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CAPÍTULO

1
Dermatologia normal
Alexandre Evaristo Zeni Rodrigues

1. Anatomia e fisiologia compõem: camada basal (mais profunda), camada espinho-


sa (logo acima da basal), camada granulosa (penúltima) e a
camada córnea (a mais externa/superficial). O tempo que
A - Introdução uma célula leva a partir da formação na camada basal, por
Longe de ser um tratado para esses 2 temas, neste capí- meio de divisões mitóticas, até chegar ao desprendimento
tulo são consideradas algumas informações relevantes que final na camada córnea, é de 15 a 30 dias, e é o turnover
aparecem com maior frequência em questões de provas celular epidérmico. Em algumas doenças, como a psoríase,
para Residência. esse turnover fica reduzido para 4 a 5 dias (doença hiper-
proliferativa).
B - Anatomia A maturação das células epidérmicas consiste na trans-
formação das células colunares da camada basal em células
A pele se divide em 3 camadas distintas, sendo a epi- achatadas e queratinizadas na camada córnea. As células da
derme, de origem embrionária ectodérmica, e a derme e camada basal ficam aderidas à derme por hemidesmosso-
o subcutâneo de origem mesodérmica (notar que o siste- mos, que se encontram na zona da membrana basal (lâmina
ma nervoso central também tem origem ectodérmica, daí a lúcida).
provável relação dos quadros dermatológicos com aspectos A camada espinhosa recebe esse nome porque é nela
emocionais). que ficam mais evidentes as pontes intercelulares (como se
fossem espinhos) que são responsáveis pela adesão entre
os queratinócitos e são chamadas desmossomos. Integrinas
é o nome geral que se dá às moléculas de adesão entre os
queratinócitos que compõem os desmossomos. Esses, por
sua vez, ancoram os filamentos intermediários, que são es-
truturas proteicas (queratinas). Quando essas aderências
são quebradas, ocorrem bolhas como no pênfigo e na epi-
dermólise bolhosa.
Na epiderme, diferentes pares de queratina são produ-
zidos conforme as células se diferenciam em direção à su-
perfície: queratinas 5 e 14 são expressas na camada basal, e
1 e 10, na camada espinhosa.
A camada granulosa é determinada desta forma porque
nela são mais visíveis os grânulos de querato-hialina que se-
rão liberados envolvendo as células epidérmicas e gerando,
assim, a corneificação.
Figura 1 - Principais estruturas da pele Na camada córnea, as células ficam fortemente ligadas
por pontes de sulfeto e a querato-hialina; além disso, grâ-
A epiderme é um epitélio escamoso pluriestratificado, nulos lipídicos cobrem as membranas celulares, e tudo isso
formado basicamente por queratinócitos que vão se matu- confere uma capacidade de 98% de retenção de água, uma
rando e diferenciando, gerando, assim, as 4 camadas que a importante função cutânea.

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DERMATOLOG I A

Outras figuras celulares importantes na epiderme são: - Glândulas sebáceas: produzem o sebum (mistura de
- Células melanócitos: derivadas da crista neural e que colesterol e ácidos graxos), que serve como proteção
residem na camada basal, onde produzem a melani- antibacteriana e hidratação da pele. São ligadas aos fo-
na e a distribuem para aproximadamente 30 querati- lículos pilosos, onde liberam a secreção, e são do tipo
nócitos. O substrato para elaboração da melanina é a holócrina, ou seja, toda a porção celular da glândula
tirosina. Todos os humanos têm o mesmo número de é excretada junto com o sebum. Estão presentes em
melanócitos, porém os afrodescendentes têm maior todo tegumento, exceto na região palmoplantar.
produção de melanina; - Glândulas sudoríparas: existem 2 tipos:
- Células de Langerhans: derivadas de monócitos oriun- • Écrinas: localizadas na transição da derme e hipo-
dos da medula óssea que residem na camada espinho- derme em toda a pele corporal, sua principal função
sa, e são apresentadoras de antígenos para os linfó- é a regulação térmica pelo resfriamento da sudo-
citos T, desenvolvendo importante papel em quadros rese. Desembocam diretamente na superfície epi-
alérgicos e na imunidade celular; dérmica, onde liberam de 0,5 a 10L de suor por dia
- Células de Merkel: residem na camada basal e são (água + cloreto de sódio + ureia + lactato amônia). O
estímulo colinérgico aumenta sua atividade;
queratinócitos modificados que assumem atividades
neurossensoriais táteis. • Apócrinas: encontradas apenas nas regiões anoge-
nitais e axilares e desembocam nos folículos pilosos,
Uma destacada função que ocorre na epiderme é a con- onde liberam a secreção composta por proteínas,
versão da vitamina D pela luz solar. carboidratos e íons férricos, que são metabolizadas
A derme é um tecido conectivo denso, composto princi- por bactérias provocando o odor característico do
palmente de colágeno (maior parte tipo I), elastina e glico- suor. Só passam a funcionar na puberdade;
saminoglicanas. Essas fibras colágenas e elásticas oferecem • Unhas: formadas pela matriz que se situa na porção
proteção mecânica de barreira e mantêm a coesão da epi- proximal e que é responsável pelo constante cresci-
derme. Ela se divide em 2 partes: mento. Formam a lâmina ungueal composta de quera-
- Derme papilar: é a porção mais superficial que se tina e que se situa sobre o leito ungueal. Distalmente
apresenta como “dedos” (papilas) que invadem a epi- à matriz, situa-se a lúnula. Além disso, temos o eponí-
derme. Nela estão a lâmina basal que suporta a última quio ou cutícula, que é uma dobra de pele na porção
camada da epiderme, figuras celulares (mastócitos, proximal da unha, paroníquia que é a dobra de pele
macrófagos e fibroblastos) e estruturas sensoriais (cor- nos lados da unha, e hiponíquio, que é uma fixação
púsculos de Meissner que têm participação no tato); entre a pele do dedo e a porção distal da unha.
- Derme reticular: possui poucas células e é composta
basicamente pelo tecido conectivo amorfo (colágeno
e fibras elásticas).
Ainda fazem parte da derme as estruturas vasculares
(capilares que formam o plexo profundo junto à hipoder-
me e o superficial na derme papilar), fibras musculares do
folículo piloso e neurônios que interagem com receptores
sensoriais (os de Meissner, já citados, os de Paccini/pressão
e os de Rufini/temperatura).
A hipoderme fornece a proteção mecânica e o isola-
mento térmico, além de ser uma fonte de armazenamento
energético na forma lipídica. Contém o maior plexo vascular Figura 2 - Estruturas da unha
que nutre a pele e é composta por grupos de adipócitos,
formando ácinos lobulados separados por septos fibrosos. Tabela 1 - Comparação entre os principais tipos de glândulas
Em processos inflamatórios denominados de paniculites, Glândulas sebáceas Glândulas écrinas
é importante diferenciar se a inflamação é predominante-
Toda a pele, exceto Toda a pele, incluindo
mente septal ou lobular. Ela também abriga os seguintes Localização
palmas e plantas. palmas e plantas.
apêndices cutâneos:
Desembocadura Folículo piloso. Direto na superfície.
- Folículo piloso: fonte de regeneração epidérmica no
Ducto Epitélio escamoso. Epitélio cuboidal.
caso de lesões profundas da pele (é revestido por epi-
télio escamoso estratificado); o número de folículos é Contração de fibras
Secreção Espontânea.
mioepiteliais.
definido na fase embrionária e não aumenta durante
a vida (uma vez destruído, não é possível sua regene- Ácidos graxos, cera- Água, sais minerais,
Composição
midas e triglicérides. ureia e lactato.
ração);

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D E R M AT O LO G I A N O R M A L

2. Lesões elementares j) Úlcera


Área delimitada com perda da epiderme e parte da der-
me (algumas vezes, chega a planos profundos).
- Introdução
k) Fissura
O vocabulário empregado no meio dermatológico é de
fundamental importância para atingir o diagnóstico, pois Área de ulceração cujo comprimento maior é o diâme-
as síndromes e doenças dermatológicas são classificadas tro, caracterizando uma lesão linear.
de acordo com a lesão elementar. Por isso, o 1º passo para l) Abscesso
aprender Dermatologia é ter o conhecimento da nomen- Lesão com conteúdo purulento que pode assumir gran-
clatura usada na descrição dos achados no exame derma- des proporções em tamanho e profundidade.
tológico. Essa parte aborda justamente tais informações
propedêuticas: m) Fístula
Lesão linear que surge pela drenagem de um abscesso
a) Mácula
ou coleção purulenta e que assume um trajeto tunelizado.
Sinonímia: mancha. Lesão plana, sem alteração de re-

DERMATOLOGIA
levo ou de textura, apenas mudada na coloração (qualquer n) Furúnculo
tonalidade mais clara ou escura que a pele normal). Pode Um pequeno abscesso restrito a um folículo.
ser eritematosa, devido à vasodilatação, acastanhada, em
o) Atrofia
razão da melanina, arroxeada, pelo extravasamento de san-
gue etc. Área delimitada da pele em que há uma diminuição da
espessura e consequentemente do relevo, porém manten-
b) Pápula do a integridade da epiderme (diferentemente da úlcera).
Lesão nodular, circunscrita, pequena, com no máxi- p) Liquenificação
mo 1cm de diâmetro que pode estar apenas na epiderme
Estado de elevação de uma placa ou pápula, na qual a
(como uma verruga) ou na derme (como um nevo melano-
superfície fica com sulcos lineares e ondulações, lembrando
cítico).
uma placa de líquen marinho.
c) Placa
q) Poiquilodermia
Quando uma lesão elevada assume um tamanho maior
Área delimitada em que são encontradas atrofia, hiper-
que 1cm, sem no entanto ser circunscrita/arredondada.
pigmentação acastanhada e telangiectasias.
Seria o equivalente da mancha, porém com alteração do
relevo e textura. r) Equimoses
d) Nódulo Mácula causada pelo extravasamento de sangue/hemá-
cias, sem alteração de volume.
Uma lesão elevada maior que 1cm assumindo um as-
pecto tumoral circunscrito. s) Púrpura não palpável
Uma equimose puntiforme.
e) Vegetação
Lesão tumoral que assume um aspecto verrucoso. t) Púrpura palpável
Uma pápula vinhosa que normalmente indica um pro-
f) Vesícula
cesso inflamatório de vasos.
Uma lesão bolhosa com menos de 1cm e conteúdo hia-
lino, normalmente encontrada íntegra. u) Hematoma
Lesão volumosa causada pelo extravasamento e acúmu-
g) Bolha
lo de sangue.
Lesão com conteúdo líquido claro com mais de 1cm e
que pode estar íntegra ou rota, deixando uma área desnuda Tabela 2 - Lesões elementares
com exulceração e crostas.
h) Pústula
Vesícula cujo conteúdo é purulento, podendo ser es-
téril (como ocorre na psoríase pustulosa) ou contaminada
(como nas foliculites e na acne vulgar).
i) Exulceração
Área delimitada de perda somente da epiderme, consti-
Mácula: lesão plana, sem alteração de relevo ou de textura.
tuindo uma úlcera superficial.

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DERMATOLOG I A

Pústula: vesícula cujo conteúdo é purulento.


Pápula: lesão nodular, circunscrita com no máximo 1cm.

Exulceração: perda somente da epiderme.

Placa: área maior que 1cm com alteração do relevo e textura.

Nódulo: lesão circunscrita maior que 1cm. Úlcera: perda da epiderme e parte da derme.

Fissura: ulceração linear.


Vesícula: lesão bolhosa com menos de 1cm.

Bolha: conteúdo hialino maior que 1cm. Abscesso: lesão com conteúdo purulento profunda e grande.

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D E R M AT O LO G I A N O R M A L

regeneração é fundamental para manter uma das funções


mais importantes da pele, a barreira contra a invasão de
germes, e também evitar a perda hidroeletrolítica.
a) Perdas teciduais
Os danos à pele podem ser divididos de acordo com o
nível afetado: superficial (apenas a epiderme e parte da
derme papilar), médio (perda de toda a derme) e profundo
(perda até o tecido celular subcutâneo). A importância está
no fato de que, uma vez atingida a derme profunda, per-
Furúnculo: pequeno abscesso do folículo piloso. dem-se os anexos cutâneos que servem como fonte de re-
generação da epiderme e, nesse caso, a cicatrização é mais
demorada e sempre leva a tecidos fibróticos diferentes da
pele normal.
b) Fases da cicatrização

DERMATOLOGIA
Ocorre uma complexa interação entre células inflamató-
rias do sistema de coagulação e da matriz extracelular por
meio da produção de citocinas e mediadores químicos:
- Fase inflamatória: pode ser dividida em resposta vas-
cular e celular. Na 1ª, há controle do tônus vascular
(inicialmente, a vasoconstricção para controle do san-
Atrofia: diminuição da espessura e relevo. gramento e posteriormente vasodilatação que permi-
te a chegada de leucócitos), e, na 2ª, recrutamento de
células como macrófagos e neutrófilos atraídos por
fatores produzidos pelas plaquetas e pelas células de
endotélios lesados. As plaquetas, além de convocarem
os leucócitos, trabalham na produção da rede de fibri-
na que servirá de esqueleto para que as demais célu-
las iniciem a produção da matriz reparadora. Após as
plaquetas, os neutrófilos são os primeiros a chegarem,
e também convocam as demais células por meio da
produção de citocinas. Entre esses estão os mastócitos
e os monócitos que auxiliam na fagocitose de debris
Liquenificação: elevação de uma placa com sulcos. tecidual;
- Fase proliferativa: nesta etapa, há a restauração da
barreira de permeabilidade, o processo de restabeleci-
mento da vasculatura (neoangiogênese) e, por último,
o reforço estrutural do tecido reparado (fibroplasia).
A reepitelização ocorre devido à migração de querati-
nócitos das bordas das feridas e dos anexos cutâneos
(folículos pilosos), quando estes não foram destruídos
pelo trauma. Se esse processo for facilitado pelo médi-
co (como a aproximação das bordas numa sutura), ele
será dito cicatrização por 1ª intenção; se não houver
facilitação, ele será chamado de cicatrização por 2ª in-
tenção. Paralelamente à migração dos queratinócitos,
Púrpuras e equimoses: o mesmo que máculas, porém violáceas.
ocorre a formação do tecido de granulação (3 a 4 dias
após a injúria), justamente com a angioplasia e a fibro-
3. Cicatrização normal plasia. Esta última é liderada pelos fibroblastos que
são responsáveis pela produção de colágeno (princi-
- Introdução palmente, tipo III no início), proteoglicanas e elastina.
Ainda nessa fase, ocorre a contração da ferida respon-
Consiste no processo de restauração tecidual após da- sável, em parte, pela redução do tamanho da área le-
nos de diferentes níveis, sendo um processo dinâmico divi- sada; a contração também é realizada por fibroblastos
dido em fases independentes, mas que se interagem. Essa modificados (miofibroblastos);

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DERMATOLOG I A

- Fase de remodelação: consiste na deposição do mate- Tabela 3 - Diferenças entre queloides e cicatrizes hipertróficas
rial da matriz extracelular e sua subsequente mudança Queloides Cicatrizes hipertróficas
ao longo do tempo. É o que acontece, por exemplo, Apresenta crescimento lento Apresenta crescimento rápido
com o colágeno, que no início era predominantemente (meses). (dias).
do tipo III e passa a ser substituído pelo colágeno tipo I Tem proliferação contínua. Tem proliferação limitada.
(pela ação de proteinases/colagenases). Essa mudança
Excede limites da cicatriz. Respeita limites da cicatriz.
também afeta as proteoglicanas e as fibras elásticas.
Ocorre em áreas de baixa Ocorre em áreas de alta mo-
mobilidade. bilidade.
4. Queloides Recorre com tratamento. Regride com o tratamento.
A - Introdução
E - Métodos diagnósticos
Trata-se de tumores benignos que se manifestam como
O diagnóstico é clínico. Em caso de dúvida, a biópsia
uma cicatrização exuberante que vai muito além dos limites
para exame anatomopatológico pode auxiliar na diferen-
da cicatriz inicial.
ciação dos queloides e das cicatrizes hipertróficas (nos pri-
B - Epidemiologia meiros, os feixes de colágeno são distribuídos aleatória e
irregularmente, e nas últimas eles são paralelos).
Dependendo da população, a incidência pode variar
muito (de 0,09% na Inglaterra a 16% no Zaire). O risco em F - Tratamentos
pacientes negros é de 2 a 19 vezes maior, mas aqui o pig-
Deve-se dar preferência a tratamentos menos agressi-
mento não é a questão, e sim a genética. Também há maior
vos pelo risco de recorrência.
incidência nos jovens em relação aos idosos e nas mulheres
As cirurgias para redução do volume devem ser par-
em relação aos homens.
ciais, mantendo uma pequena faixa de tecido queloidiano
C - Fisiopatologia nas bordas da ferida. Como métodos adjuvantes, há tra-
tamentos tópicos como o silicone (em gel ou em placa) e
É desconhecida, mas alguns fatores são importantes. os corticoides adesivos; esses antiproliferativos hormonais
O mais relevante é a associação do tipo de trauma em um também podem ser aplicados intralesionalmente (trianci-
indivíduo com predisposição genética; outros fatores impli- nolona), sendo um dos métodos mais utilizados. A beta-
cados são infecções das feridas, endócrinos (MSH) e tensão -terapia (radioterapia localizada) também é indicada no
na cicatriz. Diferenças regionais fenotípicas dos fibroblas- pós-operatório imediato.
tos, o que explica a maior prevalência em certas regiões
como orelha, tronco e, raramente, mãos.
5. Resumo
D - Quadro clínico Quadro-resumo
Inicia-se após semanas a meses do trauma cutâneo; - A pele tem origem ectodérmica e mesodérmica;
muitas vezes, este é mínimo e imperceptível, como nos - A epiderme se divide em camada basal, espinhosa, granulosa
queloides ditos “espontâneos”. No local da ferida, inicia-se e córnea; suas funções principais são proteção e conversão da
a formação de um nódulo eritematoacastanhado bem fir- vitamina D;
me à palpação; ele não respeita os limites da cicatriz inicial, - A derme se divide em papilar e reticular tendo uma função de
fato usado para diferenciá-lo das cicatrizes hipertróficas sustentação;
(Tabela 3). Normalmente, podem ter o prurido associado. - A hipoderme ou tecido subcutâneo é composta por um grupo
de adipócitos com função de armazenamento energético.

Figura 3 - Paciente com nódulos eritematosos e endurecidos na


região mandibular, sendo queloides de cicatrizes de acne

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CAPÍTULO

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Doenças infecciosas e parasitárias
Alexandre Evaristo Zeni Rodrigues

I. Doenças virais D - Quadro clínico


As verrugas vulgares, conhecidas por todos, são pápulas
- Introdução
ceratósicas normocrômicas com pontos enegrecidos na su-
Este capítulo aborda as doenças provocadas por vírus, perfície, sendo assintomáticas.
inclusive as que têm manifestações sistêmicas (como as Existem algumas variantes especiais com particularida-
exantemáticas, por exemplo, rubéola e sarampo, que mui- des como as verrugas filiformes (mais alongadas), as ver-
tas vezes são debatidas com foco da Infectologia). rugas plantares (conhecidas popularmente como “olho de
peixe”), as verrugas planas (mais achatadas) e as verrugas
1. Verrugas periungueais (de difícil tratamento).
Na região genital, normalmente são planas e podem ser
A - Introdução consideradas DST, em algumas situações. Quando assumem
São lesões benignas, porém contagiosas, restritas à epi- uma coloração acastanhada, recebem o nome de papulose
derme e provocadas pelo vírus HPV, com diversos subtipos bowenoide, que tem um maior potencial de malignização
(mais de 100). para o carcinoma espinocelular.

B - Epidemiologia E - Métodos diagnósticos


As verrugas são doenças universais afetando qualquer O diagnóstico é clínico. Em casos de dúvida, a biópsia
faixa etária (comuns em crianças e raras nos idosos) e sem para exame anatomopatológico pode ajudar.
predileção por sexo. Também são importantes causadoras
A tipagem do DNA do vírus com métodos de biologia
de DSTs, tendo alguns subtipos de HPV com implicação na
molecular pode definir os pacientes que apresentam infec-
oncogênese dos tumores de colo uterino.
ções pelos vírus potencialmente oncogênicos: HPV 6 e 11 e
C - Fisiopatologia HPV 16 e 18.

Um pequeno trauma serve como porta para a entrada F - Tratamentos


do vírus que infecta as células epidérmicas. Em pessoas
normais, a infecção é controlada pela resposta imune ce- Os tratamentos visam ao início de uma resposta imune
lular, mas alguns indivíduos parecem ter uma deficiência por intermédio da inflamação da lesão. Para isso, são usa-
específica nessa resposta ou uma imunossupressão mais dos irritantes locais como ácidos salicílico e lático, podofili-
generalizada, como portadores de HIV. na, cantaridina e outros.
Tabela 1 - Associações dos vírus HPV Métodos destrutivos também são usados como cauteri-
zação química com ácido tricloroacético (ATA), eletrocoagu-
HPV 16 e 18 - Malignização.
lação e criocirurgia com nitrogênio líquido.
- Papilomatose respiratória;
O imiquimode tópico é um imunomodulador que au-
HPV 6 e 11 - Lesões anogenitais;
menta a resposta celular contra o vírus, levando à melhora
- Carcinoma de pulmão.
das lesões, principalmente nos casos de infecções genitais,
HPV 2, 3 e 10 - Epidermodisplasia verruciforme. em que os métodos destrutivos são agressivos.

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DERMATOLOG I A

- HHV-3 - Herpes-zóster
- HHV-4 - Epstein-Barr
- HHV-5 - Citomegalovírus
- HHV-6 - Exantema súbito
- HHV-7
- HHV-8 - Sarcoma de Kaposi
Destes, o HHV-4 e o HHV-8 são os únicos com potencial
de malignização.
Neste capítulo, o foco maior está nas doenças estrita-
mente dermatológicas. Todos os HHVs têm a capacidade de
permanecer num estado latente, com uma reativação futu-
Figura 1 - Verruga filiforme: pápula normocrômica alongada na ra posterior que provoca as manifestações. Enquanto são
região glabelar
portadores assintomáticos dos vírus latentes, os pacientes
acabam por infectar outros contactantes íntimos, propa-
gando o vírus.

A - Herpes-simples
a) Introdução
Os vírus do herpes-simples (HSV-1 e HSV-2), na maioria
dos casos, causam infecções benignas mais recorrentes na
pele (genitais e lábios) ou nos olhos. Podem, eventualmen-
te, estar associados a quadros mais graves, como meningi-
tes e encefalites.
b) Epidemiologia
Figura 2 - Verruga comum: pápulas e nódulos acastanhados de su- O herpes-simples é universal, afeta todas as faixas etá-
perfície áspera na região tibial rias, dependendo da apresentação clínica, e não tem predi-
leção por sexo.
Os quadros recorrentes genitais muitas vezes são con-
siderados DSTs, pois o contágio se dá por meio de contato
íntimo.
c) Fisiopatologia
O herpes-simples necessita de um microtrauma para
servir como porta de entrada para o vírus que, em uma pri-
moinfecção, leva a quadros mais exuberantes com manifes-
tações sistêmicas. O vírus tem tropismo por tecidos neurais,
onde permanece em estado de latência e nunca é totalmen-
te eliminado pelo sistema imunológico. Posteriormente,
sua reativação leva às manifestações clínicas clássicas; tais
reativações apresentam alguns fatores predisponentes,
Figura 3 - Verruga plana: pápulas normocrômicas achatadas em como exposição solar, doença febril, estresse emocional ou
antebraço imunossupressão.
d) Quadro clínico
2. Herpes O quadro inicial do herpes-simples pode se dar apenas
com sintomas locais tais como ardor e/ou prurido. Com a
A Tabela 2 apresenta os 8 tipos de herpes-vírus (HHV)
evolução, surge uma área eritematosa e, em seguida, sobre
que causam infecções nos humanos:
esta, aparecem as vesículas de conteúdo claro no início e
Tabela 2 - Família Herpesviridae que podem se tornar hemorrágicas ou purulentas. As apre-
sentações clínicas do herpes-simples são diversas:
- HSV-1 - Herpes-simples tipo 1 - Infecções mucocutâneas (HSV-1): podem ser apre-
- HSV-2 - Herpes-simples tipo 2 sentadas em qualquer região, mas comumente acon-

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DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS

tecem nos lábios. Surgem vesículas agrupadas sobre e) Métodos diagnósticos


base eritematosa; podem ou não vir precedidas de um O diagnóstico é clínico. Em casos especiais, como ges-
leve desconforto prodrômico. A cicatrização se dá em 7 tantes, imunocomprometidos e evolução atípica, os exames
a 10 dias. Nos imunossuprimidos, as lesões ficam mais podem ser necessários. O teste de Tzanck (raspagem da
prolongadas e progressivas e podem sofrer dissemina- base da lesão e coloração do material com Giemsa) revela a
ção. A primoinfecção acontece em crianças e tem um presença de células gigantes multinucleadas.
aspecto mais exuberante com erosões da mucosa oral O diagnóstico de certeza pode ser dado com biópsia e
disseminadas, conhecidas como gengivoestomatite cultura. Imuno-histoquímica e PCR podem encontrar DNA
herpética. Esse quadro, quando ocorre nos dedos (fa- do vírus em tecidos infectados. A sorologia nem sempre é
langes distais), é conhecido como panarício herpético; útil, pois pode apenas indicar uma infecção prévia (seria
- Herpes genital (HSV-2): caracteriza-se por vesículas melhor provar a soroconversão). Deve-se solicitar diagnós-
que erodem e formam úlceras em qualquer parte da tico de HIV em casos exuberantes e de evolução atípica.
genitália masculina ou feminina; é a causa mais co-
f) Tratamentos
mum de úlceras em genitais/DST. Em 10 a 20% dos
casos, pode ser por HSV-1. A infecção primária é mais As infecções mucocutâneas simples evoluem para a

DERMATOLOGIA
prolongada e exuberante, e cursa com adenomegalia e cura espontânea e raramente precisam de tratamento.
sintomas constitucionais. Tratamentos antissépticos são usados para evitar a infecção
secundária.
- Quadros mais graves:
Quando se exige o tratamento, opta-se por medicações
• Ceratite por herpes: infecção dolorosa da córnea
sistêmicas, pois as pomadas são de baixa eficácia (reserva-
que pode provocar cegueira;
das a casos leves). As drogas mais usadas são o aciclovir,
• Herpes neonatal: infecções de recém-nascidos con- 400mg, a cada 5 horas durante 5 dias, fanciclovir, 250mg,
taminados durante o trabalho de parto (muitas ve- a cada 12 horas por 5 dias, e valaciclovir, 500mg, a cada
zes, com mães assintomáticas); cursa com quadro 12 horas. Pacientes com mais de 6 erupções ao ano po-
cutâneo disseminado e de SNC, podendo provocar dem receber tratamento supressor contínuo com as mes-
morte ou sequelas graves; mas medicações em doses menores. Infecções graves e em
• Meningoencefalite herpética: quadros esporádicos imunocomprometidos devem ser tratadas com medicação
com comprometimento do lobo temporal podendo intravenosa.
provocar convulsões, coma e morte;
• Outros: mielorradiculites, pneumonites, esofagi- B - Herpes-zóster e varicela
tes etc.
Há, também, quadros cutâneos associados ao herpes a) Introdução
como o eritema multiforme recorrente e o eczema herpé- O vírus do herpes-zóster (HSV-3) é o causador da varice-
tico, também conhecido como erupção variceliforme de la/catapora (sendo a manifestação da primoinfecção) e do
Kaposi (infecção disseminada em pacientes que apresen- herpes-zóster.
tam outras dermatoses severas, como dermatite atópica
b) Epidemiologia
extensa e doenças bolhosas graves).
A varicela é uma erupção comum na infância e pode sur-
gir em epidemias, normalmente no outono e no inverno. E
o herpes-zóster é mais frequente nos idosos pelo provável
estado parcial de imunodepressão.
c) Fisiopatologia
A contaminação do herpes-zóster e da varicela se dá
pela transmissão aérea de perdigotos. Na primoinfecção
(catapora), ocorre a viremia com disseminação e os sinto-
mas sistêmicos. Também acontece o fenômeno de latência,
e as próximas manifestações acontecerão na fase adulta,
por meio do herpes-zóster.
d) Quadro clínico
O estudo das manifestações clínicas pode ser subdividi-
do nos 2 quadros principais:
- Varicela: tem início com um quadro gripal leve seguido
Figura 4 - Herpes-simples: pápulas e vesículas sobre base eritema- da erupção cutânea disseminada, cuja principal carac-
tosa agrupadas na região inguinal terística é o polimorfismo; apresenta simultaneamen-

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DERMATOLOG I A

te vesículas, lesões erosivas, lesões crostosas e lesões exuberantes (mais de 3 dermátomos acometidos) e de evo-
cicatriciais residuais (vários tipos de lesões dermatoló- lução atípica.
gicas). A disseminação é centrífuga (das porções cen-
trais para as extremidades), e a remissão é espontânea D - Tratamentos
em questão de dias (21 dias), podendo gerar cicatri-
zes definitivas em alguns casos. A encefalopatia é uma Na varicela, o tratamento é sintomático com anti-hista-
complicação rara, mas possível, bem como a síndrome mínicos para o alívio do prurido e tópicos antissépticos para
de Reye em caso de uso de AAS. Recém-nascidos, adul- evitar a infecção secundária. Manter isolamento até 2 dias
tos e imunocomprometidos podem desenvolver uma após a última lesão, se resolver.
pneumonia grave pelo HSV-3 (rara nas crianças imuno-
No herpes-zóster, ele é sempre sistêmico e deve ser ini-
competentes);
ciado nas primeiras 24 horas, com as mesmas medicações
- Herpes-zóster: normalmente, inicia-se com dor lanci-
nante ou disestesia no trajeto da raiz nervosa acome- citadas no caso de herpes-simples, porém a dose é dobrada
tida. Dois a 3 dias depois, surge a erupção localizada e estendida para 7 dias. Após 72 horas, o tratamento pode
formada por vesículas agrupadas sobre base eritema- ser inefetivo.
tosa numa disposição linear, unilateral, em dermáto- Infecções disseminadas em imunocomprometidas de-
mo/faixa. vem ser tratadas com medicação intravenosa, bem como
as complicações da varicela. A vacinação é possível e pode
Quando a erupção não acontece, a dor é confundida
ser usada em adultos suscetíveis (exceto imunocomprome-
com outras causas de dores torácicas e/ou abdominais (in-
farto do miocárdio, apendicite etc.); nesse caso, fica carac- tidos).
terizado o herpes-zóster sine herpete. Raramente as lesões
ocorrem, como no caso do herpes-simples (menos de 4%).
Uma apresentação especial acontece quando o ramo oftál-
3. Molusco contagioso
mico do trigêmeo é acometido – zóster oftálmico –, o que é
preocupante, pois pode levar ao comprometimento ocular. A - Introdução
A complicação, frequente em idosos, é a neuralgia pós-
Infecção benigna, crônica e localizada da pele, causa-
-herpética que pode tornar-se persistente e necessitar de
tratamentos para dor crônica. da por vírus com tropismo pela epiderme, da família dos
poxvírus.

B - Epidemiologia
A infecção é comum em crianças e, como o nome re-
vela, tem alta contagiosidade, tanto para o próprio indiví-
duo (levando à disseminação do quadro) como para outras
crianças. Em adultos, acontece mais nos genitais e pode ser
considerada uma DST.

C - Fisiopatologia
O contato direto ou via fômites (roupas, toalhas etc.)
é que leva ao quadro dermatológico. A imunidade celular
tem papel importante, como comprovado nos pacientes
HIV positivos que têm lesões gigantes e numerosas.
Figura 5 - Herpes-zóster: pápulas, crostas e vesículas sobre base
eritematosa agrupadas com disposição em faixa/dermátomo D - Quadro clínico
no MSD
As lesões são pápulas normocrômicas a translúcidas,
umbilicadas e isoladas, assintomáticas, que podem surgir
C - Métodos diagnósticos em qualquer localização (poupam as regiões palmoplanta-
Na varicela e no herpes-zóster, o diagnóstico é clínico. res). Além disso, raramente ultrapassam 0,5cm (nos imu-
Também pode ser realizado o teste de Tzanck que revela nossuprimidos, podem chegar a 2cm). As lesões podem so-
células gigantes multinucleadas como no herpes-simples. frer inflamação, oferecendo bons indícios de que o organis-
O diagnóstico de certeza também é obtido com bióp- mo elaborou uma resposta imunológica; nesse caso, podem
sia e cultura, se necessário. Deve-se solicitar HIV nos casos tornar-se pruriginosas.

10
DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS

por halo inflamatório intenso. Pode ter prurido e dor. A mão


ou seus dedos são afetados em quase 100% dos casos.

Figura 6 - Pápulas normocrômicas umbilicadas isoladas em náde-

DERMATOLOGIA
ga de criança: molusco contagioso

E - Métodos diagnósticos
O diagnóstico é essencialmente clínico. Na dúvida, é
Figura 7 - Nódulo verrucoso de superfície áspera e base eritemato-
obtido com o exame anatomopatológico da lesão. Não há
sa em paciente que ordenha gado
outros métodos para a diagnose.

F - Tratamentos E - Métodos diagnósticos


Também é destrutivo e irritativo, como no caso das ver- O diagnóstico é essencialmente clínico. Eventualmente,
rugas, sendo utilizados ácidos, curetagem, eletrocoagula- é necessária a ajuda do exame anatomopatológico que
ção e criocirurgia com nitrogênio líquido. mostra as alterações epidérmicas já citadas.
O diagnóstico diferencial pode ser feito com granulo-
4. Nódulo dos ordenhadores ma piogênico (costuma ser mais friável com sangramentos
espontâneos) e panarício herpético (tem início com vesí-
culas).
A - Introdução
Também é causado por vírus da família Pox, sendo be- F - Tratamentos
nigno, pois é autolimitado e restrito à pele. Não há tratamento específico, sendo indicados apenas
cuidados locais para evitar infecções bacterianas secundá-
B - Epidemiologia rias e sintomáticas, para o alívio dos sintomas.
É muito comum entre trabalhadores de fazendas e vete-
rinários que praticamente se autodiagnosticam, e considera- 5. Doenças exantemáticas
da por muitos uma doença ocupacional no agronegócio. Só
pode ser contraída de animais normalmente bovinos jovens Nesse grupo, enquadram-se doenças que cursam com
com infecção ativa; não há contágio inter-humano. Muito uma erupção macular eritematosa aliada a alguns sinto-
semelhante ao quadro transmitido por ovinos chamado Orf. mas sistêmicos, mesmo que às vezes eles sejam leves. São
doenças infectocontagiosas, muitas com vacinação dispo-
C - Fisiopatologia nível no calendário tradicional ou com imunidade perma-
nente após a primoinfecção, por isso são mais vistas em
O vírus é inoculado após pequeno trauma comumente crianças.
durante a manipulação das tetas infectadas que apresen-
tam lesões ulceradas. Acaba instalando-se e replicando-se A - Sarampo
na epiderme, onde causa intensa necrose e cujas células
apresentam alterações citopáticas (corpúsculos de inclusão a) Introdução
e células gigantes multinucleadas). É a doença exantemática com maior potencial de letalida-
de e morbidade, no passado, responsável pela morte de vá-
D - Quadro clínico rias crianças nos surtos que ocorriam periodicamente. Após
Manifesta-se por 1 ou mais nódulos com centro cerató- a instituição da vacinação, esses surtos frequentes deixaram
sico com pontos enegrecidos (lembra verruga) circundado de ocorrer, e hoje são raros os casos diagnosticados.

11
DERMATOLOG I A

b) Epidemiologia médio de exames de biologia molecular, mas para a prá-


A incidência do sarampo caiu muito em países desen- tica ambulatorial esses exames são complexos e de difícil
volvidos, nos quais uma porcentagem grande das crianças acesso.
é vacinada, e permanece alta nos países subdesenvolvidos, O diagnóstico diferencial se faz com as demais exante-
onde o sarampo é a principal causa de morte por doença máticas virais e farmacodermia; pontos característicos para
evitável por vacina. Nesses países, as crianças são acome- o sarampo seriam o pródromo catarral marcante e as man-
tidas, na maioria, antes de 1 ano, e, nos países desenvol- chas de Koplik.
vidos, as infecções surgem em indivíduos não vacinados f) Tratamento
ou o foram muito precocemente e/ou inadequadamente;
Trata-se de uma doença autolimitada, e o tratamento
assim, o sarampo pode surgir em qualquer idade. Não há
é apenas sintomático, principalmente na fase prodrômica
predileção por sexo ou raça. É uma doença de notificação
com a mesma abordagem de quadros gripais e evitando o
compulsória.
uso de AAS pelo risco da síndrome de Reye. Alguns traba-
c) Fisiopatologia lhos mostraram benefício com uso da vitamina A oral.
O vírus causador é da família dos Paramyxovirus e A vacina faz parte do calendário rotineiro e é com vírus
do tipo RNA. Apresenta alta contagiosidade, com taxas vivo atenuado; alguns pacientes que, no passado, recebe-
em torno de 80 a 90% em indivíduos suscetíveis (não va- ram a vacina com vírus morto não tiveram uma imunização
cinados). A transmissão se dá por perdigotos, e o vírus adequada e podem desenvolver uma forma mais grave de
inicia a replicação no trato respiratório, disseminando-se sarampo, dita sarampo atípico (com predomínio de lesões
para linfonodos e circulação sistêmica. Após a infecção, purpúricas hemorrágicas).
ocorre um estado de imunossupressão, predominante-
mente com sofrimento da imunidade celular (Th1), que é B - Rubéola
responsável pela maior parte das complicações fatais da
doença. Alguns indivíduos chegam até a negativar alguns a) Introdução
testes, como o tuberculínico/PPD. O mecanismo exa- Trata-se de uma infecção viral exantemática benigna que
to desse fenômeno é desconhecido. Os indivíduos com cursa com erupção morbiliforme e adenomegalia, raramen-
doença ativa permanecem infectantes por até 5 dias do te levando a comprometimento articular. Sua mais temida
início do rash. complicação vem de casos na gravidez, podendo provocar a
d) Quadro clínico rubéola congênita, que traz consequências graves ao feto.
Após um período de incubação que varia entre 10 e 14 b) Epidemiologia
dias, o paciente apresenta os sintomas da fase catarral que No passado, aparecia em surtos no inverno a cada 5
mimetiza uma infecção respiratória alta (febre, coriza, tos- anos, acometendo crianças e, em menor frequência, ado-
se, conjuntivite, inapetência e linfadenopatia generalizada). lescentes e adultos jovens. Com a introdução no calendário
Esses sintomas vão diminuindo, e inicia-se a fase da erup- vacinal, houve uma queda de 99% na incidência, e, hoje, a
ção cutânea com lesões maculares e papulares eritemato- maior parte dos casos se dá em adultos jovens não imuniza-
sas que têm uma disseminação centrífuga craniocaudal (da dos. Não tem predileção por sexo ou raça.
cabeça e pescoço, para o tronco e extremidades). Durante o
período febril, podem-se encontrar lesões mucosas (enan- c) Fisiopatologia
tema) que são pequenas pápulas esbranquiçadas com um O agente é um vírus RNA da família Togaviridae. A trans-
halo eritematoso na mucosa jugal, região de pré-molares missão se dá pela via aérea por perdigotos, e o período de
– é o sinal de Koplik. Com a melhora gradual do exantema, incubação é de 15 dias; a contagiosidade ocorre alguns dias
as manchas tornam-se mais pálidas e assumem uma colo- antes do rash e permanece até 1 semana depois. A imuni-
ração mais amarelada. dade é permanente.
As complicações são raras e acontecem mais em crian- d) Quadro clínico
ças desnutridas e pacientes imunossuprimidos; as mais
graves são a trombocitopenia, a pneumonia (pelo próprio O quadro prodrômico gripal febril pode ser leve nas
vírus ou por superinfecção bacteriana) e a encefalite aguda crianças e mais marcante nos adultos. O rash macular tem
(pode ocorrer 1 caso em cada 1.000). distribuição centrípeta, iniciando-se pelo segmento cefáli-
co, espalhando para o tronco e atingindo as extremidades.
e) Métodos diagnósticos A característica mais marcante é a linfadenomegalia gene-
O diagnóstico clínico, possível na maioria dos casos, ralizada que é mais proeminente na região cervical, nuca
pode ser confirmado por meio de sorologia, que é válida e retroauricular. Pode haver artralgia e até mesmo artrites
quando se demonstra um aumento dos títulos seguido da pela deposição de imunocomplexos. Um sinal não espe-
diminuição na fase de convalescença. Técnicas de swab de cífico é um enantema puntiforme no palato (manchas de
orofaringe podem servir para encontrar o vírus por inter- Forchheimer).

12
DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS

em um pronto-socorro infantil. Alguns estudos mostraram


que, até os 2 anos, 80% das crianças já são imunizadas pelo
contágio prévio. Representa um problema para imunossu-
primidos quando da sua reativação e pode levar a quadros
sistêmicos graves.
c) Fisiopatologia
O exantema súbito é causado por vírus da família herpes
HHV-6 que, na primoinfecção, faz a replicação nas glândulas
salivares e também em leucócitos, em que posteriormente
fica latente, podendo causar quadros mononucleose-símile
em adultos imunocompetentes.
d) Quadro clínico
O quadro prodrômico gripal é ausente, e surge apenas
uma febre súbita de 40°C, sem comprometimento sistêmico;

DERMATOLOGIA
Figura 8 - Paciente com rubéola apresentando máculas e discretas
pápulas disseminadas por todo o corpo somente 15% dos pacientes podem desenvolver uma convul-
são febril. A resolução da febre é praticamente imediata com
e) Métodos diagnósticos o surgimento do rash morbiliforme que se inicia no pescoço e
evolui para o tronco. É também visto um enantema puntifor-
O quadro clínico do exantema centrípeto e a adenome-
me no palato denominado manchas de Nagayama. O exante-
galia levam ao diagnóstico, principalmente em crianças e
ma permanece por horas, no máximo, por 2 dias.
adolescentes. Nos casos duvidosos, em se tratando de adul-
tos, pode-se realizar a sorologia do tipo IgM que deve estar e) Métodos diagnósticos
elevada (só IgG indica imunidade prévia). Essa investigação Os achados clínicos de febre alta, que termina abrupta-
é prioritária nas gestantes que tiveram contato com porta- mente aliada a um rash em criança menor de 2 anos, favo-
dores de doença ativa e não estão imunes (grávidas IgG ne- recem muito o diagnóstico. Se for necessária a confirmação,
gativas); se o exame inicial é negativo, deve ser repetido em poderão ser feitos sorologia IgM ou exames de biologia mo-
4 e 6 semanas. Dos exames gerais, pode haver alteração do lecular para isolar DNA viral.
hemograma com leucopenia/linfocitose e trombocitopenia. Um paciente com febre alta e convulsão pode fazer diag-
No recém-nascido, a confirmação também requer a presen- nóstico diferencial com meningite, porém a erupção cutânea
ça de IgM (pois esta não atravessa a placenta e não poderia é típica das vasculites com pápulas crostosas; as demais do-
ter vindo da mãe). enças exantemáticas raramente cursam com febre alta.
f) Tratamento f) Tratamento
Não há tratamento específico. Aconselham-se repouso, Apesar de o vírus pertencer à família herpes, não estão
afastamento por 7 dias após o início do rash e sintomáticos indicados antivirais como o aciclovir. O tratamento é so-
sem AAS. mente de suporte com sintomáticos para o alívio da febre.
No caso das grávidas infectadas, o risco é maior quanto
mais precoce é o contato (1º trimestre). D - Eritema infeccioso
A vacinação é feita com vírus vivo e não pode ser feita em
grávidas e imunossuprimidos severos (HIV positivo compen- a) Introdução
sados podem recebê-la). É indicada, também, a pós-puberais Sinonímia: 5ª doença. Erupção exantemática com apre-
militares, profissionais da saúde e institucionalizados. No ca- sentação clínica subdividida em 3 fases que também é mais
lendário vacinal, está incluída na vacina MMR. vista em crianças. O nome vem na classificação das doenças
exantemáticas (após sarampo, rubéola, escarlatina e exan-
C - Exantema súbito tema súbito).
a) Introdução b) Epidemiologia
Sinonímia: roséola infantum. A infecção viral benigna é Pode acometer igualmente ambos os sexos, sem predi-
caracterizada, principalmente, pelo início súbito da febre leção racial. É universal e pode atingir qualquer idade, mais
que termina após o princípio do quadro cutâneo, que por frequente em crianças e adolescentes. Os surtos têm ocor-
sua vez também é efêmero. rência maior no inverno e no início da primavera.
b) Epidemiologia c) Fisiopatologia
Trata-se de uma infecção universal e muito comum, po- O eritema infeccioso é causado por parvovírus B19, que
dendo representar, em média, até 20% das causas de febre é o menor vírus DNA capaz de causar uma doença infec-

13
DERMATOLOG I A

tocontagiosa no homem. A sintomatologia provavelmente Período de


advém da formação de anticorpos/imunocomplexos que se Doença Agente Clínica
incubação
depositam nos tecidos (ao contrário de outras exantemáti- - Febre alta e efêmera;
cas nas quais a disseminação pela viremia leva diretamente - Ausência de quadro
aos sintomas). A transmissão se dá por via aérea, e o perío- Exantema Herpes-
5 a 15 dias gripal;
do de incubação é de 10 dias. súbito -vírus 6/7
- Manchas de Nagaya-
d) Quadro clínico ma.
Após o período de incubação, o paciente apresenta o - Artralgia marcante;
pródromo com sintomas gripais leves que passam desper- Eritema Parvovírus - “Cara esbofeteada”;
4 a 21 dias
cebidos; algo digno de nota para um diferencial seriam as infeccioso B19 - Eritema rendilhado;
artralgias que são frequentes. Após 7 a 10 dias, o paciente - Extremidades.
evolui para cura ou manifesta os achados cutâneos clássicos Coxsackie - Lesões na cavidade
que consistem em 3 estágios: Mão-pé- oral;
e entero- 5 a 7 dias
- Exantema facial nas regiões malares que possuem di- -boca
vírus - Extremidades.
versas regras de memorizações: “cara esbofeteada”,
“cara de palhaço”, “queimadura solar” etc.;
6. Doença mão-pé-boca
- Erupção exantemática com predomínio de extremida-
des incluindo regiões palmoplantares;
A - Introdução
- Clareamento do eritema da extremidade deixando um
aspecto rendilhado que é bem característico (quase Trata-se de um subtipo de exantema dentro do grupo
patognomônico). das enteroviroses que cursa com lesões puntiformes vesico-
petequiais acometendo as regiões que dão nome à doença.
Em adultos, raramente surgem os sintomas cutâneos, e
a apresentação é de uma poliartralgia súbita, principalmen- B - Epidemiologia
te em mulheres.
A doença é universal, sem predileção por raça ou sexo,
e) Métodos diagnósticos e pode acometer qualquer idade, sendo mais frequente em
Sempre é necessária a confirmação em situações es- crianças pré-escolares. Costuma ocorrer em surtos recor-
peciais como gravidez e imunossuprimidos, e, nesse caso, rentes mais comuns no verão e na primavera.
podem ser feitos sorologia IgM ou exames de biologia mo-
lecular como PCR e hibridização in situ. A maioria dos casos, C - Fisiopatologia
em contrapartida, tem o diagnóstico baseado apenas na Os agentes causadores são vírus coxsackie A16 ou en-
história e nos achados do exame físico. terovírus 71, principalmente nas epidemias; outros subti-
O diagnóstico diferencial se faz com farmacodermias e pos (A5, A7 e A9) são causadores esporádicos. O contágio
todas as doenças exantemáticas. acontece pelo contato direto com secreções e pode ser por
perdigotos aéreos, oral-oral e oral-fecal.
f) Tratamento
Por ser o eritema infeccioso uma doença benigna e D - Quadro clínico
autolimitada, não é necessário um tratamento específico.
Podem ser necessários anti-histamínicos para alívio do pru- O período de incubação tem, em média, 5 dias e é se-
rido e analgésicos sem AAS para controle das dores articu- guido de um breve pródromo (2 dias) com sintomas gripais
lares. leves, principalmente dor de garganta. As lesões iniciam-se
na cavidade oral e são vesículas sobre base eritematosa
Tabela 3 - Doenças exantemáticas confundidas com aftas; dias depois, surgem as lesões nas
extremidades, nem sempre presentes (principalmente se
Período de
Doença Agente Clínica forem adultos). As mãos são mais frequentemente atingi-
incubação
das que os pés, e os sintomas são ausentes. A resolução é
- Quadro gripal;
Paramyxo- espontânea em 7 a 10 dias. Outros locais acometidos são as
Sarampo 10 a 14 dias - Erupção craniocaudal; nádegas e os braços. O enterovírus 71 é mais associado às
vírus
- Manchas de Koplik. complicações como pneumonia, meningoencefalite e mio-
- Exantema centrípeta; cardite, podendo haver casos fatais.
- Adenomegalia cervical
Rubéola Togavírus 15 dias e geral; E - Métodos diagnósticos
- Mancha de Forchhei- O diagnóstico é facilmente obtido pela base clínica, e
mer (palato).
nem mesmo exames gerais são necessários.

