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DOSSIÊ ABCiber

Cibercultura e educação: a comunicação na sala de


aula presencial e online*
RESUMO Em grande parte dos cursos via Internet prevalece o
Este texto vem mostrar que na cibercultura as práticas de modelo comunicacional centrado na transmissão de in-
ensino e de aprendizagem deparam-se com o contexto formações. Os ambientes “virtuais” de aprendizagem
sociotécnico do computador e da Internet onde emergem continuam estáticos, ainda centrados na distribuição de
práticas comunicacionais que liberam o processo comu- dados desprovidos de mecanismos de interatividade, de
nicacional do imperativo unidirecional dos meios de criação colaborativa e de aprendizagem construída.
massa (impresso, cinema, rádio e TV) e oportunizam a Muito já se questionou a prática pedagógica baseada na
multidirecionalidade em rede. Para isso, parte dos estu- transmissão para memorização e repetição, mas pouco
dos da cibercultura e traz sugestões para a construção se fez para modificá-la efetivamente. Doravante teremos
de uma agenda comunicacional capaz de expressar a mais do que a força da crítica mais veemente já feita.
dinâmica que associa emissão e recepção como pólos Teremos a exigência cognitiva e comunicacional das
antagônicos e complementares na co-criação da comu- novas gerações que emergem com a cibercultura.
nicação e do conhecimento. Na cibercultura a educação na modalidade “a distân-
cia”, tradicionalmente baseada nos meios de massa (im-
PALAVRAS-CHAVE prensa, rádio e TV), é cada vez mais online. A legislação
cibercultura oficial do MEC impulsiona amplamente a oferta da mo-
educação dalidade “não presencial”. As universidades particula-
docência e aprendizagem presencial e online res ampliam largamente a oferta de disciplinas e cursos
online com vistas no negócio promissor. A procura por
ABSTRACT cursos online aumenta surpreendentemente por causa
This conference argues that teaching and learning practices in da sua flexibilidade, mobilidade e atemporalidade. Este
a cyberculture are faced with a sociotechnical context based on texto, fruto de pesquisas realizadas, vem mostrar que a
the computer and Internet in which communication practices dinâmica comunicacional da cibercultura e das interfa-
are emerging that release the communication process from the ces de comunicação online entram em conflito com os
unidirectional imperative of the mass media (the printed me- fundamentos e práticas do ensino tradicional, em que se
dia, cinema, radio and TV) and provide the opportunity for tem o professor responsável pela produção e pela trans-
network-based multidirectionality. To this end, the conference missão do “conhecimento”.
starts by examining studies of cyberculture and makes a num- Na modalidade online professor permanece ainda
ber of suggestions regarding the development of a communica- tratando os aprendizes como recipientes de informação
tion program that can embody the dynamics that bring together e não como agentes de colaboração, de compartilha-
transmission and reception as opposite and complementary po- mento e de co-criação, hábitos e comportamentos que
les in the co-creation of communication and knowledge. se desenvolvem com a cibercultura. Neste contexto a
“lógica da distribuição”, própria dos meios de mas-
KEY WORDS sa, subutiliza as potencialidades comunicacionais da
cyberculture web. Mesmo utilizando fóruns e e-mails, a interação é
education ainda muito pobre.
classroom-based and online teaching and learning A partir da crítica ao modo de comunicação que pre-
valece na educação online, o texto sugere estratégias de
organização e funcionamento da docência que permi-
tem redefinir a atuação dos professores e dos alunos
como agentes do processo de comunicação e de aprendi-
zagem, em sintonia com a dinâmica comunicacional da
cibercultura.

1. O cenário sociotécnico da cibercultura e perspectivas


para a educação online
A tela do computador online não é canal de recepção
para o indivíduo solitário. Ela é campo de possibilida-
Marco Silva des para a ação do sujeito interagente que opera facil-
Professor da Universidade Estácio de Sá - RJ - UERJ/ RJ/ BR mente com outros interagentes a partir de imagens, sons
marcoparangole@uol.com.br e textos plásticos e dinâmicos em sua condição digital. O

