de setembro, a l inguagem usada em t o rno da ameaça terrorista tinha um toque decididamente viral . Não eram raras as comparações d iretas entre o terrori sta e o vírus . Ambos possuem uma manei ra de te ati ngi r i nesperadamente, de i rromper subi tamente por baixo do l imi ar da percepção, atacando de qualquer d i reção com urna impl acabil idade i numana, urna l etalidade d i spersa, quando não com uma preci são assassina. o l i miar da percepção coinci d i u amiúde com a fro nteira da nação . > o terrori sta era o inimi go "sem rosto", como o "outro", como uma fita sol ta de RNA entocada em um suí no, à espera de detonar a carne humana. No meio d i sso, um terrorista doméstico mei o incompetente, mas i maginativo , entrou em ação. Em maio de 2002 , caixas de correio começaram a expl odi r no Meio- Oeste estaduni dense . Durante a l guns d i as, dezoito 1 ' aparel hos expl osivos improvisados f o ram plantados em cai xas de correi o do centr o do Texas até o norte de I l linois . Os ataques não pareci am a l eatórios . Par eciam seguir um padrão que ia sendo preenchido a cada ponto de 1 i ncêndio . Os i nimi gos da nação estavam enviando alguma mensagem? Seri a o prelúdio de um ataque maior? Pâni c o , ,• urna caçada rnultiestadual se segui u . o perpetrado r foi preso a ntes do plano ser concluído . El e chegou perto, 1 porém. Expl icou que pretendia 2 4 explosões. Conf essou que preci sava de mais seis para desenhar um sorri so pelo coração dos Estados Uni dos . Os estil haços sorridentes do Smily Face Bomber eram como um jack - in-box retalhado fazendo careta . Você conheceu o ini migo , e e l e é você.
Dos vários regimes de medo . o Smily Face Bomber tinha
bomba casei ra . Hoje temos emoti cons. Ai nda temos ' l iteralmente bombas virais de RNA, mas também temos virali dades i nformaci onais de zero - e - um na forma contagiosa da trollagem, dos mercadores de teori as conspiratórias, e de tweets pres i denc i ais - a parelhos expl osivos improvi sados para detona r o s oc i al via cai xas J
de correios v i r tuai s. A reação d e pôr um r ost o no
"ini migo sem rosto" continua aí, mas sem a i ron i a . o rost o carra ncudo é o emblema dos nossos dias . o rosto carranc udo no comando , o emoti con humano Donald Trump, tem fei to tenta tivas intermit entes de pôr um rost o na cri se , de preferência não b ranco . Trump vanglorio u-se do papel i maginário que seu muro xenófobo ao sul da fronteira te r ia para d i minuir o contág i o. Ins i s tiu em chamar a Covid-1 9 de o "vírus chinês", mesmo enquanto os Estados Uni dos se to rnavam o epicentro > da pandemia (sugeri ndo uma denominação geográfica diferente). Ele propôs a quarentena do res t o do país para p r otegê-lo cont ra a elite costei ra doente de Nova York . Ele até lançou a i deia de despachar as f orça s milita res para as f ro nteiras do norte a fim de prot eger a nação contra as horda s canadenses. Porque isso é uma guerra - a ssim como a guerra a o t error t ambém o era - e o que é uma guerra sem tropas? As " tropas" na l i nha de frente, os especial ista s da s a úde pública, que pedem desesperadamente por mais contingente - do tipo q ue mane j a amostras de t est es em vez de armamento mil i ta r -, \ não t êm o drama necessário . A resposta mais consistente de Trump, entretanto , não ,• tem s i do a dramatização , mas a mi nimização . Aplaudi do pela Fox News e por diversos especialistas e políticos 1 de direita , ele transfe r iu o mode l o do negacionismo climático para o coronavírus. Uma gripezinha!, ,, . . ,._ excl amaram. E uma ma nei ra d iferente de por um rosto nisso - um r ost o " l iberal" . o vírus é anódi no. A ameaça real é a bomba terrorista do soci ali smo f urtivo. A nação está compl e t ame nte assustada, e por i sso volta rá choraminga ndo pai;a o "Grande Governo". E ainda que o vírus seja um t ant o mortífe ro, nó s temos que seguir adiante e man ter o país f unc i onando . "Não podemos t ornar ( a cura p i or que a doe nça" . A economia de l i vre mercado deve ser salva a t odo custo . Os mais vulneráveis , afirma o governador do Texa s , o t enente Dan Patrick, devem ser bons soldados e se p repa ra r para o a utossacrifíc i o para salva r o país des t a ameaça pi or q ue a morte : uma , economia doen te. Os i dosos, os desa b rigados , as pessoas com a imun i da de comprometida, todos os que t endem, no melhor dos tempos, a c ai r para o fim da l i s t a da triagem (pessoas com deficiência, com síndr ome de Down, com demência, os aut istas , os pob res) serão o s herói s não cantados da nação . Qualquer semel ha nça com e ugeni a ... Esta estratégia dup l a, apesar d a contradição d e dramatizar e de minimizar simul taneament e, l evou Trump a regi s tra r altos í ndices de a p r ovação . I sso i mpl ica que