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SÉRGIO MILLIET

Fundação Educacional de Penápolis - FUNEPE


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Lucas Paolillo Barboza

SÉRGIO MILLIET
© 2019 Editora FUNEPE
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Profa. Me. Gisele A. A. Corral dos Santos

Coleção Clássicos & Contemporâneos


Organizador: Prof. Me. Thiago Pereira da Silva Mazucato

Sérgio Milliet / autor: Lucas Paolillo Barboa; organizador: Thiago Mazucato


B239s ── Penápolis: Editora FUNEPE, 2019.
79 p.

ISBN: 97885-93683-275

1. Ciências Socias. 2. Milliet, Sérgio. I. Título.

CDD: 300 (20a)


CDU: 30

ISBN: 97885-93683-275

Editora FUNEPE
Avenida São José, 400 - Vila Martins - Penápolis/SP - (18) 3654-7690
www.funepe.edu.br/editora - editora@funepe.edu.br
Sumário

Apresentação da Coleção, 7

Apresentação, 9

Nos rastros da vida de Sérgio Milliet, 13

Comentários sobre o pensamento de Sérgio Milliet, 49

Considerações Finais, 71

Referências, 75
Apresentação da Coleção

A coleção "Clássicos & Contemporâneos" surge na Edito-


ra FUNEPE como resultado de um processo de intensificação da
prática da pesquisa dentro da Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras de Penápolis (FAFIPE/FUNEPE). Mais especificamente,
vinculado ao Centro de Educação e Ciências Humanas (CECH) o
Grupo de Pesquisa "Sociologia, Política e Cidadania" vem produ-
zindo diversas pesquisas de iniciação científica, assim como a
pós-graduação (especialização) "Diversidade, Inclusão e Cidada-
nia", no âmbito da disciplina Pensamento Político Brasileiro e
Cultura Política Brasileira, realizam, dentre outras atividades de
ensino e pesquisa, estudos sobre pensadores clássicos e contem-
porâneos.

Neste sentido, a instituição, por meio da Editora FUNEPE,


sensibilizada por este conjunto de ações de ensino e pesquisa,
procurou articular uma rede de pesquisadores no campo mais
amplo das Humanidades, para que escrevessem sobre autores
específicos que tivessem trabalhado em suas pesquisas. A linha
editorial traçada para esta coleção consistiu em produzir mate-
riais bibliográficos de excelência, que pudessem ser utilizados

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Coleção Clássicos & Contemporâneos

tanto por estudantes de graduação em estágios iniciais, quanto


pelo público leitor mais amplo.

A Coleção Clássicos & Contemporâneos, devido à sua ca-


racterística de possuir um escopo temático bastante amplo den-
tro das Humanidades, procurará trazer publicações das mais di-
versas áreas — Sociologia, História, Filosofia, Política, Antropo-
logia, Geografia, Literatura, Psicologia, Educação, Economia, Di-
reito, e tantas outras áreas correlatas.

O seu fio condutor será sempre o de apresentar ao leitor


uma trajetória do autor que dá nome a cada título da coleção:
tanto em sentido biográfico quanto em sentido intelectual, apre-
sentando sempre as principais ideias e teses do autor retratado.

Thiago Mazucato
Organizador da Coleção Clássicos & Contemporâneos

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Apresentação

Um jovem escritor caminha num fim de tarde qualquer


em direção à Praça Dom José Gaspar, localizada atrás da Biblio-
teca Municipal de São Paulo. Nas mãos, uma cópia do seu livro de
estreia. Ao chegar, dirige-se ao Paribar, reduto boêmio cuja ex-
tensão toma todo um lado do quarteirão da praça. Seu destino: a
mesa de número cinco. Trepidante, mas ousado, espera apresen-
tar-se ao notório crítico de literatura que por certo estará sen-
tado ali. Quer entregar-lhe o exemplar de seus escritos e tentar a
sorte grande. Caso o livro caia em seu gosto, reza a lenda, uma
resenha capaz de provar seu gênio sairia publicada n’O Estado de
S. Paulo.
O escritor de nossa pequena história acima é hipotético.
O crítico, não. Chama-se Sérgio Milliet e é muito provável que te-
nha presenciado cena semelhante a esta diversas vezes ao longo
de sua vida, tamanha foi a sua fama de acessível. Não raro, comu-
nicava-se com os aspirantes que lhe ofereciam livros e dirigia-

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Coleção Clássicos & Contemporâneos

lhes, pacientemente, críticas firmes, mas ternas. Queria, com


isso, que aqueles jovens aprimorassem a escrita sem que jamais
perdessem o entusiasmo. Destes, muitos tiveram seus livros de
estreia resenhados na sua respeitosa coluna de jornal, a qual tam-
bém forneceu matéria prima para a publicação de seus Diários
críticos (1943 – 1959), os quais compilam boa parte da aventura
literária de seu tempo em seus rodapés.
Em que pese todos os seres humanos sermos um cons-
tante e obscuro processo relacional, podemos afirmar que Sérgio
Milliet se caracterizava fisicamente pelos bigodes ralos que se im-
punham como marca registrada de seu rosto. Característica pre-
sente na maioria dos seus retratos, ainda não os tinha cultivado
na época do famoso Retrato azul (1923) que Tarsila do Amaral fez
tendo-o como modelo. A pintura ficou como uma lembrança da
sua fisionomia nos tempos de juventude e de modernismo. Se o
físico se transformou, o espírito de 1922 permaneceu vivo. Ao
longo de toda a vida, como bem lembra Antonio Candido, muitas
“burlas, paródias e traduções macarrônicas” (CANDIDO, 2005
[1978], p. 19) expressaram a irreverência de sua personalidade.
Nos escritos, a presença de amigos imaginários vem a confirmar
essa tendência. Seja o palpiteiro Gil Goncourt, o gato Kaganovitch
Patriarkovsky, a musa Elissée ou mesmo o seu misterioso “amigo

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SÉRGIO MILLIET | Lucas Paolillo Barboza

filósofo”. Todos aparecem como contraponto de opinião e como


a blague necessária ao riso de si mesmo.
A depender, claro, da época, outros traços também po-
dem identificá-lo. A gravação feita para a série de discos do selo
Festa nos anos cinquenta mostra que foi dono de voz áspera, ele-
mento possivelmente acentuado pelo hábito de fumar. Boêmio,
Milliet tinha a superstição de oferecer o primeiro gole de cada
bebida a Exu. Foi professor de tango e fã de Noel Rosa. “Uma
alma avessa à música é por certo uma alma árida” (MILLIET, 1936,
p. 67). Além disso, costumava passar os finais de semana fora de
São Paulo, em Praia Grande ou em Campos do Jordão. Pintor de
domingo, retratou muitos palhaços e paisagens. Já maduro, con-
tam alguns amigos, costumava ir a bares elegantes como o Clube
dos Artistas na Vila Buarque ou o Bar do Museu de Arte Moderna,
mas também apreciava as cantinas italianas consideradas mais
rústicas no Brás. Quanto ao Paribar, marcou presença assídua.
Quando Milliet morreu, os garçons da casa compareceram maci-
çamente ao seu velório.
Prosador por excelência, como também foi o seu mestre
Montaigne, Milliet cultivou o apreço pela vida bem vivida no co-
tidiano, sem orgulhos agressivos. Compreender a presença dessa

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Coleção Clássicos & Contemporâneos

postura é fundamental para também compreender o seu traba-


lho e a forma como está inserido na realidade de seu tempo.
Henri Mugnier, amigo dos tempos de Genebra, resumiu essa ten-
dência ao sugerir que ele nasceu para “une petite vie”, isto é,
“uma vida de bairro, o padeiro me cumprimentando, o garagista
dando-me conselhos, [...] o garçon indagando ‘e para beber, sem-
pre o mesmo clarete?’” (MILLIET, 1962, p. 122). Como discutire-
mos adiante, o cultivo da simplicidade é para ele uma atividade
inerente ao amor à vida. Este seria uma forma de escutar, de
abrir-se a quem o outro é, reconhecendo-o, de forma a não igno-
rar as presenças vivas no mundo e a multiplicidade de seus valo-
res.
Apesar da fama de crítico, as atividades de Milliet não se
limitaram à crítica de literatura. Ao contrário, sua volumosa obra
aborda gêneros e temáticas diversos. As funções que desempe-
nhou também foram variadas. Delas, é possível situarmos preli-
minarmente ao menos quatro eixos: 1) a participação e adminis-
tração em instituições de cultura, artes e saber; 2) o trabalho na
imprensa, com jornais e revistas; 3) o articulismo em entidades
de classe, agremiações e partidos políticos; 4) a produção de li-
vros, telas, traduções e outras publicações de sua autoria.

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Nos rastros da vida de Sérgio Milliet

Criação familiar

A vida começou para Sérgio Milliet numa casa da Rua da


Consolação no dia 20 de setembro de 1898. Filho de Aida Milliet,
uma normalista, e do comerciante de ferragens Fernando da
Costa e Silva, seu nascimento coincidiu com uma época de inten-
sas transformações para a cidade de São Paulo. Na época, as oli-
garquias agrárias paulistas promoveram o crescimento da econo-
mia cafeeira em toda a região. Não é de se estranhar que o re-
censeamento de 1893, por exemplo, tenha registrado um au-
mento drástico para os padrões da época de cem por cento da
população em apenas três anos. Assim, viveu período considerá-
vel do processo que, anos mais tarde, faria dela uma metrópole.
“Tudo gira em torno do ouro verde, dele tudo emana e a
ele tudo se destina: homens, animais, máquinas” (MILLIET,

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Coleção Clássicos & Contemporâneos

1946[1938], p. 7). Tais palavras, escritas décadas depois pelo re-


cém-nascido, sugerem a relação entre os impactos dos processos
de urbanização e de industrialização crescentes, bem como os re-
sultados da política de imigração em vigor com a exportação de
café. Tais transformações traduziram-se, na prática, em inova-
ções na paisagem da cidade. Bondes e iluminação elétricos, via-
dutos, greves de trabalhadores, prédios e carros impunham uma
nova lógica a São Paulo. No entanto, nada disso marcou a pe-
quena família de comerciantes como seus dramas privados. No
ano de 1900, Milliet perdeu a mãe, vítima de uma doença. Diante
do ocorrido, o pai abandonou a criança aos familiares maternos.
Milliet registrou recordações do período. Morou em um
casarão próximo à Avenida Paulista com as tias e a avó. “A casa
comprida tinha um número de janelas que se me afigurava incal-
culável” (MILLIET, 1960, p. 111). As impressões de Milliet remon-
tam ao padrão social da família. Eram proprietários de terra, des-
cendentes de imigrantes franceses. “Lá, frequentara mapas e en-
ciclopédias, e nesse apego à geografia encontrou mais tarde a ra-
zão de seu amor às viagens” (RAMOS, 1968, p. 51). Foi estimulado
por eles a estudar. Em seus primeiros decênios, chegou a ser ma-

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SÉRGIO MILLIET | Lucas Paolillo Barboza

triculado em diversos colégios. Mais novo, fez parte do Grupo Es-


colar Maria José e da Escola Americana. Em seguida, chegou a
frequentar o Ginásio São Bento e o Ginásio Macedo Soares.
Anos mais tarde, o pai reapareceu. Havia constituído nova
família. Exigiu que o filho a integrasse. Milliet não gostou dos no-
vos hábitos. “Meu pai lia a Careta, o Malho, mas livro nunca vi em
casa, fora que eu conseguia com alguns colegas” (MILLIET, 1962,
p. 50). Os recursos financeiros e as perspectivas de mundo dos
dois núcleos familiares eram distintos. O comerciante de ferra-
gens cancelou a matrícula do jovem no Ginásio para que ele tra-
balhasse e arcasse com as despesas da casa. Arrumou-lhe um em-
prego como entregador. “Eu não dava para o estudo, pensava
meu pai. Creio que foi para desmenti-lo que na Suíça, mais tarde,
tirei todos os prêmios de literatura francesa” (MILLIET, 1962, p.
111).
Milliet não se adaptou à nova vida. O drama familiar foi
resolvido por um tio materno que convenceu o pai dele de que
uma boa formação fora do país daria resultados práticos. Chega-
ram à conclusão de que Milliet deveria estudar técnicas de co-
mércio. “Sempre recordarei com ternura esse tio Horácio que me
deu a oportunidade de estudar na Europa” (MILLIET, 1962, p. 69).
Para tanto, aplicaram a parte de uma herança, relativa à morte

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Coleção Clássicos & Contemporâneos

do avô materno, como meio de custeá-lo no exterior. A decisão


“[...] iria tornar-me bilíngue, a escrever versos em francês e paró-
dias de escritores suíços, em meio a uma neve desde logo fami-
liar, querida e que, entretanto, não sufocaria a saudade do Gua-
rujá e do bom calor tropical” (MILLIET, 1962, p. 8).

