Você está na página 1de 15
13 Socializac¢éo: como ser um membro da sociedade* Peter L. Berger ¢ Brigitte Berger A Infancia: componentes no-sociais e sociais Bem ou mal, a vida de todos nés tem inicio com o nascimento. A primeira condig&o que experimentamos € a de crianga. Se nos propusermos a andlise do que esta condigao acarreta, obviamente nos defrontaremos com uma poreao de coisas que nada tém que ver com asociedade. Antes de mais nada, a condigao de crianga envolve certo tipo de relacionamento com o praprio corpo. Experimentam-se sen- sagdes de fome, prazer, conforto e desconforto fisico e outras mais, Enquanto per- dura a condi¢ao de crianga, 0 individuo sofre as incursdes mais variadas do am- biente fisico, Percebe a luz ¢ a escuridao, 0 calor e 0 frie; abjetos de todos os tipos Provocam sua atengdo. E aquecido pelos raios do sol, sente-se intrigado com uma superficie lisa ou, se tiver azar, pode ser molhado pela chuva ou picado por uma pulga. O nascimento representa a entrada num mundo que oferece uma riqueza aparentemente infinita de experiéncias. Grande parte dessas experiéncias no se reveste de cardter social. Evidentemente, a crianga ainda nao sabe estabelecer essa espécie de distingao. $6 em retrospecto torna-se possivel a diferenciacdo entre as componentes nio-sociais e sociais de suas experiéncias. Mas, uma vez estabelecida essa distingio, podemos afirmar que a experiéncia social também comeca com 0 nascimento. O mundo da crianga ¢ habitado por outras pessoas. Esta logo aprende a distinguir essas pessoas, ¢ algumas delas assumem uma importancia toda es- pecial. Desde o inicio a crianga desenvelve uma interagio nao apenas com o proprio corpo ¢ o ambiente fisico, mas também com outros seres humanos. A biografia do individuo, desde o nascimento, é a historia de suas relagdes com outras pessoas. Além disso, os componentes nio sociais das experiéncias da crianca esto en- tremeados ¢ sA0 modificados por outros componentes, ou seja, pela experiéncia social. A sensagao de fome surgida em seu est6mago sO pode ser aplacada pela acdo de outras pessoas. Na maior parte das vezes a sensagao de conforto ou des- conforto fisico resulta da ago ou omissio de outros individuos. Provavelmente o objeto com a superficie lisa to agradavel foi colocado ao aleance da mio da crian- Ga por alguém. E € quase certo que, se a mesma é molhada pela chuva, isso acon- (*) Peter L. Berger e Brigitie Berger, Sociology — A Biographical Approach, 28 ed., Basic Books, Inc., Nova Torque, 1975, pp. 49-69. Tradueao de Richard Paul Neto. Reproduzido com autorizagao de Basie Books, Ine. Comoser um membro da sociedade — 20 teceu porque alguém a deixou do lado de fora, som protec, Dessa forma, a ex- periéneia social, embora possa ser destacada de outros elementos da experiéncia da crianga, no constitui uma categoria isolada. Quase todas as facetas do mundo da crianea esto ligadas a outros seres humanos. Sua experiéncia relativa aos outros individuos constitui 0 ponto crucial de coda experiéncia. Sao os outros que ctiam os padrdes por meio dos quais se realizam as experiéncias, E sé através des- ses padres que 0 organismo consegue estabelecer relagdes estaveis com o mundo exterior — e nfo apenas com 0 mundo social, mas também com o da ambiéncia fisica, E esses mesmos padres penetram no organismo; em outras palayras, inter- ferem em seu funcionamento. Sao os outros que estabelecem os padrdes pelos quais se satisfaz 0 anseio da crianea pelo alimento. E. ao procederem assim, esses outros interferem no préprio organismo da crianga. O exemplo mais ilustrativoé horario das refeicdes. Se a crianca é alimentada somente em horas determinadas, seu organismo é forgado a adaptar-se a esse padrio. E, ao realizar 0 processo de adaptagao, suas fungdes sofrem uma modificacao. O que acaba acontecendo é que 2 crianca no apenas é alimentada em horas determinadas, mas também sente fome nessas horas. Numa espécie de representagao grifica, poderiamos dizer que a sociedade n&o apenas impoe seus padroes ao comportamento da crianga, mas es- tende a mao para dentro de seu organismo a fim de regular as fungdes de seu es- t6mago. O mesmo aplica-se 2 secrecio, ao sono ¢ a outros processos fisiclogicos ligados ao est6mago. Alimentar ou nao alimentar: uma questo de fixaghe social Alguns dos padres