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CAMINHOS DO ROMANTISMO Almeida Garrett | Frei Luís de Sousa

SÍNTESE DOS CONTEÚDOS

Contextualização histórico-literária
Primeira metade do século XIX
✓Invasões francesas, de 1807 a 1810.
✓Fuga do Rei e da Corte para o Brasil (1807).
✓Crise de sucessão, após a morte do rei D. João VI.
✓Mal-estar social, que impulsiona a Revolução Liberal de 1820.
✓Instabilidade política ditada pelas lutas entre fações liberais e as absolutistas, lideradas,
respetivamente, por D. Pedro IV e D. Miguel.
✓Guerra civil, que só termina com a assinatura da Convenção de Évora-Monte, em 1834.
✓Reações políticas: revoltas, massacres e o golpe de estado desencadeado por Costa Cabral, que
conduziu à instauração de uma ditadura (1840).
✓Fim do cabralismo, representado pelos barões enriquecidos.
✓A estabilidade política só regressará ao país em 1847, com a Regeneração.

Dimensão patriótica e a sua expressão simbólica


É possível estabelecer um paralelismo entre o período histórico retratado em Frei Luís de Sousa e o
tempo da escrita da obra (década de 1840). A situação de crise e de desencanto provocada pelo
desaparecimento de D. Sebastião e a consequente perda da independência é comparável aos
tempos do regime ditatorial de Costa Cabral, que renegou os ideais do liberalismo doutrinal.
A ação de Frei Luís de Sousa decorre numa conturbada época da História de Portugal: o domínio
filipino. Manuel de Sousa Coutinho representa a defesa e afirmação da liberdade, o desejo de
contribuir para a construção da identidade de um país que vive oprimido, marcado indelevelmente
pelo sebastianismo, um país que, tal como o Romeiro, é “ninguém”.
A família de Manuel de Sousa Coutinho é obrigada a abandonar a sua residência e a mudar-se para
a casa que fora de D. João de Portugal, o que, simbolicamente, pode ser visto como um regresso ao
passado, a um Portugal velho, impeditivo da construção de um Portugal novo.
Em Frei Luís de Sousa percebe-se, portanto, uma crítica ao cabralismo, ainda que latente e
simbólica. Aliás, o regime reagiu à publicação e representação da obra, considerando que esta
poderia avivar nos portugueses valores e sentimentos patrióticos que podiam pôr em causa a
política despótica de Costa Cabral.

Dimensão atemporal da obra


✓A defesa dos ideais de liberdade (e do liberalismo).
✓A denúncia da arbitrariedade e da prepotência.
✓O conflito entre o “eu” e a sociedade.

O Sebastianismo: história e ficção


História
D. Sebastião, O Desejado, após duas regências, subiu ao trono aos catorze anos. Movido por um
grande fervor religioso e militar, e entusiasmado pela nobreza a reviver as glórias passadas da
Reconquista, decidiu submeter o reino a um grande esforço financeiro e militar, planeando uma
expedição militar em Marrocos também como forma de resposta ao apelo de Mulei Mohammed,
que solicitou a sua ajuda para recuperar o trono. A derrota portuguesa na batalha de Alcácer-Quibir
em 1578 provocou o desaparecimento de D. Sebastião (e da “nata” da nobreza), facto este que
originou uma crise de sucessão e deixou o país financeiramente exaurido. A crise de sucessão que
se seguiu (1580) conduziu à perda da independência, dando origem à dinastia filipina e ao
nascimento do mito sebástico.

Ficção
Fundada em superstições, a crença popular profetizava o regresso do Rei numa manhã de nevoeiro
para libertar o país do domínio filipino e instaurar a glória passada.
O mito sebastianista tornou-se um traço da personalidade nacional que se caracteriza por viver as
glórias do passado e acreditar que os problemas serão resolvidos com a chegada de um redentor,
de um Messias.

Sebastianismo em Frei Luís de Sousa


✓Crença nacional que surgiu após o desaparecimento do rei D. Sebastião na batalha de Alcácer
Quibir.
✓Convicção no regresso de D. Sebastião para devolver a independência e a liberdade perdidas a
Portugal.
✓Convicção que D. Sebastião era uma espécie de Messias e que devolveria a honra e a glória a
Portugal que, assim, recuperaria a glória do passado.

Recorte das personagens principais


D. Madalena de Vilhena
Origem social: nobreza, da família dos Vilhenas.
Retrato psicológico: moralmente íntegra; torturada pelo passado e avassalada por pressentimentos
angustiantes indiciadores da tragédia; vulnerável, sobressaltada e incapaz de ser feliz; apaixonada e
ligada às desventuras amorosas de Inês de Castro.
Modelo representado: a mulher romântica, dominada por sentimentos exacerbados (amor-paixão).

D. Manuel de Sousa Coutinho


Origem social: nobreza, cavaleiro da Ordem de Malta.
Retrato psicológico: desprendido dos bens materiais, forte consciência cívica – a honra e o dever;
patriota e corajoso (incendeia o seu próprio palácio); bom marido e pai carinhoso; aparentemente
racional (insensível aos pressentimentos de D. Madalena e da própria Maria) e determinado;
dominado pelo desespero perante a situação de ilegitimidade de Maria.
Modelo representado: o escritor romântico (a ida para o convento proporciona-lhe a solidão
propícia à escrita).

