Você está na página 1de 30

Federalismo, flexibilidade e

assimetria no direito brasileiro:


agrupamentos municipais, convênios
de cooperação e consórcios
públicos*
Federalism, flexibility and asymmetry
in Brazilian law: local-government
associations, cooperation
agreements and public consortia
Thiago Magalhães Pires**

RESUMO:
O objetivo do presente estudo é investigar se uma concepção flexível
e cooperativa do pacto federativo não seria mais adequada do que a
tradicional rigidez que o caracteriza para acomodar o caráter dinâmico
das federações, bem como a inevitável assimetria entre seus componentes.

∗ Artigo recebido em 25 de agosto de 2015 e aprovado em 5 de fevereiro de 2016. DOI: http://dx.doi.


org/10.12660/rda.v275.2017.71650
∗∗ Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, São Paulo, São Paulo, Brasil. E-mail: tmagalhaes@bfbm.
com.br.
Mestre e doutor em direito público pela Universidade do Estado de Rio de Janeiro (Uerj). Professor
do Curso de Pós-graduação em Direito Administrativo da Escola da Magistratura do Estado do Rio
de Janeiro (Emerj) (2014-15) e do Curso de Pós-graduação em Direitos Fundamentais do Instituto
Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) em parceria com o Instituto Ius Gentium Conimbrigae
(IGC) — Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (2017).

rda – revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 275, p. 125-154, maio/ago. 2017
126 Re vi s t a d e D i r eit o Administ ra t iv o

Na sequência, examinam-se três mecanismos de ajuste e cooperação já


existentes no Brasil e capazes, em princípio, de incorporar essa flexibilidade
à federação brasileira: agrupamentos municipais, convênios de cooperação
e consórcios públicos.

PALAVRAS-CHAVE:
Federalismo — assimetria — agrupamentos municipais — acordos de
cooperação — consórcios públicos

ABSTRACT:
This paper aims to determine if a flexible and cooperative conception of
federalism would be more capable to accommodate the dynamics of federal
states, as well as the inevitable asymmetry between its components. The
article then analyses three instruments of adjustment and cooperation that
already exist in Brazil, and that are likely able to incorporate this flexibility
to the Brazilian federation: local-government associations, cooperation
agreements and public consortia.

KEYWORDS:
Federalism — asymmetry — local-government associations — cooperation
agreements — public consortia

Introdução1

O lema das federações2 é unidade na diversidade: a coexistência de entes


políticos autônomos, entre si e em relação às autoridades centrais, não abala
a unidade do Estado soberano, que se constrói, assim, sobre o respeito ao

1
Um registro: salvo quando indicada a existência de um tradutor nas referências bibliográficas, todas
as citações diretas de fontes estrangeiras foram objeto de tradução livre.
2
No presente estudo, os termos “federação” e “federalismo” serão utilizados de forma relativamente
intercambiável. Não se desconhece que vários autores, no exterior (KING, Preston. Federalism and
federation. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 1982; BURGESS, Michael. Comparative
federalismo: theory and practice. Londres; Nova York: Routledge, 2006. p. 47 e ss.) e no Brasil
(MARTINS, Cristiano Franco. Princípio federativo e mudança constitucional: limites e possibilidades
na Constituição brasileira de 1988. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 29 e ss.), preferem usar
“federalismo” em um sentido mais estrito, como designação de uma ideologia — a defesa de alguma
combinação de self-rule e shared rule, que pode resultar em um conjunto de arranjos institucionais
muito variados. No entanto, como não é esse o uso corrente dos termos no país, optou-se por manter
a linguagem mais comum no meio jurídico brasileiro para evitar problemas de compreensão.

rda – revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 275, p. 125-154, maio/ago. 2017
THIAGO MAGALHÃES PIRES | Federalismo, flexibilidade e assimetria no direito brasileiro... 127

pluralismo.3 No plano do direito, isso se traduz em uma pluralidade de


ordens jurídicas parciais, editadas por cada entidade, sendo a unidade do
sistema garantida pela Constituição Federal, que estabelece a autonomia
dos componentes do Estado, distribui entre eles as competências estatais e
preside suas relações.4 Em uma democracia, isso significa que o autogoverno
é exercido em vários fóruns, em uma combinação de self-rule e shared rule:5 a
ideia é que a conjugação de esforços para a satisfação de interesses gerais (e.g.,
defesa nacional) se associe a um “direito coletivo de ser diferente”, exercido
principalmente nos planos regional e local — i.e., à prerrogativa de cada
grupo definir e concretizar sua própria ideia de interesse público ou de bem
comum.6
A beleza da construção não esconde as dificuldades de sua concretização.
Da assertiva de que diferentes entidades devem responder por questões
diversas não se extrai qualquer implicação sobre o modo de repartir essas
tarefas. Salvo por uns poucos pontos, em geral compartilhados pelas fede­
rações — e.g., a atribuição da defesa nacional à entidade central —, há várias
matérias cuja adequada distribuição está longe de ser consensual. Até um
serviço trivial como o fornecimento de água gera debates. A polêmica envolve
a busca por uma espécie de eldorado político: a forma ideal de repartição de
competências. Pretende-se algo como uma lei geral da eficiência e da demo­
cracia, capaz de descrever qual das coletividades territoriais teria melhores
condições de decidir sobre as questões que colocam na vida de um Estado.
A aproximação a essa lei geral seria o critério para medir as chances de êxito
de uma federação e identificar os ajustes que se fizessem necessários.
A verdade, porém, é que o esforço para chegar a esse critério parece
ser destinado ao fracasso. Arranjos institucionais não surgem de valores
abstratos; seu sucesso depende de fatores (geográficos, sociais etc.) que não
são determinados pelo direito, embora interajam com ele. Ademais, o peso

3
Como aponta Jorge Miranda, a federação assenta em uma estrutura de sobreposição, de modo que cada
cidadão se submete às ordens jurídicas e atos de autoridade provenientes de cada esfera federativa
(MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 308).
4
Na linguagem de Kelsen, essas ordens jurídicas são parciais porque limitadas pela ordem global, que
lhes confere seu espaço de atuação. A ordem global é a Constituição, expressão da “competência
das competências”. Ver KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do Estado. 4. ed. São Paulo: Malheiros,
2005. p. 452.
5
ELAZAR, Daniel. Exploring federalism. Tuscaloosa: The University of Alabama Press, 2006. p. 5.
6
LECLAIR, Jean. The Supreme Court of Canada’s understanding of federalism: efficiency at the
expense of diversity. In: GAUDREAULT-DESBIENS, Jean-François; GÉLINAS, Fabien (Ed.).
Le federalism dans tous ses états: gouvernance, identité et méthodologie / The states and moods of
federalism: governance, identity and methodology. Cowansville: YvonBlais; Bruyland, 2005. p. 384-
386. (Forum of Federations/Forum des Fédérations).

rda – revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 275, p. 125-154, maio/ago. 2017
128 Re vi s t a d e D i r eit o Administ ra t iv o

relativo de cada um desses elementos varia muito com o tempo, sendo comum
que a mudança nas relações sociais imponha alterações também no pacto
federativo (os constituintes dos EUA não reconheceriam no governo federal
de hoje a limitada criatura que inventaram). Não fosse suficiente, é inevitável
que as peculiaridades de cada região gerem perfis bastante diversos entre
entes da mesma classe — i.e., entre estados ou municípios —, dificultando a
adoção de regras simétricas mesmo dentro de uma federação.
Se não há um critério geral capaz de abarcar todos os casos, é preciso
admitir ajustes pontuais. Aqui está o problema a ser enfrentado no presente
estudo: as federações, como se verá, são sempre complexas e dinâmicas,
comportando, muitas vezes, graves assimetrias. Diante disso, não parece
ser adequado lidar com o arranjo federativo com a rigidez que costuma ser
associada ao tema. É provável, portanto, que a adoção de uma concepção
flexível e cooperativa do federalismo seja mais apropriada para dar conta
das dificuldades a que se fez referência anteriormente. É essa a hipótese que
se pretende examinar mais adiante. Feito isso, na segunda parte, o artigo
apresentará os agrupamentos municipais, os convênios de cooperação e os
consórcios públicos — três mecanismos de ajuste e cooperação contemplados
pelo direito brasileiro, que podem colaborar para introduzir essa flexibilidade
no país.
O estudo tem índole teórica e prescritiva, de modo que a pesquisa desen­
volvida se concentrou na análise crítica da legislação e da literatura sobre o
tema. Apesar da ênfase no material jurídico, aportes da economia e da ciência
política foram incluídos para ampliar os horizontes da discussão e permitir
uma reflexão sobre os modelos normativos em vigor. Feitos esses registros,
pode-se entrar no tema em debate.

1. Federalismo, flexibilidade e assimetria

A afirmação de que o federalismo deve ser flexível soa estranha. De


fato, a sede da autonomia federativa é uma Constituição rígida, justamente
para que a existência e as competências de cada ente político não estejam
subordinadas à vontade dos demais.7 Se a estrutura do Estado pudesse ser

7
O ponto é pacífico na doutrina. Ver, por todos: BARROSO, Luís Roberto. Direito constitucional brasi­
leiro: o problema da federação. Rio de Janeiro: Forense, 1982. p. 22, 25 e 27; WHEARE, K. C. Federal
government. 3. ed., 2. imp. Londres: Oxford University Press, 1956. p. 55 e ss.; WATTS, Ronald L.

rda – revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 275, p. 125-154, maio/ago. 2017
THIAGO MAGALHÃES PIRES | Federalismo, flexibilidade e assimetria no direito brasileiro... 129

alterada por simples lei — i.e., decisão unilateral de um dos entes —, não se
teria mais uma federação. Poderíamos ter um Estado unitário descentralizado
ou mesmo um Estado regional, mas não um Estado federal. Aqui surge a
questão: como é possível sustentar a possibilidade ou mesmo defender um
modelo de federalismo flexível se o pacto federativo precisa estar gravado em
um documento marcado pela rigidez?
O fato de a Constituição ser rígida significa apenas que ela só pode ser
modificada por um processo mais difícil e complexo que o aplicável à produ­
ção legislativa em geral.8 Disso não decorre que a repartição de atri­buições
entre as entidades federativas deva (ou possa) ser fixada de forma estanque,
insuscetível a ajustes. Aqui, são dois os pontos a serem ressaltados.
Em primeiro lugar, não há mais como transigir com o federalismo
dual. Assim se chama o modelo de repartição de competências baseado em
domínios excludentes de atuação (i.e., em competências privativas): todas
as atri­buições estatais seriam divididas em grupos, de modo que cada um
seria reservado, com exclusividade, a uma esfera federativa específica; o que
coubesse a uma não caberia às outras. Esse modelo pressupõe uma pureza
conceitual que é incompatível com a realidade: os fatos e as relações sociais
são complexos e dinâmicos9 e muitas vezes atraem a incidência simultânea de
várias regras de competência. Isso se explica pelo fato — óbvio, mas pouco
observado — de que as categorias empregadas pelas normas em tela nem
sempre são excludentes.10 Também assume relevância a inevitável abertura
do texto normativo: a distinção entre questões nacionais/centrais e estaduais/
periféricas “mostra-se muito resistente a uma especificação exata e a uma
divisão precisa em compartimentos estanques de competências distintas”.11