Experiências genebrinas

Sérgio Milliet aportou do navio Arlanza em 1912, a tempo


de conhecer a Europa da belle époque. Estabeleceu-se em Gene-
bra, na Suíça. Lá, deu continuidade aos seus estudos. Ainda jovem
e sem dominar o idioma francês, encontrou uma realidade estra-
nha. Os valores aprendidos na terra natal perderam o estatuto de
verdades indiscutíveis. Precisou deixar de lado grande parte dos
costumes afetivos da sua cultura de origem e abriu-se às novida-
des. Surpreendeu-se com a “[...] folhagem vermelho-amarelada
do outono, a alegria da primeira neve, toda uma existência ativa
e sadia que acalmava um pouco o ardor de uma adolescência cu-
riosa de tudo” (MILLIET, 1960, p. 111).
A Suíça ofereceu ao jovem estrangeiro um cenário farto
para a sua curiosidade de adolescente. Diferentemente do Brasil,
a organização das instituições públicas suíças foi e é feita através

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SÉRGIO MILLIET | Lucas Paolillo Barboza

de agrupamentos de estados federativos independentes e autô-


nomos chamados de cantões. Colegiados em uma confederação,
cada cantão possui seus próprios idiomas oficiais. Em Genebra,
por exemplo, fala-se em francês. A organização peculiar dos can-
tões tem raízes na ética protestante e na posição geográfica es-
tratégica que o território possui em relação aos outros a seu re-
dor. Tradicionalmente sensível a imigrantes e a refugiados políti-
cos, o complexo sistema da diplomacia, dos valores e da econo-
mia locais favoreceu o papel de destaque do território nas rela-
ções internacionais da Europa. Com os anos, a imagem de neu-
tralidade do país foi reforçada. É impossível entender a formação
de Milliet sem compreender a efervescência e os valores próprios
à Genebra daquele início de século.
A diferença entre os valores e as instituições suíços com
outros países europeus possivelmente mudou de patamar na
vida de Milliet em 1914, quando testemunhou de perto os impac-
tos da Primeira Guerra Mundial. Na ocasião, Genebra foi “um dos
raros recantos neutros em que se podiam refugiar os incompre-
endidos, os que a imbecilidade desencadeada dos homens repu-
diava” (MILLIET, 1938, p. 188). Os conflitos internacionais deixa-
ram marcas. Para ele, a cidade se transformou em “um covil de
espionagem [...], numa atmosfera de ódios e intrigas” (op. cit.).

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Coleção Clássicos & Contemporâneos

Milhares de refugiados das mais diversas culturas habitaram a Su-


íça, muito embora a imigração comum tenha, em contrapartida,
se burocratizado. O ambiente bélico e buliçoso foi propício para
que, ainda na Escola do Comércio de Genebra, Milliet intercalasse
as atividades curriculares com o envolvimento em atividades cul-
turais. Nessa ocasião, rabiscou os primeiros versos, os quais fo-
ram motivados pelas pulsões adolescentes de “arranjar peque-
nas” (MILLIET, 1982, p. 27).
“Naquele tempo eu frequentava os cenáculos de Gene-
bra. Uma vez por semana ia à sede do grupo Jean Violette.” (MIL-
LIET, 1962, p. 60). Formado por escritores e artistas, os cenáculos
serviram de espaço para que se expressasse como poeta, for-
mando-se ao lado dos seus outros participantes. “Naquela época,
com dezoito anos, e a cabeça cheia de poemas naturalmente ro-
mânticos” (op. cit., p. 32). Com eles, conheceu melhor o mundo
das artes, em especial as artes plásticas, e consolidou uma cons-
ciência política marcada pelos valores humanistas. Jean Violette,
homem cujo nome foi usado para batizar um dos grupos, marcou
a vida de Milliet. Violette foi bibliotecário, assim como Milliet viria
a ser no futuro. Ao terminar a primeira etapa dos estudos, ingres-
sou na Universidade de Genebra com vinte anos, ambiente pro-
fissional de Jean Violette, e frequentou a Universidade de Berna.

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SÉRGIO MILLIET | Lucas Paolillo Barboza

Viveu os amores e a boemia noturna que os anos lhe proporcio-


naram. “Uma experiência da vida completa tive eu na Europa”
(MILLIET, 1982, p. 27).
O grupo de intelectuais do qual tomara parte empenhou-
se na publicação de uma revista pacifista chamada Le Carmel
(1916 – 1918). Foi, certamente, seu primeiro contato com ativi-
dades editoriais. No futuro, seria um esteio para o envolvimento
de sua vida com a imprensa no Brasil. O diretor foi Charles Bau-
douin, amigo com quem dividiu autoria do livro En singeant: pas-
tiches littéraires (1918), recheado com paródias de poetas. A li-
nha editorial de Le Carmel, marcada pelo tom dos conflitos mun-
diais, tinha como ambição a exposição de diálogos francos entre
tendências de pensamento distintas. Foi apadrinhada por Romain
Rolland, intelectual de renome e prêmio Nobel, o qual ficou lem-
brado pelo jovem como “[...] um apoio carinhoso, que ficou para
sempre gravado no rol das minhas gratidões, e a de um exemplo
admirável de probidade moral e espiritual, digna de respeito reli-
gioso” (MILLIET, 1938, p. 188). Além deles, companheiros de seu
circuito, como Henry Spiess, Henri Mugnier, Charles Reber e o
próprio Jean Violette também se envolveram com o periódico.
Milliet precisou arrumar fontes de renda para arcar com
as finanças na Europa impactada pela guerra. Trabalhou como

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Coleção Clássicos & Contemporâneos

dançarino profissional e foi arquivista auxiliar da Liga das Nações.


Conheceu a pobreza que tomou conta da Alemanha da República
de Weimar. “[...] o dinheiro desvalorizado, em derrocada, atraia
turistas boêmios, um dólar dez mil marcos, mas já na esquina se-
guinte cem mil, e os preços a subirem loucamente mas menos
depressa do que a queda da moeda” (MILLIET, 1962, p. 29). A mi-
séria e a prostituição nas ruas impressionaram-no. “Um maço de
cigarros valia uma garota: a carne humana era o que havia de
mais barato. [...] Os prédios cor de tijolo sujo, ainda incrustrados
de balas, [eram] vestígios de uma revolta recente” (op. cit., p. 29-
30).

São Paulo, a Semana de Arte Moderna e a revista Klaxon

No ano de 1920, Sérgio Milliet retorna à cidade de São


Paulo. Na ocasião, travou contato com os jovens que realizariam
a Semana de Arte Moderna de 1922. Contrastou-se entre eles por
causa de suas referências e experiências adquiridas no estran-
geiro. Mário de Andrade registrou a impressão. De acordo com
ele, Milliet e Rubens Borba de Moraes chegaram “sabidíssimos da
Europa” (ANDRADE, 1978, p. 237). O conhecimento e as referên-

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SÉRGIO MILLIET | Lucas Paolillo Barboza

cias literárias dos jovens “sabidíssimos” contrastou com o isola-


mento cultural sofrido pelo Brasil nos tempos da Guerra. “Na-
dava-se em cheio no parnasianismo mais estéril, ainda se acredi-
tava na Arte pela Arte, tudo com maiúsculas, na beleza da forma,
consoantes de apoio, censuras e outras bugigangas” (MILLIET,
1944b, p. 240). Anos depois, Milliet refletiu o papel exercido ao
lado dos outros modernistas. Reconheceu que “[...] trazia eu para
a geração paulista não somente o testemunho vivo da tragédia
europeia mas ainda, a par do desencanto, uma energia de plena
disponibilidade” (op. cit., p. 239).
Na ocasião da Semana de Arte Moderna, nos dias 13, 15
e 17 de fevereiro de 1922, Milliet tomou parte discreta. “Aqui
participei [...] mais como admirador de Mário e Oswald de An-
drade que como militante ativo” (MILLIET, 1982, p. 27). O amigo
Henry Mugnier o acompanhou a São Paulo e recitou seus versos
no evento. A declamação foi vaiada, bem como outras apresen-
tações do espetáculo. As manifestações impuseram-se como um
choque cultural aos valores da oligarquia presente. A poesia de
Milliet, chamada Oeil-de-boeuf, foi recitada no dia 15. De acordo
com o testemunho de Antonieta Borba, a declamação ocorreu
depois de uma fala do Mário de Andrade. “O Munier [Mugnier]
recitou a poesia de Milliet (em francês) foi também muito vaiado,

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Coleção Clássicos & Contemporâneos

mas foi até o fim impassível, e sentou-se com calma” (MORAES,


2011, p. 290). Milliet guardou impressões esfuziantes das negati-
vas. “Foi uma espécie de première de Hernani brilhantemente
apresentada” (MILLIET, 2000, p. 128).
Depois da Semana de Arte Moderna, Milliet envolveu-se
com o grupo responsável pela criação da revista Klaxon. Isto o
aproximou ainda mais dos outros modernistas. Encontros ocor-
riam na confeitaria Vienense, na Praça da República, e nas resi-
dências suntuosas de Paulo Prado e de Olivia Penteado, onde
ocorriam discussões e saraus. O circuito de convivência serviu de
insumo para a produção da revista. Entretanto, a sede produtiva
eram os escritórios de Tácito de Almeida e de Couto de Barros,
próximos à Casa Alemã. “Ali fazíamos a Revista Klaxon e divertí-
amo-nos com suscitar as mais confusas e brilhantes polêmicas,
convencidos de que assim irritávamos os escritores bem pensan-
tes e os jornalistas sisudos” (MILLIET, 1960, p. 185-6).
Para garantir prestígio à publicação, Milliet acionou seus
contatos europeus. Isto fez dele um importante articulador do
movimento a nível internacional. Ao longo da década de vinte, fez
diversas viagens, sobretudo à França e à Bélgica, onde travou
contatos e fortaleceu vínculos entre os modernistas brasileiros e
os europeus. Além de seus colegas dos tempos de Le Carmel,

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SÉRGIO MILLIET | Lucas Paolillo Barboza

como Henry Mugnier, Charles Baudouin e Charles Reber, estabe-


leceu relações com artistas e escritores da envergadura de Jean
Cocteau, Blaise Cendrars e Yvan Goll.
Em correspondência a Yan de Almeida Prado, escrita ma-
joritariamente em francês, Milliet relatou suas experiências e im-
pressões. “Em resumé nous sommes au mieux avec tout le
monde soit en France, soit en Bélgique, grâce à Oswald, à Tarsila
et à moi” (PRADO, 1976, p. 58-9). Na ocasião, estabeleceu um
contato intenso com Oswald e Tarcila que também estavam na
Europa. Ao lado do casal, participou de diversos eventos sociais
com artistas e intelectuais. Com o fim de proliferar o movimento,
traduziu poemas avulsos dos modernistas brasileiros e Os Conde-
nados de Oswald para o francês. “Oswald est revenu à Paris. Je
continue la difficile traduction de son livre. Mais je crains pour le
succés en France” (op. cit., p. 63). Ao mesmo tempo, arregimen-
tou artigos de escritores estrangeiros para a Klaxon. As traduções
dos brasileiros feitas por Milliet foram publicadas na revista belga
Lumière e na francesa Amérique Latine, plataformas com as quais
manteve relações e que lhe serviram para a publicação de crôni-
cas.