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digital possui uma qualidade semiótica intrínseca defi- gentes permitindo autoria e co-criação na troca de infor-
nida matematicamente, em combinações numéricas de mações e na construção do conhecimento. Nesse cenário
“1” e “0”. A existência imaterial da mensagem online sociotécnico ocorre a transição da lógica informacional
confere aos interagentes a liberdade de manipular infi- baseada no modelo “um-todos” (transmissão) para a
nitamente os dados digitalizados, criando e recriando lógica da comunicacional segundo a dinâmica “to-
novas possibilidades de representação e de navegação, dos-todos” (interatividade). Uma modificação pro-
de acordo com as suas decisões em um campo de refe- funda no esquema clássico da informação baseado
rências multidirecionadas. na ligação unilateral emissor-mensagem-receptor (Mar-
Portanto, o computador online não é um meio de trans- chand, 1986).
missão de informação como a televisão, mas espaço de · O emissor não emite mais no sentido que se entende
adentramento e manipulação em janelas móveis, plásti- habitualmente uma mensagem fechada. Ele oferece um
cas e abertas a múltiplas conexões entre conteúdos e leque de elementos e possibilidades à manipulação do
interagentes geograficamente dispersos. Para além das receptor;
interferências, manipulações e modificações nos con- · A mensagem não é mais emitida, não é mais um mundo
teúdos presentes na tela do computador off-line, os inte- fechado, paralisado, imutável, intocável, sagrado, é um
ragentes podem interagir realizando compartilhamen- mundo aberto em rede, modificável na medida em que
tos e encontros de colaboração síncronos e assíncronos. responde às solicitações daquele que a consulta;
Assim entendido, o computador online renova a rela- · O receptor não está mais em posição de recepção clássi-
ção do sujeito com a imagem, com o texto, com o som, ca, é convidado à livre criação, e a mensagem ganha
com o registro, com o conhecimento. sentido sob sua intervenção.
Ele permite o redimensionamento da mensagem, da
emissão e da recepção para além da distribuição de Os princípios da interatividade podem ser encontra-
pacotes de informação de A para B ou de A sobre B dos em sua complexidade nas disposições técnicas do
própria dos meios de massa tradicionalmente utiliza- computador online. São três basicamente: a) participa-
dos em educação a distância. ção-intervenção: participar não é apenas responder
No contexto dos meios de massa, a mensagem é fecha- “sim” ou “não” ou escolher uma opção dada, supõe
da, uma vez que a recepção está separada da produção. interferir no conteúdo da informação ou modificar a
O emissor é um apresentador que atrai o receptor de mensagem; b) bidirecionalidade-hibridação: a comuni-
maneira mais ou menos sedutora para o seu universo cação é produção conjunta da emissão e da recepção, é
mental, seu imaginário, sua récita. E quanto ao receptor, co-criação, os dois pólos codificam e decodificam; c)
seu estatuto nessa interação limita-se à assimilação pas- permutabilidade-potencialidade: a comunicação supõe
siva ou inquieta, mas sempre como recepção separada múltiplas redes articulatórias de conexões e liberdade
da emissão. de trocas, associações e significações.
A lógica da transmissão em massa perde sua força no Estes fundamentos podem garantir o sentido não ba-
cenário sociotécnico que ganha forma a partir das trans- nalizado do conceito e inspirar o rompimento com a
formações recentes do social e do tecnológico imbrica- lógica da transmissão e abrir espaço para o exercício da
dos (Silva, 2006): participação genuína, isto é, participação sensório-cor-
poral e semântica e não apenas mecânica (Silva, 2006).
· Social. Há um novo espectador menos passivo diante Para Couchot (1997, p. 143), “a interatividade é o pão
da mensagem mais aberta à sua intervenção. Ele apren- cada vez mais cotidiano de uma sociedade inteira”. Seu
deu com o controle remoto da TV, com o joystick do conceito, se depurado da banalização mercadológica de
videogame e agora aprende como o mouse e com a tela praxe, exprime a disponibilização consciente de um plus
tátil. Ele migra da tela da TV para a tela do computador comunicacional de modo expressamente complexo pre-
conectado à Internet. É mais consciente das tentativas de sente na mensagem e previsto pelo emissor, que abre ao
programá-lo e mais capaz de esquivar-se delas. Evita receptor possibilidades de responder ao sistema de ex-
acompanhar argumentos lineares que não permitem a pressão, de dialogar e criar com ele.
sua interferência e lida facilmente com ambientes midiá- No contexto da cibercultura, a interatividade manifes-
ticos que dependem do seu gesto instaurador que cria e ta-se nas práticas comunicacionais como e-mails, listas,
alimenta a sua experiência comunicacional; blogs, videologs, jornalismo online, Wikipédia, Youtu-
· Tecnológico. O computador conectado à Internet per- be, MSN Messenger, Orkut, chats, MP3 e novos empre-
mite ao interagente criação e controle dos processos de endimentos que aglutinam grupos de interesse como
informação e comunicação mediante ferramentas e in- cibercidades, games, softwares livres, ciberativismo,
terfaces de gestão. Diferindo profundamente da TV, webarte, música eletrônica.
enquanto máquina restritiva e centralizadora, porque No ciberespaço cada sujeito pode adicionar, retirar
baseada na transmissão de informações elaboradas por e modificar conteúdos dessa estrutura; pode disparar
um centro de produção (sistema broadcast), o computa- informações e não somente receber, uma vez que o
dor online apresenta-se como sistema aberto aos intera- pólo da emissão está liberado; pode alimentar laços