Comparing federal systems. 2. ed. Montreal & Kingston: McGill-Queen’s University Press, 1999. p. 100;
MAGALHÃES PIRES, Thiago. As competências legislativas na Constituição de 1988: parâmetros para a
sua interpretação e para a solução de seus conflitos. Belo Horizonte: Fórum, 2015. p. 47-48.
8
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a
construção do novo modelo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 104; Jorge Miranda, Teoria do Estado e
da Constituição, op. cit., 2007. p. 397.
9
RODDEN, Jonathan. Federalismo e descentralização em perspectiva comparada: sobre significados
e medidas. Revista de Sociologia e Política, n. 24, p. 9-27, jun. 2005. p. 20.
10
Ver Thiago Magalhães Pires, As competências legislativas na Constituição de 1988, op. cit., p. 126 e
ss. Direito do trabalho, proteção da saúde e tutela do meio ambiente são coisas diversas, mas a
disciplina da exposição dos trabalhadores a poluentes nas fábricas pode se subsumir a qualquer
uma dessas locuções. Se a Carta os indicasse como competências privativas de entes diversos, como
se poderia decidir quem poderia agir nesse caso? O exemplo mostra que, mesmo quando se tenta
instituir um dualismo, ele cede diante do caráter multifacetado das relações sociais.
11
DUCHACEK, Ivo D. Comparative federalism: the territorial dimension of politics. Nova York: Holt,
Rinehart and Winston, 1970. P. 273. (Modern Comparative Politics Series; General Editor, Peter H.
Merkl).

rda – revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 275, p. 125-154, maio/ago. 2017
130 Re vi s t a d e D i r eit o Administ ra t iv o

Dessa forma, interferências e sobreposições são esperadas; podem ser mais


ou menos comuns, mas jamais serão afastadas por completo.12 Não por acaso,
mesmo em países comprometidos com o federalismo dual, como os EUA,
acabou-se reconhecendo a concorrência federativa, com o desenvolvimento
de meios para lidar com seus efeitos (em particular, a preemption doctrine).13
Em segundo lugar, ainda que fosse viável, o dualismo seria incapaz de
responder de forma apropriada aos imprevisíveis problemas que se apre­
sentam ao Estado. Para uma variedade de questões, impõe-se uma variedade
de soluções. O leque limitado e inflexível do federalismo dual o impede de se
adaptar para reagir às demandas diversas que surgem na sociedade. O exame
do ponto exige uma pequena digressão.
Como demonstra o federalismo fiscal,14 a oferta eficiente de atividades
públicas exige que elas sejam confiadas ao menor ente capaz de absorver
(internalizar) as externalidades que gera15 — i.e., os efeitos, em geral, incal­
culáveis, que a atuação gera sobre terceiros.16 A ideia é que algo semelhante
à comunicação pelos preços da economia de mercado se aplique à prestação
de serviços governamentais: é preciso que todos os custos (econômicos,
ambientais, sociais, políticos etc.) sejam comportados pelo ente responsável

12
HUEGLIN, Thomas O.; FENNA, Alan. Comparative federalism. Peterborough: Broadview Press, 2006.
p. 48.
13
A preemption decorre da supremacia da lei federal nos EUA: em caso de concorrência, a norma
federal prevalece sobre as estaduais, quando: (i) ela expressamente o diga; (ii) haja um conflito entre
elas; (iii) as normas estaduais sirvam como obstáculo a uma finalidade federal; ou (iv) a lei federal
seja tão minuciosa que se supõe tenha esgotado o tema (ver SCHROEDER, Christopher H. Supreme
Court preemption doctrine. In: BUZBEE, William (Ed.). Preemption choice: the theory, law, and reality
of federalism’s core question. Cambridge; Nova York: Cambridge University Press, 2009. p. 119 e ss.).
14
A expressão tem dois sentidos. O primeiro, mais comum no Brasil, designa o estudo da repartição
de receitas e despesas entre os entes federativos, com ênfase na tributação. Já o segundo, mais
amplo, envolve uma análise econômica das federações. As pessoas políticas e cidadãos são vistos
como fornecedores e consumidores de serviços. É nesse sentido que a expressão federalismo fiscal
é compreendida no exterior, onde um bom número de acadêmicos vem se dedicando ao tema
(ver OATES, Wallace E. An essay on fiscal federalism. Journal of Economic Literature, v. 37, n. 3,
p. 1120-1149, set. 1999). O desenvolvimento do ponto, no corpo do texto, será feito com base na
exposição de Robert D. Cooter e Neil S. Siegel (ver COOTER, Robert D.; SIEGEL, Neil S. Collective-
action federalism: a general theory of article I, section 8. In: GINSBURG, Tom (Ed.). Comparative
constitutional design. Nova York: Cambridge University Press, 2012. p. 245 e ss.) e Wallace E. Oates
(ver OATES, Wallace E. Toward a second-generation theory of fiscal federalism. International Tax and
Public Finance, v. 12, p. 349-373, 2005. p. 350 e ss.).
15
V. PRUD’HOMME, Rémy. On the dangers of decentralization. Policy Research Working Paper 1252,
World Bank, 1994. Disponível em: <www-wds.worldbank.org/external/default/WDSContentServer/
IW3P/IB/1994/02/01/000009265_3961005225011/Rendered/PDF/multi_page.pdf>. Acesso em: 18 fev.
2015. p. 1-2). Igualmente relevantes são as vantagens geradas pela economia de escala (ver FEIOCK,
Richard C. Rational choice and regional governance. Journal of Urban Affairs, v. 29, n. 1, p. 47-63, 2007.
p. 49).
16
SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da atividade econômica: princípios e fundamentos jurídicos.
2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 198.

rda – revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 275, p. 125-154, maio/ago. 2017
THIAGO MAGALHÃES PIRES | Federalismo, flexibilidade e assimetria no direito brasileiro... 131

pela função. Todavia, como isso nem sempre acontece, verificam-se, spillovers,
externalidades que cruzam fronteiras, gerando consequências em outras
entidades territoriais.17 É preciso, portanto, pensar em meios de corrigir esses
efeitos, nos casos em que a repartição de competências não produza a inter­
nalização necessária.
A flexibilidade que se impõe ao federalismo fica evidente nas duas pontas.
Com efeito, “o padrão específico de bens e serviços oferecidos por diferentes
níveis de governo [...] mudará em alguma medida conforme o tempo e o
lugar. Isso é algo que se espera”;18 é preciso ter em conta as necessidades de
cada local para atendê-las.19 A uniformidade que se exige de uma atividade
pode variar e o pacto federativo deve ser capaz de acomodar essas exigências.
O ponto é ainda mais evidente no que se refere à correção de spillovers: é
impossível prever com precisão os efeitos que uma atividade pode gerar; se o
Estado precisa lidar com eles, é — mais do que conveniente — imperativo que
disponha dos meios para fazê-lo.
A cooperação se apresenta, assim, como um elemento indispensável do
pacto federativo,20 devendo as esferas políticas se tratarem como parceiras.21
A própria análise econômica destaca a importância dessa coordenação,
que evita políticas contraditórias e a duplicação de esforços, entre outros
problemas.22 Só um federalismo flexível é capaz de lidar com a dinâmica e
a sobreposição inerentes à multiplicação de entes autônomos. Como aponta
Abrucio:23

17
BOADWAY, Robyn; SHAH, Anwar. Fiscal federalism: principles and practice of multiorder
governance. Nova York: Cambridge University Press, 2009. p. 36 e ss.
18
Wallace E. Oates, An essay on fiscal federalism, op. cit., p. 1122.
19
CYR, Hugo. Quelques opportunités et défis conceptuels, fonctionnels et politiques du fédéralisme,
Constitutional Forum — Forum Constitutionnel, v. 21, n. 1, p. 7-18, 2012. p. 12.
20
POIRIER, Johanne. Les ententes intergouvernementales et la gouvernance fédérale: aux confins
du droit et du non-droit. In: GAUDREAULT-DESBIENS, Jean-François; GÉLINAS, Fabien (Ed.).
Le federalism dans tous ses états: gouvernance, identité et méthodologie/The states and moods of
federalism: governance, identity and methodology. Cowansville: YvonBlais; Bruyland, 2005. p. 442.
(Forum of Federations/Forum des Fédérations).
21
Ver Ronald L. Watts, Comparing federal systems, op. cit., p. 57. No mesmo sentido observou a High
Court australiana, “qualquer Constituição federal importa uma medida de cooperação entre suas
partes constitutivas. Trata-se da própria essência da federação” (R v Hughes [2000] HCA 22; 202 CLR
535; 171 ALR 155; 74 ALJR 802 (3 May 2000)).
22
K. C. Wheare, Federal government, op. cit., p. 241; SIMEON, Richard. Adaptability and change in
federations. International Social Science Journal, v. 53, n. 167, p. 145-152, 2001. p. 151.
23
ABRUCIO, Fernando Luiz. A reconstrução das funções governamentais no federalismo brasileiro.
In: HOFMEISTER, Wilhelm; CARNEIRO, José Mário Brasiliense (Org.). Federalismo na Alemanha e no
Brasil. São Paulo: Fundação Konrad Adenauer, 2001. p. 95-105. p. 98. (Série Debates, n. 22, v. I).

rda – revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 275, p. 125-154, maio/ago. 2017
132 Re vi s t a d e D i r eit o Administ ra t iv o

A compatibilização entre autonomia e interdependência não tem


nem uma fórmula única, nem sequer chega a um estágio último. Para
além das instituições básicas do federalismo, como a Consti­tuição,
tem importância fundamental o universo dinâmico das relações in­
ter­
governamentais, ou seja, a maneira como os níveis de governo
encontram mecanismos a partir dos quais constroem seus relaciona­
mentos de forma bem-sucedida. Cabe frisar que o objetivo aqui não é
eliminar os conflitos, e sim criar instrumentos para melhor regulá-los
e administrá-los [...].