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Coleção Clássicos & Contemporâneos

Nessa época, escreveu versos sobre suas viagens, elas


mesmas uma experiência de teor acelerado, ao gosto do futu-
rismo europeu. “Meu livro virá comigo e mais dois livros prontos.
Cartões Postais e um sem título ainda” (op. cit., p. 68). Tais proje-
tos seriam reunidos, mais tarde, em Poemas análogos (1927).
Além deles, nestas viagens, tomou para si o papel de comprador
de livros e de diversas peças das artes plásticas para os seus com-
panheiros de São Paulo. Isto lhe garantiu um poder de interferên-
cia na formação dos amigos. Assim, agiu como uma espécie de
curador no que diz respeito à assimilação das novidades euro-
peias. “Vocês me obrigam a fazer uma contabilidade dificílima! As
contas se apresentam como segue: crédito do Couto 64,20; do
Mário 250; teu 105,50” (Op. Cit., p. 67).
Da Europa, decepcionou-se com o final da Klaxon, morta
precocemente na nona edição por causa de problemas financei-
ros. “Vocês são uns bananas. Deixarem Klaxon morrer é um crime
de lesa-modernismo” (op. cit., p. 73). O movimento modernista,
que havia iniciado seu processo de fragmentação após a Semana
de 1922, fragmentou-se ainda mais ao final da Klaxon. Deste pro-
cesso, Milliet guardaria um diagnóstico amargo. “Dispersamo-
nos. Fomos pequenos grupos, orientados uns para a política, ou-
tros para a arte, outros para a filosofia” (MILLIET, 1944b, p. 241).

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SÉRGIO MILLIET | Lucas Paolillo Barboza

Lamentou a falta de projeto comum entre seus companheiros,


uma vez que não foram capazes de estabelecerem uma agenda
coesa após os anos de “destruição” que o choque das primeiras
produções modernistas havia representado.

Final da fase “heroica” do modernismo e aproximação com o Par-


tido Democrático

O retorno definitivo de Sérgio Milliet ao Brasil data de


1925. Com a fragmentação do movimento, não deixou de reunir
os poemas escritos anteriormente em Poemas análogos (1927).
O clima foi propício às mudanças. Se a Semana de Arte Moderna
questionou os hábitos da oligarquia, outros acontecimentos dos
anos vinte exprimiram conflitos sociais. Os levantes tenentistas e
as greves de trabalhadores, por exemplo, provocaram abalos sig-
nificativos na ordem política brasileira marcada pelo final da Pri-
meira Guerra Mundial. Com os conflitos, a política aqueceu-se.
Em São Paulo, o levante tenentista de 1924, sob o comando de
Isidoro Dias Lopes, demarcou uma demanda por renovação. Não
por acaso, nesta época, Milliet tomou parte em projetos diversos
de agitação cultural e política. Em muitos deles, participou ao

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Coleção Clássicos & Contemporâneos

lado de antigos companheiros do movimento modernista, como


Mário de Andrade:

Diante dela [da geração de jovens de 1922] havia para


serem derrubados dois pesados obstáculos: a ordem per-
repista e a ordem parnasiana. Estreitas e antipáticas, fal-
sas e solenes, vazias e retóricas, constituíam, sobre seu
pedestal de tradições, alvos naturais para o espírito de
luta dos jovens. Derrubá-los foi coisa de conjunção de en-
tusiasmo, pois tais obstáculos, na aparência afirmações
consolidadas, não resistem em meio à maré de hostilida-
des, senão enquanto não surge o incidente polarizador.
(MILLIET, 1981[1945a], p. 265)

Com o retorno, Milliet buscou fontes de remuneração. En-


controu no envolvimento com revistas e jornais uma guarida. Tais
atividades lhe renderam conhecimentos práticos valorosos. Exer-
ceu os cargos de redator, secretário, gerente e diretor em diver-
sos periódicos. No geral, as redações de seu tempo “[...] não ti-
nha[m] ainda essa feição de empresa industrial, sujeita a disci-
plina rígida, relógio de ponto, o diabo. Era algo mais patriarcal por
um lado, e boêmio por outro” (MILLIET, 1960, p. 252). Ligado ao
Partido Democrático, foi gerente do Diário Nacional, veículo ofi-
cial da agremiação. Além disso, foi redator-secretário da Revista
do Brasil, cujo dono, o escritor Monteiro Lobato, posicionou-se

26
SÉRGIO MILLIET | Lucas Paolillo Barboza

como desafeto de primeira hora do movimento modernista. Mil-


liet também contribuiu nos periódicos experimentais, de existên-
cia curta, elaborados pelos companheiros de agitação. Dentre
eles, destacamos a atuação como secretário-chefe do jornal
Terra Roxa e outras terras:

O movimento paulista, porém, não queria morrer e o


grupo disperso da Semana de Arte Moderna por várias
vezes se reformou. Primeiro em volta do jornal Terra
Roxa, com Antonio de Alcantara Machado e Couto de
Barros; depois da revista Antropofagia, ainda com Anto-
nio de Alcantara Machado e Oswald de Andrade, e, final-
mente, em torno da Revista Nova, com Paulo Prado, Má-
rio de Andrade e Antonio de Alcantara Machado. Pela
simples citação destes esforços e dos nomes que os diri-
giam vê-se o lugar ocupado por Antonio e Mário de An-
drade à frente dos moços. (MILLIET, 1938, p. 184)

O Partido Democrático foi composto pela oposição de ins-


piração liberal no início do século contrária ao Partido Republi-
cano Paulista. A agenda de primeira hora defendida tinha como
foco a lisura do pleito, a exemplo da exigência do voto secreto.
Reuniram-se em torno do partido setores das oligarquias cafeei-
ras da oposição e setores das camadas médias letradas. Os mo-
dernistas aproximaram-se da sigla, no geral, com um duplo sen-
tido. O ingresso proporcionava-lhes possibilidades mais sólidas
de intervenção na realidade social. Ao mesmo tempo, facilitava a

27
Coleção Clássicos & Contemporâneos

busca por contatos capazes de ajudá-los a enfrentarem a insipi-


ente vida do homem de letras no Brasil do início do século XX,
refém de altos índices de analfabetismo. A formação europeia em
ciências econômicas e sociais fez de Milliet um sujeito com perfil
propício a ocupar os postos de secretário e de gerente do jornal
Diário Nacional:

O órgão oficial do Partido Democrático [...] foi fundado


em maio de 1927, numa reunião na casa de Paulo No-
gueira Filho [...]. O manifesto da sua fundação saía publi-
cado no dia 6 de junho do mesmo ano e era assinado por
sete nomes: Marrey Júnior, Paulo Nogueira Filho, Ama-
deu Amaral, Vicente Ráo, Antônio Carlos Couto de Bar-
ros, Joaquim Sampaio Vidal e Paulo Duarte. (MILLIET,
1944b, p. 241)

Se Milliet foi um articulista, não foi um entusiasta da mili-


tância. Avesso ao adesismo irrefletido, a postura que manteve foi
mais fiel a princípios do que a resultados. “Em todos os partidos
a que pertenci tive que enfrentar as mesmas situações e lutar
com armas desiguais. Cansei-me de opor à trapaça, inevitavel-
mente vencedora, uma ridícula boa fé” (MILLIET, 1962, p. 78). No
geral, avaliou negativamente o envolvimento com política em sua
vida:

28
SÉRGIO MILLIET | Lucas Paolillo Barboza

A experiência política não foi muito brilhante: vi-me ata-


cado violentamente quando de minhas divergências e
discretamente louvado quando de minhas anuências.
Não era orador de praça pública, não teria jamais um
eleitor, não interessava ninguém. (op. cit., p. 111)

Os escritos reunidos em Terra roxa e outras terras, perió-


dico modernista surgido após a revista Klaxon, são documento
que testemunha a fragmentação do movimento, diagnosticada
por Milliet depois da Semana de Arte Moderna. Diferente da re-
vista anterior, como os títulos sugerem, o Terra roxa reuniu em
torno de si pretensões de louvores a São Paulo. Uma resenha es-
crita por Milliet sobre o livro Raça (1925) de Guilherme de Al-
meida gerou uma discussão sobre o tema. Discutiram a vocação
civilizatória do regionalismo paulista frente outras regiões no Bra-
sil. Marcada pelo dissenso, Mário de Andrade, Alcântara Ma-
chado e o próprio Milliet debateram o assunto. É possível afir-
marmos as posições distintas dos três são inseparáveis do clima
político de decadência da república do café:

Em São Paulo o eclipse é total. A vida cotidiana açam-


barca todas as energias. Os problemas da crise cafeeira e
industrial assumem aqui uma intensidade muito maior
do que nos outros pontos do país e concentram a aten-
ção ansiosa de todos. A própria política toma aspectos
mais graves e passa do plano pessoal, em que sempre

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Coleção Clássicos & Contemporâneos

gravitara, para o econômico, que afeta a coletividade.


