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Departamento de História
Periodicidade Semestral
196 p.
APRESENTAÇÃO............................................................................................................06-11
DOSSIÊ
DISCUTINDO A HISTÓRIA: ESCRITA E MÉTODOS
O Jogo da Historicidade.
Rainri Back .............................................................................................................13-32
ARTIGOS LIVRES
The Doors, Joy Division e Nirvana nas Recusas do Fim do Tempo Juvenil.
Emília Saraiva Nery ............................................................................................154-166
ENTREVISTA
O destaque, nos jornais matutinos, para os estudos sobre o carro elétrico não tarda
em ser substituído por novas manchetes. As eleições presidenciais e o embargo econômico ao
Irã dividem espaços na televisão com as chamadas publicitárias, McDonald‘s, I‘m lovin‘s it.
Em um simples deslocamento pelo centro da cidade, a sucessão de imagens captadas pelo
observador aponta o excesso informativo e a velocidade do tempo vivido. Na dinâmica
seletiva da memória, a efemeridade dos fatos não encontra acolhimento, e o próprio cotidiano
apenas conduz o indivíduo em sua vida de desacontecimentos.
Ireneo Funes, o personagem memorioso de Jorge Luís Borges, apresenta-se como
o avesso da condição apresentada, mas, tampouco, é aquilo desejado. Esquecimentos e
lembranças compõem a historicidade humana, são categorias que alicerçam as identidades.
Enquanto que um passado desventurado pode produzir traumas sobre o presente, são de
vivências alegres que se formam as saudades. De um ou de outro modo, a experiência
constrói-se tão somente quando o vivido (social ou individual) passa a ser internalizado. Qual
a relação, portanto, entre o tempo social e aquilo que uma sociedade ou um grupo julga digno
de registro, de memória, de internalização e de orientação das práticas?
Não é preciso uma investigação muito aprofundada para se verificar que as
diferentes experiências sociais proporcionam formas de temporalidades outras, para além
daquela marcada pelos ponteiros do relógio. A sensação de que o dia escoou mais
rapidamente que o normal é um exemplo da subjetividade no trato da questão. O tempo, como
sublinhou o sociólogo Philippe Zarifian, é uma dimensão indispensável a todo fenômeno
social 1. Aqui se mostra uma das faces da atual conjuntura. Ao passo que se tem a impressão
de um super-aceleramento do tempo, também os desacontecimentos, que em nada somam à
experiência, oferecem ao cotidiano a fisionomia de estagnação. Mas a velocidade que causa
vertigem ainda é desassossego, desestabiliza expectativas, fragmenta narrativas.
A escrita da história não pretende desacelerar este movimento congelando suas
engrenagens sobre as páginas de um texto; seus argumentos não são absolutos, também ela
possui seus regimes de verdades, condiciona-se aos mecanismos de seu meio. O objeto de
NOTAS
1. ZARIFIAN, Philippe. Temps et Modernité: Le temps comme enjeu du monde moderne. Paris:
L‘Harmattan, 2008.
2. RICOEUR, Paul. Do Texto à Ação. Porto: Editora Rés, [s/d].
3. SANTOS, Boaventura de Sousa. A Gramática do Tempo: para uma nova cultura política. 2 ed. São
Paulo: Cortez, 2008.
4. ARENDT, Hannah. A Promessa da Política. Rio de Janeiro: Difel, 2008.
Rainri Back 2
Resumo: Nosso propósito geral consiste em mostrar que o jogo é o fenômeno estruturador de
toda a historicidade da existência humana. Mas, para realizá-lo, são necessários dois passos
preliminares. Primeiro, nos precaver de alguns problemas provenientes das interpretações de
Dilthey e de Heidegger a respeito da historicidade. Segundo, nos livrar da interpretação
determinista que Gadamer confere ao fenômeno do jogo. Por fim, mostraremos que a
transformação do que a tradição nos lega também é uma tarefa do jogo da historicidade.
Abstract: My aim is to show that the game is a phenomenon that structures historicity of
human existence as a whole. In order to accomplish it, two preliminary steps are required.
First, we need to prevent some problems coming out of the interpretation of historicity put
forward by Dilthey and Heidegger. Second, we need to rid ourselves of a deterministic
interpretation of game such as that offered by Gadamer. I shall then proceed to show that the
transformation of what tradition provides us is also a task within the game of historicity.
1
O presente artigo é uma versão revisada do capítulo ―O Jogo da Historicidade‖, que compôs a dissertação Nos
Rastros da Situação Hermenêutica, defendida no Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade de
Brasília – UnB, no início de 2010, sob a orientação do Prof.Dr. Gerson Brea, e que contou o subsídio da CAPES.
2
Doutorado em Filosofia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ, sob orientação do prof. Dr.
Marco Antonio Casanova. Contato com o autor: rainri_bach@yahoo.com.br
2. HISTORICIDADE.
2.1. A interpretação epistemológica de Dilthey.
Não capto nela [na vida] outros homens e coisas apenas como realidades que
se encontram comigo e entre si numa conexão causal: referências vitais
partem de mim para todos os lados, relaciono-me com homens e coisas,
tomo posição perante eles, satisfaço as suas exigências a meu respeito e
deles espero algo. Alguns tornam-me feliz, ampliam a minha existência,
acrescentam a minha força; outros exercem sobre mim uma pressão e
restringem-me. (DILTHEY, 1992:111-112).
3
Aqui vale lembrar as preciosas observações de Hegel sobre a necessidade de que algum indivíduo assuma o
encargo de ―iniciador‖, para que a ―configuração incompleta de um Estado‖ possa adquirir uma unidade. Ora,
isso mostra o poder de influência que um indivíduo pode ter sobre toda a comunidade, e vale tanto para a
formação de um Estado quanto para as grandes revoluções políticas. Basta-nos lembrar de certas personalidades
históricas, como, por exemplo, Napoleão Bonaparte. Cf. HEGEL, 2003: 258s.
Por ainda adotar o critério de cientificidade das ciências naturais, Dilthey define a
historicidade a partir de traços eminentemente negativos. A condição histórica das ciências do
espírito é, sobretudo, um limite epistemológico para a elaboração de um conhecimento
necessário e universal. Isso porque Dilthey também busca na vida o que as ciências naturais
buscam no mundo físico: encontrar, sob a constante transformação do que se mostra à
observação, algo estável, perene, em suma, cognoscível, 4 a respeito do qual é possível
formular leis.
Agora, então, a pergunta deve ser: podemos compreender a historicidade sem nos
orientar por esse critério de cientificidade?
4
Porque não parece ser possível conhecer o que muda a todo instante, desde Aristóteles, a constância de algo se
tornou critério de cognoscibilidade, de maneira que aquilo que fosse eterno (aidion) ensejaria também a mais
digna de todas as teorias, a ―filosofia primeira‖. Cf. ARISTÓTELES, 2005: 269s.
5
Ser-aí (em alemão, Dasein) é a palavra utilizada para designar o nosso modo específico de ser enquanto seres
humanos, em contraste com o modo de ser dos animais, das plantas, das pedras etc.
6
Ou ainda: tal coisa se mostrou, está disponível, para a compreensão.
7
Aqui, nos referimos aos dois possíveis modos de ser do ser-aí: a inautenticidade e a autenticidade, que ensejam
a possibilidade de existir segundo uma temporalidade própria ou imprópria, respectivamente.
8
Infelizmente, não podemos tratar aqui dos problemas daí decorrentes.
3. O JOGO DA HISTORICIDADE.
3.1. O problema da independência do jogo.
9
Basta-nos prestar atenção às últimas palavras de Gadamer em Verdade e método, onde nos diz, por exemplo: ―o
que nos vem ao encontro na experiência do belo e na compreensão do sentido da tradição tem realmente algo da
verdade do jogo‖; ou ainda: ―a melhor maneira de determinar o que significa a verdade será, também aqui,
recorrer ao conceito de jogo‖. Cf. Ibid.: 630-631. Além disso, o prof. Marco Casanova também procura mostrar
em um artigo que toda a experiência da compreensão se resume a um jogo. (Cf. CASANOVA, 2008).
Notem bem. Aparentemente, Gadamer apenas diz que o ser humano não detém
nenhum privilégio sobre a possibilidade de jogar, mas é apenas um dentre muitos outros que
podem jogar. Todavia, essa crítica à concepção antropológica do jogo esconde um teor bem
mais incisivo. Se não há razão para considerar que o ser humano confere ao jogo um
Logo adiante, nos deparamos com uma conclusão, para nós, profundamente
problemática, porém, fatal e bem coerente com o que Gadamer já disse:
Vejamos agora como as proposições de Gadamer decorrem umas das outras. Tudo
o que ele nos revela parte sempre de um único ponto: a ―forma medial‖, o movimento de
vaivém. É impossível que alguém queira jogar contando só consigo mesmo, pois assim não se
estabeleceria nenhuma relação medial. Mas, para haver jogo, também não são necessários
dois jogadores, mas apenas outra coisa com que se possa jogar e que, por si mesma,
―responda com um contralance ao lance do jogador‖. Por isso, Gadamer 11 traz à tona os jogos
feitos para apenas um jogador.
10
No original: Alles Spielen ist ein Gespieltwerden. Cf. GADAMER, 1990: 112.
11
Em outra passagem, ele toma como exemplo um gato que brinca com um novelo de lã. Cf. GADAMER, 2003:
159. É o que podemos ver também em outro exemplo, bem comum no futebol, quando gritamos: ―Apanhou da
bola!‖, para caçoar um jogador que pisa e tropeça na bola ao tentar um drible malsucedido.
A nossa resposta para o problema com que concluímos a seção anterior deve sim
considerar o quinhão de verdade do que Gadamer nos diz. De fato, a ―forma medial‖ do jogo
não depende do que ocorre subjetivamente nos jogadores. Porém, isso não significa que ela
aconteça ―como que por si mesma‖! Pode haver ainda, eis toda a questão, a possibilidade de
que o jogo dependa dos jogadores de outra maneira. Como ainda mostraremos, a natureza dos
jogadores – e não a consciência subjetiva deles! – é determinante para a instauração do
movimento do jogo.
Na última passagem citada, Gadamer diz: ―O que constitui a essência do jogo são
as regras e disposições que prescrevem o preenchimento do espaço lúdico‖. Decerto, o
movimento de vaivém do jogo consiste em uma ordenação que abre um espaço lúdico e que
prefigura o que pode acontecer nele. Assim, os limites de um jogo são estabelecidos no
12
Vale ressaltar aqui as palavras de Gadamer já citadas anteriormente: ―[...] o vaivém do movimento do jogo se
produz como que por si mesmo [...]‖. Cf. Ibid.: 158.
13
Quanto a essa questão, remetemos aos notórios argumentos de Wittgenstein contra a possibilidade de alguém
instituir uma linguagem que só ele pode compreender. (Cf. Wittgenstein, 2000).
14
Por transformação, não compreendemos aqui ―revoluções políticas‖ ou mudanças explícitas, visíveis para
qualquer um, que trouxessem melhor qualidade de vida a camadas sociais desfavorecidas economicamente.
Transformação pode se referir também a meras reformulações que não promovem nenhuma mudança mais
radical na ordem vigente de uma sociedade. Ainda não estamos em condições de tratar desses assuntos, pois eles
demandam reflexões mais detidas acerca do que define em geral a transformação no jogo da historicidade. Este
artigo é apenas um ensaio, um primeiro esforço nesse sentido.
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
AGOSTINHO, Santo. Confissões. São Paulo: Nova Cultural, 2000. (Coleção Os Pensadores).
ARISTÓTELES. Metafísica. 2. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2005.
BACK, Rainri. Nos rastros da situação hermenêutica. 2009. 124f. Dissertação (Mestrado em
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CASANOVA, Marco A. A compreensão em jogo ou o jogo da compreensão. Mente, Cérebro &
Filosofia: Ricoeur e Gadamer: presença do outro e interpretação, São Paulo: Duetto, n. 11, p. 59-65,
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__________. Teoria das concepções do mundo. Lisboa: Edições 70, 1992.
__________. Psicologia e compreensão: idéias para uma psicologia descritiva e analítica.
Lisboa: Edições 70, 2002.
GADAMER, Hans-Georg. Wahrheit und Methode: Grundzüge einer philosophischen
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__________. Verdade e método II: complementos e índice. 2. ed. Rio de Janeiro: Vozes; São
Paulo: Editora Universitária São Francisco, 2004.
HEGEL, Georg F. W. Princípios da filosofia do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
HEIDEGGER, Martin. Heidegger: conferências e escritos filosóficos. São Paulo: Nova
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__________. Ser e tempo. v. I. 12. ed. Rio de Janeiro: Vozes; São Paulo: Editora Universitária
São Francisco, 2002a.
__________. Ser e tempo. v. II. 10. ed. Rio de Janeiro: Vozes; São Paulo: Editora Universitária
São Francisco, 2002b.
SCHLEIERMACHER, Friedrich D. E. Hermenêutica: arte e técnica da interpretação. 2. ed. Rio
de Janeiro: Vozes, 2000.
WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. São Paulo: Nova Cultural, 2000.
Resumo: As reflexões deste trabalho procuram compreender as discussões dos padrões ético-
sociais do historiador enquanto profissional, bem como a relevância social e ―restauradora‖
que o estudo de temas historiográficos baseados em episódios traumáticos pode ter para os
pesquisadores e para a(s) sociedade(s) atingida(s) pelos eventos estudados por estes. Além
disso, intenta-se considerar quais as consequências teóricas e metodológicas que acarretam na
conjunção da discussão dos padrões ético-sociais do historiador e na relevância social e
―reparadora‖ (função terapêutica) que pode ter o estudo de episódios negativos, traumáticos.
Desta forma, dois elementos surgem: os usos (responsáveis) e maus usos (irresponsáveis) da
história, e a ética dos historiadores. Equidistante a estas questões axiológicas, intenta-se
debater o potencial impacto dos sistemas de valores da Declaração Universal dos Direitos
Humanos (DUDH) na adoção de um código de ética para os historiadores proposto por
Antoon De Baets.
Palavras-chave: usos e maus usos da história; código de ética; DUDH; Antoon De Baets.
Abstract: The considerations addressed in this work aim to understand the discussions
regarding the social-ethical standards from historians as professionals, as well as the social
and "repairing" relevance that the study of historiographical themes based on traumatic
episodes can have to researchers and to the society affected by the events studied by them.
Moreover, it is intended to consider which theoretical and methodological consequences bring
about the discussion of social-ethical standards from historians and the social and "amending"
relevance (therapeutic function) that the study of negative traumatic episodes may have.
Therefore, two elements arise: the uses (responsible) and misuses (irresponsible) of history
and historians ethics. In relationship with these axiological issues, the potencial impact of
values systems from the Universal Declaration of Human Rights (UDHR) in the adoption of a
code of ethics for the historians proposed by Antoon de Baets is also herein debated.
Keywords: uses and misuses of history; code of ethics; UDHR; Antoon de Baets.
1
Mestrando do curso de História da Universidade de Brasília – UnB. Bolsista Capes. Sou grato ao
amigo Raphael Feldhues pela atenta leitura e comentários feitos neste trabalho. Contato com o ator:
johnnyrobertorosa@hotmail.com
(Schiller)2
2
―No domínio da história encontra-se todo o mundo moral‖. Citado por Richard Vann. (VANN, 2004:03)
3
Essa expressão sugere uma relação de sentidos entre os seres humanos do passado e do presente. Deste modo,
expectativas, esperanças e angústias são transmitidas hereditariamente ao longo de gerações. Este ―nexo
intergeracional da orientação cultural representa, assim, um dos canais da intersubjetividade temporal. Em tal
nexo de sentido, os projetos de futuro que guiam o agir atual são conectados retrospectivamente ao passado
rememorado historicamente. Realiza-se com isso uma mediação entre os sentidos atribuídos pelos sujeitos do
passado ao seu agir e as intenções e planos de agir dos seres humanos do presente‖. (RÜSEN, 2003: 37-38)
Tradução de Arthur Assis.