Além disso, a flexibilidade também permite a acomodação das assime­


trias dos componentes do Estado. Esse problema, que vem sendo examinado
de longa data, comporta análise de duas perspectivas diversas. De um lado, há
o debate quanto à (as)simetria jurídica (de jure), que diz respeito à igualdade,
ou não, entre os regimes jurídicos das entidades de uma mesma classe.24
Assim, e.g., se a Constituição prevê normas idênticas quanto à organização
e às competências de todos os Estados-membros, eles se inserem em um
federalismo simétrico de jure. Isso ocorre no Brasil, tanto no plano estadual
como na esfera municipal, mas não se verifica em outras federações, onde
se pratica, por conseguinte, um federalismo juridicamente assimétrico.25 De
outro lado, discute-se a questão da assimetria de facto, relativa, não ao regime
jurídico, mas à realidade efetiva de determinada federação em certo momento.
Em rigor, ainda que as competências e a estrutura dos entes de mesma classe
sejam idênticas — as entidades subnacionais guardam inúmeras diferenças
entre si (territoriais, sociais, econômicas etc.).26 Dessa forma, a assimetria
fática está sempre presente nas federações, em maior ou menor grau.27
Embora a simetria sugira uma maior aproximação ao ideal de igualdade,
não se pode esquecer que os diferentes não podem ser tratados igualmente.
Assim, o excesso de assimetria de facto pode gerar uma pressão por regimes
jurídicos diferenciados — i.e., por uma assimetria de jure — como forma de
acomodar o pluralismo que existe no Estado federal (e.g., grupos étnicos

24
Sobre o tema, RAMOS, Dircêo Torrecillas. O federalismo assimétrico. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2000. p. 62 e ss., especialmente p. 64 e ss.; ZIMMERMANN, Augusto. Teoria geral do federalismo
democrático. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 61.
25
Alguns exemplos de federações assimétricas de jure são o Canadá, a Índia, a Bélgica e a Rússia. Ver
Dircêo Torrecillas Ramos, O federalismo assimétrico, op. cit., p. 65.
26
Ivo D. Duchacek, Comparative federalism, op. cit., p. 277 e ss.
27
Dircêo Torrecillas Ramos, O federalismo assimétrico, op. cit., p. 66 e ss.

rda – revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 275, p. 125-154, maio/ago. 2017
THIAGO MAGALHÃES PIRES | Federalismo, flexibilidade e assimetria no direito brasileiro... 133

diversos) ou mesmo de compensar o menor peso demográfico ou econômico,


por exemplo, de alguns componentes em relação a outros (e.g., maior número
de representantes no Legislativo central, mais transferências de recursos).
Não é o caso de debater aqui todos os cenários possíveis. Neste estudo,
interessa apenas destacar que a assimetria de facto suscita várias comple­
xidades,28 notadamente quanto à efetiva capacidade dos entes políticos de
exercerem suas competências. Pequenas unidades com pouca receita própria
provavelmente terão mais dificuldade que outras na prestação eficiente dos
seus serviços. Afinal, “sem uma real preocupação com as desigualdades
regionais, os efeitos da própria descentralização se tornam limitados”.29 As
cri­ses de sobrecarga — os desequilíbrios entre as obrigações impostas às
enti­dades e os meios financeiros de que dispõem para atendê-las30 — não
decorrem apenas da repartição de competências e receitas, mas também das
condições materiais efetivas de cada uma.
Dessa forma, é preciso pensar em meios que, operando em paralelo à
distribuição formal de atribuições, possam corrigir as distorções produzidas
pelos spillovers e pela assimetria de fato. Como esses problemas são típicos
das federações — embora pouco notados no Brasil —, já foram desenvolvidas
várias formas de lidar com eles, todas autônomas e passíveis de combinação.
Confiram-se alguns exemplos:
(i) com o rearranjo federativo, as linhas divisórias são redesenhadas na ten­
ta­tiva de superar problemas territoriais.31 Isso foi feito, e.g., na Nigéria e no
Paquistão e, em âmbito local, em Toronto, Canadá,32 e na cidade de Nova York,
EUA.33 A inconveniência da medida está na rigidez: questões conjunturais
não podem ser adequadamente atendidas por um instrumento de caráter
permanente como esse;34

28
WATTS, Ronald L. Comparing federal systems. 2. ed. Montreal; Kingston: McGill-Queen’s University
Press, 1999. p. 64.
29
BERCOVICI, Gilberto. Dilemas do Estado federal brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.
(Estado e Constituição – 3). p. 71.
30
Ramos, O federalismo assimétrico, op. cit., p. 59.
31
Ibid., p. 72-73.
32
YOUNG, Robert. Canada. In: STEYTLER, Nico (Ed.); KINCAID, John (Sr. Ed.). Local government
and metropolitan regions in federal countries. [Montreal & Kingston]: McGill-Queen’s University Press,
2009. p. 112.
33
ZIMMERMAN, Joseph F. Contemporary American federalism: the growth of national power. 2nd ed.
Albany: State University of New York Press, 2008. p. 180.
34
Esse problema não atinge necessariamente a reordenação das fronteiras locais nos EUA. Essas
entidades são criadas pelos Estados, que são livres para criá-las e reformá-las como bem entenderem.
Os únicos limites que podem existir são aqueles previstos nas Constituições estaduais. A extensão
das competências dos Estados nesta matéria há muito vem sendo destacada pela jurisprudência da
Suprema Corte do país. V., e.g., Hunter v. City of Pittsburgh, 207 U.S. 161 (1907); e City of Trenton v.
State of New Jersey, 262 U.S. 182, 187 (1923).

rda – revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 275, p. 125-154, maio/ago. 2017
134 Re vi s t a d e D i r eit o Administ ra t iv o

(ii) a criação de entidades intermediárias, a fim de direcionar a atuação


localizada dos entes mais abrangentes, absorver as competências que os
menores não conseguem exercer e coordenar sua atuação conjunta. Nos EUA,
no plano local, esse papel costuma caber aos counties, ocorrendo algo parecido
na Alemanha, em que entes menores se incluem em outros, mais amplos
(Kreise) — o que “fortalece os mecanismos de cooperação entre comunas
vizinhas e enfraquece o autonomismo dos interesses políticos menores, que
debilita as experiências governamentais do municipalismo”, como afirma
Aspásia Camargo35 acerca do modelo alemão;
(iii) a instituição de assimetrias jurídicas, para que os entes tenham
responsabilidades e competências diferentes36 conforme suas capacidades —
na Rússia, Moscou e São Petersburgo são “cidades com importância federal”,37
e nos EUA e na Alemanha, governos municipais mais fortes tornam-se
independentes dos counties (independent cities)38 e Kreise (Kreisfreie Städte),39 ou
mesmo fundem-se às entidades regionais, formando um único corpo político
(consolidated city and county governments);40
(iv) a constituição de entidades especializadas, territorialmente dissociadas
dos entes tradicionais, que se dedicam a questões específicas, permitindo a
exploração de economias de escala e a correção pontual de spillovers.41 Isso
se verifica principalmente nos EUA, onde os single-purpose local governments
(special districts e school districts), criados para cuidar, e.g., da prevenção

35
CAMARGO, Aspásia. Federalismo cooperativo e o princípio da subsidiariedade: notas sobre a
experiência recente do Brasil e da Alemanha. In: HOFMEISTER, Wilhelm; CARNEIRO, José Mário
Brasiliense (Orgs.). Federalismo na Alemanha e no Brasil. São Paulo: Fundação Konrad Adenauer, 2001,
p. 69-94. (Série Debates, nº 22, v. I). p. 92.
36
Ronald L. Watts, Comparing federal systems, op. cit., p. 66-68.
37
RUSSIA. Constituição (1993). Artigo 65.
38
No estado da Virgínia, todas as municipalidades com status de city são independentes dos counties
onde se situam, o que não ocorre com as demais. Embora essa separação seja particular a esse
estado, há outras independent cities nos EUA (ver SWARTZ, Nicholas J. Does consolidation make
a difference? A comparative analysis of Richmond and Virginia Beach, Virginia. In: LELAND,
Suzanne M.; THURMAIER, Kurt (Ed.). City-county consolidation: promises made, promises kept?
Washington, DC: Georgetown University Press, 2010. p. 62).
39
BURGI, Martin. Federal Republic of Germany. In: STEYTLER, Nico (Ed.); KINCAID, John (Snr. Ed.).
Local government and metropolitan regions in federal countries. [Montreal; Kingston]: McGill-Queen’s
University Press, 2009. p. 140.
40
Sobre o tema, confiram-se os estudos reunidos em Suzanne M. Leland e Kurt Thurmaier, City-county
consolidation, op. cit.
41
EICHENBERGER, Reiner; FREY, Bruno S. Functional, overlapping and competing jurisdiction
(FOCJ): a complement and alternative to today’s federalism. In: AHMAD, Ehtisham; BROSIO,
Giorgio (Ed.). Handbook of fiscal federalism. Cheltenham; Northampton: Edward Elgar, 2010. p. 165;
COOTER, Robert D.; SIEGEL, Neil S. Collective-action federalism: a general theory of article I, section
8. In: GINSBURG, Tom (Ed.). Comparative constitutional design. Nova York: Cambridge University
Press, 2012. p. 235; BOWMAN, Ann O’M.; KEARNEY, Richard C. State and local government: the
essentials. 6. ed. Stamford: Cengage Learning, 2014. p. 263.

rda – revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 275, p. 125-154, maio/ago. 2017
THIAGO MAGALHÃES PIRES | Federalismo, flexibilidade e assimetria no direito brasileiro... 135

e combate de incêndios, da distribuição de energia elétrica e da gestão do


sistema de ensino, convivem com os general-purpose local governments (e.g.,
cities, counties);
(v) a celebração de convênios entre os entes para uniformização de normas
e coordenação de esforços, à semelhança dos tratados entre Estados soberanos.
Há previsões explícitas disso nas Cartas dos EUA (1787, art. 1º, seção 10),42 da
Suíça (1999, art. 48), da Argentina (1853, arts. 124-126) e da Áustria (1920, art.
15a),43 mas o fenômeno também ocorre no Canadá44 e na Austrália;45
(vi) a formação de organismos intrafederativos, por acordo entre os entes
interessados, voltados à regulação e/ou à execução de tarefas compartilhadas.
Isso tem a vantagem de reduzir os efeitos negativos da descentralização, sem
prejudicar a autonomia das entidades políticas, que formam a nova pessoa
jurídica por vontade própria. A Constituição suíça tem norma explícita
quanto ao ponto (1999, art. 48), assim como a argentina (1853, arts. 124 a 126) e
a austríaca (1920, art. 15a). Nos EUA, há vários exemplos de entidades criadas
dessa forma (e.g., a Port Authority of New York and New Jersey).
Meios de cooperação têm a virtude de “buscar resultados unitários e
uniformizadores sem esvaziar os poderes e competências dos entes federados
em relação à União, mas ressaltando a sua complementaridade”.46 Eles
convivem com a repartição constitucional de tarefas, mas permitem ajustes
quando se façam necessários. Se a competência é estadual, os estados con­
tinuam a exercê-la, mas de forma concertada. Encontram-se soluções para a
assi­metria e para os spillovers, sem que, para isso, seja preciso modificar a
estru­tura da federação. Em suma: trata-se de instrumentos indispensáveis
do federalismo que, como visto, é inevitavelmente dinâmico e demanda
flexibilidade.

