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São Luis
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO
CONSELHO EDITORIAL
Prof. Dr. Esnel José Fagundes
Prof . Dra. Inez Maria Leite da Silva
a
Prof. Dr. Luciano da Silva Façanha
Profa. Dra. Andréa Dias Neves Lago
Prof . Dra. Francisca das Chagas Silva Lima
a
Bibliotecária Tatiana Cotrim Serra Freire
Prof. Me. Cristiano Leonardo de Alan Kardec Capovilla Luz
Prof. Dr. Jardel Oliveira Santos
Profa. Dra. Michele Goulart Massuchin
Prof. Dr. Ítalo Domingos Santirocchi
Revisão
Regina Célia Veiga e Anízia Maria Costa Nascimento
Capa
Ataualpa dos Santos Pereira 3
Projeto Gráfico
Marise Massen Freiner
331p.
ISBN 978-85-7862-897-0
CDD 321.898 0
INTRODUÇÃO
6 Esse aspecto pode ser observado de forma mais acentuada, sempre pre-
servando a sua heterogeneidade, em Brasil, Venezuela, Argentina e Bolívia; e com
Paraguai, Chile, Peru, Equador, Colômbia e México em menor medida.
A partir da primeira década deste século, as mobilizações e organi-
zações sociais, principalmente as que se materializaram em partidos polí-
ticos e movimentos sociais, colocaram em pauta reivindicações por longo
tempo proteladas.
Diversos governos, que podem ser denominados como de centro-
-esquerda, esquerda ou progressistas, delinearam-se na perspectiva de mi-
tigar a intensa onda neoliberal da última década do século passado, criando
uma diversidade de políticas sociais compensatórias, que potencializaram
o consumo, diminuíram significativamente o desemprego e recuperaram o
poder aquisitivo de uma expressiva parcela da população. Nessa conjuntu-
ra, destaca-se a intensa mobilização realizada pelas comunidades indígenas
bolivianas e equatorianas, que desafiaram os seus Estados e seus mecanis-
mos de dominação, interferindo na sua modelagem institucional, que por
séculos consagrara a discriminação racial (ESCÁRZAGA, 2016, tradução
nossa; PORTO-GONÇALVES, 2015; REGALSKY, 2010, tradução nos-
sa). Em outros países da região, com diversa intensidade, partidos e/ou
lideranças progressistas, com estreita vinculação com movimentos sociais
23
e sindicais, alcançaram o poder governamental – como em Paraguai, Hon-
duras, El Salvador, Uruguai, Brasil, Argentina e Chile – experimentando
maior interferência estatal nas políticas sociais.
O caso mexicano é particular nessa conjuntura, pois em uma eleição
questionada, o candidato López Obrador foi declarado derrotado, sendo
que o mesmo foi Prefeito da Cidade do México no mandato anterior, com
políticas do mesmo matiz de centro-esquerda7.
A partir da crise financeira de 2007-2008 nos Estados Unidos e suas
repercussões na economia mundial de queda no crescimento econômico,
assim como as mudanças que as relações dos países Latino-Americanos
vivenciam na política externa desse país – que se traduz, dentre tantos
7 Esse candidato AMLO (pelas iniciais do seu nome) foi eleito Presidente do
México, em julho de 2018, permitindo continuar a refletir em torno da continuidade
da onda progressista do início deste século.
aspectos, no final do ciclo de valorização das commodities -, verificam-se
mudanças nos Governos Progressistas Latino-Americanos, denotando
seu enfraquecimento, ou mesmo, um provável fim de um ciclo. Para além
das hipóteses desse fechamento, verifica-se o ocaso da sincronia dos mes-
mos, que suspende ou extingue projetos de integração regional que, entre
diversos objetivos, visava criar mecanismos para mitigar os efeitos devas-
tadores da política de “livre comércio” levada adiante pelo país hegemôni-
co (GANDÁSEGUI HIJO; PRECIADO CORONADO, 2017, tradução
nossa).
Para além desse debate, observa-se que os governos que se man-
tiveram por mais tempo foram aqueles que interferiram na materialidade
do Estado, aqui nos referimos a reformas nas instituições – entre as quais
destacamos o Judiciário – e interferiram nos meios corporativos de co-
municação de massas. Referimo-nos, especificamente, aos casos de Bolí-
via, Equador e Venezuela com diversas nuances nas dinâmicas que cada
um desses países levou adiante, nestas duas últimas décadas (CARRILLO
NIETO; ESCÁRZAGA; GÜNTHER, 2016, tradução nossa).
24
Outro aspecto a ser destacado e que requer análises pormenoriza-
das, relaciona-se com os diversos graus de institucionalização, que setores
dos movimentos sociais e partidos políticos experimentaram durante os
governos progressistas. A ascensão desses governos aproximou e, fre-
quentemente, incorporou numerosos dirigentes e, formalmente, setores
dos movimentos sociais e partidos anteriormente opositores ao regime e/
ou ao Estado. Essa significativa mudança de posição tende a incentivar a
perspectiva de atendimento das suas reivindicações de forma institucio-
nalizada, sem frequentemente ponderar os limites desse processo. Essa
integração aos governos, na possibilidade de atender suas demandas con-
duziu esses setores subalternos a fragilizar os seus métodos autônomos de
organização, ocasionando dificuldades na reorganização ante as mudanças
da conjuntura. Não devem ser generalizados esses apontamentos, pois a
diversidade e intensidade com que esse processo aconteceu apresentam
nuances e contradições consideráveis na América Latina.
Uma das características economicamente importantes, desse perí-
odo de governos progressistas é a preponderância do extrativismo, que
parece retomar seu longínquo predomínio. Não é objetivo de este ensaio
abordar a complexa polêmica do que se denomina por reprimarização,
mas considerando que parte expressiva das exportações – senão a maior
parte – consiste em petróleo, soja, milho, carne, dentre os mais importan-
tes, o que deve ser frisado é a persistência da colonialidade desse padrão
de inserção no sistema mundo, tendo em vista que, a inserção dessa pro-
dução no mercado internacional – iniciando pela decisão daquilo que será
produzido até os preços e volumes de sua comercialização –, é decidida
pelas forças hegemônicas do sistema-mundo, tornando evidente a obstru-
ção das possibilidades de decisões econômicas soberanas (JOHNSON;
SILVA, 2014). Esse traço histórico não parece ter sido enfrentado por
esses governos; ao contrário, o fortalecimento – econômico e político –
dos mesmos esteve ancorado nos recursos advindos da alta da valorização
conjuntural das commodities, que permitiu redistribuição de rendas sem in-
terferir na histórica estrutura de apropriação de riquezas. Ao mesmo tem-
25
po, ainda é necessário compreender as relações que o extrativismo – como
no caso da mineração, do petróleo, do agronegócio e da agropecuária –,
tendencialmente vincula-se com o retorno de forças políticas conservado-
ras e das políticas neoliberais.