(MILLIET, 1938, p. 185)

Os anos trinta: as tensões do poder e as instituições de cultura


paulistas

Nos anos trinta, fragmentos do grupo de 1922, como Sér-


gio Milliet, Mário de Andrade e Rubens Borba de Moraes envol-
vem-se em projetos institucionais capazes de elevarem os valores
do modernismo a patamares institucionais. “Terminadas as ses-
sões do Teatro Municipal, o grupo de São Paulo logo tentou afir-
mar-se de um modo positivo, lançando raízes pelo Brasil afora
[...]” (MILLIET, 1938, p. 181). O “modo positivo” resultou na par-
ticipação de Milliet na criação e na administração de importantes
instituições culturais de São Paulo como a Escola Livre de Socio-
logia e Política, a Universidade de São Paulo e no Departamento
de Cultura do Município.
O momento é também de amadurecimento na escrita. Ao
longo da década, publicou os primeiros livros de ensaios, gênero
pelo qual seria reconhecido. O primeiro deles, Terminus Sêco e
outros cocktails (1932), reuniu textos escritos do início do moder-
nismo, como a narrativa Naturezas Mortas. O volume posterior,

30
SÉRGIO MILLIET | Lucas Paolillo Barboza

Marcha a ré (1936), é composto por pequenos aforismos e en-


saios marcados por questionamentos de ordem ética. Em se-
guida, Ensaios (1938), volume de temática plural, exprime a vari-
edade dos seus interesses em um formato fragmentado. Já o livro
Roteiro do café e outros ensaios (1939) foi fruto das experiências
com a sociologia de Chicago. Além deles, publicou um romance,
Roberto (1935), e um livro de poesia, Poemas (1937).
Em 1929, a crise econômica resultante da quebra da bolsa
de valores de Nova Iorque incidiu negativamente nos setores ca-
feeiros nacionais, os quais retiravam da exportação parte signifi-
cativa das suas receitas. Com isso, a Primeira República, desgas-
tada desde os anos vinte, teve seus pilares econômicos corroídos.
A nova década iniciou-se, por isso, sob o signo da crise. Neste
mesmo ano, Milliet, antes solteiro, casou-se com Lourdes Duarte,
irmã do jornalista e político Paulo Duarte, militante do Partido
Democrático. No ano seguinte, nasceria o único filho do casal,
Paulo Sérgio Milliet, cujo nome homenageia tanto o pai e como o
tio.
Paulo Duarte, cunhado de Milliet, foi um quadro político
presente em momentos decisivos da vida nacional nos anos
trinta. Filiado ao Partido Democrático desde a sua fundação, tra-
balhou ao lado de Milliet no Diário Nacional. Desligou-se do jornal

31
Coleção Clássicos & Contemporâneos

quando o amigo abandonou o partido. “A sua saída [de Milliet]


do jornal deu-se a 5 de fevereiro de 1930 [...]. Eu saí com ele. Eu,
para continuar a conspirar, ele para dar organização à biblioteca
da Faculdade de Direito [...]” (DUARTE, 1972, p. 21). Duarte es-
teve envolvido tanto na articulação que impugnou o governo de
Júlio Prestes em 1930 bem como nos levantes paulistas de 1932.
Ambas custaram-lhe seu primeiro exílio (1932–1933). Mais dis-
creto politicamente que o cunhado, Milliet atuou como motorista
de conspiradores em 1930 e aproximou-se do batalhão da Liga de
Defesa Paulista em 1932. Crítico ao movimento, mas partici-
pante, Milliet relatou com certa discrição nebulosa uma situação
de tensão ocorrida no período:

Fecho os olhos e vejo: no largo da cidadezinha (será São


Roque, Juqueri, Jambeiro?) a capangada se reuniu. Nosso
orador não deve falar em hipótese nenhuma. Mas esta-
mos decididos. Duas dúzias de automóveis trouxeram
para o lugarejo uma turma resolvida a responder a qual-
quer provocação. A atmosfera está pesada. Acho que vai
chover: ‘ele vai chover’, como dizia o caboclo da fazenda
de Tarsila. São 14 horas, almoçamos mal, Henrique
Bayma sobe ao palanque. Sua. ‘Nossa missão é de paz’,
proclama, ao mesmo tempo que arranca do bolso o lenço
para enxugar a fronte. E um punhado de balas espar-
rama-se pelo chão. Engraçado, não acontece nada. Mas
que calor! (MILLIET, 1962, p. 55)

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SÉRGIO MILLIET | Lucas Paolillo Barboza

O vínculo entre Milliet e Duarte ofereceu vantagens mú-


tuas. Ambos trocaram influência social e política. Milliet forneceu
a Duarte contatos na Europa, muito úteis em seus exílios, e facili-
tou o acesso aos outros modernistas. Por sua vez, Duarte ajudou
Milliet ao indicá-lo em empregos, como foi o caso da aproxima-
ção com O Estado de S. Paulo. Milliet chegou a ser diretor do jor-
nal e escreveu nele de 1938 até a data de sua morte em 1966. Os
dois chegaram a morar juntos. O apartamento, na Avenida S.
João, foi cenário de confabulações políticas que resultariam nas
ações público-culturais propostas pelos modernistas aos oligar-
cas próximos do Partido Democrático. Algumas delas foram aten-
didas. A derrota de São Paulo em 1932 fez com que o espírito de
intervenção pública dos modernistas fosse voltado às estratégias
formativas. De acordo com Milliet, o impacto dela “abriu os olhos
de todos revelando a nossa carência terrível de homens” (MIL-
LIET, 1944b, p. 241).
Com o cessar-fogo, Armando de Salles Oliveira, quadro da
oligarquia paulsita envolvido com o Partido Democrático e pró-
ximo ao grupo d’O Estado de S. Paulo, foi nomeado interventor
do estado em razão dos acordos feitos entre as forças antagôni-
cas. As condições decorridas foram favoráveis para que Fábio
Prado, seu aliado político, fosse eleito prefeito de São Paulo logo

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Coleção Clássicos & Contemporâneos

depois. Ambas as forças, estaduais e municipais, convergiram


programaticamente a favor da necessidade de mudança das
mentalidades diagnosticada por Milliet. Tanto o prefeito quanto
o interventor do estado possuíam afinidade com as propostas dos
modernistas. “Íamos dar à luz uma cultura. E os obstetras traba-
lhavam. Eram eles Fábio Prado, Armando de Salles Oliveira e seus
excelentes assessores” (MILLIET, 1963, p. 36). Assim, a aliança en-
tre os intelectuais e os oligarcas paulistas acarretou na criação e
na direção de projetos que culminaram na Escola Livre de Socio-
logia e Política (1933), na Universidade de São Paulo (1934) e no
Departamento de Cultura do Município (1935):

[...] Havíamos compreendido (Tácito de Almeida, Antônio


de Alcântara Machado, Couto de Barros, Ciro Berlinck, e
outros) que a mentalidade é que se fazia imprescindível
de mudar, transformar por completo. Como? Despindo-
a de seu formalismo, colocando-a perante a realidade
“suja”, tornando-a objetiva; a Europa não podia nos po-
dia mais guiar, porquanto chafurdava na aplicação de
doutrinas rígidas, perdia-se nos conceitos desenraizados,
falhava em todas as soluções adotadas. restava-nos a
América do Norte. E demos o salto: da filosofia para a So-
ciologia; mas uma sociologia de conhecimento real, co-
rajosa, sem tradicionalismos terminológicos. Estaríamos
ainda nesse pé se não tivéssemos verificado que a socio-
logia sem a ética não conduz a coisa alguma. Mas com
desilusão ou sem ela sobra-nos a base de cultura geral
disponível para novas perspectivas... (MILLIET, 1944b, p.
242)

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SÉRGIO MILLIET | Lucas Paolillo Barboza

Milliet envolveu-se nas três instituições. Chegou a ocupar,


antes da Universidade, o cargo de bibliotecário da Faculdade de
Direito (1932-1934) e, depois, o lugar de secretário geral da Uni-
versidade de São Paulo (1934-1935). Não lecionou nela. Foi se-
cretário (1933-1935), tesoureiro (1941-1946) e professor de In-
trodução à sociologia (1937-1944) na Escola Livre de Sociologia e
Política. Também ocupou o cargo de diretor da Divisão de Docu-
mentação Histórica e Social (1935-1938) do Departamento de
Cultura do Município na época em que Mário de Andrade foi seu
diretor-chefe. Nele, Milliet foi responsável por dirigir múltiplas
atividades relacionadas à recuperação de documentos históricos,
ao amparo de pesquisas, à produção de estatísticas sobre fenô-
menos urbanos e à organização dos meios de difusão de conte-
údo – cujo caso especial a reforma feita na Revista do Arquivo
Municipal, o que a pôs em um patamar muito respeitado dentre
as principais publicações do país –. Assim, tomou-se pelos afaze-
res. Consta que trabalhou no período diurno no Departamento
de Cultura e no período noturno n’O Estado de S. Paulo.
Milliet articulou projetos importantes em sua divisão. Ar-
ticulista que foi, estabeleceu pontes entre o Departamento de
Cultura e as outras duas, fornecendo-lhes amparo orçamentário

35
Coleção Clássicos & Contemporâneos

e estrutura. Nesse sentido, seu apoio foi fundamental para que


pesquisas feitas por Claude Lévi-Strauss e Samuel Lowrie, por
exemplo, pudessem existir. Na direção, articulou pesquisas sobre
a qualidade do padrão de vida em São Paulo. Nesse sentido, fez
inquéritos sobre preço de gado, demografia, transportes urbanos
e outros custos do cotidiano. No ano de 1937, foi à Paris repre-
sentar o Departamento de Cultura no Congresso das Populações.
O trabalho apresentado sobre a representação dos fenômenos
demográficos foi elogiado e lhe valeu menção honrosa. Dentre a
diversidade das atividades exercidas na época, Milliet ressaltou a
preferência pela docência. “De tudo o que fiz, foi o ensino que
me deu maior alegria. Sou um professor claro, nada dogmático,
companheiro de meus alunos. Acusam-se de cético” (MILLIET,
1982, p. 28).
No entanto, com o advento do Estado Novo, o contexto
capaz de possibilitar tais inovações institucionais descentraliza-
das do governo federal sofreu revés. Com o regime de exceção,
muitos funcionários foram exonerados de suas funções e perse-
guidos. Mário de Andrade, então diretor do Departamento de
Cultura, sofreu pressões para demitir-se, afastando-se da cidade
de São Paulo. Armando de Salles, então em campanha eleitoral
para a presidência da república, Júlio de Mesquita Filho e Paulo

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SÉRGIO MILLIET | Lucas Paolillo Barboza

Duarte foram exilados. Milliet manteve-se no Departamento de


Cultura, muito embora tenha enfrentado a redução drástica de
verbas e a adversidade das forças políticas insensíveis aos proje-
tos anteriormente desenvolvidos com os modernistas. Anos mais
tarde, Milliet diria que a experiência na instituição “[...] foi sem
dúvida uma ousadia quase quixotesca, num momento de política
econômica e social suicida e de total indiferença pelos aspectos
culturais da vida do país” (MILLIET, 1963, p. 35).