42
Embora o dispositivo exija a aprovação do Congresso, essa restrição foi mitigada pela Suprema
Corte, que limitou seu alcance às hipóteses em que os ajustes atinjam interesses federais ou envolvam
a assunção de competências que os Estados não teriam individualmente (Virginia v. Tennessee 148
U.S. 503, 517-8 (1893)). No exercício dessa atribuição, o Legislativo federal pode rejeitar ou aprovar
os acordos, condicional ou incondicionalmente (Columbia River Gorge United-Protecting People &
Property v. Yeutter, 960 F.2d 110 (Cir. 9th 1992); Seattle Master Builders v. Pacific N.W. Elec. Power, 786
F.2d 1359, 1364 (9th Cir.1986), cert. denied, 479 U.S. 1059, 107 S.Ct. 939, 93 L.Ed.2d 989 (1987)).
43
Curiosamente, o dispositivo prevê explicitamente a aplicação, aos acordos interfederativos, dos
princípios do direito internacional dos tratados.
44
Estima-se que existam no Canadá mais de mil acordos federal-provinciais, havendo também
um número significativo de convênios interprovinciais (Johanne Poirier, Les ententes
intergouvernementales et la gouvernance fédérale, op. cit., p. 7).
45
A jurisprudência australiana afirma ser “fora de questão” que se insere entre as competências
legislativas dos entes políticos o poder de celebrar acordos com os demais, inclusive para o fim de
transferir atribuições. V. R v Hughes [2000] HCA 22; 202 CLR 535; 171 ALR 155; 74 ALJR 802 (3 May
2000).
46
Gilberto Bercovici, Dilemas do Estado federal brasileiro, op. cit., p. 58.

rda – revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 275, p. 125-154, maio/ago. 2017
136 Re vi s t a d e D i r eit o Administ ra t iv o

2. Mecanismos de cooperação e ajuste na federação brasileira

O que se expôs anteriormente se aplica a todas as federações, inclusive


ao Brasil. Diante das notórias desigualdades regionais do país, a simetria na
repartição de competências acaba se tornando um obstáculo à atuação do
Estado. Essas assimetrias de facto “se refletem em profundas diferenças nas
condições financeiras, políticas e administrativas das entidades subnacionais
e, consequentemente, na sua capacidade de responder às necessidades e
demandas da população”.47 No entanto, “esquecendo-se a assimetria de
fato, o sistema federativo brasileiro insiste num contrafático construtivismo
centralizador”, evidenciado, e.g., na submissão dos estados-membros à
“igualdade jurídica pela arrogância centralista insensível à desigualdade
natural de uns com os outros”.48
O problema, que já é claro quanto aos estados, alcança patamares
surreais quando se comparam os municípios: a maior parte deles (73%) tem
apenas 20 mil habitantes, enquanto 10% dos entes locais abrigam quase 80%
da população nacional.49 Como é possível que São Paulo (SP) e Amajari (RR)
tenham as mesmas atribuições e fontes de renda? A aplicação de critérios
uniformes a realidades diversas produz resultados igualmente díspares: a
pujança econômica de São Paulo gerou uma receita de mais de R$ 24 bilhões
(R$ 2.017,00/habitante ou R$ 16 milhões/km²) em 2009, enquanto Amajari
arrecadou menos de R$ 9 milhões (R$ 807,00/habitante ou R$ 304,00/km²).50
Desenhar uma rede escolar ou de saúde em cada um desses entes envolve
preocupações diversas, até porque vários problemas de um não se repetem no
outro ou, ao menos, não com a mesma gravidade. A fragilidade institucional
dos meios de parceria praticados torna esse quadro ainda mais grave.51
Embora o redesenho da federação seja imperativo, a verdade é que há
soluções de lege lata, mais simples e factíveis, na própria Constituição de

47
SOUZA, Celina; CARVALHO, Inaiá M. M. de. Reforma do Estado, descentralização e desigualdades.
Lua Nova, São Paulo, v. 48, 1999, p. 187-212. p. 202.
48
Augusto Zimmermann, Teoria geral do federalismo democrático, op. cit., p. 63.
49
RAVANELLI, Paula. Consórcios públicos: os desafios do fortalecimento de mecanismos de cooperação
e colaboração entre os entes federados. In: CONGRESSO CONSAD DE GESTÃO PÚBLICA,
3., 2010, Brasília., p. 12. Disponível em: <http://banco.consad.org.br/bitstream/123456789/170/1/
C3_TP_CONS%C3%93RCIOS%20P%C3%9ABLICOS%20OS%20DESAFIOS%20DO%20
FORTALECIMENTO%20DE%20MECANISMOS.pdf>. Acesso em: 24 fev. 2015.
50
Os dados são da ferramenta Cidades do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2014).
51
Fernando Luiz Abrucio, A reconstrução das funções governamentais no federalismo brasileiro, op. cit.,
p. 102.

rda – revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 275, p. 125-154, maio/ago. 2017
THIAGO MAGALHÃES PIRES | Federalismo, flexibilidade e assimetria no direito brasileiro... 137

1988 (CRFB), que podem ajudar a corrigir os inconvenientes apresentados


anteriormente. É essencial resgatá-las da insignificância que têm hoje, assumir
um compromisso com a efetividade do pacto federativo na sua interpretação
e, acima de tudo, ter a coragem necessária para levá-las a efeito. Em que pese
o relevante papel que a repartição de competências pode exercer no controle
de eventuais excessos governamentais — tal como se espera da separação de
poderes —, seu objetivo principal não é obstar, mas viabilizar o bom de­
sempenho, pelo Estado, das suas atribuições.52 As regras de competência são,
antes de tudo, permissões para a atuação do poder público; seu fim é abrir
caminho para que algo seja feito. E é fundamental que o intérprete jurídico,
em uma federação, tenha isso sempre em mente.
Sendo inviável examinar a fundo, neste estudo, todos os instrumentos que
podem servir a esse propósito, foram selecionados três, como mencionado:
os agrupamentos municipais, os convênios de cooperação e os consórcios
públicos.

2.1 Agrupamentos municipais

Por sua menor expressão territorial, os municípios talvez sejam os entes


que mais sofrem os efeitos das disparidades regionais. Grandes cidades
convivem com outras que, muitas vezes, não têm condições de sustentar suas
atividades mais básicas. Além disso, o fenômeno urbano há muito não se
confina às fronteiras municipais; as metrópoles são uma realidade inescapável,
resultante de uma relação simbiótica entre um grande polo e suas áreas de
influência. Não raro, opera-se uma conurbação: as cidades crescem umas
sobre as outras, a tal ponto que, ao observá-las, não se pode mais definir onde
termina uma e começa outra. O processo socioeconômico de urbanização não
coincide com a delimitação dos municípios.53
Ao longo do século XX, um grande debate sobre a melhor maneira de li-
dar com esses problemas contrapôs os defensores do novo regionalismo — com

52
É o que defende Erwin Chemerinsky, para quem o federalismo deve ser compreendido mais como
empoderamento (empowerment) do que como limite, explorando-se a vantagem de ter “um conjunto
de atores alternativos, equipados para lidar com os problemas e as necessidades da sociedade. Se
uma esfera de governo falhar, há outra para assumir a responsabilidade” (v. CHEMERINSKY,
Erwin. Enhancing government: federalism for the 21st century. Stanford: Stanford University Press,
2008. p. 146-147).
53
VILLAÇA, Flávio. Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel; Fapesp; Lincoln Institute,
2001. p. 51-52.

rda – revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 275, p. 125-154, maio/ago. 2017
138 Re vi s t a d e D i r eit o Administ ra t iv o

a ampliação das fronteiras políticas, capaz, em tese, de absorver as questões


metropolitanas — aos apoiadores da fragmentação, para quem as menores uni-
dades atuariam de forma mais eficiente.54 Como não é possível definir, em
tese, soluções ótimas para uma federação, o que se tem visto, na prática, é uma
composição entre o incremento da autonomia local e o reforço dos meios de
cooperação.55 Talvez seja isso o que explica por que, em vários países, a organi-
zação em dois níveis (city/town e county, nos EUA; Stadt e Kreis, na Alemanha)
não foi substituída, mas convive com estruturas de um nível, geralmente si-
tuadas nos grandes centros urbanos (independent cities, Kreisfreie Städte).56
No Brasil, o legislador constituinte percebeu cedo a relevância dessa
questão: em seu art. 29, a Constituição de 1937 já previa a possibilidade de
agrupamentos de municípios. No entanto, por provável desinteresse dos
estados, essa previsão nunca se concretizou.57 Ignorada pela Carta de 1946,
a ideia retornou em 1967, com a figura das regiões metropolitanas, acolhendo
sugestão anterior de Hely Lopes Meirelles.58 Em seu art. 157, §10, o diploma
atribuía à União o poder de reunir em regiões metropolitanas, para a realização
de serviços comuns, municípios que integrassem uma mesma comunidade
socioeconômica. Em termos muito parecidos, a previsão foi mantida na
Constituição de 1969 (art. 164). As primeiras regiões metropolitanas do
Brasil foram criadas pela Lei Complementar (LC) nº 14/1973, que também
estabelecia o regime a ser observado59 e definia os serviços comuns de interesse
metropolitano.60

54
LELAND, Suzanne M.; ROSENTRAUB, Mark S. Consolidated and fragmented governments and
regional cooperation: surprising lessons from Charlotte, Cleveland, Indianapolis and Wyandotte
County/Kansas City, Kansas. In: PHARES, Donald (Ed.). Governing metropolitan regions in the 21st
century. Abingdon; Nova York: Routledge, 2015. p. 143.
55
BOWMAN, Ann O’M.; KEARNEY, Richard C. State and local government: the essentials. 6. ed.
Stamford: Cengage Learning, 2014. pp. 60 e 232.
56
Na Inglaterra, embora as unitary authorities tenham substituído as estruturas em dois níveis em todas
as áreas metropolitanas — o que é a regra geral na Escócia e na Irlanda do Norte e também ocorre
em partes do País de Gales —, a lógica inversa foi aplicada à cidade de Londres: a maior parcela de
competências locais fica a cargo dos borough councils, mas a necessidade de definir políticas uniformes
e coordenadas levou à criação da Greater London Authority (GLA), com atuação estratégica em
matéria de transporte, planejamento e meio ambiente. Segundo a doutrina, isso apenas demonstra
que o modelo da unitary authority não é uma panaceia (ver ELLIOTT, Mark; THOMAS, Robert. Public
law. Oxford: Oxford University Press, 2011. p. 294.)
57
BUCCI, Maria Paula Dallari. Gestão associada de serviços públicos e regiões metropolitanas. In:
WAGNER JUNIOR, Luiz Guilherme da Costa (Coord.). Direito público: estudos em homenagem ao
professor Adilson Abreu Dallari. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 549-559. p. 553.
58
TÁCITO, Caio. Saneamento básico — região metropolitana — competência estadual. Revista de
Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 222, p. 345-350, out./dez. 2000. p. 307.
59
As regiões não tinham personalidade jurídica, sendo conduzidas por um Conselho Deliberativo
com forte predominância do governador do Estado, embora se previsse a participação de todos

rda – revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 275, p. 125-154, maio/ago. 2017
THIAGO MAGALHÃES PIRES | Federalismo, flexibilidade e assimetria no direito brasileiro... 139