Essa sincronia de governos progressistas em vários países latino-
-americanos relaciona-se com uma conjuntura favorável à implantação de
políticas, que buscam mitigar as desigualdades sociais, ainda que a conjun-
tura internacional continue a ser adversa a essa tendência. A agudização
da crise estrutural do capital, que apresentou fortes sinais em 2008, com a
crise financeira dos subprimes nos Estados Unidos, tende a pressionar cada
vez mais os Estados latino-americanos a levar adiante os ajustes fiscais
regressivos para realizar a sua reprodução sistêmica (MÉSZÁROS, 2007,
2011).
Ao mesmo tempo, diversas manifestações sociais de descontenta-
mento afloram como mecanismos de resistência e luta por democracia e
bens comuns, mobilizações sociais afloram em demanda por tratamento
igualitário e respeito pela diversidade. No outro polo, o fortalecimento dos
setores conservadores, enquistados nos aparelhos estatais e protegidos
por setores significativos dos meios de comunicação corporativos, tem
incentivado o crescimento do polo repressivo dos Estados, fazendo uso
do monitoramento digital, na tentativa de aferrar-se a sua ideologia de uma
ordem social desigual.
CONCLUSÃO
DAVIS, S. Apparatuses of occupation: translocal social movements, states and the ar-
chipelagic spatialities of power. Transactions Institute of British Geographers, v. 42, p.
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MACHADO, E. Notas para uma tipologia classista para os movimentos sociais. Crí-
tica Marxista, São Paulo, n. 46, p. 83-101, 2018.
32
Capítulo 2
INTRODUÇÃO
40
42
A CIRANDA
25 Não é ocioso advertir que este texto tem sido objeto de erros de interpreta-
ção devido a um insistente viés equivocado de leitura como uma teoria sistemática da
ideologia, apesar do seu subtítulo “notas para uma pesquisa”. Há outra versão, mais
extensa desse texto, distribuída em vários capítulos da obra Sobre a reprodução, que tam-
bém não pode ser considerada definitiva, pois embora incorpore aspectos históricos
e sociológicos à análise, não apresenta contribuição nova em relação às formulações
teóricas presentes na versão publicada em La Pensée, além disso, essa obra é uma pu-
blicação póstuma editada por Jacques Bidet de manuscrito encontrado no escritório
de Althusser. A reflexão aqui desenvolvida, muito longe de pretender esgotar as vias
abertas por Althusser, busca contribuir para a pesquisa de um aspecto particular que,
a meu ver, é o núcleo do tema, integrando-o às contribuições de outros autores no
campo do marxismo.
A interpelação é o modo geral de operar da ideologia. No exemplo
dado, tal interpelação tem os gestos (aceno e aperto de mão) como seus
instrumentos que, postos em operação (isto é, executada a prática ritu-
al) tem como efeito o (re)conhecimento mútuo entre os amigos: um eu,
amigo de fulano; este, também um outro eu, amigo de sicrano; o primeiro
eu. Assim, fulano e sicrano se reconhecem mutuamente como amigos no
ritual que realizam. Há nesta prática ritual, um movimento simultâneo de
inversão dialética: o eu de cada um encontra sua confirmação no reconhe-
cimento do outro.
Por fim, esse (re)conhecimento tem um triplo significado: 1) a afir-
mação do eu de cada um, uma vez confirmada em sua identidade (reco-
nhecimento) pelo outro; 2) interpreta (conhecimento como representação
do objeto ≠ esclarecimento) os dados do mundo exterior relativo a esta
prática ritual segundo essa categoria de amigo e, por conseguinte, 3) ignora
(desconhecimento) o que não é contemplado por esta prática ritual, por
exemplo, outros rituais de reconhecimento e as implicações neles contidas
ou que deles possam ser derivadas. Portanto, este movimento de inversão
56
dialética veicula as ideias de amizade e reciprocidade e abre espaço para
conexão com outras ideias, veiculadas por outras práticas rituais materiais.
Não é por acaso, que encontramos em operação, em estado prático,
este conceito de dialética do (re)conhecimento na análise da mercadoria.
“Por meio da relação de valor, a forma natural da mercadoria B torna-se a
forma de valor da mercadoria A ou o corpo da mercadoria B o espelho do
valor da mercadoria A.” (MARX, 1988, p. 57). Neste ponto, Marx acres-
centa uma nota de rodapé que reforça essa dialética do (re)conhecimento:
26
O esquema subjacente a essas considerações de Marx sobre Paulo e
26 De certa forma, sucede ao homem como à mercadoria. Pois ele não vem ao
mundo nem com um espelho, nem como um filósofo fichtiano: eu sou eu, o homem
se espelha primeiro em outro homem. Só por meio da relação com o homem Paulo,
como seu semelhante, reconhece-se o homem Pedro a si mesmo como homem. Com
isso vale para ele também o Paulo, com pele e cabelos, em sua corporalidade paulínica,
como forma de manifestação do gênero humano.
Pedro pode ser descrito assim: ambos pertencem ao mesmo gênero, mas
não se reconhecem a priori, como tal nem como Paulo e Pedro, só quando
se defrontam como Paulo e Pedro se reconhecem na sua particularidade e
generalidade. Afinal, a identidade não é uma herança biológica nem uma
doação do conceito, mas construção de relações determinadas que exis-
tem objetiva e, independentemente, do indivíduo e nas quais ele é inserido
do nascimento à morte. Portanto, a dialética do (re)conhecimento consiste
em ser a identidade determinação de práticas rituais e construção sobre
elas com o material que elas oferecem.
REFERÊNCIAS
LACAN, J. O estádio do espelho como formador da função do eu tal como nos é re-
velada na experiência psicanalítica. In: ______. Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
LÖWY, M. Ideologias e ciência social: elementos para uma análise marxista. São Pau-
lo: Cortez, 1999.
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MUELLER, C. M. Frontiers in social movement theory. New Haven: Yale University
Press, 1992.
THERBORN, G. The ideology of power and the power of ideology. London: Verso,
1980.
73
Capítulo 3
INTRODUÇÃO
O povo não estando unido, pelos mesmos ideais, nem tão pouco
envolvido pelos valores culturais, é povo mas não é nação: é apenas
população, habitantes e nada mais. [...] Nós somos um povo rico,
em ritmo e musicalidade, a nossa cultura é forte temos criatividade,
nunca irão nos deter, juntos iremos vencer todas as dificuldades.
(MST, [2012?], p. 19).
INCONCLUSÕES
REFERÊNCIAS
MORISSAWA, M. A história da luta pela terra e o MST. São Paulo: Expressão Popu-
lar, 2001.
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ras. 2017. Disponível em: https://www.oxfam.org.br/sites/default/files/.../Relato-
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92
Capítulo 4
INTRODUÇÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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KUHN, E. R. A. Análise da política de educação do campo no Brasil: meandros do
PRONERA e do PRONACAMPO. 2015. Tese (Doutorado em Geografia) - Instituto
Geociências, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015.
