grego corresponde ao “M” romano, e é da seguinte forma: μ
- Sim, amigo. Não posso dizer meu nome verdadeiro. Me desculpe.
Contudo, me chame de Mido mesmo, não tem problema.
- Garoto, não precisa se preocupar. Eu já sei seu nome verdadeiro. –
Disse Hades.
O rapaz levou a caneca à boca e deu um longo gole na bebida gelada,
duvidando interiormente das palavras daquele homem à sua frente.
- Seu nome é Méllon! – Disse Hades.
Ao ouvir aquilo, o garoto engasgou-se com a bebida, e começou a
tossir freneticamente. Depois de se recompor, perguntou:
- Como descobriu meu nome verdadeiro? Você é algum espião? Foi
enviado para me destruir?
- Garoto, eu sei seu nome porque o momento da sua revelação
chegou. Não precisa mais se esconder. Eu fui enviado por Kairós para procurar
por você.
- Você conhece Kairós? – Perguntou o jovem.
- Sim. Eu vim procurá-lo a pedido de Kairós. – Disse Hades.
- Se foi Kairós quem te enviou, então você é confiável.
- Sim, Mido. Pode confiar em mim. Eu sei que seu nome verdadeiro é
Méllon. E eu tive essa certeza por causa dessa marca de nascença em seu
braço direito. Quando as faixas caíram, tive a certeza de ter encontrado a
pessoa certa. – Disse Hades.
- Minha nossa... é verdade. Eu sempre uso essas faixas justamente
para disfarçar essa marca de nascença. Meu pai me fez prometer nunca me
revelar até que chegasse o dia correto. – Disse Méllon, abaixando-se para
recuperar sua faixa. Após ter estancado o sangue, o garoto voltou a enrolar
aquela velha faixa de pano em seu bíceps.
- E me desculpe, mas também não fui totalmente sincero com você.
Meu nome verdadeiro é Hades. E isso também é um segredo. Eu sou filho do
Tirano deste Mundo, o deus Chronos. E ele não pode saber onde estou jamais,
senão virá me matar. Isso mesmo.
- Mas então, se você é filho de Chronos, você é um deus... – Disse
Méllon.
- Exatamente, garoto.
- E se é filho de Chronos, então é sobrinho de Kairós. Isso quer dizer
que somos, de algum modo, parentes... – Disse Méllon, sorrindo.
- Como é que é, garoto? – Perguntou Hades.
- Hades, o meu segredo é este: eu sou filho de Kairós, portanto, somos
primos.
- Filho de Kairós? – Espantou-se Hades. - Mas então aquele bonachão
tinha um filho esse tempo todo? Alguém mais sabe dessa informação?
- Não. Minha existência foi mantida em segredo, para minha própria
segurança e também como uma arma secreta contra Chronos. Meu pai me
disse que meu nome significa “Futuro”48. Isso porque ele desejava um futuro
melhor para todos os deuses e homens. Ele não queria que Chronos
tiranizasse o mundo por todos os séculos sem fim. Então, ele me gerou em
segredo, e me treinou como um guerreiro, a fim de me revelar ao Mundo no
momento propício, quando fosse deflagrada a revolta contra o poder de
Chronos. Ele acreditava que eu pudesse ajudar a construir um futuro melhor
para o mundo.
- Méllon, então você também é um deus... – Disse Hades.
- Não exatamente, amigo. Kairós é meu pai. Contudo, minha mãe se
chamava Astéria49. Ela era uma humana da vila portuária de Pireu.
Infelizmente, ela morreu durante o meu parto, porque eu nasci grande de mais.
Mas dizem que meu pai realmente a amava. Ele mantinha segredo sobre mim,
sobretudo por não saber se era lícito que deuses se relacionassem com seres
humanos, muito menos que tivessem filhos juntos.
- Mas, então, se não é um deus, você é um humano? – Perguntou
Hades.
- Também não, amigo. Não sou um deus, porque minha mãe é
humana. Não sou um humano, porque meu pai é um deus. Na verdade, eu sou
um Néfilim50, isto é, um semideus. E até onde sei, sou o primeiro de minha
raça. – Disse Méllon.
- Néfilim... – Murmurou Hades, digerindo a informação. – Um
semideus... Entendo... Méllon, eu tenho uma notícia triste para te dar. Seu pai
Kairós fazia parte de uma conspiração contra a Tirania de Chronos. Ele treinou
secretamente o meu irmão Zeus para liderar a revolta contra o monstro. Depois
que Zeus libertou todos os irmãos de seus cativeiros impostos por Chronos,
incluindo a mim, Kairós tomou a dianteira da batalha, a fim de enfraquecer o
deus do tempo e nos dar tempo para nos organizarmos para a guerra contra
ele. Porém, o covarde Chronos se juntou aos deuses Thânatos e Hypnos... e...
infelizmente...

