Experiência com Ensino Religioso no Ensino Básico — O relato que tenho a oferecer
das experiências com o ensino religioso, baseado prioritariamente em memórias,
evidentemente não esgota o assunto e deve ser complementado por outros dados. A primeira afirmação a tecer consiste na precariedade da formação dos profissionais habilitados a ministrar a disciplina. Esse aspecto guarda relação com a estrutura de ensino superior em nosso país e a interpretação histórica prevalecente sobre as raízes religiosas de nosso povo, que influencia a estrutura curricular posta na formação dos profissionais. Isto equivale a dizer que os programas e as bibliografias das disciplinas estão dominados por um viés problemático, que possui raízes na interpretação de nossa colonização e assume em geral a visão do colonizador para aferir a questão da religiosidade entre nosso povo. Portanto, trata-se ainda da dominância do catolicismo, na versão apostólica que vem do Império Romano, religião oficial do colonizador que deu o sentido da catequização das nações indígenas capturadas para trabalho forçado nas reduções jesuítas. Essa maneira de ver a história, como a progressiva instauração de um povo católico entre nós, influencia os currículos e põe de lado as religiosidades de matriz aborígene e africana, igualmente constitutivas de nossa nação. O segundo aspecto, vinculado à primeira afirmação, tem a ver com a redução que os professores conduzem na exposição do conteúdo. Condicionados pelo viés que se colocou em suas respectivas formações, meus professores reduziram a exposição dos problemas das religiosidades aos rituais e doutrinas da igreja católica, fortemente presente e dominante no ambiente cultural do local onde tive aulas. Ocorre que as aulas costumavam ser, do início ao fim, uma enumeração das teses importantes do catolicismo, seus rituais, processos e ícones. Consequentemente, as religiosidades de matriz africana e indígena eram deixadas de lado, incorrendo num vício de formação e informação para os alunos, que assim eram mantidos na ignorância da importância dos rituais e doutrinas dos outros credos formadores de nossa história. Para já não falar do islamismo e do judaísmo, as outras religiões que, juntamente com o catolicismo, consistem nas mais importante religiões monoteístas criadas pela humanidade. Desse modo, qualifico como altamente insatisfatório o ensino religioso que tive nos anos de formação do ensino básico, tanto pela precariedade de habilitação dos professores quanto pelo método disfuncional que embasava a didática das lições (a memorização de cor de orações, as partes constitutivas da missa, a lista de santos, etc.). Por fim, o saldo negativo que ficou das aulas de ensino religioso poderia ser sanado para as gerações futuras com uma revisão completa da estrutura curricular, agregando-lhe em pé de igualdade o entendimento das religiosidades afro e indígena como centrais em nossa história. Do contrário penso que a continuidade do ensino religioso não se justifica, podendo o mesmo ser removido do ensino básico, visto que a inculcação da doutrina católica na formação dos alunos fere o princípio da laicidade da república brasileira e dos princípios humanistas cultivados por todo o mundo desenvolvido.