***
Uma breve leitura dos textos apresentados no simpósio ―Encarando os maus usos
da história‖, organizado pelo Conselho da Europa no ano 1999, que procura esclarecer porque
e por quem a história poderia ser nocivamente usada, e quais as variedades de abusos e
distorções que poderiam ser cometidos por ela – como abusos pela negação de fatos
4
Quando discute esquecimento ativo, Paul Ricoeur sugere que o perdão requer um engajamento adicional no
―trabalho de recordação‖, que consiste em um tipo de esquecimento ativo que não se preocupa com os próprios
eventos, mas com a carga de culpa que paralisa a memória e, por extensão, a capacidade para uma orientação
criativa em direção ao futuro. Os que suportam a responsabilidade para os eventos que feriram a memória podem
pedir perdão e terão que encarar a possibilidade de recusa. Neste grau o perdão deve conhecer o imperdoável, a
dívida irredimível, e o erro irreparável. Todavia, a intenção do perdão não é extinguir a memória, mas é uma
forma de curá-la e de completar seu período de luto. (Cf. RICOEUR, 2006: 16-18)
5
A análise de Derrida, segundo Bevernage, ajuda a ver como ambos sistemas temporais estão engajados em uma
mesma lógica da presença que postula o passado ausente como a presença modificada de um passado presente,
postulando a inferioridade deste passado. Bevernage conclui que Derrida estava certo quando salientou o perigo
de desertar o passado e a imagem horrível de um tempo que se isola, anuncia o fim da história, e cancela a luta
por justiça histórica ou a adia eternamente. Somente reconhecendo a tirania do passado é que os historiadores
podem começar a unir o tempo da história e o da justiça. (Cf. BEVERNAGE, 2008: 164-167)
6
Para lidar com esta ideia, a dimensão social da identidade seria generalizada, pressupondo que todos
compartilham características básicas de humanidade. Ver: RÜSEN, Jörn. Towards a new idea of humankind –
unity and difference of cultures in the crossroads of our time. Working Papers n.2. Kulturwissenschaftliches
Institut, Essen; University of Witten/Herdecke; University of Duisburg-Essen. Essen, 2006. Citação autorizada
pelo autor; _____ Comparing cultures in intercultural communication. In. FUCHS, Eckhardt; STUCHTEY,
Benedikt. Across cultural borders: historiography in global perspective. Rowman&Littlefield, 2002; _____.
How to overcome ethnocentrism: approaches to a culture of recognition by history in the twenty-first century. In.
History and Theory. Theme Issue 43. Wesleyan University, 2004.
***
8
Antoon De Baets aponta as seguintes pesquisas antropológicas: Tristes tropiques de Claude Lévi-Strauss; How
others die: reflections on the anthropology of death, de Johannes Fabian; e Dancing on the grave: encounters
with death (sobre a universalidade emocional da morte) de Nigel Barley.
***
Percebe-se, assim, que a personalidade moral implica no fato de que esta pode ser
tratada como um objeto de reflexão consciente, podendo transcender o tempo e o lugar de sua
vida biológica; e implica no fato de que as pessoas podem e defendem contratos formais,
como testamentos, e contratos informais, como promessas, que podem ser redigidos para
proteger os interesses dos vivos, enquanto vivos, e que afetam eventos além de sua morte –
ambos deliberado e pessoal, abstrato e hipotético. Com isso, nota-se que pelos vivos terem
expectativas e preocupações póstumas, eles também possuem um interesse em respeitar os
desejos dos mortos. Ou seja, é no interesse dos vivos que se mantém as instituições estáveis e
justas que asseguram os desejos expressados postumamente, sendo os interesses post mortem
dos vivos, enquanto vivos, protegidos pelas suas resoluções para respeitar o quase interesse
dos falecidos. Os vivos executam isso pela contribuição ao senso moral, pela manutenção de
uma comunidade moral, e suportando instituições justas e estáveis. Portanto, suportam as
próprias expectativas de que podem fazer planos nesta base. Se eles violam o quase interesse
dos mortos, eles diminuem suas próprias antecipações vivas de favorecimento, afetando as
condições da vida além do tempo de suas próprias vidas. Por este argumento, Partridge
***
9
De outro modo, as anistias atadas a obrigações de divulgar informações sobre violações, não somente
permitem a verdade de ser dita, mas são facilitadas por este processo. Estes tipos de ―anistias responsáveis‖
podem ser consideradas válida e reconhecidas sob a lei internacional, que adiciona influência à noção de que o
direito à verdade tem uma valor legal. Ao mesmo tempo, uma des-legitimação de qualquer anistia para crimes
internacionais está lentamente fechando a janela para a busca da verdade. (Cf. NAQVI, 2006: 266-267)
10
Artigo 22 da Recomendação Relativa a Condição do Corpo Docente do Ensino Superior: ―Instituições de
educação superior (...) deveriam se responsabilizar pela (...) criação, através do processo colegial e(ou) através
de negociações com organizações que representam o corpo docente da educação superior, consistente com os
princípios de liberdade acadêmica e liberdade de expressão, de declarações ou códigos de ética para guiar o
corpo docente da educação superior no seu ensino, academia, pesquisa e trabalho de extensão‖. Disponível no
site das Nações Unidas. http://portal.unesco.org/en/ev.php-URL_ID=13144&URL_DO=DO_TOPIC&URL_
SECTION=201.html. Acesso em 26 de janeiro de 2010. Tradução livre do autor.
11
Artigo 1 da Constituição do Comitê Internacional de Ciência Histórica: ―deve defender a liberdade de
pensamento e expressão no campo da pesquisa e ensino histórico, e se opões aos maus usos da história e deve
usar todos os meios a sua disposição para garantir a conduta profissional ética de seus membros‖. Disponível no
site do Comitê Internacional de Ciência Histórica: <http://www.cish.org/GB/Presentation/Constitution.htm>.
Acesso em 26 de janeiro de 2010. Tradução livre do autor.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
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Berghahn Books, 1994.
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167. Wesleyan University, 2008.
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2004.
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DE BAETS, Antoon. Responsible History. New York – Oxford: Berghahn Books, 2009a.
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_____ A declaration of the responsibilities of present generations toward past generations.
History and Theory 43 (December 2004), p.130-164. Wesleyan University, 2004.
GORMAN, Jonathan. Historians and their duties. History and Theory 43 (Dec., 2004), p.103-
117. Wesleyan University, 2004.
HANNUM, Hurst. The UDHR in national and international law. Health and Human Rights,
vol.3, n.2, Fiftieth Anniversary of the Universal Declaration of Human Rights. p.144-158. The
President and Fellows of Harvard College, on behalf of Harvard School of Public Health/François-
Xavier Bagnoud Center for Health. 1998.
NAQVI, Yasmin. The right to the truth in the international law: fact or fiction? International
Review of the Red Cross. vol.88, n.862. Cambridge Journals, June 2006.
PARTRIDGE, Ernest. Interests and Posthumous Respect. Ethics, vol. 91, n.2, p.243-264. The
University of Chicago Press, 1981.
Pablo Spíndola
Abstract: The paper propose investigate the theorical possibilities of the cultural intelectual
history that suposes the research about the conditions of production of one Idea considering
the its internal and external components. The internals components analysis the author speech
while the external ones analysis the contexts of production, the reception of the work and the
dialoges of that autor with another ones. In this way we`ll seek a conversation with authors
that studies this theme, mainle that ones that made theorical refletions. This authors are
Claude Lefort in his book As formas da história; J. G. A. Pocock in Linguagens do ideário
político; Carlos Altamiro in the paper Idéias para um programa de história intelectual; and
Richard Tuck in História do pensamento político. The objective is realize as this authors
resolve or propose questions for the studies of history, in spite of his approach not be in
intelectual culture history, the works of them can be taked like a contribution to the studie of
this kind of history. So, the possibilities of make analysis about authors, texts and theories
associating the historical context of an work with the discussion of yours appropriations are
open.
Mestrando do programa de pós-graduação em História Social da USP, bolsista CNPq. Contato com o autor:
phst@usp.br
1
O termo historiar está no dicionário como verbo com três acepções: ato de fazer o relato histórico de; narrar,
contar; embelezar com ornatos; enfeitar. Dessa forma, entende-se aqui o conceito de historiar como o exercício
teórico-metodológico que o historiador realiza ao selecionar seus arcabouços intelectuais. Isto desde o início da
pesquisa histórica até os fins de sua redação, ou seja, o próprio fazer histórico, levando-se em conta o
emaranhado temporal no qual ele está inserido. Tomar-se-á essa definição como ponto pacífico, pois o
desenvolvimento dela já seria por si só um novo estudo a ser realizado em outro momento.
Esta concepção de história intelectual entende o objeto como sendo uma junção de duas
especificidades. Numa são estabelecidas as relações com fatores externos ao texto (atividade
cultural) e na outra o conteúdo do texto é tomado como objeto, analisando seus argumentos,
constituindo uma observação dos fatores internos.
Carlos Altamirano defende que a história intelectual ―privilegia certa classe de
fatos – em primeiro lugar, os fatos do discurso – porque eles dão acesso a uma decifração da
história que não pode ser obtida por outros meios e porque proporcionam pontos de
observação únicos sobre o passado‖ (ALTAMIRANO, 2007: 11). Ele entende que essa classe
de fatos não deve pender para um dos lados dessa relação, seja interna ou externa. O autor
2
Carl E. Schorske é referido em três textos que são: FALCON, Francisco. História das ideias. In: CARDOSO,
Ciro Flamarion & VAINFAS, Ronaldo (orgs.). Domínios da história: ensaios de teoria e metodologia, 1997.
CHARTIER, Roger. História intelectual e história das mentalidades. In: CHARTIER, Roger. À beira da falésia:
a história entre incertezas e inquietude. 2002.DOSSE, François. Da História das ideias à História intelectual. In:
DOSSE, François. História e ciências sociais. 2004.
Interessa notar que tanto Carl E. Schorske, como Carlos Altamirano, estão interessados em
fazer um tipo de conciliação entre os argumentos internos e externos do texto. A História
intelectual preconiza, assim,
Entretanto, o caminho percorrido para se chegar a estas formas de definição, ou mesmo estes
parâmetros, não é simples e direto.
O conceito de história intelectual está associado diretamente ao de história das
ideias, que em muitos casos são usados como similares. Também existe uma certa confusão
no que ser refere a estes dois conceitos e ao de história cultural. Para se perceber isso é
possível consultar três exemplos de autores que escreveram sobre o assunto, visando elaborar
distinções, explicações e propor novas abordagens. São eles: Francisco Falcon no texto
História das ideias; Roger Chartier em História intelectual e história das mentalidades; e
François Dosse no Da História das ideias à História intelectual.
A escolha destes autores não foi aleatória. O texto de Francisco Falcon tem um
viés de divulgação e mapeamento no Brasil da história das ideias. O texto de Roger Chartier,
por sua vez, investiga porque a história intelectual tem uma recepção diferenciada na França.
O terceiro exemplo, François Dosse, além de trazer um apanhado do percurso da história
intelectual, propõe alternativas para um debate da prática desta. Sendo assim, deter-se-á mais
pormenorizadamente em cada um desses autores e suas contribuições.
O primeiro exemplo, do professor Francisco Falcon, está na coletânea temática –
Domínios da história: ensaios de teoria e metodologia – e é intitulado História das ideias. Ele
Assim sendo, este campo de pesquisa limítrofe poderia/faz parte do departamento de filosofia,
não como campo de estudo, mas como objeto. Já a história intelectual ―remete a textos bem
mais abrangentes, uma vez que ela inclui as crenças não-articuladas, opiniões amorfas,
suposições não-ditas, além, é claro, das ideias formalizadas‖ (Idem). A história intelectual está
voltada também à articulação dos argumentos com as suas condições externas.
Francisco Falcon faz uma divisão por períodos para estudar a história das ideias
no século XX. No primeiro período, os debates giravam em torno do problema da
consciência, o da natureza e o papel do inconsciente; os significados complexos das noções de
―tempo‖ e ―duração‖; as especificidades reais do conhecimento na esfera das ―ciências do
espírito‖ ou ciências humanas e seus problemas para a teoria da ciência; a introdução de
novos conceitos como ―representação coletiva‖, ―mitos políticos‖, ―derivações‖, ―elites
políticas‖, ―visões de mundo‖, ―espírito de época‖ (Ibidem: 104). Todos estes problemas
gravitavam sobre a égide da história das ideias.
No segundo momento, a forma de abordagem muda e é subdividida em quatro
grandes modelos: o historicismo; o marxismo; a École des Annales e a história das ideias; e a
história das ideias Norte-Americana: da New History de J. H. Robinson à History of Ideas de
Arthur Lovejoy. Não se pretende entrar nos meandros dessa divisão, mas cabe notar os
critérios de ordenação por separação geográfica: o historicismo alemão; o marxismo oriental
Ao apontar essa questão, Dosse procura na abrigo da escola de Cambridge, na figura central
de Quentin Skinner, este último ao escrever sobre Thomas Hobbes, insiste na formação de
Hobbes como humanista e no contexto preciso que está inserido a escrita do Leviatã. John
Pocock também faz um trabalho seguindo essa linha, mas com Maquiavel como objeto de seu
***
3
Refere-se aqui ao texto de Victor Goldschmidt, Tempo histórico e tempo lógico na interpretação dos sistemas
filosóficos. In: GOLDSCHMIDT, Victor. A religião de Platão. 1970.
4
Ver o artigo de Richard Tuck, História do pensamento político. In BURKE, Peter (org.). A escrita da história:
novas perspectivas. 1992.
nem por isso é menos verdadeiro que logo que visamos a obra, somos
induzidos por meio dela a visar seu objeto, a participar de sua interrogação,
em busca, tal como o autor, embora diferentemente dele, de uma
inteligibilidade que nenhuma determinação particular seria capaz de esgotar.
(Idem).
***
O autor lida com a perspectiva que, longe de uma relativização letárgica, propõe entender
objetos complexos através de inferências críticas. Para tal, o primeiro exemplo que ele toma é
da construção de uma ponte que, mesmo sendo uma explicação genérica, permite a
exemplificação de sua teoria.
A teoria proposta é que um ―pintor ou autor de um artefato histórico qualquer se
defronta com um problema cuja solução concreta e acabada é o objeto que ele nos apresenta‖
(Ibidem: 48). O que se pretende é ―reconstruir ao mesmo tempo o problema específico que o
autor queria resolver e as circunstâncias específicas que o levaram a produzir o objeto tal
como é‖ (Idem). Numa outra explicação, o artista que recebe a encomenda de um quadro tem
um problema a resolver: pintar de acordo com suas características sem perder de vista a
satisfação de quem o encomendou. Historiar essa relação é entender como um pintor dentro
dos limites da técnica, dos materiais, das suas especificidades e das do seu cliente, resolveu e
interligou essas premissas. Baxandall argumenta que sua
A hipótese de fundo é que todo ator histórico e, mais ainda, todo objeto
histórico têm um propósito – ou um intento ou, por assim dizer, uma
―qualidade intencional‖. Nessa acepção, a intencionalidade caracteriza tanto
o ator quanto o objeto. A intenção é a peculiaridade que as coisas têm de se
inclinar para o futuro. (BAXANDALL, 2006: 81).
Com esta extensão do sentido do termo ―intenção‖, a compreensão de uma ideia, forma de
pensamento ou conceito pode ser entendida através de uma relação entre as camadas
discursivas e argumentativas de um texto com os seus elementos externos, compondo seus
padrões de intenção.
5
O exemplo tomado é a construção de uma ponte sobre o rio Forth que fica pronta em 1889, a escolha da ponte
enquanto objeto serve para entender como um objeto destinado a resolver um problema, em um determinado
contexto, encaminhou a uma sequência de questões que ora se relacionavam com fatos individuais, ora com fatos
gerais. A ponte é o exemplo da solução do problema que, dentro de um contexto específico, possibilitou
reconstruir a relação entre objeto – solução – situação. (BAXANDALL, 2006: 45-79).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
ALBUQUERQUE JR., Durval Muniz de. História: a arte de inventar o passado. Ensaios de
teoria da história. Bauru, SP: Edusc, 2007.