14
DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS

O vírus pode ser isolado de raspado da vesícula ou das aureus produzem toxinas esfoliativas que levam à forma-
mucosas e também nas fezes por meio de PCR, mas esse ção de bolhas por clivagem na epiderme, daí os quadros de
exame é pouco utilizado. impetigos bolhosos estarem mais associados a S. aureus, e
o impetigo crostoso, mais associado aos estreptococos. O
F - Tratamento ectima é mais associado ao estreptococo beta-hemolítico
O tratamento é apenas de suporte para alívio principal- do grupo A.
mente da dor pelas lesões orais e de faringe que dificultam Algumas cepas de estreptococos podem provocar a glo-
a deglutição. Não é necessário isolamento do doente, pois merulonefrite (GNDA pós-estreptocócica).
o vírus pode ser encontrado até 1 mês do início do quadro.
D - Quadro clínico
Tabela 4 - Doenças virais O impetigo não bolhoso inicia-se com pústulas que se
- As doenças virais dermatológicas podem ser exclusivas da pele rompem e deixam lesões exulceradas com crostas melicéri-
(verrugas, molusco contagioso) ou manifestações de doenças cas encimadas; o quadro bolhoso inicia-se já com grandes
sistêmicas (sarampo, dengue); bolhas que evoluem para o mesmo tipo de lesão ora mencio-
- A importância da família HPV são suas associações à maligni- nado. Quanto ao impetigo, a face é o local mais acometido,

DERMATOLOGIA
dade;
sendo raro nas extremidades. O ectima, por sua vez, é co-
- A família herpes engloba grande variedade clínica, sendo as in-
mum principalmente em MMII. O prurido pode estar presen-
fecções por HSV-1 e HSV-2 (herpes-simples) as mais comuns;
te, e a coçadura é responsável pela disseminação das lesões.
- O molusco contagioso é comum na infância e muitas vezes é
O ectima normalmente é uma lesão única, sendo ulce-
autolimitado;
rada, com fundo purulento e borda crostosa circundada por
- As doenças exantemáticas podem ser diferenciadas por algu-
mas particularidades clínicas. eritema, e costuma ser dolorosa. A localização é a mesma
do impetigo.
II. Doenças bacterianas agudas
Neste capítulo, são tratados, também, os quadros pro-
vocados por bactérias do tipo cocos, que na grande maioria
consistem em casos não complicados com resolução pronta
após a introdução dos antibióticos.
A minoria dos casos tem evolução desfavorável e neces-
sita de intervenções mais agressivas. Como em qualquer
infecção, há sempre a preocupação da resistência bacte-
riana, infelizmente cada vez mais comum devido ao uso
indiscriminado dos antibióticos, principalmente os tópicos
em formulações combinadas e que acabam “queimando” o
uso de suas apresentações sistêmicas (como gentamicina,
eritromicina, cloranfenicol etc.).

1. Impetigo e ectima Figura 9 - Pápulas, placas e exulcerações com crostas melicéricas


em região perioral e perinasal caracterizando o impetigo

A - Introdução E - Métodos diagnósticos


A infecção superficial da pele causada por estreptococo O aspecto clínico oferece o diagnóstico, sem a neces-
ou estafilococo é o impetigo, e sua forma evolutiva, causan- sidade de exames confirmatórios. A cultura e o antibiogra-
do uma úlcera mais profunda, é o ectima. ma podem ser solicitados se não há resposta ao tratamento
empírico inicial. Esta também é realizada na mucosa nasal
B - Epidemiologia nos casos recorrentes.
A infecção é comum em crianças de classes sociais me-
nos privilegiadas em razão das más condições de higiene. F - Tratamentos
Os quadros recorrentes são associados a portadores A maioria dos casos é resolvida com o uso de sabões
sãos devido à colonização nasal e inguinocrural. antissépticos e antibióticos tópicos (mupirocina, ácido fusí-
dico, entre outros).
C - Fisiopatologia Alguns casos disseminados requerem antibióticos sis-
O contato se dá por inoculação direta da lesão ou por têmicos, como cefalosporinas (cefalexina) ou macrolídeos
roupas contaminadas. Algumas cepas de Staphylococcus (azitromicina).

15
DERMATOLOG I A

A mupirocina tópica pode ser usada na mucosa nasal F - Tratamento


para tratar os carreadores num regime de 1 semana/mês.
Os furúnculos, quando únicos, podem ser tratados sim-
plesmente com drenagem por puntura. Carbúnculos e ca-
2. Furúnculos, carbúnculos e abscessos sos de furunculoses extensas necessitam de antibióticos
orais (cefalosporinas ou macrolídeos). Nos casos recorren-
A - Introdução tes, o tratamento deve corrigir os fatores predisponentes.
A maioria dos abscessos é tratada com a drenagem ci-
Os 3 pertencem a um espectro de uma mesma doença e rúrgica, seguida da limpeza local do espaço morto com soro
são diferenciados por algumas particularidades. fisiológico. Casos que não respondem às medidas iniciais,
Os furúnculos são pequenos abscessos causados por esta- com sintomatologia sistêmica ou complicados com celulite
filococos e que envolvem o folículo piloso e o tecido circun- requerem antibióticos orais, e a escolha vai depender do
jacente. Quando tais furúnculos se conectam profundamente agente de que se suspeita.
com a disseminação do quadro, surgem então os carbúnculos.
Já as coleções supurativas maiores e mais profundas são
os abscessos.
3. Erisipela
A - Introdução
B - Epidemiologia
É entendida como uma infecção cutânea aguda com rá-
Não há predileção por idade, mas é mais comum nas
pida disseminação e que, frequentemente, é acompanhada
classes sociais menos privilegiadas.
por sintomas e sinais sistêmicos.
Os quadros recorrentes são comuns em imunossupri-
midos, idosos e desnutridos, havendo, ainda, associação a B - Epidemiologia
portadores sãos devido à colonização nasal e inguinocrural.
É mais comum em adultos jovens e principalmente em
C - Fisiopatologia idosos. Casos em crianças são raros.
Entre os fatores predisponentes, além da colonização C - Fisiopatologia
nasal, estão o uso de roupas justas, causando oclusão foli-
Novamente, a presença de quebras da barreira da pele
cular, calor, umidade local e má higiene.
funciona como porta de entrada; isso ocorre, por exem-
Os agentes etiológicos são dependentes da área afetada
plo, em casos de tinhas interdigitais, úlceras de estase nos
como o estafilococo nas lesões de tronco, cabeça e pescoço
MMIIs ou herpes-simples. Alguns casos são mais comuns
ou E. coli e Enterococcus nas infecções perineais.
em patologias com disfunção dos linfáticos, e acaba por ha-
ver um ciclo vicioso, pois a própria erisipela provoca maior
Furúnculo Carbúnculo Abscesso dano nesses vasos.
O agente causador mais frequente é o estreptococo
Evolução com beta-hemolítico do grupo A (Streptococcus pyogenes), em-
confluência bora outras bactérias já tenham sido descritas.
Figura 10 - Evolução das lesões supurativas D - Quadro clínico
D - Quadro clínico O aspecto-chave é uma área eritematosa com rápida
disseminação na periferia, sendo as bordas bem delimita-
Os furúnculos são nódulos eritematosos que podem das com projeções do tipo “pseudópodes” presentes. Pode
drenar material purulento. São comuns nas axilas, mamas, ser acompanhada de dor local, adenomegalia reacional e
pescoço, face e nádegas; lesões maiores e mais profundas de febre com calafrios. Uma variante com bolhas e vesículas
caracterizam o carbúnculo, que pode vir acompanhado de é denominada erisipela bolhosa.
febre e prostração. Os abscessos são tumorações mais pro- Os locais mais acometidos são os MMIIs e a face (malar/
fundas, maiores que 1 a 3cm (ou mais) com sinais flogís- zigomática). Em mastectomizados, com alterações linfáticas
ticos proeminentes e dolorosos à palpação. Podem surgir secundárias, pode haver o acometimento dos MMSSs. Pode
em qualquer região, e deve-se ter atenção para os casos de evoluir para celulite e complicar com necrose local, absces-
períneo que podem representar fistulizações de infecções sos profundos e fasceíte necrosante. Complicações fatais,
internas ou de doença de Crohn. como endocardite e glomerulonefrite, são possíveis.

E - Métodos diagnósticos E - Métodos diagnósticos


Diagnose eminentemente clínica. Exames de microbio- Raramente, o S. pyogenes pode ser isolado em cultura
logia (cultura e antibiograma) são auxiliares no caso de es- da lesão ou do fluído de bolhas. A positividade da hemocul-
colha dos antibióticos. tura também é baixa: -5%.

16
DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS

O diagnóstico diferencial é feito com eczemas (sem fe- Tabela 5 - Diferenciação entre erisipela e celulite
bre) e celulite (mais profunda). Erisipela
- Restrita às camadas superficiais da pele;
F - Tratamentos - Eritema e edema com bordas bem delimitadas;
Os estreptococos ainda são sensíveis à penicilina e po- - Dor pouco importante;
dem ser tratados, em casos leves, com medicação, via oral - Recorrência frequente.
(amoxicilina), ou em regimes com penicilina intramuscular. Celulite
Os esquemas devem ser mantidos por, pelo menos, 2 se- - Envolvimento de estruturas mais profundas como fáscia, mús-
manas para diminuir a chance de recorrência. Se o compro- culos e tendões;
metimento for mais profundo, deve-se suspeitar de outros - As bordas limitantes são de difícil distinção;
micro-organismos, sendo necessários antibióticos de mais - Dor relevante;
amplo espectro, preferencialmente com ajuda da cultura e - Recorrência é rara.
antibiograma (cefalosporinas e macrolídeos).
Profilaticamente, devem-se tratar as dermatofitoses (ti- E - Métodos diagnósticos
nha das unhas e dos pés), e, em casos recorrentes, a peni-

DERMATOLOGIA
A cultura de secreção ou do tecido é usada para guiar
cilina benzatina pode ser mantida em regime mensal por 6 terapia antimicrobiana, mas o diagnóstico é clínico em sua
a 12 meses. essência.
O diagnóstico diferencial é feito com eczemas (sem fe-
4. Celulite bre) e erisipelas nos casos inicias (ainda superficializados).
Tardiamente, o principal diferencial se dá com TVP (edema
A - Introdução mais frio).

Infecção bacteriana de pele e subcutâneo com envolvi- F - Tratamentos


mento de estruturas mais profundas como fáscia, músculos
Os pacientes com sintomas sistêmicos devem ser inter-
e tendões.
nados para iniciar o tratamento parenteral; posteriormen-
B - Epidemiologia te, com a melhora, pode-se trocar para esquemas orais. Os
antibióticos mais utilizados são as cefalosporinas e quino-
Trata-se de uma doença muito heterogênea, sendo difí- lonas (principalmente ciprofloxacino). Pode ser necessária
cil de definir padrões epidemiológicos. uma avaliação cirúrgica para drenagem e debridamento.

C - Fisiopatologia 5. Síndrome estafilocócica da pele escal-


A infecção se dá pela porta de entrada prévia, sendo as dada
feridas cirúrgicas as causas mais frequentes. A rápida dis-
seminação se dá pela ação das enzimas líticas bacterianas.
A - Introdução
Os agentes dependem do mecanismo de trauma prévio e
da localização: Dermatite esfoliativa e bolhosa causada por toxinas epi-
- Cirurgias gerais/ortopédicas/vasculares: estreptoco- dermolíticas de estafilococos.
cos;
- Feridas abertas/úlceras: estafilococos; B - Epidemiologia
- Mordeduras animais: Gram negativos e anaeróbios; Praticamente restrita a crianças, podendo ocorrer sur-
- Celulite periorbitária em criança: Haemophilus in- tos epidêmicos em berçários e creches. Há um predomínio
fluenzae; em pacientes masculinos à proporção de 2:1.
- Face em diabéticos: micoses profundas (zigomicose).
C - Fisiopatologia
D - Quadro clínico As bactérias causadoras são Staphylococcus aureus do
As pernas são os locais mais acometidos. Aparecem eri- fago grupo 2, capazes de produzir exotoxinas que levam a
tema e edema de limites e bordas mal delimitados. A dor é uma clivagem intraepidérmica na camada granulosa por al-
mais importante e pode limitar a mobilização do membro terarem as moléculas de adesão denominadas de desmo-
afetado. Necrose com ulcerações e abscessos é frequente. gleínas (mesmo alvo do pênfigo foliáceo ou fogo selvagem).
Os acometimentos submandibular e cervical (angina de
Ludwig), muitas vezes associados a abscessos dentários,
D - Quadro clínico
podem ter risco de obstrução de vias aéreas e/ou dissemi- Normalmente, na história, está presente um foco infec-
nação para o mediastino. cioso prévio como uma otite ou sinusite. O paciente come-

17
DERMATOLOG I A

ça a apresentar febre e queda do estado geral, e logo em B - Epidemiologia


seguida surge o rash eritematoso generalizado. Com a evo-
lução, surgem grandes áreas de desprendimento da epider- Trata-se de uma doença universal, rara nos países de 1º
me havendo, inclusive, a positividade do sinal de Nikolsky mundo (exceto pela imigração), havendo uma expectativa,
(a pressão e a tração levam ao desprendimento provocado por parte da OMS (Organização Mundial de Saúde), de er-
pelo examinador). O eritema é mais acentuado nas áreas de radicação da doença. Permanece ativa no Sudeste Asiático
(principalmente na Índia), no Norte da África e em alguns
dobras e periorificiais. Algumas bolhas íntegras podem ser
países da América Latina; o Brasil está na 2ª posição entre
vistas. Apesar do quadro cutâneo dramático e assustador,
os países com maior número de doentes. É exclusiva dos
as crianças não ficam comprometidas sistemicamente, e as
humanos, com relatos de encontro do bacilo em tatus, po-
taxas de mortalidade não são altas como na NET.
rém estes são apenas vetores da doença.
E - Métodos diagnósticos Apesar de ser uma doença com alta contagiosidade, fe-
lizmente tem baixa patogenicidade, ou seja, muitas pessoas
A cultura de secreção de área nasofaríngea, conjuntival têm o contato, porém a doença não evolui para uma infec-
ou anal pode demonstrar a infecção pelo Staphylococcus ção concretizada. A maioria dos casos se dá pela transmis-
aureus. A biópsia para exame anatomopatológico mostra são entre os contactantes íntimos familiares por intermédio
uma bolha de clivagem intraepidérmica. de perdigotos de pacientes com infecção ativa e que não
iniciaram o tratamento (após a 1ª dose, a transmissão cai
F - Tratamento 99,99%). O período de incubação é longo, em média de 5
O tratamento deve ser realizado por meio de antibióti- anos (pode variar de meses a 20 anos).
co com cobertura para estafilococos de comunidade (pe-
nicilinase-resistentes). Cefalosporinas de 1ª geração são C - Fisiopatologia
eficazes como a oxacilina, terapia de suporte e curativos A grande preocupação é a propriedade da hanseníase
são empregados nos cuidados gerais, e devem-se investi- de provocar danos irreversíveis nos nervos periféricos, le-
gar possíveis portadores sãos na comunidade ou institui- vando a incapacidades físicas e amputações. Esses danos
ção em questão. ocorrem apenas pela ação do sistema imunológico contra o
bacilo, e este fica alojado em pontos específicos como nas
Tabela 6 - Diferencial de infecções bacterianas
células de Schwann de nervos periféricos e macrófagos da
Características Erisipela Celulite
pele, além de mucosa respiratória. Aqueles que elaboram
Acomete planos pro- uma resposta imune celular competente do tipo TH1 po-
Não Sim
fundos dem erradicar a MH (Moléstia de Hansen) ou permanecer
Bordas delimitadas Sim Não no polo tuberculoide da doença; já aqueles que têm uma
Lesões bolhosas Sim Raramente resposta de predomínio TH2 ficam mais bacilíferos e desen-
Streptococcus, Staphylo- volvem características de doença do polo virchowiano. Só
Agente Streptococcus
coccus e Haemophilus os doentes desse polo são capazes de transmiti-la.

III. Doenças bacterianas crônicas Paciente


virchowiano
bacilífero
1. Hanseníase
Contaminação de
familiares e
A - Introdução contatos próximos
A hanseníase era conhecida como lepra, mas o nome
caiu em desuso devido à forte estigmatização da doença. Hanseníase
Historicamente, há relatos, até no Egito Antigo e na Bíblia, de indeterminada
pessoas afetadas. Outro aspecto interessante são os lepro-
sários (centros em que os doentes eram isolados do mundo Resposta TH1 Resposta TH2
e ali viviam constituindo uma nova família e um novo círculo Hanseníase Hanseníase
tuberculoide tuberculoide
social) e os cemitérios de leprosos, que perduraram até mea-
dos do século XX em alguns países, incluindo o Brasil. Figura 11 - Fisiopatologia da hanseníase
O agente causador é o Mycobacterium leprae, conheci-
do como bacilo de Hansen, um BAAR, intracelular obriga-
tório, que se cora positivo com o método de Ziehl-Neelsen
D - Quadro clínico
(como a tuberculose), sendo normalmente empregada uma Didaticamente, classifica-se a hanseníase em polos vir-
variante dessa coloração, chamada método de Fite-Faraco. chowianos e tuberculoide (classificação de Ridley-Jopling).

18
DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS

O estágio inicial (estado do doente ainda indefinido) é cha- - Hanseníase tuberculoide (TT): caracterizada por pe-
mado “hanseníase indeterminada” e se caracteriza por queno número de lesões, sendo placas eritematosas
poucas lesões, normalmente máculas hipocrômicas com com descamação fina bem definidas, cura central e
alteração da sensibilidade térmica e/ou dolorosa. Com a que são hipo ou anestésicas. A baciloscopia é negativa.
evolução da doença, o paciente pode migrar para 1 dos po- As alterações neurais são intensas e precoces, sendo
los a seguir: os nervos ulnar e mediano mais acometidos (mão “em
- Hanseníase virchowiana (VV): caracterizada por gran- garra”). Não há acometimento de outros órgãos.
de número de lesões, do tipo nódulos e placas erite- Os pacientes que não se estabilizam em nenhum desses
matoacastanhadas e infiltradas; a infiltração da face é polos são classificados como dimorfos (DD) e podem migrar
comum (fácies leonina) e também a madarose (perda na classificação de acordo com a resposta imunológica, em
das sobrancelhas). Quando realizada, a baciloscopia é qualquer momento da evolução. Esses pacientes possuem
fortemente positiva, com grande número de bacilos ín- lesões intermediares, que podem tender mais para o tipo
tegros. As alterações da sensibilidade são mais tardias tuberculoide (tipo DT – Dimorfo-Tuberculoide) ou para o
e menos frequentes. Há comprometimento sistêmico polo virchowiano (DV – Dimorfo-Virchowiano). A Tabela 7
de mucosas, olhos e outros órgãos, como baço; resume a classificação.

DERMATOLOGIA
Figura 12 - Hanseníase virchowiana: madarose e infiltrações na face além de nódulos acastanhados nos membros inferiores

Tabela 7 - Resumo dos achados na hanseníase


Característica TT DT DD DV VV
Placas eritêma-
Placas bizarras
to-hipocrômicas
eritematoacas- Placas e nódulos eritema-
Placas eritêmato-hipo- com bordas Pápulas e nódulos eri-
tanhadas do tipo toacastanhados com áreas
crômicas bem delimi- elevadas mal tematoacastanhados
Lesões de pele foveolar (centro de infiltração intensa.
tadas com cura central. delimitadas. brilhantes em grande
deprimido). Lesões em grande nú-
Poucas lesões. Lesões em nú- número.
Lesões em número mero.
mero conside-
considerável.
rável.
Presentes pre-
Mais intensas e pre- Mais tardias com dimi-
Neuropatias cocemente, mas Variável. Bem tardias e discretas.
coces. nuição leve.
não tão intensas.
+/4 com apenas ++/4 com raros +++/4 com bacilos em ++++/4 com bacilos em
Baciloscopia Negativa.
raros bacilos. bacilos em globias. globias. globias.
Teste de
+++/3 ++ ou + + ou - - -
Mitsuda

Outros aspectos importantes seriam os estados reacio- reação reversa/piora. Quase sempre é acompanhado
nais que são quadros específicos decorrentes em qualquer de sinais e sintomas sistêmicos (febre, dores articula-
momento da doença: ao diagnóstico, durante o tratamento res e mal-estar), e pode ocorrer modificação das lesões
(momento mais frequente) e após a alta. Basicamente, exis- nos casos de reação de melhora (ficam edemaciadas e
tem 2 tipos de estado reacional: pruriginosas) ou surgir lesões novas no caso de reação
- Tipo I: é o mais comum e indica mudança no estado de reversa/piora. O grande temor é o comprometimen-
imunidade do indivíduo, podendo ser de melhora ou to neural provocado pelo processo inflamatório e/ou

19
DERMATOLOG I A

infiltração de bacilos, podendo trazer consequências saúde pública e que requer tratamento supervisionado em
irreversíveis, por isso há necessidade de tratamento unidades de atendimento pelo SUS.
urgente nesses casos reacionais; Apesar de ser uma doença curável, tem uma caracte-
- Tipo II: só ocorre aos pacientes virchowianos e dimor- rística de cronicidade. Muitos dermatologistas defendem a
fo-virchowianos, normalmente durante o tratamento, opinião de que o doente nunca deve receber alta, apesar
e se caracteriza pela presença de nódulos subcutâneos de isso não ser um consenso entre todos nem ser recomen-
dolorosos em qualquer parte do corpo, constituindo o dado pela OMS.
eritema nodoso hansênico. Também pode ter acome- Para simplificar o tratamento nas Unidades Básicas de
timento neural associado e iridociclite. Saúde, a OMS classifica os doentes em multibacilares (com
mais de 5 lesões) e paucibacilares (5 ou menos lesões). Essa
As manifestações sistêmicas da hanseníase são infre- classificação é meramente operacional e visa facilitar o tra-
quentes e estão resumidas na Tabela 8. tamento na rede básica, pois a hanseníase é uma doença
clinicamente heterogênea, o que dificulta a padronização
Tabela 8 - Manifestações sistêmicas da hanseníase
do tratamento.
Órgãos Descrição As medicações são administradas em esquema de po-
Neuropatias motoras, sensoriais e liquimioterapia, e nunca deve ser realizada monoterapia,
Sistema nervoso
autonômicas
como no passado.
Irite, conjuntivite e danos do nervo
Olhos Nesse esquema, são utilizadas 3 medicações:
óptico
Sistema reticuloendotelial Hepatoesplenomegalia infiltrativa - Rifampicina: a todos os casos, em dose única mensal
Sistema renal Glomerulonefrite de 600mg, supervisionada (a enfermeira presencia o
Gônadas Infiltração testicular ato de tomar a pílula);
- Dapsona: 100mg diários a todos os pacientes;
E - Métodos diagnósticos - Clofazimina: apenas aos multibacilares, na dose de
O diagnóstico da hanseníase requer a presença de le- 300mg única mensal supervisionada + 50mg/dia (ou
sões de pele que tenham alteração da sensibilidade, ou 100mg em dias alternados).
comprometimento neural periférico que curse com altera-
O tempo de tratamento também é polêmico, pois a
ções sensitivas, sendo necessário comprovar a presença do
OMS recomenda, aos casos paucibacilares, apenas 6 meses
bacilo (pela baciloscopia positiva ou por achados patológi-
de rifampicina + dapsona e, aos casos dos multibacilares,
cos indiretos sugestivos).
12 meses com as 3 medicações. Aos pacientes com grande
Os métodos auxiliares mais usados são o teste de
número de lesões em que a melhora não foi tão conside-
Mitsuda, que consiste na intradermorreação com antígenos
rável, pode ser necessário estender o tratamento por mais
preparados de tecidos de doentes infectados e que, na reali-
12 meses. Esses regimes de 6 meses e 1 ano não são vistos
dade, é mais prognóstico, pois mostra o estado imunológico
com bons olhos por grandes hansenologistas, que julgam
do doente; pode ser falso positivo em pacientes que tiveram
insuficientes esses períodos.
tuberculose. A pesquisa no sangue de anticorpos contra PGL-
Um paciente com lesão única sem envolvimento de
1 é positiva em 95% dos pacientes virchowianos (lembrando
tronco nervoso pode ser tratado com esquema ROM
que têm resposta TH2 que é mais humoral). O exame anato-
(Rifampicina, 600mg + Ofloxacino, 400mg + Minociclina,
mopatológico tem como característica principal a presença
100mg em dose única supervisionada, recebendo alta a
de infiltrado inflamatório perineural nos casos tuberculoides
seguir).
e indeterminados; entre os pacientes virchowianos, é fácil a
Todo paciente deve ser examinado minuciosamente na
visualização dos bacilos, encontrados em grande quantidade.
busca de ferimentos e calos para que a automutilação, que
O diagnóstico diferencial depende do tipo de lesão:
surge sem que o paciente perceba devido à hipostesia, não
- Indeterminada: pitiríase alba, vitiligo inicial e pitiríase leve a incapacidades permanentes.
versicolor;
Outro aspecto importante para a vigilância epidemio-
- Tuberculoide: tinha, eczema, eritema figurado, granu- lógica seria a busca ativa dos contatos (todos aqueles que
loma anular, sarcoidose, lúpus e tuberculose; residiram com o doente por pelo menos 5 anos). Estes de-
- Virchowianos: micose fungoide e leishmaniose. vem ser examinados e podem ser tratados se apresentam
manifestações da MH ou então recebem 1 dose da vacina
É importante notar que em nenhum desses casos se al- BCG (2 doses, caso nunca a tenham recebido).
tera a sensibilidade nas lesões. Finalmente, é importante mencionar os estados re-
acionais que devem ser tratados em caráter de urgência,
F - Tratamento dependendo das complicações. Nos casos de reação tipo
É uma das doenças de notificação compulsória (somen- I com neurites, iridociclites ou orquiepididimites, deve ser
te após a confirmação diagnóstica), sendo um problema de usada prednisona na dose de 1 a 2mg/kg com desmame

20
DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS

gradual. Nos casos de reação tipo II/eritema nodoso, a tali- Leptospira, tendo o homem como hospedeiro obrigatório.
domida é a droga de escolha, mas é proibida a mulheres em Nele, a bactéria vive nos tecidos e a disseminação acontece
idade fértil, e nesse caso a prednisona também pode ser ad- logo nas primeiras horas por via linfática e hematogênica;
ministrada. Essas exacerbações reacionais podem ocorrer fora dos tecidos, dificilmente sobrevive (microaerofílico),
mesmo após anos da alta, e fica sempre difícil diferenciar por isso não é relatado como possível o contágio por roupas
de uma possível recidiva; na dificuldade de resposta com ou vasos sanitários.
os tratamentos já mencionados, a recidiva deve ser consi- O contágio se dá pela penetração da bactéria por áreas
derada, e o paciente, encaminhado para novo tratamento. de fissuras na mucosa ou na pele, em que haja uma solução
Também é impossível diferenciar a recidiva de uma reinfec- de continuidade. Independente do tecido infectado, nele
ção, mas isso nada muda na necessidade de retratamento. ocorrerá um processo inflamatório linfomononuclear e gra-
nulomatoso responsável pela destruição dos tecidos; além
2. Sífilis disso, devido à presença das espiroquetas no endotélio, há
também uma endarterite e que pode gerar manifestações
de oclusão da microvasculatura.
A - Introdução A imunidade, tanto humoral como celular, é dita incom-

DERMATOLOGIA
Sinonímia: lues. A sífilis é uma Doença Sexualmente pleta, e as reinfecções são possíveis, ocorrendo numa for-
Transmissível (DST) causada pelo Treponema pallidum, co- ma mais branda (pode não existir a fase primária de cancro,
nhecida entre os dermatologistas como “a grande imitadora” podendo, por outro lado, dificultar o diagnóstico).
devido à diversidade de suas apresentações clínicas que aca-
bam por entrar no diagnóstico diferencial de várias doenças D - Quadro clínico
dermatológicas. No passado, as formas crônicas eram mais A sífilis caracteriza-se por 3 períodos distintos: sífilis pri-
presentes, sendo comuns os acometimentos esquelético, mária, secundária e terciária, intercaladas com períodos de
cardíaco e neurológico, e a sífilis era uma importante causa latência nos quais não ocorrem manifestações clínicas, e o
de internação em hospitais psiquiátricos. Com a melhora dos diagnóstico só é possível por exames laboratoriais.
métodos diagnósticos e da antibioticoterapia, essa doença - Sífilis primária: após o contato com o indivíduo conta-
vem sendo tratada em fases precoces, evitando, assim, sua minado, há um período de incubação que pode durar
evolução para as formas de pior prognóstico. Como a maioria de 2 a 3 semanas e em seguida surge o cancro duro,
dos pacientes é diagnosticada pelas lesões cutâneas, os der- uma lesão ulcerada pequena, normalmente nos geni-
matologistas são considerados experts nessa enfermidade. tais (pode ser em qualquer local, limitado pelas fan-
tasias sexuais), de fundo limpo e bordas bem delimi-
B - Epidemiologia tadas, surpreendentemente indolor. Costuma ocorrer
uma linfadenomegalia regional, que é firme e também
Em termos absolutos, sua incidência e prevalência dimi-
indolor. Nas mulheres, a lesão pode passar despercebi-
nuíram devido à melhora dos tratamentos antibacterianos.
da, dependendo da localização. Essas lesões primárias
No entanto, ao longo dos anos, alguns picos de piora fo-
são altamente ricas em Treponemas. Se não houver
ram vistos, seja na forma adquirida do adulto, seja na forma
tratamento, o cancro se resolverá espontaneamente
congênita.
em 6 a 8 semanas;
Acomete mais a faixa etária de adultos jovens por terem
uma exposição maior (16 a 30 anos). Não há predileção por
- Sífilis secundária: após 2 a 8 semanas, inicia-se a fase
com disseminação máxima das bactérias, surgindo en-
sexo, raça ou distribuição geográfica, a menos que se ana-
tão uma erupção difusa da pele e mucosas associada
lisem aspectos socioeconômicos, tornando-se mais comum
à poliadenomegalia indolor. As lesões características
em populações subdesenvolvidas devido às más condições
são pequenas placas de até 10mm de diâmetro, de cor
de higiene e orientação sexual. Entre os fatores de risco
vermelho-pálida e com uma fina descamação – as cha-
associados, estão os mesmos da AIDS, como prostituição e
madas roséolas sifilíticas. Acometem, simetricamen-
uso de drogas. Isso porque o contato pode ser direto e por
te, todo o tegumento e a região palmoplantar, o que
transfusão sanguínea – neste caso, a fase inicial do cancro é
é característico. Não há prurido associado, mas pode
“pulada”, e a sífilis é dita “decapitada”.
haver sintomas inespecíficos de infecção: indisposição,
A infecção pelo HIV também é um fator de complicação,
inapetência, artralgias etc. O cancro cicatrizado pode
e os pacientes tendem a evoluir de forma mais agressiva e
ser encontrado em até 25% dos casos. Pode ocorrer
rápida, progredindo para as formas neurológicas terciárias
uma alopecia difusa dita “em clareira”. Alguns pacien-
com maior frequência.
tes evoluem com lesões vegetantes e maceradas nas
áreas de dobras (intertrigos), sendo denominadas
C - Fisiopatologia Condylomata lata (por lembrar o condiloma verruco-
O agente causador é o Treponema pallidum, uma bac- so). Erosões nas mucosas oral, retal e genital também
téria espiroqueta (formato espiralado), como a Borrelia e a são comuns. Além da roséola, a fase secundária pode

21
DERMATOLOG I A

eventualmente manifestar-se com diversas outras le- na qual se podem visualizar as espiroquetas (formas seme-
sões, como pápulas firmes, necróticas, lesões folicu- lhantes a macarrão parafuso). Infelizmente, esse método,
lares e outras, daí a sífilis ser chamada de “a grande dominado pelos antigos dermatologistas, caiu em desuso.
imitadora”. Entre o término da fase secundária e o
início da terciária, o paciente pode ficar assintomático Tabela 9 - Exames na sífilis
por meses a anos, sendo muito variável esse intervalo Treponematosos Não treponematosos
de tempo. Assim, assintomáticos com menos de 1 ano FTA-abs VDRL
dos primeiros sintomas e/ou contágio são classificados TPHA/MHA-TP RPR
como tendo a sífilis latente precoce; aqueles com mais
de 1 ano têm a sífilis latente tardia. Nessa fase, o diag- As sorologias são o método mais utilizado, e podem-se
nóstico só é possível por meio de exames sorológicos dividi-las em 2 grupos: os exames não treponematosos (não
feitos na rotina ou por investigação de outros quadros
específicos) e os treponematosos (de alta especificidade).
diferenciais da sífilis; além disso, muitos doentes são
No 1º grupo, o mais utilizado é o VDRL, seguido do RPR
curados ao receberem antibióticos por outras doenças
e não chegam a evoluir para a fase terciária. Durante (Rapid Plasm Reagin), um exame titulável com alta sensi-
a fase da sífilis latente precoce, são comuns as reati- bilidade. É o método ideal na realização de screenings em
vações com lesões secundarianas, e os pacientes tor- pacientes suspeitos e/ou assintomáticos.
nam-se novamente infectantes, com possibilidade de No 2º grupo, os mais utilizados são o FTA-abs (podendo
disseminação da doença; ser IgM ou IgG) e o TPHA/MHA-TP; ambos não têm a mes-
- Sífilis terciária: os pacientes não tratados evoluem com ma sensibilidade do VDRL, mas levam vantagem na especi-
desaparecimento das lesões secundárias e podem ficar ficidade e também se tornam positivos mais precocemente,
por um grande período (2 a 10 anos) numa fase de la- ainda na fase primária. De uma forma didática, podem-se,
tência até surgirem as lesões da fase terciária. Estas re- então, separar os exames:
presentam um processo granulomatoso crônico e que - Screening – com VDRL; se positivo, confirmar com FTA-
atingem principalmente 4 tecidos: pele, ossos, cardio- abs ou TPHA/ MHA-TP;
vascular e nervoso. Na pele, são chamadas de gomas si- - Controle de tratamento – VDRL, devendo haver dimi-
filíticas, formadas por placas e nódulos infiltrativos que nuição dos títulos; títulos em elevação requerem inter-
sofrem ulcerações, assumindo um aspecto arqueado ou venção terapêutica.
anular; costuma ser única ou em pequenos números
(casos disseminados já foram relatados). Essas lesões
Mesmo após o tratamento, alguns exames permane-
gomatosas também podem destruir tecidos ósseos,
cem positivos por anos; isso é comum com os exames tre-
causando dor e incapacitação. No sistema cardiovas-
cular, a alteração mais frequente é uma endarterite de ponematosos e variável no caso do VDRL (costuma ficar
grandes vasos, principalmente a aorta, em que podem positivo em títulos baixos menores de 1:8); por isso uma
ocorrer aneurismas e insuficiência valvar. No sistema reinfecção só é constatada com a elevação dos títulos,
nervoso central, também há o acometimento vascular, lembrando que ela é possível, pois na sífilis não há imuni-
levando a pequenos infartos principalmente do territó- dade adquirida. Podem ocorrer resultados falsos positivos
rio vertebrobasilar; inflamação das meninges e paralisia em algumas situações, como hanseníase, malária, borre-
de pares cranianos completam o quadro. Outro acome- lioses (como a doença de Lyme), leptospirose e lúpus eri-
timento clássico é desmielinização da coluna posterior tematoso sistêmico.
das raízes dorsais, levando a manifestações de neuro- O exame do liquor está indicado em algumas situações:
patias periféricas conhecidas como tabes dorsalis; nela - Pacientes HIV positivo;
os pacientes podem ter ataxia, arreflexia e disestesias - Outros sinais de sífilis terciária;
(alterações da sensibilidade à dor e temperatura).
- Falha do tratamento ou contraindicação da penicilina;
E - Métodos diagnósticos - Sinais e sintomas neurológicos, mesmo sutis.
Nem sempre é fácil diagnosticar a sífilis clinicamente, O diagnóstico diferencial dermatológico dependerá da
tanto do ponto de vista dermatológico como nos quadros fase clínica em questão:
terciários cardiovasculares e neurológicos.
Sempre que há a suspeita, é necessário lançar mão dos
- Sífilis primária: cancro mole, herpes, carcinoma espi-
nocelular;
exames laboratoriais, o que vale para pacientes assintomá-
ticos ou com sintomas discretos e inespecíficos (sempre - Sífilis secundária: pitiríase rósea, psoríase, farmaco-
pensar em sífilis nos diferenciais). dermias, pitiríase liquenoide crônica, parapsoríases;
Uma forma clássica de diagnóstico é a microscopia dire- - Sífilis terciária: hanseníase, leishmaniose, tumores
ta em campo escuro de um raspado de uma lesão cutânea, partes moles, carcinomas espinocelular e basocelular.

22
DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS

são mais comuns nos imunossuprimidos; o mesmo é váli-


Infecção do para pacientes em que não se sabe o tempo certo de
sem 0 evolução (enquadrados como sífilis latente tardia – mais de
FTAbs IgM + 1 ano de evolução). Aqueles que já apresentam manifesta-
sem 2 ções neurológicas e cardiovasculares são tratados em regi-
Campo escuro + mes hospitalares em que possam receber a penicilina por
sem 3 (cancro) via intravenosa por 14 dias.
Após a terapêutica inicial, ocorre a destruição de várias
FTAbs IgG +
sem 4
bactérias, e são liberados antígenos na circulação que aca-
bam por desencadear uma reação de hipersensibilidade co-
VDRL + nhecida como reação de Jarisch-Herxheimer, cujo quadro
sem 5
é composto por sintomas de inflamação sistêmica (febre,
Sífilis secundária calafrios e indisposição). No entanto, esse quadro não deve
sem 9 ser interpretado como reação alérgica à penicilina nem ser
motivo de interrupção ou troca da medicação. Casos leves

DERMATOLOGIA
Figura 13 - Evolução da infecção pelo Treponema pallidum são controlados com sintomáticos (paracetamol e anti-in-
flamatórios), e os doentes graves necessitam de corticoste-
F - Tratamento roides sistêmicos.

Ainda hoje, o tratamento mais efetivo é a penicilina, 3. Sífilis congênita


mesmo quando comparada a antibióticos mais modernos,
como ceftriaxona e azitromicina. Por isso, é sempre impor-
tante questionar e investigar casos tachados como “alérgi- A - Introdução
cos” e que nem sempre os são, pois todos os esforços de- Trata-se de uma doença com alta mortalidade neonatal
vem ser feitos para ser prescrita a penicilina. Existem testes e que, por isso, levou os governantes a adotarem estraté-
cutâneos que comprovam uma suposta alergia, sendo pos- gias para erradicação por intermédio da criação de Grupos
sível tratamento para a dessensibilização. É a droga de es- de Investigação de Sífilis Congênita (GISC), formados por
colha, mesmo em casos mais graves como as manifestações profissionais de saúde que atuam em serviços de assis-
neurológicas e cardiovasculares da sífilis terciária. Também tência pré-natal e maternidades. O diagnóstico precoce é
é usada em situações especiais, como em casos associados importante para reduzir as consequências da sífilis para a
ao HIV e na sífilis congênita, e/ou em gestantes. As doses criança infectada, por meio do tratamento oportuno e ade-
preconizadas pelo Ministério da Saúde são: quado.
- Sífilis primária: penicilina benzatina, 2,4 milhões UI,
IM, em dose única (1,2 milhão UI em cada glúteo); B - Epidemiologia
- Sífilis recente secundária e latente: penicilina benzati-
na, 2,4 milhões UI, IM, repetida após 1 semana. Dose Desde que as medidas adotadas para a erradicação da
total de 4,8 milhões UI; doença entraram em vigor, houve uma queda na incidência
- Sífilis tardia (latente e terciária): penicilina benzatina, da sífilis congênita. No entanto, pode haver casos de sub-
2,4 milhões UI, IM, semanal, por 3 semanas. Dose total notificação, apesar de ser ela uma doença de notificação
de 7,2 milhões UI. compulsória. É uma importante causa de mortalidade neo-
natal e infantil. A taxa de transmissão vertical da sífilis, nas
Tabela 10 - Tratamento da sífilis fases primária e secundária da doença, em mulheres não
Sífilis primária Penicilina benzatina, dose única. tratadas, é de 70 a 100%. Na fase terciária, a taxa diminui.
Sífilis recente (>1
ano)
Penicilina benzatina, 2 doses semanais. C - Fisiopatologia
Sífilis tardia (>1 O Treponema pallidum raramente invade a placenta an-
Penicilina benzatina, 3 doses semanais.
ano) tes do 5º mês de gestação, por isso as complicações são
Terciária Penicilina benzatina, 3 doses semanais. tardias, incluindo o aborto e complicações neonatais. A dis-
Neurossífilis Penicilina cristalina IV, durante 14 dias. seminação do agente é rápida na criança devido à imaturi-
dade do sistema imunológico, e os índices de mortalidade
Tentar dessensibilização ou estearato de eri-
Alérgicos
tromicina.
chegam a 40% dos infectados.

Algumas particularidades devem ser observadas. Os


D - Quadro clínico
portadores de HIV devem ser tratados com o 3º esquema Recém-nascidos não infectados podem apresentar anti-
de sífilis terciária para evitar possíveis complicações que corpos maternos transferidos por intermédio da placenta.

23
DERMATOLOG I A

Nesses casos, em geral, o teste será reagente até os pri- trução nasal, prematuridade, osteocondrite, periostite ou
meiros 6 meses de vida, podendo prolongar-se. Por isso, o osteíte, choro ao manuseio, hepatomegalia, esplenomega-
diagnóstico de sífilis congênita exige um elenco de exames lia, alterações respiratórias/pneumonia, icterícia, anemia
que permitam a classificação clínica do caso (diagnóstico e severa, hidropisia, edema, pseudoparalisia dos membros,
estadiamento), para que a terapia adequada seja instituída. fissura peribucal, condiloma plano, pênfigo palmoplantar e
Segundo o Ministério da Saúde, todo caso definido outras lesões cutâneas.
como sífilis congênita, considerando os critérios descri-
tos posteriormente, devem ser notificados ao Sistema de 5. Sífilis congênita tardia
Vigilância Epidemiológica.
Os sinais e sintomas surgem a partir dos 2 anos de vida:
E - Caso confirmado tíbia “em lâmina de sabre”, fronte olímpica, nariz “em sela”,
dentes incisivos medianos superiores deformados (dentes
Toda criança com evidência laboratorial do Treponema de Hutchinson), mandíbula curta, arco palatino elevado,
pallidum colhido de lesões, placenta, cordão umbilical ou ceratite intersticial, surdez neurológica e dificuldade no
necrópsia, em exame realizado por meio de técnicas de aprendizado.
campo escuro, imunofluorescência ou outra específica.
A - Métodos diagnósticos
F - Caso presumível
Para confirmar o diagnóstico, realizam-se os mesmos
Toda criança cuja mãe teve sífilis não tratada, ou ina- exames utilizados na sífilis do adulto. Além disso, é impor-
dequadamente tratada durante a gravidez, independente- tante a radiografia de ossos longos (tíbia, fêmur e úmero),
mente da presença de sintomas, sinais e resultados de exa- nos quais há o envolvimento de metáfise causando oste-
mes laboratoriais (é considerado tratamento inadequado ocondrite, osteíte e periostite, e revelando anormalidades
qualquer tratamento penicilínico realizado nos últimos 30 metafisárias patognomônicas da infecção (bandas trans-
dias antes do parto, ou tratamento não penicilínico); ou to- lúcidas). Sugere-se que, em cerca de 4 a 20% dos recém-
das as crianças com teste não treponêmico positivo (como -nascidos assintomáticos infectados, a única alteração seja
VDRL reagente) e 1 das seguintes condições: o achado radiográfico, o que justifica a realização desse
- Evidência de sintomatologia sugestiva de sífilis congê- exame nos casos suspeitos de sífilis congênita. É recomen-
nita ao exame físico; dado LCR a todos os recém-nascidos que se enquadrem na
- Evidência de sífilis congênita ao raio x; definição de caso, pois a conduta terapêutica dependerá da
- Evidência de alterações no líquido cefalorraquidiano: confirmação ou não de neurossífilis. A presença de leuco-
teste para anticorpos, contagem de linfócitos e dosa- citose (mais de 25 leucócitos/mm3) e o elevado conteúdo
gem de proteínas; proteico (mais de 100mg/dL) no LCR de um recém-nascido
- Título de anticorpos não treponêmicos do RN ≥4 vezes suspeito de ser portador de sífilis congênita devem ser con-
o título materno, na ocasião do parto (a ausência do siderados como evidências adicionais para o diagnóstico.
aumento desse título não pode ser usada como evi- Ainda, o diagnóstico poderá ser feito se o VDRL for positivo,
dência contra o diagnóstico de sífilis congênita); independentemente dos demais achados.
- Evidência de elevação de título de anticorpos não tre-
ponêmicos em relação aos títulos anteriores; B - Tratamento
- Positividade para anticorpo da classe IgM contra O diagnóstico nas gestantes implica um tratamento pre-
Treponema pallidum; ou toda criança com teste não coce (se 30 dias antes do parto, é inadequado) e com peni-
treponêmico positivo após o 6º mês, exceto em situ- cilina (casos alérgicos devem tentar a dessensibilização). As
ação de seguimento pós-terapêutico e de sífilis adqui- doses são as mesmas mencionadas no tratamento do adul-
rida; ou todo caso de morte fetal ocorrido após 20 se- to. Se a mãe não tratou a sífilis corretamente, o tratamento
manas de gestação ou com peso maior que 500g, cuja será instituído em caso de alterações clínicas e/ou sorológi-
mãe, portadora de sífilis, não foi tratada ou foi inade- cas e/ou radiológicas, e deverá ser feito com penicilina cris-
quadamente tratada (natimorto sifilítico). talina na dose de 100.000UI/kg/dia, IV, 2 vezes (se menos
de 1 semana de vida) ou 3x/dia (se mais de 1 semana de
A sífilis congênita apresenta, da mesma forma que a ad-
vida), durante 10 dias; ou penicilina G procaína 50.000UI/
quirida, 2 estágios: precoce, quando as manifestações clíni-
kg, IM, por 10 dias; no caso de alteração liquórica, o trata-
cas são diagnosticadas até o 2º ano de vida, e tardia, após
mento deverá ser feito com penicilina G cristalina, na dose
esse período.
de 150.000UI/kg/dia, IV, em 2x/dia (se menos de 1 semana
de vida) ou 3 vezes (se mais de 1 semana de vida), durante
4. Sífilis congênita precoce 14 dias; mesmo se não houver alterações clínicas e de exa-
Sinais e sintomas surgem até os 2 anos de vida, e os mes, proceder ao tratamento com penicilina G benzatina,
principais são baixo peso, rinite sanguinolenta, coriza, obs- IM, na dose única de 50.000UI/kg.

24
DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS

O acompanhamento é obrigatório, incluindo o seguimen- Tabela 12 - Dermatófitos


to com VDRL sérico com 1 e 3 meses, após a conclusão do tra- Antropofílicos
tamento. No caso da mãe tratada corretamente, só se deve - Trichophyton rubrum;
proceder aos esquemas citados se a titulação do VDRL está
- Trichophyton.
aumentando ou se é maior que a materna e obviamente nos
Geofílicos
casos sintomáticos ou com alteração dos demais exames.
- Microsporum gypseum.
Tabela 11 - Doenças bacterianas Zoofílicos
- As doenças bacterianas são subdivididas em agudas e crônicas; - Microsporum canis;
- Impetigo e foliculites são infecções superficiais e facilmente tra- - Microsporum gallinae.
táveis com medicações tópicas;
- As infecções de partes moles profundas (celulite e erisipela) C - Fisiopatologia
merecem atenção maior devido à possibilidade de evolução
para sepse; Não é necessária a porta de entrada para haver contá-
gio por esses fungos; devido à presença de enzimas que
- Hanseníase e sífilis compreendem as principais infecções bac-

DERMATOLOGIA
terianas crônicas; digerem a queratina, elas são capazes de propagar a in-
fecção na epiderme e em seus anexos. Alguns fatores no
- É importante ter em mente os polos clínicos da hanseníase:
indeterminada, tuberculoide e virchowiana; sangue do hospedeiro protegem contra a infecção: trans-
- As fases de evolução da sífilis podem ser correlacionadas com
ferrina e alfa-2-macroglobulina. A imunidade celular TH1
os achados nos exames laboratoriais. é muito importante no controle dos fungos.

D - Quadro clínico, métodos diagnósticos e tra-


IV. Doenças fúngicas – micoses superficiais tamento
Os fungos são seres anaeróbios, saprófitas e que fazem
Classicamente, as infecções por dermatófitos são de-
uma parede celular estável de quitina, capazes de se repro-
nominadas “tinhas”. Assim, têm-se as seguintes variantes
duzirem sexuada e assexuadamente, formando colônias.
clínicas:
Os fungos patogênicos podem levar a quadros infecciosos
que podem ser classificados em superficiais e profundos. - Tinha do corpo, face e barba: caracterizadas por placas
Das micoses superficiais, as mais importantes e que serão eritematodescamativas com bordas elevadas e bem
abordadas neste capítulo, estão as dermatofitoses e as mi- delimitadas e clareamento central, com um aspecto
coses por leveduras (candidíase e pitiríase versicolor). No de lesão anular; em alguns casos de tinha da barba,
que tange às micoses profundas, trataremos sobre esporo- os achados podem simular uma foliculite. No corpo,
tricose, paracoccidioidomicose e cromomicose. uma área frequentemente acometida é a região ingui-
nal, devido à umidade e maceração local; nesse caso,
1. Dermatofitoses o diagnóstico diferencial é com o eritrasma, causado
por uma corinebactéria. Para o diagnóstico, o exame
micológico direto (raspagem da lesão para análise em
A - Introdução microscopia após a clarificação com KOH) é rápido e
O grupo de fungos conhecidos como dermatófitos é for- tem boa acurácia. O diagnóstico diferencial é feito com
mado por elementos hialinos micelianos que têm grande os eczemas e a psoríase, e o tratamento pode ser fei-
afinidade pela queratina e, portanto, infectam a epider- to apenas com cremes de imidazólicos (cetoconazol,
me e seus anexos (unhas e pelos), sendo as manifestações isoconazol etc.) nos casos mais localizados e com me-
clínicas dependentes da localização em questão. Não são dicações sistêmicas (terbinafina ou itraconazol) nos
capazes de levar a quadros sistêmicos por disseminação. disseminados;
Os gêneros englobados nesse grupo são Trichophyton sp, - Tinha do couro cabeludo (tinea capitis): muito fre-
Epidermophyton sp e Microsporum sp. quente em crianças e rara em adultos e idosos, pode
ter manifestações mais brandas com placas desca-
B - Epidemiologia mativas com alopecia e cotos pilosos, denominada
A transmissão acontece por contato com fontes conta- tinha tonsurante, ou uma variante mais inflamatória
minadas que podem ser por meio de fungos antropofílicos e exuberante, chamada kerium celsi, normalmente
(inter-humano), zoofílicos (animais domésticos) e geofílicos associada a fungos zoofílicos e geofílicos (menos
(solo contaminado). Estados de imunossupressão como adaptados à pele humana, como M. canis). A tinha
diabetes mellitus, HIV e transplantados levam a um aumen- favosa é a mais grave de todas, pois pode cursar com
to da incidência. As faixas etárias de acometimento depen- alopecia cicatricial irreversível, e é causada pelo T.
dem da apresentação clínica. schoenleinii.