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comunitários de troca de competências, de coletivização dor, são definidos matematicamente e processados por
dos saberes, de construção colaborativa de conhecimen- algoritmos, que são conjuntos de comandos como dispo-
to e de sociabilidade (Lemos, 2002). sição para múltiplas formatações-intervenções-navega-
O ciberespaço é o “hipertexto mundial interativo, ções operacionalizadas pelo computador. Uma vez que
onde cada um pode adicionar, retirar e modificar par- a imagem, o som e o texto, em sua forma digital, não têm
tes dessa estrutura telemática, como um texto vivo, existência material, podem ser entendidos como campos
um organismo auto-organizante”; é o “ambiente de de possibilidades para a autoria dos interagentes. Isto é,
circulação de discussões pluralistas, reforçando com- por não terem materialidade fixa, podem ser manipula-
petências diferenciadas e aproveitando o caldo de dos infinitamente, dependendo unicamente de decisões
conhecimento que é gerado dos laços comunitários, que cada interagente toma ao lidar com seus periféricos
podendo potencializar a troca de competências, de interação como mouse, tela tátil, joystick, teclado.
gerando a coletivização dos saberes”; é o ambiente Há uma “geração digital” (Tapscott, 1999) tran-
que “não tem controle centralizado, multiplican- sitando da tela da TV de massa para a tela do
do-se de forma anárquica e extensa, desordenada- computador online, cujas disposições comunicaci-
mente, a partir de conexões múltiplas e diferencia- onais requerem das escolas e das universidades
das, permitindo agregações ordinárias, ponto a qualitativos investimentos na docência e na gestão
ponto, formando comunidades ordinárias” (Lemos, da educação via Internet. Em particular, a educa-
2002, pp. 131-145/146). ção online vive uma grandiosa oportunidade com
Nesse contexto, o digital é responsável por uma o computador online que oferece disposições téc-
revolução tecnológica e cultural sem precedentes, a nicas que contemplam a expressão de fundamen-
partir da transformação de átomos em bits que dá tos essenciais da educação como diálogo, compar-
origem à “vida digital” (Negroponte, 1996). A codifi- tilhamento de informações e de opiniões,
cação digital contempla o caráter plástico, fluido, hi- participação, autoria criativa e colaborativa.
pertextual, interativo e tratável em tempo real do con- As disposições técnicas conhecidas como fórum de
teúdo da mensagem. A transição do analógico para o discussão, chat, portfólio e blog podem ser facilmente
digital permite a criação e estruturação de elementos instaladas ou disponibilizadas no ambiente da sala de
de informação, as simulações, as formatações evolu- aula online. São interfaces online ou espaços de encontro
tivas nos ambientes online de informação e comuni- dos cursistas. Elas são capazes de ensejar a construção
cação que permitem criar, gerir, organizar, fazer mo- coletiva da comunicação e do conhecimento na Internet.
vimentar uma documentação completa com base em A disponibilização dos conteúdos de aprendizagem e
textos, imagens e sons. das atividades de um curso via web precisará se dar
conta de que pode potencializar a comunicação e a apren-
Ao retirar a informação do mundo analógico – o dizagem e não subutilizar as interfaces online que reú-
mundo ‘real’, compreensível e palpável para os nem um conjunto de elementos de hardware e software
seres humanos – e transportá-la para o mundo destinados a possibilitar aos estudantes agregações, as-
digital, nós a tornamos infinitamente modificá- sociações e significações como autoria e co-autoria. Pode
vel. [...] Nós a transportamos para um meio que é integrar várias linguagens (sons, textos, imagens) na
infinita e facilmente manipulável. Estamos aptos tela do computador online.
a, de um só golpe, transformar a informação li- A partir de ícones e botões acionados por cliques no
vremente – o que quer que ela represente no mun- mouse, toques na tela ou combinação de teclas, janelas
do real – de quase todas as maneiras que desejar- de comunicação se abrem possibilitando interatividade
mos e podemos fazê-lo rápida, simples e no chat, fórum, lista, blog e portfólio que podem estar
perfeitamente. [...] reunidos como convergência de interfaces no ambiente
Em particular, considero a significação da mídia online de aprendizagem.
digital sendo manipulável no ponto da trans- Em suma, podemos dizer que o design de um curso
missão porque ela sugere nada menos que um pode lançar mão de proposições e de interfaces para a
novo e sem precedente paradigma para a edi- co-criação da comunicação e da aprendizagem em sua
ção e distribuição na mídia. O fato de as mídi- sala de aula online.
as digitais serem manipuláveis no momento Disposições que deverão favorecer bidirecionalidade,
da transmissão significa algo realmente extra- sentimento de pertença, trocas, crítica e autocrítica, dis-
ordinário: usuários da mídia podem dar forma cussões temáticas, elaboração colaborativa, exploração,
a sua própria prática. Isso significa que infor- experimentação, simulação e descoberta.
mação manipulável pode ser informação intera- Ou seja, para garantir qualidade em sua autoria, o
tiva (Feldman, 1997, p 4). professor precisará contar não apenas com o computa-
dor online, mas com o design de um curso capaz de
Digital significa, portanto, uma nova materialidade favorecer a expressão do diálogo, do compartilhamento
das imagens, sons e textos que, na memória do computa- e da autoria criativa e colaborativa.

