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Caso nº 6 – resolução (reenvio)

♦ 1º Temos de analisar a pretensão : Qual a lei que sustenta o pedido de


Bernardo? (A redução por inoficiosidade das disposições testamentárias feitas por
Alan), a substância das disposições testamentárias, pois está em causa determinar se
deveria ter sido garantida a legitima sendo, por isso, aplicável, o art.º 62º CC. Esta
norma manda aplicar a lei pessoal do autor da sucessão ao tempo de falecimento que
corresponde à lei da nacionalidade (31º/1) Alan tem dupla nacionalidade (Sul Africano
e Alemão). ♦ 2º Vamos analisar a questão da nacionalidade: A interpretação do
elemento de conexão é feita de acordo com a lei do foro, pelo que, para efeitos do art.º
62º e do nosso ordenamento jurídico, a nacionalidade corresponde ao vinculo
jurídico-político que liga um individuo a um Estado soberano. → A concretização
do elemento de conexão é feita de acordo com a lex causae, ou seja, é a lei do Estado
cuja nacionalidade está em causa a quem compete decidir sobre a matéria da
nacionalidade. Isto acontece devido ao princípio da unilateralidade ou
insusceptibilidade de bilateralização das regras de direito da nacionalidade de
cada Estado, ou seja, para determinar se um indivíduo tem ou não nacionalidade de um
Estado há que interrogar as normas de nacionalidade desse Estado com base na
harmonia dos julgados em definir quem são os seus nacionais como resultado do
princípio da soberania de cada Estado tal como está consagrado no art.º 3º/1 da
Convenção Europeia sobre Direito da Nacionalidade de 1957. No entanto, há um
limite a esta liberdade: o princípio da efetividade ou da nacionalidade efetiva, ou seja,
para que a nacionalidade de um Estado possa ser oposta a outro Estado deve
corresponder a um vínculo real e efetivo entre a pessoa em questão e o Estado que a tem
por seu nacional. Como é a cada Estado que compete definir quem são os seus
nacionais, no caso concreto não temos de nos pronunciar sobre o facto de a África do
Sul e a Alemanha terem atribuído nacionalidade ao Alan. Vamos presumir que os
pressupostos de atribuição da nacionalidade segundo a lei da África do Sul e da
Alemanha estão preenchidos.
♦ 3º Temos de analisar a dupla nacionalidade: qual a nacionalidade que
prevalece? Uma vez que Alan tem dupla nacionalidade, verifica-se um conflito positivo
de nacionalidades, pelo que cumpre determinar qual a nacionalidade que prevalece. Para
decidir qual a nacionalidade relevante temos de recorrer ao 28º da Lei da

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Nacionalidade pois estão em causa 2 nacionalidades estrangeiras. Esta norma atribui
primazia à nacionalidade efetiva o critério de jurisprudência de Nottebohm que se
divide em 2 partes:

1. Se o plurinacional tem residência habitual em algum dos Estados que o tem


como nacional, tem primazia a nacionalidade desse Estado porque se considera
que, em princípio, aquela nacionalidade corresponde à nacionalidade efetiva. No
nosso caso, o A não tem residência habitual em nenhum dos dois países, ao
tempo a que está a ser apreciada a questão.
2. Se não residir então no Estado de que é nacional, atende-se à nacionalidade do
Estado com o qual mantenha um vínculo mais estreito - critério da nacionalidade
efetiva. Ora, no nosso caso, Alan nasceu em África do Sul e residiu durante 53
anos e fez o testamento na África do Sul. Em relação à Alemanha não nos é feita
nenhuma referência no enunciado, desde logo indicia que não há qualquer
vínculo efetivo. Podemos concluir pela atribuição da primazia à lei da África do
Sul, segundo o 28º o critério da nacionalidade efetiva, pois Alan tem com este
país um vínculo mais estreito.

L1 L2DD L3DS

L1→ Lei L2 → Lei da L3 → Lei


Portuguesa Africa do Sul que espanhola que
(62º, 31º/1 CC não se considera não se considera
e 28º Lei da competente, competente pois,
Nacionalidade) mandando aplicar em matérias
a lei do domicilio sucessórias,
no momento da remete para a lei
da nacionalidade 2
morte.
de Alan no
momento da sua
morte, ou seja,
Estamos perante um conflito negativo de sistemas que resulta do facto de as várias
leis envolvidas na resolução da questão adotarem elementos de conexão diferentes para
a matéria de sucessão por morte.
A lei da África do Sul (L2) faz Dupla Devolução. Compromete-se, então, a
julgar a questão como julga os tribunais espanhóis. L2 aplica L3.
A lei Espanhola (L3) faz Devolução Simples faz primeiro uma referência global
à lei da África do Sul (às normas materiais e normas conflito da África do Sul) e
ficciona uma segunda referência material no caso a ela própria porque L2 manda aplicar
L3. L3 aplica L3.
Estamos perante uma transmissão de competências sem inclusão de retorno.
Quanto à matéria de reenvio, o art.º 16º CC determina que, em regra, não é
admissível o reenvio. No entanto, esta regra admite desvios que permitem o reenvio:

 Para obter a harmonia de julgados (artigo 17º nº1 e 18º nº1 do CC);
 Para obter a validade de um negócio jurídico (36º nº2 e 65º nº1 do CC).