ALTAMIRANO, Carlos. Ideias para um programa de História intelectual. In: Tempo Social.
Revista de sociologia da USP v. 19, n.1. 2007. p. 9
BAXANDALL, Michael. Padrões de intenção: a explicação histórica dos quadros. São Paulo:
Companhia das Letras, 2006.
CERTEAU, Michel de. A escrita da história. 2ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002.
CHARTIER, Roger. História intelectual e história das mentalidades. In: CHARTIER, Roger. À
beira da falésia: a história entre incertezas e inquietude. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS,
2002.
DOSSE, François. A história do estruturalismo. Bauru, SP: Edusc, 2007.
______. Da História das ideias à História intelectual. In: DOSSE, François. História e ciências
sociais. Bauru, SP: Edusc, 2004.
FALCON, Francisco. História das ideias. In: CARDOSO, Ciro Flamarion & VAINFAS,
Ronaldo (orgs.). Domínios da história: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Elsevier,
1997.
1
Mestrando em História Cultural pela Universidade de Brasília – UnB. Bolsista CNPq. Contato com o autor:
rodrigothp@gmail.com
Seria o momento de pensar numa obra que como nenhuma outra iluminaria a
crise artística, da qual somos testemunhas: uma história da literatura
esotérica. Não é por acaso que essa história ainda não existe. Porque
escrevê-la, como ela exige ser escrita – não como uma obra coletiva, em que
cada ‗especialista‘ dá uma contribuição, expondo, em seu domínio, ‗o que
merece ser sabido‘, mas como a obra bem fundamentada de um indivíduo
que, movido por uma necessidade interna, descreve menos a história
evolutiva da literatura esotérica que o movimento pelo qual ela não cessa de
renascer, sempre nova, como em sua origem – significaria escrever uma
dessas confissões científicas que encontramos em cada século. (BENJAMIN,
1985: 27)
A história da literatura esotérica à qual Benjamin faz referência não é apenas uma
história dos elementos de transe que fundamentam a experiência de alguns dos surrealistas. O
transe foi um elemento fundante como um modo de experienciar os dados sensíveis do ser-no-
mundo e a forma como esses dados podem ser alterados caleidoscópicamente na experiência
surrealista. Entretanto, como o próprio Benjamin discute em seus textos acerca das
experiências com o haxixe, essas experiências devem ser tomadas como índices de uma
profundidade e não como a profundidade mesma. (Ibidem, 463). Dizer isso não é diminuir o
lugar da experiência de uma consciência alterada, antes, conduz-nos a uma visão mais clara
do lugar em que a experiência se encontra. A experiência surrealista por meio da alteração da
consciência apenas retoma uma noção de totalidade que influenciará em muito sua arte. Ela
reinsere a dimensão não-conceitual da experiência humana e, de dentro da não-
conceitualidade, ela conceitualiza noções estéticas.
2
Os termos Afrociberdelia ou seus derivados, como afrociberdélico etc., são termos (como será posteriormente
discutido) que foram construídos esteticamente e filosoficamente para servirem como conceitos dentro do
movimento manguebeat. Tomá-lo-emos no uso feito por Chico Science e Nação Zumbi.
Em seu louvor à maquina e à velocidade, não puderam prever que com o tempo a
máquina de tão veloz poderia aniquilar o homem, definhá-lo e torná-lo exausto de um
movimento tão frenético, no qual ele se desfragmentaria e um tal movimento findaria por
gerar o anverso do que se pretendia; de um movimento veloz para uma inércia causticante e
medonha. O afro-futurismo por sua percepção originária quanto ao passado, re-abre em
fissuras os prédios, os carros, as indústrias e injeta a intensidade primitiva de nossa
ancestralidade em cada fissura aberta para a construção de um novo software chamado
afrociberdelia. Nesta, o passado define de forma pujante a conformação de um futurismo
marcado pelos valores de resistência negra nos processos de colonização 3 e como essa
3
Essa diferença insere um problema importante quanto a uma definição do que seria efetivamente o futurismo
no caso da afrociberdelia. Lendo os manifestos futuristas italianos e a perspectiva futurista afrociberdélica e
comparando-os, a solução dessa clara diferença seria o estabelecimento de uma fenomenologia do tempo como
forma de definição dos múltiplos sentidos que o termo futurismo assume. O que só será possível discutir em
trabalhos posteriores. Sobre essa diferença ver FABRIS (1987) e ainda alguns manifestos do futurismo italiano
em BERNARDINE, Aurora Fornoni (1980).
4
Uso o termo frequências assimétricas para salientar a natureza vibrante, constantemente tencionada e
espacialmente profusa do tecido. Como pensar essa assimetria A partir da noção de sentido. Se sentido é a
forma de organizar-se numa determinada circunferência espiritual (individuação), o que ocorre quando esses
sentidos ordenadores se confundem Confusão dos sentidos é, pois, o novo modo de se organizar de quem
experiencia a psicodelia (termo um tanto contemporâneo e não aplicável à magia da cosmologia negra). Mas isso
nos coloca outro fato ainda mais fundamental. O mundo da vida é caótico A pergunta é até mesmo dúbia,
imprecisa! De um lado o Dasein é ordenado em uma estrutura ontológica existente. A veracidade dessa
afirmação se confirma pelo fato de que se assim não fosse, qualquer sentido seria impossível. Mas se é, ao
contrario, possível, então; o ser possui organização estrutural. Todavia, a forma como o Dasein é visto insere
uma assimetria entre o Dasein e o ente (que não podem ser confundidos). E a partir dessa assimetria instaura-se
o caos. Assim que toda tentativa de dotar a realidade de significado é uma luta contra o caos, uma diminuição da
assimetria! Uma tentativa de estabilização das forças antagônicas que vibram no tecido fenomenológico
universal (Método Dialético)
5
A idéia de um tecido me vem pela imagem constante do céu. Podendo imaginar um tecido sem limites
demarcáveis. Sua imagem se apresenta como que formada por raios em profusão, coloridos, caóticos. Entre eles
grandes passagens, portais que vão se formando, são como estrelas; possuem uma vida findável. Estas passagens
representando o pensamento, digo pensamento em duplo sentido, por um lado, pensamento como totalidade, por
outro, pensamento como o que é posto nesta totalidade, o pensamento afrociberdélico, por exemplo. De outro
modo, todo conteúdo de sentidos que são objetivados não podem estar na consciência. Seria impossível uma vez
que a cognoscibilidade individual se dá numa facticidade limitada, finita. Isso nos leva a pensar que há uma
distinção entre consciência para com conteúdos factivelmente experienciados, e portanto estão na consciência, e
conteúdos fácticos, que permanecem como potencialmente experienciáveis. Esses últimos são a somatória
constante entre conjuntos simbólicos que se dialetizam e formam constantemente sentidos possíveis que
permanecem facticamente aí no Dasein e estão-para-o-ente existente. A este estar aí no Dasein, chamo tecido
fenomenológico universal. A discussão sobre o conceito de todo originário deixará o que digo mais claro.
Apenas uma ressalva deve ser acrescentada aqui, a saber, de que no processo de
construção de sua obra, CSNZ encontrava-se em um contexto histórico onde a tradição já era
um elemento enfatizado como manifestação fundamental da cultura nordestina. Entretanto, as
formas institucionalizadas de promoção da cultura criavam uma estrutura de poder fechada à
releitura feita pelo manguebit. A tradição era, pelos mecanismos estatais e acadêmicos,
―resgatada‖ em sua ―pureza‖, de modo que toda inserção de uma estética contemporânea
deveria ser tomada como deturpação do que é puro.9 Nesse sentido, o manguebit, como um
movimento que busca antropofagicamente articular a diferença, ou seja, fazer uma leitura que
6
Desvelar significa um movimento tanto ôntico quanto fenomenológico. De um lado trás do pólo ser/inexistente
para o pólo ser/existente. Este movimento se dá pela percepção fenomenológica que por sua vez é originária. Isto
no contexto amplo do estabelecimento de fundamentação da cultura, numa frequência de ruptura e continuidade.
7
O termo novo possui carga filosófica essencial, ele estará conectado com o cerne de toda reflexão acerca da
afrociberdelia.
8
Esta frase pode ser tomada como o vértice de todo esse texto. O desvelar dos entes é em Heidegger a forma de
tratar o problema da relação sujeito/objeto na tradição filosófica ocidental. Heideger pretende apontar um
caminho não fundamentado num eu cartesiano, mas uma relação na qual, embora, sujeito e objeto não possam
ser equacionados a ponto de fundir uma identidade absoluta, ainda assim, eles estão ―posicionados‖ um em
relação ao outro, dentro de uma totalidade ontológica estrutural. E é precisamente essa estrutura que delineia
modos específicos no qual os entes se mostram. Assim, fundamentar uma interpretação da Afrociberdelia a partir
desta ontologia pressupõe que a obra será vista em seu visar (aqui o conceito é husserliano) surrealista, que
concebe pela radicalização do pensamento imagético um mundo caótico no qual cintilam sinais.
9
Ver VARGAS, 2007:35-57 e TELES, 2000:15-34.
11
Tradução de Pedro M. S. Alves. Imprensa Nacional – Casa da Moeda [s/d].
12
É a partir do cogito que Husserl expõem a categoria de vivência, essa mais próxima da consciência imanente,
mas compreendida apenas quando reduzida fenomenologicamente. Para se fazer a redução é que o cogito assume
lugar fundamental dentro da fenomenologia transcendental.
13
Referência essa não à subjetividade do eu em si.
14
Não poderei aqui (embora seria muito importante) tratar das críticas de Heidegger, pois dentre as mais
importantes se referem à aparente distância entre eu puro transcendental e facticidade. Crítica essa muito clara
em Hermenêutica da Facticidade.
O trecho citado pode ser lido a partir de um eixo ao menos. A começar por uma
crítica ao ideal heterônomo das diversas ontologias e terminar pelo ideal positivista, a partir
de suas consequências descritivas. Adorno fundamenta a crítica maior que é a fundação do
conhecimento das regiões (termo fundamental na fenomenologia husserliana, uma vez que a
epoché trata de descrevê-las em maior grau possível) de uma forma unilateral. Esta
unilateralidade consiste em que todos os elementos legais que justificam qualquer abordagem
filosófica do mundo precisa necessariamente dispor das categorias vazias (leia-se eidéticas)
para todo e qualquer preenchimento e significação15. Não vejo como a crítica de Adorno
poderia estar negando a validade universal das categorias legais do conhecimento, no entanto,
Adorno se utiliza de um termo que une as camadas de sua crítica, a saber, sua referência a
uma profusão do ente16. Mas para que fique clara a importância disso, será preciso citá-lo
novamente naqueles argumentos que abrem caminho para seu conceito de dialética negativa.
Contra os dois (Husserl e Bérgson) seria preciso insistir no que eles buscam
em vão; a despeito de Wittgenstein, seria preciso dizer o que não pode ser
dito. A simples contradição dessa exigência é a contradição da própria
filosofia: essa contradição qualifica a filosofia como dialética, antes mesmo
de a filosofia se enredar em suas contradições particulares. O trabalho da
auto-reflexão filosófica consiste em destrinchar tal paradoxo. Todo o resto é
designação, pós-construção, hoje como nos tempos de Hegel algo pré-
filosófico. Uma confiança como sempre questionável no fato de que isso é
possível para a filosofia; no fato de que o conceito pode ultrapassar o
conceito, o estágio preparatório e o toque final, e, assim aproximar-se do
não-conceitual: essa confiança é imprescindível para a filosofia e, como isso,
parte da ingenuidade da qual ela padece. De outra forma, ela precisaria
capitular, e, com ela, todo o espírito. Não se poderia pensar a mais simples
operação, não haveria nenhuma verdade, e, em um sentido enfático, tudo
15
Isso ficará mais claro quando for discutido o conceito de intencionalidade em Husserl.
16
Infelizmente não disponho do texto alemão a partir do qual é feita a tradução para o termo profusão. Como
mais tarde deixarei claro, o termo português utilizado na tradução sempre me foi muito caro em minhas próprias
reflexões filosóficas no que concerne à fenomenologia e à ontologia.
Podemos discutir a crítica feita por Adorno, primeiro, reiterando o que foi dito
acima de que não se trata de negar a validade dos elementos legais do conhecimento do ser.
Isso é atestado pela afirmação de que o conceito é mediado pelo não-conceitual. Segundo,
demonstrando que essa mediação equilibra (segundo o próprio Adorno) a reflexão filosófica,
uma vez que a inefabilidade do ente não é questionada e nem se busca exauri-la pela
concatenação abstrata dos conceitos. O não-conceitual como um momento da reflexão de
alguma forma retro-alimenta a própria possibilidade de conceptualidade. Para se compreender
isso é preciso enfatizar a noção de profusão do ente. E para que se possa fazer sobressair a
ênfase prevista, será necessária uma digressão a Heidegger, a qual é justificada pela visão em
retrospectiva da própria fenomenologia, o que por ora não é possível de ser feito 17. Essa
digressão intenta mostrar como a crítica de Adorno faz sentido quando passamos a ler os
autores também negando-os, ou lê-los de forma que seu pensamento diga mais do que lhes era
consciente. Ao fazer isso a crítica de Adorno nos ajuda a seguir em frente, mas não sem os
autores, não sem tê-los como fundamento.
17
Ao reflexionar sobre a fenomenologia, ainda que isso ocorra partindo de autores específicos, é basicamente
impossível passar ao largo dos desdobramentos da mesma. Negar esse caráter retrospectivo de minha leitura
seria resignar-me a uma leitura descritiva. Entretanto, minha intenção é ao final poder discutir teoria da história,
e uma leitura meramente descritiva da fenomenologia nem de longe ajudaria em tal discussão.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
ADORNO, Theodor W. Dialética Negativa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora. 2009.
BENJAMIN, Walter. O Surrealismo. o último instantâneo da inteligência européia. In: Magia e
Técnica, Arte e Política. Obras Escolhidas. Vol.1. São Paulo: Editora Brasiliense. 1985.
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Passagens. Belo Horizonte: Editora UFMG; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo.
2007.
____O Flâneur. In: Passagens. Belo Horizonte: Editora UFMG; São Paulo: Imprensa Oficial do
Estado de São Paulo. 2007.
BHABHA, Homi. K. O Local da Cultura. Belo Horizonte: UFMG. 2003.
DUROZOI, Gérard., LECHERBONNIER, Bernard. O Surrealismo. teorias, temas,
técnicas.Coimbra: Livraria Almedina. 1972.
FABRIS, Annateresa. Futurismo: uma poética da modernidade. São Paulo: Editora Perspectiva.
1987.
FREYRE, Gilberto. Sobrados e Mucambos. 15ª Ed. São Paulo: Global Editora. 2003.
HUSSERL, Edmund. Idéias para uma Fenomenologia Pura e para uma Filosofia
Fenomenológica. São Paulo: Idéias & Letras. 2006.
____Lições para uma Fenomenologia da Consciência Interna do Tempo. ALVES, Pedro M. S.
(trad.). Imprensa Nacional- Casa da Moeda [s/d]
MARINETTI. F. T. Fundação e Manifesto do Futurismo. In: O Futurismo Italiano: Manifestos.
BERNARDINI, Aurora Fornoni (org.). São Paulo: Editora Perspectiva. 1980.
RANCIÈRE, Jacques. Políticas da Escrita. Rio de Janeiro: Editora 34. 1995.
RICOEUR, Paul. Tempo e Narrativa. Tomo I. São Paulo: Papirus Editora. 1994.
RÜSEN, Jörn. Razão Histórica: teoria da história: os fundamentos da ciência histórica.
Brasília: Editora UnB. 2001.
TELES, José. Do Frevo ao Manguebeat. São Paulo: Editora 34. 2000.
THOMÉ, Scheila Cristiane. Subjetividade Tempo na Fenomenologia Husserliana. (dissertação
de mestrado). Curitiba: Universidade Federal do Paraná. Programa de Pós-graduação em Filosofia.
2008.
VARGAS, Herom. Hibridismos Musicais de Chico Science e Nação Zumbi. São Paulo: Ateliê
Editorial. 2007.