não há cont radi ção alguma, mas um acopl amen t o > operacional entre do i s modos de projet ar a ameaça sobre um rosto inimi go, com o intuito de afas t ar a percepção do perigo . Em um regi me de medo, a personificação p r ojet ada do perigo e a subsunção da v i da mesma pela economia and a m de mãos d a das . Na era do 1 1 de set embr o , o t errori s ta f o i ass i milado ao vírus do o utro, desuma niza do . o i nimigo " inespecífico" e "assimétrico" e ra preponderante, e preci samos de um coringa exp los i vo para nos lembra r que o medo pode t er um rosto. Nos nossos d i a s de peste contemporâneos, o que domina é a ass i milação do vírus a um ini mi go identificado , p reso em \ um espelho d emasiado huma no , como num debate, um f ace a f ace, po l ari zado pelo ódio . A t écnica de produçã o do ,• o utro não est á de f orma a l guma acabada . Ela oscila com a personi ficação , coexistindo com a figuração do peri go 1 como a out ra met ade de si próprio . A t axa de aprovação de Trump rondou os 50% . Nós conhecemos o ini mi go - é a nossa ou tra metade . A guerra a ss i métrica , pendul ando .... como o equival e nte mo ral da g ue r ra civi l? E a outra meta de? Sem necessariamente pe r sonificar o u mercantili zar, a outra meta de (se posso extrapolar minha própri a experiência ) se sent e gol peada e sitiada, tan t o pela ameaça do ví rus qua n t o pela resposta da outra - metade do o utro . Checa obsess i vamente o ' f eed de no tícias numa t entati va interminável de t i rar a t empera t ura de uma crise que trans borda o termômet ro a cada abordagem . Agudamente consci ente da inumanidade do vírus e de sua indi ferença para com 1
o aconteci mento d e sua própria emergência . Dobrada
sobre seus p rópri os ques tionamen tos e postergando indefinidamente por necessidade de agarrar- se à alguma coi sa. Embora não seja uma personific a ção , i sto é intensame nte indi viduali zante - ass i m como o é o dis t anciame nto social imuni tári o , devi damente pra ticado e ntre as buscas na internet sobre os úl t i mos números estarrecedor es. Esta indivi dual ização não está na base da mesma economia l iberal para a qual os Donal d Trumps e Dan Patricks do mundo nos pedem para sacrificarmo s nossas vidas? Do i s regimes de medo : pro jetivo- agressivo e i munit ári o - defensivo , personi ficação e i ndivi duali zação . Unidos n o curso d a a gonia neoli beral. Est e é o v í rus americano? Sor r ia.
Cuidar do aconteci mento. Vi r ou lug ar comum a filosofia
,.., contemporânea afirmar que, ética e poli t i cament e , o acontecimento é um apelo para nos t or narmos iguais a ele . Per sonificar e individuali zar não são iguais a um acontecimento qu e vigo r osament e demonstra nossa \ interdependência . Nada como o f echa mento da economia para nos lembrar de como nossas v i das estão finamente ,• suspensas em uma rede de mu t uali dade . Nunca antes senti mos a me r cearia do bair ro ou a s pessoas que 1 trabalham com entrega t ão int egrad a s à existência social. A o r i gem mesma do vírus está entrelaçad a em uma teia ecol ógica: uma r ota de transmi ssão mul t iespécie para a qual os c i enti stas há muit o tempo nos ale rt am que a s condi ções esta va m dadas, em razão da destru i ção dos háb ita ts e do aquecimento global. I sso não envol ve uma só cida de - envolve um plane ta . Isso e nvo l ve o cui da do de uns com os outros, em consonâ ncia com o cui dado com o p laneta. I sso envolve não uma ' personi ficação , ma s assumi r o i mbri cament o integral de cada um em um mundo mais que h uma no . 1 Em vez de trans f erir o negacioni smo das mudanças cli máticas para a Covi d - 19 , temos a opção de transferir o momentum coleti vo que tem sido construído pelo movimento de emergênci a climá tica a o apo i o mútuo e à cel ebração da vida nessa crise , com o olhar vol tado já para além da dela, para continuar a luta contra a mai or das crises da q ual esta é indiscutivel mente tributária. I sso inclui dar passos em direção a um t i po de economia que jamais nos pediria - a nossos v i z i nhos , ao planeta - para nos deitarmos e mo r rermos . Ist o é o que dever i a ser cantado das va r andas : pós- capi tali smo , em voz a l ta. Não me refiro à imitação que faz disso o "soci ali smo democrático", que não passa de uma tentativa de dar um rosto humano ao capitali smo . El e é o mel hor dentre alte r nativas o f erecidas. Mas j á vimos o nde os r ostos nos conduzem. Uma i mb r icação mútua de uns com o s outros : tentemos algo transindi vi dual de-s t a vez . Um mundo mai s que ,., humano : faça- o multiespéci es . Isto é para vocês , Trump e Companhia : o l hando para trás, lhes dar ia uma coi sa sobre a qual vocês poderiam dizer que t inham razão . Exceto a parte do f urtivo . 1 Em voz alta .