Responsabilidades intelectuais

Nos anos quarenta, Milliet continuou envolvido em ativi-


dades relacionadas à administração e à imprensa. Além disso,
exerceu influência como intelectual público. Projetou-se como
articulador em entidades de classe de artistas e de escritores.
Aproximou-se mais da pintura e da juventude. Impulsionou o tra-
balho dos moços da Universidade de São Paulo reunidos em
torno da revista Clima, da qual fizeram parte Paulo Emílio Salles
Gomes e Antonio Candido. Também aproximou-se de outros jo-
vens, como de Florestan Fernandes, então carente de recursos, a
quem indicou para escrever regularmente n’O Estado de S. Paulo.
Também participou discretamente da Esquerda Democrática e

37
Coleção Clássicos & Contemporâneos

do Partido Socialista Brasileiro. Pela nova agremiação, lançou-se


como vereador de São Paulo em 1947 para completar a chapa,
sem uma campanha relevante.
Em sua coluna de jornal n’O Estado de S. Paulo fez rese-
nhas de autores conhecidos e de iniciantes, as quais foram publi-
cadas posteriormente no Diário Crítico (1944–1959). Também
contribuiu para outros periódicos como Observador Econômico e
Financeiro, Folha da Manhã, A Manhã, Vamos Ler! e Letras e Ar-
tes. Escreveu os livros Pintores e pintura (1940), O sal da heresia:
ensaios sobre literatura e arte, A exposição de pintura francesa
(1942), Fora de forma: arte e literatura (1942), Marginalidade da
pintura moderna (1944), A pintura norte-americana (1943), Pin-
tura quase sempre (1944) e Contribuição para um estudo da ex-
pressão gráfica dos quadros religiosos na Renascença (1945) to-
dos eles sobre artes plásticas e literatura. Também são dessa
época os volumes de poemas Oh valsa latejante (1943), Poesias
(1946) e Poema do trigésimo dia (1949), bem como os cinco pri-
meiros volumes de seu Diário Crítico (1944–1949) e, por fim, a
novela Duas cartas ao meu destino (1941) pela coleção Caderno
Azul, dirigida por ele e pelo amigo Luís Martins.
O clima de tensão geopolítica favoreceu, desde o início
dos anos trinta, a aproximação política entre os Estados Unidos e

38
SÉRGIO MILLIET | Lucas Paolillo Barboza

o Brasil. A Política da boa vizinhança garantiu facilidades em troca


de suporte. Em 1938, pouco antes do início da Guerra, é criado o
Instituto Cultural Brasil/Estados Unidos, o qual estabeleceu rela-
ções com a Escola Livre de Sociologia e Política, da qual Milliet
fazia parte. Assim, fez duas viagens aos Estados Unidos. Uma em
1939 e outra em 1943. A publicação do livro A pintura norte-ame-
ricana (1943) foi condição dos consulados para que o ajudassem
com as despesas da viagem. Como transcrito anteriormente, o
americanismo foi, para ele e outros companheiros, uma expres-
são de renovação do pensamento moderno contra o caráter or-
namental da cultura europeia. No entanto, não deixou de criticar
as suas insuficiências:

O ianquismo, que sintetiza tão bem a mentalidade do sé-


culo, feita de ganância imperialista, individualismo de-
senfreado e amor à técnica, descuidando da especula-
ção, levou o mundo a um materialismo grosseiro que se
fendilhou na guerra e se esborrou definitivamente com a
crise de 1930. Com a falência, então, da economia liberal,
cuja saúde aparente justificou por longo tempo a displi-
cência dos moços, estabeleceu-se a anarquia. (MILLIET,
1936, p. 135)

O cenário de ruptura representado pelo Estado Novo foi


consonante à eclosão dos regimes expansionistas e centralizado-

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Coleção Clássicos & Contemporâneos

res que antecederam a Segunda Guerra Mundial. O clima de efer-


vescência política impunha reflexões sobre as responsabilidades
e as possibilidades de intervenção dos intelectuais na vida pú-
blica. “Que nos convém? Marxismo? Não. Fascismo, nos moldes
italiano ou alemão? Ainda menos. Fala-se em democracia orgâ-
nica. A fórmula é vaga. Nada disso nos satisfaz” (MILLIET, 1936,
p. 133). Milliet, que acompanhara a Primeira Guerra de perto na
Europa, assumiu-se como um socialdemocrata. Suas declarações
do período procuraram reforçar os valores de respeito à diversi-
dade individual e de solidariedade social. Contrário às certezas
cegas, o diálogo e a dúvida deveriam vir em primeiro lugar. “Pois
eu penso para que a minha cabeça não mofe no sossego das sa-
tisfações totalitárias” (MILLIET, 1941, p. 75). Aberto à pluralidade
das posições políticas, manteve-se em comunicação com os inte-
lectuais ligados ao Partido Comunista, como Nelson Werneck So-
dré, a quem aproximou do grupo d’O Estado de S. Paulo.
Esta postura, facilitada pelo respeito que suas trajetória e
erudição inspiravam, proporcionou a Milliet um papel distinto
como organizador da cultura de seu tempo. Com esse espírito,
envolveu-se na criação de associações classistas. No entanto, sua
postura participativa não foi uma novidade na sua trajetória. Em
1939, foi eleito para a Academia Paulista de Letras. Mesmo antes,

40
SÉRGIO MILLIET | Lucas Paolillo Barboza

Milliet fez parte de agremiações pouco discutidas mas importan-


tes de São Paulo como a Sociedade de Sociologia, associação irmã
da mais conhecida Sociedade de Etnografia e Folclore. Nos anos
quarenta, ajudou a fundar a Associação Brasileira de Escritores,
em que exerceu o papel de delegado representante do estado de
São Paulo ao resto do Brasil, bem como na Associação Brasileira
de Críticos de Arte, vinculada à UNESCO.
Em 1945, sua posição como intelectual representante de
São Paulo fez dele um dos principais articuladores do Primeiro
Congresso Brasileiro de Escritores. O mote oficial do evento foi a
discussão de questões relativas à organização profissional da
classe, como os direitos autorais. No entanto, ele ficou marcado
como a primeira manifestação pública de relevo crítica ao go-
verno do Estado Novo. O evento foi capaz de aglutinar grande
parte dos escritores mais relevantes do país, bem como obteve
uma menção de apoio de Albert Einstein. Na cerimônia de aber-
tura, ocorrida no mesmo Teatro Municipal de São Paulo da Se-
mana de Arte Moderna de 1922, Milliet proferiu um discurso
marcado pela perspectiva da ética:

Eis-vos aqui em vossa terra, meus amigos, num momento


grave de nossa vida, a fim de debatermos juntos ques-
tões de importância para a nossa classe. Questões éticas

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Coleção Clássicos & Contemporâneos

em primeiro lugar... éticas ainda em segundo, terceiro e


último lugares. Porquê, afinal, tudo não passa de ética.
Não há vida coletiva sem código de moral. A este se pren-
dem as atividades do grupo nas suas relações internas e
externas. (ANAIS, 1945, p. 24)

Durante o Congresso, Milliet inaugurou a Seção de Artes


da Biblioteca Municipal de São Paulo. Em 1943, ele foi transferido
da sessão de Divisão de Documentação Histórica e Social para a
direção responsável pela Biblioteca Municipal no Departamento
de Cultura, posto antes chefiado por Rubem Borba de Moraes.
Assim, afastou-se dos estudos sociais relativos à divisão e assen-
tou-se no novo emprego. Permaneceu na direção da Biblioteca
até aposentar-se em 1959. No entanto, não tomou sua função
como uma mera atividade burocrática. Em seus mais de quinze
anos de atividade, esforçou-se em remodelá-la. A visão de pro-
jeto público evidencia-se em suas intervenções. Ainda em vida,
doou periodicamente todos os seus livros às estantes da Biblio-
teca. Ao longo da sua trajetória na instituição, esforçou-se, de iní-
cio, na qualificação do perfil dos títulos adquiridos. Atividade esta
que remete ao seu crivo de crítico de artes e de literatura. Além
disso, dedicou-se à criação e à publicação do Boletim Bibliográ-
fico, órgão de imprensa oficial da Biblioteca, de estrutura seme-

42
SÉRGIO MILLIET | Lucas Paolillo Barboza

lhante à Revista do Arquivo Municipal. Entretanto, como a inau-


guração da Seção de Artes expressa, boa parte de seus esforços
foi empregada na direção do estímulo do contato de seus fre-
quentadores com as artes.
Mário de Andrade morreu meses após a realização do Pri-
meiro Congresso de Escritores, no início de 1945. O luto foi sen-
tido por diversos cenáculos intelectuais do Brasil, a começar por
Milliet. No mundo, a Segunda Guerra Mundial terminou em se-
tembro deste ano, com o aniversário dos seus seis anos de mas-
sacre e a vitória dos Aliados. Antes disso, a humanidade tornou-
se cúmplice do primeiro bombardeio nuclear da história. Com o
fim dos conflitos, novos tempos anunciaram-se. No Brasil, os ven-
tos da Europa preconizaram o final da ditadura varguista, em
1946, e a eleição de Eurico Gaspar Dutra, reconhecido como he-
rói de Guerra. Impunha-se a Guerra Fria. E, com ela, uma nova
ordem global marcada pela polarização, avessa às nuances dos
argumentos. Milliet, contrário às formulas e aos totalitarismos, e
a favor do dialogismo e do reconhecimento, foi dono de uma
consciência incômoda e dissonante ao espírito adesista da época.
Com o final da ditadura, as posições que caracterizaram
Milliet como aglutinador e articulista e que o fizeram responsável
por protagonizar o Primeiro Congresso Brasileiro de Escritores já

43
Coleção Clássicos & Contemporâneos

não foram capazes de transcender as cisões e as violências im-


postas pelo seu momento histórico. O Segundo Congresso Brasi-
leiro de Escritores, realizado em 1947, foi marcado pelo desa-
cordo. A criminalização dos comunistas orquestrada pelo go-
verno Dutra e pela União Democrática Nacional inviabilizou o di-
álogo franco entre os diversos espectros políticos presentes no
novo Congresso. Com isso, instaurou-se um clima de sectarismo
e de desacordo que marcou o evento como uma evidência de que
a Guerra Fria chegara aos homens de letras brasileiros com as
suas interdições antidemocráticas e pouco dialógicas.

Acidentes de percurso

Sérgio Milliet morreu de repente, às seis horas da manhã


no dia nove de novembro de 1966, vitimado por um enfarto ful-
minante. Na ocasião, tomava café com a irmã nas proximidades
da Praça Marechal Deodoro em São Paulo. Mas, antes disso,
parte significativa de sua vida já estava morta. Luís Martins de-
marcou uma cisão na vida do amigo. Para ele, houve um Milliet
anterior à morte do filho, ativo e altivo, e outro posterior, aban-
donado por si mesmo. Paulo Sérgio Milliet morreu jovem, aos de-
zenove anos, por causa de complicações da tuberculose. “Sobre

44
SÉRGIO MILLIET | Lucas Paolillo Barboza

este não falarei, prefiro calar-me, pois embora fosse, de todos, o


mais carecente da minha ternura e o que de fato eu mais amei,
deve ficar longe do público, encerrado no meu arquivo secreto
de afeições e saudades” (MARTINS, 1978, p. 41).
Com o adoecimento do filho, na metade dos anos qua-
renta, Milliet precisou reorganizar o tempo disponível para suas
atividades. Comprou uma casa em Campos do Jordão, onde os
ares eram reconhecidos como bons aos doentes. Com a consu-
mação da perda do filho, o abatimento ressoou em sua produção.
Publicou o livro Poema do trigésimo dia (1949) e o poema em
prosa O morto em luto: “Nem a luta política, nem a fuga literária,
nem o divertimento da pintura. Nem mesmo a bebida nas taver-
nas do isolamento. Nada jamais justificou o conformismo, após o
corte, a ferida, a amputação” (MILLIET, 1964, p. 65). O filho, como
o pai, também foi poeta e exprimiu vocação pela literatura. Em
seu nome, há a publicação dos livros de poesia Dez poemas
(1949) e o póstumo Poema da eterna caminhada (1950). Milliet
registrou a dor em um comentário:

Quero falar dele. Quero assinalar neste diário o desapa-


recimento de um jovem poeta, de um dos jovens de
quem eu mais esperava. Talvez me censurem isso que é
difícil de compreender: um pai falar do filho literato sem

45
Coleção Clássicos & Contemporâneos

o pudor convencional do luto. Mas porque não hei de fa-


lar dele? Porque era meu filho? Foi meu amigo antes de
mais nada, e mais do que tudo. Agora estou só. Ontem
ainda havia um sorriso que eu sentia paralelo ao meu, um
gesto, um olhar de compreensão, uma palavra sóbria de
comunhão, cheia de pudor como convém que sejam as
palavras de amizade. Era um grande menino. Era um ho-
mem: corajoso, sem condescendências covardes, ousado
mesmo até à loucura, até o suicídio. Havia que respeitá-
lo.
Agora estou só. Agora estou morto eu também, irreme-
diávelmente enterrado em um mundo a contra pelo ao
qual só ele, com sua bravura de 'panache', dava um sen-
tido. (MILLIET, 1981[1950], p. 374-5)