48
Méllon ( μέλλον ) significa “Futuro” em grego.
49
Em grego, a palavra αστέρι (astéri) significa “estrela”. Portanto, o nome Astéria tem esse significado.
50
“Nefilim”. O termo vem do hebraico . A palavra ocorre duas vezes na Bíblia, em “Gênesis 6,4” e em “Números 13,33”,
para designar uma raça de gigantes que teria surgido a partir da relação entre os anjos (filhos de Deus) e as humanas (filhas dos
homens). Antes do dilúvio, a existência de Nefilins era encarada como natural na Antiguidade, mas a maioria deles era perversa e
cruel. Dizem que o gigante Golias, que lutou contra o rei Davi, milhares de anos após o dilúvio, era um descendente distante dos
antigos Nefilins. Pelo visto, o dilúvio não matou todas as formas de vida.
- Infelizmente o que? – Perguntou Méllon, temendo pelo pior.
- Bem... garoto... Kairós não pôde suportar o ataque de três deuses ao
mesmo tempo. Ele sucumbiu. Seu corpo foi destruído pela arma secreta de
Chronos, a Grande Foice. O Ceifador fez mais uma vítima, desta vez seu
próprio irmão gêmeo. Mas acredito que, como Kairós é um deus imortal, sua
alma ficaria livre fora do corpo. Porém, sua alma foi selada por Thânatos e
Hypnos em uma pepita de quartzo branco que simplesmente desapareceu da
vista de todos. Antes de ser selado, no entanto, ele nos pediu que
procurássemos por você. E é o que tenho feito desde então.
- Meu pai está... morto? – Murmurou Méllon.
- Bem... garoto. Eu não sei exatamente se os deuses podem morrer de
fato. Acho que não. Como eu expliquei, a alma de Kairós ainda existe, selada
em algum lugar.
- Hades, para pessoas como eu, isso equivale a dizer que houve a
morte. Se a alma de meu pai não tivesse sido selada, onde ela estaria agora?
Hades parou para pensar... Ele não sabia a resposta para essa
intrigante pergunta. Se um deus perdesse seu corpo físico, para onde iria sua
alma? Ficaria livre pelo Cósmos? Ademais, para onde iriam as almas dos
homens depois da morte? Hades também não sabia...
- Méllon... eu não sei te dizer. Não sei se essas perguntas possuem
respostas. Quando o Todo-Poderoso permitiu que os deuses tivessem corpos
físicos, Ele nunca explicou totalmente quais seriam as consequências dessa
escolha. E até então, após bilhões e bilhões de anos, nunca se ouviu dizer que
um deus pudesse ter seu corpo destruído. Dentro os imortais, apenas Kairós
sucumbiu. Portanto, não sabemos de verdade o que acontece a um deus, se
ele perde seu corpo. – Disse Hades. – De todo modo, eu lamento muito,
Méllon... pela morte... digo... pela perda... de seu pai.
- Obrigado pelas condolências, primo. Vou transformar toda minha
frustação e tristeza em força e poder para derrotar o tirano Chronos, e vingar a
alma de meu pai pela maldade que lhe foi feita pelo trio de deuses malignos.
Finalmente entendo o motivo pelo qual meu pai me treinou em artes de guerra
por todos esses anos. Devo ajudar na luta contra Chronos.
- É assim que se fala, Méllon. – Disse Hades, olhando a força de
vontade de Méllon e sua determinação em superar o luto. - Kairós tinha razão.
Se lutarmos juntos, certamente teremos um futuro melhor para todos!
(O Filho de Kairós: Méllon, o primeiro semideus)
A conversa na Taverna continuou por horas seguidas, e os dois primos
tomaram ainda muitas outras bebidas. Trocaram informações, confidências,
certezas e incertezas sobre a vida e o Cósmos. Uma grande amizade entre os
dois surgiu a partir daquele dia.
Porém, o encontro entre Hades e Méllon afetou profundamente o deus
olimpiano, irmão de Zeus. Hades subitamente começou a ter um medo intenso
de perder seu próprio corpo, por não saber ao certo o que aconteceria à alma
de um deus se seu corpo fosse destruído. E eles estavam prestes a entrar em
uma guerra. Ademais, ao contrário dos deuses mais antigos, Hades e os outros
cinco olimpianos já haviam nascido com corpos físicos, enquanto que os outros
deuses já tinham sido puros espíritos antes. Eles não podiam ter certeza
nenhuma a respeito do que lhes aconteceria se perdessem seus corpos, e a
perda de Kairós, que era um dos deuses primordiais, provava que os corpos
dos deuses não era imune à destruição. Isso aumentava ainda mais as
incertezas de Hades. Por esse motivo, Hades passou a andar cada vez mais
escondido e encoberto pelo poder mágico do elmo Pluton, pois temia com
terrível assombro perder seu corpo.

.....................

Muitos dias se passaram desde que Hades saíra à procura de Méllon.


E os dois agora voltavam juntos para o Olimpo, ao encontro dos demais
deuses conspiradores. Os dois saíram do vilarejo de Fáleron, passaram pelo
Porto de Pireu, onde nascera Méllon, e subiram em direção ao norte por dias,
saindo da região da Ática e entrando na região grega da Tessália, onde ficava
o monte Olimpo. Caminharam pelo litoral do mar Egeu, para evitar a cadeia de
montanhas e chegar mais rápido ao destino. A viagem demorou dias, porque
Hades só queria andar à noite, ou usando o Pluton, pois temia ser reconhecido
por capangas de Chronos.
Quando chegaram próximos ao sopé do monte, viram uma figura
curiosa à beira do mar Egeu, rodeada pelas Musas e Ninfas daquela região.
Foram essas deusas do mar que ajudaram a criar Zeus. Contudo, aquela figura
que saía do mar, rodeada pelas pequenas deusas marinhas, Hades nunca
tinha visto antes. Os dois viajantes se aproximaram com cautela.
- Você deve ser o irmão de Zeus. – Disse a curiosa figura. Tinha a
beleza pura das mulheres humanas, mas era mais alta e imponente. Seus
cabelos eram lisos e compridos, e caíam sobre seus ombros, tampando os
seios nus. Ela usava apenas uma tanga adornada com pérolas e pedras
brilhantes.
- Sim, estou retornando de uma missão agora. Se conhece meu irmão,
então deve ser uma aliada, pois nós olimpianos juramos manter segredo até o
dia em que Chronos fosse destronado. – Respondeu Hades.
- Claro. As musas e as ninfas que criaram Zeus foram me buscar no
fundo do Oceano, onde moro, a pedido do seu irmão. Ele quer me propor uma
aliança. Meu nome é Tétis51, e sou uma Titânide, uma das filhas de Urano e
Gaia. E... infelizmente... também sou irmã de monstruoso Chronos.
- Tétis? Então você é nossa tia. Vamos subindo montanha acima,
nesse caso. No caminho, explicamos os detalhes sobre a conspiração. Mas já
digo, tudo deve correr no mais absoluto segredo. Nem mesmo a caverna onde
se esconde Zeus deve ser revelada. Então? Vamos subir o monte? – Disse
Hades.
- Vamos. E esse garoto, quem é? – Perguntou Tétis.
- Eu explico tudo durante a subida, não se preocupe. – Disse Hades.
O cortejo das musas e ninfas começou a subir o monte Olimpo,
escoltando Hades, Méllon e Tétis ao encontro dos Olimpianos. Eles passaram
por lugares estranhos, trilhas secretas, buracos mágicos que atravessavam
certos trechos bloqueados com rochas, até enfim conseguirem chegar a uma
caverna que ficava quase no topo da montanha. Sem a escolta das musas de
Zeus, era simplesmente impossível achar o lugar de entrada da caverna.
Quando entraram, viram Héstia à frente, segurando uma tocha de fogo.
Deméter descansava próximo ao irmão Poseidon. Ao fundo da caverna, viram
Zeus de mãos dadas com Hera. Parecia que os dois estavam vivendo algum
romance. Zeus se dirigiu a eles e disse:
- Obrigado, queridas Ninfas, por terem encontrado e trazido a deusa
Tétis!
- De nada, Zeus, nosso senhor – responderam, retirando-se da caverna
em seguida.
Poseidon encantou-se subitamente com a beleza de sua tia Tétis. Ao
vê-la entrar pela caverna, levantou-se e olhou-a hipnotizado. As maçãs de seu
rosto se enrubesceram, e ele deu pequenas tossezinhas, como se tivesse se
engasgado. Todos notaram o evidente interesse que surgira no coração do
mencionado deus, inclusive Tétis, que também ficou corada e retribuiu os
engasgos do sobrinho com risadinhas acanhadas. Hades interrompeu a cena
para anunciar a grande boa notícia:

51
Trata-se da deusa Tétis, e não daquela personagem que viria a ser conhecida como uma guerreira marina de Poseidon (Tétis de
Sereia).
- Irmãos. Tenho outra boa notícia para dar a todos. Finalmente
encontrei Méllon, a pessoa que Kairós nos incumbiu de procurar. – Disse
Hades.
- Muito prazer, primos. Eu sou Méllon, filho de Kairós. – Disse o
semideus.
- Filho de Kairós? – Surpreendeu-se Zeus. – Então era esse o segredo
daquele malandro?
- Sim. – Disse Hades. – Pelo visto, nosso tio era cheio de segredos e
surpresas. Ele deixou tudo armado para o dia da luta contra Chronos.
- Então, você também é um deus, como nós? – Perguntou Zeus.
- Na verdade, sou um Néfilim... um semideus. Minha mãe era humana.
– Respondeu Méllon. – Porém, fui muito bem treinado por meu pai para ser um
guerreiro de primeiríssima qualidade.
- Engraçado, eu também fui treinado por Kairós. Aquele bonachão nos
treinou esse tempo todo e sempre nos manteve segredo quanto à existência
tanto de um discípulo quanto do outro. – Disse Zeus.
- Pois bem. Estou aqui, a serviço da aliança dos olimpianos. O que
devo fazer? – Disse Méllon.
- Se foste treinado por Kairós, certamente estás pronto para ir para a
linha de frente da batalha. Estou certo de que era o desejo de Kairós. – Disse
Zeus.
- Caro irmão, temos aqui a deusa Tétis e o Néfilim Méllon. Além deles,
somos 6 olimpianos e mais os outros 6 que foram libertos do Tártaro. Acredita
que já podemos declarar guerra contra Chronos, ou mais algum preparativo
precisa ser feito? – Perguntou Poseidon.
- Acredito que, antes de declarar guerra, devemos resgatar nossa mãe
Réia das mãos do Tirano. Ela fez de tudo para me livrar do monstro, e isso é o
mínimo que devemos fazer por ela. – Disse Zeus. – Eu mesmo quero ir ao
encontro da nossa mãe, e convencê-la a se esconder nesta caverna, assim
como eu fui escondido a pedido dela aqui 20 anos atrás, para fugir da fúria do
deus do tempo. Réia já sofreu demais, ela não deve participar das batalhas.
- Concordamos. Ela é nossa mãe, e já sofreu o suficiente nessa história
toda. – Disseram os outros irmãos.
- Enquanto eu estiver fora, à procura de Réia, gostaria que Poseidon e
Tétis saíssem juntos a fim de convencer mais Titãs a entrarem na guerra ao
nosso lado. – Disse Zeus.
- Tudo bem, senhor. – Disseram Poseidon e Tétis.
- Outrossim, gostaria que Deméter e Héstia saíssem à procura dos
guardiões da humanidade. Os três filhos de Jápeto devem vir aqui e dizer se
querem envolver os homens nesta batalha que diz respeito a nós. A vida de
nenhum humano deve ser ameaçada sem a anuência dos 3 guardiões, pois
eles protegem a humanidade a pedido do próprio Ser Supremo.
- Tudo bem, senhor. – Disseram Deméter e Héstia.
- Eu e Hera partiremos ao encontro de nossa mãe. Poseidon e Tétis
vão à procura de aliados entre os Titãs. Deméter e Hestia devem encontrar e
trazer para cá os filhos de Jápeto. – Disse Zeus, repetindo o plano.
- Quanto a nós dois? – Perguntou Hades.
- Hades e Méllon podem ficar aqui na caverna e treinarem junto com os
Hecatônquiros e Ciclopes. – Disse Zeus. – Vamos, não temos tempo a perder.
Os deuses e o semideus ali presentes se juntaram formando um
círculo, tocaram suas mãos fechadas em punho ao meio do círculo, e, depois
do grito de guerra, cada um foi tratar de cumprir sua missão.

............................................

A Missão de Zeus e de Hera

Alguns dias se passaram desde que Zeus e Hera deixaram a proteção


da caverna no monte Olimpo. Eles agora andavam pelas planícies da área
conhecida como Crescente Fértil, no distante Oriente Médio, lugar onde, diziam
os boatos, ficava a entrada secreta para o jardim do Éden 52. Em todos aqueles
anos, Kairós nunca havia revelado como entrar no jardim secreto criado pelo
Todo-Poderoso. Aparentemente, nenhum humano das cidades e vilas da
Região sabia como entrar no jardim. Muitos, ademais, consideravam que a
existência do jardim era apenas uma lenda. Contudo, Zeus sabia que o jardim
existia verdadeiramente, e que era o lar da maioria dos deuses e também dos
casais de humanos originais, que estavam vivos desde o final da Sexta Era do
Mundo, ocorrido cerca de 1000 anos atrás. Foi dentro do jardim que Réia deu à
luz os olimpianos, e desde então não se ouviu mais falar de Réia. Portanto, o
Éden é o local mais provável onde eles poderiam encontrar sua mãe.
- Querido, há tanto tempo deixamos o Olimpo, e não encontramos nem
sinal da entrada do Éden. Como será possível encontrar o jardim? – Perguntou
Hera.

