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Universidade Federal de Roraima

Instituto de Antropologia

Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social

Método de Investigação em Antropologia

Discente: Nathalia Bianca da Silva Martes

PINA CABRAL, João de. Semelhança e verossimilhança: horizontes da narrativa


etnográfica. In: Mana, Rio de Janeiro, v. 9, n. 1, p. 109 – 122, 2003.

João Pina Cabral (2003) apresenta em seu artigo, Semelhança e verossimilhança:


horizontes da narrativa etnográfica, argumentos embasados nas observações de Donald
Davidson, em que a compreensão de qualquer mensagem depende de sua
contextualização quanto ao referencial de mundo social (de emissor e do receptor). Tal
compreensão depende do entendimento de que emissor e receptor são semelhantes ao
mesmo tempo em que também partilham de um contexto semelhante, onde a
semelhança se torna condição de verossimilhança. Para tal o autor utiliza o termo
horizonte narrativo para explicar a compreensão de uma narrativa a partir de parâmetros
partilhados entre quem escreve e quem lê a narrativa em questão. O autor chega a ser
critico com relação aos antropólogos que raramente se preocupam em identificar
horizontes narrativos, onde as semelhanças tornam possíveis as diferenças para
teorizações e descrições.

Procurando esclarecer mais sobre sua ideia, Pina Cabral (2003) discorre sobre a
questão da tradução (sob o ângulo de “indeterminação”), usando narrativas etnográficas
missionárias como exemplos para demonstrar que a tradução é uma interpretação de um
contexto social especifico, ou seja, de uma perspectiva social e não individual, e que
consequentemente não permite o questionamento das coisas.

A conversão religiosa no Japão e China era um contraste da indeterminação da


tradução e o poder da mensagem traduzida, no sentido de além dos textos e cosmologia
cristã se tornarem acessíveis aos japoneses e chineses, pela tradução, a conversão
necessitava se enquadrar no contexto social destes lugares. Por conseguinte, a tradução
não somente de textos religiosos se mostrava revolucionário.

Diante disto, com os exemplos, o autor mostra que apesar da indeterminação,


mensagens traduzidas são carregadas de poder. De acordo com Pina Cabral (2003),
nunca sabemos precisamente que quem nos ouve compreende o que queremos dizer,
porque estes estão em mundos distintos. No entanto, se ocorre comunicação entre
pessoas é porque partilham de universos semelhantes. Tal entendimento é empregado na
produção etnográfica, onde os relatos etnográficos dependem de semelhança, tanto na
sua produção em si, quanto para sua aceitação pelo leitor. Não obstante, para destacar
seu caráter de veracidade, além da inserção cientifica no campo, o etnógrafo deve
apresentar em seu relato uma verossimilhança mínima para que seja de fato um relato
etnográfico.

Pina Cabral (2003) recorre a proto-etnografia de Duarte Barbosa para evidenciar


a importância da verossimilhança nos relatos etnográficos, destacando o quanto era
minucioso e fiel à descrição dos relatos produzidos por Duarte Barbosa da região da
Costa de Malabar. Para tornar seus relatos verossímil para quem lê, recorre a duas
estratégias: a primeira consiste em usar palavras que todos conhecem para o que parece
ser semelhante, tornando o relato mais próximo do contexto de quem lê, e o segundo
está em demonstrar verossimilhança em aspectos mais surpreendentes, fazendo
contextualização funcional do relato (dando sentido as coisas) e detalhando o máximo
possível aspectos ou situações que são estranhos ao leitor (efeito zooming), dando uma
aproximação entre o que está escrito e quem lê. Assim, para estabelecer a
verossimilhança nos relatos etnográficos, é necessário recorrer à semelhança para
descrever a diferença.

Nesse sentido, corroborando com Donald Davidson, a indeterminação da


tradução se perde a partir do momento que se dá ao interlocutor a chance de que o que
diz faz sentido, chamando isso de “caridade interpretativa”. De tal forma, conclui Pina
Cabral (2003) que “Os horizontes narrativos da escrita etnográfica seriam, assim, os
parâmetros de semelhança que permitiriam a verossimilhança do relato.” (p. 119), onde
toda escrita etnográfica presume um principio de coerência e requer um principio de
correspondência.

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