Abstract: This work‘s built inside a practical experience, the cultural project called City
Memories – echoes, which were developed during the year of 2007 (at Londrina, Paraná
State, Brazil). I‘ve coordinated this project and now I have a research on it. Echoes express
themselves inside memory albums, which were handicraft composed, collecting knowledge
expressed by visual and written languages. A place were personal and family photos, from
different times, make narratives and maintain themselves on videos. The discussion about the
method developed intend to observe the memory narrative discourses compositions in
relationship with uses of photographs in oral history interviews. Seeing perspectives,
moments when reminds find spaces and meanings at the present times, find belongings to the
collective memory, and also make relations with the history, expressed in images or starting
from its.
1
Mestranda em História pela Universidade Estadual de Santa Catarina – UDESC. Contato com a autora:
tatilcosta@yahoo.com.br
PRIMEIRO INSTANTÂNEO
MEMÓRIAS DA CIDADE - ECOS3, SOBRE UM CAMPO DE AÇÃO CULTURAL.
2
―A identidade torna-se uma ‗celebração móvel‘: formada e transformada continuamente em relação às formas
pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam‖ (Hall, 2000:12-13).
3
As informações sobre o projeto que trago aqui integram também o livreto que acompanha o DVD: ―Da
fotografia e dos discursos amorosos que se constroem em torno dela, eis este pequeno álbum. Silencioso e
fragmentário, como lembranças.‖ Material redigido a quatro mãos, por mim e Daniel Choma, com quem
compartilho a coordenação do projeto e todas as atividades a ele relacionadas, desde a idealização até a
finalização dos materiais resultantes. E ainda hoje esta parceria ecoa também na realização das entrevistas em
vídeo por ocasião do projeto de pesquisa acadêmica que desenvolvo no Mestrado-PPGH/UDESC.
4
UNATI. Departamento de Serviço Social. Universidade Estadual de Londrina (UEL).
5
A possibilidade viabilizada pela política cultural da cidade, com a abertura de edital público voltado à
diversificação de memórias e narrativas, apresenta-se como uma forma democrática para dar voz a múltiplas e
pequenas ações, relacionadas e comprometidas com o local, viabilizando condições materiais necessárias para
efetivação de registros, perenização, circulação de memórias.
6
Refiro-me ao capítulo Memória da Cidade: lembrança paulistana.
HISTÓRIA E PALAVRA.
Imagem 3. Zenaide
Maia. Acervo projeto
Memórias da Cidade –
ecos. Foto: Daniel
Choma. Londrina,
2007.
7
Escrita de Zenaide Maia em resposta à questão ―Que história ou histórias conto a partir das fotografias?‖
Proposta na oficina da palavra.
OUTRAS IMAGENS.
PRODUÇÃO RADIOFÔNICA.
Imagem 4.
Marina em
apresentação a
estudantes. Acervo
Memórias da
Cidade – ecos.
Foto: Daniel
Choma. Londrina,
2007.
APRESENTAÇÕES A ESTUDANTES.
8
Tais atividades foram realizadas na parceria com o Colégio de Aplicação da Universidade Estadual de
Londrina, com apresentações de primeira a quarta série do Ensino Fundamental.
EXPOSIÇÃO FOTOGRÁFICA.
DOCUMENTÁRIOS EM VÍDEO.
A opção pelo vídeo como registro das entrevistas foi debatida por sua amplitude
diversificada de linguagem. A respeito da utilização do vídeo como fonte e ferramenta de
pesquisa cabe considerar aspectos subjetivos envolvidos no processo de realização de cada
entrevista. O momento da tomada do depoimento, a relação depoente-pesquisador bem como
a tecnologia empregada para o registro audiovisual, são alguns fatores que influenciam no
conteúdo do que será contado ou omitido, lembrado ou esquecido.
O audiovisual como expressão de diversidades é também uma ferramenta de
produção e circulação de memórias, com enfático papel no processo de reconhecimento e de
perenização de uma auto-imagem. A edição dos documentários, na fase final do projeto,
quando já todo o processo das oficinas havia se encerrado buscou uma construção
fragmentada em temáticas recorrentes, com uma atenção também à composição estética desta
linguagem como narrativa. Perspectivas de edição foram compostas com leituras, linguagens
SEGUNDO INSTANTÂNEO
ECOS DE MEMÓRIAS, SOBRE UM FRAGMENTÁRIO PERCURSO DE PESQUISA.
Como vozes que ecoam para novas memórias, as histórias foram narradas à
comunidade, a crianças estudantes, aos familiares. Mais adiante, o Álbum mantém-se em
construção em seu próprio percurso onde ganha novas fotografias com revisões e ampliações
narrativas. O DVD que reúne curtas em áudio e vídeo e um livreto com imagens do tempo de
convívio serve à sociabilidade com os próximos. Como objetos biográficos9 ―pois envelhecem
com o possuidor e se incorporam à sua vida‖ (Bosi, 2003:26), ocuparão espaços visíveis da
casa, Marina os guarda na cristaleira!
No momento em que a pessoa toma contato com sua fotografia, retirada de um
álbum, de uma caixa ou gaveta, há muito não mexida, ou mesmo da parede onde pendem os
retratos, estas imagens – relicários pessoais –, desdobram-se em reconstruções históricas,
narrativas que revelam identificações. São momentos de composição narrativa, em que
lembranças ganham espaço e significados no presente, encontram pertencimento na memória
coletiva, relacionam-se com a história, expressam-se nas imagens ou a partir delas.
Relatado o processo em que se constituiu um extenso campo, minha pesquisa
sobre o campo teórico-metodológico da história do tempo presente se detém em um
fragmentário lampejo que ilumina, no grupo da Unati, quatro senhoras que colaboram como
fontes orais. Aí mergulho numa modalidade do olhar em profundidade (Samain, 1998) para
9
Conceito de Violette Morin discutido por Ecléa Bosi.
10
Fotos e depoimentos registrados durante o projeto cultural citado. Vale detalhar que para a realização das
entrevistas e divulgação de resultados deste projeto de pesquisa, todas as colaboradoras formalizaram
concordância com a utilização de seus nomes reais, visto que a profunda identificação dos álbuns de memórias
com suas possuidoras inviabilizaria a utilização de suas imagens caso fosse necessário utilizar pseudônimos para
ocultar as identidades.
Imagem 5. Álbum de
memórias de Elza Sanna
Heffer. Capa, onde se lê:
Recordações Elza Sanna
Heffer. Foto: Daniel
Choma. Londrina, 2007.
Elza Sanna Heffer. 68 anos. Artista plástica que já expressa esta escrita de si na capa
de seu álbum com uma pintura. Em relação à estética se observa também nas fotografias do
interior do álbum uma diferenciada expressividade de ângulos, recortes e poses. Em relação
ao período de sua produção estas imagens sugerem a presença de uma prática fotográfica no
circuito familiar, trazem-nos um outro olhar, que não a formalidade dos fotógrafos de então,
imagens diferentes das que comumente vemos em retratos da década de 1950. É o caso de
seu retrato fotografado por seu marido ao espelho na lua de mel, ou sentada na varanda
(grávida da primeira filha). E mesmo com as especificidades imagéticas, seu álbum traz uma
expressão de trajetória familiar 11 que se inicia no navio de imigrantes onde teriam vindo seus
avós e se encerra recomeço representado pela gravidez da primeira filha.
11
A considerar que se trata de narrativas femininas, cabe observar que esta temática é recorrente nos quatro
álbuns analisados.
Zenaide Maia. 80 anos. A fotografia trazida por ela é o registro recente de uma
casa que há tempos só existia em sua memória tirada quando sua filha a levou para revisitar o
sítio que foi de seu pai de 1956 a 1969. Sua narrativa viaja no tempo ao mostrar-nos a casa
que ainda é a mesma, de madeira, com uma estradinha de terra que leva à antiga área de
plantio. A partir desta imagem única se desdobram inúmeras lembranças, ―ainda hoje, quando
12
Depoimento de Marina Feltrin Ricci sobre a fotografia citada, registrado por mim no caderno de campo do
projeto Memórias da Cidade – ecos, durante a construção dos álbuns de memórias (Londrina, maio-junho/2007).
Imagem 10.
Quarta/última página
do álbum; onde se lê:
Esta foto está muito
linda, não? Eu
mostrando a foto
tirada na frente da
casa - sede da Fazenda
São José em Bom
Sucesso. Foto: Tati
Costa. Londrina, 2008.
13
Depoimento de Zenaide Maia registrado por mim no caderno de campo do projeto Memórias da Cidade –
ecos, durante a construção dos álbuns de memórias (Londrina, maio-junho/2007).
14
Resposta escrita de Zenaide Maia à questão Lembrar com fotografias e lembrar sem elas... Proposta na oficina
da palavra, durante o projeto cultural Memórias da Cidade – ecos, Londrina, 2007.
15
Escrita de Elza registrada na oficina da palavra, durante o projeto Memórias da Cidade – ecos, Londrina, 2007.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
BARTHES, Roland. A câmara clara: nota sobre a fotografia. Tradução Júlio Castañon
Guimarães, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da
cultura. Tradução Sergio Paulo Rouanet, São Paulo: Ed. Brasiliense, 1987.
BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: lembranças de velhos. 3 ed., São Paulo: Cia das Letras,
1994.
____. O tempo vivo da memória: ensaios de Psicologia Social. 2 ed., São Paulo: Ateliê, 2004.
BRUNO, Fabiana. Retratos da velhice. Um duplo percurso metodológico e cognitivo.
Dissertação (Mestrado em Multimeios) Instituto de Artes/UNICAMP. Campinas, 2003.
_______. Imagens de velhice, imagens da infância. Formas que pensam. Cad. Cedes, Campinas:
UNICAMP, vol. 26, n. 68, p. 21-38, jan./abr, 2006.
CHOMA, Daniel; COSTA, Tati; VIEIRA, Edson L. S. Revelações da história: o acervo do
Fotoestrela. Londrina: Câmara Clara, 2006.
Artigos Livres
Resumo: O presente artigo analisa o filme Anchieta, José do Brasil, de 1977, vinculando-o
aos contextos de sua proposição, produção e exibição. Procura-se, sobretudo, desvendar as
representações e a memória que o filme veiculou sobre o missionário jesuíta José de Anchieta
– que teve um dia instituído em sua homenagem pelo presidente Humberto Castelo Branco,
em 1965 –, relacionando-as com o projeto de Estado e com a moral defendida pelo regime
militar.
Abstract: This article analyzes the film Anchieta, José do Brazil, 1977, linking it to the contexts of
its making, production and exhibition. The aim is, above all, reveal the representations and the
memory that the film aired on the Jesuit missionary José de Anchieta – which once had established in
his honor by President Humberto Castelo Branco, in 1965 – and relate them to the project of state and
with morals advocated by the military regime.
1
Este artigo resulta da pesquisa realizada para o subprojeto ―O Dia de Anchieta e sua repercussão nas atividades
culturais e educacionais nas décadas de 60 e 90 do século XX‖.
2
Doutora em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS e Professora do
Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS – São
Leopoldo, RS – Brasil. Contato com a autora: efleck@unisinos.br
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Graduanda em História pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Bolsista de Iniciação Científica pela
UNISINOS – UNIBIC, vinculada ao projeto de pesquisa ―Dos fins da política e da religião: o pensamento
anchietano e sua apropriação pelo Regime Militar‖, que conta com o financiamento do CNPq, FAPERGS e
UNISINOS. Contato com a autora: feuartedematos@gmail.com
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José de Anchieta nasceu no ano de 1534, em Tenerife, nas Ilhas Canárias. Em 1551 ingressou na Companhia
de Jesus e, aos dezenove anos, deixou Portugal, onde realizou seus estudos, numa expedição missionária ao
Brasil, em 1553. O padre, doente, esperava encontrar ares saudáveis para sua recuperação na América, onde
permaneceu por 44 anos, até falecer, em 1597, na cidade de Reritiba, Espírito Santo.
5
Decreto nº 55.588, de dezoito de janeiro de 1965.
A sétima arte, o cinema, vem conquistando cada vez maior destaque como fonte
de pesquisa e documento histórico, permitindo o estudo e a compreensão dos
comportamentos, visões de mundo, ideologias, conceitos e valores de dada sociedade ou do
momento histórico em que o filme foi produzido e, para isso, é preciso associá-lo ao mundo
que o produziu.
Para Ferro, ―desde que o cinema se tornou uma arte, seus pioneiros passaram a
6
Dentre as tarefas da Comissão estavam as de convocar personalidades do mundo intelectual , no Brasil e na
Espanha, para um Ciclo de Palestras alusivo ao missionário jesuíta; pedir a presença de um representante do
Vaticano nas comemorações (o escolhido foi o jesuíta Paolo Molinari, encarregado pelo processo de beatificação
do padre Anchieta); organizar os eventos do ―Dia de Anchieta‖; firmar convênio com a UNB para realizar um
filme sobre Anchieta; firmar convênio com a Escola de Arte Dramática de São Paulo para encenações públicas
dos autos de Anchieta nas regiões pelas quais ele passou; fazer um concurso literário para obras biográficas
sobre Anchieta; distribuir placas comemorativas em prata e bronze aos participantes dos eventos; patrocinar o
translado de uma relíquia de Anchieta, vinda de Roma; e, ainda, de editar as obras completas de Anchieta.
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Integravam a Comissão Nacional, além de Júlio de Mesquita Filho, como presidente, Aureliano Leite,
Eurípedes Simões de Paula, João Fernando de Almeida Prado, César Salgado, Mário Neme e Lúcia Falkenberg.
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O Art. 2º da Lei nº 5.196, de 24 de dezembro de 1966, estabeleceu que o Dia de Anchieta fosse comemorado
nas escolas primárias e médias do país, para divulgação da vida e da obra do missionário jesuíta.
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Hans Staden veio ao Brasil em meados do século XVI. O alemão fora aprisionado em 1554 por índios
tupinambás, também conhecidos como tamoios, e através de seus escritos e desenhos em xilogravura, deixou
registradas suas impressões sobre o Brasil quinhentista. Sua obra ―Viagem ao Brasil‖, publicada pela primeira
vez em 1557 em Malburg, teve mais de cinquenta edições em diversas línguas.
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A Embrafilme estava encarregada da distribuição e divulgação de filmes brasileiros no Brasil e no exterior, em
festivais e mostras, ―visando a difusão do filme brasileiro em seus aspectos culturais artísticos e científicos‖. A
Lei nº 6.281 de 9 de dezembro de 1975, assinada pelo presidente Ernesto Geisel, amplia as atribuições da
Embrafilme e toma outras providências, entre elas a de cobrar uma importância por produção cinematográfica,
levando em conta a bitola do filme, a forma de exibição e o período de validade do certificado de censura. Já os
cinemas passavam a ser obrigados a exibir filmes brasileiros de longa metragem e só poderiam funcionar se
tivessem sua programação aprovada pela Censura Federal. A Empresa Brasileira de Filmes S/A foi criada em
1969 e extinta em 1990, no governo Collor.
11
O DAC, Departamento de Assuntos Culturais, é um órgão a serviço do governo para tratar dos assuntos de
manifestações culturais e estabelecer diretrizes da ação oficial nas diversas áreas culturais, como música, teatro,
cinema, entre outras. ―Durante muito tempo a estrutura de Ministério [MEC] esteve toda voltada para a área de
educação, não possuindo sequer uma secretaria de cultura – o Departamento de Assuntos Culturais foi criado
pelo Decreto 66.967 em 27 de julho de 1970. Gradativamente o DAC foi assumindo suas funções de órgão
central de direção superior, como previa o decreto de reforma administrativa‖ (CALABRE, 2008).
Anchieta, José do Brasil foi dirigido por um dos cineastas do Cinema Novo, num
período em que este movimento artístico perdia força. Vários dos seus integrantes aderiram à
produção estatal de filmes com o financiamento da Embrafilme, empresa criada pelo governo
militar em 1969 para controlar a produção e distribuição dos filmes brasileiros.