52
“Éden”. O termo em hebraico ‫עדן‬ significa literalmente “deserto” ou “campo aberto/vazio/amplo”. A princípio, Éden é a
região onde o jardim foi colocado, não o nome do jardim. Portanto, o “Jardim do Éden” significa “o jardim do deserto”. Era um
jardim paradisíaco no meio de um deserto. O Deus Todo-Poderoso criou esse jardim para demonstrar que pode fazer brotar vida
em qualquer lugar, mesmo nos lugares mais ermos e desertos. Mais tarde, o próprio jardim passou a ser chamado simplesmente
de “Éden”, por antonomásia.
- Dizem as lendas dos homens que a entrada para o jardim fica em
algum lugar no deserto que existe no meio do Crescente Fértil. Estou
começando a achar que as lendas sobre essa entrada sejam verdadeiras. –
Disse Zeus. - Veja bem. Começamos a procurar pelo Egito, nas terras que
ficam no delta do rio Nilo, e viemos andando ao Leste pelas terras dos
cananeus, dos fenícios e dos sírios, ao longo da faixa de terra entre o mar
mediterrâneo e o rio Jordão. Viramos à direita na Síria, para evitarmos voltar
para a Anatólia, já passamos pelas terras dos arameus53, descemos pela
verdejante Mesopotâmia e atravessamos a Caldeia, até chegarmos próximo ao
golfo dos Médos54. Portanto, desde o Egito até aqui, viemos circundando o
deserto do oriente médio e não encontramos nem sinal da entrada do jardim.
Só evitamos entrar no deserto do oriente que fica no centro do Crescente Fértil.
Com exceção do deserto, já estivemos em todos os lugares. Desse modo,
pode ser mesmo que a entrada para o jardim de Deus realmente fique em
algum lugar dentro daquele deserto.
- Mas querido, se isso for verdade, podemos perder todas as
esperanças de resgatar nossa mãe Réia. – Disse Hera. – Procurar uma
pequena entrada no meio de um vasto deserto é uma missão impossível de se
cumprir.
- Confie mais, Hera. Eu sei como encontrar o jardim. Por acaso não
sou o mais poderoso entre os deuses? Além disso, vou começar a usar alguns
dos truques que aprendi com Kairós. Só não usei antes, com receio de atrair
capangas de Chronos e estragar o elemento surpresa da missão. Vou usar o
truque, mas espero que os rastros de poder cósmico não chame a atenção dos
demais deuses, muito menos a de Chronos. – Disse Zeus.
- Está certo, Zeus. Eu preciso acreditar mais, mesmo que se tenham
passado tantos dias de missão e que só tenhamos conseguido encontrar
boatos e mais boatos. Olha... estou cansada. Vamos encontrar algum vilarejo e
descansarmos um pouco? – Disse Hera.
- Sim, querida.
Ainda que, até o momento, a missão de Zeus e de Hera não tenha
dado frutos, a viagem servira ao menos para aproximar ainda mais os dois
deuses. Cresceu um grande afeto entre os dois, a ponto de não mais se
considerarem irmãos, mas amantes. E essa viagem cansativa à procura do
Paraíso foi de vital importância para mudar todo o futuro do mundo. Isso

53
“Padã-Arã”, a terra dos arameus. Futuramente, milhares de anos depois, essa terra ficaria conhecida como Assíria, e sua
civilização se tornaria o grande império Assírio, governado por famosos reis, como o rei Senaqueribe, que tentou invadir
Jerusalém, mas teve um exército inteiro derrotado por apenas um anjo de Deus em uma única noite.
54
“Golfo dos Médos”. Os Médos são os povos ancestrais dos Persas. Portanto, trata-se daquela região que atualmente
conhecemos com golfo pérsico.
porque, naquela noite em que os dois procuraram um lugar para descansar,
Zeus e Hera finalmente deitaram juntos e tiveram relações amorosas. Naquela
mesma noite, Hera ficou grávida, muito embora ainda não soubesse disso. E
os dois continuaram a viagem nos dias seguintes, sem se aperceberem que
estavam a caminho do Mundo mais alguns deusinhos para povoar o Olimpo.
- Vamos, querida. Devemos enfrentar o duro deserto do oriente
55
médio . – Disse Zeus.
- Que o Altíssimo nos ajude. – Disse Hera.
Por muitos dias, os dois deuses vagaram a ermo pelo deserto sem
nunca encontrarem nada. E cada dia mais, a barriga de Hera ia crescendo. Os
dois começaram a desconfiar de que seriam pais em breve. Se a missão não
se completasse, eles seriam obrigados a voltar, apenas para que Hera pudesse
dar à luz.
- Chegou a hora. – Disse Zeus. – Não posso mais passar por esses
lugares com meus poderes ocultos. Se não acelerarmos a missão, podemos
entrar em apuros no meio deste deserto com você dando à luz. Tomara que
ninguém detecte o poder da minha Suprema Vontade.
- Cuidado, querido. Seja o mais discreto possível, por favor. – Disse
Hera.
Zeus começou a queimar sua cosmo-energia, invocando o poder de
sua Suprema Vontade. Uma aura branca começou a envolver seu corpo inteiro,
e seus olhos brilharam inteiramente com uma luz branco-azulada: tanto a
córnea dos olhos quanto a íris e a pupila. E então Zeus segurou a mão de Hera
com sua mão esquerda. Depois, Zeus abriu a palma de sua mão direita,
virando-a para cima. Estendeu seu braço direito à frente e disse:

- έρημο! Αποκαλύυτε μσστικά! 56

Naquele mesmo momento, uma luz saiu da mão de Zeus e se tornou um


pequeno mapa holográfico. Sobre o mapa, estavam todos os lugares pelos
quais os dois deuses já haviam passado, bem como o extenso deserto onde se
encontravam. De repente, um ponto vermelho surgiu no mapa holográfico,
indicando um lugar específico no mapa. Outros dois pontinhos azuis
minúsculos surgiram nas bordas do mapa.

55
“Deserto do oriente médio”. Trata-se do deserto envolvido pela área do Crescente Fértil, região geográfica que muitos anos no
futuro viria a ser conhecida como deserto da Arábia.
56
“έρημο! Αποκαλύψτε μυστικά”. Pronuncia-se “Érimo! Apocalyps-tê Mýstica”. Em grego, significa “Ó, deserto! Revele os
segredos!”.
- Veja, Hera! Poder de localização tempo-espacial. Um dos truques
ensinados por Kairós. Os dois pontinhos azuis somos nós dois. O ponto
vermelho deve ser a entrada secreta que procuramos. – Disse Zeus.
- Vamos seguir as indicações. – Disse Hera. – Pelo visto, ainda
estamos a centenas de quilômetros de distância do nosso objetivo.
Os dois começaram a andar em direção ao sul do deserto. Olharam
para a palma da mão de Zeus, e os pequenos pontinhos azuis se deslocaram
timidamente para baixo, em direção ao ponto vermelho. Depois de meses
perdidos, estavam finalmente indo para a direção correta.
Após 5 dias de caminhada pelo deserto escaldante do Oriente Médio,
chegaram a uma região do deserto que era chamada de Madiã57 pelos
homens. Os dois pontinhos azuis estavam agora bem perto do ponto vermelho.
Zeus e Hera olharam para sua frente e viram um monte que se agigantava em
plena areia. Havia algumas colinas em volta, mas um monte em específico se
erguia mais alto e íngreme que os demais. Ao que tudo indicava, o ponto
vermelho do mapa holográfico de Zeus apontava para uma coordenada
geográfica no topo do referido monte.
- Um monte? Mas como pode ter um jardim imenso em cima de um
monte? – Indagou Zeus. - Pelas descrições que Kairós fazia quando eu era
criança, o Jardim do Éden superaria em tamanho toda a região da Grécia.
Como pode estar em cima de um monte?
- Não faço ideia. Mas se o mapa aponta para lá, então acho que
devemos subir. – Respondeu Hera.

