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Resumo: Durante a ditadura militar no Brasil, período marcado pela censura aos meios
de comunicação, jornais alternativos surgiram em várias partes do país como movimen-
to de resistência para criticar os atos repressores do regime militar. Em Teresina o pio-
neiro foi o Gramma, criado em março de 1972 o jornal era mimeografado e composto
por uma equipe de jovens jornalistas, cartunistas, poetas e críticos culturais. O jornal
apresentou aos leitores uma proposta gráfica inovadora e um conteúdo com teor critico
aguçado, tendo em vista o contexto sócio político, econômico e cultural. Como proposta
teórico metodológica, o trabalho utiliza-se da analise de discurso imagética proposta por
Aumont, Dondis, Magalhães, Debray e dos estudos realizados por Kucinski, Braga, Pal-
lares-Burke, Chartier, dentre outros pesquisadores que se debruçam sobre a historia da
ditadura militar e o jornalismo alternativo.
1. Introdução
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Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Piauí. Pesqui-
sadora do Núcleo de Pesquisa em Jornalismo e Comunicação e Especialista em Comunicação e Lingua-
gens pela mesma instituição. marcela.jor@hotmail.com
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dos jornais tradicionais, adota uma postura contra hegemônica, foge dos padrões jorna-
lísticos da época e propositadamente critica o regime militar de forma simples, direta e
audaciosa.
O recorte espaço-temporal da pesquisa consiste no ano de 1972, período que fo-
ram lançadas as duas edições do jornal, na cidade de Teresina-PI. Um dos aspectos do
Gramma priorizados para analise consiste na utilização de recursos gráficos de humor,
como quadrinhos e a composição das capas do jornal.
Considerando esses elementos visuais e a composição gráfica do jornal, analisa-
se como essas imagens dialogam com o contexto histórico? Quais as vozes ali presen-
tes? Qual o conteúdo crítico presente nos recursos gráficos de humor? Quais as inten-
ções dos colaboradores que faziam o jornal? Esses são alguns dos questionamentos que
o presente trabalho busca responder ao analisar o jornal Gramma.
Inicialmente, o trabalho faz breve reflexão teórica sobre a importância da ima-
gem na produção de sentidos e suas possibilidades de analise discursiva imagética. No
tópico seguinte tem-se uma contextualização do momento histórico marcado pela dita-
dura militar, considerando o surgimento do jornalismo alternativo e o aparecimento do
movimento no Estado. Em seguida, apresenta o jornal Gramma, sua composição, carac-
terísticas, tiragem, produção de conteúdos e objetivos. No quarto tópico, que dá titulo ao
artigo, “A resistência entre imagens e mensagens”, analisa-se alguns elementos gráficos
do jornal que refletem a proposta do periódico. A começar pela composição da capa,
depois o editorial do jornal intitulado como Expediente e por último, uma seção do jor-
nal que traz quadrinhos.
Para isso, a pesquisa estuda o jornalismo alternativo durante a ditadura militar
tomando como base teórica os estudos realizados Bernardo Kucinski (1999), José Luiz
Braga (1991), Maria Lúcia Garcia Pallares-Burke (2000) e tem como foco o estudo da
imagem considerando a composição gráfica do jornal e os recursos gráficos de humor,
baseando-se nas contribuições teóricas de Aumont (1993), Debray (1994), Dondis
(2003), Magalhães (2003), dentre outros autores que se debruçam sobre a análise dis-
cursiva imagética.
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Contracultura é um ideário que questiona valores centrais vigentes e instituídos na cultura ocidental,
mantidos por instituições sociais como a igreja e família. O movimento teve inicio na década de 1960 em
várias partes do mundo. No Brasil, a tropicália, o movimento hippie, o jornalismo alternativo marcam
essa cultura marginal, denominada também de anticultura.
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Utiliza-se esse termo para representar os grandes veículos de comunicação, no caso aqui a imprensa, que
estavam alinhadas ao governo. Vale ressalta que não houve uma adesão generalizada de todos os veículos
de comunicação às ideias defendidas pelo regime militar, mas por conta da censura todos os grandes
veículos tinham que se enquadrar aos atos ditatoriais e divulgar o que interessava ao governo.
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novas expressões e leituras sobre assuntos diversos, como é o caso do jornal cultural
Gramma.