O teórico, crítico de cinema e cineasta, Jean-Claude Bernardet, afirma que, durante a
década de setenta, o Estado procurou manipular as produções cinematográficas brasileiras
através da Embrafilme:
13
BERNARDET, JEAN-CLAUDE. Qual é a História? In: NOVAES, Adauto (org). Anos 70: ainda sob a
tempestade. Rio de Janeiro: Aeroplano e Senac/Rio, 1979. Organizado pelo escritor e jornalista Adauto Novaes,
Anos 70: ainda sob a tempestade, reúne artigos sobre cinema, literatura, música, teatro e televisão no Brasil no
período da censura e do governo militar, escritos, como dizem, ―no calor da hora‖, sob testemunhos de
intelectuais-personagens da época.
Mas, afinal, o que o Estado esperava do filme Anchieta, José do Brasil? Segundo
Bernardet, o governo militar não chegou a interferir drasticamente nas produções de filmes
históricos – determinando o tema, estilo ou enfoque da história –, e nem mesmo exigiu que os
filmes seguissem uma perspectiva ideológica. Esta situação, no entanto, segundo ele, ―está de
fato grávida de subentendidos‖, uma vez que o governo ―sabia o que estava pedindo‖, e os
cineastas ―sabiam que não teriam qualquer projeto aceito, caso não acatassem o que havia
sido pedido‖ (Cf. BERNARDET, 1979:328):
Em relação às críticas que o filme Anchieta, José do Brasil recebeu, estas foram
bastante ambíguas, prevalecendo a sensação de ―defeito‖ no filme: ―o que perturba essa
relação – a história como se eu estivesse vendo – é o defeito‖ (BERNARDET, 1979:330),
que, segundo os críticos, não permitiu que as imagens fossem vistas como sendo a própria
história, mesmo porque
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Na linguagem dos técnicos, o falso raccord é uma articulação mal realizada ou mal concebida.Trata-se, do
ponto de vista estético, de uma mudança de plano que escapa à lógica da transparência que atua na articulação. O
falso raccord é, entretanto, um raccord, pelo fato de ele assegurar uma continuidade mínima da narrativa: ele
não impede a compreensão correta da história contada, e só é ―falso‖ na visão de uma ―veracidade‖ convencional
[...] o raccord se configura em um tipo de montagem na qual as mudanças de planos são, tanto quanto possível,
apagadas como tais, de maneira que o espectador possa concentrar toda a sua a atenção na continuidade da
narrativa visual, ou seja, um roteiro sem rupturas, preservando esta continuidade e incluindo o sujeito espectador
na narrativa fílmica. (Cf. AUMONT, MARIE, 2003:116-117; 251-252)
Dessa forma, consegue-se entender porque o faux raccord não foi bem-vindo na
produção de Saraceni, acarretando as críticas ferrenhas que recebeu. Jean-Claude Bernardet
nos chama a atenção para a existência de dois pontos de vista sobre o filme Anchieta, José do
Brasil, já que uns apontaram ―defeitos‖ e criticaram negativamente a reconstituição histórica e
o naturalismo não alcançados, e outros o elogiaram pela qualidade da reconstituição da
História e pela sua importância como legítimo espaço de uma memória do nosso país:
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Os diálogos em tupi foram escritos por Humberto Mauro, que dirigiu o filme ―O Descobrimento do Brasil‖, de
1937, e foi o responsável pelas falas em tupi do filme ―Como era gostoso o meu francês‖, de 1971.
Muito embora Anchieta, José do Brasil tenha falhado em termos de alcance junto
aos espectadores, o filme serviu, sim, aos interesses do regime militar, declarados nos
discursos proferidos quando da instituição do Dia de Anchieta, em 1965, ao reforçar as
representações de taumaturgo, místico, fundador da cidade de São Paulo, pai da nação
brasileira, defensor do território – no esforço de repelir ameaças estrangeiras – e protetor dos
nativos. Assim, o Anchieta representado por Ney Latorraca, salvo as peculiaridades do roteiro
fílmico, representava os valores que os militares pretendiam reafirmar: a importância da
família, da religião, da moral, da nacionalidade, da defesa da integridade do território contra
os estrangeiros, que, naquele contexto, eram os comunistas.
Considerando o pressuposto de Ferro (1992:14), de que as ações cinematográficas
de um cineasta podem, sem intenção, revelar zonas ideológicas e sociais das quais ele não tem
16
Cabe lembrar que o Pe. Hélio Abranches Viotti S.J venceu o Concurso Literário promovido, em 1965, pela
Comissão Nacional para as Comemorações do Dia de Anchieta, com a biografia ―Anchieta, o apóstolo do
Brasil‖ e, desde 1957, colabora no processo para beatificação do Padre José de Anchieta.
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Opinião retirada de um periódico - não citado pelo autor – como uma crítica feita por Saraceni, do dia 15 de
setembro de 1975. O autor não usa notas de pé de página, mas com um asterisco na entrevista, sinaliza, na
mesma página: ―Esta e todas as outras citações tiradas de artigos ou entrevistas de cineastas não tem tanto a
finalidade de marcar a posição de cineastas determinados, quanto de apontar linhas de pensamento. É bom não
esquecer que as entrevistas são freqüentemente circunstanciais e sujeitas às interpretações dos jornalistas.‖
Sendo assim, podemos perceber que Bernardet repete a informação de um jornalista, mas mostra-se ciente de
que a afirmação pode não expressar exatamente o que queria dizer Saraceni, ou pode não ter sido dita com essas
palavras.
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Excerto da oração realizada pelo Cardeal Arcebispo de São Paulo, D. Agnello Rossi, em missa proferida no
Pátio do Colégio em 9 de junho de 1965, data da instituição do Dia de Anchieta, feita pelo Presidente Humberto
Castelo Branco. (AMARAL, Álvaro do. O Padre José de Anchieta e a Fundação de São Paulo. São Paulo:
Imprensa Oficial do Estado, 1971, p.8)
Evidentemente, Anchieta foi mal lançado. Tentei tudo para Roberto [Faria],
a turma do Gustavo e Marco Aurélio Marcondes, lançarem o filme nas
praças, como o circo ambulante que o ministro Simonsen queria. Não deu.
Jogaram-no no circuito comercial, (...) sem nenhuma mídia. Mesmo assim o
filme surpreendeu os sabidos e se saiu razoavelmente bem. Anchieta é um
filme para passar nos Cieps, nos Ciacs, nas tevês culturais e estatais do país.
Aí, ele poderia dar mais do que Donas Flores. Mas a burrice, da esquerda e
da direita, continuava firme. (SARACENI, 1993:315)
O cineasta revela que a origem da sua motivação para produzir um filme sobre
Anchieta, teve relação com as intermináveis conversas que manteve com Gláuber Rocha
sobre o Brasil. Surgiu assim, como ele próprio explica em seu livro,
Foi assim que Anchieta tornou-se filme nas mãos de um diretor contestador, que
―não agüentava mais a censura e os militares‖ e que pretendia oferecer uma releitura do seu
trabalho como missionário, como fica evidente neste trecho:
Em seu livro autobiográfico, Saraceni revela que havia, naquele momento, outro
roteiro – além de Anchieta, José do Brasil – esperando para ser filmado. Tratava-se d‘O
Viajante – baseado no romance homônimo e inacabado de Lúcio Cardoso e organizado por
Octávio de Faria – que veio a ser lançado somente em 1998. Este filme completaria a
―Trilogia da Paixão‖, composta ainda por Porto das Caixas, de 1962, e A Casa Assassinada,
de 1971. O diretor nos conta que estava indeciso sobre qual dos roteiros filmar, mas parece
que houve uma condição decisiva para a escolha de Anchieta, José do Brasil:
Como se pode constatar na passagem acima, Paulo César Saraceni queria fazer o
seu Anchieta. Para isso, construiu uma imagem do jesuíta a partir da Teologia da Libertação –
e, especialmente, da noção de inculturação – mostrando toda a sua admiração pelo ―santo‖,
que – como chegou a afirmar – só poderia ter seu amor pelo Brasil comparado com o de Luís
Carlos Prestes, como vemos nos trechos a seguir:
Dado o ―sinal verde‖ – pelos ministros Ney Braga, Mário Henrique Simonsen e
Reis Veloso – para a produção do filme, Saraceni aproveitou a oportunidade e procurou se
harmonizar com a Embrafilme: ―Pensavam [Embrafilme] em contratar quadros de
distribuidores que trabalhassem com as distribuidoras americanas. Fiquei abismado. Mas
como o dinheiro do Anchieta ia sair, fiquei na moita‖(SARACENI, 1993:301)
O diretor dedicou-se, a partir de então, a compor o elenco e a equipe, deixando
claro, desde o início, que ―Ninguém ganhava muito. Mas todos ganhavam. Todo mundo
queria fazer o filme com paixão, sem pensar em dinheiro. Sônia Braga pediu para fazer um
papel, mesmo pequeno e de graça, ou quase‖ (SARACENI, 1993:303). Estas e outras
afirmações nos levam a concluir que a verba disponível para a produção do longa-metragem
não fosse tão grande, descartando locações em lugares como Ilhas Canárias, Tenerife e
Coimbra. O próprio Saraceni refere, em seu livro, apenas as cidades brasileiras de Rio de
Até a última semana de filmagens, não tive nenhum problema que não
pudesse resolver. Mas fui obrigado a parar. Não dava pra continuar o filme
em Porto Seguro, a Embra atrasava o dinheiro de sacanagem. Ficou
insuportável. Tive que parar. Já tinha filmado 70%. (SARACENI, 1993:306)
- A Embrafilme vai acabar o filme. Você não filmou o roteiro. Precisa filmar
ainda 50% do filme, com Carlos Alberto de Souza na produção.
- Mas isso é intervenção fascista. Em nome do cinema brasileiro. Que
projeto é esse que eu não conheço? Chica da Silva?
- Também. – disse Cacá
(...)
- Não mudo porra nenhuma. Se vocês querem guerra, terão.
Fiquei oito meses esperando a decisão da Embrafilme. Ou eu acabava o
filme ou me davam o copião para eu conseguir meios para acabar de fazê-lo.
(...) Nenhum dos amigos do cinema novo ficou do meu lado... (SARACENI,
1993:307)
Tive que passar pelo último teste do Anchieta. Fui com Roberto Faria
mostrar Anchieta, José do Brasil para o ministro Nei Braga e o padre Hélio
Abranches Viotti, procurador da causa de beatificação de Anchieta. Dentro
do enorme cine Brasília, apenas o ministro, o padre e Roberto Faria
assistiam ao filme. Eu fiquei lá fora esperando. As duas horas e quarenta e
cinco pareciam vinte e tantas horas. Sofri. Rezei. (...) Depois das luzes
acesas, Roberto e padre Viotti ficaram conversando, o ministro saiu e seu
motorista abriu a porta do carro. Ele ficou me olhando um bom tempo, quis
dizer alguma coisa, mas não disse. Depois, Roberto me falou que ele achou
um absurdo aquele pau do cacique Tibiriçá. (...) Padre Viotti me entregou
um texto curto, escrito no próprio cinema: ‗A figura do Apóstolo do Brasil
foi tratada com simpatia constante, com dignidade e na intenção de
apresentá-lo como santo, a caminho dos altares.‘ (...) Comecei a chorar,
vendo o padre Viotti se afastar lentamente com Roberto. O padre ainda
elogiava muito o ator Nei Latorraca. (SARACENI, 1993:314)
Assim, Anchieta, José do Brasil, estava pronto para ser lançado. ―Mal lançado‖,
como admite Paulo César Saraceni, mas sua difícil missão estava cumprida.
(...) o religioso torna-se objeto da obra e seu autor, Paulo César Saraceni,
passa a defender abertamente a canonização do jesuíta. (...) O padre encarna
19
Sem provas ou milagres, a beatificação de Anchieta se deu pelo conjunto de suas obras, a despeito do ―milagre
das três almas salvas‖, visto que, em um único dia, ele teria convertido um índio à beira da morte, um velho e um
deficiente mental.
Cabe lembrar o ano em que o filme foi produzido – 1977 – antecedeu em apenas 3
anos a beatificação do jesuíta, processo que se arrastou por mais de 300 anos, e que Anchieta,
José do Brasil pode ter contribuído efetivamente para a difusão da sua fama de místico e de
taumaturgo. Além disso, a produção cinematográfica contou com a colaboração – durante sua
realização – e com a aprovação do Pe. Hélio Abranches Viotti S.J, religioso bastante atuante
nas comemorações que seguiram à instituição do Dia de Anchieta e apoiador da Causa de
beatificação e Canonização de Anchieta. O empenho do Pe. Viotti pela beatificação de
Anchieta fica evidente, tanto na palestra ―Anchieta e as Primeiras Famílias de São Paulo‖
(ANCHIETANA, 1965:101-115), proferida durante o Ciclo de Conferências promovido pela
Comissão Nacional do Dia de Anchieta, quanto na biografia – premiada com o primeiro lugar
no Concurso Literário promovido pela Comissão Nacional das Comemorações do Dia de
Anchieta, em 1965 – que escreveu sobre o missionário jesuíta:
Queremos crer que, desta nossa tentativa, surja um Anchieta mais humano e
mais ligado historicamente aos empolgantes sucessos da formação cristã da
nacionalidade brasileira, justificando melhor, se possível, o título que para
ela escolhemos de Apóstolo do Brasil. (VIOTTI, 1980:07)
20
Trecho final do ―Poema da Virgem‖, com mais de 6.000 versos, que, segundo a lenda, teria sido escrito por
José de Anchieta, durante seu cativeiro entre os Tamoios, nas areias da praia de Iperoig e transcrito, de memória,
para o papel.
21
Anchieta, José do Brasil (1977). Capítulo 12, 1h00m12s. O filme aborda o polêmico episódio da condenação
do francês, apresentando-o como aliado de Calvino e Lutero, herege e aliado dos tamoios, responsável pelas
mentiras e intrigas contra os jesuítas, mas sem apresentar Anchieta como seu algoz, pelo contrário. Numa das
cenas, enquanto o jesuíta mostra compaixão com o ―herege‖, Bolés zomba do Bispo e dele, chamando a Ordem
de ―belicosa companhia‖. O Bispo, por sua vez, afirma que ele deve ir embora de São Vicente e que será
denunciado às justiças eclesiásticas. Já Anchieta diz não permitir que ele desonre os jesuítas e fala da salvação
humana através da Virgem Maria. Na cena seguinte, Bolés aparece nos autos de confissão e, em seguida, se
autoflagelando.
22
Anchieta, José do Brasil (1977). Capítulo 5, 25m40s.
Este último depoimento, além de atestar a estreita relação existente entre Igreja e
Estado no período que analisamos, aponta para a polêmica que o filme provocou, desde o
início de suas filmagens, e que, parece ter, efetivamente, feito com que o filme deixasse de
colaborar para o andamento do processo da canonização do missionário jesuíta José de
Anchieta.
CONSIDERAÇÕES FINAIS.
FONTE.
ANCHIETA, JOSÉ DO BRASIL. Direção: Paulo César Saraceni. Produção: Santana Filmes e
Embrafilme. Roteiro: Paulo César Saraceni e Marcos Konder Reis. Intérpretes: Ney Latorraca, Luiz
Linhares, Maurício do Valle, Joel Barcelos, Hugo Carvana, Ana Maria Magalhães e outros. São Paulo:
Macvideo, 1977. (140 min).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
ALMEIDA, Milton José de. Cinema Arte da Memória. Campinas, SP: Autores Associados,
1999. 150p.
ALVIM, Davis M., COSTA, Ricardo. Anchieta e as metamorfoses do imaginário medieval na
América portuguesa. Revista Ágora, Vitória, n.1, 2005, p. 1-19
AMARAL, Álvaro do. O Padre José de Anchieta e a Fundação de São Paulo. São Paulo:
Imprensa Oficial do Estado, 1971. 550p.
ANCHIETANA. 1965. Comissão Nacional para as Comemorações do ―Dia de Anchieta‖. São
Paulo: Gráfica Municipal/Divisão do Arquivo Histórico/Prefeitura do Município de São Paulo. 447p.