No caso apresentado vamos recorrer ao art.º 17º/1 (questão da harmonia de


julgados). A lei do foro remeteu para uma lei que não se considerou competente. A lei
espanhola considera-se indiretamente competente. Por força do 17º/1 CC admitimos o
reenvio para garantir a harmonia dos julgados, pelo que será aplicada a lei espanhola.
No entanto, temos também exceções aos desvios:
 Restrições relacionadas com matérias de estatuto pessoal (17º/2)
 Restrições relacionados com a conservação dos negócios jurídicos
 Restrições relacionadas com a autonomia da vontade
 Restrições relacionadas com conexões contrárias ao reenvio

No caso estamos perante uma matéria de estatuto pessoal, pelo que poderá ser
aplicado o art.º 17º/2 que exige que a lei que se aplica por força do art.º 62º CC tem de
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ser a lei da nacionalidade, ou seja, a lei de foro tem de remeter para a lei da
nacionalidade, tem de ser chamada a esse título, e no caso está preenchido porque a lei
da África do Sul é a lei da nacionalidade Este pressuposto encontra-se preenchido.
Por outro lado, o interessado tem de residir habitualmente em
território português ou em país cujas normas de conflito considerem competente o
direito interno da sua nacionalidade. No caso, o interessado não reside em Portugal e L3
considera-se indiretamente competente (e não considera competente a lei da África do
Sul), pelo que não se encontra preenchido o 2º requisito e não será aplicada a restrição
do nosso ordenamento jurídico, as duas leis que o nosso sistema considera que têm
melhores títulos para regular a matéria de estatuto pessoal (a nacionalidade e a
residência habitual) estão de acordo na aplicação da lei da residência habitual.
Como tal, o reenvio é aceite e é aplicada a lei espanhola
que considera o testamento ineficaz. No entanto, é necessário ponderar a aplicação de
uma outra restrição, nomeadamente do art.º 19º/1 que pode paralisar o reenvio com base
na ideia de conservação dos negócios jurídicos uma vez que pela lei espanhola o
testamento é inválido. O art.º 19º determina que se pela aplicação das regras de reenvio
o negócio for inválido ou ineficaz e pelo art.º 16º o negócio for válido, será aplicado o
art.º 16º, pelo que é excluído o reenvio, sendo aplicadas as normas materiais da África
do Sul. No entanto, a validade do testamento prejudica a legitima do
nacional português, pelo que se suscita aqui o problema da ROPI (22º CC)

Características da ROPI:

 Excecionalidade: trata-se de um limite excecional à aplicação do direito material


estrangeiro considerado competente pela norma de conflitos do Estado de Foro;

 Imprecisão: trata-se de um conceito indeterminado a concretizar pelo julgador na


aplicação ao caso concreto;

 Caráter nacional: exprime a ideia de Direito que informa os princípios


fundamentais do Estado do foro, tratando-se da parte intocável da sua ordem
jurídica (ROPI varia de pais para pais);

 Atualidade: preenchimento deste conceito indeterminado faz-se à luz do


sentimento ético-jurídico prevalecente no momento da causa.

Efeitos da ROPI:
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 Efeito primário: afastamento da lei normalmente competente;

 Efeito secundário: este efeito baseia-se no princípio do mínimo dano à lei


estrangeira e têm um caracter meramente eventual pois, só ocorre se do efeito
primário resultar uma lacuna. A solução deste problema passa pela aplicação das
normas mais apropriadas da lei estrangeira ou se, estas não existirem, pela
aplicação das normas portuguesas (22º/2 CC).

Requisitos:

 Juízo de incompatibilidade entre o resultado da aplicação da lei estrangeira e os


princípios fundamentais da ordem jurídica do foro: que se encontra preenchido
porque a aplicação da lei estrangeira gera como resultado a afetação da legítima
do herdeiro, esta matéria da legítima é relativamente protegida no nosso
ordenamento jurídico.
 Conexão suficiente entre a ordem jurídica do foro e os factos da relação jurídica
que estão a ser apreciados: também se encontra preenchido.

No nosso caso, este requisito encontra-se preenchido. Como tal, o ROPI vai intervir
de forma a proteger este herdeiro, sendo afastada a lei da África do Sul e aplicadas as
normas materiais do Direito do foro para proteger a legitima (1759º e 2157º)

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