A Constituição de 1988 manteve as regiões, mas modificou seu regime


60

e passou a prever outros dois agrupamentos: as aglomerações urbanas e as


microrregiões. Em contraste com a notória prolixidade do texto constitucional,
a disciplina deste tema é laconicamente concentrada em um único dispositivo,
o art. 25, §3º, que apenas prevê as espécies de agrupamento municipal e os
requisitos para sua instituição. Todo o resto fica a cargo do legislador estadual
e, naquilo que possa ser considerado norma geral de direito urbanístico, pela
lei federal.
Recentemente, foi aprovado o Estatuto da Metrópole (Lei Federal
nº 13.089/2015), que trata as aglomerações urbanas como um gênero, do qual
as regiões metropolitanas seriam um caso particular. O que caracteriza o
genus é a conurbação: a formação de uma unidade entre municípios limítrofes,
com “complementaridade funcional e integração das dinâmicas geográficas,
ambientais, políticas e socioeconômicas” (art. 2º, I). A região metropolitana se
destaca por configurar uma metrópole (art. 2º, VII) — i.e., um

espaço urbano com continuidade territorial que, em razão de sua


população e relevância política e socioeconômica, tem influência nacio­
nal ou sobre uma região que configure, no mínimo, a área de influência
de uma capital regional, conforme os critérios adotados pela Fundação
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística — IBGE (art. 2º, V).61

As microrregiões não foram objeto de disciplina pelo Estatuto, embora


suas disposições se apliquem, no que couber, àquelas em que predominem
características urbanas (art. 1º, §1º, I). A abertura da Constituição e das normas

os municípios envolvidos em um Conselho Consultivo. A execução da política metropolitana


não era atribuída a um órgão ou uma entidade específica, podendo ser desempenhada por
qualquer das vias tradicionais de prestação de serviços públicos (autarquias, empresas
públicas etc.). No entanto, sempre que possível, os programas deveriam ser unificados quanto
aos serviços comuns, com concessão do serviço a uma entidade estadual, a constituição de
uma empresa de âmbito metropolitano, ou qualquer outro processo definido por meio
de convênio (LC nº 14/1973, arts. 2º a 4º).
60
Em seu art. 5º, a LC nº 14/1973 incluía: (i) planejamento integrado do desenvolvimento econômico
e social; (ii) saneamento básico, notadamente abastecimento de água e rede de esgotos e serviço de
limpeza pública; (iii) uso do solo metropolitano; (iv) transportes e sistema viário; (v) produção e
distribuição de gás combustível canalizado; (vi) aproveitamento dos recursos hídricos e controle da
poluição ambiental, na forma que dispuser a lei federal; (vii) outros serviços incluídos na área de
competência do Conselho Deliberativo por lei federal.
61
Essas definições correspondem, em linhas gerais, com um ou outro ajuste, ao que já apontava a
doutrina (ver MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo. 14. ed. rev.,
ampl. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 38.; SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional
positivo. 37. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 674).

rda – revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 275, p. 125-154, maio/ago. 2017
140 Re vi s t a d e D i r eit o Administ ra t iv o

gerais federais deixa um grande espaço para os estados, que podem lhes
atribuir um papel próximo ao das regiões de desenvolvimento (CRFB, art. 43)
ou ao dos outros agrupamentos, mas sem limitação às áreas urbanas (poderia
ser, e.g., uma “aglomeração rural”) ou à existência de uma conurbação.
O regime constitucional de todos eles é idêntico, a começar pelos requi­
sitos para sua criação, que são os mesmos quatro:62 (i) orgânico-formal: exige-se
lei complementar estadual para sua instituição;63 (ii) numérico: mais de um
município deve estar envolvido — problemas situados dentro de um único
ente podem ser atendidos por ele mesmo64 ou até ser objeto de um convênio
ou consórcio (CRFB, art. 241), mas não admitem coordenação pela via dos
agrupamentos; (iii) geográfico: os entes devem ser limítrofes; e (iv) teleológico:
a região deve ter por fim integrar a organização, planejamento e execução de
funções públicas de interesse comum.
O único requisito mais complexo é o último, que exige dois regis­tros
adicionais. Em primeiro lugar, a substituição da locução “serviços públi­
cos” por “funções públicas” foi proposital,65 a fim de ampliar o escopo dos

62
O Supremo Tribunal Federal (STF) já afastou dois outros requisitos: (i) na ADI 796/ES, apontou-se
não se poder exigir a concordância dos municípios envolvidos; e (ii) na ADI 1.841/RJ, rechaçou-
se a necessidade de aprovação por consulta popular (MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo
Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 9. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 821).
Quanto ao item (i), o raciocínio do STF não merece reparos. O art. 25, §3º, impõe uma forma
compulsória de integração de municípios: tal como no regime anterior, a criação da região é efeito
direto da lei complementar (agora estadual) e, por isso, independe de autorização ou confirmação
dos municípios para se aperfeiçoar (FERRAZ, Sérgio. As regiões metropolitanas no direito
brasileiro. Revista da Consultoria Geral do Estado, Porto Alegre, v. 6, n. 16, p. 11-22, 1976. p. 16 e 18).
Conceber os agrupamentos municipais como medidas voluntárias — à semelhança dos convênios
e consórcios — seria admitir a frustração de seus propósitos por decisão unilateral de qualquer dos
seus partícipes que optasse por deixá-la (ALVES, Alaôr Caffé. Regiões metropolitanas, aglomerações
urbanas e microrregiões: novas dimensões constitucionais da organização do estado brasileiro.
Revista da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo, Edição especial em comemoração aos 10 anos de
Constituição Federal por ocasião do XXIV Congresso Nacional de Procuradores do Estado, set. 1998.
Disponível em: <www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/revistaspge/revista/tes1.htm>. Acesso em: 21
set. 2015). Ademais, como existe a previsão paralela de outros instrumentos, de natureza consensual
(CRFB, art. 241), o art. 25, §3º, da Carta seria inútil se não fosse interpretado como uma medida
compulsória. Além disso, seria difícil justificar a atribuição ao estado — em lugar dos municípios —
da competência para instituir uma associação voluntária de terceiros. Quanto ao item (ii), porém, a
orientação do Supremo não se justifica. É certo, por um lado, que os estados não poderiam abrandar
os requisitos constitucionais na matéria — e.g., limitando-se a exigir lei ordinária; por outro, porém,
nada impede que, em um exercício de autolimitação, optem por reduzir a grande discricionariedade
que teriam.
63
Nos termos do Estatuto da Metrópole (2015, art. 4º), é possível a criação de regiões metropolitanas e
aglomerações urbanas que incluam municípios situados em estados-membros diversos, exigindo-se,
para tanto, a aprovação de leis complementares por todas as Assembleias Legislativas envolvidas.
64
Alaôr Caffé Alves, Regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, op. cit.
65
BRASIL. Assembleia Nacional Constituinte. Comissão da Organização do Estado. Subcomissão dos
Municípios e Regiões. Parecer sobre as emendas. Brasília, 20 maio 1987. Relator: deputado Aloysio
Chaves. Disponível em: <www.camara.gov.br/internet/constituicao20anos/DocumentosAvulsos/
vol-97.pdf>. Acesso em: 25 fev. 2015.

rda – revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 275, p. 125-154, maio/ago. 2017
THIAGO MAGALHÃES PIRES | Federalismo, flexibilidade e assimetria no direito brasileiro... 141

agrupamentos; eles não ficam restritos à categoria formal dos serviços pú­blicos,
podendo alcançar, assim, em princípio, qualquer atividade governa­mental.
Em segundo lugar, o “interesse comum” não é uma categoria autônoma,
situada entre o interesse local e os mais abrangentes, confiados aos esta­dos
e à União. O objetivo da Carta não foi criar uma quarta esfera federativa,
atribuindo-lhe um conjunto específico e privativo de competências; como
instru­mento de ajuste federativo, essas regiões não devem ser confinadas
a esquemas rígidos e predefinidos. O interesse comum nada mais é que o
inte­resse local cuja satisfação não é planejada e executada por um único
município, de forma isolada, mas sim compartilhada por todas as entidades
envolvidas.66 Nada mais.
Naturalmente, existe um conteúdo mínimo de sentido nas palavras
usadas pela Constituição, que foi bem captado pelo art. 2º, II, do Estatuto
da Metró­pole: a função de interesse comum é aquela cuja execução seja in­
viável (impossível ou ineficiente) por parte de um município isolado ou que
gere efeitos sobre entidades limítrofes. A definição mostra compromisso com
a inter­na­lização e com a correção de spillovers. No entanto, observada essa
exi­gência bastante elástica, caberá ao Estado definir, concretamente, quais são
as ativi­dades a serem compartilhadas. O que interessa, portanto, não é fixar
campos estanques, opondo questões locais a comuns, à moda de um insus­
ten­tá­vel federalismo dual, mas identificar as funções públicas cuja inte­gra­ção
é exi­gida ou recomendada pelas condições mutáveis e particulares de cada
região.
Como se extrai do art. 25, §3º, da Carta, inserem-se na competência esta­
dual: (i) a decisão política quanto à conveniência e a oportunidade da criação
de uma região; (ii) a escolha dos municípios a serem agrupados e das funções
comuns — que também é discricionária, embora esteja limitada pelos requi­
sitos do art. 25, §3º, da Constituição; e (iii) a organização da região (e.g., forma,
órgãos, competências internas, processo de deliberação e decisão, mecanismos
de custeio).
Sem prejuízo disso, uma interpretação sistemática da Carta resulta em
outros limites incidentes sobre os estados. O tema foi amplamente debatido
pelo STF na ADI nº 1.842/RJ. Nessa oportunidade, foram assentadas quatro
ideias fundamentais: (i) ao contrário do que ocorria no regime anterior

66
Alaôr Caffé Alves, Regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, op. cit., p. 13.

rda – revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 275, p. 125-154, maio/ago. 2017
142 Re vi s t a d e D i r eit o Administ ra t iv o

— criticado por isso67 —, e do que ainda defendia parte da doutrina,68 a


instituição de um agrupamento não pode conduzir à avocação, pelo estado, de
atribuições locais; (ii) as funções públicas de interesse comum, definidas pela
lei complementar estadual, são de titularidade compartilhada entre o estado
e os municípios envolvidos;69 (iii) a regulação da atividade cabe, portanto, a
um colegiado, de que devem participar os municípios pertinentes e o estado-
membro — embora não se exija paridade entre seus membros,70 tampouco se
admite que um deles seja hegemônico; e (iv) os agrupamentos não são entes
federativos.71
Debateu-se, mas não houve definição sobre a assunção de personalidade
jurídica pelos agrupamentos. Como nem a Carta nem o Estatuto72 impõem
qualquer solução peremptória, a melhor interpretação é a que prestigia a auto­
nomia estadual e se alinha à flexibilidade e à assimetria do federalismo: caberá
ao estado definir a forma e a estrutura jurídica de cada agrupamento. Não
havendo como afirmar soluções abstratas em matéria de federação, o melhor
é permitir que cada caso seja equacionado à luz das suas particularidades.
Os agrupamentos municipais são ferramentas importantes para um
federalismo flexível e cooperativo. Sua instituição por decisão unilateral
dos estados evita o impasse político decorrente do apego ao poder ou da
falta de interesse da parte de alguns municípios, sem prejudicar o diálogo
e a deliberação que devem marcar o funcionamento dos órgãos internos da
região. Obtém-se uma conjugação de esforços, recursos e vontades, em um
sistema que permite a correção de spillovers, a exploração de economias de
escala e o planejamento uniforme, mas preserva a autonomia municipal por
não envolver uma avocação de competências. Em outras palavras: a repartição
constitucional de atribuições deixa de servir de obstáculo ao equacionamento
adequado de problemas que extravasam as fronteiras dos municípios.