25
DERMATOLOG I A

O exame micológico direto em KOH dos pelos pode dar


o diagnóstico, e a cultura leva ao agente causador: tinha
tonsurante – T. tonsurans e M. audoinii; tinha favosa – T.
schoenleinii; kerium – M. canis e T. violaceum. A lâmpada de
Wood (luz negra) provoca uma fluorescência verde-azulada
em infecções por M. canis e M. audoinii. O diagnóstico dife-
rencial em crianças é feito com a psoríase e a pseudotinha
amiantácea (placas descamativas presentes em atópicos).
Nos adultos, deve-se diferenciar da psoríase e da dermatite
seborreica.
Antifúngicos orais são indicados na maioria dos casos.
Desses, a griseofulvina é o padrão-ouro para as crianças,
com altas taxas de cura e menos efeitos colaterais. Os adul- Figura 14 - Tinha da face: paciente com placas eritematosas e des-
tos podem ser tratados com itraconazol e terbinafina por 2 camativas com aspecto anular na região mentoniana
a 4 semanas, dependendo da melhora clínica:
- Tinha dos pés: popularmente chamada de frieira, tem
diferentes apresentações: pode manifestar-se apenas
com descamação e maceração interdigitais, ou com
espessamento e fissuras plantares com progressão
para a região dorsal do pé (padrão mocassim) ou com
quadros vesicobolhosos agudos e pruriginosos. O aco-
metimento de 2 pés e 1 mão é altamente sugestivo Figura 15 - Tinha do corpo: paciente com placas eritematosas e
descamativas com bordas elevadas e tendência de cura no centro
(síndrome dos 2 pés e 1 mão). T. rubrum e T. entagro-
phytes são os agentes mais envolvidos. O diagnóstico
diferencial pode ser feito com a dermatite de conta-
to, a disidrose e a psoríase palmoplantar. Os métodos
diagnósticos e o tratamento são os mesmos dos aplica-
dos na tinha do corpo;
- Tinha das unhas: infecção da lâmina ungueal (rica
em queratina) e que frequentemente progride para
o leito ungueal. Muito frequente na população em
geral, mais comum em idosos por alterações locais
predisponentes; as unhas dos pés são de 8 a 10 vezes
mais acometidas que as das mãos. Há basicamente
3 apresentações: tinha da unha branca superficial
(manchas brancas apenas na superfície da lâmina
– forma mais leve e de fácil tratamento), tinha da
Figura 16 - Tinha do couro cabeludo: forma tonsurante com placa
unha subungueal distal (forma mais frequente com de alopecia apresentando descamação simples
espessamento e escurecimento da porção subun-
gueal) e tinha da unha subungueal proximal (for-
ma rara muito associada à imunossupressão/HIV).
O diagnóstico apenas clínico não é indicado, pois a
acurácia é de apenas 50%, logo o exame micológico
direto e a cultura para fungos são importantes. Os
agentes mais isolados são do gênero Tricophyton sp.
O tratamento é longo e com potencial de hepato-
toxicidade, sendo necessária a monitoração das en-
zimas hepáticas. Sempre deve ser sistêmico, exceto
nos casos da branca superficial.
Terbinafina e itraconazol por 4 a 6 meses são as drogas
de escolha, e esmaltes tópicos com ciclopirox olamina ou Figura 17 - Tinha do couro cabeludo: forma kerium com placa de
amorolfina são usados para complementar o tratamento alopecia apresentando intensa inflamação e crostas por infecção
sistêmico e na profilaxia das recidivas. secundária

26
DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS

- Candidose oral: na sua forma mais comum, que é a


pseudomembranosa aguda (“sapinho”) e outras me-
nos frequentes, como a crônica hiperplásica (placas
verrucosas na língua) e a queilite angular (conhecida
como Perlèche);
- Candidose genital: muito mais frequente nas mulhe-
res na apresentação de vulvovaginite e mais rara nos
homens quando leva a placas eritematosas e mace-
radas no prepúcio (balanite); quando esse processo
evolui, as placas se estendem para a região inguinal e
o escroto (nos casos de tinha, costuma ser poupado);
- Intertrigo por cândida: placas eritematosas em áreas
Figura 18 - Onicomicose: unha do hálux com coloração amarelada ocluídas, sendo provável infecção secundária pelas le-
e descamação subungueal veduras; comum na região inframamária e entre o 3º e
o 4º espaços interdigitais das mãos. Uma característica

DERMATOLOGIA
marcante é a presença de pequenas pápulas e pústulas
2. Doenças por leveduras adjacentes à grande lesão (satélites);
São fungos ovalados que se reproduzem por brotamen- - Dermatite das fraldas: intertrigo devido à oclusão pe-
to. Aqui, são abordadas as candidíases e a pitiríase versi- las fraldas, iniciando uma dermatite por irritação pelas
color. fezes (ricas em C. albicans) e pela urina. Quadro co-
mum tanto em crianças como em idosos;
A - Candidíases - Onicomicose e paroníquia: esta última, inflamação da
Sinonímia: monilíase. Infecções por Candida albicans prega periungueal devido à perda da cutícula, criando
(menos de 10% por outras Candida sp) comumente asso- um espaço morto e úmido (principalmente em donas
ciada a áreas ocluídas e úmidas. de casa que têm contato constante com água) onde
se formam colônias de leveduras. A onicomicose apre-
B - Epidemiologia senta-se da mesma forma que no caso dos dermató-
fitos;
As infecções por cândida são tão comuns que é possí-
vel que, pelo menos, 1 vez na vida, uma pessoa terá um - Quadros sistêmicos: esofagite, ITU e fungemia são en-
acometimento por tal levedura. No entanto, são poucos os contrados em pacientes graves de UTI ou em imunos-
trabalhos epidemiológicos, o que dificulta a elaboração dos suprimidos.
dados em números.

C - Fisiopatologia
Por fazer parte da flora normal de mucosas, nem sem-
pre o encontro simples da C. albicans leva a um diagnósti-
co de infecção; alguns aspectos devem estar presentes: o
encontro de pseudo-hifas (formações invasivas com maior
virulência), a quantificação do número de colônias na cul-
tura e, principalmente, o aspecto clínico com reação infla-
matória local.
Outro aspecto relativo ao hospedeiro seria o estado de
imunossupressão que predisporá à infecção pelo fungo, já
que este pode ser considerado oportunista e, em condições
normais, não é capaz de agredir os tecidos colonizados. Figura 19 - Intertrigo por cândida: descamação e maceração inter-
Entre os fatores predisponentes estão uso de antibióticos digital em mão de dona de casa
(altera a flora bacteriana, diminuindo a competição natu-
ral), diabetes mellitus, uso de anticoncepcionais e gravidez
(por mudanças na mucosa vaginal) e, obviamente, os esta- E - Métodos diagnósticos
dos de imunossupressão.
O exame microscópico direto nem sempre é útil, pois
pode indicar apenas colonização inocente. A cultura é fun-
D - Quadro clínico damental e sempre acompanhada da quantificação do nú-
São várias as manifestações por cândida, e entre as mais mero de colônias, sendo altamente sugestiva quando maior
comuns, estão: que 106 colônias.

27
DERMATOLOG I A

F - Tratamento D - Métodos diagnósticos


A maioria dos casos requer tratamento sistêmico, sendo o O exame microscópico direto pode ser realizado nos ca-
fluconazol, 100 a 200mg, o mais indicado. Algumas espécies sos duvidosos, sendo encontrado o típico “espaguete com
de cândida, como C. krusei e C. glabrata, são naturalmen- almôndegas” (pseudo-hifas alongadas com esporos ovala-
te resistentes a essa medicação, sendo necessários outros dos). A cultura só é possível em meio de óleo de Oliva de-
imidazólicos, como cetoconazol ou itraconazol. Os casos de vido à afinidade do fungo por lipídios (diferentemente dos
onicomicose requerem tratamentos longos como na tinha da demais fungos, que crescem em ágar Sabouraud).
unha, e casos mais simples e localizados podem ser tratados O diagnóstico diferencial é feito com a pitiríase alba
com os cremes de imidazólicos (tioconazol, isoconazol etc.); (mais nas extremidades e na face, e com outros indícios de
também respondem a cremes contendo nistatina. Só nos ca- atopia) e o vitiligo (lesões não descamam).
sos graves com candidemia se deve usar a anfotericina B.
E - Tratamento
3. Pitiríase versicolor A maioria dos casos requer tratamento tópico, sendo
Infecção superficial causada por Malassezia furfur cur- todos imidazólicos igualmente eficazes. Xampus com anti-
sando com lesões maculodescamativas de cores variáveis fúngicos podem ser usados em casos recidivantes, pois o
(versicolor). couro cabeludo é uma importante fonte de infecção. Casos
resistentes ou muito disseminados podem ser tratados com
A - Epidemiologia antifúngicos orais, sendo o cetoconazol o mais eficaz, por
ter excreção maior na secreção sebácea que os demais. A
Extremamente frequente, principalmente no verão, dose habitual é de 200mg, por 10 a 14 dias.
bem mais presente em adultos jovens e rara em crianças e
em idosos (estes últimos têm a pele menos oleosa).
V. Doenças fúngicas – micoses profundas
B - Fisiopatologia
A levedura M. furfur coloniza inocentemente a pele de 1. Esporotricose
mais de 95% das pessoas, com preferência pelas regiões Doença subaguda, universal, relativamente comum,
mais seborreicas, onde aproveita os lipídios cutâneos como causada por fungo dimórfico da espécie Sporothrix schenkii.
fonte de energia; é desconhecido o mecanismo exato que
faz que a convivência pacífica em simbiose se transforme A - Epidemiologia
em infecção. Fatores de imunossupressão local como o sol,
má higiene e umidade são predisponentes. A causa das hi- Relativamente frequente em nosso meio, sendo uni-
pocromias é a produção pelo fungo do ácido azelaico. versal, porém mais comum em países de clima tropical.
Qualquer idade é acometida, e não há predileção por sexo.
C - Quadro clínico Dois pontos merecem destaque, como a associação a feri-
mentos por plantas (como os clássicos acidentes com espi-
É de fácil identificação, constituído por lesões maculo- nhos de rosas) e a contaminação por animais domésticos, já
descamativas ovaladas, disseminadas, presentes principal- havendo relatos de surtos no Rio de Janeiro provocados por
mente no tronco e na região cervical; são raras nas extre- gatos contaminados.
midades. A descoloração pode se dar por máculas brancas,
rosas ou acastanhadas. Outra peculiaridade é uma fina des- B - Fisiopatologia
camação que pode ser intensificada quando a pele é estica-
da pelo examinador (sinal de Zileri). O trauma serve como porta de entrada para a inocula-
ção do fungo, e nesse ponto é que surge a 1ª lesão. A res-
posta imune celular TH1 é responsável por tentar conter a
doença, o que se pode evidenciar pela positividade do teste
da esporotriquina. Contaminação por ingesta ou inalação
é rara.

C - Quadro clínico
No local do acidente perfurocortante, surge a lesão ini-
cial, normalmente uma placa eritematoescamosa verruco-
sa ou uma úlcera. Em seguida, surgem linfonodos regionais
em cordão, caracterizando a forma mais comum da doença,
Figura 20 - Lesões maculodescamativas com hipocromia e sinal de que é a cutâneo-linfática; podem ou não fistulizar. Formas
Zileri presente no dorso caracterizando a pitiríase versicolor cutâneas disseminadas e/ou infecções sistêmicas são raras

28
DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS

e normalmente vistas em imunossuprimidos. As extremida- E Esporotricose.


des, por estarem mais expostas aos traumas, são sempre C Cromomicose.
mais acometidas.
T Tuberculose.
Se evoluem para a cura espontânea com a ação do sistema
imunológico, restam cicatrizes discrômicas como sequelas.
2. Cromomicose
Infecção fúngica crônica da pele causada por agentes
demáceos (fungos negros) encontrados em solos e vegetais.

A - Epidemiologia
A doença é endêmica em algumas áreas tropicais, como
na região Norte do Brasil, e em algumas áreas desérticas.
Trabalhadores rurais estão mais expostos aos organismos
encontrados no solo e plantas contaminadas (por exemplo,

DERMATOLOGIA
trabalhadores do babaçu na Amazônia). Os MMIIs são mais
acometidos, levando a quadros dramáticos semelhantes à
elefantíase.

B - Fisiopatologia
Figura 21 - Esporotricose: placas verrucosas eritematosas com
evolução ascendente no MSE O fungo é inoculado após trauma da pele e se propaga
até o subcutâneo, sem relato de disseminação linfática e/
ou hematogênica. São 4 espécies envolvidas, a 1ª bem mais
D - Métodos diagnósticos comum no Brasil:
A forma clássica cutâneo-linfática é de fácil diagnóstico - Fonsecaea sp;
clínico; só em casos de lesões únicas, caracterizando uma - Cladosporium sp;
forma cutânea localizada, são necessários exames. - Rhinocladiela sp;
A cultura é o padrão-ouro, sendo um fungo de rápido - Phialophora sp.
crescimento (resultado em 3 dias) e que cresce em tempe-
ratura ambiente a 25°C ou temperatura corporal de 37°C C - Quadro clínico
(fungo dimórfico). É um dos poucos fungos em que o exame Após o trauma, surge na pele uma pápula que evolui para
micológico direto com KOH não ajuda. O exame anatomo- nódulo e posteriormente para placa verrucosa, que em anos
patológico também leva ao diagnóstico por visualização dos pode assumir notáveis proporções, comprometendo todo o
fungos nos tecidos corados pela prata ou PAS, sendo apre- membro afetado. Nessas placas, aparecem pequenos pontos
sentados em formas afiladas semelhantes a charutos. negros (black dots) que representam um aglomerado de fun-
A diagnose diferencial é feita com lesões ulceradas iso- gos demáceos. Não há sinais e sintomas sistêmicos. Lesões
ladas como paracoccidioidomicose, histoplasmose, leish- em placas psoriasiformes já foram descritas.
maniose e tuberculose. Essas mesmas doenças entram no
diferencial se a lesão é verrucosa, no entanto, nenhuma D - Métodos diagnósticos
delas evolui com o cordão linfático adjacente. Nos casos de O exame micológico direto em KOH 10% (de raspado da
lesões isoladas, somente por intermédio dos métodos diag- lesão) é o meio mais simples de chegar ao diagnóstico. A
nósticos citados se conclui o caso. cultura permite determinar a espécie envolvida para fins
acadêmicos, já que não influencia o tratamento. Em casos
E - Tratamento duvidosos, só se conclui a etiologia após a biópsia para exa-
É uma das poucas doenças em que há boa resposta me anatomopatológico.
com uma medicação simples e barata – o iodeto de po- O diagnóstico diferencial se faz com a síndrome verrucosa
tássio, o qual deve ser administrado até a cura completa PLECT (acrônimo de Paracoccidioidomicose, Leishmaniose,
da lesão, o que pode levar entre 4 e 6 semanas. Outros Esporotricose, Cromomicose e Tuberculose).
imidazólicos, como itraconazol e fluconazol, podem ser
empregados. E - Tratamento
Tabela 13 - Regra mnemônica de lesões verrucosas e/ou úlceras Trata-se de uma das dermatoses de resolução mais difí-
cil, e muitos pacientes são ditos incuráveis, aspecto compa-
P Paracoccidioidomicose.
rável a um quadro neoplásico infiltrativo. Deve-se tentar em
L Leishmaniose. casos iniciais, quando ainda é possível, a remoção completa

29
DERMATOLOG I A

da lesão por meio de cirurgia dermatológica. Nos casos em tendem a aparecer em doentes com predomínio da
que já há disseminação extensa, são necessários métodos resposta humoral TH2. As manifestações mais fre-
combinados, como criocirurgia com nitrogênio líquido jun- quentes são:
tamente com antifúngicos sistêmicos (o itraconazol é o de • Pulmões: quadros que mimetizam pneumonias atí-
escolha). Esse esquema acaba sendo usado por anos, e os picas e tuberculose, podendo ter qualquer padrão
pacientes dificilmente têm alta, havendo somente um con- radiológico (classicamente, sempre é citado o pa-
trole do quadro. drão “asa de borboleta”);
• Cutâneo-mucosa: erosões com pontilhados hemor-
3. Paracoccidioidomicose rágicos na mucosa oral conhecida como estomatite
moriforme (lesões avermelhadas lembram amoras).
Sinonímia: blastomicose sul-americana. Infecção sistê-
Na pele, as lesões têm aspecto variável, havendo
mica com várias facetas, podendo atingir a pele e outros
pápulas, nódulos e úlceras com ou sem crostas he-
órgãos internos e tendo como agente causador o fungo di-
morrágicas;
mórfico Paracoccidioidis brasiliensis.
• Ganglionar: adenomegalias duras e dolorosas que
A - Epidemiologia podem ulcerar e fistulizar. A região cervical é a mais
frequente. Quadros intra-abdominais, quando da
É uma doença de zona rural endêmica de alguns países infecção intestinal pelo paracoco, levam a gran-
da América do Sul (ainda não descrita no Chile) em que o des massas tumorais que mimetizam o linfoma de
fungo pode ser isolado a partir de matéria orgânica de solos Hodgkin;
contaminados. A infecção é mais comum em jovens e adul- • Visceral: acomete os ossos levando a lesões oste-
tos na faixa etária de 20 a 40 anos. Há grande predominân- olíticas. O acometimento das glândulas suprarre-
cia no sexo masculino, pois parece que os hormônios estro- nais leva à síndrome de Addison. Lesões intestinais
gênicos conferem uma proteção às mulheres, impedindo o promovem diarreias crônicas e dores abdominais.
desenvolvimento do fungo; a proporção encontrada em in- O envolvimento do sistema nervoso é possível na
quéritos epidemiológicos é de 9 homens para cada mulher. forma de meningoencefalites ou lesões tumorais
cerebrais.
B - Fisiopatologia
A porta de entrada mais comum é a via inalatória, em Portanto, resumidamente, deve-se pensar em paracoc-
que se inicia um foco pulmonar e, a partir daí, se multiplica cidioidomicose quando um paciente apresenta quadro pul-
e se dissemina para os linfonodos regionais, e posterior- monar associado a lesões de mucosa e de pele.
mente, por via hematogênica, para os demais órgãos; há
relatos de inoculação pela mucosa orofaríngea e direta- D - Métodos diagnósticos
mente na pele, mas tais casos são menos frequentes. Esse
O exame micológico direto pode ser realizado na secre-
1º contato com o fungo caracteriza a paracoccidioidomico-
ção purulenta ou raspado da lesão, sendo visualizadas es-
se-infecção (Pb-micose infecção); se o paciente desenvolve
truturas ovaladas leveduriformes que podem ter brotamen-
uma resposta TH1 eficaz, ela pode ser controlada. Então, os
to simples ou múltiplo, levando ao aspecto característico de
pacientes tornam-se assintomáticos, mas há o teste imu-
roda de leme. Essas mesmas estruturas podem ser encon-
nológico da paracoccidioidina positivo (semelhante ao PPD
tradas no exame anatomopatológico da biópsia lesional.
na tuberculose). Ao evoluir para a doença, há 2 possíveis
Por ser fungo dimórfico, quando em cultura, cresce tanto
quadros: Pb-micose juvenil (aguda/subaguda) e Pb-micose
à temperatura ambiente de 25°C (forma miceliana) como a
adulto (crônica).
37°C (colônia leveduriforme). Anticorpos no sangue podem
ser titulados pela contraimunoeletroforese, tendo papel
C - Quadro clínico importante também no seguimento dos doentes durante o
Duas formas de paracoccidioidomicose são conhecidas: tratamento (os títulos tendem a cair). Exames de biologia
- Paracoccidioidomicose juvenil: quadro sistêmico su- molecular podem encontrar proteína GP43 da superfície do
bagudo com hepatoesplenomegalia e adenomegalia fungo.
generalizada, além de febre, queda do estado geral e A diagnose diferencial dependerá da forma apresentada:
emagrecimento. - Pb-micose juvenil: linfomas, tuberculose, leishmanio-
- Paracoccidioidomicose adulto: evolução crônica da se visceral;
infecção que pode ser unifocal (apenas 1 órgão aco- - Pb-micose adulto: lesões mucosas podem surgir na
metido, sendo a forma pulmonar a mais frequente) ou leishmaniose tegumentar americana, tuberculose e
multifocal, acometendo, simultaneamente, pulmão, sífilis; lesões simulando carcinomas espinocelulares
linfonodos, pele, mucosas e outros órgãos (suprarre- também foram descritas; as lesões da pele podem ser
nais, ossos, próstata etc.). Os quadros disseminados diferenciadas da leishmaniose tegumentar, da esporo-

30
DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS

tricose, tuberculose e histoplasmose quando localiza- 1. Leishmaniose


das e de vasculites, sífilis secundária e linfomas quan-
do disseminadas. Um complexo de doenças infecciosas que varia de casos
restritos à pele a infecções sistêmicas graves causadas por
E - Tratamento diferentes espécies de leishmânias e que pode ser encon-
trado mais frequentemente em países subdesenvolvidos de
Normalmente, é prolongado até a cura clínica, soroló- regiões tropicais e subtropicais. No âmbito da Dermatologia
gica e radiológica do doente, o que pode levar de meses a brasileira, a única que merece foco especial é a leishmanio-
anos. O acompanhamento deve ser semestral, pois as reci- se tegumentar americana, pois outras formas são de outros
divas são frequentes. As drogas mais utilizadas são: países ou infecções sistêmicas. No passado, a leishmanio-
- Sulfametoxazol-trimetoprima: o 1º disponível, mas o se tegumentar americana era conhecida como úlcera de
menos eficaz, reservado apenas a doentes com mui- Bauru.
tas comorbidades que não possam ser tratados com A leishmaniose visceral (doença de Kala-azar) é comu-
medicações mais fortes como a anfotericina B. A dose mente abordada na Infectologia.
habitual é de SMZ, 800mg, e TMP, 160mg, geralmente

DERMATOLOGIA
de 18 a 24 meses, até a total cicatrização das lesões; A - Epidemiologia
- Itraconazol: da classe dos imidazólicos, que vieram É uma doença que pode ser considerada de caráter zoo-
revolucionar o tratamento das micoses em geral; veio
fílico (animais domésticos e selvagens), e o homem acaba
em substituição ao uso do cetoconazol, que apesar de
sendo infectado acidentalmente. Não há contágio inter-hu-
eficaz provocava muita hepatotoxicidade quando em
mano (exceto por transfusão sanguínea). A infecção envol-
uso prolongado. A dose de itraconazol é de 200mg/dia
ve a participação de um mosquito vetor cujo habitat natural
por 12 a 24 meses, sendo considerado o tratamento
é a floresta, por isso, com o avanço do desmatamento, hou-
padrão-ouro;
ve um aumento da incidência da leishmaniose tegumentar
- Anfotericina: droga de 1ª linha para os casos graves americana. Há também associação à ocupação desordena-
com disseminação, em regime hospitalar; também é da nas periferias próxima a encostas e áreas de mata nativa.
indicada aos casos de hepatopatias em que são con- Pode ser encontrada em todos os estados da Federação, e
traindicados os imidazólicos. A administração é com- as menores incidências estão nas regiões Sul e Sudeste. O
plexa e requer supervisão devido ao risco de reações período de incubação pode variar de semanas a anos (mé-
graves. Alterações eletrocardiográficas (a maioria pela dia de 2 meses).
hipopotassemia devido à ação renal da droga) e hema-
tológicas são esperadas. As contraindicações absolutas B - Fisiopatologia
são nefropatia e cardiopatia grave.
A Leishmania é transmitida pela picada do mosqui-
Tabela 14 - Doenças fúngicas to vetor (os gêneros mais encontrados são Lutzomyia e
- As doenças fúngicas são classificadas em micoses superficiais Plebothomus) que normalmente adquire o protozoário ao
e profundas; picar hospedeiros intermediários (animais domésticos ou
- As micoses superficiais mais relevantes são as dermatofitoses, selvagens) e posteriormente os humanos suscetíveis. No
pois são as mais frequentes na prática clínica; 1º caso, os protozoários estão na forma amastigota e so-
- As candidoses frequentemente acometem indivíduos com al- frem transformação para a promastigota (com flagelos para
guma predisposição, sendo na normalidade apenas parte da locomoção) no interior dos mosquitos vetores. Esta última
flora mucocutânea; é a forma transmitida ao homem, mas em seguida volta à
- As micoses profundas fazem diferencial com lesões ulceradas amastigota, fechando o ciclo da transmissão.
ou lesões verrucosas e muitas vezes tornam-se crônicas/recidi- Como em outras doenças, a participação do sistema
vantes mesmo após os tratamentos preconizados. imunológico interfere na apresentação clínica, pois pa-
cientes com resposta TH1 bem elaborada desenvolvem le-
VI. Doenças protozoárias e parasitárias sões cutâneas localizadas, enquanto aqueles com resposta
Os protozoários são seres unicelulares com membrana TH2 apresentam quadros mais disseminados cutâneos e
nuclear organizada (eucariontes) com diferentes organis- mucocutâneos (bem como as formas sistêmicas conheci-
mos incluídos nesse grupo. Podem-se citar, por exemplo, as das como Kala-azar). Não há relatos de desenvolvimento
Leishmanias sp. de imunidade cruzada entre as espécies de Leishmania.
Para facilitar a didática, englobam-se nesse subgrupo,
também, as doenças provocadas por parasitas que são se-
C - Quadro clínico
res mais desenvolvidos como os ácaros que causam a esca- A apresentação clínica depende tanto da espécie envol-
biose e a pediculose. vida como da resposta imunológica.

31
DERMATOLOG I A

Tabela 15 - Apresentações clínico-laboratoriais da leishmaniose


Leishma- Quadro Imuni- Monte-
Sorologia
niose clínico dade negro
Lesão única
Cutâneo- Fraca ou
ou poucas TH1 Positivo
mucosa negativa
lesões
Cutânea Múltiplas
TH2 Negativo Alta
difusa lesões
Sem lesões
Visceral TH2 Negativo Alta
de pele

A Leishmania amazonensis é encontrada principalmente


na região Norte, mas há relatos no Nordeste e Sudeste, tendo
como vetores associados os mosquitos do gênero Lutzomyia sp. Figura 23 - Leishmaniose: acometimento mucoso com infiltração
A forma mais comum é a apresentação clássica da leish- da região nasal
maniose cutânea – uma úlcera bem delimitada, de fundo
limpo e borda “em moldura”, com alguns centímetros de D - Métodos diagnósticos
tamanho. A outra manifestação é a cutânea difusa com infil-
tração, pápulas e vários nódulos disseminados lembrando a O diagnóstico se faz da associação entre o quadro clíni-
hanseníase virchowiana. co e dados epidemiológicos, sendo importante a presen-
A Leishmania viannia guyanensis é encontrada também na ça em áreas endêmicas da doença. Havendo a suspeita,
região Norte, tendo o mesmo mosquito vetor da anterior. O pode-se confirmar por meio de métodos laboratoriais di-
quadro clínico é na maioria das vezes apenas cutâneo, e são versos. A positividade desses exames também estará cor-
muito raras as lesões mucosas. Recebe a denominação de Pian relacionada com a resposta imunológica do hospedeiro.
bois e pode ser caracterizada por lesões únicas ou múltiplas. Assim, têm-se:
A Leishmania viannia brasiliensis é encontrada também - Exame de esfregaço da lesão: tende a ser positivo em
nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Sul, em áreas de co- formas de disseminação da doença nas quais as lesões
lonização próximas à Mata Atlântica, além de ser o agente são ricas em parasitas devido à resposta imunológica
mais frequente da leishmaniose nessas áreas. Nesses casos, pobre. Nesses casos, o raspado da lesão é corado pelo
assume um caráter endêmico e é mais frequente em crian- método de Giemsa com visualização dos parasitas no
ças. Essa variedade pode ter tanto formas cutâneas localiza- interior dos macrófagos;
das (úlceras “em moldura”) quanto disseminadas, principal- - Exame histopatológico: pode mostrar grande quanti-
mente para mucosa nasal, causando importante destruição dade de leishmânias como nos casos já relatados ou
do septo e edema do lábio superior. Formas cutâneas disse- então uma resposta granulomatosa bem elaborada
minadas também são relatadas em pacientes com resposta e caracterizada pelo risco infiltrado de plasmócitos.
imunológica pobre; nesses casos de disseminação, o para- Portanto, é difícil encontrar os parasitas, pois são eli-
sita se espalha pela via linfática e hematogênica. A forma minados pelo sistema imune;
difusa, com nódulos múltiplos lembrando a hanseníase vir- - Cultura da lesão: o material deve ser semeado em
chowiana, já foi descrita, no entanto é rara.
meio NMN (Novy-McNeal-Nicolle), e a positividade é
Resumindo, têm-se quadros cutâneos localizados ca-
maior nos casos disseminados;
racterizados por 1 ou poucas úlceras bem delimitadas com
borda “em moldura” e fundo limpo nos pacientes com
- Intradermorreação de Montenegro: na realidade,
resposta imunológica boa do tipo TH1; nos pacientes com aponta mais para o estado imunológico dos doentes
resposta pobre tipo TH2, ocorre a disseminação dos parasi- do que como método diagnóstico propriamente dito.
tas, surgindo lesões ulcerosas múltiplas, lesões nodulares, Sua positividade é maior nos pacientes com resposta
lesões vegetantes e/ou lesões de mucosas. TH1, mesmo aqueles de áreas endêmicas que tiveram
contato e foram curados ou nem desenvolveram a do-
ença. Acaba por ser negativo nos casos de lesões dis-
seminadas e nas formas viscerais, nos quais a resposta
imune é pobre do tipo TH2. Além disso, tem grande
valor nos casos em que a reação é negativa e o pacien-
te apresenta lesão ulcerada única, sendo descartada a
leishmaniose, pois, para manter o quadro controlado
em apenas 1 lesão, ele deveria ter uma resposta imu-
Figura 22 - Leishmaniose: úlcera com borda emoldurada bem deli- nológica boa do tipo TH1. Então, o Montenegro deverá
mitada e fundo limpo na região cervical ser positivo;

32
DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS

- Sorologias: com métodos de imunofluorescência indi- 7 dias. Pacientes com baixa imunidade, como na AIDS, po-
reta ou ELISA, podem ser encontrados anticorpos para dem desenvolver formas exuberantes ditas de sarna crostosa
Leishmania, sendo a positividade maior nos pacientes norueguesa. O prurido intenso parece estar relacionado a
com uma resposta tipo TH2 com predomínio humo- uma resposta imunológica contra o parasita e pode persistir
ral ante ao celular (formas disseminadas e viscerais). por dias, mesmo após o sucesso no tratamento.
Podem ocorrer falsos positivos em indivíduos com do-
ença de Chagas. A dosagem dos títulos também pode C - Quadro clínico
ser útil para acompanhar o tratamento, e deve ocorrer a A condição sine qua non é a presença do prurido, que
diminuição destes nos primeiros meses de tratamento. é constante, mas piora muito à noite, com o aumento da
Para pacientes com sinais de leishmaniose visceral gra- temperatura corporal e da atividade do parasita.
ve, deve-se realizar o aspirado de medula óssea para o diag- Na forma clássica do adulto, surgem pápulas eritema-
nóstico parasitológico. tosas em algumas áreas-chave: axilas, inframamárias, in-
O diagnóstico diferencial se dá com úlceras cutâneas guinais e genitais. O encontro de uma lesão linear pode
(úlcera tropical, ectima, pioderma gangrenoso, úlceras ve- ser patognomônico, pois representa o túnel escavado pelo
nosas e arteriais e carcinoma espinocelular). parasita (que muitas vezes pode ser visualizado numa das

DERMATOLOGIA
As formas vegetantes fazem diferencial com PLECT (pa- extremidades). A face é sempre poupada.
racoccidioidomicose, esporotricose, tuberculose e cromo- Nas crianças menores de 1 ano, deve-se acrescentar o pos-
micose). sível acometimento do couro cabeludo e de espaços interdigi-
As lesões mucosas são diferenciadas do granuloma letal tais e regiões palmoplantares. Nos idosos, o prurido pode ser a
da linha média, um tipo de linfoma, e da Pb-micose. única manifestação, e o diagnóstico passa a ser difícil.
A sarna crostosa norueguesa manifesta-se com placas
E - Tratamento verrucosas ceratósicas em extremidades e dobras nas quais
podem ser encontrados milhões de parasitas, por isso a for-
A droga de escolha é o Glucantime® (N-Metil gluca- ma mais contagiosa.
mina), um antimonial pentavalente. A dose varia de 15 a
20mg/kg/dia, por via intramuscular ou intravenosa, sendo
o tratamento inicial por 20 dias. Os principais efeitos cola-
terais são cardíacos e renais, e é necessário o controle peri-
ódico com eletrocardiograma e função renal.
Casos resistentes são tratados com anfotericina B e pen-
tamidina.

2. Escabiose
Sinonímia: sarna. Infestação cutânea pelo ácaro
Sarcoptes scabiei, intensamente pruriginosa e altamente
contagiosa.

A - Epidemiologia
Figura 24 - Escabiose: forma comum com pápulas eritematosas
A doença é universal e acomete ambos os sexos, e popu- isoladas e pruriginosas no abdome
lações aglomeradas são mais atingidas. Não há relação com
má higiene, mas naqueles em que ela é adequada o quadro
é mais discreto (“sarna de pessoas limpas”). A variedade
do S. scabiei é a homini, já que outros animais domésticos
também podem apresentar a sarna. O contágio se dá pelo
contato inter-humano, e quase sempre há relatos de fami-
liares acometidos. A transmissão por fômites contaminados
também é possível.

B - Fisiopatologia
A variedade homini é exclusivamente dependente da
pele humana, onde faz túneis para a deposição de ovos no
extrato córneo. Eles costumam eclodir cerca de 10 a 14 dias
depois, o que é um dado relevante para o tratamento. Fora
da pele humana, o parasita sobrevive por aproximadamente

33
DERMATOLOG I A

- Pediculose do corpo: chamada doença dos vagabun-


dos, pois acomete mais indigentes com má higiene
pessoal e que cursam com lesões no tronco. Causada
pelo Pediculus humanus var. corporis;
- Pediculose pubiana: considerada uma DST e é conhe-
cida como chato, sendo o agente causador o Phthirus
pubis.

As doenças são universais, acometendo, da mesma ma-


neira, tanto homens como mulheres.

B - Fisiopatologia
Na pediculose do couro cabeludo e na pubiana, o pa-
Figura 25 - Escabiose: forma da sarna crostosa norueguesa em do- rasita se instala no pelo, enquanto na forma do corpo ele
ente imunossuprimido permanece nas roupas que não são higienizadas. O inseto
vive da sucção do sangue humano.
D - Métodos diagnósticos
O diagnóstico é clínico e, na maioria dos casos, duvi- C - Quadro clínico
doso. Faz-se o tratamento empírico para confirmá-lo. Em As 3 formas diferem em vários aspectos:
alguns casos, pode-se encontrar o parasita com a escarifica-
ção da lesão e análise em microscopia. Não existem méto-
- Pediculose do couro cabeludo: cursa com intenso pru-
dos de diagnose laboratoriais. rido e pode acometer os cílios e a sobrancelha. Para o
O diagnóstico diferencial se dá com farmacodermias, diagnóstico, devem-se visualizar diretamente o para-
prurido na pele asteatósica, dermatite atópica e dermatite sita e/ou suas lêndeas aderidas à haste dos pelos. A
de contato. ajuda de pentes finos pode ser providencial. A trans-
missão inter-humana é frequente, principalmente en-
E - Tratamento tre as crianças. Escoriações com infecção secundária e
adenopatia cervical são comuns;
Pode ser feito com medicações tópicas como a perme-
trina (mais eficaz, é a 1ª linha) e o monossulfiram. Nesses - Pediculose do corpo: cursa com prurido e escoriações
casos, as medicações são aplicadas à noite, permanecendo no corpo, mas os parasitas são encontrados nas roupas
por 12 horas. São feitos 2 ciclos de 5 dias, reservando um de cama (como acampamentos militares) e nas pesso-
espaço entre eles para tratamento dos ovos que eclodem ais (indigentes). Pode levar à transmissão do tifo e da
posteriormente. Os fômites e roupas pessoais e de enxoval febre das trincheiras. No exame dermatológico, só são
devem ser higienizados e/ou trocados diariamente. Os con- encontrados pequenos pontos hemorrágicos no local
tatos pessoais também merecem tratamento para controle das picadas dos insetos. Devem-se tratar apenas as
da infestação. O prurido pode persistir após o tratamento, roupas;
e são indicados anti-histamínicos como o hidroxizina para - Pediculose pubiana: DST comum em adolescentes
a sua melhora. Casos mais resistentes e disseminados po- e adultos jovens, cujo principal achado é o prurido.
dem receber a ivermectina, VO, de acordo com o peso, Poucos sinais cutâneos estão presentes, como as es-
200μg/kg/dose (normalmente, 12mg/dia para um adulto). coriações locais, no entanto uma lesão característica é
Crianças menores de 5 anos não devem receber ivermecti- a mácula cerúlea, sendo uma mancha pálida no local
na, e gestantes e recém-nascidos devem ser tratados com da picada que surge pela ação de anticoagulantes da
enxofre em pasta d’água durante 5 dias. saliva do inseto. A demonstração das lêndeas e/ou dos
ácaros leva ao diagnóstico de certeza. Presença do pa-
3. Pediculose rasita em regiões como sobrancelhas e cílios de crian-
Sinonímia: piolhos. Infestação pruriginosa por um ácaro ças pode ser indício de violência sexual.
com 3 variedades, altamente contagiosa.
D - Métodos diagnósticos
A - Epidemiologia Não há exames laboratoriais para auxílio no diagnósti-
Há 3 formas diferentes de pediculose: co das 3 formas de pediculose. Os pacientes normalmente
- Pediculose do couro cabeludo: causada pelo Pediculus vêm com a queixa de prurido, mas a maioria já vem com o
humanus var. capitis, é a mais comum das 3, originan- diagnóstico pronto, solicitando unicamente a indicação do
do frequentes epidemias em escolas e creches; tratamento.

34
DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS

E - Tratamento O diagnóstico diferencial só cabe na forma furunculoide,


em que, obviamente, é feito com os furúnculos bacterianos.
Escabicidas tópicos, como o lindano e a permetrina, são
altamente eficazes para matar os insetos adultos e os ovos
E - Tratamento
nas 2 apresentações, nas quais é requisitado o tratamento.
Casos de infestações repetitivas e intensas podem necessi- Na forma secundária, o tratamento é mais fácil, pois as
tar da ivermectina. Parceiros sexuais devem ser tratados na larvas estão muito expostas e com fácil acesso. Assim, po-
forma pubiana. dem ser mortas com éter e, em seguida, são retiradas por
catação simples.
4. Miíase Já na forma furunculoide, como a larva penetra em ca-
Manifestação causada por larvas de dípteros (moscas madas mais profundas da pele e o orifício de saída é peque-
domésticas) que se subdivide em 2 grupos principais: miía- no, é preciso superficializar o corpo da larva. Tal processo
se primária e miíase secundária, cada qual com um agente pode ser realizado com a obstrução do orifício (normalmen-
específico. Popularmente, são chamadas de Berne. te com esparadrapo, ou com receitas caseiras com bacon),
pois fica sufocada e se dirige à superfície, tornando mais

DERMATOLOGIA
A - Epidemiologia fácil a compressão da lesão.
A ocorrência é maior em áreas rurais e em localidades Tabela 16 - Diferencial das miíases
periféricas com más condições sanitárias. Pode ocorrer em Característica Miíase primária Miíase secundária
qualquer idade, mas crianças estão mais expostas. Não há
Mosquito vetor Participa Não participa
predileção racial ou sexual.
Localização Qualquer área exposta Lesão aberta prévia
B - Fisiopatologia Tipo lesão Furunculoide Ulcerosa
Tratamento Extração/remoção Catação simples
O mecanismo de transmissão é diferente nas 2 formas:
- Miíase primária: os ovos não são depositados direta-
mente na pele do hospedeiro, mas em outras moscas 5. Tungíase
e mosquitos vetores. Só após o contato com esses
É uma infecção superficial causada por um inseto (pul-
atravessadores o indivíduo é parasitado pela larva (pa-
ga) que tem certa morbidade em virtude de lesões doloro-
rasita obrigatório). A mosca envolvida nesse tipo é a
sas na região plantar.
Dermatobia hominis;
- Miíase secundária: os ovos são depositados pelas mos- A - Epidemiologia
cas em áreas de necrose tecidual (ferimentos abertos)
em que há maior facilidade para parasitismo (parasita É endêmica em certas regiões da Ásia, América Central
ocasional). As espécies relacionadas a essa forma são e continente sul-americano. Trabalhadores rurais que não
Cochliomyia macellaria (mosca varejeira) e Lucilia sp. usam calçados estão mais expostos.

C - Quadro clínico B - Fisiopatologia


A forma primária apresenta-se como uma lesão furun- É causada pela pulga Tunga penetrans, e o mecanismo
culoide com pequeno orifício em que é possível perceber de contágio é o contato com areia em solo contaminado,
movimentos da larva e a saída de secreção serosa. Pode onde o inseto vive na forma adulta; a fêmea é capaz de pe-
surgir em qualquer localização, com mais frequência em netrar na pele e se aprofundar até atingir a derme superfi-
áreas em que houve contato com insetos (partes descober- cial, onde consegue sugar os vasos sanguíneos. Permanece
tas) e couro cabeludo.
no hospedeiro por no máximo 2 semanas e, nesse período,
A forma secundária acontece quando o paciente apre-
produz vários ovos que caem no solo, reiniciando o ciclo.
senta uma lesão com tecido necrótico (por exemplo, uma
úlcera venosa crônica, uma grande massa tumoral de car-
C - Quadro clínico
cinoma cutâneo etc.) que atrai as moscas e elas depositam
os ovos diretamente na ferida aberta. Ao eclodirem, geram A lesão consiste em um nódulo endurecido que pode
larvas que parasitam e se alimentam do tecido desvitalizado. ter de 0,5 a 1cm de diâmetro com um ponto enegrecido na
superfície, correspondendo ao corpo da Tunga penetrans.
D - Métodos diagnósticos As regiões plantares, interdigitais e subungueais são as mais
O diagnóstico é totalmente clínico, atentando-se à epi- habitualmente atingidas. Quanto aos sintomas, o paciente
demiologia (visita a áreas rurais) e à observação do movi- pode queixar-se de prurido e dor à deambulação devido às
mento das larvas na lesão. lesões plantares, o que se torna algo incapacitante.

35
DERMATOLOG I A

Figura 26 - Tungíase: pápula endurecida com ponto enegrecido


central no calcanhar

D - Métodos diagnósticos
O diagnóstico é clínico e não necessita de exame labo-
ratorial. Alguns nódulos são retirados sem haver a suspeita
e enviados para exame anatomopatológico, quando há a
confirmação da infestação. A dermatoscopia é um método
simples e rápido que pode aumentar a acurácia diagnóstica.
Os principais diagnósticos diferenciais são feitos com as
verrugas plantares e com calosidades puntadas.

E - Tratamento
Consiste na destruição do nódulo com a morte do inseto
e pode ser realizado com crioterapia, eletrocoagulação ou
curetagem simples e cauterização química.
Tabela 17 - Doenças protozoárias e parasitárias
- As doenças protozoárias podem ser provocadas por parasitas
intracelulares (leishmaniose) ou externos (escabiose, pedicu-
lose);
- A apresentação clínica da leishmaniose também depende da
resposta imunológica;
- A escabiose é uma doença universal, porém em pessoas com
boa higiene o quadro pode ser discreto;
- A pediculose é causada por diferentes agentes de acordo com a
região afetada: couro cabeludo, pubiana e corporal;
- As miíases devem ser classificadas em primárias e secundárias.

36
CAPÍTULO

3
Doenças eczematosas
Alexandre Evaristo Zeni Rodrigues

1. Introdução b) Fisiopatologia
O agente irritativo pode ser classificado, em absoluto,
O termo “eczema” é usado pra englobar doenças hete-
como um forte ácido ou cáustico, que com apenas um único
rogêneas que se manifestam com um padrão de reação da
contato pode provocar uma dermatite intensa. Já os agen-
pele caracterizado por uma inflamação cutânea superficial,
tes irritativos relativos são menos potentes, e necessitam
que pode ter evolução aguda, subaguda ou crônica. Outro
de exposições graduais e repetidas para levarem ao quadro
termo utilizado é dermatite, e ambos, sendo genéricos,
de eczema. Além disso, fatores do organismo também po-
necessitam de um aprofundamento para se chegar à cau-
dem ser implicados, pois nas situações em que a barreira
sa (pode-se comparar à anemia, que é um termo genérico
cutânea é mais fraca (como, por exemplo, em pacientes
de um estado hematológico, mas que, com a investigação,
com pele ressecada que têm uma menor camada do manto
chega-se a uma causa específica).
lipídico protetor), pode haver maior propensão para o ecze-
Os principais eczemas são: de contato, atópico, sebor-
ma de contato por irritante primário. Não há participação
reico e numular; todos serão abordados individualmente.
do sistema imunológico no sentido alérgico.

2. Eczema de contato c) Quadro clínico


Os irritantes absolutos costumam provocar quadros aci-
Os eczemas de contato são inflamações geradas pela
dentais com apresentação aguda de uma dermatite – placa
ação de substâncias na superfície da pele, sendo muito
eritematosa e edematosa com ou sem bolhas, em que a dor
frequentes (representam 15 a 25% da prática clínica na
é mais importante que o prurido, sendo esta normalmente
Dermatologia) e divididos em 2 grupos bem distintos.
do tipo ardor/queimação. A lesão fica restrita ao local de
contato com a substância. Não há suscetibilidade individu-
A - Eczema de contato por irritantes primários
al (pode ocorrer com qualquer um). Um exemplo seria um
Os eczemas de contato por irritante primário acabam derramamento acidental de ácido clorídrico nas mãos.
ocorrendo, pois os agentes causadores já têm um poder in- Já os irritantes relativos têm uma ação mais silenciosa e
trínseco de irritação por serem substâncias ácidas ou cáus- dependem muito da fraqueza individual do paciente, como
ticas, causando um processo inflamatório inespecífico no também de exposições repetidas para provocar as alte-
exato local de contato com o agente. rações inflamatórias. As manifestações são mais de ecze-
ma subagudo com leve eritema, descamação e fissuras.
a) Epidemiologia
Também ficam restritas à área de contato com a substân-
É de longe a causa mais comum de eczema e, dentro do cia. O ardor é o sintoma predominante. Um exemplo seria
subgrupo de contato, representa 80% dos casos. Isto é com- a dermatite das donas de casa causada pela exposição fre-
preensível, pois é um processo irritativo pelo poder intrín- quente aos detergentes de louça.
seco da substância envolvida, sendo passível de acometer
qualquer pessoa e não apenas aquelas com predisposição d) Métodos diagnósticos
alérgica. As mulheres são mais afetadas, sendo muito co- Esse tipo de eczema é de diagnóstico clínico, pois não há
mum em donas de casa devido à exposição com agentes exames específicos que apontam para a causa. Uma história
de limpeza do lar. Dentro do mesmo raciocínio, é também a minuciosa é fundamental: devem-se buscar atividades do
causa mais comum das dermatoses ocupacionais. trabalho, hobbies e hábitos de higiene. O teste de contato,

37
DERMATOLOG I A

se realizado, deve ser negativo. Em alguns casos, a biópsia de lazer. Devido a isso, uma história muito bem detalhada é
para exame anatomopatológico precisa ser realizada para importante para identificar o agente causador.
diferenciar-se de quadros como a psoríase palmoplantar. Numa fase aguda surgem placas eritematosas e edema-
O principal diagnóstico diferencial é com o eczema de tosas, às vezes com bolhas e exsudação. Com a evolução,
contato alérgico, e muitas vezes isso só é possível com a as lesões tornam-se subagudas com eritema, descamação
ajuda do teste de contato (patch test). e crostas. No último estágio de eczema crônico, surge o es-
e) Tratamento pessamento chamado liquenificação, às vezes com fissuras.
Inicialmente, deve-se controlar a inflamação com uso O tempo de surgimento não é imediato, como nos casos
de corticoides; estes são administrados sistemicamente nos dos irritantes absolutos, podendo levar de 1 a 2 dias para
casos mais graves e tipicamente nos casos menos exuberan- início dos sinais e sintomas.
tes. Anti-histamínicos podem ser usados para alívio do pru- Uma diferença para o eczema irritativo é que as lesões
rido. A exsudação pode ser amenizada com compressas de podem aparecer em locais à distância de onde ocorreu o con-
permanganato de potássio. Após o controle da inflamação, tato e as primeiras manifestações, pois, no eczema alérgico,
é necessário restaurar a barreira cutânea com uso de emo- há disseminação do quadro com a sensibilização do sistema
lientes/hidratantes. As luvas também devem estar presen- imunológico. Pacientes sensibilizados estão sujeitos ao apa-
tes nas atividades laborativas, mesmo sendo nas atividades recimento de casos graves de eritrodermia. Entre os sinto-
do lar, contrariando a vontade da maioria das donas de casa
mas, o prurido é bem mais feroz que nos outros eczemas.
que relutam em usá-las.