57
“Madiã”. Do Hebraico ‫דן‬ . Também traduzido algumas vezes pelo nome “Midiã”. Região desértica entre o golfo de Ácaba
(ao lado do mar vermelho) e o centro do deserto do oriente médio. Segundo estudiosos, é o local onde fica o Monte Horeb,
também conhecido como Monte Sinai, onde Moisés teria recebido as tábuas da Lei com os 10 mandamentos, milhares de anos
depois da queda de Adão no jardim do Éden.
Os dois foram subindo aquele monte íngreme no meio do deserto, que
muitos milhares de anos depois viria a ser chamado de monte Horeb pela
humanidade. A subida era difícil e o ar ia ficando quente e rarefeito. Era como
se tivesse fogo lá em cima na montanha, pois a temperatura ia subindo, ao
invés de diminuir, o que diferenciava aquele monte de todos os outros que eles
conheciam. Quando chegaram próximos ao topo do monte, ficaram
estupefatos. Atrás deles, estava o caminho que descia a encosta do monte,
voltando para sua base. À frente deles, havia um caminho que se interrompia
subitamente em um penhasco profundo. Não havia mais como subir o monte, a
não ser por meio de escalada vertical. Se voltassem, iriam parar no local de
onde começaram.
Olharam para frente. A uns 4 metros de distância do caminho que se
interrompia em um despenhadeiro, a encosta da montanha tornava a se erguer
como uma grande parede íngreme. Nesse paredão, avistaram uma depressão
na rocha da encosta. Era um vão apertado entre duas seções de pedra. Mas
estava alto, um pouco acima do caminho em que se encontravam. Logo, a
entrada só poderia estar ali dentro daquele vão esculpido na parede da rocha.
Deveriam pular ou teriam que subir em escalada, primeiro verticalmente e
depois lateralmente, dando a volta no abismo à sua frente. Mas aproximar-se
do vão era perigoso, pois ficava muito próximo ao despenhadeiro.
O casal de deuses decidiu se aproximar cuidadosamente, para ver se
conseguiam enxergar mais de perto o que havia dentro daquela depressão.
Olharam para o buraco na rocha, mas estava muito escuro lá dentro. O único
jeito de saber o que havia dentro seria pular dentro do buraco e torcer para que
nada de ruim acontecesse. Os dois miraram a fenda na rocha e saltaram para
dentro do vão, passando pela pequena abertura na encosta do monte e caindo
dentro de uma caverna totalmente escura. Mas, pelo eco que reverberou a
partir do som dos dois caindo no chão, parecia que o interior da caverna era
um local bem amplo. Não conseguiam enxergar nada.
- Pode deixar, que eu resolvo esse problema para nós. – Disse Hera.
A deusa começou a queimar sua cosmo-energia, invocando o poder de
sua Suprema Vontade. Uma aura cor-de-rosa começou a envolvê-la
completamente, e seus olhos brilharam inteiramente com um tom róseo. Hera
ergueu os braços acima de sua cabeça e exclamou:

- μεγα υφτισμο 58

58
“μεγα υωτισμο”. Pronuncia-se “Mega Photismo”, que significa “Grande Iluminação de luzes”. Phóton = Luz.
Uma esfera de luz surgiu entre os braços estendidos de Hera,
iluminando todo o interior da caverna. Foi assim que eles viram, bem à frente
deles, a tão procurada entrada para o Éden. Havia duas colunas esculpidas em
algum tipo de rocha vulcânica, que iam do chão até um arco sob o teto da
caverna. No espaço entre as colunas, havia uma espécie de portal
hiperdimensional. Esse portal era uma cortina de luz prateada que tremulava
junto com a corrente de ar. A cor da cortina de ar prata se assemelhava a um
espelho formado por mercúrio líquido. À frente do portal, bloqueando a
passagem, havia duas criaturas semelhantes a homens, mas eram alados.
- Quem pretende se aproximar do jardim secreto criado pelo Ser
Supremo? – Perguntaram as criaturas aladas.
- Somos Hera e Zeus. Queremos entrar para resgatar nossa mãe. –
Disseram os dois.
- O jardim é lacrado e proibido para os humanos normais. Apenas os
casais originais podem entrar. Vocês não são Adão e Eva, nem Ândros e
Pandora. Portanto, devem voltar. Daqui em diante, não podem atravessar. –
Disseram os guardiões do portal.
- Mas nós não somos humanos. Somos deuses! – Disse Zeus.
- Vocês são deuses? – Perguntaram os guardiões. – Nunca ouvimos
falar que entre os deuses havia aqueles que se denominam Zeus e Hera. Por
acaso existem deuses que não conhecemos?
- Somos os filhos perdidos de Chronos. Ninguém, exceto o Tirano e
nossa mãe, conhece nossos nomes. E ainda há outros irmãos nossos
desconhecidos entre vós. – Disse Hera.
- Se forem deuses realmente, podem passar. Contudo, um alerta! Se
estiverem mentindo, perderão suas cabeças. – Disseram os seres alados.
Os guardiões desembainharam suas espadas. No momento em que as
lâminas deixaram as bainhas, começaram a brilhar com uma luz alaranjada, e
depois pegaram fogo. Os dois guardiões se afastaram cada um para um lado,
abrindo passagem, mas ergueram os braços e tocaram as espadas em chamas
ao alto, formando um arco. Só seria possível passar pelo portal se
atravessassem pelo meio, através do arco das espadas.
- Estas são as espadas flamejantes dos Serafins. Se por acaso forem
humanos comuns, as espadas pesarão em nossos braços e cairão sobre suas
cabeças, decepando-as. Vão em frente. – Disseram os guardiões. Apesar do
alerta, não havia um tom irônico em suas vozes. Eram firmes em suas falas, e
falavam aquilo porque era sua função. Apenas estavam cumprindo seu dever
como guardiões, mas tampouco duvidavam da dupla à sua frente.
Zeus e Hera se aproximaram do arco de espadas. As chamas das
lâminas começaram a aquecer e a tremular violentamente, reagindo à
presença dos dois. Os deuses passaram por baixo delas, porém os braços dos
guerreiros não pesaram. Haviam conseguido passar intactos pelos arcos de
espadas flamejantes e estavam agora de frente com o portal de energia
prateada. Aliviados, os dois deuses olharam para trás. Os guardiões desceram
as espadas para baixo após os dois passarem. As chamas se apagaram. E
então eles guardaram as lâminas de volta em suas bainhas. Moveram-se para
o centro novamente, ficando na posição original, um ao lado do outro,
bloqueando a frente do portal. Os guardiões não falaram mais nada, nem
olharam de volta para Zeus e Hera. Tinham os olhos fixos à frente, para a
entrada da caverna. Lá fora, para além do buraco na parede do penhasco,
Zeus e Hera viram uma grossa chuva que começava a cair em torno da
montanha. Raios caiam e iluminavam a paisagem lá fora.
- Vamos, querida! – Disse Zeus. Os dois se voltaram e passaram o
portal prateado de mãos dadas.
Uma forte luz branca ofuscou os olhos dos deuses por alguns
segundos. E, então, quando as imagens voltaram a entrar em foco, eles se
viram em uma extensa campina amplamente iluminada. Era dia ali. Atrás de si,
estavam as duas colunas de granito, encimadas pelo arco que as unia ao topo.
No meio, estava a cortina prateada de luz vaporosa. Porém, tudo em volta, à
frente e atrás era uma campina extensa e verde. A caverna simplesmente
sumira. Não havia montanha. Não havia deserto.
Havia flores de todo tipo espalhadas pelas gramas. Bem à frente deles,
lá longe, eles viram uma grande árvore, cheia de frutos dourados. Era a maior
árvore do local, e parecia que estava no meio da campina. Ao redor da
campina, o jardim continuava em bosques, florestas, lagoas, rios, vales e
colinas. Cada um dos elementos naturais parecia ter sido colocado de modo
planejado. Era o lugar mais natural e, ao mesmo tempo, mais artificialmente
planejado que os dois deuses já haviam visto. Tudo parecia estar em uma
ordem e lugar específicos. Tudo seguia um tipo de padrão geométrico. Flores
em canteiros circulares. Canteiros de rosas seguindo desenhos e padrões
curiosos. Até mesmo as pequenas borboletas voavam em padrões específicos,
seguindo determinada ordem. Aos olhos dos mais sensíveis, parecia que elas
estavam dançando algum tipo de balé. Pássaros, pequenos animais: tudo
parecia conviver em perfeita harmonia naquele local. Uma natureza
perfeitamente alinhada e ordenada.
O jardim era imenso, e simplesmente não parecia existir dentro da
montanha. Era como se tivessem atravessado um portal dimensional e terem
ido parar em um mundo paralelo, em um local espiritual, onde a matéria
parecia emanar uma aura pura e elegante. Aquele lugar estava ali no planeta
Terra, contudo não estava no mesmo plano dimensional. Estava em uma
dimensão escondida, em uma hiperdimensão. Ali, o tempo parecia não passar,
estava sempre claro, havia sempre uma brisa suave, a temperatura era sempre
amena, e todos os seres pareciam felizes.
Foi então que os dois deuses viram um homem altivo e elegante se
aproximar. Parecia um homem normal da Terra, porém sua pele refletia um tipo
de luz espiritual, uma aura branca e dourada. Quando chegou mais próximo, os
dois viram que aquele homem estava completamente nu. Mas a aura que
emanava dele ofuscava e cobria suas partes íntimas. Ele era de tal modo
natural, que nem parecia perceber que estava sem roupas. A luz era suas
vestes.
- Olá, senhores! Acho que é a primeira vez que os vejo por aqui. Meu
nome é Adão.
- Adão?! – Surpreendeu-se Zeus. – Então você existe mesmo. O
primeiro homem.
- Sim, os “anjos de Deus”59 que aqui vivem já me disseram que eu fui o
primeiro humano a ser criado pelo Deus Supremo. Logo depois veio minha
esposa Eva e o outro casal de humanos. Deus criou-nos e cuidou de nós aqui
neste jardim, como se fosse nosso próprio pai. Mas quem são vocês? –
Perguntou o homem.
- Nós somos apenas visitantes. Queríamos encontrar uma pessoa, mas
não sabemos onde procurar. – Disse Zeus.
- É estranho não saberem o lugar onde encontrá-la. Aqui todos sabem
tudo, e todos se conhecem. Não devem ser mesmo deste lugar. Que estranho!
De onde vocês são? – Perguntou Adão.
- Nós somos da Terra. – Disse Hera.
- Da Terra? Mas aqui é a Terra. – Respondeu Adão, exibindo uma
feição confusa. – Afinal, vocês são daqui ou não?
- Nós somos da Terra, sim. Mas de uma parte diferente da Terra. Uma
parte menos nobre, eu acho. Nós viemos da Terra que fica fora do jardim.
Talvez você não conheça. Lá vivem muitos outros homens semelhantes a
você. – Disse Zeus.
- Outros homens!? Uau. Isso é intrigante e estarrecedor. Os únicos
humanos que conheço são meus amigos Ândros e Pandora, e minha esposa
Eva. Não sabia que existiam outros seres de nossa raça.