socialmente impostos & crianga podem resultar das carac- teristicas peculiares dos adultos que lidam com ela, A mae, por exemplo, talvez alimente a erianga sempre que a mesma chore, independentemente de qualquer horério, porque seus timpanos sao muito sensiveis, ou porque The dedica tamanho amor que nao pode conformar-se com a idéia de que ela possa experimentar uma sensago de desconforio, por qualquer tempo que seja. Na maior parte das veres, porém, a oped entre a alternativa de alimentar a crianga sempre que a mesma chore Ou submeté-la a um horirio rigido de refeigdes nao resulta duma deciso in- dividual da mie, mas representa um padrio bem mais amplo prevalecente na sociedade em que esta vive e foi ensinada que esse padrio constitui a maneira adequada de selucionar 6 problema. Dai resulta uma consegiiéncia muito importante. Em suas relagdes com 01 tros individuos, a crianga defronta-se com um microcosmo bastante circunscrito, S6 bem mais tarde fica sabendo que esse microcosmo se entrosa com um macrocosmo de dimenstes infinitamente maiozes. Numa visto retrospectiva talvez cheguemos a invejar a crianea por ignorar esse fato. De qualquer maneira, esse macrocosmo in- visivel, deseonhecido da crianca, moldou e definiu antecipadamente todas as ex- periéncias com que ela se defronta em seu microcosmo. Se a mile abandona 0 hordrio rigido de refeigdes para adotar um novo regime, segundo o qual a crianga é alimentada toda vez que chora, evidentemente nao ocorrera a esta a possibilidade de atribuir a qualquer outra pessoa que no a m&e o mérito dessa modificagzo agradavel em sua situagdo. Nao sabe que a me seguiu 0 conselho de algum perito que reflete as idéies em voga em certo cireulo como, por exemplo, 0 grupo da clas- se média superior dos Estados Unidos que possui instrugao universitaria. Em w- tims analise, no caso no foi a mae, mas antes uma entidade coletiva invisivel que interferin — de forma agradavel — no sistema fisiologico da crianga, No entanto, 202 — Conceitos socioldgicos fundamentais existe outra conseqiiéncia que nao pode deixar de ser considerada. Se a mie da srianga pertencesse a outta classe social, como por exemplo a classe operizia sem fnstrugdo universitiria, a crianga continuaria a gritar em vo pela comida, Em tutras palavras, os microcosmosom que se desenvolvem as experiéncias da crianga Ctorore do acordo com os macrocosmos em que se inserem. A experiencia infantil guarda uma proporgio de relatividade com sua situagio geral na sociedad, Eo mesmo principio de relatividade aplica-se aos estagios posteriores da infincia, & adolescéncia ea qualquer outra fase da biografia. {As prdticas alimentares podem ser consideradas um exemplo de suma impor- tancia, E claro que admitem grande néimero de variagbes — pode-se escolher entre ¢ alimentagio segundo um horirio regular ou a chamada alimentado pedido, entre a amamentagao no seio materno ¢ a mamadeira, entre varios tempos de des: fama, etc. Neste ponto existem ciferencas consideriveis nio somente de uma Sociedade para outra, mas também de uma para outra classe da mesma sociedade. ‘Assim, por exemplo, nos Fstados Unidos 0 pioneirismo da alimentago por eamudeiza coube 4s mies da classe média. A pratica logo se disseminou entre outras classes. Posteriormente, foram novamente as mies da classe média que Hderaram a reagao 2 favor da amamentagdo no solo materno. Podemos dizer, Dor tanto, que € getalmente o nivel de renda dos pais da erianga que decide se esta, quando sente fome, deve ser presenteada com 0 seio materno ou com 2 mame éeira.(1) Se compararmos varias sociedades, as diferengas nesta area sto verdadei- ramente notive's. Na familia de classe média da sociedade ocidentel adotava-se, ates da divulgagio das idéias variadas dos peritos sobre a alimentacdo a pedido, tim regime sfgido, quase industrial, de alimentacio segundo um hordrio prefixado. ‘h eflanga era alimentada em certas horas, e somente nessas horas, Nos intervalos poderia chorar 4 vontade. Esse procedimento era justificado de varias maneires, Potto com base em consideragoes préticas como sob o fundamento de ser oti a cide da ctianga. A titulo de contraste, poderfamos examinar as priticas alimen- tares dos gusii do Quénia.