B - Eczema de contato alérgico


Os eczemas de contato alérgico obrigatoriamente envol-
vem a sensibilização do sistema imunológico, sendo, por-
tanto, restrito às pessoas que desenvolvem uma hipersen-
sibilidade.
a) Epidemiologia
Por ser um quadro restrito a pessoas com hipersensibili-
dade, acaba tendo uma frequência menor que o eczema ir-
ritativo, tendo uma prevalência de 0,5 a 1,5% da população
avaliada. Com o passar dos anos, vão ocorrendo mudan-
ças nos agentes químicos implicados como, por exemplo,
o timerosal que era usado no Merthiolate® e que hoje foi
substituído pela clorexidina. É mais comum em mulheres,
porém não há predileção por raça, sendo raro em crianças
e idosos.
Figura 1 - Eczema agudo: eritema, edema e exsudação em região tibial
b) Fisiopatologia
A reação de hipersensibilidade em questão é a tardia do
tipo IV de Gell-Coombs. Em sua 1ª fase, dita fase de sensi-
bilização, há apresentação do antígeno em contato com a
pele, que é processada pelas células de Langerhans, e este
é levado aos linfócitos T. Esse processo pode durar 10 dias
ou anos (com exposições repetidas), dependendo do poder
alergênico da substância envolvida. Após a sensibilização,
o indivíduo irá desenvolver as manifestações clínicas so-
mente numa próxima exposição, caracterizando, assim, a
fase de elicitação. Nesse tipo de eczema, a perda da função
de barreira da pele (como nos atópicos com pele xerótica/
seca) não aumenta a incidência.
c) Quadro clínico
As substâncias alergênicas costumam provocar quadros
eczematosos insidiosos e obscuros, nos quais não se per-
cebe quem é o culpado. São produtos usados no dia a dia Figura 2 - Eczema subagudo: eritema, leve edema e descamação
em diversas situações no trabalho, no lar e em atividades em abdome

38
D O E N Ç A S E C Z E M AT O S A S

e) Tratamento
As medidas iniciais são as mesmas de todos os eczemas,
e visam ao controle da inflamação com uso de corticoides;
esses são administrados sistemicamente quando há indí-
cios de sensibilização e podem ser continuados topicamen-
te com a melhora. A mais utilizada é prednisona na dose
de 1mg/kg e desmame posterior; topicamente, pode-se
usar betametasona ou outro fármaco de alta potência. Os
anti-histamínicos são empregados no controle do prurido.
A medida mais importante seria descobrir o agente aler-
gênico e evitar o contato direto com a pele; isso pode ser
Figura 3 - Eczema crônico: eritema, descamação e liquenificação possível pela anamnese, mas muitas vezes somente após o
teste de contato.
d) Métodos diagnósticos
Tabela 2 - Diferenças de eczema alérgico x irritante primário
Na maioria dos casos, só se chega ao agente implicado

DERMATOLOGIA
com a ajuda do teste de contato (patch test). Por intermé- Características Alérgico Irritante primário
dio dele, determina-se a qual substância que o paciente está Respeita áreas de contato Não Sim
sensibilizado e, a partir daí, pela história clínica, faz-se a cor- Requer exposição prévia Sim Não
relação com o produto que pode estar sendo utilizado; por Surgimento imediato Não Sim
exemplo, um paciente que tenha uma positividade no teste Envolvimento Langerhans Sim Não
de contato para a neomicina e que vinha usando uma poma-
da para tratamento de uma úlcera varicosa. Entre os agentes
mais implicados nas dermatites de contato alérgicas, estão:
3. Eczema atópico
- Níquel: é o principal de todos, sendo encontrado na Também chamado de dermatite atópica, é uma doença
liga de diversos materiais metálicos (relógios, bijute- multifatorial (genética, ambiental, social e emocional) ca-
rias, cintos etc.); racterizada por prurido marcante, além de outros achados
- Neomicina: antibiótico usado em diversas pomadas; clínicos típicos.
- Dicromato de potássio: encontrado em cimento/cons-
trução civil; A - Epidemiologia
- Formaldeído e parabeno: conservantes de diversos Habitualmente, inicia-se na infância, sendo na maioria
cosméticos; após o 4º ou o 5º mês (95% dos casos têm início antes dos 5
- Parafenilenodiamina: tinturas de cabelo. anos de idade). Pode prevalecer em qualquer idade, já que
20% dos que iniciaram na infância ainda persistem com a
Tabela 1 - Teste de contato doença quando jovens, adultos e até mesmo idosos. Muitos
Produto alergê- Positividade do teste pacientes têm história pessoal e/ou familiar de hipersensi-
Ocupação
nico cutâneo bilidade tipo I (rinite, asma, urticária etc.). Vem ocorrendo
Construção civil Cimento Dicromato de K+ aumento da incidência nos últimos anos, principalmente
Aceleradores em países de 1º mundo (a prevalência da dermatite atópica
Borracheiros Carba mix é menor nas classes sociais mais baixas – talvez pela menor
borracha
Profissionais de preocupação com a higiene). Não há preferência por sexo
Desinfetantes Formaldeído ou raça. A morbidade causada pelo prurido é motivo de in-
saúde
Profissionais de capacidade para o trabalho de escola.
Cosméticos Bálsamo-do-Peru
estética
Indústria siderúr-
B - Fisiopatologia
Óleos de corte Próprio óleo
gica Como já dito, é uma doença multifatorial. Entre os as-
Indústria têxtil Corantes Parafenilenodiamina pectos envolvidos estão:
Cabeleireiros Alisantes Tioglicolato de amônia - Imunológica: há um desbalanço com predomínio da
atividade TH2 nos linfócitos, cursando com aumento
Novamente, o diagnóstico diferencial se faz com a der- de algumas interleucinas como IL-4 e IL-5. Muitos tam-
matite de contato por irritante primário, sendo as diferen- bém possuem hipersensibilidade tipo I, exibindo um
ças discutidas na parte clínica apresentada anteriormente. aumento sérico de IgE;
Psoríase, tinhas e farmacodermias também entram como - Constitucional: pacientes apresentam a pele xerótica
diferencial; sendo muitas vezes necessário o exame anato- (seca) devido a defeitos na produção de lípides cutâ-
mopatológico. neos (ceramidas), que possuem importante papel na

39
DERMATOLOG I A

função protetora de barreira. Também foram descritas minada por herpes provocando lesões vesicocrostosas por
alterações de proteínas do cimento intercelular como toda a pele, além de manifestações sistêmicas semelhantes
a filagrina; à sepse. Infecções fúngicas simples e virais, como verrugas
- Ambiental: uma menor exposição a alérgenos na in- e molusco contagioso, são mais comuns nos atópicos.
fância pode aumentar, paradoxalmente, a incidência
Tabela 3 - Critérios de dermatite atópica
da dermatite atópica; isso ocorre quando há excessi-
Maiores (sempre presentes)
vos cuidados de higiene, fato mais comum entre os
indivíduos de classes sociais mais altas; - Prurido;
- Genética: muitas das alterações já citadas provêm de - Quadro crônico recorrente;
alterações genéticas; e uma criança cujos pais pos- - Lesões eczematosas típicas (crianças nas faces extensoras e
suem antecedentes de rinite, asma e a dermatite pro- adultos nas dobras).
priamente dita, tem 50% de chance de desenvolver a Menores (2 ou mais)
doença; - História pessoal ou familiar de atopia;
- Infecciosa: alguns autores acreditam que a coloniza- - Dermografismo branco;
ção por S. aureus (que nos atópicos é maior) possa fun- - Prick test positivo ou IgE positivo;
cionar como um superantígeno levando à inflamação - Cataratas anteriores subcapsulares;
crônica e recorrente.
- Ceratocone;

C - Quadro clínico - Xerose;


- Pitiríase alba;
A dermatite atópica se manifesta com placas eritemato-
- Queratose pilar;
descamativas com exsudação e crostas nas fases agudas e
- Prega de Dennie-Morgan.
liquenificação nas fases crônicas. A distribuição das lesões é
uma característica e depende da idade:
- Recém-nascidos: acometimento de couro cabeludo e
face (poupando o centro facial), além de superfícies
extensoras de extremidades. Poupa a área das fraldas;
- Adultos: as lesões se localizam em dobras/superfícies
flexoras como fossas cubitais e poplíteas, pescoço e
pálpebras. As lesões elementares são as mesmas dos
recém-nascidos, já descritas.

O prurido é obrigatório (critério maior) e chega a ser tão


intenso que provoca escoriações múltiplas. A atopia, carac-
terizada pela hipersensibilidade mediada por IgE, também
é presente; é acompanhada por sintomas respiratórios
como rinite e asma. A pele xerótica/seca é quase sempre
presente no quadro clínico. Figura 4 - Dermatite atópica: criança com placas eritematosas,
Algumas manifestações particulares são chamadas de descamação e crostas em região malar e extremidades
estigmas atópicos e consideradas como critérios menores:
- Pitiríase alba: máculas hipocrômicas com descamação
fina, comuns na face e braços;
- Queratose pilar: pápulas foliculares ceratósicas em
braços;
- Prega de Dennie-Morgan: dupla prega palpebral infe-
rior;
- Alterações oculares: cataratas subcapsulares anterio-
res e ceratocone.
A evolução é sempre crônica e recorrente, sendo pos-
sível o controle da doença com tratamento e acompanha-
mento dermatológico.
Podem ocorrer complicações graves, podendo levar ao
óbito se não tratadas a tempo. Entre elas estão a eritroder- Figura 5 - Dermatite atópica: criança com placas em base eritema-
mia e a erupção variceliforme de Kaposi – infecção disse- tosa e crostas em região da panturrilha direita

40
D O E N Ç A S E C Z E M AT O S A S

D - Métodos diagnósticos é medida controversa, pois alguns autores atribuem aler-


gias ao leite ou corantes, mas os níveis de evidência que
O diagnóstico de dermatite atópica é eminentemente
comprovem tal associação são fracos.
clínico, visto que suas lesões pruriginosas possuem locali-
zações típicas, e que a história de atopia e a evolução re-
corrente permitem chegar facilmente à etiologia do ecze- 4. Eczema seborreico
ma. Alguns exames podem ajudar, como a dosagem eleva- Sinonímia: dermatite seborreica. É uma doença infla-
da de IgE. A solicitação dos testes alérgicos não é funda- matória crônica que acomete regiões ricas em glândulas se-
mental e nem consenso, pois a causa da dermatite atópica báceas como a face e o couro cabeludo, e que em sua forma
é multifatorial e não somente de hipersensibilidade. leve é conhecida como “caspa”.
O diagnóstico diferencial é importante e difícil em al-
guns casos: A - Epidemiologia
- Recém-nascidos: o principal é com a dermatite sebor- É uma doença muito frequente, chegando em alguns
reica, que costuma aparecer antes dos 5 meses e estudos à incidência de 5% da população, número esse que
atingir a área das fraldas. Escabiose também é muito

DERMATOLOGIA
pode ser subestimado, pois muitos pacientes, com casos le-
pruriginosa, mas se caracteriza por lesões papulosas, ves, não procuram o atendimento médico (alguns estimam
principalmente nos espaços interdigitais. A psoríase números ao redor de 20%). Uma incidência maior é vista em
e a dermatite de contato são raras nas crianças, mas pacientes com HIV e doenças neurológicas, como a doença
podem entrar no diferencial; de Parkinson, sendo que nestes as manifestações são mais
- Adultos: a dermatite de contato é o principal diferen- intensas. A prevalência nos homens é levemente maior por
cial. Eczema numular também é semelhante a placas provável influência hormonal. Pode acometer qualquer faixa
de dermatite atópica com infecção secundária. Na etária, com pico maior em adultos jovens (4ª década).
tinha do corpo, as lesões são assimétricas e com bor-
das elevadas, mas alguns casos tratados com corticoi- B - Fisiopatologia
des podem espalhar, simulando atopia. Doença de causa desconhecida que parece estar corre-
lacionada a um estado de hipersensibilidade à presença de
E - Tratamento leveduras comensais da espécie Malassezia furfur (antes
A maioria dos pacientes com dermatite atópica obtém conhecida como Pytirisporum ovale). Esse fungo possui en-
o controle do quadro somente com medicações tópicas. A zimas que hidrolisam os ácidos graxos que se tornam irrita-
base do tratamento consiste no uso de hidratantes para re- tivos levando à dermatite. Não há aumento anormal da pro-
por a barreira cutânea e de corticosteroides tópicos para dução de sebo, nem tampouco alteração qualitativa deste.
controle do quadro inflamatório. Os anti-histamínicos são C - Quadro clínico
usados com relativa frequência, visando à melhora do pru-
rido e da hipersensibilidade por IgE. Em algumas ocasiões A dermatite seborreica se apresenta diferentemente em
é necessário o uso de antibióticos para tratar infecções 2 grupos:
secundárias, e esses preferencialmente são administradas - Recém-nascidos: logo nos primeiros meses, devido à
por via oral, diminuindo a chance de sensibilização da pele. ação de hormônios andrógenos maternos, apresen-
Recentemente foram desenvolvidos imunomoduladores tó- tam áreas de eritema e descamação na face, dobras e
picos como pimecrolimo e tacrolimo, que apresentam ação área das fraldas; no couro cabeludo surgem escamas
comparável à dos corticoides, mas sem os efeitos colaterais. graxentas amareladas e aderidas;
Somente os casos graves e resistentes são tratados com - Adultos: além de eritema e descamação no couro
imunossupressores (ciclosporina e metotrexate) ou PUVA cabeludo, podem surgir as mesmas lesões em outras
(banhos de luz ultravioleta). Corticoides sistêmicos são qua- regiões ricas em glândulas sebáceas como centro da
se proibidos, sendo utilizados naqueles pacientes interna- face, região frontal, região esternal e dorso; às vezes,
dos que evoluíram com uma piora recente, e mesmo assim as lesões possuem contornos bem definidos, sendo
por, no máximo, 7 dias. chamadas de figurada. Os sintomas mais comuns são
A erupção variceliforme de Kaposi deve ser tratada em o prurido e ardor. Quadros extensos e intensos podem
regime hospitalar com uso de aciclovir, iniciando por via in- estar associados ao HIV. Em idosos, é uma das prin-
travenosa e com a melhora passando o tratamento por via cipais causas de eritrodermia. Blefarite pode ser uma
oral. manifestação da doença. A evolução é sempre crônica
Medidas habituais como banhos mornos, roupas de al- e recorrente, podendo haver piora no inverno e ser de-
godão e controle ambiental da poeira podem ajudar. Dieta sencadeada por fatores emocionais.

41
DERMATOLOG I A

principal diferencial é a dermatite atópica, sendo mais pre-


valente nas superfícies extensoras e poupando a área das
fraldas.
Das doenças diferenciais, a histiocitose de Langerhans
leva a quadros dramáticos semelhantes à dermatite sebor-
reica, mas com manifestações sistêmicas; o pênfigo foliáceo
cursa com lesões em áreas seborreicas e as placas eritema-
tosas na face podem surgir no lúpus eritematoso.
A síndrome de Leiner é entidade rara e grave de recém-
-nascidos com deficiência de complemento C5 caracteriza-
da por uma erupção cutânea cujo diagnóstico diferencial é
a dermatite seborreica. No entanto, apresenta-se com diar-
reia e infecções de repetição.
Nos adultos, o grande diferencial é com a psoríase, sen-
do, às vezes, quadros tão semelhantes que são chamados
Figura 6 - Dermatite seborreica: placas mal delimitadas na região de seboríase. A dermatite de contato do couro cabeludo
temporal com eritema e descamação também entra no diferencial.

E - Tratamento
Raramente é necessária terapia sistêmica. Somente nos
casos de eritrodermia há necessidade de uso, sendo a pred-
nisona a 1ª escolha. Cetoconazol via oral também pode ser
usado em alguns casos.
A maior parte dos doentes possui boa resposta ao uso
de loções e xampus com princípios ativos como corticoides
de baixa potência, a hidrocortisona e/ou antifúngicos como
o cetoconazol e a ciclopirox olamina. Os imunomodulado-
res tópicos (tacrolimo e pimecrolimo) são uma boa opção
para evitar os efeitos colaterais dos corticoides.

Figura 7 - Áreas de acometimento pela dermatite seborreica 5. Eczema numular


Sinonímia: dermatite discoide. Como o próprio nome
diz, consiste em lesões inflamatórias com formas numulares
(“de moedas”) de caráter crônico e restrito à pele, frequen-
temente acompanhada da xerose cutânea (pele ressecada).

A - Epidemiologia
Baixa frequência na população geral, com alguns estu-
dos mostrando prevalência de 0,2%. Há maior incidência
nos pacientes atópicos. Não há predileção racial. Levemente
mais comum em homens, geralmente em idosos, principal-
mente naqueles entre a 7ª e a 8ª décadas. É rara em crian-
ças (se ocorre, é atribuída à atopia).

B - Fisiopatologia
Figura 8 - Dermatite seborreica: placas mal delimitadas na região Doença de causa desconhecida que tem forte associa-
perinasal com eritema e descamação ção com a xerose cutânea, havendo, assim, um mecanis-
mo de quebra de barreira que permite a ação de bactérias
(principalmente S. aureus) e também uma maior incidência
D - Métodos diagnósticos
de dermatite de contato (tanto irritativa como alérgica).
O diagnóstico é puramente clínico, não sendo difícil nos A participação de mastócitos e de neuropeptídios (subs-
quadros clássicos; às vezes o exame anatomopatológico tância P) também é constatada, explicando, com isso, o in-
é preciso para melhor elucidação. Em recém-nascidos, o tenso prurido na lesão.

42
D O E N Ç A S E C Z E M AT O S A S

C - Quadro clínico A - Epidemiologia


O eczema numular se apresenta com placas eritemato- É bem frequente, e sua correspondência pode chegar a
escamocrostosas com exsudação e de contornos bem defi- cerca de 1% do atendimento de consultório. No que tange
nidos circulares, conferindo o aspecto “em moeda”. As le- aos eczemas de mão, pode corresponder a até 20% dos ca-
sões são em número variável e se localizam principalmente sos. Não há predileção por sexo e é mais comum em jovens
nas extremidades, especialmente mãos e pés. O prurido é e adultos. Tende a piorar no verão com o aumento da umi-
presente e pode ser intenso em alguns casos. A cicatrização dade e temperatura.
ocorre sem deixar marcas.
B - Fisiopatologia
A fisiopatologia é desconhecida e, provavelmente, com
múltiplos fatores envolvidos. Apesar do nome disidrose,
não há alteração nas glândulas sudoríparas da região pal-
moplantar. A associação com atopia é bem frequente entre
os pacientes e familiares. A dermatite de contato também

DERMATOLOGIA
pode se manifestar com quadro disidrótico, sendo os me-
tais como níquel e cobalto os mais implicados.
Reações a antígenos microbianos, como os de fungos e
bactérias, também poderiam levar ao processo eczemato-
so, como ocorre nas mícides. Fatores emocionais que impli-
cam numa liberação de substâncias neuromoduladoras são
muito citados com a piora dos pacientes.
Tabela 4 - Alérgenos na disidrose
- Metais;
- Cosméticos;
- Medicações;
Figura 9 - Eczema numular: placa circular eritematocrostosa isola- - Níquel;
da no dorso do pé
- Bálsamo-de-Peru;
- Neomicina.
D - Métodos diagnósticos
C - Quadro clínico
O diagnóstico é feito pelo aspecto clínico e não há ne-
nhum exame que possa acrescentar uma certeza maior. O A disidrose é caracterizada pela erupção de pequenas
exame anatomopatológico é o mesmo de todos os eczemas. vesículas nas laterais dos dedos das mãos e, às vezes, dos
No diagnóstico diferencial, se houver um pequeno nú- pés, que podem confluir e disseminar para toda a região
mero de lesões, ele pode ser confundido com impetigo (não palmoplantar. O prurido pode ser intenso. Com a resolução
pruriginoso) ou com a tinha do corpo (exame micológico das bolhas, surge a descamação. Infecções secundárias le-
positivo). Lesões em grande número lembram a psoríase e vam a uma piora do eritema e surgimento de pústulas.
parapsoríase (diferenciadas pelo exame anatomopatológico)
e outras causas de dermatite, como a dermatite de contato D - Métodos diagnósticos
(teste de contato positivo) ou a dermatite atópica (outros es- O diagnóstico é feito clinicamente e os exames são dire-
tigmas como sintomas respiratórios e aumento de IgE). cionados para o encontro das possíveis causas associadas.
Na busca da atopia, pode ser detectado um aumento de
E - Tratamento IgE. O teste de contato deve ser realizado para se detectar
Antibióticos sistêmicos são usados em casos com infec- uma dermatite de contato com manifestação disidrosifor-
ção secundária nos quais as placas apresentam crostas me- me. A intradermorreação com a tricofitina é um teste que
licéricas. A maioria dos pacientes responde bem ao uso de mede a resposta celular contra fungos, considerando que
corticosteroides tópicos. a disidrose possa ser um tipo de mícide em alguns casos;
nesses pacientes, o exame micológico direto também pode
ser útil. O exame anatomopatológico pode ajudar em al-
6. Eczema disidrótico guns casos pustulosos que costumam ser confundidos com
Sinonímia: disidrose e pompholyx. Afecção eczematosa psoríase palmoplantar.
crônica recorrente, caracterizada pela erupção de vesículas O diagnóstico diferencial pode ser realizado com algu-
na região palmoplantar de etiologia multifatorial. mas formas de tinha vesiculosa; as mícides também podem

43
DERMATOLOG I A

ser consideradas uma entidade distinta ao invés de uma aos raios ultravioletas, gerando um antígeno (hapteno)
causa da disidrose. O penfigoide bolhoso localizado deve que será processado pelo sistema imunológico, pro-
ser suspeitado em casos resistentes, e este é diagnosticado movendo assim a sensibilização do indivíduo; somente
pelo exame anatomopatológico. numa 2ª exposição é que as lesões eczematosas surgem
nas áreas expostas e, até mesmo a distância, em áreas
E - Tratamento cobertas (pelo próprio mecanismo de sensibilização).
Esse mecanismo fisiopatológico ocorre numa minoria
Não é possível levar os pacientes à cura e os quadros
de pacientes com predisposição genética para alergias;
costumam ser recorrentes, com frequências variáveis de
paciente para paciente. Muitos desses surtos acabam tendo - Fototoxicidade: nesta, ocorre a modificação química
resolução espontânea, e os doentes não chegam a procurar da molécula e, a partir daí, o dano já é direto com a
a ajuda do dermatologista. Nos casos pruriginosos e naque- formação de radicais livres oxidativos sem participação
les em que o processo inflamatório é intenso, deve ser feita do sistema imunológico. Com isso, não ocorre dissemi-
a intervenção. nação das lesões por via hematogênica, e, clinicamen-
te, os pacientes se restringem a terem lesões somente
Os corticoides sistêmicos são os mais eficazes para o
nas áreas fotoexpostas. Essa reação química não exi-
controle da crise, mas devem ser substituídos por outros
ge uma suscetibilidade prévia, podendo ocorrer com
imunossupressores como a azatioprina e o metotrexate, se
qualquer paciente, o que explica sua maior incidência
for necessário tratamento em longo prazo. Para os casos
frente à forma fotoalérgica. Entre as substâncias quí-
leves a moderados, os corticoides tópicos podem levar à
micas envolvidas na fototoxicidade estão as associadas
resolução.
às plantas, como o clássico exemplo da queimadura
Os anti-histamínicos são utilizados para a melhora do
por limão, e nesse caso ela é denominada de fitofoto-
prurido. Loções secativas como a solução de Burrow podem
dermatose e os agentes são, na maioria, psoralênicos.
ser associadas se houver exsudação intensa. Alguns casos
resistentes podem ser controlados com fototerapia (PUVA e Em ambos os casos, o espectro de luz responsável pela
UVB narrow band). Alguns casos necessitam de antibiotico- modificação das moléculas está na faixa dos raios UVA, o
terapia se ocorrer infecção secundária, tanto por bactérias que implica que no tratamento a cobertura com filtros so-
como por fungos. lares deva ser preferencialmente nessa faixa, e não na UVB,
como de costume.
7. Fotoeczemas O alvo do dano celular é o DNA e/ou membranas (tanto
plasmática como das organelas).
Sinonímia: fotoalergia ou fototoxicidade. São quadros
eczematosos que podem ter origem alérgica ou tóxica, à
C - Quadro clínico
semelhança da dermatite de contato, e que geralmente são
associadas à presença de um agente químico endotante Novamente devemos separar os 2 grupos para a descri-
(ingerido ou inalado) ou contactante (externo). As lesões ção dos aspectos clínicos:
elementares são típicas de eczema, e a grande diferença - Fotoalergia: os pacientes se apresentam com quadros
está na distribuição das lesões que ocupam as áreas da pele agudos e subagudos de eczemas – placas eritemato-
expostas ao sol. sas com edema, vesícula, crostas e descamação; casos
subdiagnosticados podem se manifestar com liquenifi-
A - Epidemiologia cação e prurido intenso, semelhantemente ao eczema
crônico. As lesões são mal delimitadas e não se res-
Tais tipos de fotorreações podem acometer igualmente
tringem somente às áreas fotoexpostas. Na história,
pessoas do sexo masculino e feminino em qualquer idade,
encontram-se usos crônicos de fotossensibilizantes –
mas são mais comuns em idosos, pois são eles os maiores filtros solares (paradoxalmente os mais comuns), ne-
usuários de medicações, havendo maior chance de reações omicina, prometazina tópica e sistêmica, benzocaína
adversas às drogas. (conservante), essências cítricas em perfumes, entre
Do ponto de vista de incidência, os casos de fototoxici- outras;
dade (sem participação do sistema imunológico) são mais
frequentes que os de fotoalergia, já que estes ocorrem
- Fototoxicidade: a grande diferença está na delimita-
ção das lesões que respeitam os limites das áreas ex-
numa porcentagem pequena da população que é genetica-
postas ao sol, fazendo um desenho característico de
mente susceptível. Não há predileção racial.
placas eritematosas e edemaciadas no “V” do decote
cervical, face e antebraços; os casos mais exuberantes
B - Fisiopatologia
se manifestam com bolhas; raramente surgem lesões
Há diferenças entre os 2 cenários: subagudas e crônicas. Pela anamnese, descobrem-se
- Fotoalergia:nesse caso há uma substância química os agentes implicados: exposição a áreas florestais e
cuja molécula sofre uma modificação após a exposição jardins (plantas tóxicas como a aroeira), “fórmulas ca-

44
D O E N Ç A S E C Z E M AT O S A S

seiras” para bronzeamento (limão e figo), iatrogenia com o fototeste de contato (alia o teste de contato comum
com uso de coal-tar e outros psoralênicos usados inad- com a exposição provocada da luz UVA). Os achados histo-
vertidamente para tratamento de psoríase e vitiligo, patológicos são os mesmos já descritos na parte dos ecze-
além de medicações sistêmicas (causa mais comum) mas, variando entre as manifestações agudas, subagudas
como amiodarona, doxiciclina, anti-inflamatórios, sul- e crônicas.
fonamidas, hidroclorotiazida, carbamazepina e outros
anticonvulsivantes. E - Tratamento
No caso da fotoalergia, a principal atitude que promove
a cura do doente é determinar o agente causador e afastá-
-lo; a forma mais simples de fazê-lo é pela história clínica, e,
eventualmente, isso só é possível após o fototeste de con-
tato; muitas vezes é necessário trocar as medicações habi-
tuais do doente, o que normalmente é solicitado ao médico
que o acompanha. Após o afastamento do agente causal,
a terapia é rápida e eficaz, sendo os corticoides sistêmicos

DERMATOLOGIA
usados frequentemente por breve período (desmame em
10 a 14 dias). Deve-se priorizar o uso de filtros solares físi-
cos (principalmente os que contêm dióxido de titânio).
Na fototoxicidade, a atenção ao agente implicado é me-
ramente coadjuvante, visto que muitas vezes ela é óbvia e
os doentes já estão precavidos contra uma próxima reex-
posição – dá-se apenas uma ênfase nesses cuidados. Para
acelerar a resolução do quadro, podem-se usar corticoides
tópicos, mas eles nem sempre são necessários, pois a maio-
ria dos casos terá resolução espontânea; a fotoproteção
visa minimizar as discromias residuais (manchas do limão).

8. Resumo
Quadro-resumo
- Os eczemas de contato pela fisiopatologia são separados em
irritação primária e sensibilização alérgica;
- O teste de contato é importante na investigação dos quadros
alérgicos;
Figura 10 - Paciente com fotodermatite com eritema e descama- - A dermatite atópica possui critérios clínicos, sendo importante
ção acometendo a face, “V” de decote e braços a presença dos 3 maiores e de, pelo menos, 2 menores;
- A dermatite seborreica é muito comum na população geral,
Tabela 5 - Características para os grupos de fototoxicidade e fo- porém tem sua incidência aumentada na infecção pelo HIV e
toalergia doenças neurológicas;
Características Fototoxicidade Fotoalergia - As infecções bacterianas estão ligadas aos quadros de eczema
Exposição prévia Não Sim numular;
Envolvimento - A disidrose é caracterizada por uma erupção vesiculosa palmo-
Não Sim plantar e ainda sua etiologia ainda é desconhecida.
imune
Amplo (UVA, UVB,
Espectro luz UVA
visível)
Queimadura-
Lesões Dermatite-símile
símile
Disseminação Não Sim
Sintomas Ardor Prurido

D - Métodos diagnósticos
O diagnóstico é clínico em essência e a ajuda de exa-
mes é quase sempre evitada, desde que haja uma ana-
mnese completa. Casos duvidosos podem ser elucidados

45
DERMATOLOG I A

CAPÍTULO

4
Doenças inflamatórias
Alexandre Evaristo Zeni Rodrigues

1. Eritematodescamativas epidemiológico foi realizado, chegando a 0,6% em países


nórdicos e a 4% nos Estados Unidos. Não há grandes estu-
Neste grupo, um dos maiores e mais abrangentes dentro dos populacionais no Brasil, mas certamente os números
da Dermatologia, estão as doenças inflamatórias que muitas estão na média descrita (algo em torno de 2%). Não há pre-
vezes têm um caráter crônico e recidivante, sem, no entan- dileção racial, e as mulheres são tão afetadas quanto os ho-
to, trazerem grandes comprometimentos de outros órgãos, mens. A doença pode surgir em qualquer idade, com casos
mas que mesmo assim pioram muito a qualidade de vida, até descritos já nos primeiros meses de vida, até a psoríase que
mesmo mais que certas doenças consideradas mais graves, se inicia na 7ª e na 8ª décadas, no entanto, é rara nesses
como diabetes mellitus e infarto do miocárdio (conforme extremos, e a idade média de acometimento é de 30 anos
constatado em questionários de qualidade de vida). (80% estão entre 20 e 45 anos).
A - Psoríase c) Fisiopatologia
O surgimento da psoríase se sustenta num tripé que
a) Introdução inclui uma base genética, influência ambiental e fatores
Doença de caráter crônico e recidivante com lesões imunológicos e leva a uma combinação de um processo in-
cutâneas desfigurantes, muito prevalente em todo o mun- flamatório dermoepidérmico com um estado de hiperproli-
do. Na maioria das vezes, as lesões são benignas, mas tra- feração na epiderme.
zem importantes alterações psicológicas ao paciente. Pode Das alterações genéticas, é muito bem estabelecida a
variar muito nos tipos apresentados, desde a psoríase em participação dos antígenos HLA (diretamente relacionados
placas até formas eruptivas severas como a psoríase pustu- ao sistema genético MHC), os principais relatados em es-
losa e a eritrodermia. Apesar da maioria dos pacientes não tudos: HLA Cw6, HLA-B13, HLA-B17, HLA-DR6 e HLA-B27
apresentar altas taxas de morbidade e mortalidade, a pso- (o mesmo da síndrome de Reiter). Outros genes não rela-
ríase tem importantes repercussões sociais, havendo estu- cionados ao HLA, convencionalmente denominados PSORs,
dos com questionários de qualidade de vida que mostram também já foram descritos, como o PSORS1 localizado no
uma pontuação alta em direção à piora, sendo maior, inclu- cromossoma 6p21.
sive, que outras doenças “mais graves” como a hipertensão
arterial, os acidentes vasculares cerebrais e a insuficiência Genético
cardíaca. Apesar de quase sempre ficar restrita à pele, al- HLA Cw6
guns casos podem evoluir para artrite psoriática, sendo en- HLA-B13
HLA-B17
tão a mais conhecida manifestação sistêmica da doença e Imunológicos
Emocionais
que pode levar à destruição articular. No entanto, hoje se Estresse
IFN-gama
TNF-alfa
sabe que ela está associada a um estado inflamatório crô-
nico e à síndrome plurimetabólica, o que promove maior
Mediadores Infecciosos
comorbidade cardiovascular. Beta-bloqueadores Estreptococcia
Lítio HIV
b) Epidemiologia
É consensual que a psoríase é uma doença bastante fre- Figura 1 - Fisiopatologia da psoríase: múltiplos fatores em inte-
quente, mas a incidência depende da região onde o estudo ração

46
D O E N Ç A S I N F L A M AT Ó R I A S

No que tange a participação do sistema imunológico, é escama, surgem pontos de sangramento sobre a placa
importantíssima a ação das interleucinas que sustentam o devido à lesão de vasos da derme. O prurido é vari-
processo inflamatório; entre elas, sem dúvida o IFN-gama e ável, mas a maioria dos pacientes é assintomática. A
o TNF-alfa são os mais importantes, pois são responsáveis evolução do quadro é crônica e recidivante, havendo
pelo recrutamento de células inflamatórias com produção um ciclo repetitivo de desaparecimento e surgimento
de interleucinas mediadoras como IL-1 e IL-8. O TNF-alfa de novas lesões. O fenômeno de Köebner pode estar
também é responsável pelo estado de inflamação crônico e presente em alguns casos e é descrito como o apare-
persistente que acaba gerando a síndrome plurimetabólica cimento de novas lesões sobre áreas de trauma, como
na qual os pacientes apresentam dislipidemia, hipertensão, uma ferida cirúrgica ou uma escoriação acidental;
obesidade e resistência periférica à insulina, explicando - Psoríase invertida: nesses casos (aproximadamente,
assim a maior morbidade cardiovascular que acompanha 5%), as placas são exclusivas de áreas de dobras como
a psoríase. As interleucinas também acabam tendo um es- axilas, inframamárias e inguinais, e pela oclusão assu-
tímulo sobre os queratinócitos da epiderme, gerando um mem um aspecto de maceração simulando os quadros
aumento do turnover celular e acelerando o ciclo do que- de intertrigo (popularmente chamada de assadura);
ratinócito que passa de 28 para 4 dias; isso caracteriza o
- Psoríase gutata: é uma erupção súbita, comum em

DERMATOLOGIA
estado hiperproliferativo anteriormente mencionado. Dos
jovens e adolescentes, com surgimento de pápulas e
fatores ambientais, o mais conhecido é a presença do es-
pequenas placas eritematodescamativas por todo o
tresse emocional que muitas vezes já é relatado pelos pró-
corpo e cujo desencadeamento tem forte relação com
prios pacientes. É bastante conhecida a associação entre a
as infecções por estreptococos (forte manifestação do
psoríase e algumas infecções como estreptococcias e pelo
fenômeno de Köebner). Esses quadros chegam até a
vírus HIV, sendo tais agentes gatilhos para desencadeamen-
melhorar com o uso de antibióticos sistêmicos com co-
to do quadro cutâneo. Tabagismo e álcool também estão
associados, mas não se sabe se são vieses epidemiológicos, bertura para Gram positivos, como cefalexina, eritro-
pois os pacientes com psoríase acabam sendo usuários micina e tetraciclinas;
dependentes devido ao comprometimento psicológico da - Psoríase pustulosa: sinonímia = psoríase de von
doença. Fatores físicos exercem um papel maléfico ou, às Zumbusch. Outra forma eruptiva com surgimento de
vezes, benéfico como acontece com a melhora das lesões pústulas disseminadas e com manifestações inflama-
após a exposição solar. O uso de certos medicamentos de- tórias sistêmicas (febre, adinamia e inapetência). São
sencadeia ou agrava a psoríase, e entre eles estão os beta- casos mais graves que evoluem com complicações
-bloqueadores, os inibidores da ECA, anti-inflamatórios não (insuficiência cardíaca de alto débito, distúrbio de ele-
hormonais, litium e cimetidina. Fatores hormonais (gravi- trólitos etc.). Pode ter algumas apresentações mais
dez) e distúrbios hidroeletrolíticos (hipocalcemia) também localizadas, como a pustulose palmoplantar e uma for-
já foram relatados como agravantes. ma pustulosa periungueal (acrodermatite contínua de
Hallopeau). O impetigo herpetiforme é provavelmente
d) Quadro clínico
uma psoríase pustulosa que se exacerba na gravidez;
A psoríase é marcada pela pluralidade das manifestações - Psoríase eritrodérmica: qualquer uma das formas des-
clínicas, sendo as principais formas relacionadas a seguir: critas pode evoluir para a forma mais grave caracteri-
- Psoríase em placas: sinonímia = psoríase vulgar. É a zada por um eritema universal associado a uma fina
apresentação mais comum, caracterizada pela pre- descamação e com comprometimento sistêmico pela
sença de placas eritematodescamativas que são bem síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS);
definidas e cujas escamas branco-prateadas são muito tais pacientes evoluem com perdas proteicas, distúr-
bem aderidas. Pode acometer qualquer região do cor-
bios hidroeletrolíticos ou infecções, e frequentemen-
po (rara na face, exceto nas crianças), mas tem predile-
te são hospitalizados para compensação do quadro.
ção por alguns pontos como joelhos, cotovelos, dorso
Muitas vezes, essa eritrodermia é desencadeada por
sacral, couro cabeludo e palmoplantar. Pode acometer
tratamentos errados e intempestivos, principalmente
as regiões genital e perianal. As lesões ungueais são
com os corticoides sistêmicos;
frequentes, surgindo alterações quase patognomôni-
cas como as manchas de óleo (amarelamento da lâ- - Psoríase artropática: pode acometer de 5 a 7% dos
mina ungueal como se estivesse suja por óleo), às ve- pacientes e, em 75% dos casos, surge após o apareci-
zes levando a grandes distrofias ungueais que fazem mento das lesões cutâneas, algumas vezes, cerca de 10
diferencial com as onicomicoses e com o líquen plano. anos depois; pode preceder o quadro cutâneo em 10%
Ao remover as escamas das placas, surgem 2 sinais de dos casos (sendo uma das artrites soronegativas) e ser
propedêutica dermatológica: o sinal da vela, quando a simultânea em 15% deles.
escama que foi retirada com a raspagem da placa as- - As principais formas articulares são:
sume aspecto de uma lasca de vela; e o sinal do orva- • Oligoartrite assimétrica: a mais habitual com pou-
lho sangrante ou sinal de Auspitz, quando, ao retirar a cas articulações acometidas;

47
DERMATOLOG I A

• Interfalangiana distal: manifesta-se com os dedos


“em salsicha”;
• Artrite mutilante/deformante: forma mais grave
com sequelas articulares;
• Poliartrite simétrica: simula a artrite reumatoide,
porém com fator reumatoide negativo;
• Espondiloartrite: acometimento da coluna verte-
bral semelhante ao da espondilite anquilosante.

Figura 5 - Psoríase invertida: placas eritematoescamosas em áreas


de dobras

Figura 2 - Psoríase em placas: lesões eritematosas com escamas


prateadas aderidas localizadas na região lombar

Figura 6 - Psoríase eritrodérmica: eritema e descamação universais

e) Métodos diagnósticos
A maioria das formas de psoríase não apresenta alte-
rações laboratoriais e somente nos casos com sintomas
sistêmicos pode haver alterações no hemograma e nos
exames de fase aguda (velocidade de hemossedimentação,
Figura 3 - Psoríase pustulosa: pústulas agrupadas e descamação proteína C reativa etc.). Nos casos de psoríase gutata pode-
na região plantar (contralateral e palmar) -se encontrar indícios de infecção estreptocócica por meio
do ASLO. Formas disseminadas como a eritrodérmica e a
pustulosa de von Zumbusch estão associadas a distúrbios
hidroeletrolíticos (principalmente hipocalcemia) e também
à hipoproteinemia.
Na maioria dos pacientes, nem mesmo a biópsia com
exame anatomopatológico é necessária, pois a apresenta-
ção é muito característica; em casos duvidosos, é através
dele que se chega ao diagnóstico.

O diagnóstico diferencial vai depender da forma clínica


em questão:
- Psoríase em placas: dermatite seborreica, líquen pla-
no, lúpus, farmacodermias, tinhas e micose fungoide;
- Psoríase gutata: pitiríase rubra pilar, pitiríase rósea de
Figura 4 - Psoríase gutata: pápulas menores que 1cm isoladas ou Gilbert, sífilis secundária, farmacodermias e parapso-
agrupadas ríase;

48
D O E N Ç A S I N F L A M AT Ó R I A S

- Psoríase pustulosa: pustulose subcórnea, pustulose com repercussões leves nos recém-nascidos (hipotonia, hi-
exantemática por farmacodermia, herpes dissemina- porreatividade etc.).
do, disidrose.
c) Fisiopatologia
f) Tratamento Desconfia-se de uma associação a um agente infeccio-
Não é possível levar os pacientes à cura, e os quadros so. Os mais cotados são os vírus da família herpes, havendo
costumam ser recorrentes com frequências variáveis de trabalhos mostrando a presença de DNA dos HHV-7, mas
paciente para paciente. Logo, o tratamento da psoríase é que é um vírus muito comum na população em geral, sen-
considerado por muitos dermatologistas uma “arte”, pois do então uma associação ainda controversa. O que suporta
é necessária boa experiência para o cuidado dos doentes a relação com o agente viral é o caráter exantemático da
com rodízio das medicações. Formas mais leves e locali- erupção, concomitante a um aumento de IgM sérica, e a
zadas podem ser controladas topicamente; nesses casos, imunidade permanente adquirida após o 1º surto. No en-
sempre deve ser feita a associação de drogas antiprolifera- tanto, a etiologia da pitiríase rósea ainda é desconhecida.
tivas (como derivados do coaltar e o calcipotrieno) com cor-
d) Quadro clínico
ticoides de média e alta potência (betametasona e clobeta-
Manifesta-se classicamente em cerca de 80% dos ca-

DERMATOLOGIA
sol); são sempre úteis os queratolíticos como ureia e ácido
salicílico nos cremes hidratantes. Nas formas mais graves sos com o surgimento primeiramente de lesão única, em
e extensas, deve-se lançar mão das medicações sistêmicas placa com cor de salmão e colarete descamativo, chamada
como os imunossupressores (metotrexato e ciclosporina) de placa-mãe; esta pode instalar-se em qualquer parte do
e os retinoides (acitretina); nesses casos, pode-se iniciar o corpo e muitas vezes é mal diagnosticada como uma tinha
tratamento em regime hospitalar e depois dar continuidade ou um quadro de eczema. Cerca de semanas depois (pode
ambulatorialmente, evitando, assim, complicações graves ser dias a meses), surgem pequenas pápulas eritematodes-
pelos efeitos colaterais das medicações (principalmente he- camativas numa erupção súbita com rápida progressão;
patotoxicidade e nefrotoxicidade). A fototerapia associada distribuem-se respeitando as linhas de força da pele, o que
ou não aos psoralênicos (PUVA) também é uma modalida- lhe confere o aspecto de “árvore de natal” e com predomí-
de eficaz e segura, sendo possível até mesmo a utilização nio no tronco e extremidades proximais, poupando a face
com outras medicações tópicas e sistêmicas (por exemplo, e regiões palmoplantares (Figura 7). O prurido pode estar
Re-PUVA = retinoides + PUVA). Recentemente, houve um presente em 2/3 dos casos, quase sempre leve a moderado.
grande avanço no controle da psoríase com o uso de imuno- Não há sintomas sistêmicos associados. Em 20% dos casos,
biológicos – anticorpos de origem recombinada ou humana a apresentação é dita atípica com a forma invertida (aco-
com ação anti-interleucinas como o anti-TNF-alfa (inflixima- mete face, couro cabeludo e extremidades distais), a forma
be e etanercepte). com fotossensibilidade e a forma unilateral que respeita a
linha média; esses quadros atípicos são mais comuns em
B - Pitiríase rósea de Gilbert afrodescendentes.

a) Introdução
Doença caracterizada por erupção súbita de lesões eri-
tematoescamosas disseminadas com uma distribuição ca-
racterística e evolução benigna, de resolução espontânea
sem a necessidade de intervenção com tratamentos.
b) Epidemiologia
Por ter uma provável associação à etiologia viral, apesar
de o agente ainda não ser conhecido, pode assumir um ca-
ráter de epidemia, havendo um aumento de incidência nos
meses mais frios em países de clima temperado (em países
tropicais sua incidência é maior na primavera e verão). Sua
frequência é relativamente alta, com taxas de incidência
por volta de 1 a 2% da população em geral. É um pouco
mais frequente nas mulheres que nos homens (2:1) e não
há predominância racial, embora ela possa assumir caracte-
rísticas clínicas atípicas em negros, dificultando o diagnós-
tico. A faixa etária mais acometida é de adultos jovens com
pico entre 10 e 35 anos. Mesmo sendo benigna na maioria
dos casos, pode vir associada a complicações nas gestantes, Figura 7 - Distribuição das lesões seguindo as linhas de força da
havendo maior incidência de abortos e partos prematuros, pele

49
DERMATOLOG I A

exacerbação e prolongamento do quadro. Muitos pacientes


se beneficiam com a exposição dos raios ultravioletas (UV),
mesmo sendo na forma natural da luz solar. Há alguns tra-
balhos mostrando resolução mais rápida com uso de antivi-
rais como o aciclovir sistêmico. Após o 1º surto, é muito rara
uma 2ª erupção (menos de 1% dos casos), provavelmente
pela imunidade adquirida com o 1º quadro.

C - Pitiríase rubra pilar


a) Introdução
Afecção infrequente, de caráter crônico, com lesões
eritematodescamativas que têm disposição folicular, po-
dendo estar associada à eritrodermia e à queratodermia
palmoplantar, com algumas variantes clínicas em adultos
Figura 8 - Pitiríase rósea: erupção súbita com pápulas eritemato- e crianças.
descamativas isoladas e disseminadas pelo tronco
b) Epidemiologia
e) Métodos diagnósticos Doença rara com baixa incidência de aproximadamente
0,2% da população geral. Há 2 faixas etárias de acometi-
Como ainda não se conhece o agente viral, não há um
mento, com um pico em crianças e outro em adultos, cada
exame sorológico específico que prove a etiologia, por ou-
qual com suas particularidades clínicas; no 1º caso, normal-
tro lado se pode demonstrar, em alguns casos, um aumento
mente há história familiar positiva. Não há predileção por
de IgM na eletroforese de proteínas, o que é uma respos-
sexo ou raça.
ta inespecífica contra agentes infecciosos. Outros exames
inespecíficos podem estar ligeiramente alterados, como c) Fisiopatologia
hemograma e VHS. Alguns autores interpretam a pitiríase rubra pilar como
Se houver a manifestação clássica com a placa-mãe e uma manifestação dermatológica por reação anormal do
a distribuição troncular em árvore de natal, o diagnóstico sistema imunológico a um quadro infeccioso, pois há tra-
será fácil; já em casos atípicos, somente se chega a uma balhos que mostram associação a infecções estreptocóci-
conclusão após o exame anatomopatológico. cas e principalmente ao vírus HIV; também já foi descrita
como manifestação paraneoplásica, sendo então uma res-
O diagnóstico diferencial depende da fase da doença: posta imune contra antígenos carcinogênicos. Há quadros
- Placa-mãe: é frequentemente confundida com a ti- familiares com base genética bem determinada – herança
nha do corpo e os eritemas figurados (como o eritema autossômica dominante. Apesar de todos esses relatos, a
anular centrífugo); pode lembrar as placas de eczema etiologia da pitiríase rubra pilar ainda é desconhecida.
numular, mas é menos exsudativa;
d) Quadro clínico
- Fase eruptiva: o principal diferencial é com a sífilis se-
cundária principalmente se há acometimento palmo- Há 5 subtipos clínicos com características em comum
plantar, sendo então importante solicitar a sorologia que seriam as placas formadas pela confluência de pápulas
específica (VDRL e FTA-abs); outras lesões eritemato- foliculares e que assumem uma cor vermelho-alaranjada;
escamosas também entram em questão, como a pso- outra característica importante é a presença de áreas de
ríase gutata, parapsoríase, pitiríase rubra e pitiríase li- pele sã, formando ilhas no tegumento; a maioria dos pa-
quenoide crônica, e pode ser necessária a biópsia para cientes também apresenta a queratodermia palmoplan-
a conclusão final. Há quadros idênticos provocados por tar, que consiste no espessamento e fissuras da pele nes-
reações medicamentosas, chegando-se ao diagnóstico sas regiões. Muitos casos podem evoluir com uma temida
pela história clínica. complicação que é a eritrodermia, necessitando frequente-
mente de internação para controle do quadro. Alterações
f) Tratamento distróficas das unhas, como pittings e ceratose subungue-
Por ser uma doença com resolução espontânea, o im- al, também podem estar presentes. O prurido é variável. A
portante é assegurar isso ao paciente, que se sentirá con- classificação dos 5 subtipos é a seguinte:
fortado; o tempo aproximado de melhora é de 4 a 5 sema- - Tipo I: clássica do adulto – é a mais comum, uma for-
nas, e podem restar algumas cicatrizes hipo ou hipercrômi- ma aguda e esporádica com resolução espontânea em
cas transitórias. Em casos pruriginosos, pode-se ter alívio alguns anos; os pacientes apresentam as lesões erite-
com anti-histamínicos e corticoides tópicos nas lesões; matoescamosas e as áreas de pele sã, quase sempre
devem-se evitar corticoides sistêmicos que levam a uma associadas à queratodermia palmoplantar;

50
D O E N Ç A S I N F L A M AT Ó R I A S

- Tipo II: atípica do adulto – forma com alopecia, lesões a) Pitiríase liquenoide
mais ictiosiformes e eczematosas; Este grupo, com as variantes aguda e crônica, na reali-
- Tipo III: clássica juvenil – seria a manifestação do tipo I dade será abordado dentro do próximo capítulo, pois histo-
que surge nos primeiros anos de vida e pode ter reso- patologicamente se percebe que não se enquadram sob o
lução espontânea; espectro das parapsoríases, portanto foram erroneamente
- Tipo IV: juvenil localizada – forma mais comum em classificadas. A que mais se assemelha clinicamente é a for-
crianças, é marcada pela localização típica das lesões ma crônica, denominada parapsoríase em gotas.
em joelhos e cotovelos, raramente progredindo para
disseminação do quadro; b) Parapsoríase de pequenas placas
- Tipo V: atípica juvenil – além das lesões foliculares, há Doença crônica e benigna caracterizada por uma infil-
associação a lesões esclerodermiformes nas extremi- tração de linfócitos T na pele, mas com rara tendência de
dades; evolução para linfoma:
- Tipo VI: variante descrita recentemente associada ao - Epidemiologia: devido à baixa frequência de incidên-
HIV; nela, os pacientes apresentam lesões foliculares cia na população geral, não há grandes estudos epide-
combinadas com lesões pustulosas e nodulocísticas. miológicos que apontem os números da parapsoríase;

DERMATOLOGIA
além disso, pode ser subestimado o número de casos
e) Métodos diagnósticos ao ano, pois muitos pacientes não chegam a procurar
O exame histopatológico é bem típico, com “rolhas” tratamento médico pela benignidade do quadro. Os
córneas nos folículos pilosos. Com esse achado, fecha-se o homens são mais acometidos, e a incidência maior é
diagnóstico. na meia-idade (4ª e 5ª décadas);
Não há exames laboratoriais específicos, mas deve-se - Fisiopatologia: há infiltração de linfócitos do tipo CD4
buscar algum foco infeccioso de acordo com a anamnese clí- e com multiclonalidade (clones de diferentes origens),
nica. A solicitação do teste para HIV também é recomendada. mas a etiologia para tal processo é desconhecida;
O diagnóstico diferencial é feito dentro do grupo das
lesões eritematodescamativas como a psoríase (não tem
- Quadro clínico: apresenta lesões eritematoescamosas
discretas, mais visíveis que palpáveis, com formatos
distribuição folicular e tem descamação de cor prateada),
bizarros lembrando projeções digitiformes. Acomete
parapsoríase, pitiríase rósea (não apresenta lesões palmo-
principalmente o tronco e extremidades proximais,
plantares) e farmacodermias; a forma eritrodérmica é indis-
tinguível das demais apresentações. onde as lesões ficam distribuídas isoladamente. Alguns
casos podem apresentar prurido mínimo;
f) Tratamento
Apesar de a maioria das formas clínicas poder evoluir
para a cura espontânea, isso pode levar anos, e a comorbi- Pequenas Grandes
placas placas
dade causada pelas lesões palmoplantares e pela distrofia
ungueal pioram a qualidade de vida dos pacientes.
Evolução Evolução
A droga mais eficaz é a acitretina, um retinoide que age benigna maligna
diminuindo o estado hiperproliferativo e requer monitora-
ção laboratorial devido ao potencial de hepatotoxicidade. Infiltrado Infiltrado
Casos mais leves podem responder aos tratamentos tó- linfocitário linfocitário
policlonal monoclonal
picos com retinoides (tazaroteno e tretinoína), derivados
análogos da vitamina D (calcipotriol), e com corticoides de Sem associação Associação
alta potência, como o clobetasol e a betametasona; os emo- a linfoma a linfoma
lientes com ação queratolítica (ureia e lactato de amônia
associados ao ácido salicílico) podem auxiliar aumentando Figura 9 - Diferencial de parapsoríases
a eficácia das medicações mencionadas anteriormente.
- Métodos diagnósticos: somente se conclui o diagnósti-
D - Parapsoríases co com a biópsia e o exame anatomopatológico. Podem
Compreendem um grupo de doenças muito heterogê- ser necessários exames de biologia molecular, como o
neas e que provavelmente foram agrupadas somente pelo PCR, para comprovar a multiclonalidade do infiltrado;
fato de terem lesões eritematoescamosas que se asseme- - Tratamento: devido ao caráter benigno da afecção e à
lham à psoríase (daí o nome); no entanto, cada doença é mínima sintomatologia, muitos pacientes são tratados
independente, com distintas bases causais. Classicamente, apenas com hidratantes e, às vezes, com uso intermi-
foram descritas 3 entidades dentro desse grupo: a pitiríase tente de corticosteroides tópicos. Muitos pacientes
liquenoide aguda ou crônica, a parapsoríase em gotas e a acabam evoluindo para a cura espontânea em alguns
parapsoríase em grandes placas. anos.