A Proposta Zapatista:
autonomia indígena
e saberes emergentes
Victoria Darling
INTRODUÇÃO
DESENVOLVIMENTO
Nós, como zapatistas, lutamos pelo socialismo o pelo que? Nós dé-
cimos: nós não sabemos por que se disse socialismo, nós queremos
terra, saúde, moradia, educação, liberdade, paz, justiça, democracia,
não sabemos se chama-lo de socialismo ou de paraíso. Não nos
importa o nome, o que nos importa são as 13 demandas. (ZAPA-
TISTA, 2015, p. 29, tradução nossa).
A EPISTEME ZAPATISTA
CONCLUSÃO
A concepção do tempo, do espaço e do sujeito para os povos que
conformam o EZLN tem profundas raízes que expressam respeito aos
processos próprios de cada comunidade e de harmonia com os ciclos da
Natureza. Os povos mayas desenvolveram a sua cultura em relação com o
milho, e assim, o fizeram também as comunidades indígenas que os suce-
deram. A epistemologia dos zapatistas recolhe esses elementos e, ao serem
recuperados e colocados em movimento, permitem mostrar os limites da
nossa visão sobre a realidade social. Os intentos de diálogo com o Gover-
no, a crítica das esquerdas e a denúncia que os zapatistas realizam a pro-
dução das Ciências Sociais contemporâneas permitem explicar o âmbito
restringido das nossas iniciativas e os desafios que nos restam. Há muito
que aprender das cosmovisões indígenas ainda, muito que escutar desde o
âmbito dos claustros acadêmicos.
A episteme zapatista exige um compromisso da teoria com a prá-
tica, com a experiência concreta dos sujeitos sociais, com a honestidade
acabada, com a sinalização das causas, fatores e desencadeantes. Trata-se
da construção de um saber edificado ao calor da realidade, de denúncia,
criando conceitos úteis, comunicáveis na Língua de quem experimenta
essa realidade.
Surgirão mais perguntas que respostas acabadas, fechadas e, logica-
mente, coerentes, sem dúvida. Ali radica o desafio, a potência epistêmica,
a potencia criadora de outros mundos, teórica e, praticamente possíveis,
mas também, quem sabe, algum dia, eleitoralmente realizáveis.
REFERÊNCIAS
130
AUBRY, A. Chiapas a contrapelo: una agenda de trabajo para su historia en perspec-
tiva sistémica. Chiapas Contrahistorias-Centro de Estudios, Información y Documen-
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MIRES, F. América Latina: la construcción del orden. Buenos Aires: Ariel, 2012.
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potzalco.blogspot.com.br/2013/09/descarga-los-cuadernos-de-texto-de-la.html. Ac-
ceso en: 14 ene. 2017.
132
Capítulo 6
INTRODUÇÃO
56 As fontes de tal informação são falas de tais sujeitos, e também, faço uso
de Canuto, Luz e Andrade (2016), a mais recente publicação da CPT, que abrange os
conflitos no campo no Brasil que está acessível ao público.
57 Vide conceito, através de Strathern (2006, p. 40).
meríndias, que entretecem processos educativos comunitários, através dos
seus “ecossistemas socioeducativos” (ARAÚJO, 2006; MENEZES, 2015;
PIMENTEL, 2002): a casa, a igreja, a roça, suas “sabenças”, seus me-
canismos de fortalecimento intra e intergrupos, tomando freirianamente,
leituras do mundo, da palavra e da palavramundo (FREIRE, 1989) e: que
se assuma papel crítico; que seja sujeito deste ato; que o ato de estudar, é
de fato, uma atitude frente ao mundo de entretecer e valorização dos elos
(FREIRE, 2015). E herdada das Comunidades Eclesiais de Base do Brasil
(CEBs) a mística do profetismo social-modelo de profetismo responsável
por realizar uma crítica social ao denunciar as injustiças sociais, o poder e
os ‘desvios morais e éticos’ (OLIVEIRA, 2015).
Enredados por manifestações artísticas locais, tais eixos catalisado-
res de mobilização popular, através da máxima “ninguém vai morrer de
sede, se calarem a voz do povo, as fontes secarão” da 41ª romaria da terra
e das águas em Bom Jesus da Lapa (BA) alimentam o que a CPT nomina,
como “os pequenos nichos que ainda resistem a se incorporar e se sub-
meter totalmente às leis do mercado “todo poderoso” (CANUTO; LUZ;
135
ANDRADE 2016, p.10).
Nesta ambiência de encruzilhadas, por vezes choque, fazem-se
também redes de solidariedade ou como escreveu Raffestin (1993, p. 187-
188): “nodosidade”
os conflitos por terra têm sido cada vez em maior número” e, ainda sa-
lientam:
58 Este líder lakota é mais conhecido pelo seu nome em inglês Crazy Horse (c.
1840-1877).
Tomo então por referência, a performance de Gilcélia Pereira dos
Santos a incorporar o rio, e mesclar-se com o rio, e na sua narrativa
59
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
BOAL, A. Jogos para atores e não-atores. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.
BOAL, A. Teatro do oprimido e outras poéticas políticas. São Paulo: Cosac Naify,
2013.
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gente. São Paulo: Melhoramentos, 1986.
FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo:
Autores Associados: Cortez, 1989. (Coleção polêmicas do nosso tempo, v. 4).
FREIRE, P. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
2015.
LIGIÉRO, Z.; TURLE, L.; ANDRADE, C. de. Augusto Boal: arte, pedagogia e polí-
tica. Rio de Janeiro: Mauad X, 2013.
151
Capítulo 7
Renata Gonçalves
66 Isso não significa que o(a)s negro(a)s estavam reduzidos a coisas, sem sub-
jetividade alguma. Ao contrário, a historiografia crítica brasileira tem demonstrado
diferentes dimensões das experiências do(a)s escravizado(a)s, reconhecendo-os como
sujeitos históricos e destacando suas constantes lutas contra a escravidão.
Como trabalhadoras escravizadas, as mulheres negras eram consi-
deradas iguais aos homens e recebiam os mesmos castigos que eles. Toda-
via, por serem do sexo feminino, também foram vítimas de abuso sexual
e de outros maus-tratos bárbaros que só poderiam ser infligidos a elas. A
este respeito, Davis (2016, p. 19) explica que a
67 Davis (2016, p. 24) chama atenção ao fato de que, mesmo nessas circuns-
tâncias opressoras, as mulheres extraíam “de sua vida a força necessária para resistir à
desumanização diária da escravidão”.
que as relações entre a casa-grande e a senzala eram instáveis e conflituo-
sas. Nos dois campos interpretativos, o que está em evidência é a dinâmica
patriarcal, que extrapola o âmbito das relações pessoais e assume, cada vez
mais, um caráter estruturante da sociedade chegando aos dias atuais.