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O diário Granma (escrito com letra ‘N’ mesmo, diferente do Gramma de Teresina que é escrito com dois
‘M’) de Cuba é o orgão oficial de imprensa do governo cubano. Naquela época, o contexto internacional
passava por uma série de mudanças e Cuba até a década de 1970 apoiava os movimentos guerrilheiros,
ação esta que ia contra os interesses norte-americanos e não era vista com bons olhos pelo governo brasi-
leiro.
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A resistência não é o recado. A curtição geral, total e brutal, mal dosada e le-
vada às últimas consequências é que deve ser a jogada para a apreciação inte-
ligente de qualquer baboseira que neste país transe e se faça à luz. Nada de
choros e gritos... Por entre os fieis bastiões da boa moral e dos bons costu-
mes, por entre distintos senhores gravata-borboleta, suprassumos da falida
culturália brasileira, audazes defensores do bom mocismo nacional, surja o
verbo encantado das palavras maldipasquinas, presença de flores do mal a
impregnar de bons fluidos a consciência da tribo... Em resumo, nada mais
pode ser feito para segurar esta bomba. Alô, alô rapaziada, quem puder que
se segure: o país está em chamas!(GRAMMA,1972, p.03)
Essa questão dos bons costumes e de uma cultura fadada ao fracasso remete a
uma ideia bastante ligada ao chamado “vazio cultural” que foi defendido por alguns
intelectuais que afirmam o país ter passado por um momento em que a produção cultu-
ral regrediu. A expressão “o país esta em chamas” revela como o clima era tenso e con-
flituoso naquela época.
há uma produção de sentidos sobre os fatos, que carregam discursos anteriores ou cons-
troem discursos outros, constituindo assim a dimensão discursiva da imagem.
No caso do jornal Gramma, o impresso vem marcado pelo traço artesanal, com
escritas informais, sem diagramação, predominância de recursos gráficos, como setas,
quadrados, balões de fala, linhas, fotografias, quadrinhos e ilustrações.
O Gramma constrói graficamente, o discurso da capa recorrendo a desenhos fei-
tos manualmente pelo poeta Torquato Neto, um dos colaboradores do jornal, e impres-
sos em mimeografo, monocromático. A ilustração vai além do desenho, ela reflete em si
a proposta do jornal.
seios desses jovens para usufruir a liberdade de expressão, de gostos longe da repressão
imposta pelo regime militar. A limitação financeira do jornal também é um dos fatores
que não pode ser ignorado e que interfere na criação da capa, que não faz uso de recur-
sos tecnológicos possíveis naquela época.
Ao considerar as partes constitutivas da imagem que resulta no nome do jornal,
privilegiam-se aqui alguns elementos visuais, como a linha, a textura, o movimento e
outros efeitos que influenciam diretamente no conteúdo da imagem.
Na composição do nome GRAMMA ela vem interligando várias imagens de
forma irregular, marcada de rabiscos que como Dondis (2003) nos chama atenção pode
ser um “reflexo de uma atividade inconsciente sob a pressão do pensamento (...) A linha
reflete a intenção do artífice ou artista, seus sentimentos e emoções mais pessoais e,
mais importante que tudo, sua visão” (DONDIS, 2003, p.57). Outro elemento é a textu-
ra, a imagem nos remete a sensação da grama vegetal. Com suas formas pontiagudas
nas margens do nome, tem-se uma experiência tátil visual que relembra a aspereza de
uma grama, possível graças aos inúmeros detalhes na imagem.
Logo abaixo do nome Gramma, tem a numeração da edição, nº01 e o valor co-
brado para aquisição do periódico, na época Cr$ 1 (um cruzeiro) e em seguida uma fai-
xa dizendo “Jornal pra burro”. Emoldurando a capa, ramos de grama surgindo dos can-
tos inferiores. Carregada de ironia, acredita-se que a mensagem vem com o intuito de
não atrair a atenção das autoridades, das instituições mantedoras da ordem pública que
se consideram inteligentes capazes de determinar os padrões de comportamento e con-
sumo da sociedade. Além é claro dos órgãos censores da ditadura militar que fiscaliza-
vam na época a produção dos meios de comunicação.