As transformações que os novos tempos trouxeram foram


vistas por Milliet a partir da sua rotina de trabalho como diretor
da Biblioteca Municipal, mantida até aposentar-se em 1959. Este
foi o caso, por exemplo, de seu envolvimento com os concretis-
tas. Foi crítico ao movimento, mas próximo dos jovens. No en-
tanto, em contrapartida ao enraizamento imposto pelo funciona-
lismo público, os anos cinquenta ofereceram-lhe muitas oportu-
nidades de viagens ao exterior. Através de licenças, tomou parte
importante, ainda no final dos anos quarenta, no projeto que cul-
minou na fundação do Museu de Arte Moderna de São Paulo.
Milliet aventou o desejo desse museu com a criação Seção de Ar-
tes da Biblioteca, local que serviu de experiência preliminar às

46
SÉRGIO MILLIET | Lucas Paolillo Barboza

suas contribuições nele. Além de idealizador, foi mediador funda-


mental para a aquisição de obras no exterior.
O vínculo criado com o museu forneceu-lhe o posto de di-
retor da segunda, da terceira e da quarta Bienais de São Paulo.
Não participou da primeira por causa de problemas de ordem bu-
rocrática. Manteve-se, nos anos cinquenta e sessenta, em con-
tato com a UNESCO, o que o levou a participar de congressos so-
bre literatura e artes plásticas. Além disso, fez parte das come-
morações do IV Centenário da Cidade de São Paulo. No que se
refere à produção literária, realizou compilações de antologias
sobre outros autores e publicou antologias de seu trabalho e re-
alizou muitas traduções, em especial de Beauvoir e Sartre. Che-
gou a publicar os ensaios Curandeiros, médicos e farmacêuticos
na época colonial (1950) e A prostituição na Colônia (1950) que,
tudo indica, fariam parte do seu livro Economia e civilização de
São Paulo anunciado para publicação, mas cancelado. Além disso,
publicou os livros Panorama da moderna poesia brasileira (1952),
Quinze poemas (1953), Três conferências (1955), Reflexões inatu-
ais (1955), Cartas à dançarina (1959), os cinco últimos volumes
dos Diários críticos (1950-1959). Os dois volumes do De ontem,
de hoje, de sempre (1960, 1962), De cães, de gatos, de gente
(1964) e 40 anos de poesia (1964). Continuou a escrever para O

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Coleção Clássicos & Contemporâneos

Estado de S. Paulo, cuja última crônica de sua autoria foi publi-


cada no dia posterior de sua morte, em 10 de novembro de 1966.
No ano seguinte, foi publicado o livro póstumo Quatro ensaios
(1966).

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Comentários sobre o pensamento
de Sérgio Milliet

Modernismo como uma crítica às fórmulas

“A vida é uma absurda equação cujo único termo conhe-


cido é a transitoriedade” (MILLIET, 1936, p. 69). Esta frase de Sér-
gio Milliet expressa o núcleo comum de sua vida e de sua obra.
Ambas expressam um desenraizamento, uma sabedoria própria
aos viajantes atentos. Milliet escreveu muito. Sua produção é
vasta e, diferente de outros autores de seu tempo, não seguiu um
rumo constante de progressão linear. Ela é expressão da transi-
toriedade e também a expressa nela. Iniciou-se com poesias es-
critas em Genebra e terminou com narrativas sobre o passado e
o cotidiano, misturadas a devaneios, publicadas em São Paulo. No
miolo de sua trajetória bibliográfica há uma miríade de temáticas
cuja tônica pôde abranger pluralmente ensaios, críticas de litera-

49
Coleção Clássicos & Contemporâneos

tura e de artes plásticas, sociologia, historiografia, aforismos, fic-


ções, palestras, crônicas, traduções. Todos publicados em plata-
formas diversas como livros, revistas e jornais.
Compreender a diversidade das suas contribuições é im-
possível sem vinculá-las ao contexto vivido por Milliet. Tanto no
que diz respeito às grandes questões históricas que a permeiam
quanto às oportunidades de mobilidade espacial ou aos seus con-
textos profissionais. Estes, a depender do momento, inclinaram-
no para tais ou quais formas de produção. Por exemplo, a fase
em que esteve vinculado à Divisão de Documentação Histórica e
Social do Departamento de Cultura de São Paulo e à Escola Livre
de Sociologia e Política corresponde à publicação dos seus estu-
dos sociais, de metodologia mais fechada, reunidos em torno do
Roteiro do café e outros ensaios (1938). Da mesma forma, a pu-
blicação dos seus volumes do Diário crítico (1944-1959), de viés
mais aberto, correspondeu ao trabalho na Biblioteca Municipal e
à sua coluna n’O Estado de S. Paulo, os quais lhe forneceram o
material e a estrutura necessários à reunião dos comentários
compilados em seus livros. Nesse sentido, outro ponto relevante
decorre de que o trabalho na Biblioteca certamente foi um fator
que facilitou o acesso à diversidade dos livros resenhados em
suas colunas.

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SÉRGIO MILLIET | Lucas Paolillo Barboza

Outra característica da sua obra intrínseca às dinâmicas


intelectuais do seu contexto está na liberdade que expressa, con-
trária à tutela dos especialismos modernos. “Viva o impressio-
nismo crítico que dá margem a entusiasmos e ojerizas, é certo,
mas não destrói a nossa receptividade” (MILLIET, 1960, p. 98). A
totalidade das suas publicações deixa uma postura aberta às di-
versas modalidades da cultura sem preconceitos. Este caráter fra-
gmentário e plural da sua produção dá a ela um formato que di-
ficulta a sistematização posterior que os acadêmicos, imersos na
divisão social do trabalho intelectual, poderiam fazer dela. Ao
contrário, Milliet não foi estritamente um sociólogo, um crítico
de arte, um jornalista ou um poeta. Suas produções não foram
escravas de uma carreira. Antes, ele encarnou todos esses papéis
e não se limitou a nenhum deles ao mesmo tempo. Por isso, tal-
vez, sua obra seja tão desafiadora aos pesquisadores empenha-
dos em querer extrair um caráter holístico e sistêmico de seus
escritos. “Como hão de os acadêmicos querer a discussão, se a
discussão pode abalar os alicerces em que assenta sua força?”
(MILLIET, 1957, p. 21).
No entanto, é possível resumir os esforços contidos ao
longo de toda obra de Milliet em um único objetivo: a crítica às

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Coleção Clássicos & Contemporâneos

fórmulas. O inimigo número um da sua produção, as tais fórmu-


las, afastou-a, necessariamente, dos convencionalismos. Os di-
versos livros que publicou retratam o recurso das fórmulas como
um engessamento de expressão trágica, redundante e falsifica-
dora da atividade intelectual humana. Tais expressões seriam
vendidas como emancipadoras e ocupariam o lugar da singulari-
dade das experiências da vida, quando, na verdade, não seriam
mais do que uma atitude oportunista de ilusionistas ávidos para
enganarem as massas com mais do mesmo. Este ilusionismo ser-
viria de trampolim social, como uma trapaça de fins carreiristas,
chancelado pela evocação do prestígio que as atividades huma-
nas de valor, como as artes e as ciências, inspiram quando seus
nomes são invocados.
No momento em que os fabricantes de fórmulas colocam
no mercado suas ilusões, a produção dotada de potência criativa,
singular e sincera a cada sujeito e a cada momento histórico per-
deria espaço e oportunidade de existir, ofuscada por esses recur-
sos falseadores. Nesse sentido, não seria exagerado dizer que as
fórmulas representam, para Milliet, o sequestro plagiário e dog-
mático do verdadeiro potencial emancipatório contido nas ativi-
dades humanas. Diante da crítica, este mal pode ser denunciado

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SÉRGIO MILLIET | Lucas Paolillo Barboza

e, se evitado, um ambiente mais compreensivo, propício à plura-


lidade e à diversidade seria possível. Ainda assim, Milliet distan-
cia-se de pretensões normativas: “[...] a minha crítica não aspira
ao imperativo categórico, mas tão somente pretende limitar-se
ao comentário à margem” (MILLIET, 1981[1946], p. 106).
Sua crítica parece querer responder a esse problema
quando ela valoriza, nas entrelinhas, as potências expressivas de
cada objeto artístico. E, para ele, isso demanda o reconhecimento
das expressões marginais, negadas, do mundo. Assim, mesmo
quando não se deparou com os clássicos de cada gênero, Milliet
procurou algum traço de potência nas expressões escritas que
apareciam em suas mãos. Para ele, mais valeria uma tentativa ho-
nesta do artista de expressar-se, e errar, do que um malabarismo
empedernido ávido por acertar. Assim, a sinceridade seria a prin-
cipal aliada do reconhecimento daquilo que é posto à margem.
De acordo com ele, os sinais da hipocrisia geralmente represen-
tam expressões que encontram-se opacas na vida sociais. Reais,
mas irracionais. Nesta chave compreendeu o desvalor do perre-
pismo e do parnasianismo:

O que é hipócrita é aceitar a vida como ela se oferece


comumente: sem gosto e sem perfume. O que é hipó-
crita é se submeter ao preconceito, à sociedade. O que é

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Coleção Clássicos & Contemporâneos

hipócrita, e imperdoável, é sacrificar sua própria felici-


dade pelo benefício de um sossego estúpido. (MILLIET,
1936, p. 152)

Candido (2005, p. 22) recorda a satisfação sentida por Mil-


liet ao tomar essa perspectiva como sua bandeira: “[...] ele foi o
crítico mais sem sistema que houve em nossa literatura e se or-
gulhava disso”. Se, como completa Candido, a ojeriza às fórmulas
trouxe certa fragilidade ao seu pensamento, no que diz respeito
ao rigor teórico-sistemático, isso fez de seu trabalho, por outro
lado, uma busca constante pelo ato crítico. Ou seja, pelo cultivo
das singularidades, da pluralidade das expressões humanas es-
condidas. Por isso, as maiores virtudes e fraquezas da obra de
Milliet emanariam do mesmo lugar: do desprezo pelas preten-
sões totalizantes e enraizadas na própria identidade das raciona-
lizações e dos teoremas orgulhosos de si. Para ele, à crítica cabe-
ria a denúncia destes gestos hipócritas com um ato de humildade
e de reconhecimento em relação ao outro e à coletividade, mas
em respeito à diversidade dos valores.

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SÉRGIO MILLIET | Lucas Paolillo Barboza

Modernismo como reconhecimento

As consequências das suas posições, contrárias aos con-


sensos ortodoxos e socialmente compartilhados, imprimiram no
espírito de Milliet uma tendência relacional e dialógica, impressa
na forma como compreendeu a vida. Ele a compreendeu como
uma necessidade constante de abertura do eu ao outro. “A cer-
teza só viceja nas almas pobres. E é quando menos se justifica
que ela mais se exibe” (MILLIET, 1936, p. 151). Nesse sentido, o
constante recurso ao “ceticismo”, muito presente em sua obra,
deve ser compreendido como um aviso de cautela em relação às
racionalizações e à confiança cega na potência da razão. Se essa
perspectiva deu à sua obra uma tonalidade excessivamente rela-
tivista em determinados momentos, ela também refletiu a curio-
sidade do seu temperamento de viajante, desenraizado, de
eterno estrangeiro. Por isso, tentativas de canonização o aborre-
ciam. Não gostava das sacralizações em torno de 1922. Mais do
que uma data, compreendia o modernismo como um projeto de
ordem ética. Este deveria ser para ele uma bandeira permanente,
um processo a ser afirmado conscientemente em busca das pos-
turas originais e qualificadas, como um amigo da diferença.