67
GRAU, Eros Roberto. As regiões metropolitanas na nova Constituição. Revista Brasileira de Estudos
Políticos, Belo Horizonte, n. 60/61, p. 233-252, jan./jul. 1985. p. 244.
68
Caio Tácito, Saneamento básico — região metropolitana — competência estadual, op. cit., p. 307.
69
No julgamento, o ministro Gilmar Mendes sugeriu uma aproximação com o modelo dos Kreise
alemães, de modo que a titularidade e o poder concedente recairiam, não sobre o estado, nem sobre
os municípios, mas sobre a união destes com aquele. No mesmo sentido é a opinião de Alaôr Caffé
Alves, Regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, op. cit., p. 5.
70
Não é vedada a atribuição de pesos diferenciados a cada uma das entidades participantes (e.g., em
função de sua expressão econômica ou demográfica), mas apenas a concentração do poder decisório
em um ente em particular.
71
Alaôr Caffé Alves, Regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, op. cit., p. 2.
72
Seu art. 5º, III, só exige que o legislador estadual defina “a conformação da estrutura de governança
interfederativa, incluindo a organização administrativa e o sistema integrado de alocação de recursos
e de prestação de contas”.

rda – revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 275, p. 125-154, maio/ago. 2017
THIAGO MAGALHÃES PIRES | Federalismo, flexibilidade e assimetria no direito brasileiro... 143

2.2 Convênios de cooperação

Como visto, diversos estados federais reconhecem aos seus componentes,


explícita ou tacitamente, o poder de celebrar ajustes com seus pares ou outras
entidades federativas. No Brasil, esses instrumentos, chamados de convênios
de cooperação, têm fundamento no art. 241 da Constituição. Esses convênios
foram objeto de uma disciplina muito rarefeita por parte da Lei nº 11.107/2005
e do Decreto nº 6.017/2007, que a regulamentou, o que exige um esforço
adicional da doutrina para sua compreensão.
Como seu nome sugere, esses convênios são instrumentos do federalismo
cooperativo; sua previsão decorre do reconhecimento de que a complexidade
das competências administrativas não comporta mais uma distinção rígida
entre os espaços de cada entidade política.73 Além disso, pode-se acrescentar a
disparidade social, econômica, financeira e até geográfica dos entes políticos
brasileiros — em particular os Municípios —, que nem sempre terão as
mesmas condições de exercer certas funções. A “conjugação de recursos
técnicos e financeiros de outros interessados” viabiliza “serviços de alto custo
que jamais estariam ao alcance de uma Administração menos abastada”.74
Para que o mecanismo atenda ao que se espera dele, é preciso tomar
cuidado com a leitura dos enunciados normativos pertinentes, evitando
restrições desnecessárias. Um exemplo: uma interpretação literal do art. 241
da Carta — que só fala em “entes federados” — levaria à conclusão equivocada
de que só poderiam celebrar esses convênios a União, os estados, o Distrito
Federal e os municípios. Nada obstante, há outras entidades que, embora não
sejam entes federados, exercem suas competências. Como o dispositivo não
pretende dificultar, mas facilitar a cooperação entre os entes que exercem as
atribuições do Estado federal, a interpretação do art. 241 deve ser ampliativa.
Estão abrangidos, e.g., também os territórios federais, nos termos da sua legis­
lação de regência (CRFB, art. 33) e dos agrupamentos municipais, se tiverem
personalidade jurídica.
O mesmo cuidado se deve ter quanto ao objeto dos convênios, que, nos
termos da Carta, corresponde à “gestão associada de serviços públicos”, e

73
KRELL, Andreas. Consórcios públicos e convênios de cooperação entre os entes federados. In:
BONAVIDES, Paulo; MIRANDA, Jorge; AGRA, Walber de Moura (Coord. Cient.); PINTO FILHO,
Franciso Bilac; RODRIGUES JÚNIOR, Otávio Luiz (Coord. Ed.). Comentários à Constituição Federal de
1988. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 2457-2459.
74
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. Coordenação de Adilson Abreu Dallari. 17. ed.
atual. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 438.

rda – revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 275, p. 125-154, maio/ago. 2017
144 Re vi s t a d e D i r eit o Administ ra t iv o

inclui, como medidas instrumentais, “a transferência total ou parcial de


encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços
transferidos” (CRFB, art. 241). O problema aqui é o termo serviços públicos,
que não deve ser lido de forma técnica ou formal: o objeto dos convênios
é o exercício conjunto de “competências para a regulação ou prestação de
atividades administrativas em geral, e não apenas de serviços públicos”.75
Pode-se celebrar um convênio em qualquer matéria administrativa, dos
serviços públicos até ações em matéria de turismo ou meio ambiente.
Duas notas antes de concluir o ponto. A primeira envolve uma questão
procedimental. Diversamente do que ocorre com os convênios administra­
tivos em geral — cuja celebração é considerada um ato privativo da admi­
nistração76 —, esses instrumentos devem envolver também o Legislativo.
A própria Carta exige que os entes federativos disciplinem os convênios de
coope­ração “por meio de lei” (art. 241) — e isso, segundo Andreas J. Krell,77
não diz respeito à competência para regulamentar a Constituição no ponto,
mas à aprovação formal dos convênios por ato legislativo. Decisivo aqui é
o fato de esses instrumentos envolverem a delegação de competências a outros
entes políticos e a transferência de bens, serviços, pessoal e encargos — decisões
que exigem a intervenção do legislador.78 Como observou o conselheiro
Eduardo Carone Costa, do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais,79
“os convênios de cooperação são instrumentos dotados de características
próprias e inovadoras, que ultrapassam a noção de transferência de meros
atos de gestão e execução, daí demandar a participação do Poder Legislativo”.
Não por acaso, a exigência de lei foi prevista no Decreto nº 6.017/2007, art. 2º,

75
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Art. 241. In: CANOTILHO, J. J. Gomes et al. (Coord. Cient.);
LEONCY, Léo Ferreira (Coord. Exec.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva;
Almedina, 2013. p. 2172. (Série IDP).
76
Considera-se inconstitucional, por afronta à separação dos poderes, a exigência de que os convênios
sejam objeto de autorização ou ratificação por lei (STF, ADI 342/PR, DJ 11 abr. 2003, rel. min. Sydney
Sanches). Criticando esse entendimento, ver Hely Lopes Meirelles, Direito municipal brasileiro,
op. cit., p. 440.
77
Andreas J. Krell, Consórcios públicos e convênios de cooperação entre os entes federados, op. cit., p. 2459.
78
Em aparente indicação dessa linha, confira-se o acórdão do STF na ADI 331/PB (DJ, 2 maio 2014),
de que foi relator o ministro Gilmar Mendes: “Ação direta de inconstitucionalidade. Inciso XXII do
art. 54 da Constituição do Estado da Paraíba. Competência privativa da Assembleia Legislativa para
autorizar e resolver definitivamente acordos e convênios. Alegada ofensa ao princípio da simetria.
Acordos ou convênios que podem gerar encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio estadual
podem ser submetidos à autorização do legislativo local, sem violar o princípio da separação dos
poderes. Ação direta julgada improcedente”.
79
MINAS GERAIS. Tribunal de Contas do Estado. Consulta nº 751.717. Relator: conselheiro Eduardo
Carone Costa. Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, v. 70, n. 1,
p. 106-123, jan./mar. 2007. p. 115.

rda – revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 275, p. 125-154, maio/ago. 2017
THIAGO MAGALHÃES PIRES | Federalismo, flexibilidade e assimetria no direito brasileiro... 145

VIII, que só admite a instituição da gestão associada por convênio que seja
“ratificado ou previamente disciplinado por lei editada por cada um [dos
entes federativos]”.80
Em segundo lugar, os convênios — diferentemente dos consórcios — não
têm personalidade jurídica; sua natureza é estritamente negocial. Os direitos
e obrigações relacionados com a execução do seu objeto são imputados aos
próprios entes conveniados, na medida da sua responsabilidade.
Tal como os agrupamentos municipais, os convênios de cooperação têm
um papel de grande relevância em um federalismo flexível e cooperativo.
Por um lado, o caráter voluntário dos ajustes dá uma ênfase ainda maior à
preservação da autonomia dos entes envolvidos, que se vinculam se, como e
por quanto tempo quiserem, podendo sempre deixar os convênios. Por outro
lado, isso torna mais difícil sua celebração, já que o compartilhamento de
funções pode ser visto, por alguns, como um decréscimo de poder e influência
pessoal. Seja como for, os convênios são uma forma engenhosa e simples de
lidar com vários problemas causados pela assimetria e pelas sobreposições do
federalismo. Ao uniformizar o enfrentamento de certas questões, eles ampliam
a área de atuação de cada ente para além de suas fronteiras, permitindo a
internalização de spillovers, além da concentração da expertise e dos recursos
materiais e financeiros de todos os envolvidos.