51
DERMATOLOG I A

c) Parapsoríase de grandes placas comum em adultos de meia idade e idosos, e levemente


Doença crônica, porém mais preocupante que a descrita mais prevalente nos homens. As taxas de mortalidade tam-
anteriormente, pois tende a evoluir para linfomas cutâneos bém variam entre os estudos, sendo algo por volta de 20 a
de células T (micose fungoide): 40% dos pacientes afetados (com causas direta e indireta
- Epidemiologia: mesmo não havendo estudos epide- para o óbito).
miológicos específicos, estima-se que a incidência e a c) Fisiopatologia
prevalência sejam iguais ou levemente maiores que a
da micose fungoide, ou seja, aproximadamente 4 ca- Há um aumento do turnover celular com grandes per-
sos para cada 1 milhão de habitantes. Também acome- das diárias de escamas que, na verdade, representam uma
te mais pacientes da meia idade, mas não há predile- perda proteica que se manifesta com hipoalbuminemia e
ção racial ou por sexo; edema para o interstício. O fluxo sanguíneo cutâneo tam-
- Fisiopatologia: o infiltrado de linfócitos do tipo CD4 é bém está aumentado e pode gerar perda calórica, hipoter-
do tipo monoclonal, porém os linfócitos não apresen- mia e distúrbios hidroeletrolíticos com o aumento da perda
tam atipia, como nos casos de linfomas de células T. transepidérmica da água. Os pacientes se comportam como
A persistência do infiltrado pode ser por um estímulo grandes queimados.
antigênico, como mostrado em alguns estudos em que Nem sempre é possível chegar à causa de base, mas
houve associação a infecção pelo herpes-vírus (HHV esse dado é importante para melhorar o tratamento e o
tipo 8); prognóstico. Basicamente, podem-se separar as causas em
- Quadro clínico: as lesões são em grandes placas, na 4 grandes grupos:
maior parte, maiores de 6cm, do tipo eritematoesca- - Eczemas: tanto os eczemas de contato quanto as der-
mosas e que se distribuem também no tronco e nas matites atópica e seborreica podem cursar com o qua-
extremidades proximais. Lesões que passam a ter um dro esfoliativo generalizado; a última é a causa mais
aumento de volume ou alteração na consistência já frequente nos idosos, enquanto as 2 primeiras são co-
podem ter evoluído para a micose fungoide (linfoma muns em crianças e jovens;
cutâneo de células T); - Farmacodermias: a ingestão de diversas medicações
- Métodos diagnósticos: também só se conclui o diag- pode levar à eritrodermia, entre elas isoniazida, feni-
nóstico com a biópsia e o exame anatomopatológico. toína, barbitúricos, sulfonamidas, ouro, penicilina e
Se houver atipia marcante, o diagnóstico provável será seus derivados;
o linfoma. A biologia molecular auxilia na comprova- - Psoríases: mesmo as formas mais leves podem cursar
ção da monoclonalidade do infiltrado linfocitário; com a erupção disseminada, e isso ocorre, principal-
- Tratamento: não há possibilidade de resolução es- mente, após o uso incorreto de corticosteroides sistê-
pontânea, e os pacientes são seguidos semestral- micos e seu efeito rebote, além de alguns tratamentos
mente, tratados pelo risco de malignidade que é alto. intempestivos que levam a uma irritação cutânea e
Corticoides de alta potência, mostrada nitrogenada piora da psoríase;
(quimioterápico tópico muito usado nos EUA) e foto- - Malignidades: pode apresentar-se como uma manifes-
terapia têm eficácia comprovada. Qualquer alteração tação paraneoplásica (sarcomas, carcinomas do trato
clínica que leve a uma suspeita de transformação para gastrintestinal, mielomas etc.) ou uma manifestação
linfoma indica uma nova biópsia para exame histopa- de linfoma cutâneo de células T, chamada, nesse caso,
tológico. de síndrome de Sézary.

E - Eritrodermias
a) Introdução
Sinonímia: dermatite esfoliativa generalizada. É uma
erupção aguda na qual mais de 90% do corpo se apresen-
tam com eritema e uma fina descamação, o que pode levar
a consequências sistêmicas para o indivíduo afetado. Na
maioria das vezes, há uma causa de base por trás do quadro
eruptivo, e esta só pode ser descoberta com investigação Figura 10 - Causas mais prevalentes
laboratorial e/ou biópsia.
Outras causas mais raras seriam os pênfigos, a derma-
b) Epidemiologia tomiosite, líquen plano etc. Mas em muitos casos não se
Não é uma entidade muito comum de ser encontrada chega ao diagnóstico, e o doente acaba sendo enquadrado
na prática dermatológica, com incidência e prevalência va- como uma eritrodermia idiopática; isso acontece em até
riável entre 2 e 3 casos para cada 100.000 habitantes. Mais 30% dos doentes afetados.

52
D O E N Ç A S I N F L A M AT Ó R I A S

d) Quadro clínico Os corticosteroides sistêmicos acabam sendo usados, na


O eritema difuso e a descamação fina são as manifes- maioria dos doentes, até o controle do quadro, e posterior-
tações dermatológicas dessa enfermidade e, por definição, mente se faz o desmame gradual de modo lento; podem
devem acometer mais de 90% da superfície corpórea. No ser substituídos por corticosteroides tópicos nas fases de
entanto, esses sinais são de menor importância no quadro, resolução do quadro. Anti-histamínicos podem ser usados
já que a parte sistêmica tem maior impacto na evolução. como sintomáticos para alívio do prurido.
Resumidamente, tem-se um paciente edemaciado devido
à passagem de líquido para o 3º espaço, uma vasodilatação F - Eritemas figurados
periférica podendo levar a uma Insuficiência Cardíaca (IC) de Correspondem a um grupo de doenças que cursam com
alto débito e um estado de hipovolemia pela grande perda lesões eritematoescamosas anulares e policíclicas recidivantes
transepidérmica, o que pode agravar ainda mais o débito que não trazem repercussões cutâneas graves, mas que têm
cardíaco; manifestações compatíveis com uma síndrome da sua importância porque estão muito associados a doenças
resposta inflamatória também podem estar presentes como sistêmicas, incluindo neoplasias ocultas e outras de diversas
febre, indisposição, taquipneia e taquicardia. O prurido pode etiologias. Os principais seriam o eritema anular centrífugo,
estar presente e costuma ser acompanhado de escoriações o eritema necrolítico migratório e o eritema gyratum repens.

DERMATOLOGIA
por todo o tegumento. Adenomegalias generalizadas são co-
muns e podem representar um linfoma de base ou simples- a) Eritema anular centrífugo
mente ser reacional ao quadro, sendo então denominada de Quadro crônico recorrente de lesões eritematoescamo-
linfadenopatia dermopática. O encontro de lesões derma- sas que assumem uma cura central dando o aspecto arque-
tológicas preexistentes (como uma placa de psoríase, uma ado/anular. É benigno, pois tem resolução espontânea, mas
alteração ungueal etc.) pode ajudar na elucidação da causa. pode ser um aviso de que o paciente tem alguma doença
sistêmica grave:
e) Métodos diagnósticos
- Epidemiologia: por ser uma doença infrequente, são
Não se faz o diagnóstico diferencial nessa patologia, poucos os relatos de casos na literatura com algumas
mas se tenta chegar à causa de base com a ajuda dos exa- séries limitadas, o que dificulta a validação de análises
mes laboratoriais. estatísticas; trabalhos mostram que a incidência pode
Uma eosinofilia no hemograma pode representar uma variar de 1 a 2 casos para cada 100.000 habitantes.
reação medicamentosa; aumento de IgE é descrito na der- Pode acometer pacientes de 8 meses a 80 anos e não
matite atópica. No esfregaço do sangue periférico, podem- tem predileção por sexo ou raça.
-se encontrar as células de Sézary nos casos de linfoma - Fisiopatologia: a etiopatogenia da doença é desconheci-
cutâneo. A biópsia e o exame histológico podem levar ao da, mas é grande o número de associações já relatadas:
diagnóstico de pitiríase rubra pilar, psoríase e principalmen-
• Infecções: fungos, micobactérias, herpes, HIV, para-
te da micose fungoide, na qual os linfócitos atípicos acabam
sitoses;
infiltrando a epiderme, caracterizando o epidermotropis-
mo. Entretanto, na maioria das vezes, o exame anatomopa- • Medicações: piroxicam, amitriptilina, espironolac-
tológico revela um infiltrado inflamatório inespecífico. tona;
Dos exames gerais, a atenção maior deve ser para com os • Doenças autoimunes: síndrome de Sjögren, lúpus
eletrólitos, evitando-se assim os distúrbios que podem ser eritematoso, doença de Graves;
fatais como hipopotassemia, hiponatremia e hipocalcemia. • Neoplasias: leucemias, linfomas, mielomas, tumores
Leucocitose e aumento da velocidade de hemossedimenta- de ovário, tumores de mama e tumores de próstata.
ção são inespecíficos e quase sempre estão presentes, sem,
no entanto, representarem um processo infeccioso oculto. No entanto, nenhuma dessas associações se apresentou
com força estatística muito grande.
f) Tratamento - Quadro clínico: as lesões iniciam-se com pequenas
A hospitalização é necessária quase sempre para ser mi- pápulas que aumentam de tamanho e vão tendo um
nistrado o tratamento de suporte clínico, visando ao com- clareamento no centro, com leve hiperpigmentação
bate das complicações. É importante interromper o uso de residual. Há 2 formas principais: a superficial, na qual
medicações suspeitas que possam ter desencadeado o qua- as lesões são mais descamativas, e a profunda, que
dro, principalmente aquelas de introdução mais recente. apresenta apenas placas papulosas eritematosas. O
A hidratação deve ser realizada para restaurar a volemia quadro costuma ser assintomático, mas pode ter leve
e topicamente, com o uso de cremes emolientes. Fluidos hi- prurido associado. As lesões localizam-se mais nos
pertônicos e com alta osmolaridade podem ser necessários membros inferiores, embora sejam encontradas em
devido às perdas para o 3º espaço. qualquer parte do corpo. O comprometimento pela
O encontro da causa de base permite o tratamento especí- doença é apenas cutâneo, todavia é importante pes-
fico e, assim, diminui a morbiletalidade. O prognóstico é obvia- quisar alguma doença de base que possa estar asso-
mente pior nos casos em que há uma malignidade associada. ciada de forma oculta;

53
DERMATOLOG I A

não seja detectado no início, é recomendada a moni-


toração frequente, já que o câncer pode ser detectado
anos após o surgimento das lesões cutâneas. Também
já foi associado a condições não neoplásicas como lú-
pus e tuberculose;
- Quadro clínico: as placas eritematoescamosas tam-
bém assumem o aspecto anular, porém o grande dife-
rencial é que são concêntricas como se fizessem inter-
secções e também assumem um caráter dinâmico, mi-
grando rapidamente de um local para o outro. A região
mais acometida é o tronco, contudo pode surgir nas
extremidades. A erupção é muito pruriginosa. Quanto
à malignidade, esta frequentemente aparece em 7 a
12 meses após o surgimento do quadro cutâneo (uma
minoria apresenta ambos simultaneamente e rara-
Figura 11 - Eritema anular centrífugo: placas eritematosas com
mente o quadro cutâneo é seguido ao descobrimento
descamação central “em colarete” no antebraço do tumor). Há relatos de hiperqueratose palmoplantar
associada (espessamento e fissuras nas regiões cita-
- Métodos diagnósticos: o diagnóstico pode ser obtido das), e esta também é sabidamente uma manifestação
após a biópsia para exame anatomopatológico que paraneoplásica;
mostra um infiltrado de linfócitos perivascular. A in- - Métodos diagnósticos: a investigação da neoplasia
vestigação da doença sistêmica deve ser guiada pela oculta deve sempre começar pela história e pelo exa-
história clínica e pelos achados do exame físico, pois me físico, incluindo avaliação ginecológica ou uroló-
a solicitação indiscriminada de exames muitas vezes gica. Mas alguns exames merecem ser solicitados em
leva a resultados inconclusivos. Na forma superficial, caso da normalidade destes: hemograma completo,
o diagnóstico diferencial se faz com a tinha do corpo função hepática, FAN e fator reumatoide, urina I, pes-
(um simples exame micológico direto já resolve), lúpus quisa de sangue oculto nas fezes (se alterado, indicar
subagudo, psoríase e micose fungoide. Na forma pro- endoscopia alta e/ou colonoscopia), radiografia de tó-
funda, o diferencial é com granuloma anular, urticária rax e tomografia de abdome. Do ponto de vista derma-
e farmacodermia; tológico, as lesões são muito características (aspecto
circinado concêntrico), e não é necessária biópsia para
- Tratamento: como o quadro é autolimitado, a gran- exame anatomopatológico. O diagnóstico diferencial
de preocupação reside em detectar alguma doença
se dá com o eritema anular centrífugo, com o lúpus
sistêmica oculta e que possa ter repercussão mais
subagudo e a psoríase;
grave do que o próprio quadro cutâneo. Os corticoi-
des tópicos e sistêmicos levam à resolução da lesão,
- Tratamento: como o quadro é autolimitado, a gran-
de preocupação reside em detectar alguma neoplasia
mas não impedem a recidiva. Anti-histamínicos po-
oculta e tratá-la, se possível; essa é a única medida
dem ser usados para controle do prurido. Há relato
eficaz que leva à resolução do quadro. Os corticoides
em literatura de melhora significativa após o uso de
sistêmicos trazem um alívio nos sintomas, mas não
interferon alfa.
chegam a promover a cura.
b) Eritema gyratum repens
É o eritema figurado mais correlacionado com o aspecto 2. Doenças papulopruriginosas
paraneoplásico, o que sempre leva a uma investigação ex-
tensa para neoplasia oculta:
A - Líquen plano
- Epidemiologia: é muito raro, e não é possível anali-
sar aspectos epidemiológicos significantes. Parece ser a) Introdução
mais comum em homens e idosos;
Quadro restrito à pele e mucosas, caracterizado por
- Fisiopatologia: a etiopatogenia é desconhecida, mas uma erupção de lesões com coloração violácea característi-
se acredita numa reação de hipersensibilidade a an- ca e com prurido associado, podendo assumir diversas va-
tígenos tumorais e que apresentam, de modo cruza- riantes clínicas na forma de apresentação.
do, uma reação com antígenos cutâneos. Dentre as
neoplasias correlacionadas, as mais comuns são car- b) Epidemiologia
cinomas de pulmão, adenocarcinomas gástrico e de Tem caráter crônico recidivante e uma incidência de
próstata e neoplasias ginecológicas. Mesmo que ele cerca de 1% na população geral. Não há grandes variações

54
D O E N Ç A S I N F L A M AT Ó R I A S

geográficas ou raciais, tampouco predileção por sexo. Pode


acometer qualquer idade, porém o pico é em adultos jo-
vens, entre 30 e 40 anos. Pacientes com quadro eruptivo
disseminado importante devem realizar sorologias para he-
patites C e B.
c) Fisiopatologia
Representa uma reação imunológica do tipo celular
contra um antígeno desconhecido que pode estar presente
ou ser semelhante a antígenos das células da camada ba-
sal da pele; a suspeita maior é que esse antígeno mime-
tizante venha de um agente infeccioso, como nos relatos
da associação ao vírus da hepatite C. Erupções liquenoides
medicamentosas muitas vezes são indistinguíveis do qua-
dro “espontâneo”, e as principais drogas implicadas são an-

DERMATOLOGIA
timaláricos como a cloroquina, sulfonilureias, sais de ouro,
penicilamina, anti-inflamatórios e IECA. É clássica a associa-
ção a reveladores fotográficos, sendo uma doença ocupa-
cional. Uma predisposição genética é provável, mas ainda
desconhecida.
Figura 12 - Líquen plano: lesão clássica com pápulas poligonais
d) Quadro clínico
eritematovioláceas
Há diversas variantes clínicas. A forma clássica consiste
numa erupção insidiosa de pápulas violáceas, com 2 a 4mm e) Métodos diagnósticos
de tamanho, de contornos geométricos/poligonais com O diagnóstico é clínico, e não há exames laboratoriais
uma fina descamação e uma fina estriação na superfície que auxiliem na investigação.
(estrias de Wickman). Apesar de a erupção ser generaliza- Apenas em casos atípicos o exame anatomopatológico
da, ela pode acometer algumas áreas típicas como a super- pode ser necessário, mostrando um infiltrado em faixa na
fície flexora dos punhos e os genitais. Também é frequente zona da membrana basal (transição entre a epiderme e a
o acometimento da mucosa oral e muitas vezes esse quadro derme).
pode ser isolado; a maioria apresenta lesões atróficas bizar- Os principais diferenciais são as reações medicamen-
ras, principalmente na mucosa jugal. Alterações ungueais tosas que cursam com erupções liquenoides e a doença
com distrofias totais, espessamento subungueal e pittings enxerto versus hospedeiro na sua forma crônica, que apre-
também podem estar associadas. O prurido acompanha a senta lesões de líquen plano associadas a lesões escleroder-
maioria dos pacientes e quase sempre é marcante. É co- miformes e sintomas sistêmicos.
mum o fenômeno de Köebner com surgimento de lesões Outros diferenciais seriam líquen nítido, psoríase, pitirí-
nos locais das escoriações. Lesões genitais masculinas e fe- ase liquenoide crônica e sífilis secundária. Lesões erosivas
mininas podem ter ardor e levar à dispareunia. As principais na mucosa oral fazem diferencial com pênfigos e lúpus.
variantes clínicas são: f) Tratamento
- Líquen plano hipertrófico: placas extensas ceratósicas Os corticoides formam a base do tratamento. Por ser
e pruriginosas nas regiões pré-tibiais; uma doença benigna e autolimitada, alguns casos locali-
- Líquen plano pilar: lesões foliculares no couro cabe- zados podem ser tratados topicamente com clobetasol ou
ludo que podem evoluir com alopecia cicatricial irre- betametasona. Lesões disseminadas e pruriginosas necessi-
versível; tam dos corticoides sistêmicos como a prednisona na dose
de 1mg/kg com desmame gradual. Alguns quadros resis-
- Líquen plano folicular: pápulas violáceas dissemina- tentes respondem bem ao uso de retinoides, como a iso-
das localizando-se nos folículos pilosos; tretinoína na dose de 0,5mg/kg. Lesões de mucosa e couro
- Líquen plano atrófico: variante em placa com atrofia cabeludo são as que apresentam maior morbidade e maior
central lembrando lesões de esclerodermia/morfeia; dificuldade no tratamento, sendo a isotretinoína a 1ª esco-
lha. Outro subtipo com evolução ruim é o líquen plano pilar
- Líquen plano penfigoide: lesões bolhosas que surgem do couro cabeludo, que pode provocar uma alopecia cica-
de novo ou nas lesões do líquen plano prévias (líquen tricial que não responde ao tratamento. As demais evoluem
plano bolhoso); sem grandes sequelas, apenas com uma hiperpigmentação
- Líquen plano actínico: lesões que surgem em áreas pós-inflamatória. As recidivas são frequentes e tratadas da
fotoexpostas. mesma maneira.

55
DERMATOLOG I A

B - Pitiríase liquenoide
Aguda Crônica
a) Introdução PLEVA
Patologia de espectro clínico variável com 2 formas dis-
tintas, a pitiríase liquenoide aguda e a forma crônica mais Sintomas Sintomas só
indolente, ambas são um distúrbio clonal de linfócitos T, Toxemia dermatológicos
tendo uma estreita correlação com os linfomas cutâneos.
b) Epidemiologia Superfície com Superfície com
crosta escama
As 2 apresentações clínicas são raras, e não há estudos
nacionais que mostrem sua incidência e/ou prevalência,
no entanto, a literatura internacional exibe taxas que gi- Presença de Ausência de
ram em torno de 2 a 3 casos para cada 100.000 habitantes vasculite vasculite
em 1 ano. Há uma leve predominância no sexo masculi-
Figura 13 - Diferencial de pitiríase liquenoide
no, sem, no entanto, haver predileção racial. A faixa etária
mais acometida é de crianças e adultos jovens até a 3ª e) Métodos diagnósticos
década. O exame que permite o diagnóstico de ambas as for-
c) Fisiopatologia mas de pitiríase liquenoide é o anatomopatológico. Não
Na base do processo, encontra-se uma alteração ci- há exames laboratoriais específicos, no entanto, em alguns
totóxica, havendo infiltrados perivasculares de linfócitos pacientes com a forma aguda, mais especificamente aque-
T que podem apresentar certo grau de atipia celular, o les que necessitam de suporte clínico, eles podem ser úteis
que leva muitos autores a acreditarem na possibilidade para acompanhamento do quadro inflamatório como o leu-
de um tipo de linfoma; apesar da infiltração perivascular, cograma, a velocidade de hemossedimentação e a proteína
não há sinais de vasculite franca como leucocitoclasia; C reativa. Pode ser necessária a investigação de um prová-
alguns interpretam esse fenômeno como uma vasculite vel agente infeccioso (solicitar sorologias para HIV, Epstein-
linfocítica. Estudos de biologia molecular apontam pre- Barr, hepatites crônicas e toxoplasmose, que são aqueles
dominância de linfócitos CD 30, subtipo também asso- com maior associação na literatura).
ciado a linfomas de grandes células. Teorias sobre um O diagnóstico diferencial depende da forma em questão:
agente infeccioso que leve ao estímulo para o infiltrado - Pitiríase liquenoide aguda: diferencia-se da varicela,
linfocitário crônico também já foram formuladas, mas papulose linfomatoide, vasculites leucocitoclásticas e
ainda não há nada concreto. farmacodermias;
- Pitiríase liquenoide crônica: faz diferencial com as pa-
d) Quadro clínico rapsoríases, sífilis secundária, líquen plano, psoríase
Há 2 formas clínicas totalmente distintas: gutata.
- Pitiríase liquenoide aguda: sinonímia = doença de
Mucha-Habermann, pitiríase liquenoide e varicelifor- f) Tratamento
me aguda (PLEVA). Nessa apresentação, ocorre uma Das medicações orais, a melhor terapia é feita com an-
erupção súbita que se assemelha muito à varicela tibacterianos da família das tetraciclinas, que também têm
(catapora); surgem pápulas eritematosas que rapida- um efeito anti-inflamatório (imunomodulatório) desejado
mente evoluem com necrose e crostas hemorrágicas; a no caso.
distribuição é simétrica, acometendo principalmente o O tratamento-padrão é feito com a fototerapia, com a
tronco e as extremidades proximais; pode haver lesões maioria dos trabalhos mostrando boa resposta com o méto-
palmoplantares, de couro cabeludo e na mucosa. É do PUVA; há relatos de melhora também com o uso de UVB
possível que prurido e ardor estejam presentes. Casos narrow-band e terapia fotodinâmica. Corticoides tópicos
muito exuberantes podem ter febre e queda do esta- podem ser usados em alguns pacientes com poucas lesões.
do geral. Muitos pacientes evoluem com cura, porém Aos casos exuberantes da PLEVA, podem ser necessários es-
alguns podem desenvolver a forma crônica da pitiríase teroides sistêmicos.
liquenoide;
- Pitiríase liquenoide crônica: manifesta-se com pápu- C - Prurigo
las e pequenas placas eritematoacastanhadas (no caso
de negros as lesões são hipocrômicas) com escamas a) Introdução
aderidas e que saem íntegras após a escoriação da le- A definição de prurigo seria a união de uma pápula com
são. Topograficamente, também se distribuem mais no o sintoma predominante de prurido, ou seja, uma pápula
tronco e extremidades proximais. O quadro é indolen- pruriginosa escoriada pelo paciente. É uma doença que tem
te e quase totalmente assintomático. 3 formas de apresentação: aguda, subaguda e crônica, além

56
D O E N Ç A S I N F L A M AT Ó R I A S

de uma gama de causas clínicas associadas, sendo a alergia,


sem nenhuma dúvida, a mais importante delas.
b) Epidemiologia
A forma aguda é bem mais comum nas crianças, chama-
da prurigo simples ou prurigo estrófulo, sendo a faixa etária
dos 2 aos 6 anos a mais acometida, principalmente na pri-
mavera e no verão. As demais formas, subaguda e crônica,
são mais comuns em adultas jovens e muito associadas a
distúrbios psicossociais. Todas as formas apresentam maior
incidência nos atópicos, associadas ou não à dermatite ató-
pica. Uma forma específica denominada prurigo de Hebra
é mais comum em negros, já as demais apresentações não
têm predileção racial.
c) Fisiopatologia

DERMATOLOGIA
Figura 14 - PLEVA (pitiríase liquenoide variceliforme aguda): pápu-
O prurigo estrófulo infantil tem associação à alergia a pi- las isoladas com necrose central gerando crosta hemática aderida
cada de insetos, sendo mais comum em áreas rurais e nos
meses de calor e chuva; parece estar relacionado a uma
combinação de hipersensibilidade dos tipos I e IV (imediata
e tardia), chamada por alguns autores de urticária papulosa.
As formas subaguda e crônica dos adultos são de etio-
logia mais obscura, e acredita-se que os indivíduos que têm
uma predisposição psicológica com tendências neuróticas e
compulsivas reagem com manipulação anormal das lesões
pruriginosas; estas, por sua vez, parecem se desenvolver
também pela combinação das reações de hipersensibi-
lidade dos tipos I e IV e podem vir associadas a diversas
comorbidades: prurigo de Hutchinson (com fotossensibili-
dade), prurigo dismenorreico (piora com menstruação e/
ou variações hormonais), prurigo do diabetes, prurigo he-
pático, prurigo gestacional, prurigo urêmico (nos pacientes
com insuficiência renal crônica) e prurigo paraneoplásico
(associado a malignidades).
Figura 15 - Pápulas e nódulos endurecidos e escoriados pelo pruri-
d) Quadro clínico do na perna: prurigo subagudo
As lesões elementares são as pápulas eritematosas que,
pelo prurido, são coçadas e escoriadas; de acordo com o e) Métodos diagnósticos
tempo de evolução, sofrem modificações: O diagnóstico pode ser auxiliado pela biópsia e exame
- Prurigo agudo: surgimento súbito de pápulas mais anatomopatológico que mostra o espessamento da epider-
edematosas e, às vezes, a seropápula (vesícula sobre me e um processo inflamatório crônico na derme; para o
a pápula eritematosa); com a evolução, a pápula fica diagnóstico específico, não há outros exames que concluam
mais firme e acaba cicatrizando com discromias; algu- o quadro.
mas lesões escoriadas podem ter crostas e infecção A grande questão é investigar a causa de base que este-
secundária. As áreas mais afetadas são o tronco e as ja provocando o prurigo; no caso agudo, isso é fácil, pois a
extremidades; causa é sempre uma reação de hipersensibilidade como, na
- Prurigo subagudo e crônico: uma é a evolução da ou- maioria, a picadas de insetos. O problema está nas formas
tra com tendência à nodularidade das lesões: na 1ª, subagudas e crônicas, em que as associações são inúme-
as lesões são mais fugazes e escoriadas, e na 2ª assu- ras. Guiando-se pela história clínica, é possível direcionar os
mem a forma nodular típica com lesões duras e cera- exames laboratoriais e de imagem para chegar à causa. Não
tósicas. As lesões iniciais (seropápulas) raramente são é aconselhável fazer uma investigação extensa “às cegas”.
vistas pelo médico, pois quase sempre são escoriadas. Entre as causas que merecem atenção, estão a insuficiência
As áreas afetadas são aquelas que as mãos alcançam: renal crônica, os linfomas e a infecção pelo HIV.
braços, ombros, coxa e face. O prurido feroz é uma O diagnóstico diferencial é feito com pápulas prurigi-
condição sine qua non. nosas e escoriadas como a escabiose nodular, escoriações

57
DERMATOLOG I A

neuróticas, líquen plano e outras; normalmente, a distinção a) Pênfigo vulgar


se dá pelo exame anatomopatológico. Doença universal com erupção bolhosa característica na
f) Tratamento pele, quase sempre associada a lesões de mucosas, prin-
cipalmente oral. É a mais importante em números absolu-
Definindo-se uma causa e tratando-a, o alcance da me-
tos no campo dos pênfigos, correspondendo a 70% desses
lhora costuma ser mais fácil e rápido, ou seja, para obter a
casos. No passado, tinha altas taxas de mortalidade, mas
cura do prurigo é necessário tratar a causa de base, quando
com o advento da corticoterapia sistêmica esses números
ela existe. Isso não é possível quando ele está associado a
baixaram:
uma reação de hipersensibilidade/alérgica.
Os casos agudos são tratados de forma sintomática com
- Epidemiologia: há casos relatados em todo o mundo
e, dependendo da região, a incidência pode variar en-
anti-histamínicos e loções tópicas com ou sem corticoi-
tre 1 e 3 casos para cada 100.000 habitantes; no caso
des, que auxiliam no processo de reversão da inflamação.
de judeus e descendentes de populações mediterrâ-
Mudanças no estilo de vida que evitem a exposição aos in-
neas, as taxas são as maiores; entre os demais grupos
setos devem ser encorajadas.
étnicos, as taxas são menores e semelhantes entre si.
Os casos subagudos e crônicos representam um desafio
Não há predileção por sexo e também pode afetar des-
maior. Também são usados anti-histamínicos para o contro-
de crianças até idosos, com o pico na faixa etária en-
le do prurido, sendo mais utilizado o hidroxizina. Algumas
tre 50 e 60 anos; há inclusive casos neonatais devido à
vezes, é necessário lançar mão da doxepina, um antide-
passagem de anticorpos pela placenta;
pressivo tricíclico que tem ação anti-histamínica H1, melho-
rando o prurido e tendo um efeito sedativo que diminui o - Fisiopatologia: devido a uma predisposição genética
ímpeto para escoriar as lesões. Os casos mais resistentes só relacionada ao HLA, alguns pacientes passam a apre-
respondem ao uso da talidomida na dose de 100mg/dia, sentar formação de autoanticorpos voltados contra
pelo seu efeito anti-inflamatório. antígenos de superfície de queratinócitos, antígenos
responsáveis por manterem as células aderidas umas
às outras. Numa análise mais específica, demonstrou-
3. Doenças bolhosas -se que a maioria desses anticorpos é do tipo IgG e
Neste tópico, serão abordadas as principais dermato- seus respectivos antígenos são moléculas que formam
ses que cursam clinicamente com a formação de bolhas. os desmossomos e que são chamadas desmogleínas;
É relevante a correlação entre a clínica e a histopatologia, no caso do pênfigo vulgar, as moléculas envolvidas são
pois se deve ter em mente o nível de clivagem na pele tanto a desmogleína 1 quanto a desmogleína 3. Os
(intraepidérmica ou subepidérmica) que levou à bolha em resultados da ligação de anticorpos nesses sítios são
questão para que se possa classificar o quadro nos 2 gran- 2 distintos: 1º, levam a uma perda da adesão celular,
des grupos das doenças bolhosas que seriam os pênfigos conhecida como acantólise e, 2º, promovem a fixação
e os penfigoides; no 1º caso, a separação ocorre entre os do complemento e aumentam a resposta inflamató-
queratinócitos (intraepidérmica), enquanto no 2º é mais ria. Esses autoanticorpos também são circulantes na
profunda ao nível da zona da membrana basal (subepi- corrente sanguínea, e sua patogenicidade já foi com-
dérmica). Do ponto de vista clínico, as bolhas formadas provada em estudos in vivo, pois são capazes de gerar
na epiderme no caso dos pênfigos são mais flácidas e se a formação de bolhas em ratos que recebem plasma
rompem facilmente (ao exame são encontradas apenas de pessoas doentes. Devido à autoimunidade, pode
erosões), e, no caso dos penfigoides, nos quais as bolhas estar associado a outras patologias, como a miastenia
são mais profundas, estas se apresentam mais tensas e ín- gravis. Há relatos na literatura da indução de pênfigo
tegras. No entanto, em alguns casos nem a união da clíni- vulgar pelo uso de certas medicações como captopril,
ca com a histopatologia leva ao diagnóstico, sendo então penicilamina e rifampicina;
necessário um exame fundamental para a investigação das
doenças bolhosas, a imunofluorescência. A maioria dessas
doenças tem origem autoimune porque há formação de
anticorpos contra estruturas do citoesqueleto celular que
são responsáveis pela união entre os queratinócitos e da
junção dermoepidérmica.

A - Pênfigos
Neste grupo, são abordadas as doenças bolhosas de cli-
vagem alta, provocadas por autoanticorpos contra molécu-
las de aderência intercelular (como as desmogleínas). São 3 Figura 16 - Clivagem de doenças bolhosas: (A) pênfigos – intraepi-
as maiores entidades que merecem menção neste capítulo. dérmica e (B) penfigoides – camada basal

58
D O E N Ç A S I N F L A M AT Ó R I A S

- Quadro clínico: muitos pacientes abrem o quadro com - Diagnósticos diferenciais: o pênfigo vulgar deve entrar
lesões mucosas, que podem permanecer por meses no diagnóstico diferencial de 2 grupos:
ou anos como única manifestação; ocorrem em apro- • Úlceras/aftas orais: aftas de repetição, doença de
ximadamente 60% dos casos e são provocadas pelos Behçet, líquen plano. Lúpus eritematoso, estomati-
autoanticorpos contra a desmogleína 3. A mucosa te herpetiforme e carcinoma espinocelular da cavi-
oral é a mais afetada, mas podem acontecer lesões dade oral;
em conjuntivas e mucosas genitais e anais. As lesões • Doenças bolhosas: outros pênfigos (foliáceo, para-
características seriam erosões e úlceras que limitam o neoplásico etc.), os penfigoides (penfigoide bolho-
paciente porque a dor é importante. Na pele, as lesões so, penfigoide gestacional, dermatose por IgA line-
bolhosas podem estar intactas ou apenas se apresen- ar), dermatite herpetiforme, eritema multiforme e
tar ao médico na forma de erosões após terem sido líquen plano bolhoso.
rompidas, já que são formadas por um teto fino de - Tratamento: a base do tratamento é o controle da
camada epidérmica. As erosões comumente acabam formação dos autoanticorpos por meio do uso de
tendo infecção secundária e também são doloridas. corticosteroides e imunossupressores. Dos primeiros,
Quando as lesões são extensas, pode haver sinais e a mais usada é a prednisona, na dose de 1 a 2mg/kg

DERMATOLOGIA
sintomas sistêmicos pela resposta inflamatória, como (necessita de maiores doses que o pênfigo foliáceo),
febre, adinamia e inapetência. Na propedêutica, são 2 que, com a melhora, é diminuída, evitando o desen-
os sinais clássicos associados aos pênfigos; volvimento de efeitos colaterais como a hipertensão
- Sinal de Nikolsky: a pele perilesional é arrancada facil- arterial, o diabetes mellitus e a osteoporose (é re-
mente apenas fazendo-se uma pressão e deslizando-a comendado o uso de vitamina D, cálcio e em alguns
no sentido centrífugo em relação à lesão; esse sinal não casos severos, os bifosfonados como o alendronato).
é exclusivo do pênfigo vulgar, pois indica apenas acan- Utilizam-se, também, outros imunossupressores para
tólise (perda de adesão entre os queratinócitos), o que poupar o uso dos corticoides; entre eles, a mais usada
ocorre a todos os pênfigos e também outras doenças é a azatioprina, pois tem um manejo mais prático. A
bolhosas, como a Necrose Epidermolítica Tóxica (NET); ciclofosfamida e o metotrexato também são boas op-
- Sinal de Asboe-Hansen: ao fazer uma pressão de cima ções. Apesar de pouco usado no Brasil, o micofenolato
para baixo no teto da bolha, aumenta-se a lesão; fisio- de mofetila é considerado de 1ª linha nos EUA.
patologicamente, indica o mesmo processo que o sinal
de Nikolsky.

Entre as principais variantes, existe o pênfigo vegetante,


no qual as lesões que surgem em áreas de dobras passam a
desenvolver um grande tecido de granulação sobre as regi-
ões erodidas, assumindo um aspecto vegetante devido ao
grande volume do tecido inflamatório; esse tipo de apre-
sentação também pode acontecer no couro cabeludo:
- Métodos diagnósticos: para obter o diagnóstico de
pênfigo vulgar, além de a clínica ser compatível com
a presença de bolhas flácidas na pele e nas mucosas,
frequentemente é necessária a imunofluorescência
direta, na qual se pesquisa a presença de autoanti-
corpos na pele obtida de biópsia de uma região peri-
lesional; nela o resultado é positivo quando ocorre a
Figura 17 - Pênfigos: como as bolhas são menos tensas, elas se
fluorescência em um padrão intercelular na epiderme,
rompem facilmente deixando erosões
normalmente com predomínio de IgG e complemen-
to. A imunofluorescência indireta mostra anticorpos Casos severos, que frequentemente necessitam de in-
circulantes e tem maior correlação com a atividade ternação, se beneficiam com imunoglobulina intraveno-
da doença. A histopatologia também ajuda, porém sa, que rapidamente leva à melhora, mas que tem custos
não de forma definitiva, servindo apenas para sepa- proibitivos e não leva a um efeito duradouro (sempre é
rar de outros quadros bolhosos como os penfigoides e necessária a associação das drogas já mencionadas). Com
Stevens-Johnson; nela está a formação de bolhas den- o advento da corticoterapia e outros imunossupressores,
tro da epiderme acima da camada basal, e é possível reduziu-se em muito a mortalidade pela doença, por outro
visualizar a separação dos queratinócitos constituindo lado, hoje as mortes costumam acontecer por complicações
a acantólise; essa última alteração também pode ser relacionadas ao uso dessas medicações, por isso seu des-
demonstrada pelo teste de Tzanck. mame deve ser planejado o mais brevemente possível.

59
DERMATOLOG I A

b) Pênfigo foliáceo Há 2 formas clínicas distintas:


Doença bolhosa universal com vários subtipos clínicos - Pênfigo herpetiforme: pequenas vesículas que se
e imunológicos, entre eles uma forma endêmica no Brasil agrupam num padrão herpetiforme e são muito pru-
conhecida como “fogo selvagem”. Dentre as doenças bo- riginosas;
lhosas, essa é a com melhor prognóstico, havendo inclusi- - Pênfigo eritematoso de Senear-Usher: associa carac-
ve formas localizadas. Uma diferença marcante seria o não terísticas do pênfigo foliáceo às do lúpus eritematoso e
acometimento das mucosas como em outros pênfigos: da dermatite seborreica, tendo lesões em placas erodi-
- Epidemiologia: suas variantes podem ocorrer em vá- das na face (tipo “asa de borboleta”) e na região ester-
rios países do mundo de forma inespecífica, no en- nal. Alguns pacientes podem ter FAN positivo;
tanto, existem alguns subtipos com caráter endêmico - Métodos diagnósticos: o diagnóstico é eminentemen-
como o “fogo selvagem”, que pode estar associado te clínico, mas pode ser confirmado também pela his-
à presença de mosquitos vetores em áreas rurais topatologia (bolha intraepidérmica alta com acantólise
brasileiras e também na Tunísia, onde há uma maior dos queratinócitos) e principalmente pela imunofluo-
incidência em pacientes do sexo feminino. Mas, ex- rescência direta na qual ocorre um depósito de IgG e
cetuando esse último subtipo, não há predileção por complemento com padrão intercelular localizado na
sexo ou raça. Há também diferenças quanto à idade, porção alta da epiderme (no pênfigo vulgar o depósi-
pois as formas clínicas gerais tendem a ocorrer em to é mais baixo); com técnicas de biologia molecular
adultos de meia idade, enquanto as formas endêmi- como o Western-Blot fica demonstrado que esses an-
cas são mais comuns em crianças e jovens (é a doen- ticorpos são contra a desmogleína 1 (não a desmogle-
ça bolhosa mais frequente, em números absolutos, ína 3, como no pênfigo vulgar). A imunofluorescência
nas crianças); indireta detecta a presença de anticorpos circulantes e
- Fisiopatologia: é a mesma do pênfigo vulgar com a é importante para monitorar o tratamento, já que tem
formação de autoanticorpos contra estruturas de ade- boa correlação com a atividade da doença (os títulos
são intercelular, os desmossomos, contudo a grande tendem a diminuir com a introdução da terapêutica).
diferença é o antígeno que nesse caso é unicamente a O diagnóstico diferencial se faz com outros pênfigos
desmogleína 1, fato que explica a ausência de lesões (vulgar, paraneoplásico etc.), os penfigoides (penfigoi-
mucosas (que só surgem quando há anticorpos contra de bolhoso, penfigoide gestacional, dermatose por IgA
a desmogleína 3). Acredita-se numa influência imu- linear), dermatite herpetiforme, eritema multiforme e
nogenética, o que explica algumas formas endêmicas líquen plano bolhoso;
como a tunisiana e também em fatores ambientais, - Tratamento: o tratamento é o mesmo do pênfigo
como os mosquitos do gênero simulídeo, comuns em vulgar com a prednisona oral, no entanto, a resposta
algumas áreas de mata no Brasil e nas quais a popu- é melhor, sendo necessárias doses menores de 0,5
lação apresenta altos índices de autoanticorpos, mes- a 1mg/kg. Devido à cronicidade da doença a terapia
mo sem manifestar a doença. Outra particularidade com glicocorticoides é quase sempre de longo prazo
nos pênfigos foliáceos é a sensibilidade aos raios UV, e é preciso instituir outros imunossupressores para
havendo uma predileção das lesões pelas áreas foto- substituí-los; os mais usados também são a azatiopri-
expostas. As mesmas medicações citadas no pênfigo na e o micofenolato de mofetila (MMF). A variante do
vulgar podem levar ao tipo foliáceo; pênfigo eritematoso responde bem ao uso da cloro-
- Quadro clínico: a maioria dos pacientes tem surtos quina e fotoproteção. Casos localizados podem ser
crônicos e recidivantes com caráter benigno, não afe- tratados apenas com o uso de corticoides tópicos. Em
tando o seu estado geral. O início se dá na maioria com casos graves, pode-se reverter o quadro com plasma-
lesões no tronco, com predomínio na região esternal férese (remove anticorpos circulantes) e imunoglobu-
por ser essa uma área seborreica; com a dissemina- lina intravenosa (anticorpos contra os autoanticorpos
ção, as lesões surgem na face, dorso e couro cabelu- do pênfigo), sendo em seguida instituído o tratamento
do. Muitos casos apresentam fotossensibilidade com com outros imunossupressores.
piora e/ou surgimento das lesões à exposição solar.
Raramente, são vistas bolhas ao exame dermatoló- c) Pênfigo paraneoplásico
gico, pois essas são muito flácidas e se rompem com Forma clínica nova, descrita na década de 1990, na qual
facilidade; assim, as lesões elementares consistem de pacientes com algum tipo de malignidade passam a apre-
erosões com crostas que podem ou não ter infecção sentar bolhas disseminadas e erosões de mucosas. A do-
secundária. Essas áreas de erosões podem confluir e ença é agressiva por si só e chega a taxas de mortalidade
são muito dolorosas. Pode-se ter a positividade do si- próximas de 90%; sua cura depende da resolução do qua-
nal de Nikolsky ao friccionar a pele sã perilesional, que dro oncológico:
se desprende facilmente. Eritrodermia ocorre nos ca- - Epidemiologia: acomete mais idosos, população com
sos com pior evolução. maior incidência de neoplasias, e o pico é por volta

60
D O E N Ç A S I N F L A M AT Ó R I A S

de 60 anos. Não tem predominância por sexo ou raça. anticorpos (sensibilidade de 75% e especificidade
Casos em crianças já foram descritos e normalmente de 83%).
estão associados a malignidades hematológicas, como
os linfomas e as leucemias (o mais comum é o linfoma O diagnóstico diferencial é como os demais pênfigos (o
não Hodgkin). Doença de ocorrência universal; vulgar, o mais parecido pelas lesões em mucosas) e o penfi-
- Fisiopatologia: tem a mesma base com formação de goide bolhoso, pela maior incidência nos idosos.
autoanticorpos, no entanto, ocorre uma multiplicida- - Tratamento: a resposta é muito desapontadora, e
de de antígenos, o que leva a um comprometimento a maioria dos pacientes só melhora com a cura da
tanto intraepidérmico como na zona da membrana doença neoplásica, o que nem sempre é possível.
basal. A grande maioria dos casos se inicia por uma Cuidados paliativos com as feridas, evitando a infec-
doença linfoproliferativa, o que leva a acreditar numa ção secundária e amenizando os sintomas, devem
formação desordenada de autoanticorpos por parte sempre ser associados. Os corticosteroides em altas
dessas células imunológicas aberrantes; no entanto, doses são a melhor opção, entretanto aumentam a
casos com tumores de outras linhagens já foram des- mortalidade por complicações como infecções sistê-
critos (sarcomas, carcinomas pulmonares, timomas). micas, distúrbios hidroeletrolíticos etc.; sempre que

