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Revista de Psicologia

GESTÃO DE PESSOAS E MUNDO DO


TRABALHO: DESAFIOS E POSSIBILIDADES
Personal Management and the working life: Challenges
Revista and possibilities
de Psicologia

Clarissa Nobre Carvalho 1

RESUMO:
Observando que a Administração de Recursos Humanos (ARH) tem sido predominantemente mar-
cada pela utilização de técnicas e instrumentos normativos e objetivos, e que seu olhar sobre o
sujeito tende a calcar uma visão puramente racional do homem, o presente artigo procura salientar
a importância do desenvolvimento de novas práticas e olhares na gestão de pessoas. Para tanto,
foi tecido um aporte sobre o mundo do trabalho contemporâneo, ressaltando os desafios da ARH
frente à nova conjuntura, e proposto um resgate da concepção do trabalho como categoria fundante
e constituinte do ser social. Viu-se que a apreensão da relevância do trabalho na vida dos homens
faz-se fundamental para ressaltar o espaço de trabalho como lugar privilegiado de construção da
subjetividade, contribuindo com a reflexão de novos caminhos de desenvolvimento teórico e prático
de ARH.

ABSTRACT:
The present article discusses the importance of the development of new practices and visions in the
field of the Personal Management that can complement the traditional Human Research Adminis-
tration (HRA) which traditionally uses objective and normative techniques and instruments. This
drives to a rational human comprehension which is very limited. It was developed an approach of
the contemporary working life and its challenges in this new working reality. It was also proposed
an approach of the work while a basic category for the constitution of the social human being. It was
seen that the comprehension of the relevance of the work in human life is of big importance for ad-
mitting the working place and its relevance for the construction of subjectivity. These efforts could
contribute as well to reflect the new paths of the theoretic and practical development of the HRA.

Palavras-chave: Administração de Recursos Humanos; Mundo de trabalho; Atividade; Sujeito.

1
Mestranda em Psicolgia – Universidade Federal do Ceará. E-mail:

188 Revista de Psicologia, Fortaleza, v. 1 n. 2, p. 188-195, jul./dez. 2010


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1. Administração de Recur- o sujeito tende a ser calcada em pressu-


sos Humanos: breve histó- postos objetivos e normativos, privilegian-
rico do um aporte aos indivíduos como recursos
a ser serviço da organização, e não sujeitos
A gestão de pessoas, ou Administra- componentes dela. (Chanlat, 1992)
ção de Recursos Humanos, origina-se das
tradições da psicologia industrial, da teoria A ARH passou por significativas
das organizações, da abordagem sociotécni- transformações nas últimas décadas, den-
ca, da dinâmica de grupos, do behaviorismo tre as quais destacamos três principais
anglo-saxão e da sociologia e de diferentes abordagens: a funcionalista, a estratégica e
correntes de management. (Chanlat, 1992; a política.
Chiavenato, 1999). Essa heterogeneidade
A abordagem funcionalista sinteti-
epistemológica não desvincula, contudo,
za uma abordagem instrumental marcada
sua origem das ciências administrativas.
pelo desenvolvimento e aplicação de téc-
Algumas definições sobre Adminis- nicas, procedimentos e ferramentas. Ten-
tração de Recursos Humanos a conceituam do por escopo o aumento da produtividade
como “[...] o ramo especializado da Ciência e competitividade da empresa, ela busca
da Administração que envolve todas as concretizar um estado de motivação e sa-
ações que tem como objetivo a interação do tisfação dos funcionários, adotando, para
trabalhador no contexto da organização e o tanto, uma intervenção baseada em técni-
aumento de sua produtividade” (GIL, 1994, cas de seleção, de treinamento e avaliação
p.13) do desempenho.

Já Toledo a conceitua como “a área Brabet (apud Davel e Vergara, 2001)