As considerações sobre a dinâmica patriarcal nos aproximam da
acepção feminista sobre o patriarcado, compreendendo-o como uma es-
trutura em que os homens detêm o poder, ou ainda, como um “sistema
total que impregna e comanda um conjunto das atividades humanas, cole-
tivas e individuais” (DELPHY, 2009, p. 178). O patriarcado está na origem
do que Pateman (1993) denominou contrato sexual ou um pacto masculino
que impôs um acordo, que é tanto sexual como social: no plano social, o
contrato é patriarcal e “cria o direito político dos homens sobre as mulhe-
res”, mas ele é “também sexual no sentido do estabelecimento de um aces-
so sistemático dos homens ao corpo das mulheres” (PATEMAN, 1993,
p. 17). Um conceito moderno para uma prática arcaica. Em se tratando
de mulheres negras e escravizadas, o arcaísmo do acesso aos seus corpos,
mais do que prática sistemática, foi violento.
164
Distanciamo-nos diametralmente do romantismo que Freyre
(2003) atribuiu à violação dos corpos das mulheres negras escravizadas.
Jamais houve harmonia entre a casa-grande e a senzala! Do topo do po-
der patriarcal escravocrata, não poderia haver consentimento, exceto sob
o primado de relações marcadas pela imposição e violência. As análises
gilbertofreyreanas contribuíram para propagar o mito da democracia ra-
cial, ideologia responsável por difundir a ideia de que no Brasil, a escravi-
dão foi branda, a convivência entre os povos foi pacífica e continuou as-
sim no pós-abolição, onde não se originou um conflito ou um “problema
negro”, como se reconhecia existir em outros países. Para Freyre (2003,
p. 367), todo brasileiro “em tudo que é expressão sincera de vida”, traz “a
marca da influência negra”:
DELPHY, C. Patriarcado (teorias do). In: HIRATA, H. et al. (org.). Dicionário críti-
co do feminismo. São Paulo: Editora Unesp, 2009. p. 173-178.
168 FALQUET, J. Déclaration du combahee river collective. Les Cahiers du CEDREF,
Paris, n. 14, p. 53-67, 2006.
RIBEIRO, D. Quem tem medo do feminismo negro? São Paulo: Companhia das
Letras, 2018.
SOUZA-LOBO, E. A classe operária tem dois sexos. São Paulo: Brasiliense, 1991.
INTRODUÇÃO
174
Hoje, os ideais liberais e o método democrático gradualmente se
combinaram em um modo tal, que a democracia é o principal instrumento
de defesa da liberdade de mercado, afastada dos princípios de auto-orga-
nização e autogoverno popular, distanciada do poder popular, que consti-
tuiriam o núcleo fundamental do conceito normativo de democracia. Uma
democracia liberal que confunde os interesses privados com os públicos,
vivendo uma contradição constante entre as expectativas populares da
prática real, afirmando-se claramente uma concepção elitista-competiti-
va, com líderes políticos depositários de grandes poderes, reduzindo os
partidos e os parlamentos a funções quase decorativas, dirigindo-se direta-
mente às massas, apresentados acima das partes, intérpretes indiscutíveis
da nação. Uma Democracia domesticada pelo poder das elites políticas e
econômicas que, controlando quase totalmente a mídia, oferecem a pró-
pria visão de mundo como conjunto de ideias e práticas que garantam a
exploração social e a manutenção do domínio social (LOSURDO, 2004).
Uma teoria democrática, como mostra Wood (2003), foi historica-
mente transformada e ressignificada, criando-se as bases da democracia
representativa liberal, onde o governo é filtrado pela representação con-
trolada pela classe dominante, esvaziada de qualquer conteúdo social, com
um legado universal antagônico ao conceito clássico da isegoria ateniense71.
Um modelo democrático adversário do poder popular, teorizado nas nu-
vens etéreas da ciência política dominante, convivendo pacificamente ao
lado do poder econômico e do partidarismo da mídia, contrário a qualquer
mudança que possa alterar a separação entre os setores populares e os
grupos dirigentes, buscando limitar a carga emancipatória que a palavra
democracia ainda carrega, impondo limites e filtros que garantam a estabi-
lidade do sistema, apropriando-se de valores que possam ser tolerados no
regime capitalista, neutralizando brutalmente os outros.
Uma democracia procedimentalista, centrada no respeito e na ga-
rantia das famosas “regras do jogo” propostas por Norberto Bobbio, con-
ferindo, por um lado, evidentes ganhos e direitos aos cidadãos72 e, por ou-
tro, desvalorizando o significado originário da Democracia, como projeto
175
de sociedade com seu caráter inclusivo e participativo. Uma Democracia
Liberal estruturada na igualdade civil e na desigualdade social que, ceden-
do ao mercado, decapitou politicamente as classes subalternas, não mais
CONCLUSÕES
REFERÊNCIAS
KLEIN, N. Cercas e janelas: despachos das linhas de frente do debate sobre a Globa-
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WOMACK, J. P.; JONES, D. T.; ROSS, D. A máquina que mudou o mundo. São
Paulo: Campus, 1992.
INTRODUÇÃO
204
Para pensar um modelo de sociedade democrática, a partir do olhar
dos movimentos feministas, subentende-se pensar uma sociedade política
com igualdade de gênero e participação, pontos que estão inseridos na
perspectiva da democracia que expressa universalidade, igualdade, inclu-
são, respeito às identidades, à diferença e às individualidades. Esse é um
horizonte ainda distante da realidade brasileira, no que pese os esforços de
aproximação construídos nos governos petistas (2003-2015).
Ao debater o conceito de Democracia é sempre bom lembrar sua
recusa a qualquer tipo de distinção, discriminação, exclusão e todas e
quaisquer restrições. Na Democracia, parte-se do princípio de que vive-
mos em uma sociedade de iguais, e, como tal, devem-se criar mecanismos
de garanti-la. A Democracia nos abre a perspectiva de pensar o eu e o nós,
enquanto seres que falam e expressam o que pensam e agem, participan-
do da vida pública. Seus princípios antiliberais deslegitimam os interesses
individuais, pois seu princípio básico é coletivo.
A Democracia prolonga a ideia liberal, afirma Rémond (2003). Para
esse autor, somos, muitas vezes, tentados a ver a Democracia como um
simples desenvolvimento da ideia liberal, mas desde o Século XIX, ela
rompeu com a ordem da sociedade liberal. Bobbio a percebe, como “um
regime no qual todos os cidadãos adultos têm direitos políticos – onde
existe, em poucas palavras, o sufrágio universal” (BOBBIO, 1992, p. 44).
A Democracia, não obstante, vai muito mais além, pois tem alcance
muito mais amplo e dimensão muito mais profunda; ao mesmo tempo, em
que se contrapõe aos desmandos autoritários, insere-se nos cotidianos, in-
terferindo nas muitas formas de exercício de dominação, pondo em xeque
as relações de gênero e de poder.
As concepções de Democracia, segundo Santos (2002) podem ser
divididas em três momentos: concepção hegemônica; concepção não
hegemônica (ambas situadas na segunda metade do Século XX); e De-
mocracia participativa (Século XXI), que, no atual contexto, está sendo
questionada pelos movimentos sociais que propõem, por meio da Reforma
Política, mudanças substanciais para garantir a participação e presença de
205
segmentos sociais, historicamente excluídos (FERREIRA, 2010).