Abstract: This research aimed to analyze how the modernity was built in the context of Belle
Époque (1907-1914), in the city of Rio de Janeiro, according to Fon- Fon which was a weekly
magazine, published in the beginning of the 20th century and recognized as a way to be
updated on the Carioca's society.
1
Este artigo apresenta algumas das reflexões apresentadas na dissertação de mestrado Madames, mademoiselles,
melindrosas: ―feminino‖ e modernidade na revista Fon-Fon (1907-1914), defendida em abril de 2010 no
Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de Brasília (PPGHIS/UnB), desenvolvida com auxílio
da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
2
Mestre em História Social pela Universidade de Brasília (UnB) e professora do Instituto de Educação e Ensino
Superior de Samambaia (IESA). Contato com a autora: fabianamacena@yahoo.com.br
Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua ―política geral de verdade‖:
isto é, os tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros;
os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados
verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; as técnicas
e os procedimentos que são valorizados para a obtenção da verdade; o
estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona como
verdadeiro. (FOUCAULT, 2007: 12)
Naquelle tempo a imprensa não era como è hoje... Quem ainda não ouviu de
uma velha bocca tradicionalista esta saudosa phrase evocativa?
– Mas então como seria a imprensa naquelle tempo?
– O jornal era um doutrinador, o artigo de fundo uma fonte segura de
orientação publica.
Não era preciso pensar, não era preciso ter opinião. Dava-se o facto,
realizava-se o successo e o povo aguardava no dia seguinte, o jornal da sua
predilecção para saber como era que elle pensava. Acontecia pensar quasi
sempre como o leitor, e a opinião estava formada. (...)
Naquella época o leitor tinha tempo para se deixar ficar em casa,
commodamente, em trajos familiares, refestellado numa cadeira de balanço e
ler demoradamente as profundas considerações do artigo de fundo. Hoje o
leitor, entre dois goles de café ou uma viagem rapida de automovel, precisa
já estar sciente de todas as novidades e de todos os negócios do dia.
O artigo de fundo morreu... por falta de tempo para ser lido.
O automovel substituiu o bond e o carro, a eletricidade depoz o gaz e a vela,
o que se procura hoje é attingir a velocidade maxima para applicação do
maximo tempo. Se o jornal tivesse ficado no seu moroso e longo feitio
antigo, morria por falta de leitores e a imprensa entraria para o rol das cousas
inuteis.
Entretanto, hoje dá-se o contrario, todo o mundo quer ler, não ha quem possa
passar um dia sem comprar um jornal. Antigamente o jornal era uma especie
de privilegio das camadas superiores.
O tempo é outro e com a mudança do tempo, mudou a vida, mudaram os
habitos do homem.
E o jornal não póde deixar de ser o reflexo exacto da época em que vive.
(Fon-Fon. Anno VI, n.27, 06 de julho de 1912)
Com base na fórmula ―ágil, leve e sintética‖, a revista ressalta o humor, a ironia, a
crítica, a ilustração. Como anunciado desde o primeiro número, tratava-se de um ―semanário
alegre, político, crítico e esfusiante‖ uma folha ―folgazã‖, que brinca com tudo aquilo que é
considerado sério. Como exposto pela revista:
O periódico avisa: ―salve-se quem puder!‖, pois, como o automóvel, vinha a toda
velocidade, e como este último, muitas vezes atropelava, não poupando nada nem ninguém.
Assim, com charges, ilustrações, piadas e outros elementos, ou seja, por meio da ironia, do
humor e da sátira, a publicação republicana procurava fazer rir e, ao mesmo tempo, também
fazia a crítica social, questionava e denunciava, atribuindo sentidos a tudo que se anunciava
como novo.
Segundo Elias T. Saliba, este momento do século XX, ―século da luz e da
velocidade, século da síntese e da rapidez‖, apresentava-se como conturbado, pleno de
“O RIO CIVILISA-SE”...
Freguezia:
poucas palavras apenas a guiza de apresentação. Uma pequena... ―corrida‖,
sem grandes dispendios de ―gazolina‖, nem excessos de velocidade. Para um
jornal agil e leve como o FON-FON!, não póde haver programma
determinado (deviamos dizer distancia marcada). Queremos fazer rir, alegrar
a tua boa alma carinhosa, amado povo brasileiro, com a pilheria fina e a
troça educada, com a gloza inoffensiva e a gaiata dos velhos habitos e dos
velhos costumes, com o commentario leve ás cousas de actualidade. (...) E
prompto. Não havera assumpto mais sobrecasaca preta, mais cartola, mais
Instituto Histórico, que ressista á ferina expressão desta ―sirene‖ bohemia.
3
Criado em 1838, o IHGB foi o grande responsável, no século XIX, por uma produção historiográfica que
procurou definir os contornos da nação brasileira. Segundo Manoel Luiz Salgado Guimarães, ―A leitura de
história empreendida pelo IHGB está, assim, marcada por um duplo projeto: dar conta de uma gênese da Nação
brasileira, inserindo-a, contudo, numa tradição de civilização e progresso (...).‖ (GUIMARÃES, 1988: 08)
4
Como destaca Guimarães, o IHGB, espaço por excelência da produção historiográfica no Brasil fora
organizado tal como uma ―academia de escolhidos e eleitos a partir de relações sociais, nos moldes das
academias ilustradas que conheceram seu auge na Europa nos fins do século XVII e no século XVIII. O lugar
privilegiado da produção historiográfica no Brasil permanecerá até um período bastante avançado do século XIX
vincado por uma profunda marca elitista, herdeira muito próxima de uma tradição iluminista‖. (ibidem: 05)
5
Sobre a criação da Academia Brasileira de Letras como novo espaço de sociabilidade e as tensões decorrentes
de seu estabelecimento ver: BROCA (2004). Elias Thomé Saliba ressalta a ambigüidade do relacionamento
desses ―intelectuais boêmios‖ com a Academia Brasileira de Letras. Considerado espaço de legitimidade pública
para a intelectualidade brasileira, esses humoristas, muitas vezes rejeitados, ―punham-se a ironizar com as armas
que a vocação lhes dera as instituições que os rejeitavam, mas que, de alguma forma, como intelectuais, eles
também secretamente ambicionavam‖. (SALIBA, 2002: 144)
serem mais frescos nos verão e menos atingidos pelas febres, os ricos cada
vez mais optavam por se mudar para locais antes usados apenas para
descansos semanais esporádicos ou para uma semi-aposentadoria refinada, e
esses bairros se tornaram práticos para as idas diárias para a Cidade Velha.
(ibidem: 48)
A MODERNIDADE DA FON-FON
6
No caso do Rio de Janeiro, José Murilo de Carvalho afirma que a população da cidade alterou-se
significativamente em ―número de habitantes, de composição étnica, de estrutura ocupacional‖. Segundo o
autor, a população quase dobrou entre 1872 e 1890, ―passando de 266 mil a 522 mil‖. Este aumento seria
resultado, principalmente, do êxodo de libertos provenientes da região cafeeira do estado e do afluxo de
imigrantes estrangeiros, principalmente portugueses. (CARVALHO, 1987:16). Susan Besse também destaca
que, com a reforma urbana do Rio de Janeiro, ―as oportunidades comerciais e de emprego em expansão atraíam
estrangeiros e migrantes rurais‖, promovendo o aumento continuo da população, que de 1890 a 1920 mais que
duplicou, atigindo a cifra de 1.157.873 habitantes. (BESSE, 1999: 17).
7
Berman afirma que o Futurismo foi um movimento de defensores apaixonados da modernidade, com um desejo
de ―fundir suas energias com a tecnologia moderna e criar um mundo novo.‖ Entretanto, para o autor os
futuristas levaram a celebração da tecnologia ao extremo, distanciando-se do povo. (BERMAN, 1986: 24-25).
Deste modo, como bem observa André Azevedo, a idéia de civilização está
intimamente interligada com outros termos: progresso material e social, ao ―avanço em
diversos campos da vida social‖. Nesse sentido, progresso era significado como ―dimensão de
desenvolvimento material‖, imprescindível à civilização, ao adiantamento de uma
determinada sociedade, ao ―estado de adiantamento e cultura social‖ (ibidem: 237).
É recorrente na revista Fon-Fon o investimento na idéia de que o Rio de Janeiro
―civilisa-se‖, naquele segundo sentido – o do século XX. E um dos condutores do progresso
material e social, segundo esses colaboradores, é o ex-prefeito Pereira Passos. Seu nome
torna-se sinônimo de mudanças, de melhoramentos, de progresso, de avanço material e social,
mesmo anos após sua gestão como prefeito do Rio de Janeiro, como se pode observar em uma
das crônicas da revista:
A nossa percepção eshetica ainda está nos seus primeiros passos; ensaia
ainda a sua firmeza e o seu desenvolvimento. Quando nos mettemos nesses
assados de exhibir bom gosto, vem-nos logo depois o desejo intenso de
apresentarmos justamente varios attestados do nosso... máo gosto. E é assim
officialmente e é assim particularmente.
Quando nos sobra o dinheiro, o nosso primeiro cuidado é mandar construir
uma casa. Arranjamos architectos de nome, conhecedores da materia,
encommendamos-lhes os planos, encarregamol-o da construcção. (...)
Vão passando os tempos; as necessidades da familia começam a augmentar.
Começamos então a notar defeitos e insufficiencias na casa que nos parecia
uma obra prima. (...)
Chamamos então o mestre de obras, elle faz o orçamento e ao attentado é
comettido. Agora, sim, de accordo com o peso da nossa comprehensão a
casa... lucrou extraordinariamente.
Em pouco tempo a linda casa architectada pelo cerebro competente do
constructor, não é mais um amontôo de remendos. É quando então ella
começa a nos agradar. (Fon-Fon. Anno VI, n.20, 18 de maio de 1912)
Note-se que as mudanças do espaço físico são fundamentais para que, também os
indivíduos, se tornem civilizados. Por isso, as melhorias promovidas no espaço urbano são de
suma importância, pois sem elas, o Rio de Janeiro e o país não seriam de maneira alguma
―adiantado, civilisado, progressista‖. Entretanto, os colaboradores ensinam que somente os
melhoramentos não garantiriam a civilização de um povo. Pois a organização racional,
imprescindível para o progresso, não depende apenas da reconfiguração urbana, mas,
sobremaneira, da organização dos serviços e pelo apreço pela coisa pública. Logo, depende da
sociedade como um todo. Desta forma, não se trata apenas de demolir antigos casarões, varrer
Não nos valeu, neste pequeno ponto defeituoso o ar civilisado que, ha quatro
annos, anda a soprar sobre os destinos da nossa pacata vida carioca.
Ficaram-nos, como tradicção, estes restos de atrazo, estas pequena nugas de
velharias, que andam a entortar a nossa fama de supercivilisados.
De nada nos serviu a abertura de Avenidas largas e confortaveis; de nada nos
serviu a corrente emigratoria de palavras estrangeiras para uso e rotulo da
nossa vida mundana, introduzidas no desengonço selvagem da nosa língua
pelo up-to-datismo do Capitão Luiz Edmundo, poeta e mundano, pelo
smartismo do Figueiredo Pimentel e de todos esses esforçados
propagandistas da alta vida de requintes de luxo.
Atrellados á vida nova, como agarrado á antiga vida, os nossos máos habitos
resistem á acção benefica do Tempo e da Civilisação. (Fon-Fon. Anno VI,
n.04, 27 de janeiro de 1912)
O que podemos observar é que, além de anunciar um novo tempo, no qual impera
a rapidez e a agilidade, o cronista também proclama, nessa defesa pelo progresso social, um
novo sentido para o trabalho, sob a lógica do capitalismo moderno. Este é para àqueles que,
assim como o novo momento, são modernos, dinâmicos, homens de sua época. E vale dizer
que é aberto a todos, desde que resolvam ―viver dentro de nossa épocha‖. Este apelo estaria
em consonância com um novo momento.
Contudo, não somente críticas aos hábitos ditos antigos são feitas nas páginas da
Fon-Fon. A mesma também repreende, sempre de modo bem-humorado, os ―excessos de
civilização‖ empreendidos pela sociedade carioca. Um exemplo disso é o que a revista
identificou como ―up-to-datismo‖ dos padres que, no afã de serem modernos, suprimiam
Tal afã modernizador tinha, de acordo com os colaboradores, limites. Nem todas
as tradições deveriam ser abolidas. Era necessário, em casos como o da religião, manter as
tradições. O cronista defende a coexistência entre o antigo e novo, movimento e ambigüidade
próprios da modernidade.
Modernizar não significava apenas demolir antigos casarões, varrer antigas ruelas
e erigir o novo. Também era necessário ordenar a sociedade segundo a lógica moderna, isto é,
produzir, ―corpos dóceis‖ (FOUCAULT, 2009), corpos assujeitados à lógica da
docilidade/utilidade do projeto modernizador e civilizador. Progresso material e social, ou
seja, mudar a face material da cidade e também a humana, introduzindo mudanças e
assegurando, ao mesmo tempo, a manutenção da ordem patriarcal, capitalista e católica.
Mudar algumas coisas e manter outras nessa lógica da relação docilidade/utilidade.
FONTE.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
RESUMO: Este trabalho tem como objetivo estudar a ansiedade da juventude contemporânea
da segunda metade do século XX a partir de letras de músicas dos grupos The Doors (1967-
1971), Joy Division (1977-1980) e Nirvana (1989-1994). O trabalho procura mostrar, a partir
da reflexão teórica de autores que tratam da ansiedade do homem contemporâneo em relação
ao tempo e à história, que a ansiedade desses jovens pode ser vista como um rito de passagem
específico de nossa cultura e revela, numa perspectiva mais ampla, uma tensão do homem
contemporâneo entre a consciência do enraizamento na história e o desejo de ultrapassar essa
condição histórica.
ABSTRACT: This work has as objective studies the contemporary youth‘s of the second half
of the century anxiety XX starting from letters of music of the rock groups The Doors (1967-
1971), Joy Division (1977-1980) and Nirvana (1989-1994). The work search to show, starting
from the authors‘ theoretical reflection that they treat of the contemporary man‘s anxiety in
relation to the time and to the history, that the anxiety of those young ones can be seen as a
especific rite of passage of our culture and he reveals, in a wider perspective, a tension of the
contemporary man among the conscience of the rooting in the history and the desire of
crossing that historical condition.
1
Graduada em História pela UFPI, bacharel em direito pela UESPI e mestre em História do Brasil pela UFPI.
Atualmente, a autora é professora da Secretaria de Educação do Estado do Piauí e membro do grupo de
pesquisas ―História, Cultura e Subjetividade‖, filiado ao CNPq. Contato com a autora: emilia.nery@gmail.com
rock, suas letras, melodias e atitudes os singularizaram em suas gerações, ainda mais pelo fato
de que os seus líderes e letristas tiveram mortes trágicas que marcaram a história do rock8.
2
Apesar do conceito de ansiedade ter sido apropriado pela psicanálise, nada impede de abordá-lo numa
perspectiva histórica como uma ansiedade coletiva e da juventude. Adota-se o conceito clássico de ansiedade
como ―[...] o medo de uma perda‖. (FREUD, 1976: 460).
3
ELIADE, Mircea. Simbolismo religioso e valorização da angústia. In: Mitos, sonho se mistérios. Lisboa,
Portugal: Edições 70, 1989, pp. 43-54; Idem. O terror da história. In: O mito do eterno retorno. São Paulo:
Mercuryo, 1992, pp.123-137.
4
―[...] movimentos jovens que [...] ganhariam forma nos anos 1960 através das propostas de cunho libertário,
impulsionando lutas como a do Feminismo, contra o Racismo, pelos direitos civis, contra a Guerra do Vietnã e
contra o autoritarismo [...] assim como reivindicariam o direito à diferença comportamental em relação à cultura
oficial do sistema capitalista.‖ (BOSCATO, 2006: 21.).
5
Banda de rock, que surgiu em 1967 na cidade norte-americana de São Francisco. O grupo era composto por Jim
Morrison (vocal), Ray Manzarek (teclas), Robby Krieger (guitarra) e Jonh Desmore (bateria).