(2) Os gusii nfo conhecem qualquer horirio de alimentagio, A mac amamentaa crianga toda vez. gue esta chora, De noite dorme mua sob uma coberta, com & srianga nos bragos. Na medida do posstrel, @ erianca tem acesso ininterrupto € imediato ao seio materno. ‘Quando a mae trabalha, carrega a crianga amarrada as costas, ou entdo esta é carregada por alguém que se mantém a seu lado, Tambémm nesta oportunidade, a trianga, assim que comega a chorer, é alimentada o mais rapidamente possivel. De seordo com uma norma geral, a crianca ndo deve chorar mais de cinco minutos vintes de ser alimentada. Em comparagao com 2 meior parte dos padres de ali- mentagao prevalecentes nas sociedades ocidentais, esta pritica nos choca por ser excessivamente “permissiva’’. Mas existem outros aspectos das priticas alimentares dos gusii que nos im- pressionam sod um Angulo totalmente diverso. Poucos dias apos onascimento, @ (1) Jobe Eizabeth Newson, Putters of Infant Care, Penguin Books, Baltimore, 1965, pp. 17 ¢ segs. (2) Beairce Whiting (compara). Six Cultures ~ Studies in Child Rearing. Wiley, Nova lor que, 1963; pp. 139 e seus. Como ser um membro da sociedade — 203 crianca passa a receber um mingau como complemento alimentar ao leite mater- no, Segundo indicam os dados de que dispomos, a erianca no demonstra muito entusiasmo por esse mingau. Mas isso nao Ihe adianta nada, pois é alimentada 4 forga. Ea alimentagio forgada 6 realizada duma maneira bastante desagradavel: mae segura o nariz da crianca. Quando esta abre a boca para respirar, o mingaué empurrado para dentro da mesma. ‘Além disso, a mae demonstra pouca afeicao pela crianca, © raramente a acaricia, embora outras pessoas possam fazé-lo. Provavelmente procede assim no intuito de evitar os citimes das pessoas que po- deriam assistir as suas demonstragdes de afeto: de qualquer maneira, na pritica jsso significa que a experiéncia da crianga enconira maiores demonstragoes de aleto de outras pessoas que da propria mile. Vé-se que mesmo sob outros aspectos, a maneira pela qual os gusii criam os filhos na fase inicial da vida nos choca bas tante, s¢ a compararmos com os padroes ocidentais. De outro Jado, em relagio a desmama os gusii mais uma vez demonstram um elevado grau de "*permissivi- dade’, em comparago com as sociedades ocidentais. Enquanto nestas a grande maiorie des criancas passa da amamentagio materna para a alimentayao por mamadeira antes de atingir a idade de scis mesos, as criangas dos gusii so amamentadas no seio materno até a idade de 22 meses. O treinamente para o uso da toalete: a moita ou a “inspiracao” O treinamento para o uso da toalete constitui outro setor do comportamento da crianga em que as préprias fungdes fisiologicas do organismo sio foreadas, de maneira Sbvia, a submeter-se aos padrées sociais. Em linhas gerais, nas sociedades primitivastaramente surgem problemas nesta rea. Segundo a regra geral acrianga, assim sabe andar, segue os adultos para a moita ou outra drea que a comunidade considere apropriada para as fungdes climinatérias. O pro- Dlema é ainda menor nas regides quentes, onde as eriangas usam pouca ou ne- nhuma roupa. Entre os gusii, por exemplo, o treinamento para o uso da toalete resume-se na tarefa relativamente simples de fazer a crianea defecar fora de casa. Em média, essa tarefa é iniciada aproximadamente com a idade de vinte e cinco meses, e concluida mais ou menos dentro de um més. Ao que parece, nao ha maior preocupagao com o ato de urinar. Uma vez que as criangas nao usam vestes na parte inferior do corpo, nao existe o problema de molhar a roupa. Ensina-se-Ihes que devem proceder com discrigao no desempenho da funydo eliminatoria, mas ao que tudo indica elas 0 aprendem por meio dum simples processo de imitagdo, in- dependentemente de ameagas ou sangdes.