D. Maria de Noronha
Origem social: nobreza.
Retrato psicológico: adolescente desejosa de aventura; entusiasta e sonhadora; idealista (tem
vontade de transformar o mundo); sebastianista; culta, perspicaz e intuitiva, compreende o mundo
e as coisas fora do comum, o que lhe permite o acesso aos mistérios da vida.
Modelo representado: a mulher-anjo, ser puro e frágil.

Telmo Pais
Origem social: escudeiro leal da família, velho aio.
Retrato psicológico: fiel a seu amo, D. João de Portugal, movido pela honra e pelo dever; dedicado a
Maria e seu protetor; sebastianista (o seu discurso é marcado pelos agouros que indiciam um
desfecho trágico); atormentado por um conflito interior (a consciência de que o amor que nutre por
Maria é mais forte do que aquele que dedicava a D. João, seu antigo amo); dividido entre o passado
e o presente.
Modelo representado: semelhante ao do coro das tragédias clássicas.

D. João de Portugal
Origem social: nobreza.
Retrato psicológico: patriota; apaixonado; severo e inflexível (conforme revela no diálogo que trava
com
D. Madalena e Frei Jorge na cena XIV do Ato Segundo); arrependido (cena IV do Ato Terceiro);
infeliz, solitário.
Modelo representado: o Portugal de outrora.

Frei Jorge Coutinho


Origem social: clérigo, frade da Ordem dos Dominicanos.
Retrato psicológico: equilibrado, sereno e prudente; crente na vontade de Deus; confidente tanto
de D. Madalena como de seu irmão, D. Manuel de Sousa Coutinho.
Modelo representado: semelhante ao do coro das tragédias clássicas.

A dimensão trágica
Características da tragédia clássica
✓Lei das três unidades: ação (a intriga deve ser simples e sem ações secundárias), tempo (a ação
não deve exceder as 24 horas) e espaço (ação decorre no mesmo espaço).
✓A ação da peça desenvolve-se a partir do conflito entre o ser humano e o destino, entre o
indivíduo e o coletivo ou o transcendente.
✓O conflito surge associado a um mistério na origem das personagens.
✓O castigo das forças superiores devido ao “desafio” (hybris) cometido pelas personagens
conduz à catástrofe.
✓A presença de indícios que apontam para um desfecho trágico.
✓A presença de um coro que surge nos momentos de grande intensidade dramática,
comentando as situações ou as personagens.
✓O sofrimento das personagens (pathos).
✓O conflito que se encaminha progressivamente para um clímax (ponto culminante da ação
trágica).
✓O desvendamento do mistério com o reconhecimento (anagnórisis).
✓As personagens são nobres e em número reduzido.
✓O desenlace/catástrofe: morte das personagens (física, social ou afetiva).
✓Os efeitos sobre o público: inspirar sentimentos de terror e de piedade.

Aspetos trágicos em Frei Luís de Sousa


✓A ação tripartida.
✓A simplicidade da intriga.
✓O desafio (hybris): as personagens desafiam a ordem estabelecida. D. Madalena desafia o
destino, apaixonando-se por Manuel de Sousa quando ainda estava casada com D. João de
Portugal. Manuel de Sousa desafia politicamente o poder instituído, incendiando o seu palácio.
✓O sofrimento (pathos): as personagens são torturadas pelos conflitos de consciência
vivenciados.
✓A peripécia: mudança de rumo da situação – o incêndio e o aparecimento de D. João, que
anula a legitimidade do casamento, colocando Maria na situação de filha ilegítima.
✓O reconhecimento (anagnórisis): a revelação da identidade do Romeiro.
✓O clímax: o auge emocional acontece no momento em que D. Madalena descobre que D. João
está vivo.
✓A catástrofe: a morte para o mundo de D. Madalena e de Manuel de Sousa Coutinho e a morte
física de Maria.
✓O coro: representado, sobretudo, por Telmo e Frei Jorge.
✓A catarse/purificação (cathársis): a reflexão purificadora do espectador/leitor, a
irreversibilidade dos acontecimentos e a vulnerabilidade das personagens provocam piedade e
comoção.

Estrutura da obra
Drama romântico: características
Drama romântico
O drama é um género teatral que procura diferenciar-se da distinção clássica entre a tragédia e a
comédia.
O drama romântico é uma modalidade de drama.
Garrett constrói um drama romântico definido pelos princípios de estética romântica:
✓o uso da prosa;
✓o assunto nacional;
✓a valorização dos sentimentos humanos das personagens;
✓o ser humano como vítima das suas próprias atitudes/paixões, deixando de ser um joguete do
destino;
✓o pendor social (espelha a verdade social e a realidade dos acontecimentos quotidianos);
✓a linguagem fluente e coloquial, próxima da realidade vivida pelas personagens.

Características românticas em Frei Luís de Sousa


✓Crença no sebastianismo.
✓Amor à pátria: patriotismo e o nacionalismo.
✓Crenças em agouros, superstições e visões.
✓Fatalismo (as personagens tentam negar racionalmente o destino, mas não o conseguem).
✓Religiosidade (sobretudo a presença do ideário cristão).
✓Apologia do individualismo (o confronto entre o indivíduo e a sociedade; a felicidade individual
é contrariada pelas normas sociais).
✓Aspiração à liberdade.
✓Exacerbação dos sentimentos.
✓Noite como tempo em que se desenrola a ação (fim da tarde, noite e madrugada).
✓Tema da morte: a morte como solução para os problemas.
✓Intenção pedagógica: a problemática dos filhos ilegítimos e a denúncia da falta de patriotismo.

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