Ao refletir sobre as três concepções, Santos (2002) enfatiza que a
concepção hegemônica foi marcada pelas visões liberais e marxistas que,
ao longo do Século XX, polarizaram grandes debates e se contrapõem,
enquanto a visão marxista entende Democracia como centro de um pro-
cesso de exercício da soberania por parte dos cidadãos, adquirida pela
autodeterminação no mundo do trabalho, a concepção liberal estabelece
limites e regula a ação do indivíduo em defesa intransigente da proprieda-
de. Esse debate foi perfeitamente visível nos projetos da disputa travada
entre Dilma Rousseff, Aécio Neves e Marina Silva, nas eleições de 2014
(FERREIRA, 2015).
As concepções não hegemônicas de democracia negam as concep-
ções substantivas de razão e as formas homogeneizadoras de organização
da sociedade, reconhecendo a pluralidade humana, entretanto, sem rom-
per com as concepções hegemônicas, pois mantêm a ideia de democracia
associada ao aperfeiçoamento da convivência humana (SANTOS, 2002).
Nessa concepção, é garantido o direito ao voto, mas a representação polí-
tica passa a ser questionada.
A polarização entre esses dois debates remete à discussão mais am-
pla sobre democracia representativa e democracia participativa, terceira
concepção apresentada por Santos (2002). Para esse autor, essas questões
se colocam de modo mais agudo naqueles países nos quais existe maior
diversidade étnica; (vejam o exemplo do Brasil e grande parte dos países
africanos) e, entre aqueles grupos que têm maior dificuldade para ter seus
direitos reconhecidos, caso que se aplica às mulheres, aos/às negros/as,
aos/às indígenas.
Na leitura de Norberto Bobbio, democracia representativa e de-
mocracia participativa não são dois sistemas alternativos, senão podem se
integrar reciprocamente. Para o autor podem ser interligados como duas
formas de democracia necessárias, mas não são consideradas suficientes
em si mesmas (BOBBIO, 2000). Na democracia participativa, os cidadãos
debatem e votam diretamente sobre as principais questões de seu interes-
206
se, sem a necessidade de haver intermediários. Embora seja difícil ajuizá-la
no contexto de um País continental como o Brasil, porém, é possível pen-
sá-la e efetivá-la, através de instâncias comunitárias que contribua para que
a tomadas de decisão passem a ser mais coletivizadas.
A participação dos cidadãos na vida política é, para Bobbio, as-
sim como para Boaventura Santos, extremamente salutar e necessária para
corrigir os vícios da representação que tende a concentrar o poder em
uma elite econômica, política e social. Ela deve se desenvolver em duas
direções: para a democratização do Estado, mas também, para a democra-
tização da sociedade.
Ao buscar novas interpretações e ampliação do sentido de demo-
cracia, é importante considerar que a democracia será sempre um pro-
jeto em construção, que passa por um processo de redefinição do seu
significado cultural. Nessa redefinição é que se questiona a democracia
representativa, uma vez que grande parte da sociedade não se sente repre-
sentada pelos seus dirigentes. As mulheres se constituem menos de 10%
das representadas na atual conjuntura política brasileira; e os negros são
apenas 9%. Por essa razão, segundo Ferreira (2015, p. 235) “novas formas
de pensar a democracia estão sendo reinventadas e novos projetos estão
em debate neste momento, entre os quais o da Reforma Política, que mo-
difica a forma de acesso à política, põe fim ao financiamento privado de
campanha” e abre a possibilidade de construir a igualdade de gênero na
política no Brasil.
Ao pensar a democracia no atual contexto do Estado brasileiro,
há de se reconhecer os desafios que estão postos a essa sociedade que
se intitula democrática, tendo em vista que os indivíduos ainda são trata-
dos de forma desigual, em termos de classe social, de gênero, geração, de
orientação sexual, de raça e etnia. As desigualdades refletidas nos indica-
dores sociais demonstram que alguns têm acesso; e outros não, aos bens e
serviços: cultura, lazer, educação de qualidade, saúde e moradia. Enquanto
uns conseguem exercer seus direitos políticos como cidadãos e cidadãs;
outros, embora tenham projetos e desejo de participar, não conseguem,
207
dada as estruturas políticas conservadoras, pouco afeitas à presença de
segmentos que, ao longo da construção das sociedades, foram excluídos –
o que se aplica às mulheres e aos negros: na eleição realizada no Brasil em
2014, foram eleitos apenas 9,7 % de mulheres para o Congresso Nacional
e apenas 9% de negros; nas eleições de 2018, o número de mulheres eleitas
para a Câmara Federal foi de 15%. Esses dados denotam a contradição da
democracia liberal em voga no País.
Esses fatos e evidências nos levam a questionar a democracia repre-
sentativa e pensar uma forma de democracia, que possa garantir inclusão e
alterar as relações racistas e patriarcais da política brasileira.
O debate sobre a visão das duas autoras, não se esgota neste texto.
Considero importante, nesta discussão, recuperar as reflexões de Pateman,
a fim de que possamos ampliar nossos olhares sobre o momento brasilei-
ro, expresso pela vitória eleitoral do candidato Jair Bolsonaro. O papel da
mulher no contexto eleitoral recente, no Brasil, foi minimizado, desquali-
ficado. O discurso conservador e misógino veiculado pela campanha do
presidente eleito demonstrou que é importante retomar ao discurso de
Pateman, rever o debate sobre o contrato sexual é refletir sobre o “lugar da
mulher” determinado pelo futuro Presidente do Brasil: um lugar menor,
invisível, um lugar de procriadora, do lar.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
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dadania e feminismo. São Paulo: Melhoramentos, 1999. p. 266-278. (Série Debate
Feminista).
215
Capítulo 10
Introdução
O processo democrático no Brasil tem como marco as intensas
mobilizações ocorridas nos anos 1980 que culminaram com a amplia-
ção dos direitos civis, políticos e sociais assegurados na Constituição de
216 1988. Foi uma década em que surgiram os movimentos sociais, populares
e sindical - rurais e urbanos-, com destaque para o Movimento Sem Terra
(MST), a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a criação do Partido
dos Trabalhadores (PT). Este período foi antecipado pela transição de-
mocrática de um regime autoritário de um golpe que caracteriza diversos
períodos da história política do Brasil, como ocorreu com o impeachment
da Presidenta Dilma Roussef, em 2016, passando pelo governo Temer e a
eleição do Bolsonaro à presidência do país.
