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Barbara Falcão
AUTOBIOGRAFIA LEITORA
SÃO PAULO - SP
Novembro de 2019
Barbara Falcão (N°USP 3320736)
AUTOBIOGRAFIA LEITORA
Docentes responsáveis:
SÃO PAULO - SP
Novembro de 2019
Antes de saber ler, escalava a estante de livros que ia até o teto. Minha mãe, ávida
leitora até hoje, sempre teve muitos livros. Uma vez, em um curso autobiográfico,
respondendo qual era a memória mais antiga que eu tinha, lá estavam eles: Eu em pé, da
altura da segunda prateleira, olhando a estante e pensando que queria entender o que
Tive o privilégio de ter sempre livros a mão e de ter uma mãe que estimulava isso em
mim. Os livros de pano, os livros de plástico que levava para o banho, as lembranças de ela
lendo o “Gato Preto” de Poe para mim e meu irmão, são lembranças de leitura. Uma leitora
que ainda não entendia a língua escrita, mas já compartilhava um carinho pelos livros e
pelas histórias.
marcaram: No reino perdido do Beleléu de Maria Heloisa Penteado e O mistério do livro sem
mistério de Cristina Agostinho. Gostava particularmente destes dois e hoje analisando vejo
que ambos ofereciam algo além das histórias: o primeiro era uma espécie de jogo, pois tudo
estava perdido no reino do Beleléu e você precisava encontrar e o último, uma interessante
livro.
quando tinha uns doze anos, a trajetória da personagem e seus conflitos e descobertas. A
primeira vez que uma história reverberava dentro de mim e me mudava de alguma forma. A
ideia de você crescer e conhecer o mundo conversou profundamente comigo naquela época
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Um livro de minha mãe lido não só por mim, mas por outras colegas da oitava série
que pediram emprestado, foi Cristiane F, 13 anos, drogada, prostituída, escrito por dois
alemã que lutava contra o vício em heroína. Chega a ser óbvia essa curiosidade e a leitura
saciamos nosso desejo por conhecer as coisas que ainda eram tabu para nós.
autores que havia, mas lembro de meu pai me explicando como escrever poemas, já que
Fui para o Ensino Médio e no curso técnico de Comunicação Visual, conheci História
da Arte e muito do que li veio dessa influência das Artes Plásticas. Me sentia amiga dos
Modernistas de São Paulo da primeira fase, Mário, Oswald e Tarsila eram amigos que nos
acompanhavam nas andanças por São Paulo. Com 18 anos, apresentei junto com alguns
literatura, a partir deste momento em minha vida, sempre andou junto com as outras artes,
pois aprendemos como criar sentidos e naquela época nos considerávamos artistas.
Nessa época também descobri a poesia concreta, os irmãos Campos e lembro que
Campos. Fomos nas apresentações, fizemos obras baseadas no poema para a mostra
cultural. É interessante lembrar como a literatura parecia algo mais vivo nesta época, como
se vivesse junto com meus amigos um ambiente além dos livros. Tenho até hoje um fanzine
de vários autores de poesia concreta com um autógrafo do Arnaldo Antunes, que adoro e
uso até hoje em minhas aulas. Nós não só líamos e conhecíamos a obra, nós íamos à
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exposições, debates com autores, cursos e oficinas. Foi muito enriquecedor poder estudar
Continuei amando poesia, Leminsky, Quintana, Bandeira, Augusto dos Anjos, acho
que é dessa época que decorei o poema Versos íntimos que sei até hoje.
Não à toa decorei justamente este poema. Gostava e gosto até hoje quando a arte
penetra no sombrio do ser humano. Gosto quando a arte joga na cara das pessoas o lado
que elas querem esconder. Esta ideia me formou e me inspira. Em uma sociedade cheia de
problemas, violências e maldades, é função da arte, trazer estas histórias que podem ser
grotescas, violentas e por isso, voluntariamente ignoradas por alguns, mas que refletem e
nos ajudam a entender melhor a sociedade em que vivemos e nosso papel nela. Concordo
que a arte deva também dar beleza à vida das pessoas, mas acredito, atualizando a frase
de Walter Benjamim, que a arte deve desautomatizar o olhar também para as coisas
consideradas feias.
adolescência, o livro era um excelente meio de também matar a curiosidade sobre vidas que
eu jamais poderia imaginar sem eles. Também li todas as distopias a que tive acesso,
ajudando também a formar minha visão crítica. Li 1984, Admirável Mundo Novo, Revolução
dos Bichos, Farenheit 451 e um maravilhoso chamado A Ilha de Adous Huxley, em que ele
inspirador do Carlos de Campos, fui parar na Letras da USP. Amava acordar cedo,
atravessar a cidade e ir analisar poemas. A maravilha de ler com a chave nas mãos, o peso
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momento ganhava novas camadas, mas que não diminuíam a aproximação com o texto.