6
Banda pós-punk, que por volta de 1976 surgiu na cidade inglesa de Manchester. O grupo era formado por Ian
Curtis (vocal), Bernard Sumner (guitarra), Peter Hook (baixo) e Stephen Morris (bateria).
7
Banda ―grunge‖ que surgiu em 1986 na cidade norte-americana de Seattle. Sua formação principal era: Kurt
Cobain (vocal e guitarra), Krist Novoselic (baixo) e Dave Grohl (bateria).
8
Com exceção de Jim Morrison, os demais líderes e compositores dos referidos grupos de rock se suicidaram.
Foi em 1967, quando boa parte dos movimentos juvenis viviam empenhados
no culto da paz e do amor, quando São Francisco abrigava a grande fuga
hippy, quando os Beatles aderiram ao orientalismo e o status que recuperava
comercial e culturalmente a paz, o amor e a flor. Jim Morrison descendente
dum marujo que não suportava terra firme, insistiu com os Doors, em apelar
para a violência e para o caos [...] em demandar praias distantes e portos por
achar. (GOMES, 1992: 11).
Ian Curtis foi um cantor e autor de letras para canções com raro poder
visionário [...] Eu vivia Manchester nessa altura, um londrino transplantado
para o noroeste. A Joy Division ajudou a orientar-me na cidade. Via este
novo ambiente através dos olhos deles – [‗ao longo da rua escura, as casas
parecem iguais‘] – e senti-o através da atmosfera poderosa gerada pelos seus
discos e pelos concertos. [...] Quando se é novo, a morte raramente faz parte
do nosso mundo. Quando Ian Curtis se suicidou em maio de 1980, foi a
primeira vez que muitos de nós se encontrou perante a morte: o resultado foi
um choque tão profundo que se transformou num trauma sem solução, uma
ruptura na história social de Manchester (Chester louca) [...] (SAVAGE.
Apud CURTIS, 1996: 11-12)
Por fim, sobre a relação do grupo Nirvana com os valores e ansiedades dos jovens
da geração dos anos 1990, mostra-se que:
Porém, a perda da noção de grupo representa para esses jovens uma modificação
na escala de valorização dessa identidade grupal que, ao não mais servir de base ou
referencial para esses jovens, passa por um processo de fragmentação até ser abandonada em
nome de uma identidade menos abrangente e até mesmo individual. Processo esse que se dá,
nas letras de música, através da substituição do discurso na primeira pessoal do plural, o
―nós‖, pelo discurso na primeira pessoa do singular, o ―eu‖.
A identidade individual, o ―eu‖, embora seja um refúgio diante da ameaça de
perda de referenciais que caracteriza um rito de passagem, também vai ser questionada e
passará por um processo de perda e transformação. Os sinais da desestruturação do ―eu‖, da
identidade individual, são: os sentimentos de estranheza para o mundo e consigo mesmo e a
despersonalização, que se encontram nos seguintes trechos musicais:
As pessoas são estranhas quando nós o somos/ Feias são as caras quando nos
vemos sós/ Toda mulher que nos rejeita nos parece perversa/ As ruas são
tortuosas quando estamos em baixo/ Quando nos sentimos estranhos,
surgem-nos caras através da chuva/ Quando nos sentimos estranhos,
ninguém se lembra do nosso nome. (MORRISON, 1968)
Nós fomos estranhos e distantes, distantes, distantes/.../ Cada vez mais
tênues, pode ser que o tempo passe/.../ Eu no meu próprio mundo, aquele
que tu conhecias. (CURTIS, 1979)
O que há de errado comigo?/ Do que é que eu preciso?/ O que penso que
penso? (COBAIN, 1993)
Moça, pobre moça, abandonada e só/.../ e mal podes crer na impressão que
me faz ver-te chorar/... rebenta com essas grades, dissolve-te hoje mesmo.
(MORRISON, 1968).
O destino desenrolou-se, eu vi-o escapar-se/.../ Orações solitárias por tudo
que eu gostaria de guardar. (CURTIS, 1980).
O tema do amor é talvez o mais presente nessas letras de música rock estudadas.
Ele é um dos grandes recursos utilizados por esses jovens para aplacar a ansiedade diante do
tempo e escapar do isolamento cada vez mais próximo.
Existem, em geral, dois conceitos de amor: o amor a si, o que corresponde a um
instinto de preservação, e o amor ao outro. Nas referidas letras de músicas, o amor é
concebido como uma necessidade biológica, associado ao prazer sexual e a uma necessidade
existencial, vinculado à fuga ou combate da solidão e do tédio. Nesses dois casos, essa
necessidade é sentida, proclamada e desejada diante de um tempo que se esvai e do qual é
necessário viver de forma intensa e urgente.
Não te precipites se queres que o amor dure [...] Vai devagar, verás que tu
sabes cada vez melhor. (MORRISON, 1967)
Não te vás embora, em silêncio. (CURTIS, 1979)
Mas tu já suspeitas/ Vou aproveitar enquanto/ tu me suportares/ Mas não
poderia te ver todas as noites/ De graça [...] Espero que tenhas tempo.
(COBAIN, 1993)
Nota-se nessa letra de música que esse momento final era vivido com expectativa,
uma espera ansiosa de algo ruim e temeroso, mas que era inevitável acontecer. Esse momento
final da morte é visto como uma travessia difícil e seguido de interrogações e visões
pessimistas sobre o futuro.
A morte simboliza em determinadas letras de rock o fim do tempo da juventude;
denunciando a impossibilidade de se escapar da finitude do tempo.
É o fim, amigo querido/ é o fim, amigo único, o fim/ dos planos que
forjamos, o fim/ de tudo o que era firme, o fim/sem apelo ou surpresa, o fim/
Nunca mais te olharei nos olhos. / Vê se imagina o que vai ser de nós, /
iluminados e libertos, desesperadamente necessitados da mão dum estranho/
num mundo desesperado?/ Perdidos num romano deserto de mágoas, / com
todas as crianças atacadas pela loucura, à espera da chuva de Verão/.../ O
autocarroazul chama por nós. / Aonde nos leva, senhor condutor?
(MORRISON, 1968)
Levado pela força, / marcado o território, / o prazer abandonado, / oh, já
perdi o coração/ corrompido pela memória, / o poder destruído, / está a
crescer lentamente, / essa hora derradeira /.../ mantenham a distância, por
favor, / a trilha conduz aqui, / há sangue nas tuas mãos, / brotando do medo.
/ bati-me para nada/ esforcei-me duramente/ tentei alcançar-te/ e tratas-me
JOY DIVISION.
An Ideal for Living. Oldham: Pennine Sound Studios, 1978 (12 min).
Unknown Pleasures. Stockport: Strawberry Studios, 1979 (39 min).
Sordide Sentimental. Rochdale: Cargo Studios, 1980.
Love Will Tear Us Apart. Stockport: Factory Records, 1980 (6 min).
9
Dentre esses, destacam-se: FERRÃO, Ana Cristina. Kurt Cobain. Nirvana. Lisboa: Assírio & Alvin, 1995;
GOMES, João Manuel. Jim Morrison. Uma oração americana e outros escritos. Lisboa: Assírio & Alvin, 1992 e
OLIVEIRA, José Alberto. Ian Curtis / Joy Division. Antologia poética. Lisboa: Assírio & Alvin, 1995.
NIRVANA.
Bleach. Seattle: Reciprocal Recordings, 1989 (42 min).
Nevermind. Los Angeles: Sound City Studios, 1991 (42 min).
Incesticide. [s/l]: [s/n], 1992 (44 min).
In Utero. Minnesota: Pachyderm Studios, 1993 (41 min).
Unplugged in New York. Nova Iorque: Sony Studios, 1994 (53 min).
THE DOORS.
The Doors. [s/l]: Elektra Records, 1967 (44 min).
Strange Days. [s/l]: Elektra Records, 1968 (34 min).
Waiting for the sun [s/l]: Elektra Records, 1969 (32 min).
Morrison Hotel. [s/l]: Elektra Records, 1970 (37 min).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
ABRAMO, Helena Wendel. Cenas juvenis: punks e darks no espetáculo urbano. São Paulo:
Editora Aberta, 1994.
BOSCATO, Luiz. Vivendo a sociedade alternativa: Raul seixas no panorama da contracultura
jovem. 2006. Tese. (Doutorado em História) – USP, São Paulo, 2006.
BRUM, José Thomaz. O pessimismo e suas vontades. Rio de Janeiro: Rocco, 1998, p. 37-39.
CARDOSO, Ruth & SAMPAIO, Helena. Bibliografia sobre a juventude. São Paulo: Edusp,
1995.
CURTIS, Deborah. Carícias distantes. Biografia de Ian Curtis. Lisboa: Assírio & Alvin, 1996.
ELIADE, Mircea. Simbolismo religioso e valorização da angústia. In: Mitos, sonho se mistérios.
Lisboa, Portugal: Edições 70, 1989, p. 43-54.
______. O terror da história. In: O mito do eterno retorno. São Paulo: Mercuryo, 1992.
FERRÃO, Ana Cristina. Kurt Cobain. Nirvana. Lisboa: Assírio & Alvin, 1995.
FREUD, Sigmund. Luto e Melancolia. In: Edições Standard Brasileira das Obras Psicológicas
Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago Editora, v. XIV, 1974, p. 275-291.
______. Ansiedade. In: Edições Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de
Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago Editora, v. XVI, 1976, p. 457-481.
______. Dor. In: Edições Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund
Freud. Rio de Janeiro: Imago Editora, v. I, 1977, p. 408-409.
LE GOFF, Jacques. Idades míticas. In: História e Memória. São Paulo: Unicamp, 1990.
NERY, Emília Saraiva. Devires na Música Popular Brasileira: As aventuras de Raul Seixas e as
Tensões Culturais no Brasil dos anos 1970. Dissertação. (Mestrado em História do Brasil) – UFPI,
Teresina, 2008.
OLIVEIRA, José Alberto. Ian Curtis / Joy Division: Antologia poética. Lisboa: Assírio &
Alvin, 1995.
WASSERMAN, Cláudia. Identidade; conceito, teoria e História. In: Agora, Santa Cruz do Sul,
v.7, n.2, jul/dez, 2001.
Resumo: Este artigo objetiva discutir como as identidades de escravos e de seus descendentes
foram construídas nos meandros do tráfico negreiro e para além dele. Assim, discute como
aspectos relacionados à raça, à etnia, à origem, à ocupação e à condição jurídica
estabeleceram hierarquias e determinaram espaços na sociedade escravista a partir dos
discursos das elites letradas.
Résumé: Cet article vise à examiner comment l'identité des esclaves et leurs descendants ont
été construits dans les complexités de la traite négrière et au-delà. Ainsi, explique comment
les aspects de la race, l'ethnie, l'origine, le metier et le statut juridique mis en place des
hiérarchies et déterminés des espaces dans la société eclavagiste à travers le discours des
élites instruites.
1
Mestre em História Social pela Universidade de Brasília – UnB; Professora de História da rede pública de
ensino do Maranhão. Contato com a autora: marinelmameireles@hotmail.com
2
É importante destacar aqui algumas obras que embasam essa assertiva, evidentemente existem outros autores,
cujos trabalhos enriquecem o tema, contudo, para este texto as referências que seguem contemplam a discussão:
FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala. 34ª Edição. Editora Record: Rio de Janeiro - São Paulo,
1998.‘Essa clássica obra de Gilberto Freyre teve sua primeira edição publicada em 1933 e a mais recente, 50ª
edição, em 2005. Casa Grande & Senzala é considerada um marco dos estudos sobre a formação do Brasil.
TANNENBAUM, Frank. Slave and citizen: The Negro in the Americas. New York: A A Knopf, 1947;
CARDOSO, Fernando H. Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional: O negro na sociedade escravocrata do
Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1962; IANNI, Octávio. As metamorfoses do escravo. São Paulo:
Difel, 1962; FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. Ensaios de Interpretação
Sociológica. Vol. 1. FFCL/USP. São Paulo, 1964.
3
Para conhecer mais sobre o tema conferir: CALMON, Pedro. História do Brasil. São Paulo, 1939;
CALÓGERAS, João Pandiá. Formação Histórica do Brasil. 2. ed. São Paulo: Cia Ed Nacional, 1935; RAMOS,
Artur. As Culturas Negras do Novo Mundo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1937; SIMONSEN, Roberto
Cochrane. História Econômica do Brasil, 1500/1820. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1937; TAUNAY, Afonso
d‘Escragnolle. Subsídios para a história do tráfico africano no Brasil. São Paulo, 1941; CURTIN, Philip D.
Atlantic Slave Trade: A Census (the). Madison: Univ. Wisconsin Press, 1969; GOULART, Maurício. A
Escravidão Africana no Brasil – Das Origens à Extinção do Tráfico. São Paulo: Editora Alfa-Ômega, 1975;
PRADO JR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. [1a ed. 1942] São Paulo: Brasiliense, 1977;
MATTOSO, Kátia de Q. Ser Escravo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1982; CONRAD, Robert Edgar.
Tumbeiros. O Tráfico de Escravos para o Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1985; SCHWARTZ, Stuart B. Segredos
Internos: Engenhos e Escravos na Sociedade Colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 1995; FLORENTINO,
Manolo. Em costas negras: uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro: séculos XVIII e
XIX. São Paulo: Cia. das Letras, 1997; SCHWARTZ, Stuart. LOCKHART, James. A América Latina na época
colonial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
4
Sobre essa questão ver os seguintes trabalhos: SOARES, Mariza de Carvalho. ‗Mina, Angola e Guiné: Nomes
d‘África no Rio de Janeiro Setecentista. Tempo. Vol. 3 – nº 6. Dezembro de 1998, onde a autora considera que
ao retomarem a questão das procedências africanas, historiadores contemporâneos ainda tendem a se alinhar as
duas correntes de pensamento abertas por Nina Rodrigues e Sílvio Romero; REGINALDO, Lucilene. Os
Rosários dos Angolas: Irmandades Negras, experiências escravas e identidades africanas na Bahia setecentista.
Campinas, São Paulo, 2005, que alerta sobre referências recentes e essa divisão ‗como se os africanos
estivessem colocados em dois compartimentos estanques e limítrofes para os pesquisadores – os povos do oeste
africano (iorubas) na Bahia e os bantos no resto do Brasil‘.
Que qualquer um que duvide dos males da mistura de raças, e inclua por
mal-entendida filantropia, a botar abaixo todas as barreiras que as separam
venha ao Brasil. Não poderá negar a deterioração decorrente da amálgama
das raças mais geral aqui do que em qualquer outro país do mundo, e que vai
apagando rapidamente as melhores qualidades do branco, do negro e do
índio deixando um tipo indefinido, híbrido, deficiente em energia física e
mental (apud SCHWARCZ, 1993: 13).
5
O trabalho de M. d‘Avezac - então Vice-Presidente da Sociedade Etnológica de Paris e membro das Sociedades
Geográficas de Paris, Londres e Frankfurt - está inscrito no debate fundamental do século XIX sobre a
multiplicidade das raças humanas. Esse autor, face aos defensores da unidade da raça humana, argumenta que na
Bíblia há referência a três grandes ramos da raça branca. Para defender suas idéias M. d‘Avezac se apóia nos
estudos do zoologista inglês Swain sobre a subdivisão das três raças humanas em subgrupos. Esses subgrupos
seriam divididos internamente de forma tríplice também, como na divisão principal apresentando um tipo, um
subtipo e um grupo aberrante ou menos desenvolvido (Cf: CAPONE, 2000).
Nesse cenário contagiado por tais teorias a questão relativa à mistura das raças
imperou. Discutiu-se largamente o quão comprometido estaria a nação em decorrência desse
cruzamento, embora, é certo, não se pudesse negar a mestiçagem. Diante disso, os
‗intelectuais‘ buscaram saídas criativas para um país de negros e mestiços, cujo futuro,
prenunciado por pensadores da época, seria catastrófico (Cf: SCHWARCZ, 1993).