de estudos e atividades que lida com os as- salienta que essa abordagem acredita numa
pectos relativos ao elemento humano em suposta convergência entre os interesses
geral nas organizações. Ou seja, a área que individuas e organizacionais, buscando as-
trata dos problemas de pessoal, de qual- sim provocar nos funcionários uma ação
quer agrupamento humano organizado.” voluntária para o trabalho em termos das
(Idem, 1982, p.7) funções de atrair, selecionar, incentivar e
remunerar as pessoas. Essa intervenção,
Com sua evolução, a Administração contudo, é formalizada pelo uso de técni-
de Recursos Humanos recebeu várias de-
cas e procedimentos racionais e objetivos,
nominações, tais como administração de
por vezes padronizados e desvinculados do
pessoal; relações humanas; comportamen-
contexto social e cultural da organização.
to organizacional; entre outras. Cada nova
denominação reflete o ajustamento a uma Essa suposta convergência também
transformação específica. acaba por submeter questões individuais e
sociais à questão econômica, haja vista que
Ainda a ARH guarde em si uma di-
o sucesso da empresa acarretaria o bem-
versidade de métodos, tendo em vista tam-
estar individual.
bém o contexto na qual se insere, é certo
que ela apresenta, em sua origem, um nú- No fim da década de 70 e início da
cleo comum de preocupação com eficácia década de 80, a ARH passa a sofrer outras
organizacional e uma inspiração comporta- influências que contribuem para sua evo-
mental, racional e positivista. A visão sobre lução gradativa. As forças da competitivi-

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dade mundial, as mudanças no modo de de RH com os objetivos organizacionais,


produção e no mercado de trabalho levam ela não supera o tratamento empregado às
ao desenvolvimento da abordagem estraté- pessoas como fonte de vantagem competiti-
gica de ARH, que tem por foco favorecer a va em relação à produtividade e qualidade.
flexibilidade e adaptabilidade frente às mu-
Já a segunda versão, considerada
danças estruturais e organizacionais.
“pesada”, reflete o instrumentalismo uti-
Davel e Vergara (2001) apontam que litário por tratar as questões de pessoal a
na abordagem estratégica as pessoas são partir de aspectos quantitativos e estraté-
vistas como fontes de competência e recur- gicos, empregando a elas mesmo raciona-
sos estratégicos. Ela caracteriza-se pela in- lismo com que se lida com qualquer outro
tegração entre as políticas de pessoal com fator econômico.
o planejamento estratégico e resultados or-
Essa síntese das versões sugere as
ganizacionais, tais como performance, de-
críticas estabelecidas aos modelos de ges-
sempenho e produtividade. Ela também é
tão de recursos humanos, sobre os quais
marcada pelo crescente incentivo do com-
discorreremos a seguir.
prometimento com as metas e objetivos da
empresa e pelo enfraquecimento do âmbito
coletivista em prol do individualista, uma
vez que pactua com a mudança do foco das 2. Críticas e desafios da
negociações coletivas de trabalho para ne- ARH
gociações individuas. Dentre as críticas estabelecidas às
A abordagem política da ARH, por formas de desenvolvimento da ARH, a prin-
sua vez, compreende as relações organiza- cipal parece repousar na visão das pessoas
cionais como potencialmente conflituosas, como custos e o tratamento a elas como re-
cabendo à gestão de pessoas mediar e ar- cursos (Davel e Vergara, 1992).
bitrar os interesses dos diferentes níveis. A obsessão pela eficácia, pelo de-
Tem por escopo as dimensões políticas, sempenho; a utilização de técnicas e ins-
sintetizando a forma como estas afetam os trumentos padronizados e impregnados de
diversos processos organizacionais. caráter normativo; a tendência de submeter
os funcionários aos mesmos padrões quan-
Dentro do panorama dessas três titativos e econômicos de outros setores,
abordagens, é possível afirmar que, ainda entre outros aspectos, ressaltam formas de
com suas especificidades, todos os mode- atuação desprovidas de conteúdo ético, fi-
los guardam em si um olhar sobre o sujeito losófico e refletivo.
como recursos disponíveis para a produção
de bens e serviços, negligenciando seus Conforme aponta Chanlat (1992),
processos simbólicos. tudo indica que o campo da gestão de pes-
soas se desenvolveu negligenciando os
Storey (apud Davel e Vergara, 2001),
conhecimentos das ciências humanas bá-
analisando o desenvolvimento de cada abor-
sicas. Abordando a gestão de pessoas e o
dagem, sugere duas versões da Administra-
comportamento organizacional, o autor
ção de Recursos Humanos. A primeira, ou
afirma que:
“versão leve”, seria marcada pelo humanis-
mo desenvolvimentista. Ainda que conside- “Observa-se, no interior desse con-
re a importância de se integrar as políticas junto teórico heterogêneo, mesmo

