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Alguns casos de hífen http://www.academia.org.

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Academia Brasileira de Letras

Alguns casos de hífen


Evanildo Bechara [1]

Chegam-nos algumas perguntas sobre o emprego e não emprego do hífen, a que


agora iremos responder. A primeira indagação: “Devo grafar zigue-zague ou
ziguezague?”

A questão é muito importante e oportuna, porque os sistemas ortográficos desde


sempre não se têm debruçado sobre a escrita dessas formas, em geral palavras
expressivas e onomatopaicas (ou onomatopeicas), com que procuramos reproduzir
vozes de animais ou sons de objetos. São palavras compostas constituídas de dois
elementos mórficos, como a que se acha exemplificada pelo substantivo que motivou
a dúvida do leitor.

Antes do novo Acordo Ortográfico, se consultássemos os dicionários de língua


portuguesa elaborados no Brasil e em Portugal, iríamos encontrar ziguezague,
zunzum, lengalenga, ao lado de cri-cri, zás-trás, reco-reco e pingue-pongue. É fácil
perceber que estamos diante do capítulo ortográfico do hífen; o Acordo de 1990 nos
deu a chave da questão quando, na Base XV, recomendou o hífen nos compostos de
dois substantivos não separados por qualquer elemento (conjunção ou preposição).
Estão neste caso os exemplos acima, nos quais cada elemento constitutivo é
integrado por um substantivo que designa o nome do som do objeto ou a voz do
animal.

Por isso, o VOLP uniformizou escrevê-los com hífen, na firme obediência ao texto
legal: zigue-zague, zum-zum, lenga-lenga, zás-trás, etc. Para acompanhar a lição dos
dicionários, que não hifenavam as formas derivadas flexionadas de tais substantivos
compostos (como cricrilar, ziguezaguear, ziguezagueamento, ziguezagueante), a
equipe técnica do VOLP optou por não recomendar o hífen nessas formas, e assim
também procedemos nos livros de nossa autoria sobre o novo Acordo. Exame
posterior nos levou a reexaminar a questão, porque alguns leitores estranharam – e
para tanto nos consultaram – a possível incoerência de escrever, por exemplo, ‘zigue-
zague’ ou ‘lenga-lenga’ hifenados, mas aceitar, não hifenados, derivados deles, do tipo

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de ‘ziguezaguear’ e ‘lengalengar’. Abria-se para os ortógrafos não mais uma norma de


emprego do hífen, mas uma questão de teoria da linguagem, uma vez que nos
derivados das palavras onomatopeicas e expressivas se esmaece o valor simbólico
dos fonemas empregados, fazendo com que tais derivados passem a ser encarados
como signos não motivados, como os demais do sistema linguístico. E assim passam
a submeter-se às normas de derivação e aos fatos morfológicos próprios desses
mesmos sistemas. Temos, por exemplo, o composto ‘á-bê-cê’, mas já o derivado
normal escrito ‘abecedário’. Aprendemos a lição com o grande teórico suíço Ferdinand
de Saussure, pai da linguística moderna. Isto nos leva a compreender e aceitar que de
formas hifenadas – ‘zigue-zague’ e ‘lenga-lenga’ – devemos ter ‘ziguezaguear’ e
‘lengalengar’, como formas derivadas.

A dúvida de outro leitor não recai propriamente sobre o hífen, mas sim sobre a divisão
silábica de uma forma implementada com o prefixo aglutinado ao elemento primitivo. E
cita o caso de “superimportante”: “su-per-im-por-tan-te” ou “su-pe-rim-por-tan-te”? A
divisão silábica se faz modernamente, já nas últimas reformas ortográficas, na de
1990 inclusive, na Base XX, pela soletração (bi-sa-vô, de-sa-pa-re-cer, hi-pe-ra-cús-ti-
co, etc.), e não pelos elementos constitutivos dos vocábulos pela etimologia (bis-a-vô,
des-a-pa-re-cer, hi-per-a-cús-ti-co, etc.). Portanto, a divisão silábica será “su-pe-rim-
por-tan-te”. Este foi um dos benefícios trazidos pelas modernas reformas, uma vez
que ao usuário comum a forma etimológica quase sempre não lhe é evidente. Como
descobrir a formação original de elementos gregos e latinos obscurecidos na grafia de
“êxodo”, “desagrado”, e tantos outros. Este dado serve de alerta àqueles que, inimigos
de mudanças de hábitos, sempre estão prontos a dizer mal das reformas ortográficas.

O Dia (RJ), 4/3/2012

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