(3) Jé nas sociedades ocideatais 0 treinamento para a toalete constitui uma gran- de preocupacio. (E bem provavel que, se Freud tivesse sido um gusii, nunca se teria lembrado de conferir ao treinamento para o uso da toalete um lugar tao im- portante na sua teoria do desenvolvimento infantil.) Se compararmos, por exem- plo, a sociedade norte-americana com a dos gusii, n&io teremas maiores dificul- dades em explicar por que, na primeira, o treinamento para a toalete constitui um problema mais importante que na ultima. Afinal, devemos considerar a variedade de roupas usadas pelas criangas e a complexidade dos arranjos domésticos, além da auséncia generalizada de moitas. Dessa forma, as atribulagdes, os sucessos € os insucessos experimentados nesta Area constituem um tépico bastante freqiiente na conversacio das mies norte-americanas, Em estudo recente realizado numa (3) Whiting, sbid., pp. 154 segs. 204 — Conceitos socioldgicos fundamentais comunidade da Nova Inglaterra,(4) 0s pesquisadores descobriram uma série es- ‘pantosa de medidas puniitivas aplicadas ’s crangas que no reagiam pela forma esperada aotreinamento para o uso da toalete, Essas medidas punitivas consistiam tanto em esiregar o nariz da crianga em suas proprias fezes, como no uso de su- positérios e clisteres por meio dos quais se pretendia levar a crianca a adotar habitos regulares de evacuacdo. (Na verdade, entre um quarto e um tergo das mies entrevistadas informaram ter aplicado estas dltimas medidas.) Ao que parece, a crianga yota um desaprego total aos clisteres, motive por que a simples ameaga de sua aplicagao geralmente era suficiente para “inspirar” a mesma a defecar quando amie o desejasse. Esses dados poderiam levar um socidlogo gusii A conclusio de que o trei- namento para o uso da toalete nos Estados Unidos € extremamente rigido, mas 0 mesmo incidiria em erro se generalizasse essa conclusao, aplicando-a A maneira pela qual as criancas americanas s4o tratadas em outras Areas de comportamento. Os americanos, por exemplo, acham perfeitamente natural que uma crianga queira muito movimento, e via de regra esse comportamento é tolerado até mesmo nos graus elementares da escola. JA os franceses tém uma opiniao totalmente diversa a este respeito.(5) Num estudo recente sobre a maneira pela qual sio criadas as criangas francesas, um observador americano mostra-se espantado pelo fato de que as mesmas sao levadas para brincar no parque elegantemente vestidas, e conseguem manter-se limpas. Evidentemente uma crianga americana colocada em situagao semelhante conseguiria sujar-se num instante. A explicagao do fe- némeno reside na relativa imobilidade da crianga francesa. O estudioso americano notou o fato em criangas francesas de dois a trés anos: ficou surpreso ao ver que as mesmas eram capazes de se manter absolutamente imdveis por longos periodos. 0 mesmo estudo relata o caso duma crianga americana que o professor encaminhou ao psicdlogo escolar, unicamente porque a mesma no conseguia manter-se quieta durante as aulas. O professor francés, totalmente desabituado a esse tipo de com- portamento, concluiu que a crianga devia estar doente. Em outras palavras, um grau de atividade motora considerado normal nas escolas americanas passou aser visto domo sintoma dum estado patolégico na Franga. A socializagiot padrdes relatives experimentados como absolutos © processo por meio do qual o individuo aprende a ser um membre da so- diedade 6 designado pelo nome de socializagdo. O mesmo revela uma série de facetas diversas. Os processos que acabam de ser examinados constituem facetas da socializagiio. Vista sob este Angulo, a socializagao é a imposicao de padrdes sociais 4 conduta individual. Conforme procuramos demonstrar, esses padroes chegam mesmo a interferir nos processos fisiologicos do organismo. Conclui-se que na biografia do individuo a socializagiio, especialmente em sua fase inicial, cons- titui um fato qué se reveste dum tremendo poder de constrig&oe duma importan- cia extraordinaria. Sob o ponto de vista do observador estranho, os padrdes impos- tos durante o proceso de socializago so altamente relativos, conforme jé vimos. Dependem nao apenas das caracteristicas individuais dos adultos que cuidam da crianga, mas também dos varios grupamentos a que pertencem esses adultos. As- (4) Lbid., pp. 944 esegs. (S) Margaret Mead e Martha Wolfenstein (compiladoras), Childhood in Contemporary Cultures Phoenix Books, Chicago, 1985, po. 106 e segs, Como ser um membro da sociedade — 205 sim, por exemplo, a natureza dos padrdes de conduta aplicados a uma crianga depende nao somente do fato de ser a mesma um gusii ou um americano, mas também da circunstancia de pertencer 4 classe média ou a classe operaria dos Es- tados Unidos. Mas. sob 0 ponto de vista da crianga, estes mesmos padrées sao sen- tidos de forma bastante absoluta. Temos razdes para supor que, se nao fosse as sim, a crianga seria perturbada e 0 processo