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2. Sugestões para uma docência interativa presencial e


online 5. Mobilizar a experiência do conhecimento;
Na cibercultura os atores da comunicação tendem à
interatividade e não mais à separação da emissão e Para operar com estas cinco sugestões para do-
recepção própria da mídia de massa. Para posicionar-se cência interativa, o professor deverá, por sua vez, garan-
nesse contexto e aí educar, os professores precisarão tir atitudes comunicacionais específicas:
dar-se conta do hipertexto, isto é, do não-seqüencial, da · Acionar a participação-intervenção do receptor, saben-
montagem de conexões em rede, que permite uma multi- do que participar é muito mais que responder “sim” ou
plicidade de recorrências entendidas como conectivida- “não”, é muito mais que escolher uma opção dada; par-
de, diálogo e participação. Eles precisarão dar-se conta ticipar é modificar, é interferir na mensagem (Silva, 2000).
de que, de meros disparadores de lições-padrão, deve- · Garantir a bidirecionalidade da emissão e recepção,
rão se converter em formuladores de interrogações, coor- sabendo que a comunicação é produção conjunta da
denadores de equipes de trabalhos, sistematizadores de emissão e da recepção; o emissor é receptor em potencial
experiências. e o receptor é emissor em potencial; os dois pólos codifi-

Docência unidirecional (modelo um-todos) cam e decodificam (Silva, 2000).