DERMATOLOGIA
O depósito desses anticorpos na porção intraepidér- possível, devem-se introduzir os poupadores como a
mica leva à separação dos queratinócitos com a forma- azatioprina e ciclofosfamida. A plasmaférese e a imu-
ção das bolhas e, na zona da membrana basal, a uma noglobulina intravenosa também levam a um contro-
dermatite de interface do tipo liquenoide; le rápido, mas dura muito pouco. Pode-se solicitar
- Quadro clínico: o início se dá com lesões na cavida- acompanhamento com a pneumologia e a otorrino-
de oral altamente incapacitantes, lembrando as do laringologia no caso de comprometimento respirató-
Stevens-Johnson; pouco tempo depois, surgem bolhas rio e de mucosas. As taxas de mortalidade giram em
disseminadas e o acometimento de outras mucosas torno de 90%.
(conjuntiva, nasal, genital). Pode haver associação a
lesões em placas eritematosas, urticariformes e em B - Penfigoides
alvo como no eritema multiforme. O sinal de Nikolsky Estas doenças bolhosas têm em comum a separação na
é positivo, e grandes áreas de desprendimento epidér-
zona da membrana basal que é a transição entre a epiderme
mico podem ocorrer (lembrando a NET). O paciente
e a derme, sendo então bolhas de clivagem baixa. Também
apresenta-se toxemiado com queda do estado geral e
são autoimunes e os alvos são proteínas transmembrânicas
sinais de inflamação sistêmica. É possível o comprome-
que mantêm a aderência entre as 2 camadas da pele. São
timento de mucosas internas como as do trato gastrin-
doenças crônicas que requerem tratamento por longo pra-
testinal e pulmonar, sendo estas a principal causa de
zo, o que aumenta a morbidade do quadro.
mortalidade. O comprometimento da conjuntiva pode
levar a processos inflamatórios que culminam com a) Penfigoide bolhoso
cicatrizes incapacitantes, por isso devem ser tratados Doença bolhosa crônica muito associada a idosos, na
agressivamente; qual surgem bolhas tensas e raramente lesões mucosas,
- Métodos diagnósticos: para chegar ao diagnóstico, tendo um caráter relativamente benigno, já que os índices
devem-se aliar vários aspectos: de mortalidade pela doença não são tão altos como nos
• Clínicos: lesões erosivas de mucosa oral (e/ou ou- pênfigos:
tras mucosas) aliada a uma erupção cutânea poli- - Epidemiologia: a idade de início é por volta de 65
morfa (bolhas, erosões, placas eritematosas ou urti- anos, o que aumenta a dificuldade do tratamento, pois
cariformes, pústulas); os idosos geralmente têm diversas comorbidades as-
• Histopatológicos: demonstração de clivagens na epi- sociadas; apesar disso, já houve relatos de penfigoide
derme com a presença de acantólise e necrose de bolhoso em crianças. Não há predileção por sexo ou
queratinócitos aliada a uma dermatite de interface raça. A incidência é baixa com taxas de 1 caso para
do tipo liquenoide agredindo a membrana basal; cada 100.000 habitantes por ano;
• Imunofluorescência direta: comumente a positivi- - Fisiopatologia: tem origem autoimune com a forma-
dade se dá com depósitos de IgG, complemento e ção de anticorpos contra 2 proteínas transmembrâni-
às vezes IgM e IgA (os 2 primeiros são os mais fre- cas denominadas BPAG 1 (230 kilodáltons) e BPAG 2
quentes); esse depósito é intercelular e linear na (180 kilodáltons); a 1ª é um componente do hemides-
zona da membrana basal; mossomo, e a 2ª é uma molécula de colágeno. Com
• Imunofluorescência indireta: pesquisa a presença a ligação dos autoanticorpos, ocorrem a ativação do
de anticorpos circulantes no sangue dos pacientes; complemento e o processo inflamatório com atração
o grande diferencial é a positividade quando usada de leucócitos, dentre eles os eosinófilos, que pare-
a bexiga de rato como substrato para depósito dos cem ter um papel importante no penfigoide bolho-

61
DERMATOLOG I A

so. Os anticorpos são, principalmente, da classe IgG. (ELISA e immunoblotting) podem demonstrar que os
O desprendimento da epiderme para a formação da anticorpos são contra os antígenos específicos BP230 e
bolha ocorre então pela produção de proteases pe- BP180. O diagnóstico diferencial se dá frente aos pên-
los leucócitos ativados e diretamente pela ligação figos, principalmente o vulgar e paraneoplásico, pois
dos anticorpos, impedindo o funcionamento normal ambos cursam com lesões mucosas, e também com
das proteínas de ligação. Há relatos de indução de outras doenças bolhosas subepidérmicas como a der-
penfigoide bolhoso pelo uso de certas medicações: matite herpetiforme, a epidermólise bolhosa adquiri-
penicilamina, furosemida, ibuprofeno e outros anti- da (salt-split skin), o penfigoide cicatricial e o líquen
-inflamatórios, captopril, e outros inibidores da ECA. plano bolhoso. Erupções bolhosas por farmacoder-
Alguns estudos mostraram que pode haver asso- mias podem mimetizar o penfigoide bolhoso, inclusive
ciação a malignidades ocultas, mas alguns autores na histopatologia, já que também podem ser encon-
acham que isso é um viés epidemiológico, pois nessa trados eosinófilos; nesses casos, é fundamental a aju-
faixa etária a incidência de neoplasias é maior que na da da imunofluorescência direta;
população geral; - Tratamento: casos leves podem ser tratados de forma
- Quadro clínico: inicia-se por uma erupção aguda ou mais conservadora com o uso de tetraciclinas (pelo
subaguda de bolhas tensas que se disseminam, po- poder anti-inflamatório) associada a corticosteroides
dendo atingir qualquer segmento corporal; em alguns tópicos de alta potência; mesmo havendo uma melho-
pacientes, as bolhas surgem de lesões urticarifor- ra parcial com essa abordagem, muitos convivem bem
mes persistentes, o que muitas vezes leva a um erro com a patologia, e a remissão pode ser espontânea em
diagnóstico inicial. Como o teto da bolha é formado meses ou anos. A vantagem é que esse tratamento não
por toda a epiderme, são mais resistentes, levando tem riscos de grandes efeitos colaterais. Casos severos
a grandes lesões tensas; as que se rompem levam a merecem tratamento com corticoides sistêmicos como
áreas de erosão suscetíveis a infecções secundárias. O a prednisona, inicialmente em altas doses (60 a 80mg),
prurido é quase sempre associado e é importante se e que é diminuída até uma dose de manutenção de 10
presente. Queda do estado geral é vista nos casos com a 20mg/dia; o que pesa contra é a morbidade do tra-
lesões disseminadas. Como não há acantólise, não se tamento imunossupressor, principalmente nessa faixa
encontra o sinal de Nikolsky comum aos pênfigos. As etária, e esse fator pode até mesmo aumentar as taxas
lesões resolvidas não costumam deixar cicatrizes per- de mortalidade, já que a doença pode ter um caráter
sistentes. Lesões mucosas não ocorrem em mais do indolente em muitos casos, sendo desnecessária uma
que 15 a 20% dos casos e, quando o fazem, são raras e abordagem de risco. Cuidados gerais, como limpeza
fugazes, mas podem provocar a dificuldade de degluti- das feridas e uso de analgésicos, podem ser associados
ção, comprometendo o estado nutricional dos idosos. conforme a necessidade.
Formas vegetantes, principalmente em áreas flexurais,
já foram descritas na literatura científica, bem como
algumas formas localizadas acometendo, por exemplo,
apenas 1 perna;
- Métodos diagnósticos: além da união dos aspectos
clínicos principais (idosos, bolhas tensas dissemina-
das, prurido e caráter crônico) para chegar ao diag-
nóstico, pode-se lançar mão do exame histopatológi-
co, que mostra a clivagem baixa no nível da zona da
membrana basal; o conteúdo da bolha é intensamente
inflamatório, e uma característica importante é a pre-
sença de eosinófilos. O exame padrão-ouro é a imu-
nofluorescência direta, que mostra um depósito de
IgG e de complemento num padrão linear na área de
transição entre a epiderme e a derme; isso também
acontece em outras doenças bolhosas, como a epider-
mólise bolhosa adquirida, e para a diferenciação pode- Figura 18 - Penfigoide bolhoso: bolhas tensas que permanecem
-se complementar o exame com a técnica de salt-split intactas
skin, na qual uma solução fisiológica separa a pele
exatamente na lâmina lúcida, sendo então visualizado b) Dermatite herpetiforme
o depósito imunofluorescente no teto da pele separa- Doença bolhosa autoimune associada à enteropatia
da (na epidermólise bolhosa ele permanece no asso- sensível ao glúten (doença celíaca) mediada por IgA. O
alho). Exames mais específicos de biologia molecular nome vem do aspecto clínico das lesões que se agrupam

62
D O E N Ç A S I N F L A M AT Ó R I A S

mimetizando lesões de herpes. O prurido é presente na


quase totalidade dos casos. O caráter crônico implica o tra-
tamento de manutenção, principalmente com o ajuste da
dieta livre de glúten:
- Epidemiologia: doença infrequente com prevalência
por volta de 10 casos para cada 100.000 habitantes.
Há maior incidência em caucasianos, rara em asiáticos,
negros e populações indígenas. É controversa a predi-
leção pelo sexo feminino com estudos mostrando ta-
xas de 1,5:1 em relação aos homens. Apesar de poder
acometer qualquer idade, é mais comum em adultos
jovens (dos 20 aos 30 anos);
- Fisiopatologia: o evento inicial é o depósito de IgA na
derme papilar, onde desencadeia uma reação imuno-
lógica inflamatória na qual há predomínio de neutró-

DERMATOLOGIA
Figura 19 - Imunofluorescência com depósito de IgA nas papilas
filos; isso parece acontecer porque, na pele, também
dérmicas
estão presentes enzimas denominadas de transglu-
taminases, que são semelhantes às encontradas na - Diagnóstico diferencial: se dá, principalmente, com a
mucosa intestinal; com isso, a dieta rica em glúten dermatose por IgA linear, que é mais comum em crian-
estimula uma reação autoimune contra tais enzimas ças e se localiza mais nas flexuras. Outras doenças bo-
intestinais e paralelamente ocorre o mesmo na pele. lhosas, como pênfigos e penfigoide bolhoso, também
Há uma predisposição genética, pois a dermatite her- são diferenciadas pelo exame anatomopatológico e
petiforme é mais frequente em pacientes com HLA-B8 pela imunofluorescência. Devido ao prurido, pode ser
e HLA-DR3; confundida com dermatite atópica e urticárias alérgi-
- Quadro clínico: a maioria dos pacientes vem ao con- cas. Alguns casos são erroneamente diagnosticados,
sultório com queixa de crises recorrentes de prurido como escabiose, que dificilmente tem um curso crôni-
e lesões cutâneas; essas podem ser pequenas placas co e recorrente e não tem lesões bolhosas;
eritematosas com vesículas que se agrupam num pa-
drão herpético, distribuídas no tronco, joelhos e coto-
- Tratamento: como medidas gerais, deve-se introduzir
uma dieta livre de glúten que pode melhorar por si só
velos (superfícies extensoras); devido às escoriações,
muitos casos (até 80% em alguns estudos); dapsona
podem estar presentes erosões lineares e crostas com
é a terapêutica medicamentosa mais utilizada com
infecção secundária. Lesões urticariformes também já
foram descritas. As lesões mucosas orais e genitais são respostas rápidas e espantosas, às vezes, servindo até
raras. Apenas 10% dos pacientes manifestarão sinto- como teste terapêutico; parece ter efeito inibitório so-
mas de má absorção (diarreias, náuseas, dores abdo- bre os neutrófilos. Seu principal efeito colateral é a he-
minais) devido à enteropatia do glúten. Os demais 90% mólise, principalmente em pacientes com deficiência
só são diagnosticados com exames mais invasivos (en- de G6PD. Os anti-histamínicos podem ser usados para
doscópicos e/ou biópsia da mucosa intestinal). Nesses controle do prurido – hidroxizina, loratida etc. O prog-
casos de acometimento intestinal, há um risco maior nóstico é bom, mas a doença tende a ser persistente.
para desenvolvimento de linfoma nesse mesmo órgão Acompanhamento gastroenterológico é necessário
e os pacientes necessitam de um acompanhamento para monitorar um possível surgimento de linfoma.
mais rigoroso. Também há maior associação a outras
doenças autoimunes: miastenia gravis, anemia perni- 4. Doenças do colágeno
ciosa e tireoidites;
- Métodos diagnósticos: a biópsia para exame anato- Neste tópico, são discutidas as patologias de interface
mopatológico é fundamental, e os achados são de com a Reumatologia, nas quais estão presentes os fenô-
bolhas subepidérmicas associadas a um infiltrado de menos de autoimunidade. Muitas vezes, as lesões cutâne-
neutrófilos, formando microabscessos na derme pa- as são a 1ª manifestação da doença, e posteriormente os
pilar. Assim como na doença celíaca, podem ser en- pacientes vêm a manifestar os sinais de comprometimento
contrados anticorpos antigliadina e antiendomísio no sistêmico. Muitos casos, no entanto, podem ficar apenas
sangue periférico, com sensibilidade de 70 a 80% (o restritos à pele e são conduzidos inteiramente pelo der-
2º tem maior especificidade). A imunofluorescência matologista. O conhecimento do quadro clínico cutâneo
da pele perilesional mostra um depósito granular de dessas enfermidades ajuda na antecipação do diagnóstico
IgA na derme papilar e fecha o diagnóstico com cer- e institui o tratamento precocemente para evitar a pior evo-
teza. lução, que é a tendência na maioria dos casos.

63
DERMATOLOG I A

A - Lúpus eritematoso são áreas fotoexpostas, principalmente na face e no


couro cabeludo; particularmente nessa região, pode
Grave doença reumatológica com espectro variando levar a uma placa de alopecia cicatricial irreversível.
por meio das 3 formas clínicas principais: lúpus cutâneo Eventualmente, as lesões surgem nos membros su-
crônico, lúpus subagudo e lúpus sistêmico. Enquanto a 1ª periores e no tronco. Lesões mucosas – úlceras orais
se caracteriza pela restrição da doença à pele, a última já – são raras. Como sintomas, os pacientes frequente-
manifesta o temido comprometimento de órgãos nobres mente relatam ardor local e, eventualmente, um dis-
com possibilidade de desfechos fatais. No entanto, a doen- creto prurido. Com a evolução, as lesões não tratadas
ça pode ser dinâmica e uma forma pode evoluir para outra, deixam cicatrizes atróficas e deprimidas como se fosse
dificultando a classificação didática às vezes. uma mordida de lobo (daí a origem do nome “lúpus”).
A participação dos raios UV é importantíssima, princi- Cerca de 5 a 10% dos pacientes podem, em algum mo-
palmente no que tange à pele, onde diretamente induzem mento da vida, evoluir para o lúpus sistêmico;
à formação de lesões. A dificuldade do tratamento será
sempre presente devido à necessidade de manutenção
dos corticosteroides e suas conhecidas complicações. Para
melhorar o entendimento da doença, serão discutidos seus
aspectos de forma separada.
a) Lúpus cutâneo crônico
Sinonímia: lúpus discoide. Quadro quase exclusiva-
mente cutâneo, caracterizado por lesões bem definidas em
áreas fotoexpostas e cuja morbidade está na evolução com
cicatrizes inestéticas:
- Epidemiologia: como todas as formas de lúpus, é
mais frequente nas mulheres, tendo incidência maior
em adultos jovens. Há relatos de acometimento mais
frequente e mais grave nos negros. Alguns trabalhos
mostraram a associação ao tabagismo, sendo esse um
fator que interfere negativamente na resposta do tra-
Figura 20 - Lúpus discoide: lesões em placas bem delimitadas com
tamento;
eritema e descamação na face
- Fisiopatologia: é desconhecida nos detalhes princi-
pais, mas postula-se a participação de fatores múlti- - Métodos diagnósticos: a apresentação clínica é bem
plos, sendo os mesmos em todas as formas do lúpus característica, mas é sempre prudente a realização
eritematoso: do exame histopatológico para confirmação, possibi-
• Predisposição genética (por meio de alguns genes litando maior segurança ao tratamento; esse exame
do HLA); costuma apresentar uma dermatite de interface der-
• Fatores hormonais (explica a incidência de 9:1 a fa- moepidérmica com infiltrado de linfócitos. Casos du-
vor de pacientes do sexo feminino); vidosos podem ser complementados com o exame da
• Influência ambiental (por meio da participação dos imunofluorescência direta que mostra um depósito
raios UV); de IgG, IgM e complemento na junção dermoepidér-
mica (chamada de banda lúpica); a diferença do lúpus
• Distúrbio imunológico (desencadeando a resposta
discoide para o lúpus sistêmico é que a banda lúpica
inflamatória desenfreada que agride o próprio or-
só é positiva na lesão, enquanto no último pode ser
ganismo).
positiva até na pele normal fotoexposta. Pode haver
A agressão da pele se dá no nível da membrana basal, e positividade do FAN em alguns casos, mas sempre com
acredita-se que aí se encontram os antígenos que são alvos títulos baixos (1:16). Também há possibilidade de exa-
dos autoanticorpos. mes de VDRL falsos positivos. O diagnóstico diferencial
- Quadro clínico: inicialmente, manifesta-se com placas pode ser feito com lesões de queratoses actínicas (car-
eritematosas com escamas grossas e aderidas (quan- cinoma espinocelular in situ), com lesões eritemato-
do retiradas pelo examinador, percebe-se, na sua face escamosas como de psoríase ou tinha (não costumam
inferior, a presença das espículas córneas como se fora ter fotossensibilidade), com os fotoeczemas e com a
uma “cama de pregos”). Essas placas são muito bem erupção polimorfa à luz (não costumam provocar le-
delimitadas, certas vezes com forma numular. Com a sões residuais cicatriciais);
evolução, surge uma atrofia na porção central, man- - Tratamento: primeiramente, deve-se manter uma boa
tendo as bordas elevadas e também discromias (hipo fotoproteção com filtros que tenham FPS 30 no míni-
ou hiperpigmentação centrais). Os locais preferidos mo, além de mudanças no comportamento da exposi-

64
D O E N Ç A S I N F L A M AT Ó R I A S

ção. As lesões podem ser tratadas com corticoides de - Métodos diagnósticos: a apresentação clínica com le-
alta potência, mesmo quando elas se apresentarem sões eritematoescamosas anulares em área fotoexposta
na face, pois, se o tratamento fica concentrado ape- é bem característica, mas é sempre prudente o exame
nas na placa de lúpus, dificilmente ocorrerão os efei- histopatológico para confirmação, possibilitando maior
tos colaterais dos corticoides tópicos (atrofia, estrias, segurança ao tratamento; esse exame costuma apresen-
discromias); alguns casos resistentes necessitam até tar uma dermatite de interface dermoepidérmica, com
mesmo de infiltração intralesional com triancinolona. infiltrado de linfócitos. Casos duvidosos podem ser con-
O tratamento padrão-ouro é a cloroquina que pode ser firmados com a imunofluorescência direta (banda lúpi-
ministrada na forma do difosfato ou na forma da hidro- ca) que chega a ser positiva em até 50% dos pacientes.
xicloroquina (tem melhor resposta); tem efeito inibitó- Na sorologia, o FAN pode ser positivo na grande maioria
rio na inflamação e diminui a fotossensibilidade. Seu (quase 90%), porém os títulos costumam ser baixos (até
principal efeito colateral é a retinopatia por depósito, 1:64); nos anticorpos específicos, a positividade de anti-
por isso é necessário o acompanhamento oftalmológi- -Ro (anti-SSa) chega a quase 40%, e as pacientes que
co anualmente. Alguns casos raros com pior evolução apresentam esta alteração correm um risco maior de
podem se beneficiar dos esteroides sistêmicos por um terem filhos com lúpus neonatal e distúrbios cardíacos

DERMATOLOGIA
curto período. de condução como bloqueios de ramo;
b) Lúpus subagudo
- Tratamento: devido à exuberância das lesões que cos-
tuma ocupar uma grande porcentagem da área corpo-
Seria uma forma intermediária entre o quadro do lú- ral correspondente à pele exposta ao sol, muitos pa-
pus crônico e a forma sistêmica, tanto do ponto de vista cientes se beneficiam do uso de corticoides sistêmicos
cutâneo, pois as lesões são psoriasiformes, mas não che- (prednisona 1mg/kg); o mesmo vale para aqueles que
gam a provocar atrofia e sequelas cicatriciais, quanto do venham apresentar sintomas de acometimento sistê-
lado sistêmico, já que alguns pacientes podem ter algu- mico. Esse tratamento deve ser realizado por período
mas manifestações que estão entre os critérios clínicos breve e deve-se associar precocemente a cloroquina
de lúpus: (difosfato ou hidroxicloroquina) que irá auxiliar no des-
- Epidemiologia: não é a manifestação mais frequente mame do esteroide. Se as lesões se apresentarem em
do lúpus eritematoso, e somente 10% dos casos apa- pequeno número, a preferência será para os corticoi-
recem com essa apresentação em sua forma pura. des tópicos de alta potência. Sempre manter, também,
Também é mais frequente em pacientes do sexo fe- as medidas de fotoproteção. Já houve relato de melho-
minino, porém é rara em negros e mestiços (diferente ra de pacientes com uso de talidomida, mas essa deve
da forma crônica). A faixa etária mais acometida é de ser reservada a mulheres que não estejam em idade
jovens adultos e pacientes de meia-idade. No caso de fértil e que não responderam aos tratamentos citados.
recém-nascidos com manifestações cutâneas de lúpus,
é a forma mais comum; c) Lúpus eritematoso sistêmico
- Fisiopatologia: tem importante correlação com a ex- Forma mais grave com acometimento de diversos siste-
posição solar, pois os raios UV levam a um aumento mas por um processo inflamatório tecidual e vascular, que
da expressão de certos antígenos nos queratinócitos, pode ter diversas manifestações cutâneas, inclusive aque-
entre eles estão o antígeno Ro (SSa) e o antígeno La las já citadas no lúpus cutâneo crônico e no lúpus subagu-
(SSb); a partir daí são formados autoanticorpos volta- do. Por ser uma doença complexa e dinâmica, foram cria-
dos contra tais antígenos que o organismo não reco- dos critérios, pela Academia Americana de Reumatologia,
nhece como próprios. Esse desconhecimento por par- para fechar o diagnóstico, e que servem para nortear os clí-
te do sistema imunológico parece estar correlacionado nicos nessa dura jornada de combate a essa enfermidade.
com uma predisposição genética do sistema HLA (há Os dermatologistas muitas vezes são os que primeiramente
maior associação entre o lúpus cutâneo subagudo e os têm contato com o doente, já que muitos destes abrem o
genes HLA-DR3 e HLA-DQw2.1); quadro com lesões cutâneas.
- Quadro clínico: inicia-se como um quadro maculo- - Epidemiologia: é uma doença típica de mulheres jo-
papular em áreas fotoexpostas. Com a evolução as vens com acometimento de 9 pacientes femininos para
lesões crescem e tornam-se eritematoescamosas de cada masculino. A faixa etária mais acometida é de 30
configuração anular e aspecto psoriasiforme. As lesões a 40 anos, mas pode ter início na puberdade, rara em
costumam apresentar ardor. Sintomatologia sistêmica idosos. Apesar de alguns trabalhos mostrarem relação
inespecífica, como artralgia e fadiga, pode ocorrer em com alguns subtipos de HLA, não é comum encontrar
metade dos casos. Após a resolução das lesões não história de acometimento familiar. É mais frequente
costumam ocorrer cicatrizes. Alguns pacientes podem em negros, nos quais também é mais grave;
preencher critérios para lúpus sistêmico, porém os - Fisiopatologia: geneticamente, a base é a mesma des-
quadros são mais brandos; crita nos subtipos anteriores, associando-se aos mes-

65
DERMATOLOG I A

mos tipos de HLA (DR-3, B-8, e DR-2 B-7). Houve rela-


tos de casos associados à deficiência de complemento,
mais especificamente C2 e C4. Os demais fatores etio-
patogênicos supostamente implicados (hormonais,
raios UV, distúrbio imunológico) já foram mencionados
(lúpus cutâneo crônico);
- Quadro clínico: para chegar ao diagnóstico do lúpus eri-
tematoso sistêmico, pode-se lançar mão dos critérios da
Academia Americana de Reumatologia (Tabela 1).

Tabela 1 - Critérios diagnósticos de lúpus


Aspectos clínicos
- Rash malar;
- Lesões discoides;
- Fotossensibilidade;
Figura 21 - Forma sistêmica do lúpus eritematoso com o rash ma-
- Úlceras orais; lar “em asa de borboleta”
- Artrite;
- Serosite (pleurite ou pericardite); B - Dermatomiosite
- Acometimento renal (proteinúria); Afecção autoimune que comumente tem comprome-
- Acometimento neural (psicose). timento miopático inflamatório aliado a quadro cutâneo
Aspectos laboratoriais
característico e que pode apresentar acometimento de ór-
gãos internos como esôfago, pulmão e coração nos casos
- Alterações de hemograma (citopenias); mais graves. Casos em idosos merecem uma atenção espe-
- Positividade anti-Sm e anti-Ds-DNA; cial, pois podem fazer parte de uma síndrome paraneoplási-
ca com neoplasias ocultas, que somente são diagnosticadas
- FAN positivo.
após a manifestação dessa doença:
No total, são 11 os critérios, e, se o paciente apresenta - Epidemiologia: não é frequente, e a incidência em
4 deles, aumenta muito a sensibilidade e a especificida- alguns países chega a quase 0,5 a 1 caso para cada
de para o diagnóstico do quadro sistêmico; mas se deve 100.000 habitantes. Os caucasianos são mais acome-
analisar cada caso com cautela, pois muitas vezes se pode tidos, mas pode ser variável de acordo com o país. A
estar diante de pacientes com quadros cutâneos puros e incidência também é maior nas mulheres, assim como
que preenchem tais critérios, como um paciente com lú- em outras colagenoses, e as taxas são de 2 casos para
pus cutâneo crônico, apresentando lesões discoides, uma cada paciente do sexo masculino. Pode acometer pa-
úlcera oral, fotossensibilidade e o FAN positivo em títulos cientes de qualquer idade, entretanto há 2 picos: um
baixos. em crianças (dermatomiosite juvenil) e outro em ido-
Dentre as lesões mais características no lúpus sistêmico, sos; a 1ª tem um comportamento mais benigno com
está o rash malar “em asa de borboleta”, que se constitui resolução mais rápida, enquanto a 2ª pode ter até um
em placas eritematosas, pouco infiltradas, mas com ede- desfecho fatal, se associada à neoplasia;
ma, distribuídas como uma máscara no centro facial; nela é - Fisiopatologia: é desconhecida, e acredita-se que o
possível encontrar uma fina descamação e, eventualmente, mecanismo cutâneo seja o mesmo do lúpus eritema-
erosões. toso com uma agressão citotóxica mediada por linfó-
Outras lesões possíveis: lesões de urticária vasculite e citos contra antígenos presentes na transição dermoe-
púrpuras palpáveis, lesões bolhosas, lesões de lúpus crô- pidérmica; já o componente da miosite parece ocorrer
nico e subagudo já descritas. Também na porção periun- secundariamente a uma inflamação vascular. Como
gueal dos dedos das mãos, são vistos pontos hemorrági- desencadeante para os mecanismos autoimunes,
cos e telangiectasias que representam uma vasculite dos postula-se a participação de antígenos virais, uso de
capilares periféricos. As lesões mucosas se manifestam medicações e reação a certas substâncias, como im-
como ulcerações no palato ou na mucosa jugal. Devem-se plantes de silicone. Os raios UV também contribuem
citar, ainda, as lesões do couro cabeludo, que podem ser para o agravamento do quadro. A predisposição gené-
discoides cicatriciais ou na forma de alopecia difusa não tica existe, mas ainda não há consenso de quais genes
cicatricial. teriam uma maior associação;

66
D O E N Ç A S I N F L A M AT Ó R I A S

- Quadro clínico: mais da metade dos pacientes tem


início apenas com as manifestações dermatológicas;
nos demais ela é concomitante ao comprometimento
muscular e numa parcela pequena ocorre primeira-
mente a miosite. Nem todos os pacientes chegam a
ter alterações musculares, sendo então usada a de-
nominação dermatomiosite sine miosite. As lesões
se apresentam como placas eritematovioláceas com
leve descamação, predominando em áreas fotoex-
postas; quando elas se estabelecem ao redor dos
olhos são muito características e chamadas de rash
heliotrópico. Também são particulares as pequenas
placas eritematosas sobre as articulações metacar-
pofalangianas, chamadas pápulas de Gottron. Ainda
nas mãos, podem ser vistas telangiectasias periun-

DERMATOLOGIA
gueais que nos dão indício de um possível compro-
metimento vascular inflamatório. Alguns pacientes
apresentam nas áreas fotoexpostas as placas de poi-
quilodermia: atróficas, eritematoacastanhadas e com
telangiectasias. Raramente, podem existir nódulos
amarelados por depósito de cálcio – calcinose cutâ-
nea (é mais frequente na dermatomiosite juvenil).

Figura 23 - Paciente com dermatomiosite apresentando placas


eritematosas e descamação em áreas fotoexpostas: notar a cor
tendendo ao violáceo

- Métodos diagnósticos: as lesões dermatológicas ca-


racterísticas, o heliotropo e as pápulas de Gottron,
num paciente com fotossensibilidade e fraqueza mus-
cular, fecham o diagnóstico de uma forma simples.
Do ponto de vista dermatológico, a biópsia com exame
anatomopatológico mostra uma dermatite linfocítica com
agressão da basal exatamente como no lúpus eritematoso.
Se houver comprometimento muscular, haverá aumen-
to de enzimas do grupo da creatinofosfatoquinase (CPK).
Muitos pacientes também têm elevação do fator antinuclear
(FAN) em altos títulos (>1:128). A positividade de anti Jo-1
favorece um maior risco de comprometimento pulmonar.
A avaliação da miosite pode ser realizada com a resso-
Figura 22 - Principais achados clínicos de dermatomiosite
nância magnética (que se altera mesmo em fases precoces),
O comprometimento muscular aparece na forma de fra- com a eletroneuromiografia e, em último caso, com a bióp-
queza proximal, e os pacientes se queixam de dificuldade sia muscular. Estudos da motilidade esofágica (esofagode-
para realizar algumas atividades do dia a dia, como pentear glutograma com bário contrastado ou manometria) podem
o cabelo, pendurar roupas ou levantar de cadeiras. Outros ser necessários em caso de disfagia.
achados sistêmicos inespecíficos podem ser queda do es- Em pacientes maiores de 60 anos, deve ser feito um
tado geral, artralgias e fenômeno de Raynaud. A disfagia é screening para neoplasia oculta, no momento do diagnós-
comum e provocada pelo comprometimento da motilidade tico e posteriormente a cada 3 anos, direcionada a princí-
esofágica. O processo inflamatório pulmonar é frequente- pio por uma história clínica e exame físico completos, e, na
mente uma importante causa de morte. As manifestações normalidade destes, apostar nos mais frequentes para os
cardíacas ocorrem por meio de arritmias por distúrbios de homens (próstata, pulmão, estômago e cólon) e mulheres
condução. (mama, ovários, cólon e pulmão).

67
DERMATOLOG I A

- Diagnóstico diferencial: o principal se faz dentro do IL-4 e TGF beta nas lesões de morfeia. Dentre os estí-
grupo das colagenoses como o lúpus eritematoso sis- mulos antigênicos, já houve relatos da associação com
têmico e a doença mista do tecido conectivo. Lesões infecções por Borrelia sp;
por farmacodermia com fotossensibilidade e os fotoe- - Quadro clínico: a forma mais comum é a morfeia em
czemas também são semelhantes. As porfirias e a pe- placas, sendo lesões atróficas, endurecidas, de cor
lagra podem ter eritemas com fotossensibilidade, mas acastanhada e de formas diversas; a profundidade de
têm outros achados dermatológicos típicos; comprometimento das lesões é variável. A área mais
- Tratamento: o principal alvo do tratamento é o con- afetada é o tronco. No início do quadro, as lesões po-
trole da inflamação muscular, e é necessário para isso dem apresentar uma alteração da coloração ao redor
o emprego de corticosteroides sistêmicos (prednisona da placa, tendendo a um tom violáceo (“anel lilás”).
1mg/kg), de preferência associados a outros imunos- Uma forma particular é a linear, que acomete o couro
supressores que vão servir para auxiliar o desmame cabeludo e a região frontal, chamada “golpe de sabre”.
dos esteroides (entre eles, estão metotrexato, aza- Há também variantes mais raras com lesões queloidais,
tioprina e ciclosporina). O quadro dermatológico não além de paniculite (acometimento profundo do tecido
costuma responder tão bem e necessita de medidas celular subcutâneo). Formas extensas e generalizadas
de fotoproteção ampla (protetores solares, roupas e aumentam a comorbidade do quadro, principalmente
mudanças de hábitos de exposição). O difosfato de clo- em crianças quando podem afetar o desenvolvimento
roquina (ou mais modernamente, a hidroxicloroquina) osteomuscular;
pode ter um papel importante na diminuição da fotos-
sensibilidade. Os casos associados a neoplasias podem
ter cura, caso seja possível, também a erradicação da
malignidade.

C - Esclerodermia
Colagenose de amplo espectro clínico, variando de for-
mas localizadas estritamente na pele (morfeia), passando
por formas sistêmicas mais delimitadas (síndrome CREST), e
terminando na forma mais agressiva com comprometimento
orgânico múltiplo, a esclerose sistêmica. Todas têm um au-
mento da produção de colágeno em comum nos tecidos, le-
vando a uma fibrose difusa, e eventualmente há a associação
de distúrbios vasculares na pele quanto em órgãos internos.
Pela grande diferença entre os 3 subtipos, iremos abordá-los
separadamente para melhor compreensão didática.
a) Morfeia
Figura 24 - Morfeia: placa atrófica hipocrômica com borda acasta-
Também conhecida como esclerodermia cutânea loca- nhada e consistência endurecida no dorso
lizada, pois o processo de fibrose se restringe à derme e
tecido subcutâneo, sem comprometimento sistêmico asso- - Métodos diagnósticos: o diagnóstico é clínico, mas
ciado: pode ser confirmado com biópsia para exame anato-
- Epidemiologia: a incidência é de aproximadamente 2 a mopatológico; este mostra um processo de espessa-
3 casos para cada 100.000 habitantes (pode, inclusive, mento e homogeneização das fibras de colágeno na
ser maior, pois alguns casos são tão discretos que os derme, sendo a epiderme normal. Como a doença é
pacientes nem procuram atendimento dermatológi- restrita à pele, os exames laboratoriais quase nada
co). Há uma divisão na faixa etária, com metade dos agregam ao diagnóstico; eventualmente pode ser en-
casos acometendo a faixa pediátrica e a outra acome- contrada eosinofilia no hemograma e aumento da VHS.
tendo os adultos. Há predominância no sexo femini- Alguns pacientes podem ter o FAN positivo em títulos
no, que não é tão marcante (3:1), sendo a igualdade baixos. Todos esses achados são inespecíficos e podem
maior, principalmente entre as crianças; estar presentes em outras doenças reumatológicas. O
- Fisiopatologia: é desconhecida, e acredita-se em al- principal diagnóstico diferencial é com o líquen escle-
gum estímulo antigênico que leve a uma atividade roso e atrófico que cursa com placas no tronco (o exa-
inflamatória autoimune, na qual um aumento na pro- me histopatológico diferencia as 2 patologias);
dução de certas citocinas leve a um estímulo dos fi- - Tratamento: a maioria dos casos é leve e pode ser con-
broblastos, culminando com a excessiva fabricação de trolada com medidas conservadoras, como corticoste-
colágeno. Alguns estudos demonstraram aumento de roides tópicos de alta potência (clobetasol e betame-

68
D O E N Ç A S I N F L A M AT Ó R I A S

tasona) associados ao uso de vitamina E 400UI/dia. Os S Escleroderma


casos com rápida progressão e com lesões extensas T Telangiectasia
necessitam de tratamento mais agressivo com corti-
costeroides sistêmicos ou outros agentes citotóxicos, A calcinose é a deposição patológica de cálcio nos teci-
entre eles o metotrexato. Alguns autores mostraram dos acometidos, do tipo distrófica, pois são normais os ní-
boas respostas com a fototerapia do tipo PUVA. veis séricos desse íon, bem como o de fósforo e de fosfatase
b) Síndrome CREST alcalina (não há alteração do metabolismo ósseo). As lesões
podem ser subclínicas ou se manifestar como nódulos que
CREST é um acrônimo para Calcinose, Raynaud, Esôfago,
drenam um material esbranquiçado. A dor é frequente, e
esclerodactilia, Telangiectasias, sendo uma síndrome de es-
podem ocorrer surtos inflamatórios intermitentes.
clerodermia sistêmica numa forma mais indolente e locali-
O comprometimento esofágico se dá na porção distal,
zada com prognóstico melhor que a sistêmica difusa.
onde predominam fibras musculares lisas e ele culmina
- Epidemiologia: devido a uma dificuldade de padroni- com o refluxo gastroesofágico, gerando a metaplasia da
zação da classificação da esclerodermia, a maioria dos
mucosa (esôfago de Barrett) como complicação, além de
estudos epidemiológicos traz dados sobre escleroder-
um risco maior de pneumonia aspirativa.

DERMATOLOGIA
mia sistêmica latu sensu com taxas variando de 0,3
As telangiectasias são microvarizes não pulsáteis que
a 2 casos para cada 100.000 habitantes; acredita-se,
formam lesões semelhantes a spider nevus sendo mais co-
no entanto, que 25% desses casos sejam atribuíveis à
muns na face e no tronco.
CREST. Em termos raciais, há maior incidência e pre-
A esclerodactilia é o espessamento e endurecimento da
valência entre os negros e algumas populações indí-
pele dos dedos das mãos, perdendo-se as dobras e pregas
genas. Também é bem mais comum em pacientes do
e, às vezes, levando à formação de fissuras; alguns apresen-
sexo feminino com a relação de 5 casos para cada pa-
tam telangiectasias e hemorragias periungueais:
ciente do sexo masculino; muitas pacientes, inclusive,
têm início no pós-parto tardio. A idade de início é 3ª e
- Métodos diagnósticos: alguns exames laboratoriais
ajudam na investigação da síndrome CREST:
4ª décadas, mas pode acometer qualquer faixa etária
(tende a ser mais precoce em negros); • FAN: pode ser positivo em até 50% dos casos, com
títulos altos, porém não tem especificidade;
- Fisiopatologia: o evento inicial é seguido pela ação de
um infiltrado inflamatório mononuclear (de predomí- • Anticentrômero: é o exame mais sensível e espe-
nio linfocitário), o que é comprovado com biópsia pre- cífico para essa forma localizada da esclerodermia;
coce em lesões iniciais de esclerodermia; essas células • Anti-Scl-70: também pode ser positivo, assim como
inflamatórias são responsáveis pela produção de cito- na forma de esclerodermia sistêmica difusa;
cinas como o TGF-beta que estimulam os fibroblastos • Manometria esofágica: para confirmar a dismotili-
a produzirem colágeno de forma excessiva, ocorrendo dade que se restringe ao terço distal;
um depósito que toma conta dos tecidos envolvidos. • Tomografia computadorizada: é mais sensível que
Ainda falta descobrir o evento inicial que provoca a o raio x para detecção de nódulos suspeitos de cal-
ativação das células mononucleares: há hipóteses de cinose.
agentes infecciosos, químicos, hormonais e genéticos Os demais exames inflamatórios podem mostrar a ati-
(microquimerismos); vidade da doença e são úteis no acompanhamento (por
- Quadro clínico: o evento que se manifesta primeira- exemplo, VHS, proteína C reativa etc.):
mente é o fenômeno de Raynaud, consistindo numa - Tratamento: por ser uma doença sistêmica de difícil
disautonomia da vasculatura periférica combinada controle, é necessária uma abordagem holística mul-
com a lesão do endotélio que promove a diminuição tidisciplinar.
do lúmen vascular. Clinicamente, é trifásico, com a pa-
lidez sendo a 1ª a surgir, seguida da cianose e termi- Das alterações, a mais resistente aos tratamentos é a
nando com o eritema (a correlação seria da vasocons- calcinose, pois nem mesmo a corticoterapia sistêmica é
trição, seguida da estase sanguínea com dessaturação capaz de controlar o quadro; como não há ainda uma te-
da hemoglobina e por último a fase de reperfusão). rapia de escolha, pode-se tentar uma associação com bifos-
Esses achados são bem visíveis nos dedos da mão, fonados (alendronato) e bloqueadores de canais de cálcio
principalmente com a exposição ao frio. (diltiazem). Também para o tratamento do fenômeno de
Raynaud essa categoria de anti-hipertensivos pode fun-
Tabela 2 - Síndrome CREST cionar, no entanto, são usados aqueles de longa duração,
C Calcinose como a nifedipina; além disso, as medidas comportamen-
tais que evitam a exposição ao frio e restrição do tabagismo
R Raynaud, fenômeno
podem ser bem eficazes. Devem ser evitados tratamentos
E Esofagite com beta-bloqueadores.

69
DERMATOLOG I A

O tratamento da disfunção esofágica é o mesmo uti- nos e dificuldade para abrir a boca pela esclerose). As
lizado para o refluxo gastroesofágico com bloqueadores complicações cardíacas, pulmonares e renais costu-
da bomba de prótons (omeprazol) e os pró-cinéticos que mam levar a óbito;
aumentam a motilidade gástrica e a pressão no esfíncter - Métodos diagnósticos: a investigação laboratorial toma
(bromoprida); também aqui são válidas as medidas com- o mesmo rumo que na forma CREST localizada.
portamentais (dieta fracionada, evitar líquido nas refeições • Exames de fase aguda: aumento de VHS e da prote-
etc.). As telangiectasias podem ser tratadas com laser es- ína C reativa;
pecífico. A esclerose pode ser controlada com os corticoi- • Hemograma: pode cursar com anemia normocíti-
des sistêmicos, e a prednisona é a mais utilizada. Alguns ca e normocrômica (anemia de doença crônica) e
estudos pequenos mostraram boa resposta com uso de eventualmente eosinofilia leve;
D-penicilamina.
• FAN positivo, em quase 90% dos casos, sendo os
c) Esclerodermia difusa padrões nucleolar, centromérico e homogêneo os
Forma sistêmica progressiva com graves repercussões mais frequentes;
para o organismo e pode ser fatal quando associada a com- • Positividade de Scl-70 (topoisomerase I) que tem
plicações cardiopulmonares ou renais. alta especificidade para a forma difusa (apesar de
- Epidemiologia: não tem uma frequência alta, com ser positivo em apenas 25% dos pacientes) e tam-
menos de 1 caso para cada 100.000 habitantes ao ano bém indicam um pior prognóstico;
e uma prevalência de 5 a 10 casos para cada 100.000 • Fator reumatoide: pode ser positivo, mas é um
habitantes. O acometimento preferencial do sexo fe- achado inespecífico.
minino é marcante, pois a proporção é de 4 mulheres - Diagnóstico diferencial: o único, na sua forma comple-
para cada paciente masculino. Não há predileção por ta é a pseudoesclerodermia que engloba várias entida-
raças ou predomínio em alguma região geográfica. des: fasceíte eosinofílica, síndrome mialgia-eosinofilia
Pode acometer qualquer faixa etária, mas tem maior pela ingestão de triptofano, escleromixedema pelo de-
incidência nos adultos jovens e de meia-idade; pósito de mucina etc.;
- Fisiopatologia: como mencionado nos subtipos des- - Tratamento: por ser uma doença sistêmica de difícil
critos, a causa parece resultar de uma interação entre controle, é preciso uma abordagem holística multidis-
fenômenos imunológicos autoimunes e vasculares, ciplinar.
culminando com uma superprodução de colágeno. A A abordagem é semelhante à da forma CREST, com uso
base para o desencadeamento da doença sistêmica de corticosteroides e outros imunossupressores para impe-
é desconhecida, mas certamente tem uma participa- dir a progressão da esclerose, e nos casos com comprome-
ção genética; alguns trabalhos mostraram associação timento de órgãos internos; podem ser substituídos pela ci-
a HLA-B8 e HLA-DR12. Também já houve estudos que clofosfamida e metotrexato para evitar os efeitos colaterais
mostraram células-tronco após o parto, o que promo- do uso prolongado.
veria uma reação imunológica por meio do microqui- A D-penicilamina também já se mostrou eficaz em al-
merismo. Fatores ambientais também já foram asso- guns casos relatados. As manifestações vasculares são tra-
ciados como casos desencadeados pela exposição à sí- tadas com bloqueadores de canais de cálcio. Na abordagem
lica, bem como alguns relatos isolados após o implante multidisciplinar, é importante o acompanhamento pulmo-
de próteses de silicone; nar com testes de função periódicos para detectar a fibrose
- Quadro clínico: a forma difusa da esclerodermia sis- e/ou a hipertensão pulmonar em fases precoces. Da mesma
têmica tem uma evolução rapidamente progressiva, forma, deve-se monitorar a função renal com exames re-
na qual o pródromo com manifestações inespecíficas gulares. Fisioterapia ajuda a prevenir contraturas e permite
(fraqueza, artralgias, febre baixa) e o fenômeno de uma melhor mobilidade nas atividades diárias.
Raynaud é curto (diferente da forma localizada CREST,
em que esse pródromo pode durar anos). Seguindo d) Líquen escleroso
a fase prodrômica, já se iniciam as manifestações da - Sinonímia: líquen escleroatrófico; balanite xerótica
esclerose que, na pele, não fica restrita apenas às ex- obliterante; craurose vulvar. Doença inflamatória crô-
tremidades (esclerodactilia), mas também leva a um nica que cursa com a atrofia da epiderme e lesões
comprometimento central (tronco). Além disso, pro- hipocrômicas, podendo ter manifestações genitais e
paga-se para órgãos internos, promovendo fibrose dos extragenitais;
sistemas gastrintestinal, pulmonar, renal e cardíaco; a - Epidemiologia: faltam estudos epidemiológicos que
sintomatologia dependerá do grau de acometimento apresentem números consistentes sobre a real inci-
interno. Outras manifestações cutâneas podem estar dência da doença, mas pela prática clínica se perce-
presentes, como telangiectasias na face e dedos das be que não é uma doença tão rara. É mais comum em
mãos, calcinose subcutânea e microstomia (lábios fi- adultos jovens, e uma boa parcela pode acontecer em

70
D O E N Ç A S I N F L A M AT Ó R I A S

crianças. A maioria absoluta é vista em mulheres com - Métodos diagnósticos: o diagnóstico é eminentemen-
taxas de 5 casos para cada homem afetado. Não há te clínico, e não há exames de análise clínica que au-
predileção racial, mas pode ser subdiagnosticada em xiliem nesse processo. O exame anatomopatológico
caucasianos pela discrição das lesões hipocrômicas; deve ser realizado em alguns casos que necessitem de
- Fisiopatologia: ainda é desconhecida, e sabe-se por diferenciação da esclerodermia localizada (morfeia),
alguns estudos que pode haver a formação de auto- pois ambos cursam com lesões atróficas e acrômicas. A
anticorpos contra uma proteína da matriz extracelular. histopatologia evidencia uma atrofia da epiderme alia-
Além disso, há uma alteração na atividade de fibro- da a uma dermatite da interface tipo liquenoide. Outro
blastos que promove um aumento da fibrose tecidual; diagnóstico diferencial principal além da morfeia e do
alguns acreditam que o líquen escleroso seja parte de vitiligo, mas esse não cursa com alterações da textura
um espectro da esclerodermia. Também vale ressaltar e relevo da pele;
a participação de fatores hormonais, pois alguns estu- - Tratamento: visa principalmente controlar a progres-
dos mostraram o desencadeamento em menopausa- são da doença e dos sintomas associados, já que a re-
das que iniciaram o uso de anticoncepcionais. Também versão completa do quadro é muito improvável. Para
há relatos anedóticos da associação com infecções por isso, são usados corticosteroides potentes na lesão

DERMATOLOGIA
Borrelia mostrada por estudos imuno-histoquímicos; (betametasona e clobetasol). Há opções cirúrgicas
- Quadro clínico: normalmente, a 1ª manifestação são os para casos com sequelas, nos quais o ato sexual fica
sintomas localizados (vulva e pênis) que podem ser o prejudicado, principalmente para pacientes homens
prurido e/ou o ardor; a sintomatologia também pode (postectomia); as lesões ulceradas devem ser investi-
ser vista nas lesões extragenitais. A manifestação cutâ- gadas para evitar a não percepção da transformação
nea é iniciada por pápulas que coalescem e levam à for- maligna.
mação de placa atrófica e hipocrômica que pode variar
de poucos milímetros a vários centímetros de tamanho.
As formas são bizarras e variadas. A localização nas for- 5. Doenças dos vasos e lesões ulceradas
mas genitais são a vulva e o introito vaginal; no pênis, Nesta parte, serão abordadas, de forma dividida, as le-
localiza-se na glande e no prepúcio adjacente. Na forma sões inflamatórias e as vasculopatias circulatórias; nesta
extragenital, pode surgir em qualquer local, mas é mais última, enquadram-se as lesões ulceradas, que têm outros
comum no tronco e na nuca. Surpreendentemente, são fatores causais além das afecções dos vasos.
raras as lesões na mucosa oral. Não há relatos do com-
prometimento sistêmico pela doença. A - Vasculites
As lesões crônicas que venham a apresentar úlceras que O termo “vasculite” é muito vasto e impreciso, pois nele
não cicatrizam devem ser biopsiadas devido ao risco de são enquadradas diversas patologias que não têm aspectos
transformação para o carcinoma espinocelular. em comum. Até mesmo em termos de classificação, alguns
autores adotam a divisão topográfica (vasculite de peque-
nos, médios e grandes vasos), enquanto outros preferem
a óptica da patologia (vasculite granulomatosa, vasculite
leucocitoclástica, vasculite linfocítica etc.). Em termos cutâ-
neos, as vasculites podem se manifestar com diversos tipos
de lesões, uma verdadeira “torre de babel”; classicamente
associa-se a lesões necrosantes e púrpuras palpáveis. Como
o tema é confuso, serão abordadas as principais entidades
separadamente nesta parte.
a) Síndrome de Churg-Strauss
- Sinonímia: vasculite granulomatosa alérgica. Uma
afecção sistêmica que cursa com asma, infiltrados pul-
monares transitórios, eosinofilia e vasculite em qual-
quer órgão. É uma doença dinâmica que passa por 3
fases distintas, o que dificulta o diagnóstico. Enquadra-
se no grupo das vasculites granulomatosas afetando
pequenos e médios vasos;
- Epidemiologia: por ser uma doença rara e de diagnós-
Figura 25 - Placa atrófica e acrômica de consistência endurecida tico nem sempre fácil, tem-se uma baixa incidência
no dorso: notar a região eritematosa no local da biópsia que con- com alguns estudos, mostrando algo em torno de 2 a 3
firmou o diagnóstico de líquen escleroso casos para cada 1 milhão de habitantes. Parece haver