de socializacao nao poderia ser levado avante. O carfter absoluto com que os padrées sociais atingem a crianca resulta de dois fatos bastante simples: 0 grande poder que os adultos exercem numa situagao como aquela em que se encontra a crianga ¢ a ignorancia desta sobre a existéncia de padroes alternativos. Os psicblogos divergem sobre se a crianga tem a impressio de que nessa fase da vida exerce um controle bastante pronunciado sobre os adul- tos (uma vez, que os mesmos sao sensiveis as suas necessidades), ow se vé neles uma ameaca continua, porque depende deles tao fortemente. De qualquer maneira, n&o pode haver a menor diivida de que, em termos objetives, os adultos exercem um poder avassalador sobre a crianga. E claro que esta pode resistir A pressio exercida por cles, mas o resultado provavel de qualquer conflito s6 poderé ser a vitdria dos adultos. Sdo eles que trazem a maior parte das recompensas pelas quais anseia a crianga e dos castigos que teme. Na verdade, o simples fato de que a maior parte das criangas acaba por socializar-se constitui prova cabal desse fato. Além disso é evidente que a crianca ignora qualquer alternativa aos padrdes de conduta que the sao impostos. Os adultos apresentam-lhe certo mundo — e para a crianca, este mundo 0 mundo. S6 posteriormente a mesma descobre que existem alter- nativas fora desse mundo, que o mundo de seus pais € relativo no tempo € no es- pago e que padrées diferentes podem ser adotados. Sé ento o individuo toma conhecimento da relatividade dos padrdes e dos mundos sociais — numa hipstese extrema, poder prosseguir na trilha dessa visio, escolhendo a profissio de so- cidlogo. mundo trauslorma-se em sex mundo A iniciagdo da criang: Vemos que uma das maneiras de encarar 0 processo de socializac&o corres- ponde aquela que se poderia designar como a “yisdo policialesca’”. Segundo ela, a socializagao é vista principalmente como uma série de controles exercidos de fora e apoiada por algum sistema de recompensas e castigos. © mesmo fendmeno pode ser examinado sob outro Angulo, que pode ser considerado mais benigno. A so- cializagio passa a ser considerada um processo de iniciagao por meio do qual a crianca pode desenvolver-se e expandir-se a fim de ingressar num mundo que esté a0 seu alcance. Sob este ponto de vista a socializac2o constitui parte essencial do proceso de humanizaciio integral ¢ plena realizag’io do potencial do individuo. A socializacto é um proceso de iniciagdo num mundo social, em suas formas de in- teracio € nos seus numerosos significados. De inicio, 0 mundo social dos pais apresenta-se A crianea como uma realidade externa, misteriosa e muito poderosa, No curso do proceso de socializagio este mundo torna-se inteligivel. A crianga penetra nesse mundo e adquire a capacidade de participar dele. Ele se transforma no seu mundo. A linguagem, o pensamento, a reflexio e a “fala respondona” « O veiculo primordial da socializagdo, especialmente sob a segunda faceta, é 2 linguagem. Logo mais realizaremos um exame mais detalhado da linguagem. Nes 206 — Conceitos socioidgicos jundamentais te ponto s6 queremos ressaltar que ela coastitui um elemento essencial do processo de socializagdo e, mais do que isso, de qualquer participasao posterior na socie- dade, Ao assenhorcar-se da linguagem, a crianga aprende a transmitir e reter cer- tos signiticados socialmente reconhecidos, Adquire a capacidade de pensat abs; tratamente, isto é, consegue ir além da situagao imediata com quese defronta, Eé também por meio do aprendizaco da linguagem que a erianga adquire @ eapa- dade de Teflctir, As reflexdes incidem sobre @ experiencia passada, que se integra numa versio ccerente ¢ cada ver. mais ampla da realidade. A experiéneia presente é continuamente interpretada em conformidade com essa visio € a experiencia futura ndo pode ser apenas imaginada, mas também plancjada. E através dessa reflexdo cada vez mais intensa que a crianga toma consciéneia de si mesma como nna individualidade, no sentido literal de re-flexdo, isto 6, do fendmeno através do qual a atengio da crianga retorna do mundo exterior pata incidir sobre ela pro- pria. E muito facil dizer, @ até certo ponto nfo deixa de ser correto, que a sociali zacio é um processo de configuragao ou moldagem, A criangu ¢ configurada pela

Você também pode gostar