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“Anjos de Deus”. Os anjos e os deuses são, na verdade, o mesmo tipo de criaturas criadas pelo Ser Supremo. Mas na maioria das
culturas humanas, os imortais são chamados de “anjos” pelos homens.
- Bem... De certo modo, os outros homens também ignoram a
existência deste lugar. Para eles, tudo isso não passa de uma lenda antiga. E,
considerando como foi difícil achar a entrada, e como os guardiões não
permitem a entrada de outros homens, é fácil entender o motivo. – Disse Zeus.
- Escuta, Adão. Você poderia nos mostrar como encontrar uma
pessoa? É muito importante para nós. – Perguntou Hera.
- Acredito que não haveria problemas. – Disse Adão.
- Precisamos nos encontrar com Réia. – Disse Zeus. – Mas precisa ser
em segredo.
- Com Réia?! Poxa... logo com a pessoa mais difícil de se ver. Ela é
uma das angélicas do jardim. – Disse Adão.
- Uma das Angélicas? – Perguntou Hera.
- Sim, um dos anjos criados por Deus.
- Ah sim... de onde viemos, eles são chamados de deuses ou imortais.
Mas sim. É ela mesma. Como podemos encontrá-la? – Perguntou Hera.
- Foi o que eu disse. Dentre todos os angélicos, Réia é a mais difícil de
se ver. Acreditamos que o esposo Chronos a mantém refém em sua casa. Ela
não pode sair sempre que deseja. Aliás, Chronos pensa que pode mandar na
liberdade de todos aqui dentro. Ele vem agindo com estranha tirania e violência
há bastante tempo. As pessoas acham que ele quer tomar o lugar de Deus e
dominar sobre todos.
- Sim, Adão. Lá de onde viemos, a Tirania de Chronos é muito mais
evidente, pois lá o monstro passa destruindo aldeias, florestas, bosques e
devorando pessoas e animais. E lá o caos demora muito mais tempo para ser
desfeito. Tudo que se destrói por lá, demora a ser reconstruído. Precisamos
parar Chronos, porém a primeira que precisa de resgate é Réia.
- Entendo. – Disse Adão. – Neste caso, vou lhes contar um segredo.
Chronos proibiu Réia de falar com qualquer pessoa do jardim. Ela só tem
permissão para sair de casa uma vez por semana, para ir à beira de uma lagoa
banhar-se, devendo retornar em seguida.
- E que dia Réia sai de casa? – Perguntou Zeus.
- Se vocês pretendem nos livrar de Chronos, então acho que não faz
mal contar. Réia sai todo quinto dia da semana. Ou seja, hoje mesmo ela irá
sair para banhar-se no lago. – Disse Adão.
Zeus e Hera olharam para a linha do horizonte. Só ali perto, avistaram
cerca de uns três lagos e espelhos d’água. Deveria haver outras dezenas deles
espalhados no jardim.
- Mas qual é a lagoa correta? Não conhecemos o lugar. – Perguntou
Zeus.
- É aquela chamada “Lagoa de Cristal”. Eu posso levá-los até lá. –
Disse Adão. – Mas preciso avisar à minha esposa antes, para que ela não se
preocupe. Ultimamente, todos andam com medo das maldades de Chronos, e
qualquer atraso é visto como um mau presságio.
- Tudo bem, podemos ir. – Disseram os dois deuses em conjunto.
Os três atravessaram uma longa campina, toda enfeitada com
canteiros de flores de todos os tipos, bem como com árvores e plantas
ornamentais. A campina também era povoada por animaizinhos felizes. O mais
espantoso de tudo é que esses animais eram muito diferentes daqueles que
existiam do outro lado da Terra: eles falavam! Um ou dois coelhos deram “bom
dia” aos três, enquanto passavam por ali. Zeus e Hera acharam estranho, mas
responderam o cumprimento por cortesia.
Por fim, chegaram a uma cabana esculpida em madeira branca,
perfeitamente integrada à paisagem ao seu redor. A cabana era de tal modo
graciosa que parecia outro dos elementos artificialmente naturais do Éden. Era
de uma arquitetura genial (rebuscada e detalhada), mas ao mesmo tempo era
tão natural e bem integrada ao jardim que era difícil dizer onde começava a
construção e onde terminada a natureza. As vigas da casa estavam juntas dos
pés de grandes salgueiros. As janelas misturavam-se com as jardineiras
perfeitamente acopladas em seus peitoris, dando a impressão de que janelas e
flores eram uma só coisa. As portas exibiam batentes cobertos por hera e
flores de jade. Não era uma casa muito grande, porém era maior e mais
luxuosa do que as mansões dos homens mais ricos da região da Grécia até
aquele momento. Adão entrou pelos portais frontais e chamou por sua esposa.
- Eva! Temos visitas!
Vinda do andar de cima, uma mulher graciosa desceu as escadas em
direção ao vestíbulo da casa de madeira branca. Sua beleza superava a de
todas as mulheres humanas comuns que moravam do outro lado da Terra. Era
tão deslumbrante que sua beleza rivalizava apenas com a da deusa Afrodite.
Assim como seu marido, a mulher estava completamente nua, porém uma
espécie de aura luminosa e pura emanava de seu corpo e servia-lhe de
vestimenta luminosa.
- Meu querido! Temos visitas? Você convidou o senhor coelho
novamente para tomar um chá conosco? – Perguntou a mulher original,
enquanto descia as escadas espiraladas.
- Não, princesa. Hoje teremos em nossa presença visitantes da Terra.
Eles dizem que são do outro lado do mundo, que fica para além das fronteiras
do jardim.
- Além das fronteiras do Jardim? Isso parece ser bem longe. – Disse
Eva, finalmente chegando ao andar térreo e encontrando as três pessoas ali
paradas em sua sala.
- Eu me chamo Zeus, senhora!
- E eu me chamo Hera, senhora!
- Pessoas do outro lado da Terra?! Uau. Isso, sim, que chamo de
surpreendente visita. Nem sabia que existiam outros humanos por aí. – Disse
Eva.
- Bem... na verdade, nós dissemos que há outros humanos vivendo por
aí sim, mas não que somos humanos... Na verdade, somos filhos de Réia,
portanto somos imortais.
– Uau! Seres angélicos... aqui na minha casa?! Então vocês são
aqueles filhos que Chronos se gabava de ter tido? – Perguntou Eva.
- Chronos falava de nós? – Perguntou Zeus.
- De certo modo, sim. Há cerca de uns 20 anos que ele vem
anunciando que teve muitos filhos, mas como ninguém nunca os viu, todos
achavam que era apenas uma mentira para tentar intimidar a todos. – Disse
Adão.
- Eu me chamo Eva, e sou a mulher de Adão. O Criador nos tem como
seus filhos. – Disse Eva, estendendo a mão para cumprimentar os dois deuses.
- Filhos... d’Ele?! – exclamaram admirados Zeus e Hera, completando o
cumprimento de mãos.
- Sim... Ele mesmo nos criou com suas mãos e cuidou de nós por
longos anos. Ele viveu exatamente aqui, nesta casa, por muitas centenas de
anos. Mas um dia Ele resolveu que era hora de descansar. Apesar de não
estar mais agora neste Universo, Sua presença continua por aqui, e Ele
perscruta todos os cantos e lugares, vigilante a tudo.
- Vocês são realmente humanos incríveis. Nós somos deuses, filhos de
Réia. Porém, perto de vocês dois, parecemos não passar de criancinhas.
Nunca vivemos tanto tempo assim, nem nunca conhecemos pessoalmente o
Altíssimo, o Ser Supremo. E, infelizmente, aquele que nos gerou não merece
ser chamado de pai. – Disse Zeus, pensativo. - Vosso pai, contudo, é o próprio
Criador.
- Nós viemos de muito longe, de fora do jardim divino, em busca de
nossa mãe, a deusa Réia. – Disse Hera. – Precisamos resgatá-la das garras do