Pelo contrário, parece que enxergar o trabalho do autor, a costura por baixo do bordado,
E foi assim, com as chaves nas mãos, que li mais profundamente o que já conhecia
e fui conhecer tantos outros. Como a crítica literária e suas ferramentas fazem a gente cavar
mais fundo algo que poderia ficar na superfície. As aulas de José Antônio Pasta, por
maturidade inteira e pude entender, enfim, porque ele é considerado mestre. Como ele
em suas histórias. Parece que ganhei não uma chave de leitura, mas sim um óculos, igual
àqueles do cinema, com o qual pude ver outras dimensões do texto de Machado.
Juana Ines de La Cruz, uma feminista em pleno século XVII e Lazarillo de Tormes, com a
apaixonante figura do pícaro, presente no imaginário de tantas culturas e que dialogava com
as histórias da literatura nacional que costumava ler. A obra de Cortázar também foi algo
leitores, de ambientes, de pessoas próximas ligadas à arte, guiaram meu caminho leitor.
Confesso que minha mente racional sempre gostou mais de Gramática. Comecei
dando aulas de Gramática em cursinho popular e, no começo, segui com esta disciplina e
Tive um curta experiência com o EJA na escola pública em São Caetano do Sul e
procurei ler os livros do vestibular com eles. Como sabia que tinham pouco tempo para ler,
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resolvi projetar trechos das obras, lendo e analisando com eles. Eles riram com o “pisadão e
era bonita e cheirosa. Foi pouco tempo, porque na verdade era professora de espanhol
nesta rede e dava aulas para o Fundamental I e estava apenas substituindo um professor.
fiquei três anos em salas de leitura em São Caetano. Foi quando descobri a literatura infantil
e a maravilha dos variados formatos e leiautes de um livro. Fiz um trabalho muito bom com
oferecer leituras de acordo com o gênero textual ou tema que os professores estavam
trabalhando em sala. Fazia uma leitura compartilhada e depois eles escolhiam uma leitura
para semana.
A história mais bonita dessa época é de uma menina do quarto ano, que escreveu
“As aventuras de Isabela”, depois que li a história do Rei Artur para sua sala. A coleção
completa tem 3 volumes nos quais ela encontra com o Rei Artur e com vários personagens,
incluindo eu e a professora de sala. Na sua história, Isabela vira a primeira mulher a fazer
parte da Távola Redonda. Ler para os pequenos, desde do primeiro aninho até o quinto, era
algo muito gostoso de fazer, ver como eles vibravam, se emocionavam. Era, de novo, a
literatura viva. O que na história do Rei Artur fez a Isabela se encantar tanto? Ela leu todas
as histórias da Távola Redonda que tinha na sala de leitura enquanto escrevia seu livro.
E agora, faz quase dois anos que voltei à dar aulas de Língua Portuguesa, no nono
e oitavo ano e acredito que deveria usar mais literatura em minhas aulas. Como gosto de
Gramática, acabo não dando a devida atenção ao trabalho com leitura literária.
material de não haver muitos exemplares de um mesmo livro para trabalhar com toda a sala.
Por isso procuro trabalhar narrativas curtas, trabalhando bastante com contos. Inclusive no
nono ano, o material oficial do município traz esse gênero, com alguns bons exemplos.
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Costumo ler com eles e comentar. Além dos que estão no material, trabalho com dois
contos de que gosto muito. “Uma vela para Dario” de Dalton Trevisan e “Pai contra Mãe” de
Machado de Assis. Gosto desses contos pela possibilidade de trabalhar temas pertinentes
por meio da emoção que essas narrativas provocam e que levam a discussões muito
interessantes, mas sei que existem muitos outros textos com o mesmo potencial.
Mesmo os mais velhos gostam que leiam com eles e a análise feita depois com a
sala ajuda alguns a perceber certos detalhes que muitos não percebem em uma primeira
leitura. Noto também que sugerir livros maiores desperta a curiosidade de alguns.
Tento trazer os Estudos Culturais para minhas aulas e toda a minha vivência com as
letra e propondo discussões sobre elas. Trabalhei poesias de Conceição Evaristo e outras
autoras negras na mostra cultural deste ano também. Tenho buscado conhecer mais
E vejo que isso será gostosamente eterno: vou buscar mais referências. Para poder
dar aulas melhores, para poder escrever melhor, para poder me reconhecer. Me reconhecer
em outras histórias, em outros olhares sobre essas histórias. Histórias que retratam vidas