Na região central da capa, o desenho de um homem cabeludo, nu, e extraindo de
um corte na região abdominal seu coração. A imagem sugere, dentre várias abordagens,
dois pontos. Primeiro a questão comportamental, da vestimenta, do uso de cabelos
grandes, o valor simbólico que estes elementos carregam, e destacados pelo pesquisador
Edwar Castelo Branco (2005) como movimento de resistência.
Ser cabeludo, neste momento histórico, não é, portanto, apenas fazer opção
por uma estética com a qual o sujeito escolhe ornamentar seu corpo. É acima
de tudo uma posição de sujeito que oferece tanto prazer quanto riscos. Usar
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te, o Gramma como um jornal cultural, traz em sua maioria imagens artísticas que não
possuem esse papel de representação fiel da realidade. As imagens utilizadas pelo jornal
fazem associações de forma clara e direta aos valores morais, religiosos, a alguns fatos,
como por exemplo a implantação da TV, produzindo assim sensações diversas com o
modo diferente de abordar os fatos.
O rompimento com os padrões gráficos do jornalismo é uma das características
do Gramma. Alternativo por essência, o jornal apresenta o texto numa linguagem colo-
quial, com letras originais, na fonte da família cursiva e sem uma diagramação estabele-
cida.
A diagramação é a arte de distribuir os elementos gráficos do discurso no es-
paço da página (...) de tal modo que ao final, eles se conjuguem para uma
concepção gráfica atraente, com equilíbrio, proporção e eficiência discursiva,
ou seja, que produza com beleza, o sentido a que se propõe. (MAGALHAES,
2003, p.110)
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O personagem de HQ (História em Quadrinhos) da Marvel Comics foi criado por Joe Simon e Jack
Kirby, e conta história de um soldado Steve Rogers que foi transformado em super-humano durante
experiências científicas realizadas pelo Exército. O Capitão América surgiu sob a bandeira do patriotismo
norte-americano, durante os anos da Segunda Guerra Mundial. Ao lado de seu parceiro Bucky, o Capitão
América enfrentou a ameaça nazista, mas caiu na obscuridade após o fim do conflito.
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6. Considerações finais
São através de imagens que muitas mensagens conseguem ultrapassar as barrei-
ras da censura e chega até o leitor de forma leve, descontraída e acima de tudo, informa-
tiva. Os jornais alternativos utilizaram muitos desses recursos, seja pelo traço, pelo texto
ou pela diagramação. Mesmo sendo produções que não dispunham de recursos financei-
ros como os grandes jornais, elas possuíam algo que as enriqueciam, o conteúdo, a cria-
tividade e sensibilidade.
O Gramma é um jornal simples, sem sofisticação, de retórica fácil, porem volta-
da para um público com nível cultural elevado. O jornal faz um contraponto com os
demais meios impressos de comunicação. Ao abordar assuntos não veiculados pelas
grandes mídias oferece ao publico uma opção de leitura diferenciada. O discurso ao
negar, criticar o jornalismo “oficial”, ao questionar o poder autoritário do regime mili-
tar, as normas, os gostos e comportamentos instituídos pelas camadas sociais que se
veem detentoras da boa moral e costumes, remete-se ao discurso do outro. Uma cons-
trução discursiva que rebate o discurso tradicional.
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Referências
BRAGA, José Luiz. Pasquim e os anos 70: mais pra epa do que pra oba. Brasília: UNB, 1991.
BRANCO, Edwar A. Castelo. Todos os dias de paupéria: Torquato Neto e a invenção da Tro-
picália. São Paulo: Annablume, 2005.
DONDIS, Donis A.. Sintaxe da linguagem visual. São Paulo: Martins Fontes, 2003. 7 ed.
DEBRAY, Régis. Vida e Morte da imagem: uma história do olhar no ocidente. Petrópolis:
Vozes, 1993.
MAGALHÃES, Francisco Laerte Juvêncio. Veja, Istoé, Leia: produção e disputas de sentido
na mídia. Teresina: EDUFPI, 2003.
PALLARES-BURKE, Maria Lúcia Garcia. As muitas faces da história. São Paulo: UNESP,
2000.
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PINTO, Milton José. Comunicação e Discurso: introdução à análise de discursos. São Paulo:
HACKER Editores, 1999.
ALBUQUERQUE, Arnaldo. Em entrevista concedida a Marcela Miranda Félix dos Reis no dia
14 de julho de 2006.