O debate sobre a democracia assumiu lugar de destaque também
na década de 1980 e tem sido recorrente nos dias de hoje no contexto de
crise do capitalismo mundial, marcado por golpes na América Latina e no
Brasil, por uma crise política diante de uma conjuntura de crescimento do
conservadorismo nos últimos anos. Compreendemos que a democracia
brasileira, assim como nos demais países da América Latina, convive com
um autoritarismo cuja expressão maior é o medo, a violência e a repres-
são, marcas de ditaduras militares vivenciadas nesses países. Isto explica a
existência de um regime democrático caracterizado, sobretudo, pelas re-
gras eleitorais e nas instituições que se baseiam em tais princípios, mas
ao mesmo tempo, convivem com a violência que se traduz entre outras
formas, no assassinatos de trabalhadores (as) do campo, defensores (as)
dos direitos humanos, como foi o caso de Margarida Alves, em 1983, de
Chico Mendes, em 1988, Dorothy Stang, em 2005, Marielle Franco, em
2018 e muitos outros, além da população negra que vive nas periferias das
cidades, especialmente, jovens e mulheres.
Por estas e outras questões é que buscamos em Silva (2015, p.398),
assim como em outros (as) autores (as), caracterizar o Estado brasileiro,
posto que: “A marca do Estado brasileiro continua sendo a repressão aos
movimentos sociais e/ou seletivamente aos membros das classes popu-
lares. Conforme ocorreu com as Ligas Camponesas em 1960, duramente
reprimidas por reivindicar reforma agrária”. Ao analisar a relação entre a
democracia e o papel do Estado, a criminalização dos movimentos sociais
no Brasil, é uma de suas marcas e para a autora, assim como na década de
1960, as lutas sociais dirigidas por movimentos, como o MST, o MTST,
217
o Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB), assim como o Movi-
mento Passe Livre, de 2013, recebem do Estado o mesmo tratamento au-
toritário, sob o argumento de que tais “mobilizações e lutas sociais contra
as políticas neoliberais são identificadas como ameaça ao Estado Demo-
crático de Direito” (SILVA, 2015, p. 398).
As organizações dos(as) trabalhadores(as) rurais surgem em con-
textos contraditórios e conflituosos de luta pelo acesso à terra materiali-
zada na bandeira da reforma agrária. A criação da CONTAG, em 1963 se
deu em meio a um processo de controle das organizações dos trabalha-
dores, por parte do Estado, via Ministério do Trabalho. Neste período, a
criação da previdência social, um dos benefícios incluídos no Estatuto do
Trabalhador Rural, foi importante para dar reconhecimento aos sindicatos
como entidade representativa dos (as) trabalhadores (as). O Estatuto do
Trabalhador Rural foi uma das respostas do Governo diante das mobiliza-
ções dos (as) camponeses na luta pela reforma agrária, nos anos 1960. Para
Deere (2004, p.178): “Nesse período o movimento operário e camponês
foram ganhando força, o último organizando-se contra as injustiças do
sistema de posse de terra tradicional, a fazenda ou a grande propriedade
(...)”.
Ainda na década de 1960 e meados dos anos 1970 o acirramento
das contradições do capitalismo dependente e monopolista e o endure-
cimento do regime autoritário resultaram em novas formas de interven-
ção do Estado. A violência no campo e a expulsão dos (as) trabalhadores
(as) rurais cresciam e os conflitos com os latifundiários aumentavam em
meio à inabilidade do Estado nos governos militares que não conseguiram
avançar na implementação do Estatuto da Terra que previa a alteração da
estrutura fundiária. A aprovação do Estatuto da Terra ocorreu diante das
pressões dos (as) trabalhadores (as) pela reforma agrária e também devido
à pressão do Governo dos Estados Unidos que patrocinava a reforma
agrária, por meio da Aliança para o Progresso, que obrigou o Governo
Castelo Branco a adotar uma reforma agrária branda, em 1964 (DEERE,
2004). Apesar dos limites conjunturais impostos, o Estatuto da Terra res-
218
paldou algumas políticas significativas para os (as) trabalhadores (as), pela
via judicial, embora, boa parte do judiciário, assim como do legislativo,
tinha compromissos com os interesses dos proprietários (SILVA, 2017).
O Estatuto da Terra, aprovado no Governo João Goulart respal-
dou, além dos direitos trabalhistas, o direito à organização sindical que era
tutelada pelo Estado. Após o período de intervenção militar, os movimen-
tos sociais começaram a se reestruturar, a se reorganizar e o sindicalismo
rural se expandiu, por meio dos STRs (Sindicatos dos Trabalhadores Ru-
rais) que exerceram primeiramente papel assistencialista, sendo o principal
deles, a assistência à saúde. A abertura democrática na década de 1980 e
o fortalecimento do sindicalismo urbano, o chamado novo sindicalismo
marcado pelas greves do ABC paulista, favoreceu a aliança entre os (as)
trabalhadores (as) rurais e urbanos e este período foi antecedido pela re-
alização do III Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais, em 1979.
Como o governo militar representava a classe proprietária, não houve
avanço na década de 1970, em relação à distribuição de terras, pelo con-
trário, houve a adoção de políticas que favoreceram a modernização da
agricultura que representou o investimento em crédito subsidiado para as
grandes propriedades que investiram no agronegócio nas grandes fazen-
das de gado e madeira.
78 www.marchamundialdemulheres.org.br
direitos sociais, a autodeterminação e a soberania. Para as trabalhadoras rurais,
era importante a criação de uma Marcha nacional organizadas pelas tra-
balhadoras rurais, como forma de expressar a sua identidade política e a
sua representação, semelhante às proporções do Grito da Terra79 para o
movimento sindical rural.
Assim, a Marcha das Margaridas surge neste contexto social e po-
lítico influenciado por intensas mobilizações e de protagonismo do mo-
vimento feminista no mundo. Este compreendido como um movimento
político, amplo e composto por uma pluralidade teórica e ideológica que
envolve diversos movimentos rurais e urbanos, sob a Coordenação das
sindicalistas rurais ligadas à CONTAG que passaram a ampliar as mobi-
lizações para as federações estaduais e seus respectivos sindicatos. Além
da representação nacional da Marcha Mundial de Mulheres que compõe
a Marcha das Margaridas desde o primeiro momento, encontram-se a, o
MMTR – Movimento das Mulheres Trabalhadoras Rurais do Nordeste, o
MIQCB – Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu, as
mulheres da CUT, das seringueiras organizadas no Conselho Nacional dos
231
Seringueiros e mais recentemente, ampliou-se para diversos movimentos
feministas urbanos, incluindo os de jovens feministas.
A denominação da Marcha como Marcha das Margaridas80 foi uma
forma de tornar pública a situação de desigualdades na qual vivem as tra-
balhadoras rurais, evidenciar as diversas formas de violências enfrentadas
81 Cf. https://anovademocracia.com.br/no-10/1134-memorias-da-lu-
ta-camponesa-elizabeth-teixeira.
nicação, representa a dominação do capital sob o comando dos Estados
Unidos, em relação aos países dependentes.