· Disponibilizar múltiplas redes articulatórias, sabendo
O docente propõe o conhecimento à maneira do que não se propõe uma mensagem fechada, ao contrário,
hipertexto. Assim se redimensiona a sua autoria. Não oferecem-se informações em redes de conexões permitin-
mais a prevalência do falar-ditar, da distribuição de in- do ao receptor ampla liberdade de associações, de signi-
formação, mas a perspectiva da proposição complexa do ficações (Silva, 2000).
conhecimento à participação colaborativa dos participan- · Engendrar a cooperação, sabendo que a comunicação e
tes, dos atores da comunicação e da aprendizagem. o conhecimento se constroem entre alunos e professor
O docente pode construir mediação interativa ins- como co-criação (Silva, 2000).
pirada nas seguintes sugestões (Silva, 2005): · Suscitar a expressão e a confrontação das subjetivida-
des no presencial e nas interfaces fórum, e-mail, chat,
1. Propiciar oportunidades de múltiplas experimenta- blog, wiki e portfolio, sabendo que a fala livre e plural
ções, múltiplas expressões; supõe lidar com as diferenças na construção da tolerân-
cia e da democracia (Silva, 2003 e 2005).
2. Disponibilizar uma montagem de conexões em rede · Garantir no ambiente online de aprendizagem uma
que permita múltiplas ocorrências; riqueza de funcionalidades específicas tais como: inter-
textualidade (conexões com outros sites ou documentos),
3. Provocar situações de inquietação criadora; intratextualidade (conexões no mesmo documento),
multivocalidade (multiplicidade de pontos de vista),
4. Arquitetar colaborativamente percursos hipertextu- usabilidade (percursos de fácil navegabilidade intuiti-
ais; va), integração de várias linguagens (som, texto, ima

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Docência interativa (modelo todos-todos)

gens dinâmicas e estáticas, gráficos, mapas), hipermídia Acostumado ao modelo da transmissão de conheci-
(convergência de vários suportes midiáticos abertos a mentos prontos, o professor se sente pouco à vontade no
novos links e agregações) (Santos, 2003). ambiente digital que libera a participação dos aprendizes
· Estimular a autoria cooperativa de formas, instru- como co-autores da comunicação e da aprendizagem.
mentos e critérios de avaliação, criar e assegurar a ambi- Prevalece, ainda hoje, o modelo tradicional de educa-
ência favorável à avaliação formativa e promover avali- ção baseado na transmissão para memorização, ou na
ação contínua (Silva, 2006). distribuição de pacotes fechados de informações ditos
No ambiente comunicacional assim definido, estes “conhecimentos”. Há cinco mil anos a escola está base-
princípios da docência interativa são linhas de agenci- ada no falar-ditar do mestre e na repetição. Não é fácil
amentos que podem potencializar a autoria do profes- sair desse paradigma para a interatividade, a não ser
sor, presencial e online. A partir de agenciamentos de violentando a natureza comunicacional da nova mídia,
comunicação capazes de contemplar o perfil comunicaci- repetindo o que faz na sala presencial.
onal da geração digital que emerge com a cibercultura, o No ambiente online o professor terá que modificar sua
docente pode promover uma modificação paradigmática velha postura, inclusive para não subutilizar a interati-
e qualitativa na sua docência e na pragmática da aprendi- vidade própria do meio. No lugar da memorização e da
zagem e, assim, reinventar a sala de aula em nosso tempo. transmissão, o professor propõe a aprendizagem mo-
delando os domínios do conhecimento como espaços
Conclusão abertos à navegação, colaboração e criação. Ele propõe o
Este texto, fruto de pesquisas realizadas no PPGE da conhecimento em teias (hipertexto) de ligações e de inte-
Universidade Estácio de Sá, vem mostrar que a educa- rações permitindo que os alunos conduzam suas explo-
ção via Internet vem se apresentando como grande desa- rações.
fio para o professor acostumado ao modelo clássico de De apresentador que separa palco e platéia, o profes-
ensino. São dois universos distintos no que se refere ao sor passa a arquiteto de percursos, mobilizador das inte-
paradigma comunicacional dominante em cada um. ligências múltiplas e coletivas na experiência da co-
Enquanto a sala de aula tradicional está vinculada ao criação do saber. E o aluno, por sua vez, deixa a condição
modelo unidirecional “um-todos”, que separa emissão de espectador, não está mais submetido ao constrangi-
ativa e recepção passiva, a online está inserida na pers- mento da recepção passiva, reduzido a olhar, copiar e
pectiva da dinâmica comunicacional da cibercultura prestar contas.
entendida aqui como colaboração “todos-todos” e como Assim, ele cria, modifica, constrói e torna-se co-autor
“‘faça você mesmo” operativo. da aprendizagem.

