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Matéria da Editoria:

Internacional
11/ 02/ 2010

Réquiem por Israel?


Uma leitura atenta dos textos dos sionistas fundadores do Estado de Israel revela tudo aquilo que o Ocidente
hipocritamente ainda hoje finge desconhecer: a criação de Israel é um ato de ocupação e como tal terá de
enfrentar para sempre a resistência dos ocupados; não haverá nunca paz, qualquer apaziguamento será
sempre aparente, uma armadilha a ser desarmada. O artigo é de Boaventura Sousa Santos.
Boaventura de Sousa Santos
Data: 12/ 01/ 2009

Está ocorrendo na Palestina o mais recente e brutal massacre do povo palestino cometido pelas forças
ocupantes de Israel com a cumplicidade do Ocidente, uma cumplicidade feita de silêncio, hipocrisia e
manipulação grotesca da informação, que trivializa o horror e o sofrimento injusto e transforma ocupantes
em ocupados, agressores em vítimas, provocação ofensiva em legítima defesa.

As razões próximas, apesar de omitidas pelos meios de comunicação ocidentais, são conhecidas. Em
novembro passado a aviação israelense bombardeou a faixa de Gaza em violação das tréguas, o Hamas
propôs a renegociação do controle dos acessos à faixa de Gaza, Israel recusou e tudo começou. Esta
provocação premeditada teve objetivos de política interna e internacional bem definidos: recuperação
eleitoral de uma coligação em risco; exército sedento de vingar a derrota do Líbano; vazio da transição
política nos EUA e a necessidade de criar um facto consumado antes da investidura do presidente Obama.
Tudo isto é óbvio mas não nos permite entender o ininteligível: o sacrifício de uma população civil inocente
mediante a prática de crimes de guerra e de crimes contra a humanidade cometidos com a certeza da
impunidade.

É preciso recuar no tempo. Não ao tempo longínquo da bíblia hebraica, o mais violento e sangrento livro
alguma vez escrito. Basta recuar sessenta anos, à data da criação do Estado de Israel. Nas condições em
que foi criado e depois apoiado pelo Ocidente, o Estado de Israel é o mais recente (certamente não o
último) ato colonial da Europa. De um dia para o outro, 750.000 palestinos foram expulsos das suas terras
ancestrais e condenados a uma ocupação sangrenta e racista para que a Europa expiasse o crime hediondo
do Holocausto contra o povo judeu.

Uma leitura atenta dos textos dos sionistas fundadores do Estado de Israel revela tudo aquilo que o
Ocidente hipocritamente ainda hoje finge desconhecer: a criação de Israel é um ato de ocupação e como
tal terá de enfrentar para sempre a resistência dos ocupados; não haverá nunca paz, qualquer
apaziguamento será sempre aparente, uma armadilha a ser desarmada (daí, que a seguir a cada tratado
de paz se tenha de seguir um ato de violação que a desminta); para consolidar a ocupação, o povo judeu
tem de se afirmar como um povo superior condenado a viver rodeado de povos racialmente inferiores,
mesmo que isso contradiga a evidência de que árabes e judeus são todos povos semitas; com raças
inferiores só é possível um relacionamento de tipo colonial, pelo que a solução dos dois Estados é
impensável; em vez dela, a solução é a do apartheid, tanto na região, como no interior de Israel (daí, os
colonatos e o tratamento dos árabes israelenses como cidadãos de segunda classe); a guerra é infinita e a
solução final poderá implicar o extermínio de uma das partes, certamente a mais fraca.

O que se passou nos últimos sessenta anos confirma tudo isto mas vai muito para além disto. Nas duas
últimas décadas, Israel procurou, com êxito, sequestrar a política norte-americana na região, servindo-se
para isso do lobby judaico, dos neoconservadores e, como sempre, da corrupção dos líderes políticos
árabes, reféns do petróleo e da ajuda financeira norte-americana. A guerra do Iraque foi uma antecipação
de Gaza: a lógica é a mesma, as operações são as mesmas, a desproporção da violência é a mesma; até
as imagens são as mesmas, sendo também de prever que o resultado seja o mesmo. E não se foi mais
longe porque Bush, entretanto, se debilitou. Não pediram os israelenses autorização aos EUA para
bombardear as instalações nucleares do Irã?

1 de 2 12-02-2010 00:57
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É hoje evidente que o verdadeiro objetivo de Israel, a solução final, é o extermínio do povo palestino.
Terão os israelenses a noção de que a shoah com que o seu vice-ministro da defesa ameaçou os
palestinianos poderá vir a vitimá-los também? Não temerão que muitos dos que defenderam a criação do
Estado de Israel hoje se perguntem se nestas condições - e repito, nestas condições - o Estado de Israel
tem direito de existir?

2 de 2 12-02-2010 00:57

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