tirano Chronos, pois uma guerra vem aí, e Chronos precisa ser detido.
Adão e Eva conversaram com os deuses visitantes por bastante tempo
naquela manhã. Eva serviu-lhes um chá delicioso, parecia feito de flores e
ervas do campo. O chá aliviou todo o cansaço dos dias de viagem de Zeus e
Hera. Era como se toda a fadiga instantaneamente deixassem os corpos dos
dois. Eles pensaram que nem mesmo mil noites de sono nas terras fora do
jardim recuperariam suas energias mais do que aquele estranho chá preparado
por Eva. Deveria ser alguma receita divina ensinada pelo próprio Altíssimo,
centenas de anos antes. Quando todos estavam descansados e relaxados,
Adão olhou para fora da janela e falou:
- Chegou a hora! Réia deve estar indo se banhar neste momento,
precisamos nos apressar.
Lá fora, a luz clara do dia foi substituída por uma luz alaranjada e
suave, semelhante a um pôr-do-sol do outro lado da Terra. Era como se tivesse
chegado a noite. Porém, ali no jardim, nunca havia trevas. Era sempre claro e
luminoso. A mudança dos dias era marcada apenas por variações no brilho e
na cor da luz. No Éden, era sempre dia e a temperatura era sempre amena.
Os quatro passaram apressados por um caminho de hortênsias que
terminava em um pequeno bosque de angicos. As curiosas árvores cresciam
mais ou menos alinhadas ali. No meio do bosque, em uma clareira em meio às
árvores, havia um pequeno lago de águas cristalinas. Sua superfície refletia as
luzes de incontáveis estrelas vespertinas, fazendo parecer que havia milhares
de pedrinhas de diamante em seu leito.
- A Lagoa de Cristal! – Disse Adão. – Se escondam em meio às
árvores e esperem que a senhora Réia chegue.
Aguardaram cerca de 30 minutos. Após o pio de uma coruja, viram
aproximar-se da clareira do bosque duas pessoas muito bonitas. Eram
igualmente perfeitas, como Eva, mas usavam mantos e véus como
vestimentas. Apesar de toda a beleza, traziam um semblante triste.
- Venha, irmã! Por este lado. – Disse uma das mulheres.
- Já estou indo, Têmis, me espere... – Respondeu a que vinha mais
atrás.
A deusa Réia e sua irmã Têmis, a deusa da Justiça, vinham
caminhando em direção à lagoa. As duas chegaram à beira da lagoa e
depositaram uma cesta ao chão, cheia com toalhas e roupas limpas. Zeus
esperou para ver se não aparecia mais ninguém junto com elas, pois se
houvesse algum capanga de Chronos à espreita, o resgate seria mais
complicado. Não que para Zeus isso fosse um problema, pois era muito
poderoso. Mas uma luta antecipada em pleno jardim do Éden poderia
atrapalhar os planos de guerra e as missões dos outros olimpianos. Mas não
veio mais ninguém em escolta.
As duas começaram a se despir para entrar na lagoa de cristal, mas
antes de terminarem, Zeus saiu de seu esconderijo em meio às árvores,
revelando-se. Ao seu encalço, saíram Hera, Adão e Eva.
- Quem são vocês?! – Disse Réia, puxando a alça da blusa
novamente. – Ó!!! Adão? Eva? Vocês aqui na lagoa de cristal? Se Chronos
souber, destruirá a casa de vocês.
- Se acalme, Réia. Apesar das ameaças, Chronos nunca teve coragem
nem de chegar perto de nossa casa. Ele sabe que o Altíssimo não permitiria
isso. – Disse Adão.
- Réia, querida... veja quem nós te trouxemos! – Disse Eva. – Não os
está reconhecendo?
Réia olhou para a dupla de pessoas ao lado de Adão e Eva, apertando
os olhos como se quisesse ver melhor.
- Irmã, são eles... não percebe? – Disse Têmis.
- Quem são eles? – Perguntou Réia.
- Eles são seus filhos, querida. – Disse Eva.
- Mãe... sou eu, seu filho Zeus!
- Mãe... sou eu, sua filha mais velha, a Hera!
Por um momento, Réia pareceu gelar... de repente arregalou os olhos
em um assombro de emoção e seu rosto começou a corar. Pela primeira vez
em mais de duas décadas, Réia voltou a sorrir.
- Vocês... voltaram... Então, Kairós conseguiu te criar em segredo, meu
filho. E você, querido, conseguiu libertar seus irmãos? Onde estão todos?
- Sim, mãe. Fui criado escondido por Kairós, conforme o plano da tia
Têmis. E libertei meus irmãos cerca de alguns meses atrás. Eles estão em
missão, pois em breve entraremos em guerra contra Chonos!
- Sim!! – Disse Réia, com o olhar marejando de esperança... – A
profecia de Deus! Está se cumprindo...
- Mãe, viemos lhe resgatar e levá-la a salvo, antes que a guerra seja
declarada. Achamos justo que seja preservada de toda a violência, pois você
sofreu por nós desde o princípio. Assim como me escondeu da voracidade de
Chronos, agora viemos para escondê-la da guerra. Venha conosco para fora
do jardim, para longe da interferência de Chronos. Precisamos sair agora,
antes que ele perceba a fuga e venha atrás de nós.
- Eu também vou com vocês. Réia não pode viver sem mim. – Disse
Têmis. – Eu não quero ficar do lado de Chronos nessa guerra.
Os seis saíram escondidos da clareira do bosque, atravessaram o
caminho dos angicos em silêncio, evitando serem detectados por algum deus
ou animal curioso e fofoqueiro. Chegaram, enfim, ao caminho de hortênsias
azuis e começaram a rodear o extremo oeste da campina central do jardim.
Chegando ao sul da campina, encontraram a casa de madeira branca de Adão
e Eva. Entraram um pouco. Lá dentro, conversaram sobre todas as coisas,
sobre como Kairós planejou soltar os Hecatônquiros e Ciclopes, sobre como
Zeus os libertou do Tártaro, sobre como Zeus libertou os irmãos das entranhas
de Chronos, sobre a batalha entre Kairós e Chronos, sobre como Chronos
sucumbiu ao poder de selamento dos deuses gêmeos, sobre como Kairós
tivera um filho escondido com uma humana chamada Astéria, e sobre esse
filho iria ajudar na batalha. Conversaram sobre o juramento feito no monte
Olimpo, e sobre os medalhões que se materializaram como resposta de Deus
em aceitação ao juramento. Por fim, falarem sobre as missões de Zeus e Hera
(e sobre como foi difícil encontrar a entrada do jardim), bem como sobre as
missões de Poseidon e Tétis, e de Deméter e Héstia.
Após a conversa, mãe e filhos se abraçaram. Réia chorou todo o tempo
perdido em que não pode ser mãe deles. Têmis disse que apoiaria Zeus em
sua empreitada para destronar Chronos. Adão e Eva ofereceram-lhes ervas
medicinais para que fizessem chás especiais sempre que precisassem se
recuperar das batalhas contra Chronos. Assim, Zeus, Hera, Réia e Têmis se
despediram de Adão e Eva e rumaram em direção ao Norte. Arrodearam ao
longe a grande árvore no centro do jardim (aquela que dava os frutos
dourados, proibidos por Deus), indo em direção à borda norte da campina
central, onde ficavam as colunas do portal. Chegando ao local, finalmente
atravessaram o portal de volta, indo parar na escura caverna que havia no topo
do monte Horeb. Os querubins com espadas flamejantes que guardavam a
entrada do jardim abriram espaço para os quatro deuses passarem. Zeus
puxava sua mãe pela mão, carinhosamente, em direção ao deserto lá fora.
- Uma nova vida nos espera, mãe. – Disse ele.

..............

A missão de Poseidon e Tétis.

(em elaboração.... continua....)

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