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Coleção Clássicos & Contemporâneos

Não estranha, nesse sentido, a produção de teor mais so-


ciológico na sua obra. No Roteiro do café e outros ensaios (1938),
Milliet fez um estudo que relacionou demografia e produção às
condições contextuais que fizeram do estado de São Paulo uma
potência capaz de abrigar na sua capital uma realidade cosmopo-
lita, de originalidade americanista, oriunda dos saltos sociais ad-
vindos do complexo econômico da exportação de café. Em Mar-
ginalidade da pintura moderna (1944), por outro lado, procurou
estabelecer as condições da dinâmica na qual uma expressão ori-
ginal e estranha da cultura humana poderia tornar-se assimilável
e aceita em consenso. Estabeleceu, com isso, uma espécie de di-
alética do reconhecimento entre as expressões marginais, rene-
gadas e recalcadas, e a assimilação social delas, reconhecidas e
rotinizadas. Ambos os trabalhos são uma extensão dos propósitos
modernistas de Milliet e relacionam-se, de forma ou outra, com
o combate às fórmulas fáceis e com a compreensão da realidade
da vida moderna.
A única fórmula responsável por guiar o seu pensamento
é encontrada nos seus versos com a potência de um aforismo:
“há mil e uma razões e nenhuma só verdadeira” (MILLIET, 1964,
p. 65). O motivo que inspirou o verso nasceu do convívio com seu

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SÉRGIO MILLIET | Lucas Paolillo Barboza

filho que teria lhe dito a frase. Milliet costumava repeti-la. A pos-
tura de defesa da dúvida permanente também apareceu na sua
obra como “o sal da heresia”, uma imagem de Alain que lhe serviu
de síntese. Esta expressão foi título de um livro de ensaios e tam-
bém o nome de capítulo deste, ambos publicados em 1941. A re-
ferência ao “sal da heresia” procura alertar que o bom pensar e
o bom agir humanistas foram exceção histórica, não a regra. Por
isso, a heresia da dúvida deveria servir de contrapartida, como
um tempero, ao caráter febril imanente ao pensamento. Trata-se
de um ato de cautela contra as racionalizações.
Esta postura contrária aos pré-conceitos e aos preconcei-
tos também se refletiu na diversidade das suas influências e lei-
turas. Os principais autores com que estabeleceu contato – Mon-
taigne, Gide, Péguy, Alain, Nietzsche, Pascal, Mannheim, Beau-
voir, Sartre, dentre outros – são autores que apresentam graves
dissonâncias ao pensar. No entanto, a proximidade estabelecida
por Milliet entre eles está na potência do desprezo ou do elogio
com que acusaram os silogismos intelectuais e as suas pretensões
de verdade. Essas leituras representaram um mosaico de recur-
sos capazes de auxiliá-lo a elaborar as relações entre fé, confiança
e dúvida da cultura. Ainda assim, não se restringiu a tais referên-

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Coleção Clássicos & Contemporâneos

cias. Milliet foi um erudito e, dentre outros eruditos, foi respei-


tado como uma referência. Algumas dessas influências de Milliet
tiveram nas suas crônicas e traduções um papel determinante na
recepção de suas ideias na literatura nacional.
A perspectiva dialógica e cética com que Milliet procurou
reconhecer a diversidade e a potência das expressões humanas
relaciona-se com os seus critérios para a crítica. “Creio que toda
a crítica poderia apoiar-se nestas três condições primordiais: Ler,
ver, meditar” (MILLIET, 1981[1947], p. 29). Pessoalmente, costu-
mava apresentar-se como um crítico despretensioso e discreto,
sem cerimônias. Alheio à verborragia narcisista, costumava repe-
tir que “a crítica vale em suma como pretexto para uma conversa
inteligente” (MILLIET, 1981[1946], p. 164). No entanto, foi rigo-
roso. Mas não deixou o rigor tomar ares castradores. A crítica foi,
para ele, uma amiga das potencialidades, dos caminhos e dos
conselhos. Com essa perspectiva, afastou-se tanto das apologias
de mercado quanto dos argumentos mirabolantes ávidos por
descobrirem obras geniais. Para além dos rodapés, essa perspec-
tiva relacionou-se com o gosto em aproximar-se da juventude e
das experiências oferecidas pelo presente histórico. “Primavera,
primavera, que me queres?” (MILLIET, 1959, p. 3), exprime um
verso capaz de sugerir o frescor encampado pela sua consciência

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SÉRGIO MILLIET | Lucas Paolillo Barboza

e pelo seu temperamento aberto às sensibilidades e novidades


da vida.
Os dez volumes do Diário crítico (1944-1959) foram con-
feccionados a partir do limite de toques próprio às exigências da
coluna de jornal. No entanto, apesar disso, sugerem um convite
ao conhecimento da produção literária escrita ao longo dos mais
de quinze anos que abrangeram seu período de publicação. A di-
versidade das obras resenhadas por Milliet nestes diários trans-
formam-no numa espécie de Virgílio para aqueles que ousam ca-
minhar pelas veredas fragmentadas dos seus dez volumes. O dia,
o assunto e as obras referidas são, como as artes plásticas que
tanto admirou, os cacos cindidos que servem de pretexto para a
sugestão de nexos, deslocando-nos para a literatura feita entre
meados da década de quarenta e o final da década de cinquenta.
Com isso, associa-se novamente à capacidade de mediação por
sugerir articulações entre os seus leitores de todos os tempos e
as obras comentadas em seu cotidiano, no tempo de seus comen-
tários.
Mesmo ao enfrentar a rigidez da sociologia de Chicago,
Milliet foi capaz de extrair dela tais perspectivas de abertura e de
reconhecimento. Ao observarmos a recorrência e a predileção

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Coleção Clássicos & Contemporâneos

que deu ao conceito de “marginalidade” em seus escritos a pers-


pectiva fica clara. O conceito serviu-lhe para compreender o pa-
pel da arte moderna em seu tempo, bem como se relaciona aos
seus estudos sobre prostitutas e curandeiros, formas estas mar-
ginais da vida, na São Paulo colonial. Além disso, o debate acerca
da marginalidade expressiva também lhe forneceu subsídios para
compreender as expressões “das crianças, dos loucos e dos pri-
mitivos” (MILLIET, 1981[1944a], p. 236), os quais foram muito
discutidos à época em perspectiva com a arte moderna. Este as-
sunto chegou a ser tema de suas conferências, como foi o caso
de uma fala sua feita no Rio de Janeiro em 1949.
O reconhecimento das diferenças, muito presente no
pensamento de Milliet, fez com que ele refletisse sobre a questão
dos negros no Brasil e nos Estados Unidos. Muito embora seu
pensamento fosse marcado pelas vicissitudes da época, a forma
como compreendeu esses assuntos revela certo pioneirismo ao
se posicionar contrário aos nacionalismos oficiais. Chegou a es-
crever sobre o negro em São Paulo, em artigo publicado no Ob-
servador Econômico e Financeiro (1942), bem como sobre a poe-
sia negra e outras expressões artísticas de origem ou ascendência
africana. Escreveu um texto, A fórmula de Martius, contrário ao

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SÉRGIO MILLIET | Lucas Paolillo Barboza

mito fundador das três raças, de forma a negar sua validade à ci-
dade de São Paulo ao mostrar as especificidades das origens ét-
nicas do sudeste. Podemos encontrar nestas perspectivas avan-
çadas para a época ecos da sua formação genebrina e também
da sua influência da Escola Livre de Sociologia e Política.

Modernismo como cultivo da democracia

Antonio Candido referiu-se a Sérgio Milliet como um pre-


cursor da sua geração. Por isso, deu-lhe a alcunha de “homem-
ponte”. Com ela, quis evidenciar o caráter inovador do perfil in-
telectual do amigo. De acordo com ele, Milliet soube aproximar-
se das gerações mais jovens. Não apenas foi aberto às manifesta-
ções dos novos, mas também compartilhou interesses comuns
com eles de método e de referências. Dentre as referências com-
partilhadas, sobressai-se o papel das Ciências Sociais. “No fundo
o ponto central de minha atividade é a sociologia” (MILLIET,
1971). Por ironia do destino, ele, que tanto desprezou as fórmu-
las e os conceitos fechados, ficou amplamente reconhecido pelo
epíteto-homenagem. De acordo com Candido, isto “[...] o pertur-
bou. Ora inquietando-o, ora fazendo-o pensar sobre a sua função
na vida intelectual de seu tempo” (CANDIDO, 2005, p. 18). Em

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Coleção Clássicos & Contemporâneos

resposta, Milliet confirmaria tais impressões. “As pontes se dina-


mitam nas retiradas e a perspectiva não me entusiasma” (MIL-
LIET, 1982, p. 27).
Milliet não foi um entusiasta da política partidária no Bra-
sil. Não raro, em seus escritos de ficção, como em Roberto (1935)
e Duas cartas no meu destino (1944), os participantes apaixona-
dos são pintados como atores de um drama farsesco, como se a
dedicação cega à vida pública fosse, antes de tudo, uma sublima-
ção de complexos. Em Roberto, escreveu: “Aquela caça ao ideal
que o libertasse dos recalcamentos da infância, sublimando os
sequestros, vestindo os complexos, falia sempre e sempre. Des-
moralizante determinismo! Geração sacrificada a sua” (MILLIET,
1935, p. 157). No entanto, a postura acessível aos jovens nutrida
por Milliet, aberta e articuladora, expressou uma tendência co-
municativa e mediadora da sua personalidade que adquire tona-
lidades intuitivamente políticas. Essa abertura foi uma expressão
da importância dos valores modernos e democráticos no seu es-
pírito. Os mesmos valores seriam mobilizados por ele nos mo-
mentos de participação ao lado das agremiações classistas e dos
partidos políticos.
Contrário aos preconceitos totalitários, a defesa dos valo-
res democráticos se fez presente em toda a obra de Milliet. No

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SÉRGIO MILLIET | Lucas Paolillo Barboza

que se refere às artes plásticas, por exemplo, afirmou que “o leigo


nem sempre compreende, em virtude de seu condicionamento
artístico rígido, que pode haver boa pintura com mau desenho e
vice-versa” (MILLIET, 1957, p. 27). Esta frase, que não se limita às
artes plásticas, abrange a formação humana. Assim, reflete preo-
cupações da mesma ordem que as suas preocupações relaciona-
das à participação e à marginalidade. Nela, há a denúncia de que
a ausência do reconhecimento da diversidade implica na má com-
preensão de qualquer objeto. Quando Milliet deteve-se na per-
cepção do não-iniciado, ele reconheceu uma tendência à insensi-
bilidade e à distorção da expressão moderna. O antídoto do pro-
blema estaria no cultivo de uma cultura democrática capaz de re-
conhecer a diversidade das expressões do mundo. Estas deman-
dariam, necessariamente, uma postura responsável de interven-
ção pública reflexiva e pautada no diálogo. “A faculdade de estra-
nhar é o alicerce da inteligência. Leva à investigação e à análise.
Daí, quase sempre, à compreensão, que é a mais pura caracterís-
tica da inteligência” (MILLIET, 1936, p. 28).
Por isso é que Milliet enxergava com desconfiança os pro-
cessos decisórios da política institucional. Estes, para ele, eram
pautados, sobretudo, nos consensos irrefletidos e na politicagem.

