Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
RENATO TAVARES
Doutorando do Programa de Pós-graduação em Geografia/UFPR – Curitiba (Brasil);
Pesquisador do Instituto Geológico - São Paulo (Brasil) – retav@hotmail.com
FRANCISCO MENDONÇA
Professor titular do Programa de Pós-graduação em Geografia/UFPR – Curitiba
(Brasil)) – chico@ufpr.br
Introdução
O Brasil possui um extenso litoral, com belas paisagens, expressiva riqueza natural e
marcado por espaços de concentração urbano-industrial. É também nesta porção do
território que uma expressiva parcela da população desenvolve atividades ligadas ao
turismo. O litoral da região sudeste do país é aquele que registra os maiores impactos
das atividades humanas sobre a natureza. O quadro natural foi, ali, fortemente
alterado por processos sociais diversos e resultou em ambientes intensamente
degradados, nos quais se ressaltam a poluição do ar, das águas continentais, oceânicas
e do solo, que conjugadas a episódios de chuvas prolongadas ou concentradas,
deflagram erosão, assoreamento de canais e eventos mais severos, como as
inundações e os deslizamentos de terra. Esses desastres são responsáveis pelas
maiores perdas econômicas e muitas vezes resultam em graves e irreparáveis
consequências – a perda de vidas humanas. Na perspectiva de evidenciar a interação
entre a dinâmica da natureza e a dinâmica da sociedade em ambiente litorâneo
brasileiro, o presente texto adota a abordagem rítmica às análises climáticas, aos
processos sociais e a formação de riscos socioambientais a desastres do tipo
deslizamentos de terra na cidade balneária de Ubatuba, localizada no litoral norte do
Estado de São Paulo.
1
Tema 4 - Riscos naturais e a sustentabilidade dos territórios
2
VI Seminário Latino-Americano de Geografia Física
II Seminário Ibero-Americano de Geografia Física
Universidade de Coimbra, Maio de 2010
3
Tema 4 - Riscos naturais e a sustentabilidade dos territórios
agrupamentos por décadas, retroagindo a análise a 1951 para dois postos; análise das
ocorrências de deslizamento de terra entre 1989 (com a criação do Plano Preventivo
de Defesa Civil) e 2000, subsidiada pelo mapeamento de risco a deslizamentos e
inundações em Ubatuba (SP), realizado pelo Instituto Geológico (2006). Em
decorrência da desativação dos postos pluviométricos no ano 2000, a análise
detalhada da relação entre ritmo pluvial e os deslizamentos se restringiu ao período
das séries de dados de chuva para a década de 1990. Entre 2001 e 2009 foram
levantados apenas os eventos de deslizamentos mais graves, aqueles que registraram
óbitos. A partir do detalhamento sazonal da distribuição temporal e espacial da chuva
foi possível identificar algumas situações de arritmias, de extremos e de habitualidade
do fenômeno pluvial em as relações com as ocorrências de deslizamentos registrados
pela Defesa Civil no município.
4
VI Seminário Latino-Americano de Geografia Física
II Seminário Ibero-Americano de Geografia Física
Universidade de Coimbra, Maio de 2010
5
Tema 4 - Riscos naturais e a sustentabilidade dos territórios
6
VI Seminário Latino-Americano de Geografia Física
II Seminário Ibero-Americano de Geografia Física
Universidade de Coimbra, Maio de 2010
7
Tema 4 - Riscos naturais e a sustentabilidade dos territórios
destaca por concentrar a menor intensidade de totais pluviais entre junho e agosto
para todas as décadas, sendo que nos anos 90 passa a predominar também a maior
freqüência de totais pluviais reduzidos. A distribuição semestral da chuva na década de
90 tem a maior intensidade no período de outubro a março. No período menos
chuvoso, destaca-se o semestre de abril a outubro, de menor freqüência e intensidade
da chuva em todos os postos.
A Tabela 04 apresenta a classificação da área analisada quanto à variabilidade
mensal pluvial, o tempo de retorno de precipitação máxima acumulada em 24 horas e
o tempo de retorno de precipitação máxima acumulada em 3 dias com base nos totais
pluviais considerados pela Defesa Civil como limites potenciais de deflagração de
desastres. Destaca-se a elevada variabilidade pluvial em fevereiro, justamente aquele
que teve o maior número de deslizamentos registrados, como será visto adiante, o que
indica uma relação entre alta variabilidade pluvial e agravamento na vulnerabilidade
socioambiental. O tempo de retorno revela que a chuva acumulada de 120mm em 3
dias é anual, ou seja, em todos os anos a operação verão da Defesa Civil pode entrar
em estado de atenção, o que significa uma alta probabilidade de ocorrer deslizamento,
sobretudo se o período precedente foi chuvoso.