71
DERMATOLOG I A

um leve predomínio em homens, o que é questiona- dos por períodos mais longos. No caso de não haver
do por alguns autores. Pode acometer qualquer idade, resposta a esse tratamento inicial, deve-se lançar mão
mas a faixa mais acometida é de adultos na meia idade da ciclofosfamida que também é um potente imunos-
(50 anos). Não há predileção racial; supressor. Outra opção como poupador de corticoide
- Fisiopatologia: ainda é desconhecida, mas acredita-se é o metotrexato. Recentemente, houve relatos de me-
em uma reação de hipersensibilidade com uma res- lhora com infliximabe e etanercepte, que são inibido-
posta granulomatosa associada; res do TNF.
- Quadro clínico: clinicamente, pode-se dividi-la em b) Granulomatose de Wegener
3 fases que acabam se superpondo. Primeiramente,
ocorrem as manifestações alérgicas com asma e rini- Rara vasculite multissistêmica, que, no entanto, com-
te; podem durar meses a anos, e o diagnóstico nessa bina principalmente o acometimento de vias respiratórias
fase é muito improvável, pois são semelhantes às rea- altas e baixas com o comprometimento renal, ambos com
ções alérgicas mais comuns. Posteriormente, inicia-se inflamação do tipo granulomatosa.
a fase de hipereosinofilia, na qual ocorrem infiltrados, - Epidemiologia: tem uma incidência maior que a sín-
na maioria transitórios, de eosinófilos em diversos te- drome de Churg-Strauss com aproximadamente 9 ca-
cidos como pulmões (lembra a síndrome de Löeffler) e sos para cada 1 milhão de habitantes (alguns estudos
trato gastrintestinal; paralelamente, pode haver sinto- norte-americanos mostraram incidência de 30 casos
mas de inflamação sistêmica (febre, adinamia, perda por milhão). Também parece haver um leve predomí-
ponderal) e encontra-se eosinofilia marcante ao he- nio nos homens com taxas de 1,5:1. É mais comum na
mograma. Por último, inicia-se a fase de vasculite na raça branca caucasiana e rara em negros (porém nes-
qual qualquer órgão pode ser acometido, mas os mais ses tem tratamento mais difícil). A idade de acometi-
incidentes são coração (dor precordial e arritmias), mento varia entre 35 e 55 anos, mas pode acontecer
pulmões (dor pleurítica, tosse e dispneia), rins (glo- também nos extremos (crianças e idosos);
merulonefrite com hematúria e proteinúria) e sistema
nervoso central (isquemia, neuropatias periféricas e - Fisiopatologia: desconhecida. A hipótese mais aceita
alterações visuais). Na pele, as lesões podem simular é a de uma reação autoimune com formação de auto-
a urticária (sendo menos fugazes que a urticária co- anticorpos contra proteínas citoplasmáticas de neutró-
mum), e o eritema multiforme com lesões em alvo, filos (c-ANCA) que desencadeiam a inflamação no en-
púrpuras palpáveis e livedo reticular; dotélio vascular. Não se comprovou nenhuma ligação
- Métodos diagnósticos: como exames gerais iniciais, genética. Agentes infecciosos são implicados, pois há
podem-se solicitar o hemograma (pode cursar com relatos de melhora com antibióticos (sulfametoxazol/
leucocitose e eosinofilia com mais de 10%) e a veloci- trimetoprim);
dade de hemossedimentação que costuma estar bem - Quadro clínico: normalmente, o paciente abre o qua-
elevada. O FAN e o fator reumatoide podem ser posi- dro com a inflamação de vias aéreas altas, simulando
tivos em níveis baixos (achado inespecífico). Deve-se uma sinusite bacteriana; a diferença está na coriza san-
avaliar a função renal e a proteinúria (creatinina, uri-
guinolenta e na falta de resposta à antibioticoterapia.
na I e proteinúria de 24 horas) e monitorar o coração
Com a progressão para vias aéreas mais baixas, o pa-
(eletrocardiograma). Mas o diagnóstico definitivo só é
ciente passa a apresentar tosse, dispneia e hemoptise.
possível com a biópsia, sendo os locais mais realizados
Paralelamente, pode iniciar o comprometimento renal
a pele e o tecido renal; deve-se encontrar uma vascu-
que clinicamente se manifesta com oligúria e hematú-
lite de pequenos vasos com granulomas e eosinófilos.
O diagnóstico diferencial depende da fase de acometi- ria. A mononeurite multiplex que são acometimentos
mento: asma alérgica e rinite na 1ª; síndromes hipere- isolados de alguns troncos nervosos também resultam
osinofílicas (toxocaríase, síndrome de Löeffler etc.) na da vasculite de pequenos vasos. Sintomas gerais de in-
2ª; e as vasculites na 3ª (granulomatose de Wegener, flamação sistêmica também acompanham o quadro:
púrpura de Henoch-Schönlein etc.); febre, adinamia, inapetência e perda de peso. As le-
- Tratamento: os doentes respondem rapidamente à sões de pele podem ocorrer em até 50% dos casos, e
instituição dos corticosteroides, e essas drogas redu- em 13% são as primeiras manifestações com indícios
ziram bastante a mortalidade da doença (de 50 para da vasculite. As lesões são variáveis e inespecíficas:
menos de 20%). A droga mais usada é a prednisona, nódulos eritematosos, púrpuras palpáveis, ulcerações
na dose de 1 a 2mg/kg, dependendo da gravidade dos e outras mais; costumam predominar nos membros
sintomas; com a melhora, é possível fazer o desmame, inferiores. Lesões mucosas são raras, porém clássi-
mas costuma haver recidiva em alguns pacientes, prin- cas: hiperplasia gengival “em forma de morango”.
cipalmente dos sintomas respiratórios, e nesses casos Pacientes com lesões cutâneas têm maior chance de
devem ser mantidas doses pequenas em dias alterna- acometimento renal;

72
D O E N Ç A S I N F L A M AT Ó R I A S

- Métodos diagnósticos: pode-se chegar ao diagnóstico infecciosos, pois alguns estudos mostraram uma inci-
pelos aspectos clínicos que reúnem um quadro de aco- dência de quase 70% de infecções respiratórias altas
metimento respiratório alto e baixo com acometimen- prévias (principalmente estreptocócicas do tipo beta-
to renal e lesões cutâneas sugestivas de vasculite, no -hemolítico). No entanto, não se podem descartar me-
entanto, nem sempre todos os sinais e sintomas estão dicações usadas para tratar esses pacientes (anti-infla-
presentes. Nesses casos, a confirmação pode ser dada matórios, antibióticos, antipiréticos etc.). Seja qual o
pelo c-ANCA, um exame com sensibilidade e especi- agente desencadeante, leva a um depósito de IgA que
ficidade por volta de 90%; o p-ANCA pode ser positi- pode ser encontrado nos vasos da pele ou rins, respon-
vo a uma menor proporção (25%). Os exames gerais sável pelo desencadeamento do processo inflamatório
mostram um processo inflamatório crônico: leucoci- com a participação de neutrófilos que leva à leucocito-
tose no hemograma, aumento de VHS e de proteína clasia (necrose da parede do vaso deixando restos de
C reativa, anemia de doença crônica etc. A avaliação debris de poeira nuclear);
renal pela creatinina e pela urina I também é impor-
tante no acompanhamento dos doentes. Infiltrados
pulmonares inespecíficos podem representar a infla-

DERMATOLOGIA
mação granulomatosa no parênquima desse órgão.
Muitos autores consideram que o diagnóstico só vem
com a biópsia e o exame anatomopatológico; no caso
da pele, o exame é inespecífico (mostra uma vasculite
leucocitoclástica); exame de tecido renal e pulmonar
tem maior significância para o diagnóstico;
- Tratamento: deve ser agressivo nos casos com acome-
timento pulmonar e/ou renal, pois esses são potencial-
mente fatais. São igualmente eficazes a prednisona na
dose de 1mg/kg e a ciclofosfamida, esta mantida por
mais tempo enquanto o 1º é diminuído. Azatioprina e
metotrexato também são opções como poupadores Figura 26 - Imunofluorescência: púrpura de Henoch-Schönlein (de-
de corticoide. Há relatos anedóticos de melhora com pósito de IgA na parede dos vasos dérmicos)
sulfametoxazol/trimetoprim. Mais recentemente, os
casos resistentes foram tratados com infliximabe e ti- - Quadro clínico: clinicamente, os pacientes têm, como
veram boa resposta. São preditores de resistência ao manifestação inicial, a presença de lesões purpúricas
tratamento: raça negra, sexo feminino, acometimento palpáveis, e algumas evoluem com necrose central,
renal severo. Com o advento da terapia imunossupres- deixando crostas hemáticas encimadas; costumam
sora, as mortes por complicações diminuíram consi- aparecer em surtos de lesões semelhantes, entre si,
deravelmente, e, hoje, a principal causa de óbito é a que demoram a cicatrizar, deixando o quadro poli-
iatrogenia (complicações pelas medicações imunossu- mórfico às vezes, já as lesões podem estar em estágios
pressoras). diferentes. Podem surgir em qualquer região, mas o
grande predomínio é em membros inferiores. Aliado
c) Púrpura de Henoch-Schönlein ao quadro cutâneo, o paciente costuma relatar artral-
Sinonímia: púrpura anafilactoide. Vasculite leucoci- gias inespecíficas, dores abdominais e escurecimento
toclástica mediada por IgA que acomete principalmente da urina. Isso porque o quadro inflamatório vascular
crianças e que combina manifestações de 3 sistemas: pele, pode acometer o trato digestivo (levando à necrose
renal e digestivo. das vísceras com eventual perfuração e/ou hemorragia
- Epidemiologia: como a maioria das vasculites, não é digestiva) e o sistema renal (levando a uma síndrome
tão frequente e estudos norte-americanos mostraram nefrítica devido à glomerulonefrite por IgA);
taxas de 20 casos para cada 100.000 habitantes. É bem - Métodos diagnósticos: nos exames gerais, pode estar
mais frequente em crianças, sendo o pico por volta de alterado o hemograma (com leucocitose e neutrofilia),
6 anos (de 4 a 11), entretanto, pode acometer qual- pode haver aumento de VHS e proteína C reativa. A
quer idade; há uma predominância no sexo masculino urina I mostra hematúria e proteinúria, sendo a últi-
com a relação de 2:1. Os surtos são mais frequentes ma melhor quantificada pela urina de 24 horas. É im-
na primavera. Não há estudos que comprovem alguma portante monitorar a função renal por meio da ureia e
predileção racial; creatinina. O ASLO pode estar positivo em 50% dos ca-
- Fisiopatologia: como há envolvimento com IgA, acre- sos. Nos casos graves com proteinúria maior de 3,5g/
dita-se que o evento inicial seja desencadeado em dia, deve-se realizar a biópsia renal, e o tecido pode
mucosas; as hipóteses formuladas tratam de agentes servir para a imunofluorescência direta que mostrará

73
DERMATOLOG I A

o depósito de IgA. O mesmo pode ser realizado nas - Quadro clínico: a presença de lesões purpúricas palpá-
lesões de pele em que o mesmo depósito pode ser veis é, sem dúvida, a maior e mais característica ma-
encontrado; além disso, o exame anatomopatológico nifestação cutânea. Costumam vir aliadas a lesões pa-
mostra a necrose fibrinoide da parede dos vasos e a pulosas, nodulares e necróticas, o que caracteriza um
leucocitoclasia. O diagnóstico diferencial inclui toda a quadro polimórfico. Podem surgir em qualquer região
gama das vasculites de pequenos e médios vasos com de forma simétrica, porém o predomínio é nos mem-
comprometimento sistêmico; bros inferiores. Muitos pacientes podem ter o quadro
- Tratamento: a maioria dos pacientes tem uma doença restrito à pele, porém são possíveis manifestações sis-
benigna e autolimitada, sendo os sintomas leves tra- têmicas (articulares, digestivas, renais e respiratórias)
tados com anti-inflamatórios e analgésicos. A grande e também as manifestações da doença de base quan-
preocupação está nos casos que têm um grave com- do houver. O teste de Rumpel-Leed é positivo;
prometimento renal e nesses devemos usar corticos-
teroides e outros imunossupressores (ciclofosfamida e
azatioprina) para evitar a falência renal aguda (impor-
tante causa de morte) ou crônica devido às sequelas
deixadas pela doença.
d) Vasculites de hipersensibilidade
Sinonímia: vasculite alérgica ou de hipersensibilida-
de. Engloba todas as reações alérgicas do tipo III de Gell
e Coombs nas quais imunocomplexos são formados e se
depositam nas paredes dos capilares e vênulas, levando ao
processo inflamatório que culmina com a vasculite leucoci-
toclástica; de certa forma, a púrpura de Henoch-Schönlein
tem essa mesma fisiopatologia, porém é vista por muitos
autores como uma entidade separada devido às diversas
particularidades clínicas.
Figura 27 - Paciente em uso de anti-inflamatório que apresentou
- Epidemiologia: devido às inúmeras associações cau- erupção com púrpuras palpáveis e áreas de necrose nas pernas
sais, acaba sendo uma entidade relativamente fre- além de comprometimento renal (vasculite de hipersensibilidade)
quente, englobando aí casos restritos à pele e com ma-
nifestações sistêmicas. Não existem estudos concretos
que mostrem sua real incidência. Sabe-se que não há
predileção por sexo e pode acometer desde crianças
(quando está associada comumente a infecções) até
idosos (nestes, devido à gama de interações medica-
mentosas);
- Fisiopatologia: são diversos os agentes causais já im-
plicados – infecções virais (hepatites B e C, herpes, ci-
tomegalovírus etc.), bacterianas (estreptococos, mico-
bactérias etc.), fungos, antígenos tumorais (linfomas,
mielomas etc.), doenças autoimunes (lúpus, artrite
reumatoide, dermatomiosite, doenças inflamatórias
intestinais), drogas (anti-inflamatórios, antibióticos,
fenitoína, inibidores da ECA) e alimentos (corantes,
conservantes). Esses desencadeadores promovem a
formação de complexos antígeno-anticorpo que depo-
Figura 28 - Úlcera extensa de longa data em paciente com insu-
sitarão ao nível subendotelial da parede dos microva- ficiência venosa: ampliação de uma tumoração com suspeita de
sos; aí se inicia toda a cadeia inflamatória que culmina transformação maligna
com a necrose da parede vascular do tipo leucocito-
clástica, mediada principalmente por neutrófilos, mas - Métodos diagnósticos: de acordo com a história clí-
com a participação de linfócitos e mastócitos, depen- nica, devem-se criteriosamente solicitar os exames
dendo do evento desencadeante. No entanto, cerca de gerais; solicitações sem fundamento e “às escuras”
30 a 50% dos pacientes não têm nenhuma causa es- não levam à elucidação diagnóstica. Os objetivos são
pecífica (assim, são enquadrados como manifestação encontrar alterações sistêmicas e tentar descobrir a
idiopática); causa de base. Pode haver alterações inespecíficas no

74
D O E N Ç A S I N F L A M AT Ó R I A S

hemograma, urina I e bioquímica (principalmente a Também é maior a frequência em países desenvolvi-


função renal). Dos exames sorológicos, o mais relevan- dos industrializados devido ao estilo de vida sedentá-
te seria o FAN, para descartar doenças reumatológicas. rio. Não há predileção racial comprovada por estudos;
A eletroforese de proteínas também é importante para - Fisiopatologia: com a hipertensão venosa, ocorre o
descartar gamopatias. Atenção deve ser dada à possi- extravasamento de proteínas (albumina, fibrinogênio
bilidade de hemorragias do trato digestivo. A biópsia etc.) e elementos celulares (hemácias) que acabam se
das lesões de pele mostra a necrose fibrinoide da pa- depositando na derme e desencadeando fenômenos
rede dos vasos e a leucocitoclasia. O diagnóstico dife- inflamatórios. Além disso, a estase venosa diminui o
rencial inclui todas as vasculites de pequenos vasos já clearance de subprodutos do metabolismo celular, o
abordadas. Outros diferenciais são quadros embólicos que, de certa forma, prejudica o processo normal de
(sépticos, colesterol), amiloidose sistêmica e púrpuras cicatrização. No caso das úlceras venosas o problema
hemorrágicas; de retorno está concentrado mais no plexo superficial
- Tratamento: sem dúvida, o mais importante é desco- (somente uma minoria acaba sendo relacionada com
brir a causa de base e tratá-la, o que por si só leva à re- trombose venosa profunda e/ou insuficiência valvar);
solução do quadro cutâneo. Os casos em que acontece - Quadro clínico: as manifestações iniciais são da derma-

DERMATOLOGIA
comprometimento sistêmico podem necessitar de cor- tite de estase que reúne alguns achados: edema, placas
ticoides orais, o que pode, por outro lado, dificultar o eritematosas com ou sem exsudação, dermatoesclerose
encontro da doença de base. Na medida do possível, (fibrose logo acima do tornozelo e que dá um aspecto de
devem-se evitá-los. A colchicina teve boa resposta em estrangulamento do membro) e a dermatite ocre (man-
alguns estudos isolados. Outros imunossupressores chas acastanhadas pela deposição de hemossiderina).
(azatioprina, ciclofosfamida) podem ser usados nos ca- Normalmente, essa é a base para o desenvolvimento da
sos recorrentes idiopáticos. Medicações sintomáticas úlcera que geralmente se inicia após um trauma/ferimen-
e medidas, como meias elásticas e elevação das per- to que não sofre uma cicatrização normal. A lesão ulce-
nas, são úteis. rada deve ter as bordas bem definidas, porém não ele-
vadas, o fundo granuloso, de cor hemorrágica (pode ter,
B - Lesões ulceradas às vezes, camadas de fibrina com coloração amarelada),
o tamanho é variável de poucos a vários centímetros (as
Também é outro subgrupo de doenças em que o diag-
menores tendem a ser mais dolorosas). A localização me-
nóstico é uma verdadeira “caixa de pandora”, pois são di-
dial é muito favorável à origem venosa. Quanto às com-
versas as etiologias, variando desde lesões vasculares, pas-
plicações, as mais frequentes são a infecção secundária
sando por úlceras de origem inflamatória/infecciosa e cul-
(o fundo apresenta-se mais purulento e a borda mais eri-
minando com os carcinomas cutâneos. A abordagem clínica
tematosa) e a malignização, evento que recebe o nome
holística, tentando enquadrar a úlcera no contexto geral do
de úlcera de Marjolin. Alguns autores relatam aspectos
paciente, dirige ao diagnóstico correto. Os casos arrastados
clínicos a favor da transformação de uma úlcera venosa
e inconclusivos, que geralmente não respondem aos diver-
em um carcinoma (normalmente, espinocelular):
sos tratamentos empregados, muitas vezes terminam em
• Granulação anormal no fundo da úlcera;
biópsia, que acaba levando à elucidação do quadro. A se-
guir, serão abordadas as principais síndromes ulcerosas não • Áreas de crescimento com aspecto de tumoração
neoplásicas. na lesão;
• Dor fora do comum para uma lesão grande;
a) Úlcera venosa crônica
• Sangramento sem um evento traumático.
A úlcera venosa é o resultado de um processo inflama-
tório crônico causado pela hipertensão no sistema venoso
dos membros inferiores, que por sua vez resulta em altera-
ções cutâneas chamada dermatoesclerose, esta caracteri-
zada por edema, endurecimento e escurecimento do terço
inferior das pernas.
- Epidemiologia: a incidência da insuficiência venosa
com a formação de varizes é bem alta, chegando a
60% da população em alguns estudos; felizmente ape-
nas uma pequena parcela chega a desenvolver a úlce-
ra, 0,007% dos pacientes (700/100.000 habitantes).
Mesmo assim, devido à morbidade do quadro, esses
números são representativos para a sociedade como
um todo. A prevalência do problema aumenta com a Figura 29 - Úlcera venosa crônica extensa, com fundo fibrinoso e
idade e é de 2 a 3 vezes mais frequente nas mulheres. bordas irregulares no MIE

75
DERMATOLOG I A

prata) ou sistêmicos (beta-lactâmicos). O tratamento


cirúrgico pode ser relativo à correção das varizes e às
úlceras, com cuidados locais (debridamento de tecidos
desvitalizados) e enxertia das lesões que dificultam o
fechamento. O debridamento químico também é uma
opção em casos mais leves e pode ser feito com po-
madas que contenham enzimas, como a colagenase.
Mesmo sem estudos baseados em evidência, sabe-se
pela prática clínica que o melhor tratamento é o uso
da bota de Unna, um enfaixamento no qual a atadu-
ra é embebida em uma pasta líquida aquecida e que
com o resfriamento acaba endurecendo (semelhante
ao processo de gesso na ortopedia) e melhora o retor-
Figura 30 - Úlcera venosa crônica extensa, com fundo fibrinoso e
no venoso pela compressão que ela oferece; é um mé-
bordas irregulares
todo oclusivo que não pode ser realizado em úlceras
- Métodos diagnósticos: clinicamente, a presença de infectadas e nas arteriais.
uma úlcera crônica, principalmente quando medial, b) Úlceras de insuficiência arterial
sobre uma base de dermatite de estase, leva ao diag-
nóstico sem grandes problemas. Alguns casos duvido- As úlceras por insuficiência arterial surgem pelo desen-
sos merecem um estudo ultrassonográfico do sistema volvimento da aterosclerose, portanto estão associadas aos
venoso profundo (dopplerfluxometria), que também fatores de risco classicamente conhecidos (hipertensão, ta-
bagismo, diabetes etc.). Sua importância reside no fato de
pode ser útil no planejamento do tratamento cirúr-
elas serem um sinal de comprometimento arterial difuso,
gico. Casos suspeitos de carcinoma merecem inves-
incluindo aí órgãos nobres como o coração, o sistema ner-
tigação invasiva com exame anatomopatológico (de
voso central e os rins. Podem vir acompanhada de mani-
preferência com biópsias múltiplas em pelo menos 5
festações mais agudas associadas a fenômenos embólicos
pontos). Nos exames gerais, é importante descartar
da placa de ateroma e que em geral são mais catastróficas,
diabetes mellitus e avaliar o estado nutricional do pa-
podendo levar à perda de um membro.
ciente: hemoglobina, proteínas totais e frações (para
aferir a albumina).
- Epidemiologia: a aterosclerose é uma doença frequen-
te, podendo atingir boa parcela da população, entre-
tanto, a manifestação cutânea dessa disfunção arterial
Infecciosa PLECT
não é tão comum e está relacionada à insuficiência
arterial periférica que pode ocorrer em até 10% dos
Arterial pacientes com aterosclerose. A incidência maior se dá
Crônica Vascular
após a meia-idade e é mais vista em homens. O me-
Venosa canismo de formação da placa de ateroma está além
Lesão ulcerada do nosso foco dermatológico; vale citar, aqui, como co-
Inflamatória
Pioderma adjuvantes na etiopatogenia das manifestações cutâ-
gangrenoso
neas, os fenômenos embólicos a partir da placa que
provocam pequenas áreas de infarto e necrose da pele
Ectima
Aguda
(lesão ulcerada); além disso, há também a alteração da
microvasculatura com obstrução luminal de vênulas e
Embolia
arterial arteríolas (principalmente em diabéticos);
Figura 31 - Lesões ulceradas
- Fisiopatologia: sem dúvida, o maior fator de risco é o
diabetes mellitus, seguido do tabagismo, e obviamen-
O diagnóstico diferencial é feito com úlceras arteriais, te é pior quando ambos estão associados; as dislipide-
úlceras neuropáticas, pioderma gangrenoso, úlceras de ori- mias, a hipertensão arterial, o estresse e o sedentaris-
gem infecciosa, carcinomas basocelular e espinocelular. mo também têm uma parcela de contribuição;
- Tratamento: do ponto de vista clínico, os cuidados - Quadro clínico: clinicamente, o paciente tem histó-
com as feridas são feitos com lavagens frequentes com ria de dor à deambulação e que melhora ao repouso
soro fisiológico e manutenção de curativos oclusivos – quadro denominado claudicação intermitente. Ao
(filmes de celulose, de poliuretano etc.) para que a exame físico, os pulsos estão diminuídos nos territó-
umidade permita uma melhor cicatrização. Atenção rios irrigados por artérias com o lúmen reduzido. Ao
deve ser dada à infecção secundária que pode ser tra- exame dermatológico, a pele apresenta-se fria, pálida
tada com antibióticos tópicos (como sulfadiazina de e às vezes cianótica. Nos pacientes diabéticos com mi-

76
D O E N Ç A S I N F L A M AT Ó R I A S

croangiopatias, pode haver placas eritematosas que se pleta só é obtida após restabelecer o fluxo normal com
assemelham aos eczemas e à erisipela. Com relação às a cirurgia vascular.
úlceras, podem surgir por 2 meios:
c) Úlceras infecciosas
• Lesões agudas: provenientes de embolias das pla-
cas ateromatosas que leva a um infarto agudo de Nesta parte, serão abordadas lesões crônicas causadas
um segmento da pele; clinicamente, iniciam-se por micro-organismos, muitos dos quais já foram vistos em
como um nódulo ou placa de consistência mais en- outros capítulos (por exemplo, leishmaniose e esporotri-
durecida e dolorida à palpação; com a piora da is- cose), logo merecem considerações especiais o ectima e a
quemia, ocorre a necrose com formação da úlcera tuberculose.
no centro da lesão inicial;
• Lesões crônicas: mais relacionadas com a micro- I - Ectima
angiopatia, têm surgimento desencadeado por
São ulcerações cutâneas causadas por bactérias haven-
trauma ou infecção levando a uma úlcera rasa, de
do 2 subtipos, o ectima clássico e o ectima gangrenoso; am-
bordas duras e fundo limpo, além de muito dolori-
bos podem ter evolução rápida e devastadora em alguns
da ao toque; predomina no maléolo lateral, e a sin-

DERMATOLOGIA
casos, levando inclusive a amputações das áreas atingidas.
tomatologia é aliviada com o membro mantido na
posição ortostática (pé para baixo). a) Ectima simples
É a apresentação clássica mais comum e, na verdade,
representa a evolução de um impetigo que acaba se apro-
fundando mais na derme e gerando a lesão ulcerada.
- Epidemiologia: estudos epidemiológicos sobre o tema
são raros, e fica difícil estimar sua incidência precisa-
mente. Sabe-se que é mais comum em crianças e ido-
sos (como as demais piodermites) e não tem predile-
ção por sexo ou raça;
- Fisiopatologia: o agente implicado é o estreptococo
beta-hemolítico do grupo A, e o quadro inicial é um
impetigo simples, que com a evolução passa por um
aprofundamento em direção às camadas mais pro-
fundas da pele, o que caracteriza uma ulceração; os
fatores predisponentes para essa forma mais invasiva
podem ser por parte do hospedeiro (que não é capaz
Figura 32 - Úlcera de insuficiência arterial: úlcera com necrose cen- de conter o avanço da colônia de bactérias) ou por ce-
tral, bordas irregulares e halo eritematoso perilesional pas mais virulentas com enzimas proteolíticas mais efi-
cazes. Uma história de trauma prévio ou de estado de
- Métodos diagnósticos: os exames gerais são solicita- imunossupressão pode estar presente;
dos para controle dos fatores de risco como o diabe- - Quadro clínico: o início se dá com uma pequena pápu-
tes e a dislipidemia. Exames de imagem não invasivos la de impetigo que aumenta em extensão e profun-
(ultrassom com dopplerfluxometria) são solicitados didade, gerando a úlcera que pode chegar a 4cm de
inicialmente para averiguar o fluxo arterial; se forem tamanho. O fundo pode ser purulento ou com crostas
necessários exames mais aprofundados, a arteriogra- melicéricas e a borda, eritematosa com sinais flogísti-
fia é o padrão-ouro e pode inclusive auxiliar no plane- cos. Adenopatia satélite é frequente. A dor na lesão
jamento cirúrgico (bypass). A biópsia para exame ana- costuma ser o sintoma associado. A resolução da lesão
tomopatológico não é indicada, pois apresenta apenas costuma deixar cicatrizes permanentes. Raramente,
achados inespecíficos; são vistos sintomas sistêmicos. As complicações locais
- Tratamento: a higiene adequada e os cuidados locais como celulite, osteomielite e amputação são mais co-
são importantes para evitar a infecção das úlceras. muns em imunossuprimidos e diabéticos. Outra com-
Deve ser adotada a prática de exercícios que aumenta plicação frequente é a glomerulonefrite pós-estrepto-
a circulação colateral e também encorajar os pacien- cócica;
tes para que abandonem o tabagismo. Evitar curativos - Métodos diagnósticos: a suspeita clínica pode ser
compressivos como a bota de Unna, pois diminuem confirmada com a cultura e o Gram da lesão, e ambas
a irrigação arterial. Medicações como a pentoxifilina devem mostrar o agente etiológico (Streptococcus). A
têm propriedades reológicas (diminui a viscosidade do biópsia para exame anatomopatológico raramente é
sangue) que aumentam o fluxo local. A melhora com- necessária, e seus achados são inespecíficos (necrose

77
DERMATOLOG I A

na derme com infiltrado neutrofílico). O diagnóstico com cefalosporinas de 3ª e 4ª gerações associadas a


diferencial se faz principalmente com o pioderma gan- aminoglicosídeos (ceftazidima e gentamicina) e com
grenoso, sendo esse um diagnóstico de exclusão após fluoroquinolonas como ciprofloxacino. Alguns casos
a investigação bacteriológica da lesão. Outras lesões requerem abordagem cirúrgica para debridamento de
ulceradas costumam ter evolução mais arrastada e tecidos necróticos.
também tem exames anatomopatológicos mais carac-
terísticos; II - Tuberculose
- Tratamento: a resposta à antibioticoterapia é rápi- Enfermidade milenar classicamente conhecida pelo
da, sendo frequentemente empregada na forma oral comprometimento pulmonar, mas que pode atingir a pele
(amoxIcilina ou cefalexina) com cobertura para cocos diretamente ou por disseminação de um foco sistêmico.
Gram positivos. A associação com pomadas antibióti- Entre as diversas manifestações clínicas da tuberculose
cas pode acelerar o processo de cura. É importante a cutânea, abordaremos aqui aspectos da apresentação ul-
remoção gentil de crostas e tecidos desvitalizados que cerativa.
são potenciais focos de infecção. A duração do trata- - Epidemiologia: mesmo sendo a tuberculose uma do-
mento é longa (21 dias). ença frequente, principalmente em países subdesen-
b) Ectima gangrenoso volvidos, a forma cutânea é mais rara, corresponden-
do a 0,1% dos casos. No entanto, a incidência teve um
Infecção cutânea incomum causada pela Pseudomonas
aumento considerável a partir da década de 80, com o
aeruginosa, associada a estados de imunossupressão que
surgimento da AIDS. Além disso, a migração indiscri-
permitem bacteremia do agente (êmbolos sépticos).
minada levou esse mal aos países desenvolvidos. Pode
- Epidemiologia: pode acometer pacientes de ambos os surgir em qualquer idade, mas a ocorrência maior é
sexos e de qualquer idade; dentre aqueles com sepse
em adultos jovens (20 a 30 anos). Há relatos de uma
por pseudomonas, ocorre em aproximadamente 10%
leve predominância no sexo masculino. Estudos que
dos casos;
mostram alguma preferência racial devem, na verda-
- Fisiopatologia: pacientes com um foco endógeno por de, correlacionar esse achado a aspectos socioeconô-
Pseudomonas aeruginosa (normalmente respiratório micos;
ou urinário) e que são imunocomprometidos evoluem
- Fisiopatologia: o Mycobacterium tuberculosis é um
frequentemente para sepse e êmbolos de colônias bac-
micro-organismo aeróbio, intracelular facultativo, e
terianas que na microvasculatura levam à obstrução e envolto por uma parede celular responsável pela co-
necrose tecidual, aumentando ainda mais a chance de loração do tipo BAAR. O contágio é por via aérea com
infecção local pelo próprio agente embolizado. Outras perdigotos de doentes ativos; assim, como contato
bactérias e fungos podem causar quadros de ectima inicial, a maioria dos pacientes que têm a forma cutâ-
gangrenoso-like. Raramente, essas lesões surgem em nea da tuberculose o faz após a reativação de um foco
pacientes que não apresentam bacteremia; pulmonar; nesse caso o paciente já foi capaz de desen-
- Quadro clínico: as lesões iniciais são pequenas pústu- volver uma resposta imunológica, tendo controlado o
las que rapidamente evoluem para bolhas hemorrági- foco primário no pulmão (complexo de Ghon). Lesões
cas e estas para necrose e ulcerações com eritema da primárias extrapulmonares são possíveis, mas raras.
borda. Os locais mais frequentes são na região perine- As lesões ulceradas também têm origem a partir de
al e nas extremidades, mas podem surgir em qualquer um foco interno – linfonodo ou osso comumente;
local. As lesões que surgem por embolia séptica, mas - Quadro clínico: as lesões ganglionares ou ósseas ten-
sem franca bacteremia e sepse, têm a mesma apresen- dem a fistulizar levando a uma lesão ulcerada da qual
tação; drena abundante material purulento rico em bacilos,
- Métodos diagnósticos: o diagnóstico pela bacterio- quadro conhecido como escrofuloderma. Após esse
logia pode ser feito a partir do fluido da bolha ou de evento supurativo inicial, as lesões assumem o aspecto
amostra tecidual, sendo indicados o exame com Gram ulcerado, com bordas delimitadas e fundo granuloso.
e a cultura; a biópsia para exame anatomopatológico Resoluções espontâneas são possíveis, porém somen-
também pode ser útil, na qual se encontra uma vas- te após meses de evolução e frequentemente resultam
culite associada à presença de bacilos adjacentes. A em cicatrizes inestéticas. Essas lesões ulceradas tam-
hemocultura pode ser positiva em muitos casos; bém são comuns na apresentação periorificial de mu-
- Tratamento: por ser doença de rápida evolução, re- cosas ou pele adjacente nos genitais ou cavidade oral.
quer um diagnóstico precoce para que seja iniciada a Outra forma que pode se manifestar com ulceração é
antibioticoterapia rapidamente. Os índices de mortali- o lúpus vulgar, uma variante que surge em indivíduos
dade chegam quase a 18% nos casos sem bacteremia PPD reatores e que se inicia com placas infiltradas que
franca e de 20 a 90% nos casos com sepse (há grande lembram as doenças granulomatosas; as placas, com a
variação entre os estudos). A melhor cobertura é feita evolução, podem apresentar áreas de ulceração;

78
D O E N Ç A S I N F L A M AT Ó R I A S

- Métodos diagnósticos: dependem da bacteriologia


com o encontro direto do bacilo em secreção das
lesões ou na cultura. A biópsia mostra um padrão
granulomatoso do tipo caseoso (rico em neutrófilos
e com necrose caseoide). É importante encontrar o
foco primário, e aí se deve lançar mão de exames
de imagem (radiografia ou tomografia de pulmões,
ossos e partes moles). O teste tuberculínico PPD
também é fundamental, pois nessa apresentação de
escrofuloderma e ulcerações os pacientes são fato-
res reatores;
- Tratamento: o mesmo esquema para tuberculose pul-
monar é eficaz nas formas extrapulmonares: pirazina-
mida, isoniazida e rifampicina, por 6 meses. A pirazina-
mida é usada apenas nos primeiros 2 meses.

DERMATOLOGIA
Pioderma gangrenoso Figura 33 - Pioderma gangrenoso: úlceras nos membros inferiores
Doença inflamatória cutânea que costuma se manifestar com borda subminada
com úlceras necróticas e que vem associada a outras enfer-
midades sistêmicas em até 50% dos casos. Como a etiologia
- Métodos diagnósticos: o diagnóstico é praticamente
de exclusão, pois se devem descartar primeiramente
é desconhecida, os pacientes tendem a ter quadros crôni-
outras causas primárias de úlceras cutâneas. Para isso,
cos e recorrentes, mas que felizmente são de bom prognós-
tico no que tange à morbidade e mortalidade. deve-se atentar-se a sinais de insuficiência venosa ou
arterial, lesões sugestivas de etiologias infecciosas e
- Epidemiologia: é doença relativamente rara com 1 neoplasias. Muitas vezes, é necessária a realização da
caso para cada 100.000 habitantes. Não tem predile-
biópsia para exame anatomopatológico, sendo esta
ção por sexo ou raça e pode acometer qualquer faixa
totalmente inespecífica (característica de uma úlcera
etária;
necrótica com infiltrado de neutrófilos maciço), mas
- Fisiopatologia: é desconhecida, mas se postula um útil porque ajuda a descartar as demais causas. Uma
provável mecanismo autoimune com participação de vez atingido o diagnóstico de pioderma gangrenoso,
neutrófilos, já que é muito associado a outras doenças devem-se concentrar os esforços para encontrar uma
autoimunes, como colagenoses e doenças inflamató- provável doença sistêmica. Uma história completa,
rias intestinais (doença de Crohn e retocolite ulcera-
principalmente com interrogatório sobre os sistemas
tiva). As associações são múltiplas: vasculites sistêmi-
digestivo e articular, é fundamental. Os exames gerais
cas, artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistêmico,
devem ser guiados por essa história, entretanto alguns
gamopatias monoclonais, linfomas, leucemias, sarcoi-
são necessários de imediato: hemograma, proteínas
dose, hepatite C, e as já citadas doenças intestinais.
totais e frações, sorologia, hepatites B e C, cultura para
Um dos aspectos intrigantes é o fenômeno da pater-
gia, que consiste no surgimento da lesão em áreas em bactérias, micobactérias e fungos de fragmento da le-
que houve um trauma da pele; são, raio x de tórax e pesquisa de sangue oculto nas
fezes (se alterado, considerar colonoscopia);
- Quadro clínico: normalmente, a lesão inicial é descri- - Tratamento: não há uma terapia de escolha para o tra-
ta pelos pacientes como uma picada ou um furúncu-
tamento do pioderma gangrenoso. Nos casos associa-
lo, pois é uma pápula ou pústula que com a evolução
dos a alguma doença de base, é o tratamento desta
gera a úlcera; esta tem a borda característica, irregular,
porém bem definida, de cor violácea e com uma ele- que pode trazer a resolução do quadro. Alguns autores
vação do leito (borda subminada). Os locais acometi- preconizam o uso de imunossupressores, sendo o de
dos mais comumente são os membros inferiores, mas melhor resposta a ciclosporina; outros também são
é possível em qualquer localização; há casos em que citados: prednisona, metotrexato, azatioprina, talido-
ele se desenvolve adjacente a estomas (colostomia, mida, micofenolato de mofetila. Cuidados locais com
gastrostomia etc.) e é confundido com infecção secun- a ferida para evitar infecções secundárias são impor-
dária. Na realidade, qualquer procedimento cirúrgico tantes. Deve-se evitar qualquer tipo de abordagem
pode ser desastroso nesses pacientes, pois o pioderma cirúrgica nessas úlceras pelo fenômeno da patergia.
pode acontecer na própria cicatriz cirúrgica. Sintomas Casos mais graves podem realizar pulsoterapia com
sistêmicos como febre, indisposição e artralgias são metilprednisolona e ciclofosfamida e sessões na câma-
frequentes; ra hiperbárica.

79
DERMATOLOG I A

6. Farmacodermias (latu sensu) - Interação medicamentosa: quando diferentes drogas


são administradas conjuntamente, interferindo nas
ações farmacológicas de cada uma, de forma negativa
A - Introdução (antagonismo) ou positiva (sinergismo);
As erupções por drogas também representam uma enor- - Distúrbio ecológico: alteração da flora normal de
me dificuldade diagnóstica para o dermatologista, pois a micro-organismos, podendo ocorrer um biotropismo
variedade nos tipos de lesões cutâneas é muito grande, po- (favorecimento para o desenvolvimento de outros
dendo ser encontradas lesões de praticamente toda a gama micro-organismos). Exemplo: candidose com uso de
propedêutica: urticariformes, eczematosas, rash macular, antibióticos de amplo espectro;
bolhosas, liquenoides, pustulosas e outras. Além disso, - Reação de Jarisch-Herxheimer: quando o uso de antibi-
nem sempre se pode identificar a medicação responsável óticos promove a morte de micro-organismos com libe-
pelo quadro, apesar de esse ser o desejo de outros colegas ração de antígenos circulantes; normalmente, cursa com
quando pedem uma interconsulta ao dermatologista. Isso sintomas sistêmicos (adenomegalia generalizada, febre,
representa um obstáculo no tratamento de muitos pacien- cefaleia, mal-estar geral) e exacerbação de lesões já exis-
tes, pois há um dilema entre continuar com a medicação, tentes. Exemplo: tratamento da sífilis com penicilina;
muitas vezes imprescindível, e correr o risco de desenvolver - Degranulação de histamina: por drogas que o fazem
um quadro reacional potencialmente grave. As síndromes diretamente por ativação dos mastócitos. Exemplos:
mais graves serão abordadas separadamente. As urticárias contrastes iodados e derivados da morfina.
também se enquadram nesse bloco, apesar de sua etiologia
ser multifatorial (uma boa parcela é medicamentosa). b) Imunológicos
São 4 subtipos que se enquadram na classificação de
B - Epidemiologia Gell & Coombs:
As farmacodermias são eventos muito frequentes e po-
- Reação tipo I: a hipersensibilidade imediata depen-
dente de IgE negativo. Exemplo: alergia à penicilina;
dem ocorrer em até 1% dos pacientes tratados em consul-
tório; esse número pode aumentar para 5% quando se con-
- Reação tipo II: envolve mecanismo celular citotóxico
com ativação do complemento. Exemplo: anemia he-
sideram internados em enfermarias. Felizmente, o número
molítica;
de casos fatais é bem menor (0,1%). Os idosos são a popula-
ção mais atingida, pois estão mais expostos (usam mais me- - Reação tipo III: tem formação de imunocomplexos
dicações); também pacientes do sexo feminino apresentam semelhante com o que acontece na doença do soro.
maior incidência de reações cutâneas a drogas. Exemplo: vasculites leucocitoclásticas (púrpura de
Henoch-Schönlein);
C - Fisiopatologia - Reação tipo IV: também com mecanismo celular (imu-
nidade celular tardia). Exemplo: dermatites de contato
Deve-se separar o mecanismo de desencadeamento em com drogas de uso tópico.
2 grupos principais:
a) Não imunológicos No grupo imunológico, as reações do tipo IV são as mais
frequentes.
- Intolerância: aparecimento de sintomas de toxicidade
da droga em doses que normalmente não seriam tóxi- Tabela 3 - Farmacodermia: classificação de Gell & Coombs
cas. É considerada uma alteração quantitativa e pode
Tipo Classificação Exemplo
depender de suscetibilidade individual (como deficien-
I Hipersensibilidade imediata IgE Urticária aguda
tes em certas enzimas para o metabolismo da droga).
Exemplo: dapsona em indivíduos com deficiência de II Celular citotóxica Anemia hemolítica
G6PD; III Formação de imunocomplexos Doença do soro
- Idiossincrasia: efeitos inesperados e diversos da ação IV Celular tardia
Dermatite contato
farmacológica da droga; é considerada qualitativa e im- alérgica
previsível (pode ser na 1ª exposição). Exemplo: rash de
paciente com mononucleose que ingeriu ampicilina; D - Quadro clínico
- Superdosagem: quando a dose da medicação ultra- A manifestação mais comum é o rash exantematoso
passa o limite de tolerância orgânica, tornando-se maculopapular, muito semelhante aos exantemas virais (ru-
tóxica ao organismo. Exemplo: intoxicação por vários béola, sarampo etc.). Nessa forma, o grupo de medicações
comprimidos de acetaminofeno; causador pode ser mais ou menos delimitado entre anti-
- Efeito colateral: surge pela ação farmacológica normal -inflamatórios, antibióticos, anticonvulsivantes e psicotrópi-
da droga, mas sendo ações secundárias na terapêutica cos; estes são sempre os mais suspeitos, principalmente se
da droga. Exemplo: sonolência dos anti-histamínicos; introduzidos recentemente. Porém vale ressaltar que esse

80
D O E N Ç A S I N F L A M AT Ó R I A S

padrão clínico é possível e imaginável com qualquer medi-


cação. Há também como chegar ao agente mais suspeito
de acordo com o padrão dermatológico encontrado. Como
exemplo, podem-se citar:
- Erupções acneiformes: devido ao uso de corticoides
sistêmicos, vitamina B12, hormônios andrógenos e lítio;
- Pustuloses generalizadas: pacientes que receberam
antibióticos, principalmente do grupo dos beta-lactâ-
micos;
- Eritema nodoso: associado ao uso de anticoncepcio-
nais e sulfonamidas;
- Reações fototóxicas: podem ser causadas por sulfona-
midas, diuréticos tiazídicos, inibidores da ECA;
- Eritema pigmentar fixo: lesão bem caracterizada por Figura 35 - Erupção acneiforme
uma mácula eritematoacastanhada que sempre recidi-

DERMATOLOGIA
va no mesmo local quando o paciente recebe a medi- E - Métodos diagnósticos
cação; ocorre com uso de dipirona e anti-inflamatórios; Casos agudos e leves são de diagnóstico clínico simples-
- Vasculites sistêmicas: quadros sistêmicos graves que mente pela história e exame físico. Casos graves e persistentes
podem ocorrer com propiltiouracil, penicilinas, anti- merecem atenção especial e acabam gerando alguns exames:
-inflamatórios; - Biópsia e anatomopatológico: para casos arrastados
- Lúpus-like: classicamente implicado com o uso de hi- que ainda não têm a etiologia definida;
dralazina, procainamida e minociclina; - Hemograma: pode cursar com leucocitose e eosinofilia
- Lesões bolhosas: podem ser desencadeadas com uso ou, em casos graves, leucopenia ou trombocitopenia;
de sulfas e d-penicilamina. - Distúrbios hidroeletrolíticos: encontrados principal-
mente entre os pacientes graves com NET e Stevens-
Sobretudo, deve-se ficar atento aos quadros potencial-
Johnson.
mente graves e que podem ter um desfecho fatal; normal-
mente, os pacientes desse grupo evoluem com a síndrome O diagnóstico diferencial daria um verdadeiro compên-
de Stevens-Johnson ou a NET, e os sinais e sintomas iniciais
dio dermatológico, pois uma droga pode se manifestar com
para os quais se deve atentar são lesões nas mucosas (oral,
lesões diferentes, e determinado padrão dermatológico
conjuntival) lesões bolhosas, principalmente se o sinal de
pode ser causado por diferentes drogas.
Nikolsky é positivo; púrpuras palpáveis e necrose cutânea
(sinais de vasculite); angioedema e edema da língua (risco F - Tratamento
de obstrução de vias aéreas); febre; linfadenopatia; hipo-
tensão e dispneia (sinais de choque anafilático). As reações graves são raras, e a maioria dos pacientes
Na história do paciente, é importante colher dados so- tem boa recuperação depois de descontinuada a droga cau-
bre todas as medicações usadas, mesmo aquelas rotineiras sadora. Esse, por sinal, deve ser o foco na resolução do caso,
e vendidas em balcão. Considerar e investigar sinais e sin- no entanto, quase sempre os pacientes fazem uso de diver-
tomas de infecção viral, principalmente em crianças, pois sas medicações que não podem ser retiradas imediatamen-
nessas, ela é a principal causa de exantemas. Pacientes que te, pois são essenciais para sua sobrevivência; entretanto,
são HIV positivo têm, por si só, um risco maior de desenvol- toda aquela dispensável deve ter seu uso interrompido o
verem farmacodermias e quando o fazem, normalmente os mais brevemente possível. Como sintomáticos, podem-se
casos são mais severos. deixar cremes hidratantes e anti-histamínicos para alívio
do prurido. Algumas reações mais importantes devem ser
tratadas com corticoides sistêmicos (prednisona). Os casos
graves (NET e Stevens-Johnson) devem ser hospitalizados,
de preferência numa unidade de grandes queimados; al-
guns trabalhos mostraram os melhores resultados para es-
ses indivíduos com o uso da imunoglobulina intravenosa.

G - Eritema multiforme
a) Introdução
Doença inflamatória reacional caracterizada pelas lesões
Figura 34 - Reação fototóxica em alvo e que pode ser causada por 2 mecanismos diferen-

81
DERMATOLOG I A

tes: erupção por drogas ou infecções, principalmente herpes.