2.3 Consórcios públicos

Tradicionalmente se dizia que os consórcios eram uma espécie de


convênios — i.e., “conjunção despersonalizada [...] de esforços para a realização
de objetivos comuns”81 —, distinguindo-se por serem firmados por entes da
mesma classe (e.g., estados com estados), enquanto os convênios admitiriam
entes de esferas distintas (e.g., a União e um estado).82
Essa interpretação foi superada pela Lei nº 11.107/2005, que estabeleceu
normas gerais na matéria. Além de autorizar a formação de consórcios por

80
A ausência de aprovação legislativa não invalida o convênio, mas apenas o torna ineficaz em re­
lação ao ente que deixou de ratificá-lo (Decreto nº 6.017/2007, art. 31, §4º). Isso significa que, em
relação aos demais, o convênio pode operar normalmente. É claro que, se forem apenas dois os entes
conveniados, a ineficácia em questão impedirá toda a execução do ajuste, já que ele verá esvaziado o
seu objetivo de comunhão de esforços.
81
Alexandre Santos de Aragão, Art. 241, op. cit., p. 2171.
82
José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, op. cit., p. 487.

rda – revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 275, p. 125-154, maio/ago. 2017
146 Re vi s t a d e D i r eit o Administ ra t iv o

entidades de espécies diversas, o diploma lhes atribui personalidade jurídica,


admitindo até que assumam forma de direito privado. Como se poderia
esperar, essas inovações encontraram certa resistência doutrinária.83 Nada
obstante, não há invalidade na opção legislativa pela personalização dos
consórcios: não pode tachar de inconstitucional apenas o que, por inovar,
se desprende das concepções tradicionais. Não há nada na Constituição que
impeça a aquisição de personalidade jurídica pelos consórcios. Trata-se tão
somente de uma forma de que os entes políticos podem se valer para atingir
o fim que a Carta definiu, i.e., a gestão associada de serviços públicos. Sendo
um meio razoável e adequado à satisfação de uma finalidade lícita, prevista
pela Constituição, não faz sentido presumir ou construir vedações artificiais.
O compromisso do intérprete — repita-se — deve ser com a viabilidade do
pacto federativo, e não com criação de obstáculos desnecessários.
O mesmo se aplica à eventual opção pela natureza de direito privado:
a prestação de serviços públicos por entidades privadas está longe de ser
incomum — encaixam-se aqui não só os particulares que são delegatários
do poder público,84 mas também as próprias empresas estatais, quando se
dedicam a essas atividades. A única dificuldade que pode haver diz respeito
ao exercício do poder de polícia, tradicionalmente interditado às pessoas
jurídicas de direito privado.85 O tema parece exigir uma nova reflexão, mas,
de todo modo, bastaria não confiar ao consórcio atribuições indelegáveis de
poder de polícia e o óbice seria superado.
Quanto às partes e ao objeto dos consórcios, aplica-se o que se disse acerca
dos convênios: previstos no mesmo art. 241 da Constituição, ambos procuram
promover a gestão associada de funções públicas em geral. Os consórcios
de direito privado, como é próprio, adquirem personalidade jurídica na
forma da lei civil; os de direito público — que têm forma de associação pública
(Lei nº 11.107/2005, arts. 1º, §1º, e 6º) — são constituídos pela vigência das leis
que ratificarem o protocolo de intenções celebrado pelos Executivos.86

83
REALE, Miguel. [Parecer sobre o projeto de lei federal sobre consórcios públicos]. s.l.: s.n., [2003 a 2006].
Disponível em: <www.miguelreale.com.br/parecer.htm>. Acesso em: 7 maio 2014; DI PIETRO,
Maria Sylvia Zanella. O consórcio público na Lei nº 11.107, de 06.04.2005, Fórum de Contratação e
Gestão Pública, Belo Horizonte, v. 4, n. 46, out. 2005. (Biblioteca Digital Fórum de Direito Público).
84
BRASIL. Constituição (1988). Artigo 175.
85
V. STF, DJ, 10 maio 2013, MS 28.469 AgR-segundo/DF, rel. p/ acórdão min. Luiz Fux; STF, DJ 28 mar.
2003, ADI 1.717/DF, rel. Min. Sydney Sanches.
86
Dispensa-se a ratificação quando a assinatura do protocolo for antecedida por lei que disciplinar, de
forma compatível com ele, a participação da entidade no consórcio (Decreto nº 6.017/2007, art. 6º,
§7º). Caso todos os signatários estejam nessa situação, a personalidade é adquirida com a publicação
do protocolo (Decreto nº 6.017/2007, art. 7º, §2º).

rda – revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 275, p. 125-154, maio/ago. 2017
THIAGO MAGALHÃES PIRES | Federalismo, flexibilidade e assimetria no direito brasileiro... 147

Os consórcios públicos são a versão brasileira do modelo de entidades


interfederativas praticado em diversos outros países. Trata-se da instituição
de uma pessoa jurídica pela combinação das vontades de dois ou mais entes
políticos, que passam a agir conjuntamente por meio dessa nova entidade.
Esse arranjo também incorpora várias vantagens dos single-purpose governments
dos EUA, como o aproveitamento de economias de escala e a internalização
de spillovers. Ademais, a concentração da entidade em uma questão específica
evita as dispersões geradas pelas múltiplas preocupações e interesses dos
general-purpose governments; toda a energia do consórcio será devotada a uma
matéria em particular, reduzindo o risco de desatenções e vácuos de atuação.
Uma das suas grandes virtudes é a maleabilidade, já que é “possível constituir
um consórcio atendendo às especificidades de cada serviço público, em busca
de uma escala mais adequada à sua prestação e coerente com o acordo político
próprio de cada arranjo institucional”.87
Nada obstante, e diferentemente do que se passa nos single-purpose
governments norte-americanos, os consórcios públicos brasileiros não assu­
mem a titularidade das competências que lhes são atribuídas, mas apenas a
responsabilidade de planejá-las, geri-las e, conforme for, executá-las. Os con­
sorciados, além de serem livres para deixar o ajuste, retêm a ingerência sobre
a área de atuação dos consórcios, ainda que indiretamente, pela participação
nos seus órgãos de direção.
Como quase tudo na vida tem um lado negativo, a voluntariedade dos
consórcios — como, aliás, dos convênios — expõe as medidas a uma dificul­
dade política relevante: qualquer processo de cooperação “pressupõe o
desprendimento do agente político”, já que a redução do seu poder pode
esbar­rar na “cultura individualista e personalista fortemente enraizada na
nossa sociedade”.88 Aqui entra a famigerada “vontade política”, cuja falta
é sem­pre lembrada como causa para a ineficiência do Estado brasileiro.
O direito só pode dar as ferramentas; cabe aos agentes eleitos usá-las de forma
adequada.

87
Paula Ravanelli, Consórcios públicos, op. cit., p. 18.
88
DALLABRIDA, Valdir Roque; ZIMERMANN, Viro José. Descentralização na gestão pública e
estruturas subnacionais de gestão do desenvolvimento: o papel dos consórcios intermunicipais,
Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional, Taubaté, v. 5, n. 3., p. 3-28, set./dez. 2009. p. 16.

rda – revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 275, p. 125-154, maio/ago. 2017
148 Re vi s t a d e D i r eit o Administ ra t iv o

Conclusão

O presente estudo procurou demonstrar que o caráter dinâmico e


assimétrico das federações exige um regime flexível, capaz de viabilizar o
desempenho eficiente das competências estatais. Isso passa necessariamente
pela criação e/ou pelo resgate de instrumentos de cooperação que permitam
a correção de problemas decorrentes da diversidade regional, bem como a
adaptação da estrutura do Estado a necessidades conjunturais. Para tanto, é
preciso romper com uma concepção rígida do pacto federativo e, em vez de
enfatizar os limites que ele impõe aos entes políticos, sublinhar o incremento
em eficiência que pode ser obtido com arranjos cooperativos.
O direito brasileiro já contempla alguns mecanismos dessa natureza. É o
caso, e.g., dos agrupamentos municipais, dos convênios de cooperação e dos
consórcios públicos, apresentados anteriormente. Instituídos unilateralmente
(agrupamentos) ou mediante acordo de vontades (convênios e consórcios),
esses instrumentos permitem o adequado equacionamento de questões que
ultrapassam as fronteiras federativas ou, ao menos, que podem se beneficiar de
uma atuação conjunta, conjugando esforços, pessoal e expertise, e viabilizando
a exploração de economias de escala. Para uma federação tão desigual como a
brasileira, o uso desses mecanismos não é só recomendado, mas, em verdade,
necessário, a fim de que serviços de qualidade possam ser prestados em todo
o território nacional, a despeito das grandes diferenças entre as entidades
políticas e das eventuais restrições impostas pela conjuntura econômica.

Referências

ABRUCIO, Fernando Luiz. A reconstrução das funções governamentais no


federalismo brasileiro. In: HOFMEISTER, Wilhelm; CARNEIRO, José Mário
Brasiliense (Org.). Federalismo na Alemanha e no Brasil. São Paulo: Fundação
Konrad Adenauer, 2001. p. 95-105. (Série Debates, n. 22, v. I).
ALVES, Alaôr Caffé. Regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e micror­
regiões: novas dimensões constitucionais da organização do estado brasi­
leiro. Revista da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo, Edição especial
em comemoração aos 10 anos de Constituição Federal por ocasião do XXIV
Congresso Nacional de Procuradores do Estado, set. 1998. Disponível em:
<www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/revistaspge/revista/tes1.htm>. Acesso
em: 21 set. 2015.

rda – revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 275, p. 125-154, maio/ago. 2017
THIAGO MAGALHÃES PIRES | Federalismo, flexibilidade e assimetria no direito brasileiro... 149

ARAGÃO, Alexandre Santos de. Art. 241. In: CANOTILHO, J. J. Gomes


et al. (Coord. Cient.); LEONCY, Léo Ferreira (Coord. Exec.). Comentários à
Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva; Almedina, 2013. p. 2170-2172. (Série
IDP)
ARRETCHE, Marta. Federalismo e igualdade territorial: uma contradição em
termos? Dados — Revista de Ciências Sociais, v. 53, n. 3, p. 587-620, 2010.
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os
conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 3. ed. São Paulo:
Saraiva, 2011.
____. Direito constitucional brasileiro: o problema da federação. Rio de Janeiro:
Forense, 1982.
BERCOVICI, Gilberto. Dilemas do Estado federal brasileiro. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2004. (Estado e Constituição — 3).
BOADWAY, Robyn; SHAH, Anwar. Fiscal federalism: principles and practice of
multiorder governance. Nova York: Cambridge University Press, 2009.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Malheiros,
1996.
BOWMAN, Ann O’M.; KEARNEY, Richard C. State and local government: the
essentials. 6. ed. Stamford: Cengage Learning, 2014.
BRASIL. Assembleia Nacional Constituinte. Comissão da Organização do
Estado. Subcomissão dos Municípios e Regiões. Parecer sobre as emendas.
Brasília, 20 maio 1987. Relator: deputado Aloysio Chaves. Disponível em:
<www.camara.gov.br/internet/constituicao20anos/DocumentosAvulsos/vol-
97.pdf>. Acesso em: 25 fev. 2015.
BUCCI, Maria Paula Dallari. Gestão associada de serviços públicos e regiões
metropolitanas. In: WAGNER JUNIOR, Luiz Guilherme da Costa (Coord.).
Direito público: estudos em homenagem ao professor Adilson Abreu Dallari.
Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 549-559.
BURGESS, Michael. Comparative federalism: theory and practice. Londres;
Nova York: Routledge, 2006.
BURGI, Martin. Federal Republic of Germany. In: STEYTLER, Nico (Ed.);
KINCAID, John (Snr. Ed.). Local government and metropolitan regions in federal
countries. [Montreal; Kingston]: McGill-Queen’s University Press, 2009.

rda – revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 275, p. 125-154, maio/ago. 2017
150 Re vi s t a d e D i r eit o Administ ra t iv o

CAMARGO, Aspásia. Federalismo cooperativo e o princípio da subsidia­


riedade: notas sobre a experiência recente do Brasil e da Alemanha. In:
HOFMEISTER, Wilhelm; CARNEIRO, José Mário Brasiliense (Org.). Federa­
lismo na Alemanha e no Brasil. São Paulo: Fundação Konrad Adenauer, 2001, p.
69-94. (Série Debates, n. 22, v. I).