8
VI Seminário Latino-Americano de Geografia Física
II Seminário Ibero-Americano de Geografia Física
Universidade de Coimbra, Maio de 2010
20
Deslizamentos ocorridos
15
10
0
1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000
Anos
9
Tema 4 - Riscos naturais e a sustentabilidade dos territórios
35
Deslizamentos ocorridos
30
25
20
15
10
5
0
NOV DEZ JAN FEV MAR ABR MAI
Anos
Observa-se também que essas ocorrências não estão restritas apenas aos meses de
verão, destacando-se registros consideráveis no mês de novembro, quando o Plano
Preventivo de Defesa Civil ainda não iniciou a operação verão, e em maio, quando já
encerrou as atividades e não realiza vistorias preventivas nas áreas de risco mapeadas.
A análise do período de 2001 e 2009 ficou comprometida pela ausência de dados
pluviométricos devido à desativação de todos os postos utilizados neste estudo, de
10
VI Seminário Latino-Americano de Geografia Física
II Seminário Ibero-Americano de Geografia Física
Universidade de Coimbra, Maio de 2010
forma que não seria possível manter a mesma abordagem. Porém, destacam-se alguns
aspectos dos anos 2000. De maneira geral, continuou havendo deslizamentos em
Ubatuba (SP), o que atesta a habitualidade do fenômeno na área. Houve registros em
dezembro de 2002, janeiro e março de 2003. Mas foi em 29/11/2003, um sábado, que
mais uma vítima perdeu a vida soterrada por um deslizamento que atingiu sua casa
por volta das 2 horas da manhã, em Picinguaba. Desta vez, uma casa de veraneio, de
um senhor de 78 anos, delegado aposentado, que não conseguiu escapar a tempo.
Nota-se que não são apenas nos assentamentos precários que ocorrem de
deslizamento de terra, mas pessoas de outros padrões sociais também estão expostos
ao risco. Em 2005 os deslizamentos voltaram a ocorrer em janeiro, abril e novembro,
quando 9 dias seguidos de chuva, que acumulou mais de 200mm, provocou a queda de
dois matacões que interditaram a Rodovia Rio-Santos (BR-101), principal da região. No
ano seguinte, 2006, em fevereiro, março e novamente novembro houve episódios de
chuvas intensas e deslizamentos, com a configuração de ZCAS – Zona de Convergência
do Atlântico Sul, assim como 2008 (fevereiro, maio e novembro), quando novos
registros marcaram o período seguinte, após o ameno ano de 2007. Na manhã do dia
04/12/2009, numa sexta-feira, uma criança de 8 anos morreu vítima de um
deslizamento que invadiu a casa onde morava, uma área de encosta próxima a BR-101.
A chegada de uma frente fria associada a áreas de instabilidade provocaram chuvas
torrenciais desde a 1h30 da manhã, sem parar, até a tarde, acumulando 216mm.
Conclusão
As características geográficas da área atestam, pelas condições naturais e também
decorrentes do processo de ocupação do território, a formação permanente de riscos
ambientais que, conjugados à complexidade das condições sociais – riqueza, pobreza e
miséria - acentuam a vulnerabilidade socioambiental de grande parte da população
que vive ou freqüenta Ubatuba (SP). A crescente formação de riscos socioambientais e
a ocorrência de deslizamentos de terra nesta cidade são contínuas, amenizados nos
poucos anos em que o ritmo climático apresenta redução nas chuvas - o não habitual -
e agravado naqueles extremamente chuvosos. Em condições habituais, ou seja,
naqueles anos que seguem um padrão que se repete com frequência, os
deslizamentos também ocorrem de maneira habitual. A expansão urbana ocorrida na
década de 1990 avançou sobre áreas de encostas que, sem ocupação, já eram
naturalmente suscetíveis a processos de instabilização, agravadas na atualidade com a
instalação de assentamentos precários e a pobreza. Segundo Valencio (2009), os
11
Tema 4 - Riscos naturais e a sustentabilidade dos territórios
Bibliografia
Lefebvre, H. 1990, Conversa com Henri Lefebvre, Espaço & Debates, 30, São Paulo.
12
VI Seminário Latino-Americano de Geografia Física
II Seminário Ibero-Americano de Geografia Física
Universidade de Coimbra, Maio de 2010
Silva, A.C. 1975, O litoral norte do Estado de São Paulo – formação de uma região
periférica, IGEOG/USP, São Paulo.
Tavares, R., Sant’Anna Neto, J.L, Tommaselli, J.T.G., Pressinotti, M.M.N., & Santoro, J.
2004, Análise da variabilidade temporal e espacial das chuvas associada aos
movimentos de massa no Litoral Norte Paulista, Simpósio Brasileiro de Desastres
Naturais, pp. 680-696.
Valêncio, N., Siena, M., Marchezini, V., Gonçalves, J.C. 2009, Sociologia dos desastres –
construção, interfaces e perspectivas no Brasil, Rima, São Carlos.
13