A Marcha das Margaridas é uma estratégia de mobilização e arti-
culação das mulheres que se organiza de quatro em quatro anos, inter-
calados por momentos de avaliação, formação política e construção de
uma pauta. É coordenado pelas mulheres do movimento sindical rural
organizadas nos sindicatos presentes nos municípios, federações estaduais
e a CONTAG, em nível nacional. É composta por diversas organizações
de mulheres, mistas e autônomas, dentre elas a Marcha Mundial de Mu-
lheres, MMTR – NE, MICB, CNS e outras entidades rurais e urbanas. As
diferenças entre os diversos movimentos de mulheres não comprome-
tem a unidade da constituição desta Marcha, construída em torno de uma
pauta apresentada ao Estado brasileiro. A I Marcha pode ser considerada
como um instrumento de enfrentamento ao neoliberalismo que atinge di-
retamente as mulheres, sobretudo, as mulheres pobres, negras, rurais e
periféricas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Marcha das Margaridas se encerra com novas conquistas e mostra a força das mulheres
organizadas. Disponível em: http://www.sof.org.br/2015/08/15/marcha-das-marga-
ridas-se-encerra-com-novas-conquistas-e-mostra-a-forca-das-mulheres-organizadas/
Acessado em: 07 abr. 2018.
MENICUCI, Eleonora. Como o golpe em curso impacta na vida das mulheres. Dis-
ponível em: http://agenciapatriciagalvao.org.br/mulheres-de-olho-2/como-o-golpe-
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MIGUEL, Luís Felipe. Dominação e resistência – desafios para uma política emanci-
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PITANGUY, Jackeline. Temer reduz em mais da metade verbas para as políticas para
as mulheres. Entrevista à Rede Brasil atual, em 02 abr.2017. Disponível em: http://
www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2017/04/temer-reduz-em-mais-da-metade-
-verbas-para-politicas-publicas-as-mulheres acessado em 07 abr.2018.
_____________. Políticas públicas para mulheres trabalhadoras rurais: análise sobre a Mar-
cha das Margaridas. In: Jornada Internacional de Políticas Públicas – para além da crise
global, São Luís, 2015. Anais...
248
Capítulo 11
INTRODUÇÃO
249
A questão da identidade voltou ao centro do debate: a polarização
classe X identidade - como se fossem campos opostos - tomou conta do
cenário político em um momento em que as ideais neoliberais parecem
triunfar. Movimentos de caráter mais identitários dominam as discussões
nas redes sociais, em muitos espaços públicos dentro e fora da Acade-
mia. Neste pequeno ensaio, pretendemos abordar como a pauta identitária
cresceu e colocou-nos em uma falsa polarização, entre os pertencimentos
que um indivíduo tem na sua vida. Se sou mulher, negra, nordestina, ser-
taneja, parece moldar mais a minha identidade do que o pertencimento a
uma classe social determinada. A falsa polêmica, no nosso entendimento,
está no fato de que uma das minhas “identidades” pode marcar mais a
minha existência do que a outra. Aqui, entramos no terreno da ideologia
e/ou da maneira como nos construímos em relação ao outro. Muitos estu-
dos têm colocado uma divisão inconciliável entre a questão da classe e da
identidade. De um lado, certa leitura marxista, que desconsidera questões
como as mencionadas ou as trata de maneira secundária. De outro, os
pós-modernos (alguns ex-marxistas) que ao sublinhar as questões étnicas,
de gênero, ignoram e até invocam o “fim” das classes sociais, decreta o fim
das lutas de classes. O Neoliberalismo, então vitorioso, aparentemente, do
ponto de vista ideológico, pelo desmonte do Estado de Bem-Estar nos
países centrais e transformado no abre-te-sésamo de um novo desenvol-
vimento na América Latina, que penaliza ainda mais os trabalhadores, que
acarretou um aumento do desemprego, privatização dos serviços sociais
como educação, saúde etc., flexibilização das leis trabalhistas e, junto com
essas medidas, uma crescente criminalização dos movimentos sociais.
EM BUSCA DA IDENTIDADE
REFERÊNCIAS
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sank.2017.137189
Decolonizar a “Linguagem”:
novas possibilidades para formulação
de uma teoria crítica sobre as ortodoxias
do contemporâneo
Esmael Alves de Oliveira
INTRODUÇÃO
RUBIN, G. El tráfico de mujeres: notas sobre la “economia política” del sexo”. Nueva
Antropología, México, v. 8, n. 30, p. 95-145, 1986.
SOUZA, L. S. Cosmos, corpos e mulheres kaiowá e guarani de anã à kuña. 2013. Dis-
sertação (Mestrado em Antropologia) – Universidade Federal da Grande Dourados,
Dourados, 2013.
INTRODUÇÃO
O DIREITO À COMUNICAÇÃO
87 Liberdade que o ser humano possui de pensar livremente, ter suas opiniões,
suas convicções e aceitar determinados valores (GUARESCHI, 2013).
88 É a liberdade e o direito que a pessoa tem de buscar, receber e divulgar
informação e opiniões livremente, ou seja, o direito de acesso e de circulação, a possi-
bilidade das opiniões circularem de maneira igual (GUARESCHI, 2013).
tivo do direito à comunicação, e o de liberdade de imprensa89, que são dois
termos distintos. Isso acaba sendo um obstáculo à regulamentação de uma
comunicação democrática e ao alcance efetivo do direito à comunicação,
ponto sobre o qual concordamos. E em uma reflexão crítica das práticas
da grande mídia, percebemos atitudes que conotam interesses privados
e que influenciam construções valorativas negativas, nas propostas que
tentam regular o direito à comunicação.
As divergências começam com a utilização dos termos, indiscrimi-
nadamente. E, uma vez que somente os seres humanos são dotados de
palavra, por que eles teriam liberdade de imprensa? Somos nós, humanos,
quem temos a liberdade; somos nós que os sujeitos de direitos e de deve-
res, que temos consciência, portanto, não podemos deslocar a liberdade de
expressão das pessoas para os meios de comunicação.
Guareschi (2013, localização Kindle 1568 de 3283) problematiza:
Pois não existe ‘a imprensa’ em si. O que existe é uma pessoa que
fala, escreve, se expressa, se comunica, e isso é designado pelo ter-
mo ‘liberdade de expressão’. A imprensa é outra coisa. Pode ser a
283
empresa que imprime, ou algum órgão dessa empresa, ou mesmo
uma instituição.
REFERÊNCIAS
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vista Crítica marxista, São Paulo, v.1, n.16, p. 9-38, 2003.
Capítulo 14
INTRODUÇÃO
Eu vi de Icatú mocinha (...) Eu vi pra cá pra São Luís para estudar porque
tu sabe naquele tempo no interior não tinha segundo grau, tinha aquele primá-
rio que era aquele primariozinho para ser professora e pronto, ficava naquele
povoado. Ai eu vi para cá, conheci um rapaz, me casei e graças a Deus hoje
sou concursada federal e logo vou me aposentar.