CHEMERINSKY, Erwin. Enhancing government: federalism for the 21st century.


Stanford: Stanford University Press, 2008.

CHOUDHRY, Sujit; HUME, Nathan. Federalism, devolution and secession:


from classical to post-conflict federalism. In: GINSBURG, Tom; DIXON,
Rosalind (Ed.). Comparative constitutional law. Cheltenham; North Hampton:
Edward Elgar, 2011.

COOTER, Robert D.; SIEGEL, Neil S. Collective-action federalism: a


general theory of article I, section 8. In: GINSBURG, Tom (Ed.). Comparative
constitutional design. Nova York: Cambridge University Press, 2012.

CYR, Hugo. Quelques opportunités et défis conceptuels, fonctionnels


et politiques du fédéralisme, Constitutional Forum — ForumConstitutionnel, v.
21, n. 1, p. 7-18, 2012.

DALLABRIDA, Valdir Roque; ZIMERMANN, Viro José. Descentralização


na gestão pública e estruturas subnacionais de gestão do desenvolvimento:
o papel dos consórcios intermunicipais, Revista Brasileira de Gestão e Desen­
volvimento Regional, Taubaté, v. 5, n. 3, p. 3-28, set./dez. 2009.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. O consórcio público na Lei nº 11.107, de


06.04.2005, Fórum de Contratação e Gestão Pública, Belo Horizonte, v. 4, n. 46,
out. 2005. (Biblioteca Digital Fórum de Direito Público).

DUCHACEK, Ivo D. Comparative federalism: the territorial dimension of


politics. Nova York: Holt, Rinehart and Winston, 1970. (Modern Comparative
Politics Series; General Editor, Peter H. Merkl).

EICHENBERGER, Reiner; FREY, Bruno S. Functional, overlapping and


competing jurisdiction (FOCJ): a complement and alternative to today’s
federalism. In: AHMAD, Ehtisham; BROSIO, Giorgio (Ed.). Handbook of fiscal
federalism. Cheltenham; Northampton: Edward Elgar, 2010. p. 154-181.

ELAZAR, Daniel. Exploring federalism. Tuscaloosa: The University of Alabama


Press, 2006.

rda – revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 275, p. 125-154, maio/ago. 2017
THIAGO MAGALHÃES PIRES | Federalismo, flexibilidade e assimetria no direito brasileiro... 151

ELLIOTT, Mark; THOMAS, Robert. Public law. Oxford: Oxford University


Press, 2011.

FEIOCK, Richard C. Rational choice and regional governance, Journal of Urban


Affairs, v. 29, n. 1, p. 47-63, 2007.

FERRAZ, Sérgio. As regiões metropolitanas no direito brasileiro. Revista da


Consultoria Geral do Estado, Porto Alegre, v. 6, n. 16, p. 11-22, 1976.

GRAU, Eros Roberto. As regiões metropolitanas na nova Constituição. Revista


Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 60/61, p. 233-252, jan./jul. 1985.

HUEGLIN, Thomas O.; FENNA, Alan. Comparative federalism. Peterborough:


Broadview Press, 2006.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Cidades. 2014.


Disponível em: <www.cidades.ibge.gov.br>. Acesso em: 21 fev. 2015.

KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do Estado. 4. ed. São Paulo: Malheiros,
2005.

KING, Preston. Federalism and federation. Baltimore: The Johns Hopkins


University Press, 1982.

KRELL, Andreas. Consórcios públicos e convênios de cooperação entre os


entes federados. In: BONAVIDES, Paulo; MIRANDA, Jorge; AGRA, Walber de
Moura (Coord. Cient.); PINTO FILHO, Franciso Bilac; RODRIGUES JÚNIOR,
Otávio Luiz (Coord. Ed.). Comentários à Constituição Federal de 1988. Rio de
Janeiro: Forense, 2014. p. 2457-2460.

LECLAIR, Jean. The Supreme Court of Canada’s understanding of federalism:


efficiency at the expense of diversity. In: GAUDREAULT-DESBIENS, Jean-
François; GÉLINAS, Fabien (Ed.). Le federalism dans tous ses états: gouvernance,
identité et méthodologie / The states and moods of federalism: governance,
identity and methodology. Cowansville: YvonBlais; Bruyland, 2005. p. 383-
414. (Forum of Federations/Forum des Fédérations).

LELAND, Suzanne M.; THURMAIER, Kurt (Eds.). City-county consolidation:


promises made, promises kept? Washington, DC: Georgetown University
Press, 2010.

____; ROSENTRAUB, Mark S. Consolidated and fragmented governments


and regional cooperation: surprising lessons from Charlotte, Cleveland,
Indianapolis and Wyandotte County/Kansas City, Kansas. In: PHARES,

rda – revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 275, p. 125-154, maio/ago. 2017
152 Re vi s t a d e D i r eit o Administ ra t iv o

Donald (Ed.). Governing metropolitan regions in the 21st century. Abingdon;


Nova York: Routledge, 2015. p. 143-163.

MAGALHÃES PIRES, Thiago. As competências legislativas na Constituição de


1988: parâmetros para a sua interpretação e para a solução de seus conflitos.
Belo Horizonte: Fórum, 2015.

MARTINS, Cristiano Franco. Princípio federativo e mudança constitucional:


limites e possibilidades na Constituição brasileira de 1988. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2003.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. Coordenação de Adilson


Abreu Dallari. 17. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2013.

MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito


constitucional. 9. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2014.

MINAS GERAIS. Tribunal de Contas do Estado. Consulta nº 751.717. Relator:


conselheiro Eduardo Carone Costa. Revista do Tribunal de Contas do Estado de
Minas Gerais, Belo Horizonte, v. 70, n. 1, p. 106-123, jan./mar. 2007.

MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro: Forense,


2007.

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo. 14. ed.


rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

OATES, Wallace E. An essay on fiscal federalism. Journal of Economic Literature,


v. 37, n. 3, p. 1120-1149, set. 1999.

____. Toward a second-generation theory of fiscal federalism. International Tax


and Public Finance, v. 12, p. 349-373, 2005.

POIRIER, Johanne. Les ententes intergouvernementales et la gouvernance


fédérale: aux confins du droit et du non-droit. In: GAUDREAULT-DESBIENS,
Jean-François; GÉLINAS, Fabien (Ed.). Le federalism dans tous ses états:
gouvernance, identité et méthodologie / The states and moods of federalism:
governance, identity and methodology. Cowansville: YvonBlais; Bruyland,
2005. p. 441-474. (Forum of Federations/Forum des Fédérations).

____. The functions of intergovernmental agreements: post-devolution concordats


in a comparative perspective. Londres: The Constitution Unit (School of
Public Policy, University College London), 2001.

rda – revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 275, p. 125-154, maio/ago. 2017
THIAGO MAGALHÃES PIRES | Federalismo, flexibilidade e assimetria no direito brasileiro... 153

PRUD’HOMME, Rémy. On the dangers of decentralization. Policy Research


Working Paper 1252, World Bank, 1994. Disponível em: <www-wds.
worldbank.org/external/default/WDSContentServer/IW3P/IB/1994/02/01/00
0009265_3961005225011/Rendered/PDF/multi_page.pdf>. Acesso em: 18 fev.
2015.
RAMOS, Dircêo Torrecillas. O federalismo assimétrico. 2. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2000.
RAVANELLI, Paula. Consórcios públicos: os desafios do fortalecimento
de me­ca­nismos de cooperação e colaboração entre os entes federados. In:
CONGRESSO CONSAD DE GESTÃO PÚBLICA, 3., 2010, Brasília. Dispo­
nível em: <http://banco.consad.org.br/bitstream/123456789/170/1/C3_TP_
CONS%C3%93RCIOS%20P%C3%9ABLICOS%20OS%20DESAFIOS%20
DO%20FORTALECIMENTO%20DE%20MECANISMOS.pdf>. Acesso em: 24
fev. 2015.
REALE, Miguel. [Parecer sobre o projeto de lei federal sobre consórcios públicos].
S.l.: s.n., [2003 a 2006]. Disponível em: <www.miguelreale.com.br/parecer.
htm>. Acesso em: 7 maio 2014.
RODDEN, Jonathan. Federalismo e descentralização em perspectiva compa­
rada: sobre significados e medidas. Revista de Sociologia e Política, n. 24, p. 9-27,
jun. 2005.
SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da atividade econômica: princípios e fun­
damentos jurídicos. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2008.
SCHROEDER, Christopher H. Supreme Court preemption doctrine. In:
BUZBEE, William (Ed.). Preemption choice: the theory, law, and reality of
federalism’s core question. Cambridge; Nova York: Cambridge University
Press, 2009. p. 119-143.
SIMEON, Richard. Adaptability and change in federations. International Social
Science Journal, v. 53, n. 167, p. 145-152, 2001.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 37. ed. rev. e
atual. São Paulo: Malheiros, 2014.
SOUZA, Celina; CARVALHO, Inaiá M. M. de. Reforma do Estado,
descentralização e desigualdades. Lua Nova, São Paulo, v. 48, p. 187-212, 1999.
SWARTZ, Nicholas J. Does consolidation make a difference? A comparative
analysis of Richmond and Virginia Beach, Virginia. In: LELAND, Suzanne M.;

rda – revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 275, p. 125-154, maio/ago. 2017
154 Re vi s t a d e D i r eit o Administ ra t iv o

THURMAIER, Kurt (Ed.). City-county consolidation: promises made, promises


kept? Washington, DC: Georgetown University Press, 2010. p. 57-81.
TÁCITO, Caio. Saneamento básico — região metropolitana — competência
estadual. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 222, p. 345-350,
out./dez. 2000.
VILLAÇA, Flávio. Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel;
Fapesp; Lincoln Institute, 2001.
WATTS, Ronald L. Comparing federal systems. 2. ed. Montreal & Kingston:
McGill-Queen’s University Press, 1999.
WHEARE, K. C. Federal government. 3. ed., 2. imp. London: Oxford University
Press, 1956.
YOUNG, Robert. Canada. In: STEYTLER, Nico (Ed.); KINCAID, John (Sr.
Ed.). Local government and metropolitan regions in federal countries. [Montreal;
Kingston]: McGill-Queen’s University Press, 2009. p. 107-135.
ZIMMERMAN, Joseph F. Contemporary American federalism: the growth of
national power. 2. ed. Albany: State University of New York Press, 2008.
ZIMMERMANN, Augusto. Teoria geral do federalismo democrático. 2. ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2005.

rda – revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 275, p. 125-154, maio/ago. 2017

Você também pode gostar