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e de criação coletiva. Em suma, este texto procurou mos-


É preciso se colocar a par da trar que a emergência da cibercultura vem corroborar a
crítica já existente na teoria da educação que diz: o pro-
cibercultura, isto é, da fessor é o responsável pela produção e transmissão do
conhecimento; os cursos pela Internet acabam conside-
atualidade sociotécnica rando que as pessoas são recipientes de informação; a
educação continua a ser, mesmo na tela do computador
informacional e comunicacional conectado em banda larga, repetição burocrática, trans-
missão de conteúdos empacotados; se não muda o para-
definida pela codificação digital digma, a Internet acaba servindo para reafirmar o que já
se faz nFAMECOS
(bits), pela digitalização que
REFERÊNCIAS
garante o caráter plástico, COUCHOT, E. A arte pode ainda ser um relógio que
adianta? O autor, a obra e o espectador na hora do
hipertextual, interativo e tratável tempo real. In: A arte no século XXI: a humanização
das tecnologias. DOMINGUES, D. (org.). São Paulo:
em tempo real do conteúdo. FAPESP, 1997

FELDMAN, T. Introduction to digital media. New York/


Para não violentar esse aluno nem a Internet, o profes- London: Routledge, 1997.
sor precisa aprender com o webdesigner e não mais com
o apresentador de TV. Enquanto esse velho conhecido é LEMOS, A. Cultura das redes: Ciberensaios para o século
o narrador que atrai o espectador de maneira sedutora XXI. Salvador: EDUFBA, 2002.
para sua récita, o informata constrói uma teia de territó-
rios abertos a navegações e dispostos a interferências. O LÉVY, P. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 1999.
professor precisa perceber que a tela da TV é espaço de
irradiação que só permite mudar de canal, enquanto a MARCHAND, M. Les paradis informationnels: du Minitel
do computador é tridimensional e permite adentramen- aux services de communication du futur. Paris: Mas-
to e manipulação dos conteúdos. Precisa perceber, en- son, 1987.
fim, que a TV é para assistir e o computador, para intera-
gir. Assim emerge uma nova ambiência comunicacional NEGROPONTE, N. A vida digital. São Paulo: Cia. das
- a cibercultura. Letras, 1996.
É preciso se colocar a par da cibercultura, isto é, da
atualidade sociotécnica informacional e comunicacio- SANTOS, E. O. Articulação de saberes na EAD online:
nal definida pela codificação digital (bits), isto é, pela por uma rede interdisciplinar e interativa de conhe-
digitalização que garante o caráter plástico, hipertextu- cimentos em ambientes virtuais de aprendizagem.
al, interativo e tratável em tempo real do conteúdo. A In: SILVA, M. (Org.).Educação online. São Paulo: Loyo-
codificação digital permite manipulação de documen- la, 2003.
tos, criação e estruturação de elementos de informação,
simulações, formatações evolutivas nos ambientes ou SILVA, M. Sala de aula interativa. Rio de Janeiro: Quartet,
estações de trabalho concebidas para criar, gerir, organi- 2000.
zar e movimentar uma documentação.
O professor pode lançar mão dessa disposição do ___. Criar e professorar um curso online. In: SILVA, M.
digital para potencializar sua sala de aula online. Ao (Org.) Educação online. São Paulo: Loyola, 2003.
fazê-lo, ele contempla atitudes cognitivas e modos de
pensamento que se desenvolvem juntamente com o cres- ___. Educación interactiva: enseñanza y aprendizaje pre-
cimento da cibercultura. Ou seja, contempla o novo es- sencial y on-line. Madrid: Gedisa, 2005.
pectador, a geração digital e, curiosamente, a qualidade
em educação efetiva, isto é, que supõe participação, com- ___. O fundamento comunicacional da avaliação da
partilhamento e colaboração. aprendizagem na sala de aula online. In: SILVA, M.;
Por não perceber a nova ambiência comunicacional SANTOS, E. O. (Orgs.). Avaliação da aprendizagem em
que emerge com a cibercultura, o professor tenderá a educação online. São Paulo: Loyola, 2006.
manter em seus cursos via Internet o mesmo modelo de
ensino em que os conteúdos são distribuídos em sites TAPSCOTT, D. Geração digital: a crescente e irredutível
educacionais estáticos, ainda centrados na transmissão ascensão da geração net. Trad. Ruth Bahr. São Paulo:
de dados, desprovidos de mecanismos de interatividade MAKRON Books, 1999.

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