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heteróclito, a ocultação ou ausência As mudanças da estrutura produtiva


de certas dimensões humanas, tais trazidas pelo desenvolvimento tecnológico,
como a dimensão cognitiva e da lin- avanço da automação, robótica e telecomu-
guagem, a dimensão espaço-tempo- nicações contribuíram para a desproletari-
ral, a dimensão psíquica e afetiva, a zação do trabalho fabril (redução significati-
dimensão simbólica, a dimensão da va do contingente de operários industriais).
alteridade, a dimensão psicopatoló- A reestruturação produtiva engendra ain-
gica”. (Chanlat, 1992, p. 23) da uma abrupta mudança de paradigma,
percebendo-se uma intensa flexibilização
Recentes estudos e pesquisas ressal-
do mundo do trabalho observada nos tra-
tam a relevância da ARH renovar sua forma
balhos parciais, temporários, subcontra-
de atuação, seja no campo teórico ou como
tações, terceirizações que, de modo geral,
prática social.
expressam a realidade de precarização la-
Mudanças estruturais no mundo do boral.
trabalho apontam para um cenário de cres-
As modificações no mercado de tra-
cente incerteza e instabilidade. O debate
balho, por sua vez, são evidenciadas prin-
em torno de questões como empregabilida-
cipalmente pelo crescimento do setor de
de, flexibilidade e adaptabilidade compre-
serviços, alargamento de segmentos pouco
endem-se entre os novos desafios da ARH.
estruturados, trabalhadores por conta pró-
pria, sem carteira assinada, subcontrata-
ções, empregos temporários ou part-time,
3. O mundo do trabalho perda de qualidade nos postos de trabalho,
contemporâneo: desafios como baixa remuneração, ausência de di-
para a ARH reitos trabalhistas e previdenciários, pou-
A relação entre subjetividade e traba- ca representação sindical ou política, entre
lho está diretamente imbricada à especifici- outros.
dade assumida pelo trabalho em cada con- Esse cenário de metamorfoses do
texto histórico, social, econômico e cultural. mundo do trabalho tem como conseqüên-
O mundo do trabalho contemporâneo cias mais explícitas o crescimento do de-
vem sendo caracterizado por um cenário de semprego, da pobreza; o enfraquecimento
profundas metamorfoses, exemplificado pela político das relações de trabalho; a redução
mudança nas relações laborais, cada vez do papel do Estado e ampliação do mode-
mais dinâmicas e competitivas; no mercado lo neoliberal de gestão, o qual compreende
de trabalho, onde proliferam-se as terceiriza- privatizações, desregulamentação do mer-
ções, subcontratações; e nos modos de orga- cado de trabalho e crescimento das desi-
nização e produção, centrados predominan- gualdades sociais.
temente no capital. (Antunes, 2005).
Gorz (1998) também aponta um es-
Esse modelo capitalista de produção tado de crise da sociedade salarial, marcado
não interfere apenas na economia e nos principalmente pelo fato de que o capital já
processo de trabalho, mas também nas for- não precisa, e precisará cada vez menos do
mas de agir, pensar e relacionar-se, e afeta trabalho de todos. Essa realidade já pode
significativamente os processos de sociabi- ser observada a partir da crescente dimi-
lidade e subjetivação. nuição da figura emblemática do trabalha-