É na zona rural, que esses sujeitos criadores do Bumba-meu-boi,
na maioria hoje idosos (as), viram desde crianças a prática de uma arte
que se fez presente em toda a sua vida. Seus pais e pessoas próximas
os ensinaram a fazer do Bumba, um espaço de relação humana, quanto
ao envolvimento com parentes, amigos, vizinhos. Juntos desenvolveram
a capacidade de ajuda mútua, da habilidade de expressar com os recursos
materiais disponíveis o seu talento artístico e criador, trabalho criativo em
que se verificou o prazer e o deleite de atuar como sujeito que produz
para sua realização. Nas três últimas Décadas do Século XX, esse trabalho
agregou determinados elementos destinados, não apenas à satisfação par-
ticular do grupo ou comunidade, mas passou a atender um mercado que
tem as expressões culturais populares como mercadoria.
A vida destes sujeitos criadores do Bumba-meu-boi, segundo An-
drea e Junior (s/d, s/p) ocorreu através das: “migrações campo-cidade
e são caracterizadas através de fatores de expulsão e fatores de atração
correlacionados com o modo de produção capitalista que desemprega no
campo e cria esperança de trabalho na cidade”.
312
A migração campo-cidade decorreu da impossibilidade de sobre-
vivência no lugar de origem e, também, por não encontrar oportunida-
des no lugar de destino. O lugar de destino, geralmente foram áreas pe-
riféricas, potencializando o inchaço populacional e exercendo ocupações
temporárias e mal-remuneradas com as condições de trabalho precárias e
informais.
Ao se inserir na realidade urbana, homens e mulheres que antes
viveram na zona rural do Maranhão, como Guimarães, Cururupu, Ita-
pecuru, Icatú, Mirinzal, Rosário etc. uniram-se com outros sujeitos que
enfrentaram as mesmas condições sociais, dividindo anseios, interesses
e conhecimentos. Compartilharam o seu saber cultural adquirido desde
criança, assumindo o compromisso de continuar na nova terra sua herança
em canto e dança.
José Constantino Soares, conhecido como Seu Constâncio, funda-
dor do Bumba-meu-boi de sotaque de zabumba, Associação Recreativa
Boa Vontade (ou Boi da Boa Vontade), localizado no Bairro da Kennedy
apresentou em entrevista, o exemplo de continuidade, a resistência e a so-
lidariedade quanto ao cuidado de transmitir a um membro a responsabili-
dade de manter a brincada. O gosto pelo Bumba, presente desde a infância
foi continuado com sua chegada e permanência em nova morada na Ca-
pital, bem como, um instrumento de construção de novas amizades entre
sujeitos que vivenciaram realidades em comuns, a resultar, principalmente,
nos bois de promessas constituídos de sentimentos de pertencimento e
compromisso com a herança dada:
O Mizico, aqui em São Luis. Láem Roma Velha no fundo do Monte Caste-
lo: Não sei o que aconteceu, mas lá eles se afastaram e fundaram esse Boi no
João Paulo na casa de Dona Tércia, depois de muito que vieram para a Vila
Passos, aí ele fixou casa aqui, aí veio pra cá morar.
Sabe por quê esses grupos ficaram muito de lado? Porque os donos eles não
permitiam e não permitem que entre jovens com ideias. Tu ta entendendo?
Eu não sei, eles não têm confiança. Eles não têm uma grande confiança. Se
tem você que tem uma formação, que tem um conhecimento diferente que tem
como está atualizando a organização dele, tipo reformulando o estatuto, porque
muitos deles o estatuto é muito fechado dentro de casa e você sabe que de 2006
para cá com a nova atualização do código do processo civil então todas essas
instituições sem fins lucrativos elas tinham que ser renovadas, regulamentadas,
tipo assim: dando brecha para ela não se apresentar só aqui a nível de Estado, 317
ela tinha que ter brecha a nível de Brasil e a nível de mundo e poucos aceitaram
(Claudia Avelar, 2013).
CONCLUSÃO
BURKE, P. Cultura popular na idade moderna: Europa 1500-1800. São Paulo: Cam-
panha de Bolso, 2010.
CHAUÍ, M. de S. Convite à filosofia. 13. ed. São Paulo, Editora Ática, 2004.
Entrevistados
Elza Maria dos Reis Santos, Associação da Boa União (Boi da Vila Passos), sotaque de
zabumba.
José Constantino Soares (Seu Constâncio), Associação Cultural Recreativa Boa Vonta-
de, Bumba-meu-boi de sotaque de zabumba.
José de Ribamar Nicomedes dos Reis Silva (Seu Zeca), do Bumba-meu-boi Lírio de
São João, sotaque de orquestra.
Maria José Guimarães (Dona Zezé), do Bumba-meu-boi Encanto do Santa Cruz, so-
taque de orquestra.
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SOBRE AS AUTORAS E AUTORES
Jair Pinheiro
Possui doutorado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (2000). Atualmente é efetivo da Universidade Esta-
dual Paulista Campus Marília. Tem experiência na área de Ciência Política,
com ênfase em Teoria Política, atuando principalmente nos seguintes te-
mas: ONGS, terceiro setor e neoliberalismo, questão habitacional, ideolo-
gia; sujeito, propina, administração, estado e políticas públicas.
Joana Aparecida Coutinho
Graduação em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católi-
ca de São Paulo (1987), mestrado em Ciências Sociais: Sociologia Política
pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1996) e doutorado
em Ciências Sociais: Política pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (2004). Atualmente, professora Associada I na Universidade Fede-
ral do Maranhão. Coordena o Observatório de Políticas Públicas e Lutas
Sociais, vinculado ao Programa de Políticas Públicas, e também o Grupo
de Estudos de Hegemonia e Lutas na América Latina É pesquisadora do
Núcleo de Estudos de Ideologias e Lutas Sociais. Tem experiência na área
de Ciência Sociais com ênfase em Ciência Política, atuando principalmente
nos seguintes temas: ongs, movimentos sociais, sociedade civil, Estado,
ideologias, classes sociais e lutas de classes.
do e Cultura Popular.
Renata Gonçalves
Professora da Universidade Federal de São Paulo, Campus Baixada
Santista, desde outubro de 2010. Coordena, desde 2011, o Núcleo de Es-
tudos Heleieth Saffioti - Gênero, Sexualidades, Feminismos - juntamente
com a Profª. Cristiane Gonçalves. A partir de 2012, iniciou o Núcleo de
Estudos Reflexos de Palmares: análise da questão racial no Brasil, hoje
em parceria com o Prof. Devison Nkosi Faustino. É doutora em Ciências
Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (2005), com estágio de
doutorado na École de Hautes Études en Sciences Sociales, Paris; Mes-
trado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (1999) e graduação em Serviço Social pelo Institut Cardijn (1992)
- Bélgica.
Victoria Inés Darling
Es profesora e investigadora de la Universidade Federal da Integra-
cao Latino-americana. Posee un Doctorado en Ciencias Políticas y Sociales
por la Universidad Nacional Autónoma de México (2012), una Maestría
en Estudios Latinoamericanos por la misma Universidad y Licenciatura en
Ciencia Política por la Universidad de Buenos Aires (UBA). Su orientación
académica preferencial remite al estudio de los movimientos sociales en
América Latina.
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