Em virtude de tal prognóstico, procurou-se ressaltar que do contingente de
escravos africanos trazidos para cá, vieram os povos considerados mais evoluídos, superiores
aos demais, ou seja, a mistura era inegável, contudo, a África contribuiu com o que tinha de
melhor.6
Tentou-se assegurar também na mistura a solução para elevar ‗raças inferiores‘,
visto que a ‗educação não poderia corrigir a suposta incapacidade das raças não brancas à
civilização‘. Propagava-se que o Brasil mestiço de hoje teria no branqueamento, em um
século, sua perspectiva, saída e solução. (LACERDA, 1911 apud SCHWARCZ, 1993:11). O
outro viés desse pensamento, todavia, estava na preocupação de que tal mistura étnica
pudesse ser danosa às supostas ‗raças superiores‘.
Em meios a calorosos debates, a mestiçagem tornou-se assunto determinante para
se pensar o futuro do país, como esclarece Schwarcz (1993: 13-14):
6
Sobre essa questão é oportuno mencionar que os primeiros estudos sobre a origem dos escravos africanos
introduzidos no Brasil consideraram a predominância Banto. Dentre esses estudos, podem ser destacados os
seguintes: MENDONCA, Renato Firmino Maia de. A Influência Africana no Português do Brasil. Rio de
Janeiro: Sauer, 1933. SOARES, José Carlos de M. Estudos Lexicográficos do Dialeto Brasileiro. Rio de Janeiro:
Imprensa Nacional, 1943. RIBEIRO, João. O Elemento Negro: Historia, Folklore, Lingüística. Rio de Janeiro:
Record, 1939. ROMERO, Sílvio. História da Literatura Brasileira. Rio de Janeiro: J. Olímpio, 1953.
Posteriormente as pesquisas de Nina Rodrigues trouxeram novos elementos para os estudos sobre os africanos
no Brasil, apontando uma superioridade numérica e intelectual dos sudaneses na população escrava da Bahia,
conforme será destacado adiante.
7
Sobre os trabalhos de Nina Rodrigues conferir: O Animismo Fetichista dos Negros Baianos publicado em
artigos da Revista Brasileira, entre 1896/1897 (tomos VI, VII e IX); e Os Africanos no Brasil. Essa obra de Nina
Rodrigues data de 1906, mas seu falecimento precoce adia em quase 30 anos a divulgação desse importante
trabalho. Somente em 1933 a obra foi publicada por Homero Pires.
(...) comumente são de nações diversas, e uns mais boçais que os outros e de
forças muito diferentes, se há de fazer a repartição com reparo e não às
cegas. Os que vêm para o Brasil são ardas, minas, congos, de São Tomé, de
Angola, de Cabo Verde e de alguns de Moçambique (...). Os ardas e os
minas são robustos. Os de Cabo Verde e de São Tomé são mais fracos. Os de
Angola, criados em Luanda, são mais capazes de aprender ofícios mecânicos
que os das outras partes já nomeadas. Entre os congos, há também alguns
bastantemente industriosos e bons não somente para o serviço da cana, mas
para as oficinas e para o meneio da casa (ANTONIL, 1997:89).
8
André João Antonil chegou ao Brasil no ano de 1681 na condição de visitador da Ordem da Companhia de
Jesus. Aqui escreveu Cultura e Opulência do Brasil no início do século XVIII. Essa obra destaca seu espírito
observador no detalhamento sobre as riquezas destas terras, um verdadeiro retrato da vida econômica do Brasil.
(Nota da Autora) .
Entrementes, ‗torna-se manifesto que a população escrava não era uma massa
indistinta de trabalhadores, visto que uma série de hierarquias estruturava essa população‘
Esses critérios demarcavam, de certo modo, os espaços ocupados pelos grupos, pois havia
aqueles nascidos no âmbito da sociedade brasileira, os crioulos; africanos recém-chegados à
colônia, conhecidos como boçais; e africanos mais ‗familiarizados‘ com a terra, porque que
estavam há mais tempo no Brasil, já falavam português, os chamados ladinos. ‗Essa
hierarquia baseada na cor e no local de nascimento acompanhava àquela outra, baseada na
ocupação, e com ela se cruzava‘ (SCHWARTZ & LOCKHART, 2002:58).
De uma forma ou de outra, o africano era associado a escravo mesmo quando com
essa denominação/condição coexistiam outras, pois aspectos relativos à origem, à cor, à
ocupação e à condição jurídica muitas vezes estruturaram a sociedade brasileira e estiveram
entranhados na mentalidade coletiva, tanto o é que a terminologia usada para descrever os
indivíduos de ascendência africana é bastante ilustrativa da hostilidade em relação a negros e
mulatos. O negro nunca deixava de ser ―pretinho‖ ou ―preto bruto‖. O mulato despertava
aversão devido à sua aparente arrogância e supostas pretensões, exemplifica Russell-Wood
(2005:122).
Quando alguém mencionava, no Brasil dos séculos XVIII e XIX, um
africano, o mais provável é que estivesse a falar de um escravo, pois nessa
condição amargava a maioria dos homens e mulheres, que vindos da África,
aqui viviam. Mas podia também referir-se a um liberto, ou seja, a um ex-
escravo. Ou a um emancipado, isto é negro retirado de um navio
surpreendido no tráfico clandestino. Ou, o que era mais raro, a um homem
livre que jamais sofrera o cativeiro (SILVA, 2003:157).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
ANTONIL, André João. Cultura e Opulência do Brasil por suas Drogas e Minas. São Paulo:
Melhoramentos, 2ª ed.; 1976.
ASSUNÇÃO, Matthias R.. Maranhão, Terra Mandinga. Boletim On-Line nº 20. Comissão
Maranhense de Folclore. Agosto, 2001.
Entrevista
1
Mestre em História Social pela Universidade de Brasília – UnB. Contato com o autor: malkerik@yahoo.com.br
R.E.D.H. O senhor poderia falar um pouco mais sobre essa relação entre Ricoeur, Foucault,
Derrida e a escrita da história?
J.C.R. Você saberia distinguir com clareza uma da outra? Elas se aproximam muito! O
sentido da distinção é que os historiadores não querem, não podem e não devem se deixar
tutelar por outra comunidade intelectual. Um historiador não pode fazer ―filosofia da
história‖, porque precisa diferenciar e demarcar a sua identidade e o seu território de
historiador. Então, ele diz que faz ―teoria da história‖. Pelo mesmo motivo, os sociólogos
fazem ―teoria sociológica‖, os antropólogos fazem ―teoria antropológica‖. Mas, os três
dependem fortemente dos filósofos. Quando o assunto é ―pensamento‖, não há como evitar os
clássicos da filosofia e o diálogo das ―teorias‖ das ciências humanas com a filosofia é intenso.
Nós acabamos de mencionar Ricoeur, Foucault e Derrida, sem os quais a ―teoria da história‖
contemporânea não seria possível. É imensa a influência das filosofias da história kantiana,
hegeliana, nietzschiana, marxiana, benjaminiana, sobre as ―teorias da história‖ dos últimos
três séculos. E esta influência se estendeu sobre as teorias sociológica e antropológica: Weber,
Durkheim, Elias, Bourdieu, Lévi-Strauss são, de certa forma, ―filósofos sociais‖. E nem os
economistas escapam da influência da filosofia. Você diria que Freud é um filósofo?
Portanto, a distinção entre as duas formas de tratar o pensamento histórico é
necessária, para que fique bem demarcada a diferença dos sujeitos da reflexão: o filósofo e o
historiador. O historiador se ―apropria‖, transformando e adaptando aos seus objetos, das
R.E.T.H. Alguns historiadores diriam que a escrita da história contemporânea está cada vez
mais dependente de injunções do tempo presente. Como o senhor analisa esta relação?
J.C.R. Por um lado, acho que uma historiografia ―dependente das injunções do presente‖ é
muito melhor, porque está a serviço da Vida. Esta presença do presente veio se radicalizando
a partir do século XIX, a partir das provocações de filósofos como Marx e Nietzsche, que
insistiram sobre a necessidade do conhecimento histórico servir à práxis e à Vida. A história
não podia continuar a ser um conhecimento do passado pelo passado, um congelamento do
presente. Com os Annales, esta ―perspectiva presentista‖ se radicalizou na história-problema e
no método regressivo/retrospectivo. Para Bloch, a ―história é a ciência dos homens no tempo‖
e não do passado pelo passado, é um diálogo dos homens do presente com os homens do
passado com os quais tem afinidade. O historiador precisa olhar em torno de si e perceber as
necessidades não formuladas do presente e formulá-las, transformá-las em uma investigação
histórica, que traga informações aos homens do presente. É o homem vivo que se interessa
pela história, é a ele que o historiador se dirige e deve tratar de temas do seu interesse. Na
verdade, a historiografia sempre foi do presente, mesmo aquelas que excluíram o presente do
seu ponto de vista.
Por um lado, isto é ótimo. Mas, por outro, há riscos que devem ser controlados: o
anacronismo, o relativismo, o modismo, a trivialidade temática, um certo empobrecimento,
uma certa perda de densidade da historiografia, que tratará somente do que pode ver e tocar,
incapaz de alçar vôos mais altos de abstração histórica.
R.E.T.H. Ainda nesta linha, gostaria de questioná-lo sobre os estudos no campo da história
cultural. O volumoso número de estudos em torno de objetos até pouco tempo marginais
trouxe fortes críticas a esse campo da historiografia, sendo mesmo acusada de ser uma
história carente de maior significação, ou um "artigo de perfumaria". O leque de
R.E.T.H. O momento atual demonstra uma relação mais estreita entre produção
historiográfica e mercado cultural até então inédita. Gostaria de fazer uma pequena
referência ao texto "O historiador sem tempo", de Antonio Celso Ferreira, que afirma que
"diante da ruidosa indústria do mundo hoje, que nos transforma em fluxos culturais cada vez
mais rápidos, obrigando-nos a anunciar produtos e nos anunciar como produtos, talvez valha
a pena recordar o que disse Nietzsche: 'Alguém deve falar apenas quando não deve ficar em
silêncio'". Como o senhor entende essa aproximação entre história e mercado cultural?
R.E.T.H. O senhor afirmou que "a dita 'história cultural' é a historiografia do mundo pós-
89". Como o senhor percebe a produção historiográfica no pós-89, especialmente a
brasileira?
J.C.R. Se concordamos que a historiografia sempre foi do presente, inclusive aquelas que
recusaram a sua relação com o presente, a ―história cultural‖ pertence a este mundo pós-
Guerra Fria, pós-Queda do Muro de Berlim. A historiografia marxista, antes, tematizava no
passado o que interessava à sua práxis revolucionária no presente: revoluções, greves, lutas
sindicais, congressos de classe, biografia das lideranças partidárias, escravos rebeldes, ataques
de escravos contra senhores, quilombos. O presente pós-89 não tem nada a ver com esta
abordagem da ―luta de classes‖ e a história cultural trata no passado de escravos que
conseguiram ascender, obter alforria, acumular patrimônio, dentro de um sistema escravista
incontestável e até consensual. Ela descreve as estratégias, as negociações feitas por
indivíduos e grupos de escravos para sobreviverem naquela ordem adversa ―sugerindo‖ que
os ―escravos do presente‖ façam o mesmo.
Por um lado, isto é excelente: a historiografia não poderia continuar a mesma pré-
1989, como se o projeto do Leste ainda estivesse em vigor. Ela tinha de mudar, para
acompanhar o processo histórico. A ―história cultural‖ pode ser vista de duas formas:
positiva, porque não estimula a autovitimização dos oprimidos, valoriza a ―resistência‖
daqueles que dizem sim à vida procurando integrar-se à ordem estabelecida; negativa, porque
abandonou a força própria da historiografia que é de ser crítica do sistema, do poder, da
dominação e opressão e pode-se questionar o seu compromisso com a ética.
Eu destacaria duas obras importantes sobre este ―regime de historicidade
presentista‖ (Hartog): Campos da Violência, de Silvia Lara, e Chica da Silva, de Júnia
Furtado. Elas falam de uma ―escravidão consensual‖, das estratégias de acomodação e
adaptação à ordem escravista dos escravos, que é uma projeção no passado da práxis possível
no mundo pós-89.
J.C.R. Vivemos um novo tempo após a Queda do Muro de Berlim. O paradigma dos Annales
– o evento estruturado – era adequado àquela época de combate à instabilidade revolucionária
e não se impôs somente à historiografia brasileira, mas à historiografia ocidental. A ―longa
duração‖ era contra toda iniciativa de mudança radical e esvaziou a experiência histórica da
subjetividade. O interesse por estas outras escolas talvez possa ser explicado dessa forma: ―o
retorno da subjetividade‖ à historiografia, uma subjetividade excêntrica, que resiste à norma,
sem poder para mudá-la inteiramente, embora seja capaz de transformá-la. Foram sobretudo
os italianos que insistiram no indivíduo/grupo ―diferente‖, ―anormal‖, ―excêntrico‖, que não
se submete a séries quantitativas probabilísticas, que fazem um ―uso inventivo da norma‖. É
um mundo que exige um olhar múltiplo tanto dos que o estão vivendo quanto dos que o
analisam, os historiadores e cientistas sociais. A historiografia mais adequada a este momento
é a da ―variação das escalas‖, em que a subjetividade é estruturante e estruturada e sua análise
exige um ―jogo de escalas‖.
R.E.T.H. Diante de mudanças cada vez mais velozes, também a narrativa historiográfica é
alvo de debates quanto à necessidade de um exame crítico de sua produção. Quais seriam os
pontos e aspectos que o senhor salientaria para que esse não se torne um mero inventário?
R.E.T.H. Professor José Carlos Reis, nós agradecemos a honra que o senhor nos dá em
entrevistá-lo.
J.C.R. Caro Eric, obrigado pela boa conversa. Espero ter atendido à expectativa dos alunos da
pós-graduação da UnB.
Fevereiro de 2010.
Resenha
HUMANISMO COSMOPOLITA
ESBOÇO DE UMA IDEIA DE HUMANIDADE COMO PRINCÍPIO REGULADOR DO
COSMOPOLITISMO EUROPEU
1
Mestrando em História Cultural pela Universidade de Brasília – UnB. Bolsista Capes. Contato com o autor:
johnnyrobertorosa@hotmail.com
2
Ulrich Beck é sociólogo, professor da universidade Ludwig-Maximilians, de Munique, e da Escola Londrina de
Economia e Ciências Políticas. Desde 1992, tem sido professor de Sociologia e diretor do Instituto de Sociologia
da Universidade de Munique. De 1995 a 1997 foi membro da Comissão para Questões Futuras do Estado da
Bavária e Saxônia. É editor, desde 1980, do jornal de Sociologia Soziale Welt, e autor e editor de vários artigos e
livros, além de ser um dos principais tradutores de idéias sociológicas contemporâneas do alemão para o inglês.
Sua importância no campo da Sociologia, e das ciências sociais em geral, é incontestável, julgando sua extensa e
ininterrupta evidência de publicações em alemão e inglês desde a publicação de seu determinante Risk Society,
em meados de 1980.
Edgar Grande é cientista político e ex-professor da Universidade de Konstanz . Desde de 2004 é professor de
política comparada no Instituto de Ciências Políticas Geschwister-Scholl, da Universidade Ludiwig-
Maximilians, de Munique.
3
Ver: RÜSEN, Jörn. Towards a new idea of humankind – unity and difference of cultures in the crossroads of
our time. Working Papers n.2. Kulturwissenschaftliches Institut, Essen; University of Witten/Herdecke;
University of Duisburg-Essen. Essen, 2006. _____ Comparing cultures in intercultural communication. In.
FUCHS, Eckhardt; STUCHTEY, Benedikt. Across cultural borders: historiography in global perspective. p.335-
348. Rowman&Littlefield, 2002.; _____. How to overcome ethnocentrism: approaches to a culture of
recognition by history in the twenty-first century. In. History and Theory. Theme Issue 43. p.118-129. Wesleyan
University, 2004.
4
Em toda a Europa existe uma disputa cada vez maior sobre a subjetividade política de novas formas de
comemorações pós-nacional baseadas no perdão e no reconhecimento das vítimas. A recordação do Holocausto é
paradigmática destas formas de comemorações. Deste modo, é característico que uma ética da memória se
converta em um cenário para o discurso público sobre a natureza da identidade histórica.