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dor fixo, estável, sendo a condição mais co- e adesão à cultura de competitividade e
mumente encontrada a do trabalhador em qualidade das empresas. Essa dubiedade
tempo parcial, que ora trabalha, ora não. também aparece nas políticas e práticas de
administração de recursos humanos, pois
Tal situação, não obstante, é perpas-
enquanto os gestores continuam a evocar
sada por um grande paradoxo: ao mesmo
os trabalhadores como estratégicos, cres-
tempo em que o sistema tende a diminuir
cem os processos permanentes de raciona-
consideravelmente o trabalho, a ideologia
lização de custos, como redução de pessoal
“trabalho-valor” nunca foi tão exaltada. É
e busca constante de flexibilidade por meio
sobre o trabalho que continuam a repousar
de contratos de trabalho temporários e ter-
os direitos sociais, a cidadania, o laço so-
ceirização.
cial. Com isso, o próprio sistema restaura
formas de dominação que impelem a lutar Esse complexo processo de trans-
para obter uma forma de trabalho que ele formação vem acarretando mudanças de-
próprio vem abolindo. safiadoras, e efeitos ainda não totalmente
Frente a esse contexto, Gorz propõe elucidados. As alterações ocorrem no cam-
rupturas que superariam, ou abrandariam, po das políticas estatais (que tende a seguir
os efeitos mais nocivos dessa crise. modelos cada vez próximos dos neolibe-
rais), nas relações de trabalho e nas formas
A este título, sugere que se procu-
de organização das classes trabalhadoras
re desconectar o trabalho do “direito a ter
apontam para desafios crescentes na área
direitos”, tanto individuais quanto sociais.
de gestão de pessoas.
O atual sistema, conforme também aponta
Castel (1997), tende a associar os direitos Essa questão vem sendo debatida
ao posto de trabalho em si, e não ao sujei- em diferentes áreas do conhecimento, tais
to, à pessoa do trabalhador. A manutenção como sociologia, ciências da administração,
de tal situação, segundo o autor, acaba por engenharia e psicologia.
fazer coro à estratégia de poder do capital:
precarizar e individualizar as relações de No campo específico da psicologia,
trabalho, já que todos continuam a desejar percebemos a necessidade de resgatar a
imperiosamente aquilo que as empresas só concepção da centralidade do trabalho na
concederão a alguns. vida e no processo de constituição do pró-
prio sujeito. Essa idéia, desenvolvida prin-
Em relação a gestão de pessoas e
administração de recursos humanos nas cipalmente por teóricos da escola soviética,
organizações, observa-se a emergência de foi diretamente influenciada pelas produ-
novos padrões na busca de produtividade, ções de Marx e Engels.
trazendo em seu discurso a necessidade
Entendemos que a apreensão da re-
de um novo tipo de trabalhador, que deve
levância do trabalho da vida dos homens
ser mais qualificado e polivalente (acumule
faz-se fundamental para ressaltar o espa-
funções). Os discursos exigem do traba-
lhador atitudes individualistas que garan- ço de trabalho como lugar privilegiado de
tam sua qualificação e empregabilidade, construção da subjetividade, e contribuir
mas, simultaneamente, atitudes coletivis- para a reflexão de novos caminhos de de-
tas para trabalhar em equipe, exercer ad- senvolvimento teórico e prático da gestão
ministração conjunta, comprometimento de pessoas.

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4. A relevância do traba- que já estava presente desde o início


lho no processo de cons- na mente do trabalhador que, deste
tituição do sujeito modo, já existia idealmente. Ele não
efetua apenas uma mudança de for-
As matrizes teóricas utilizadas para ma no elemento natural; ele impri-
o presente estudo seguem as referências da me no elemento natural, ao mesmo
Psicologia Histórico-Cultural e da Teoria da tempo, seu próprio fim, claramente
Atividade desenvolvidas por Vygotski e Le- conhecido, o qual constitui a lei de-
ontiev, respectivamente, as quais concebem terminante do seu modo de agir e ao
a subjetividade não como reflexo do mun- qual tem de subordinar a sua von-
do externo, mas constituída num processo tade.” (Marx, 1982, p. 212)
dialético de construção e reconstrução da
realidade. (Leontiev, 1990; Vygotski, 1998) Para Marx, o trabalho é uma ativi-
dade que distingue o ser social do ser na-
Na concepção histórico-cultural, a tural, a formação do sujeito enquanto ser
atividade é um conceito-chave, explicativo histórico, social e cultural. Ele abarca três
do processo de mediação. Por meio da ati- importantes aspectos: a de ser uma ativi-
vidade, o homem entra em contato com ob- dade consciente dirigida por um fim previa-
jetos e fenômenos do meio e os transforma, mente estabelecido, de ser mediatizado por
constituindo também a si mesmo nesse instrumentos e de se materializar em um
processo. Contudo, enquanto que Leontiev produto social. (Duarte, 2000)
refere-se ao desenvolvimento da atividade
psíquica como forma peculiar de atividade Tais pressupostos estão presentes
humana, o eixo central da obra de Vygotski nas construções de tanto de Vygotski quan-
é o da ação mediada. (Zanella, 2004). to de Leontiév, sendo essenciais no desen-
volvimento de suas pesquisas e teorias. O
Não obstante, a principal convergên- último aspecto salienta que o produto final
cia entre os dois teóricos repousa no fato de da atividade não é mais um objeto inteira-
que os conceitos de atividade/ação utiliza- mente natural, mas um produto que é uma
dos por ambos estão diretamente relacio- objetivação da atividade e do pensamento
nados ao conceito de trabalho humano, tal do ser humano. O processo dessa produção
como proposto na teoria marxista. objetiva o ser humano e ao mesmo tempo
A célebre analogia de Marx entre a o subjetiva, no sentindo de que o resulta-
abelha e arquiteto sintetiza sua conclusão do da atividade é tanto a produção de uma
de que é através da transformação do mun- realidade humanizada quanto a humaniza-
do de maneira consciente e orientada que o ção do sujeito que a empreende.
homem se constitui enquanto sujeito. Sob este enfoque, Góis (2005) con-
“[...] a abelha faz corar de vergonha clui que “a atividade humana é a condição
muitos arquitetos ao construir suas mediatizadora pelo qual se realiza o proces-
células de cera. Mas, o que distin- so de hominização (filogênese e ontogêne-
gue essencialmente o pior arquiteto se), humanização (sociogênese) e constru-
ção do sujeito (microgênese)” (Idem, p. 78).
da melhor abelha é que ele cons-
truiu sua célula na cabeça antes de Por meio da bibliografia levantada, perce-
fazê-la na cera. No fim do processo bemos que o trabalho, tanto nas formu-
de trabalho aparece um resultado lações do materialismo histórico-dialético