63
Coleção Clássicos & Contemporâneos

Desde a derrota dos paulistas em 1932, ele tomou para si a pers-


pectiva de que a “mentalidade” das pessoas é que deveria ser o
alvo dos esforços para a mudança. Ou seja, para ele, a transfor-
mação efetiva da realidade social no Brasil, ou ao menos em São
Paulo, demandava da política algo mais do que a eleição de tal ou
qual representante. O problema estaria, antes, relacionado à cul-
tura política local.
Milliet, socializado entre os valores suíços, preocupava-se
com a formação dos valores liberais no Brasil. Esse desejo de mo-
dernização das relações arcaicas da cultura política nacional não
se caracterizou como uma preocupação exclusiva dele. Antes, ela
é própria ao espírito da época e, por isso, reflete-se também nas
preocupações de outros escritores do período, como o livro Raí-
zes do Brasil (1936) de Sérgio Buarque de Hollanda, amigo íntimo
de Milliet, nos mostra. Presenciar as atrocidades patrocinadas pe-
las duas Guerras Mundiais também foi uma experiência marcante
para o seu ideário político. Por isso, soube compreender a impor-
tância de valorização da diferença. Nesse sentido, a preocupação
com os valores democráticos reflete-se em toda a sua obra,
muito embora ela possa não estar presente de forma explícita ou
normativa. O que insere sua atividade crítica nesta mesma dinâ-

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SÉRGIO MILLIET | Lucas Paolillo Barboza

mica, já que ela demonstra preocupar-se com o cultivo das ex-


pressões particulares a cada sujeito e também com o reconheci-
mento das expressões marginais e da autenticidade.
A relação entre democracia e cultura política foi, para
Milliet, o princípio que norteou a sua posição no debate sobre a
participação dos intelectuais na vida pública. Em sua opinião, a
função do intelectual na sociedade teria razão de ser justamente
por não ceder aos consensos socialmente compartilhados, disci-
plinados. Esta perspectiva, que numa primeira impressão pode
parecer desinteressada das questões públicas, não abomina a
participação dos escritores e dos artistas na vida pública. Ao con-
trário, ela demonstra a preocupação do intelectual em empu-
nhar-se do “sal da heresia” para tomar as decisões que orienta-
riam sua razão pública. Assim, o papel político do intelectual se-
ria, para Milliet, tanto o de sugerir dissensos incômodos quanto
o de denunciar fragilidades e intolerâncias ativas. O seu engaja-
mento nos congressos, nos partidos políticos e também o empe-
nho investido na criação de instituições formadoras refletem essa
mesma preocupação:

O perigo para o intelectual, na luta política, está na perda


da serenidade tanto quanto na traição à boa causa. Se ao
chefete de bairro é permitido deixar-se guiar cegamente,

65
Coleção Clássicos & Contemporâneos

aos escritores cuja inteligência se condicionou na prática


de uma crítica construtiva, a atitude humilhante de obe-
diência fanática não assenta direito. Sua função é mais
elevada e de maior responsabilidade. Não se trata para
ele de obedecer, que obedecer é cômodo e fácil, mas de
zelar pela conservação das conquistas da inteligência so-
bre o instinto. (MILLIET, 1981[1946], p. 141)

Mais:
Ao escritor participante cabe conservar a clarividência
necessária para não cair nas malhas do profetismo, da
politicagem, do caudilhismo. O escritor deve fazer polí-
tica, mas não ser o joguete da política, isto é, deve usar
de toda a sua influência a fim de propagar a boa ideia, o
bom princípio, a boa causa, mas não alugar a sua técnica
à tática dos políticos. (op. cit., p. 142)

O apreço de Milliet por uma agenda pública focada nas


estratégias formativas para o Brasil fica evidente em diálogo com
as posições defendidas por Mário de Andrade. Durante a famosa
conferência proferida no Itamaraty em 1942, Mário identificou
como o grande problema do modernismo a ausência de uma sen-
sibilidade crítica às desigualdades sociais. No geral, ele conside-
rou que os modernistas não se dedicaram suficientemente ao en-
frentamento dos graves dilemas históricos de seu tempo. Antes,
mantiveram-se ao lado da oligarquia paulista e dos seus costumes
ornamentais. Ao invés disso, deveriam ter se aproximado das
multidões e dos seus graves problemas.

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SÉRGIO MILLIET | Lucas Paolillo Barboza

Anos depois, Milliet publicou suas ponderações da opi-


nião de Mário. No texto, sem divergir dele completamente, co-
mentou as incursões políticas e os projetos institucionais feitos
por ambos e por outros modernistas como uma contrapartida à
denúncia de que não teriam se engajado em causas reais e trans-
formadoras:

[...] Não posso aceitar a generalização do autor de Macu-


naíma, porque não faltou no grupo quem tivesse da rea-
lidade conhecimento mais íntimo. Nem tudo era jeu-
nesse dorée na redação da Klaxon onde o poeta Caligari
aparecia faminto, nem no apartamento de Oswald de An-
drade onde se reuniam os esmulambados com Frederico
Rangel à frente. Nem tudo era fácil para o grupo político
que sonhava com 24 e já plantava os alicerces de 30. Não
foi a vida folgada, não foi a disponibilidade o erro de 22:
vida folgada e disponibilidade também existiram para
inúmeros mentores da revolução russa. Foi, isso sim, a
ausência da universidade. Não foi o afastamento da rea-
lidade, mas o desentendimento dela em todo o seu com-
plexo. (MILLIET, 1981[1945b], p. 314-5)

Mário também afirmou nesta mesma conferência que


dentre todos os participantes da Semana de Arte Moderna so-
mente “[...] Sérgio Milliet punha um certo malestar no incêndio,
com a sua serenidade equilibrada” (ANDRADE, 1978, p. 238). Ou
seja, para ele, Milliet destacou-se como um crítico rigoroso,
imune à trapaça dos elogios protocolares ou sem critério. A crítica

67
Coleção Clássicos & Contemporâneos

aos poemas-piada, presente em Terminus seco e outros cocktais


(1932) e, posteriormente, as ponderações sobre o legado do mo-
dernismo registrados no Panorama da poesia moderna (1952)
reiteram a opinião de Mário. Enquanto o movimento estava em
marcha, Milliet procurou manter uma postura criteriosa, crítica
dos excessos vaidosos. Como se vê, a perspectiva de Milliet,
atenta aos matizes do movimento, não pode ser compatível com
uma narrativa monolítica dos seus erros e acertos:

[...] em Vinte e Dois nós fomos assim: irrefletidos e pri-


mários. Salvou-nos o lirismo, redimiu-nos o trabalho des-
trutivo que então efetuamos. Mas toda a nossa crítica
positiva dos primeiros anos, da época heroica, se esbo-
roou em virtude da nossa ignorância satisfeita. (MILLIET,
1981[1946], p. 92)

É sob uma perspectiva mais preocupada em apontar as


insuficiências do movimento do que em romantizar suas glórias
que Milliet denunciou o que chamou de irrefletido e primário.
Mas isso não o impediu de valorizar as vitórias conquistadas,
como constata em seus livros. No entanto, além da “ignorância
satisfeita” faltaria ao modernismo uma agenda comum. O “traba-
lho destrutivo”, a ruptura e o seu “choque” ficaram acima dos
critérios para as recepção e preocupação formal com o valor de
muitas das novidades produzidas. Ao contrário, em sua opinião,

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SÉRGIO MILLIET | Lucas Paolillo Barboza

o movimento deveria estabelecer um caráter programático, pau-


tado em um trabalho “positivo” disposto a engajar-se em estra-
tégias de intervenção pública.
A criação dos diversos órgãos culturais nos quais se os mo-
dernistas se empenharam representou, de certa forma, essa pre-
ocupação. É neste sentido que Milliet fez o aparte à crítica de Má-
rio. Para Milliet, as iniciativas institucionais promovidas pelos mo-
dernistas foram algo como uma tentativa de superação possível
da Semana de Arte Moderna de 1922, refletindo-se, em parte,
como uma contribuição real de seus esforços para a formação da
cultura brasileira:

O espírito provinciano dominante não se contentou com


os resultados da própria ignorância; fechou também as
portas do enriquecimento cultural às jovens gerações,
mantendo-as presas ao baixo nível nacional por meio de
leis coercitivas, pela censura, pelo incremento dos orga-
nismos de defesa de uma classe novo-rica e economica-
mente poderosa. Do exterior essa classe medíocre ape-
nas copiou os modismos, as extravagâncias, os erros, o
que nos chegava de cambulhada com os interesses co-
merciais. (MILLIET, 1981[1946], p. 139)

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Considerações Finais

Sérgio Milliet foi um modernista em busca da coerência


em meio às ilusões e à violência do mundo moderno. Nem sem-
pre cumpriu a tarefa com êxito. “Ponto de vista científico? Você
não estará ficando um bocado místico dos números, Sérgio? Cui-
dado com a solidão das estatísticas” (DUARTE, 1982, p. 316), ad-
vertiu-lhe Mário de Andrade. Apesar disso, a admissão da falha
foi uma das virtudes que a sua vida deixa como ensinamento. Mil-
liet nunca temeu mudar de opinião, assim o fez várias vezes e pu-
blicamente. A fluidez em relação aos princípios, argumentos e va-
lores foi a base de seu pensamento. Desde sua primeira viagem à
Europa, a vida havia lhe imposto a necessidade de abandonar os
próprios valores. Por isso, o ceticismo foi a sua profissão de fé.
“Ora o ceticismo consiste em descer às premissas para verificar-
lhes a verdade intrínseca, de medo das consequências de um ra-
ciocínio severo em torno de casos excepcionais” (MILLIET, 1942,

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Coleção Clássicos & Contemporâneos

p. 6). A postura crítica de Milliet investe primeiramente contra as


próprias certezas antes de questionar a vida à sua volta:

Mas, dia a dia mais, detesto a crítica e, mais do que a crí-


tica, a crítica da crítica. A mim ela já classificou entre os
impressionistas, os surrealistas, os hedonistas, o diabo.
Só não viu que eu gosto apenas de conversar e não tenho
a pretensão de julgar ninguém. Odeio a responsabilidade
da escolha, quero ser livre de apreciar um verso, ainda
que de um poeta medíocre e sem a obrigação de situar-
lhe a obra no tempo e no espaço. O que me comove está
sempre no tempo e no espaço em que vivo. (MILLIET,
1962, p. 121-2)

Nesse sentido, a simplicidade com que compreendeu a


própria obra deixa um exemplo de crítico que, antes de julgar os
outros, fez de si, do seu conforto e de seu lugar o primeiro objeto
da sua crítica. Muito embora não tenha buscado imperativos ca-
tegóricos, a perspectiva insere-se na máxima kantiana de que o
esclarecimento é, antes de tudo, o abandono da menoridade.
“Acreditar cegamente em qualquer explicação unilateral do
mundo, seja nas artes, seja na psicologia ou na sociologia, seja
nos demais campos do saber é talvez cômodo, mas infantil senão
desonesto” (MILLIET, 1942, p. 5). Com isso, portanto, Milliet deixa
uma postura valiosa aos interessados em suas contribuições.
“Faltou-me apenas a força de ir até as últimas consequências do

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rumo escolhido. É de que me penitencio. [...] Se não matamos,


impiedosamente, alguém nos mata” (MILLIET, 1962, p. 122).

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Coleção Clássicos & Contemporâneos

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Referências

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