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quanto nas teorias propostas por Vygotski 5. Considerações Finais


e Leontiev, é a forma originária da atividade
humana. É a ação sobre o meio de manei- O desenvolvimento da ARH enquan-
ra consciente e orientada que possibilita a to campo teórico e prática social vem sendo
passagem do ser meramente biológico ao marcado principalmente pelo uso de técni-
ser social, possibilitando a hominização e cas e por uma visão racional do sujeito. As
humanização do sujeito. críticas a esse modelo de gestão salientam
a importância do desenvolvimento de no-
“Antes de tudo, o trabalho é um pro- vas perspectivas que considerem o homem
cesso entre o homem e a Natureza, para além de uma concepção de “recurso
um processo em que o homem, por humano”, abrangendo-o em sua dimensão
sua própria ação, media, regula e individual, cultural e simbólica.
controla seu metabolismo com a
Natureza. [...] Ele põe em movimen- Conforme explicitado, as crescentes
to as forças naturais pertencentes a mudanças no mundo do trabalho contem-
sua corporalidade, braços e pernas, porâneo vêm acarretando inúmeros desa-
cabeça e mão, a fim de apropriar-se fios. O papel da ARH frente a este cenário
da matéria natural numa forma útil deve ultrapassar a tarefa de gerir tensões e
para sua própria vida. Ao atuar, por dilemas, reiterando a relevância do desen-
meio desse movimento, sobre a Natu- volvimento de práticas de gestão mais críti-
reza externa a ele e ao modificá-la, ele cas e compromissadas.
modifica, ao mesmo tempo, sua pró- O estudo do caráter ontológico do
pria natureza”. (Marx, 1982, p.149) trabalho salienta a importância que este
Dessa forma, podemos afirmar que ocupa no meio social. Para além das di-
foi a atividade prática - o trabalho – que mensões puramente econômicas, o traba-
impulsionou a passagem do agir instintivo lho vem a ser espaço e modo privilegiado de
à consciência. A transformação de objetos constituição da subjetividade. A compreen-
naturais desencadeadas por necessidades são desta realidade nos espaços de gestão
sociais confere o caráter teleológico do tra- de pessoas é relevante no sentido de pro-
balho, resultado de uma atividade previa- piciar uma atuação mais compromissada,
ética, amparada numa concepção de sujei-
mente idealizada e conscientemente orien-
to que abarca seu caráter histórico, cultu-
tada. Com isso, a consciência humana
ral e antropológico.
deixa de ser uma mera adaptação ao am-
biente e passa a desenvolver-se, constituir- Cientes de que o presente estudo
se e intervir na realidade de forma ativa e ainda possui um caráter preliminar, acre-
dinâmica. ditamos, não obstante, que essa premissa
sobre o trabalho possui uma importante
A superação pelo trabalho das bar-
implicação em diversos campos de pesqui-
reiras impostas pela natureza e a conse-
qüente constituição da consciência humana sa da psicologia, uma vez que a centrali-
confere a importância deste na constituição dade do trabalho para o sujeito, por vezes
da vida social dos homens. Nesse sentido, atribuída exclusivamente ao contexto his-
temos por desdobramento a afirmação que tórico no qual se insere, está diretamente
é o trabalho a categoria fundante e consti- relacionada ao papel por este ocupado na
tuinte do ser social. constituição do psiquismo.

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