No passado, era considerada dentro do espectro das reações
a drogas graves, porém hoje se sabe que é uma entidade di-
ferente destas (síndrome de Stevens-Johnson e NET).
Na maioria dos casos, é breve e autolimitada, porém há
indivíduos em que é recorrente.
b) Epidemiologia
Não se sabe a incidência exata, mas alguns estudos es-
timam algo em torno de 1% dos pacientes ambulatoriais.
Pode afetar todas as idades, no entanto, é mais frequente
em crianças e jovens. Não há predileção racial, mas afeta
mais homens do que mulheres. Figura 36 - Eritema multiforme: placa eritematosa circular com
centro violáceo
c) Fisiopatologia
É desconhecida, porém já houve teorias sobre uma
e) Métodos diagnósticos
agressão celular do tipo citotóxica contra antígenos da pele
que são semelhantes a antígenos do vírus herpes. Entre as Clinicamente, pode-se chegar ao diagnóstico devido às
causas, as medicações são as mais frequentes, e as drogas lesões em alvo, características, aliadas às lesões mucosas
mais implicadas são anticonvulsivantes, antibióticos e anti- nos casos mais graves. Os exames gerais, como hemogra-
-inflamatórios; as sulfas têm importante associação. No que ma, função renal e eletrólitos devem ser realizados nas for-
mas major em que o paciente seja internado e servem para
tange aos agentes infecciosos, além do herpes-vírus já hou-
controle do quadro sistêmico. A biópsia para exame ana-
ve relatos de associação a vírus da hepatite C, tuberculose,
tomopatológico deve ser realizada em quadros duvidosos
Mycoplasma e outros. Há também casos desencadeados
que podem se assemelhar a urticária, dermatoses neutro-
por agentes contactantes (mercúrio, budesonida, capsaici-
fílicas como a síndrome de Sweet, dermatites de contato,
na etc.).
eritemas figurados e outras. A histopatologia evidencia uma
d) Quadro clínico dermatite de interface com vacuolização da camada basal.
A principal característica do eritema multiforme é a pre- f) Tratamento
sença das lesões em alvo nas quais há uma placa eritema- É importante estabelecer o agente causal que pode ser
tosa circular com o centro mais violáceo, onde surgem as medicamentoso (afastar a droga implicada) ou infeccioso
vesículas ou bolhas; essas lesões podem surgir em qualquer (tratar o foco correspondente). Via de regra, o tratamento
localização, incluindo as regiões palmar e plantar. Porém, é apenas de suporte com loções secativas, antibióticos, em
como o próprio nome já diz, o quadro pode ser polimór- caso de infecção secundária, e anti-histamínicos para alívio
fico, já que, além das lesões em alvo, os pacientes podem do prurido. O uso de corticoides sistêmicos não é consensual
se apresentar com lesões urticariformes e bolhosas num entre os dermatologistas e deve ser desencorajado, princi-
mesmo evento. Há uma subdivisão, na qual 2 formas são palmente em caso de suspeita de um foco infeccioso de base.
separadas num espectro de gravidade:
- Eritema multiforme minor: normalmente, são qua- H - Síndrome de Stevens-Johnson/NET
dros recorrentes e associados a infecções clínicas ou
subclínicas pelo herpes-vírus. Nessa forma mais leve, a) Introdução
os pacientes não apresentam sintomas sistêmicos São doenças inflamatórias agudas que cursam com
prodrômicos nem lesões mucosas e as lesões cutâne- quadros graves e potencialmente fatais, agrupadas sob um
as são mais localizadas (menos de 10% da superfície mesmo espectro de gravidade: numa extremidade, está o
corporal); eritema multiforme major, com lesões bolhosas em menos
de 10% da superfície corporal; no centro, está a síndrome
- Eritema multiforme major: considerada por muitos
de Stevens-Johnson, com acometimento de 10 a 30% da su-
uma forma leve da síndrome de Stevens-Johnson, por-
perfície cutânea; por fim, a NET, em que mais de 30% da
tanto muito associada ao uso de medicações (farmaco-
pele são acometidos com bolhas e áreas de descolamento.
dermia). Nela, os pacientes apresentam lesões muco-
Os pacientes mais graves têm um comportamento seme-
sas e tem sinais e sintomas sistêmicos de inflamação, e lhante a “grandes queimados”.
as lesões podem acometer mais de 10% da superfície
corporal. As lesões mucosas são erosões que podem b) Epidemiologia
surgir na cavidade oral, na conjuntiva e na mucosa de Os estudos mostram uma incidência anual que pode va-
genitais. A distribuição é simétrica e centrípeta. riar de 0,5 a 7 casos para cada milhão de habitantes, sendo

82
D O E N Ç A S I N F L A M AT Ó R I A S

felizmente consideradas entidades raras; isso porque os ín-


dices de mortalidade são elevados, com taxas que chegam
a 5% na síndrome de Stevens-Johnson e de até 40% na NET.
Numerosos estudos epidemiológicos mostraram que a in-
cidência é maior entre as mulheres, mas não há predileção
racial. Pode acometer qualquer idade, mas como a expo-
sição aos fármacos é maior com o passar dos anos acaba
sendo mais vista em adultos e idosos. Casos associados ao
HIV são mais frequentes e responsáveis pela diminuição da
média de idade acometida.
c) Fisiopatologia
O mecanismo é desconhecido, apesar de estar bem es-
tabelecida a relação causal com os medicamentos. Dentre
os grupos de fármacos, têm-se:
- Antibióticos: são os mais frequentes, principalmente

DERMATOLOGIA
os derivados das sulfas (sulfametoxazol-trimetoprima)
Figura 38 - NET: paciente em UTI com grandes áreas de despren-
e outros em menor escala (quinolonas, aminopenicili- dimento da epiderme
nas, cefalosporinas);
- Alopurinol: já implicado em alguns estudos como o e) Métodos diagnósticos
principal agente causador;
Clinicamente, pode-se chegar ao diagnóstico devido
- Anticonvulsivantes: carbamazepina, fenitoína e feno- às lesões em alvo, características, aliadas às lesões muco-
barbital;
sas que sempre devem estar presentes. Os exames gerais,
- Anti-inflamatórios: principalmente do grupo dos “oxi- como hemograma, função renal e eletrólitos devem ser
cans” (piroxicam, tenoxicam etc.).
solicitados para monitorar o estado geral do paciente e
Não há relação com agentes infecciosos, pois nesse caso possíveis complicações, entre elas a sepse e a insuficiência
o diagnóstico mais provável é o eritema multiforme (exceto respiratória, as principais causas de morte. O exame ana-
a associação ao HIV). tomopatológico mostra as mesmas alterações descritas no
eritema multiforme (dermatite de interface com vacuoliza-
d) Quadro clínico ção), porém com maior grau de necrose da epiderme.
As lesões iniciais são placas lisas e eritematosas de con- O diagnóstico é feito com as lesões bolhosas (pênfigos e
tornos bizarros e podem assumir uma coloração mais violá- penfigoides) e principalmente a síndrome da pele escalda-
cea no centro. Nessas placas, podem surgir as lesões bolho- da estafilocócica (SSSS). Em nenhum desses diferenciais é
sas e também podem deixar áreas desnudas pelo despren- vista a intensa necrose epidérmica na histopatologia.
dimento de toda epiderme pela necrose ocorrida. Entre as
lesões, permanecem áreas de pele normal, e nas proximi- f) Tratamento
dades das lesões pode ser realizado o sinal de Nikolsky. Considerada uma emergência dermatológica, exige in-
ternação em UTI de preferência com manejo de pacientes
grandes queimados; isso deve ser proposto mesmo a ca-
sos que inicialmente se apresentem de forma leve, pois
é impossível prever qual evoluirá para óbito. O suporte
clínico é, talvez, a melhor terapia, pois não há consenso
com relações a medicações imunossupressoras como os
corticoides e outros. O cuidado com as feridas evita a for-
mação de cicatrizes incapacitantes, e isso é importante
principalmente no acometimento ocular, no qual podem
restar sequelas irreversíveis que levam à cegueira em até
40% dos casos.
O debridamento de áreas de necrose com uso de cura-
tivos biológicos é recomendado. Alguns trabalhos relatam
uma boa resposta com o uso de imunoglobulina intrave-
nosa, e esse tratamento já está incorporado em vários
centros de referência. Não é indicado o uso de antibióticos
Figura 37 - Síndrome de Stevens-Johnson: lesões bolhosas já resse- sistêmicos ou tópicos (principalmente derivados da sulfa)
cadas e acometimento das mucosas oral e conjuntival como medida profilática.

83
DERMATOLOG I A

I - Urticárias medicações de 2ª geração, que não são sedativas (fe-


xofenadina, cetirizina, rupafina etc.). Casos mais exu-
São grupos de manifestações alérgicas ou não, carac-
berantes, principalmente com angioedema, podem
terizadas em comum pela presença da urtica (pápula eri-
receber corticosteroides sistêmicos por curto prazo. A
tematosa e pruriginosa fugaz), no entanto, com diferentes
adrenalina estará indicada se houver indício de choque
etiologias na gênese do quadro.
anafilático.
As diferentes etiologias podem ser hipersensibilidade
imediata, resposta celular tardia, ação direta em mastóci- b) Urticárias crônicas
tos, causas físicas e vasculites, o que se pode traduzir em Por definição, são aqueles que apresentam o quadro
diferentes manifestações clínicas e temporais; nesse que- urticariforme há mais de 6 semanas; estatisticamente, che-
sito, as urticárias são divididas em agudas e crônicas para gam a apresentar o problema por mais de 2 anos, e nem
melhor investigação da causa de base. sempre é possível definir a causa e chegar à cura, sendo
a) Urticárias agudas frustrante para o dermatologista e o paciente.
Este grupo engloba os doentes que apresentam a erup- - Epidemiologia: como são situações diferentes, fica di-
ção cutânea há menos de 6 semanas; normalmente aca- fícil traduzir em números as formas de urticária crô-
bam se consultando em unidades de pronto atendimento nica. Enquanto as formas agudas podem atingir 15%
com um clínico geral e raramente chegam ao consultório da população em algum momento da vida, a forma
dermatológico, pois a maioria tem uma forma fugaz e não crônica é mais rara, girando em torno de 1%. Parece
recorrente. ser ligeiramente mais comum em mulheres, e a faixa
- Epidemiologia: é tão frequente, e, às vezes, os doen- etária predominante é de adultos jovens;
tes não procuram atendimento médico, o que dificulta - Fisiopatologia: não pode ser considerada uma entida-
a contabilização dos números epidemiológicos. Alguns de única, pois as causas são diversas e todas culminam
estudos presumem que até 20% da população têm a com a degranulação de mastócitos. O 1º passo seria a
chance de um evento na vida. Pode acometer qual- exclusão das causas físicas, sendo as principais a urti-
quer idade e não tem predileção racial. Alguns traba- cária por pressão, urticária por frio, urticária por calor
lhos mostram um leve predomínio em mulheres; ou colinérgica (desencadeada pelo suor do exercício
- Fisiopatologia: reação imune que pode ter 2 verten- ou pelo aumento da temperatura ambiente) e a urti-
tes, uma por ação direta da substância nos mastócitos cária solar; a urticária aquagênica é questionada como
(como os derivados opioides) e outra alérgica media- entidade existente, pois seria incompatível conviver
da por IgE (celular imediata – tipo I de gel e Coombs). com uma alergia à água (alguns defendem que é de-
Em quase metade dos casos, é possível identificar um sencadeada pela variação da temperatura). Após essa
agente que levou à reação alérgica (comumente uma exclusão, restam as urticárias autoimunes e as idiopá-
medicação e eventualmente um alimento, como co- ticas (que correspondem a 50% dos casos). A forma
rantes e frutos do mar). Infecções também podem ser autoimune é provocada pela formação de autoanti-
implicadas (vias áreas, parasitoses intestinais etc.); corpos que se ligam a receptores IgE de mastócitos,
- Quadro clínico: o motivo da consulta é o prurido que promovendo sua ativação direta;
pode ser atormentador. É acompanhado das urticas, - Quadro clínico: os pacientes referem o surgimento
que são pápulas eritematoedematosas que normal- das pápulas pruriginosas disseminadas e que desapa-
mente desaparecem em 8 horas, mas surgem em no- recem em questão de horas; tendem à recorrência, e
vos locais num padrão migratório. Podem, às vezes, alguns relatam que as crises são desencadeadas pelas
assumir formas bizarras, principalmente em crianças. situações relatadas anteriormente (exercício físico e
Outra manifestação possível é o angioedema, que urticária colinérgica, contato com água fria e urticária
pode levar à obstrução das vias aéreas e a inchaço da pelo frio, carregar uma mochila pesada e urticária de
face e de extremidades. Raramente, os doentes po- pressão etc.) e por estresse emocional. As lesões não
dem evoluir com choque anafilático. As lesões desapa- devem durar individualmente mais que 24 horas, tam-
recem e não deixam vestígios cicatriciais; pouco deixar marcas residuais; quando isso ocorre,
- Métodos diagnósticos: diagnóstico puramente clínico. está-se diante de uma urticária vasculite. Raramente
Alguns casos podem ser confundidos com o eritema os doentes apresentam angioedema ou evoluem para
multiforme (este costuma ter lesões em alvo mais du- choque anafilático (diferente das urticárias agudas);
radouras). As urticárias crônicas são abordadas mais - Métodos diagnósticos: não é difícil concluir, pela his-
adiante; tória clínica, que se está diante de uma urticária crô-
- Tratamento: identificado o agente causal pela histó- nica; o problema é tentar descobrir o agente causal.
ria, deve-se afastá-lo imediatamente. A terapia com No caso das formas físicas, existem testes específicos
anti-histamínicos H1 costuma resolver a maioria dos que provam o desencadeamento (teste de exercício,
casos (dexclorfeniramina, hidroxizina etc.). Hoje, há as imersão em água fria etc.). As urticárias autoimunes

84
D O E N Ç A S I N F L A M AT Ó R I A S

podem ser diagnosticadas pelo teste intradérmico do Doenças papulopruriginosas


soro autólogo e, inclusive, vir associadas a tireoidites - Além das várias manifestações da pele, o líquen plano frequen-
autoimunes – é interessante realizar TSH e anticorpos temente acomete mucosas (oral e genital);
antiperoxidase e antimicrossomal. O 2º passo seria ex- - A pitiríase liquenoide tem sua forma aguda (PLEVA), um quadro
cluir causas patológicas associadas às urticárias como mais dramático, e a forma crônica, mais indolente;
infecções (sinusite, parasitoses intestinais, ITUs etc.), - O prurigo caracteriza-se por pápulas pruriginosas. Em sua for-
doenças reumatológicas e síndromes paraneoplásicas; ma aguda, representa uma hipersensibilidade à picada de inse-
como as possibilidades causais são inúmeras, antes de tos, nas formas crônicas frequentemente está associado a uma
doença de base.
solicitar uma larga bateria de exames laboratoriais e
Doenças bolhosas
de imagem é melhor fazê-lo direcionado pela história
e exame físico. Quando nenhuma causa é encontrada, - As doenças bolhosas dividem-se em 2 grandes grupos: os pênfi-
gos e os penfigoides, de acordo com o nível de clivagem na pele;
é dita urticária idiopática;
- As formas mais frequentes de pênfigos são o vulgar (com aco-
- Tratamento: identificar o agente causal e tentar afas- metimento mucoso) e o foliáceo (sem acometimento mucoso);
tá-lo é a melhor medida quando possível. Nos casos - A forma mais grave de pênfigo é a paraneoplásica, com índices
autoimunes e idiopáticos, os doentes são controlados de mortalidade de 90%;

DERMATOLOGIA
com o uso contínuo de anti-histamínicos dando prefe- - O penfigoide bolhoso é muito frequente na população idosa;
rência para os não sedativos da nova geração (loratadi- - A dermatite herpetiforme é uma doença bolhosa mediada por
na, fexofenadina, cetirizina) e, se necessário, associar IgA e pode estar associada à doença celíaca.
um sedativo à noite (hidroxizina, dexclorfeniramina Colagenoses
etc.). Deve-se evitar o uso de corticoides, pois o tra- - O lúpus eritematoso pode se apresentar na sua forma crônica,
tamento é de longo prazo, e os efeitos colaterais são subaguda ou sistêmica/aguda;
mais prejudiciais ao doente. Não é consensual o trata- - Dentre os critérios clínicos, 4 são relativos à Dermatologia: le-
mento “às cegas” de supostas infecções bacterianas, sões discoides, rash malar, fotossensibilidade e úlceras orais;
virais e parasitárias. - A dermatomiosite cursa com lesões dermatológicas típicas e
comprometimento muscular proximal; pode vir associada a
Tabela 4 - Diferencial de lesões medicamentosas uma neoplasia oculta;
Urticária Eritema Stevens- - A esclerodermia tem amplo espectro clínico com a forma lo-
Característica
aguda multiforme Johnson/NET calizada (morfeia), a sistêmica limitada (CREST) e a sistêmica
Lesões generalizada.
Não Menos 10% Mais de 30%
bolhosas Vasculites
Lesões em alvo Não Sim, perfeitas Sim, irregulares - As vasculites são quadros sistêmicos que, além da pele, costu-
mam levar aos comprometimentos renal e pulmonar;
Lesões Bolhas/
Angioedema Não - As principais vasculites granulomatosas são a síndrome de
mucosas exulcerações
Churg-Strauss e a granulomatose de Wegener;
Choque Choque
Hipotensão Não - A púrpura de Henoch-Schönlein é uma vasculite mediada por
anafilático séptico/SIRS
depósito de IgA;
Obstrução
Sim Não Não - São 3 grandes grupos distintos que levam a lesões ulceradas:
vias aéreas afecções vasculares, causas infecciosas e neoplasias;
- Dentre as causas infecciosas que causam úlceras, têm-se as
7. Resumo PLECTS, que incluem a tuberculose;
- O pioderma gangrenoso é uma afecção autoimune frequente-
Quadro-resumo mente associada a uma doença de base.
Doenças eritematodescamativas Urticárias
- A psoríase tem múltiplas apresentações clínicas e vários fatores - As farmacodermias são frequentes na prática clínica e podem
que interagem na sua fisiopatologia; ocorrer em até 5% dos internados;
- A pitiríase rósea é uma doença autolimitada e benigna de pro- - Na fisiopatologia, devem-se separá-las nas provocadas por
vável origem viral; eventos imunológicos e não imunológicos;
- A pitiríase rubra pilar tem, como particularidade, o acometi- - No campo imunológico, a classificação de Gell e Coombs é fun-
mento folicular por lesões eritematodescamativas; damental;
- Alguns casos de parapsoríase podem evoluir para linfoma de - As apresentações clínicas são inúmeras e relacionadas de acor-
células T; do com a medicação;
- Na grande parte dos casos de eritrodermia, fica difícil identifi- - Entre os quadros mais graves, estão a síndrome de Stevens-
car o fator desencadeante; Johnson e a NET;
- Os eritemas figurados são erupções recorrentes que podem es- - As urticárias podem ser consequentes a farmacodermias, mas
têm outras causas, principalmente na forma crônica.
tar associados a doenças sistêmicas e/ou malignidades.

85
DERMATOLOG I A

CAPÍTULO

5
Medicina interna
Alexandre Evaristo Zeni Rodrigues

1. Introdução alumínio, zircônio e talcos. Há, também, participação gené-


tica, pois é fortemente associada à HLA-B8.
Este capítulo aborda algumas síndromes clínicas que
primariamente levam a um comprometimento sistêmico, D - Quadro clínico
causando, posteriormente, as manifestações cutâneas; são
doenças diversas entre si, mas que são igualmente impor- Como o processo granulomatoso pode ocorrer em qual-
tantes, pois muitas vezes a pele nos dá as pistas para che- quer órgão, as manifestações sistêmicas são muito variá-
garmos ao diagnóstico final e tratar o doente em tempo. veis: quadro mimetizando tuberculose pulmonar, uveítes,
artrites, arritmias por infiltração do miocárdio etc. O co-
metimento cutâneo pela sarcoidose tem 2 grupos distintos
2. Sarcoidose com o lado não específico, representado pelo eritema no-
doso, e o específico, com diversas variantes clínicas.
A - Introdução O eritema nodoso é uma forma de paniculite crônica
recidivante que se manifesta por nódulos dolorosos nos
Doença inflamatória crônica caracterizada pela forma-
membros inferiores e que, além da sarcoidose, pode estar
ção de granulomas em qualquer tecido orgânico, entretan-
relacionado a outras etiologias (infecções Yersinia, anticon-
to com preferência por 3 acometimentos distintos: cutâneo,
cepcionais, doenças inflamatórias intestinais etc.). É muito
ocular e pulmonar (incluindo a linfadenopatia hilar).
mais comum em mulheres jovens. As lesões são profundas
B - Epidemiologia e surgem como pontos indurados de cor equimótica (como
uma contusão) que são doloridos à palpação. O número de
É uma doença universal, no entanto, com grandes di- lesões é variável (poucas a várias). Pode vir acompanhado
ferenças quanto à incidência, podendo variar de 64 ca- de sintomas gerais de inflamação (febre, indisposição e ar-
sos/100.000 habitantes em países escandinavos, a 3 ca- tralgias).
sos/100.000 habitantes em países do leste europeu; em A tríade composta por artrite, eritema nodoso e linfa-
nosso país, assim como nos EUA, a incidência é por volta de denopatia hilar é conhecida como síndrome de Löefgren. A
15 casos/100.000 habitantes. Em nosso meio, ela também remissão é espontânea em questão de semanas, mas pode
é mais prevalente em afrodescendentes. Acomete igual- ser abreviada com o uso de anti-inflamatórios e corticoste-
mente pacientes dos sexos feminino e masculino. Quanto roides sistêmicos.
à idade, pode surgir em qualquer período, mas tem 2 picos
de distribuição bem definidos: 30 e 60 anos. Artrite
C - Fisiopatologia
Síndrome de Linfadenopatia
É desconhecida, mas se acredita que possa existir um Löefgren hilopulmonar
antígeno (infeccioso ou ambiental) que tenha baixa virulên-
cia, porém que leve a uma inflamação crônica granulomato-
sa por meio da resposta Th1. Entre os antígenos implicados Eritema
nodoso
estão micobactérias, borrelias, fungos e vírus da hepatite;
do lado ambiental já houve correlação com exposição ao Figura 1 - Sarcoidose e a síndrome de Löefgren

86
MEDICINA INTERNA

adas (chamado de “granuloma nu”) e também os corpos


asteroides (figuras eosinofílicas nos histiócitos); esse é o
exame padrão-ouro para o diagnóstico definitivo (quer seja
realizada a biópsia na pele ou no tecido pulmonar).
O diagnóstico diferencial depende da forma clínica,
sendo os principais na forma de lúpus pérnio (diferencial
com lúpus eritematoso e lúpus vulgar que é um subtipo de
tuberculose) e na sarcoidose papulosa (diferencial com do-
enças granulomatosas em geral como a hanseníase, o gra-
nuloma anular, micoses profundas etc.).

F - Tratamento
Ainda hoje, o melhor tratamento é feito com o uso dos
corticosteroides, sendo sistêmicos nos casos com compro-
metimentos mais graves (uveítes, infiltrações pulmonares e

DERMATOLOGIA
Figura 2 - Eritema nodoso: lesões eritematosas e equimóticas so-
arritmias cardíacas).
brelevadas em região anterior da tíbia em membros inferiores
Nas lesões cutâneas disseminadas e desfigurantes essa
Dentre as manifestações específicas da sarcoidose, te- também é a melhor opção; já nos casos com lesões meno-
mos: res e localizadas pode ser tentada a corticoterapia tópica
- Lúpus pérnio: caracterizado por placas infiltradas, eri- (clobetasol ou betametasona) ou mesmo a infiltração intra-
tematovioláceas, de superfície levemente descama- lesional com triancinolona.
tiva que surgem na face (nariz, bochecha e orelhas)
lembrando a “asa de borboleta” do lúpus eritematoso 3. Amiloidoses
sistêmico. Quando comprimidas, as placas e nódulos
São doenças em que ocorre depósito de uma substância
assumem uma coloração que lembra “geleia de maçã”;
proteica; acometem qualquer tecido, gerando disfunções dos
- Sarcoidose papulosa: pápulas e pequenos nódulos de órgãos afetados. Existem formas localizadas e sistêmicas, for-
coloração eritematoviolácea, com predomínio na face mas primárias e secundárias, e todas podem atingir a pele.
e extremidades; são idênticas ao lúpus pérnio, porém As formas proteicas fibrilares correspondem a 90% de
com menor tamanho; todas as substâncias amiloides, enquanto que os outros
- Sarcoidose cicatricial: nódulos semelhantes à forma 10% correspondem a uma forma glicoproteica não fibrilar
papulosa, mas que surgem sobre uma cicatriz antiga; encontrada no plasma (SAP – Serum Amyloid Protein) e que
- Sarcoidose do couro cabeludo: pode levar a áreas de tem similaridade com a proteína C reativa (por isso pode
alopecia cicatricial com aspecto atrófico e irreversível. haver amiloidose em processos inflamatórios crônicos).

E - Métodos diagnósticos A - Amiloidoses cutâneas localizadas


Os exames gerais de sangue são normais, podendo, em
a) Introdução
alguns casos, aparecer uma anemia de doença crônica. A
dosagem de proteínas também pode mostrar um aumen- São depósitos que ocorrem primariamente e estrita-
to de imunoglobulinas. Muitos pacientes também podem mente na pele e se apresentam com 3 formas clínicas di-
apresentar hipercalcemia. ferentes.
Um exame característico que pode estar alterado é a b) Epidemiologia
dosagem da Enzima Conversora da Angiotensina (ECA), es- Não se conhecem os números exatos. No entanto, as
tar aumentada, pois é produzida pelos histiócitos que com- amiloidoses cutâneas são mais frequentes em países asiá-
põem os granulomas da sarcoidose. ticos. Na prática, a faixa etária mais acometida é de adultos
Nos exames de imagem é imprescindível a avaliação de meia idade e idosos. Há uma discreta predileção por pa-
pulmonar, preferencialmente com a tomografia computa- cientes do sexo masculino.
dorizada.
Outra característica peculiar é a negatividade de testes c) Fisiopatologia
intradérmicos (como o PPD da tuberculose) por razões des- A patogênese permanece desconhecida. Acredita-se,
conhecidas. O teste de Kwein é intradérmico específico da nesse caso, que seja derivada de queratinócitos que, ao
sarcoidose, mas hoje não é mais utilizado. passarem por um trauma ou submetidos a uma inflamação,
Duas características são importantes no exame anato- acabam gerando depósitos de queratina que se ligam a an-
mopatológico: a presença de granulomas de células epite- ticorpos e à substância amiloide. Parece, então, ser apenas
lioides com poucos linfócitos e células gigantes multinucle- um processo secundário localizado.

87
DERMATOLOG I A

d) Quadro clínico - Nodular: hanseníase virchowiana, granuloma anular,


Como dito anteriormente, são 3 formas clínicas distintas: sarcoidose.
- Amiloidose macular: a maioria dos casos se apresenta f) Tratamento
como máculas ou placas levemente elevadas no dorso
Os tratamentos são frustrantes, pois a resposta é pobre.
(região interescapular) que são bem delimitadas, de
Os mais eficazes são os corticosteroides, de preferência
cor acastanhada e pruriginosa; podem surgir em ou-
com infiltração intralesional. Clobetasol e betametasona
tras localizações, mas tal fato é raro;
(alta potência) quando usados de forma oclusiva podem re-
- Líquen amiloidósico: manifesta-se com grandes placas solver. A capsaicina tópica atua na inibição de terminações
papulosas nas regiões tibiais, hiperceratósicas, às ve- nervosas, aliviando o prurido. Sempre que a lesão for pe-
zes com aspecto verrucoso, e que são extremamente quena, a remoção cirúrgica simples ou com dermoabrasão
pruriginosas (o ato de coçar pode agravar o quadro); deve ser considerada.
- Amiloidose nodular: é muito rara e parece ter uma
correlação com formas sistêmicas, pois o depósito B - Amiloidoses sistêmicas
ocorre de forma primária e ativa (diferente das ou-
tras 2 apresentações). O quadro clínico é composto a) Introdução
por grandes nódulos e placas com atrofia central, de As amiloidoses sistêmicas compreendem doenças em
cor eritematoacastanhada, mais comum em membros que as proteínas amiloides se depositam preferencialmen-
inferiores e tronco; áreas hemorrágicas próximas são te em tecidos mesenquimais (tecido conectivo, fibras mus-
frequentemente vistas. culares, nervos etc.). Elas são classificadas em primárias,
quando não estão associadas a nenhuma doença de base,
secundárias, quando vêm após o surgimento de um proces-
so inflamatório ou infeccioso crônico e amiloidose associa-
da ao mieloma múltiplo; somente a 1ª é que está associada
a manifestações cutâneas (em até metade dos casos).
b) Epidemiologia
Os números nacionais não existem, entretanto, es-
tudos norte-americanos mostram incidências de 0,5 a 1
caso/100.000 habitantes, o que comprova a raridade da
doença sistêmica. Também se mostra mais frequente em
idosos e adultos de meia-idade, mas não tem predileção
racial ou por sexo.
c) Fisiopatologia
O evento principal é a deposição de cadeias leves de
Figura 3 - Líquen amiloidótico: placa espessa e liquenificada papu- imunoglobulinas com estrutura fibrilar no meio extracelu-
losa em regiões tibiais lar de tecidos mesenquimais. Esse aumento na produção de
imunoglobulinas decorre de uma discrasia de plasmócitos
e) Métodos diagnósticos que se proliferam e trabalham de modo autônomo na me-
dula óssea. O motivo dessa superprodução plasmocitária
As formas macular e de líquen são mais fáceis de se-
ocorrer ainda não é bem estabelecido. Com o depósito teci-
rem diagnosticadas clinicamente, enquanto que a forma
dual das fibrilas amiloides, passa a existir uma perturbação
nodular, pela sua raridade, dificilmente entra nos diagnós-
nas funções fisiológicas do órgão envolvido.
ticos diferenciais. Para todas as apresentações, no entanto,
é necessária a confirmação pela histopatologia com pig- d) Quadro clínico
mentos especiais que corem a substância amiloide (como No início o diagnóstico é difícil, pois o paciente apresen-
o vermelho-congo que, na luz polarizada, apresenta uma ta sintomas inespecíficos como fadiga, perda de peso, ede-
birrefringência esverdeada). Nesses casos os depósitos são ma/inchaço e parestesias. Os achados da síndrome do túnel
encontrados na derme de forma amorfa e o infiltrado in- do carpo são frequentes pelo comprometimento de nervos
flamatório é discreto. Nas formas cutâneas localizadas, os periféricos. Estes sinais e sintomas refletem o distúrbio dos
exames gerais são normais. principais órgãos envolvidos: coração, rins e sistema nervoso.
Os diferencias dependem da apresentação: Com relação às manifestações mucocutâneas, sem dú-
- Macular: dermatite de contato, erupção fixa pigmen- vida a mais frequente e característica é a macroglossia (au-
tosa, notalgia parestésica; mento volumoso da língua por infiltração amiloide). Esses
- Líquen: líquen plano verrucoso e neurodermite; mesmos pacientes podem apresentar rouquidão por infil-

88
MEDICINA INTERNA

tração da laringe. Na pele, as lesões hemorrágicas, como trintestinais; não apresentam, no entanto, manifestações
púrpuras e equimoses, são vistas na face e em dobras. cutâneas. Nesse subgrupo puramente neurovisceral há a
Bolhas com conteúdo sanguinolento são descritas. As le- porfiria de Doss e a porfiria intermitente aguda.
sões mais características consistem em pápulas, placas e
a) Epidemiologia
nódulos por infiltração que podem surgir na região perior-
bital, retroauricular e inguinocrural. Esses achados de pele e Alguns tipos são doenças raras e que não possuem re-
mucosa podem estar presentes em 40 a 50% dos pacientes. gistros fidedignos, nem mesmo em literatura internacional;
por isso se torna difícil estimar as incidências e prevalências
e) Métodos diagnósticos reais da doença. A porfiria intermitente aguda, entretanto,
Os exames gerais podem revelar alteração no hemogra- chega a ter 100 a 200 casos/100.000 habitantes em alguns
ma (anemia) e aumento do VHS. A proteinúria (comum e de países, quando se pensa nas alterações genéticas relaciona-
proteínas de Bence-Jones) é o achado mais frequente, po- das (nem todos chegam a manifestar sintomas anualmente).
rém, às vezes, só é diagnosticada com exames mais sensíveis Alguns grupos populacionais podem ter incidências de algu-
como a imunoeletroforese da urina concentrada. A função mas porfirias específicas (por exemplo, a intermitente aguda
renal pode estar alterada em metade dos casos. O ecocardio- é mais comum em países nórdicos). Elas são mais comuns em

DERMATOLOGIA
grama pode mostrar um espessamento do miocárdio. pacientes do sexo feminino devido ao papel dos hormônios
Se as lesões de pele estiverem presentes, a biópsia inci- estrogênios. Como a maioria dos defeitos é herdada, as ma-
sional é mais fácil e segura; porém a biópsia de pele normal nifestações começam na infância e na adolescência.
quase sempre é negativa; nesses casos, a investigação pode
ser feita com aspiração da gordura abdominal e biópsia re- b) Fisiopatologia
tal que são positivas em até 80% dos pacientes. O grupo heme tem importância fisiológica em 2 órgãos: no
Os preparados para a análise histológica devem ser co- fígado, onde é usado na elaboração do citocromo P450 e dos
rados com o vermelho-congo e ser submetidos à visualiza- peroxissomos (usados na degradação do peróxido de hidrogê-
ção com a luz polarizada, emitindo assim uma fluorescência nio, tendo um papel antioxidativo) e na medula óssea (usado
esverdeada. Na coloração de rotina com a hematoxilina- na elaboração da hemoglobina para o transporte de oxigênio).
-eosina, em alguns casos podem ser vistas concentrações A produção maior é na medula óssea (80 a 85%) enquanto o
homogêneas de material eosinofílico amorfo. restante é no fígado. Oito enzimas do citosol e das mitocôn-
O diagnóstico diferencial é feito com doenças de depósi- drias participam na via de metabolização do heme e, se uma
to, em geral, como mixedema e a necrobiose lipídica. delas apresenta algum defeito de origem genética, as conse-
quências podem ser desastrosas. No caso das 2 formas agu-
f) Tratamento
das, temos na Tabela a seguir o resumo das alterações.
Igualmente na forma sistêmica, os tratamentos são in-
satisfatórios. Tabela 1 - Porfirias agudas
São utilizados esquemas imunossupressores e quimio- Uro,
Apresen-
terápicos em combinação, sendo semelhantes ao tratamen- Herança copro e
Subtipo Enzima Tipo tação
to do mieloma. A associação com melhores resultados foi genética proto-
clínica
de prednisona e melfalana. porfirinas
A sobrevida é de 12 a 24 meses, sendo as principais cau- Urinárias:
Autossô- ALA sim
sas que levam ao óbito as cardíacas (infarto do miocárdio, Porfiria Neuro +
mica de-hi- Hepática
arritmias e insuficiência congestiva) seguidas da insuficiên- de Doss Gastro Fecais:
recessiva dratase
cia renal (necessita de diálise). não
Porfiria Porfobi- Urinárias:
Autossô-
4. Porfirias aguda
mica
lonogê-
Hepática
Neuro + sim
intermi- nio Gastro Fecais:
Grupo de doenças de origem metabólica associadas a dominante
tente sintetase mais uro
várias deficiências enzimáticas no metabolismo do grupo
heme, o que resulta numa superprodução/acúmulo de pro- Com a deficiência dessas 2 enzimas, o metabolismo do
dutos tóxicos. São 8 diferentes enzimas, muitas manifesta- heme leva a um acúmulo de ALA (ácido aminolevulínico)
ções acabam sendo superpostas entre os diferentes tipos. e porfobilinogênio que são tóxicos para o sistema nervoso
Basicamente podemos classificá-las em porfirias agudas (central e periférico) pelo seu dano oxidativo. No entanto,
(forma neurovisceral) e porfirias cutâneas (formas crônicas por ser um metabolismo muito importante para o organis-
com predomínio das manifestações dermatológicas). mo, somente sobrevivem (e manifestam os sintomas) aque-
les que têm defeitos parciais das enzimas (penetrância ge-
A - Porfirias agudas nética variável) e por isso o surgimento das manifestações
Neste grupo há presença de manifestações neurológicas depende da interação ainda de fatores ambientais (como
(encefalopáticas e disautonômicas) além de sintomas gas- medicações, álcool, dieta pobre em carboidratos etc.) e or-

89
DERMATOLOG I A

gânicos (hormonais, metabólicos como jejum prolongado também podem ser usados. Nos casos não responsivos, de-
etc.). O modo exato da interação genética com tais fatores ve-se iniciar a hematina (reposição intravenosa do heme),
é desconhecido. que também serve para gerar um feedback negativo nas
vias metabólicas.
c) Quadro clínico
Classicamente, os pacientes se manifestam com sintomas B - Porfirias cutâneas
gastrintestinais (fortes dores abdominais, náuseas, vômitos
etc.) associados a sinais de disautonomia (taquicardia, hiper- Nesse subgrupo, existem formas mais crônicas e outras
tensão, sudorese, febre e tremores); isso mimetiza um qua- que combinam a cronicidade com surtos agudos recidivan-
dro de abdome agudo e muitas vezes os pacientes acabam tes. Todas têm em comum a possibilidade de manifestações
sendo submetidos a laparotomias exploradoras. O grande cutâneas, associadas ou não a outros achados sistêmicos.
diferencial vem com o surgimento de neuropatias periféri- Como a porfiria cutânea tardia é de longe a apresentação
cas, paralisia de pares cranianos, convulsões e encefalopatia mais comum, nosso foco será nela, sendo o protótipo para
(afasias, desorientação temporoespacial etc.) o que nos re- as demais variantes.
mete ao diagnóstico da porfiria. Sintomas psiquiátricos tam- a) Epidemiologia
bém fazem parte do quadro (agitação, alucinações, paranoia,
É a mais comum de todas, alcançando taxas de 4 ca-
depressão etc.). As lesões cutâneas são ausentes nessas for-
sos/100.000 habitantes; novamente a expressão do genó-
mas agudas de porfiria. As crises são recorrentes, enquanto
tipo não se correlaciona diretamente com o fenótipo (nem
o diagnóstico correto não for fechado. Entre os fatores que
todos os pacientes com alterações genéticas manifestam os
na história levam a uma crise estão: uso de álcool, infecções,
sintomas da doença). Pacientes adultos de meia idade são
uso de anticoncepcionais e medicações que sofram meta-
os mais atingidos. As formas herdadas geneticamente se
bolismo citocromo P450, e menstruação. Um fato curioso é
manifestam na infância. Não há predileção racial, sendo a
que alguns pacientes relatam um avermelhamento da urina
forma adquirida mais comum em homens (provavelmente
quando exposta ao sol (apesar da situação inusitada); isso
pela maior taxa de alcoolismo).
ocorre pela fotoinstabilidade do ALA que sofre modificações
moleculares com a luminosidade. b) Fisiopatologia
d) Métodos diagnósticos As alterações relacionadas ao metabolismo do heme
acontecem da mesma forma que nas variantes agudas (vide
Deve-se pensar nas porfirias agudas no caso de pacien-
fisiopatologia descrita anteriormente). No caso da porfiria
tes que tenham uma combinação de sintomas digestivos
cutânea tardia a luz visível leva a alterações moleculares
com sintomas neuropsiquiátricos.
das porfirinas, gerando radicais superóxidos que se concen-
Testes urinários simples (teste de Hoesch e teste de
tram principalmente na pele, levando às vias inflamatórias
Watson-Schwartz) são capazes de detectar moléculas de
características da doença. Toda a falha metabólica vem da
porfobilinogênio na urina, desde que os níveis não estejam
muito baixos (podem ocorrer falsos negativos). deficiência da uroporfirinogênio descarboxilase que é her-
As dosagens urinária e fecal de porfirinas, de preferên- dada de forma autossômica dominante. As demais varian-
cia nos ataques, também podem ajudar no diagnóstico. A tes são resumidas na Tabela 2 (tem menor importância,
porfiria de Doss (deficiência de ALAD) pode ser diagnostica- pois são bem mais raras).
da com microscopia fluorescente que é positiva nos eritró- Há uma forma familiar na qual a mutação leva a uma
citos circulantes. alteração estrutural da molécula enzimática, enquanto que
O diagnóstico diferencial se dá com diversas patologias na forma adquirida ocorre apenas diminuição da atividade
de emergências clínico-cirúrgicas: abdome agudo inflama- da enzima.
tório (apendicite, colecistite etc.); cetoacidose diabética, Em ambas as apresentações as manifestações são desen-
feocromocitoma, peritonite com encefalopatia hepática. cadeadas por fatores que levam a uma interferência no me-
tabolismo hepático: álcool (o principal), estrógenos, infecções
e) Tratamento (principalmente hepatite C e recentemente o HIV); ao contrá-
Inicialmente, deve ser feito um tratamento de suporte rio da forma aguda, outras medicações correspondem apenas
com hidratação e aporte calórico com carboidratos (soro a 5% dos desencadeantes (cloroquina é a mais comum). Há
glicosado intravenoso). Sintomáticos para a dor e vômitos também relatos de associação com lúpus eritematoso.

Tabela 2 - Porfirias crônicas


Apresentação Uro, copro e
Subtipo Herança genética Enzima Tipo
clínica protoporfirinas
Porfiria eritropoética Autossômica Uroporfirinogênio Eritropoética/ Urinárias: sim
Cutânea
congênita recessiva III sintetase medula óssea Fecais: sim

90
MEDICINA INTERNA

Apresentação Uro, copro e


Subtipo Herança genética Enzima Tipo
clínica protoporfirinas
Porfiria cutânea Autossômica Uroporfirinogênio Urinárias: sim
Hepática Cutânea
tardia dominante decarboxilase Fecais: sim, proto não
Porfiria Autossômica Uroporfirinogênio Urinárias: sim
Hepática Cutânea
hepatoeritropoética recessiva decarboxilase Fecais: sim, proto não
Coproporfiria Autossômica Coproporfirinogênio Urinárias: sim
Hepática Cutânea
hereditária dominante oxidase Fecais: bem mais copro
Autossômica Protoporfirinogênio Neuro + gas- Urinárias: sim
Porfiria variegata Hepática
dominante oxidase tro + cutânea Fecais: mais proto
Protoporfiria Autossômica Eritropoética/ Urinárias: não
Ferroquelatase -
eritropoética dominante medula óssea Fecais: proto

DERMATOLOGIA
c) Quadro clínico d) Métodos diagnósticos
O destaque é a fotossensibilidade e a ausência de sin- Os achados clínicos são bem característicos e levam ao
tomas gástricos e neuropsiquiátricos. Entre as alterações diagnóstico facilmente; para a confirmação pode-se fazer a
cutâneas estão: pesquisa de porfirinas na urina (que deve ser de 24 horas,
- Fotodano: alterações em áreas expostas com eritema, e não numa amostra simples) revelando um aumento dos 3
hiperpigmentação e elastose; tipos – uro, proto e coproporfirinas – mas com predomínio
- Lesões bolhosas: bolhas tensas em áreas fotoexpostas da última. O aumento também está presente na análise fecal.
(mãos, pescoço e face) com cicatrizes residuais; A histopatologia das bolhas mostra a clivagem subepidér-
- Lesões esclerodermiformes: principal causa de pseu- mica (como nos penfigoides e não nos pênfigos) e presença de
doescleroderma com áreas atróficas e hipocrômicas; poucas células inflamatórias; a coloração com PAS pode mos-
- Hipertricose: aumento de pelos em áreas não andró- trar espessamento da membrana basal e da parede dos vasos.
geno-dependentes (temporal, frontal e malar). Entre os exames gerais é importante o hemograma (usa-
do para o tratamento), a função hepática e as sorologias
Apesar do predomínio de lesões em áreas fotoexpostas, (hepatites e HIV).
a sensibilidade ao sol não é relatada pelos pacientes; nem O diagnóstico diferencial é feito com doenças bolhosas su-
todos chegam a comentar a alteração da cor da urina, que bepidérmicas como os penfigoides (histopatologia com mais
não é infrequente. células inflamatórias), dermatite herpetiforme (mais prurigi-
nosa), lúpus eritematoso (quando este tem bolhas; lembrar do
overlaping entre as 2 patologias – vide fisiopatologia já descri-
ta), epidermólise bolhosa adquirida (pode ser idêntica e dife-
renciada apenas por estudos de biologia molecular).
Algumas medicações levam a uma reação fototóxica
com bolhas que é chamada de pseudoporfiria (as dosagens
urinárias estão normais); isso já foi descrito com anti-infla-
matórios, furosemida e tetraciclinas.
e) Tratamento
Visa à redução dos níveis do heme e isso é obtido por
meio das flebotomias (1L/mês); o objetivo é manter a he-
moglobina por volta de 12ng/dL.
A cloroquina (paradoxalmente) é usada em doses bem
mais baixas do que, por exemplo, no lúpus (125mg, 2x/se-
mana versus 250mg diários).

5. Pelagra

A - Introdução
Figura 4 - (A) Porfiria e (B) vesículas e cicatrizes atróficas em áreas Doença com manifestações sistêmicas e cutâneas cau-
expostas sada pela deficiência de vitamina B3 (niacina) caracterizada

91
DERMATOLOG I A

classicamente pelos 4 “Ds”: diarreia, dermatite, demência reexposições ao sol, quando novamente ocorre o quadro
e death (morte). de fotodermatite.

B - Epidemiologia Diarreia
No passado, grandes epidemias eram associadas a po-
pulações subnutridas e também a algumas populações com Dermatite Deficiência B3 Demência
dietas restritivas em que há carência de triptofano. Hoje,
os casos são isolados e associados ao uso de medicações Death
que impedem a absorção ou o processamento da niacina e
outras condições clínicas que levam a essas consequências Figura 5 - Pelagra 4 “Ds”
supracitadas. Atualmente é comum em alcoólatras e usuá-
rios de drogas ilícitas, pacientes com transtornos alimenta-
res (anorexia) e pacientes institucionalizados em condições E - Métodos diagnósticos
precárias. Não há predileção racial ou por sexo. Ela pode O diagnóstico é eminentemente clínico e pode ser corro-
ocorrer em crianças, mas é rara. A faixa etária mais acome- borado pelo teste terapêutico com a reposição de niacina/
tida é a dos adultos. vitamina B3 (ou complexo B para simplificar). Raramente
é feita a dosagem de niacina que obviamente é baixa.
C - Fisiopatologia Também é possível dosar metabólitos na urina (piridona
A niacina é um cofator usado em enzimas importantes e n-metil-nicotinamida) que estão igualmente diminuídos.
no metabolismo de oxidação e redução celulares (NAD e Os exames gerais podem refletir o estado nutricional como
NADP). Logo, a função de vários órgãos pode ser alterada anemia e hipoproteinemia.
pela deficiência da vitamina B3. Não surpreendentemente, A biópsia para exame anatomopatológico é de uma der-
os órgãos primariamente afetados são aqueles em que o matite inespecífica e as bolhas, quando examinadas, mos-
epitélio sofre constante renovação como o trato gastrintes- tram-se ser do tipo subepidérmicas.
tinal e a pele, necessitando de quantidades maiores de nia- O diagnóstico diferencial se faz com doenças que cur-
cina. Podemos classificar a pelagra em primária quando a sam com fotossensibilidade: erupções medicamentosas e
deficiência está presente na dieta do indivíduo, e secundá- os fotoeczemas, lúpus sistêmico, pênfigo foliáceo e porfiria
ria quando a quantidade nutricional é suficiente, mas exis- cutânea tardia; nesses casos, os aspectos epidemiológicos
tem outras condições que impedem a absorção e o metabo- da dieta ou das condições associadas à forma secundária
lismo da niacina: drogas (isoniazida e 5-fluoracil), etilismo (alcoolismo, uso de drogas, uso de isoniazida, infecção pelo
crônico, doenças inflamatórias intestinais, diálise, nutrição HIV etc.) e também os achados sistêmicos (diarreia e de-
parenteral inadequada etc. A infecção pelo HIV pode provo- mência – lembrar dos 4 “Ds”) ajudam na resposta final.
car decréscimo dos níveis de triptofano, induzindo, assim,
um estado pelagroide. F - Tratamento
D - Quadro clínico O diagnóstico precoce evita possíveis complicações e
a resposta ao tratamento é pronta. A simples reposição
Os primeiros sintomas correspondem a um quadro
de niacina ou nicotinamida leva à resolução do quadro.
de dispepsia e alteração do hábito intestinal (náuseas,
Enquanto presente a pelagra, o paciente deve permanecer
vômitos e diarreia); pode haver, concomitantemente,
em repouso e evitar exposição solar. Devido ao estado de
sintomas psiquiátricos leves (irritabilidade, ansiedade, in-
desnutrição, deve ser instituída uma dieta hipercalórica e
sônia e depressão). As manifestações cutâneas também
hiperproteica com reposição de outras vitaminas também.
são precoces e consistem em eritema (com a evolução,
são eritematoacastanhadas), descamação, vesículas e bo- Nas formas secundárias, é necessário reverter o processo
lhas em áreas fotoexpostas (mãos, antebraços, dorso dos de base que impede o metabolismo normal da niacina (nes-
pés e mãos, face e “V” do decote, que recebe o nome de ses casos a reposição pura e simples pode não resolver).
“colar de casal”). No início, o quadro lembra queimadura
solar simples. Já em estágios mais avançados, as lesões 6. Resumo
vão se tornando placas espessas e ceratósicas (tipo “pele
de ganso”), mantendo as discromias (hiperpigmentação). Quadro-resumo
Erosões e fissuras na língua são comuns, o que pode difi- - Na sarcoidose, predominam acometimentos da pele, ocular e
cultar a deglutição, agravando o quadro de desnutrição. O pulmonar;
quadro neurológico de demência, confusão mental/ence- - A sarcoidose cutânea pode ter quadro inespecífico chamado
falopatia e até coma é mais tardio. Neuropatias periféricas eritema nodoso ou lesões pelo próprio infiltrado granuloma-
toso;
e mielite são mais raras. As exacerbações são comuns nas

92
MEDICINA INTERNA

- A amiloidose cutânea pode se apresentar com lesões macula-


res, liquenificadas e nodulares;
- A amiloidose sistêmica pode ser primária ou secundária e as
lesões cutâneas tendem a ser purpúricas e hemorrágicas;
- Nas porfirias agudas, predominam sintomas neurológicos e
gastrintestinais, enquanto que as lesões dermatológicas são
mais associadas às formas crônicas;
- A pelagra é caracterizada classicamente pelos 4 “Ds”: diarreia,
dermatite, demência e death (morte).

DERMATOLOGIA

93
DERMATOLOG I A

CAPÍTULO

6
Tumores malignos
Alexandre Evaristo Zeni Rodrigues

1. Pré-malignos balhos mostraram haver associação, em alguns pacientes,


com o vírus HPV (beta-papilomavírus).
Neste capítulo, serão abordadas as lesões com altera-
ções displásicas que têm grande potencial para evoluírem c) Quadro clínico
a carcinomas invasivos, mas que podem permanecer in situ As lesões iniciais surgem como pequenas placas eritema-
por muitos anos. tosas cuja superfície é áspera; ao exame, essas lesões são
mais palpáveis do que visíveis. Com a evolução, a camada de
A - Queratoses actínicas queratose vai ficando mais espessa e a lesão assume um as-
São as lesões pré-malignas mais comuns e que têm po- pecto verrucoso. Uma variante desse tipo verrucoso é o cor-
tencial de se transformar em carcinoma espinocelular; al- no cutâneo (lesão com aspecto de chifre). O predomínio das
guns autores já a consideram um carcinoma espinocelular lesões é em áreas fotoexpostas, principalmente face, couro
in situ. Na realidade, é impossível prever sua transforma- cabeludo (nos calvos) e antebraços. Algumas queratoses po-
ção, e muitas vezes elas são tratadas profilaticamente a fim dem confluir e se tornarem grandes placas. O crescimento
de evitar essa temida complicação. Em alguns países com rápido em extensão e a infiltração da lesão podem indicar
população caucasiana está entre as principais causas de vi- uma transformação para o carcinoma espinocelular.
sita ao dermatologista (nos Estados Unidos é a 2ª).
a) Epidemiologia
É extremamente frequente em pacientes com pele fo-
totipo I, II e III, chegando a uma incidência de 15 a 20% nos
países do hemisfério norte (em países tropicais, como a
Austrália, pode chegar a 40% da população adulta). É mais
comum em adultos de meia-idade e idosos (não surge em
crianças) e também é mais vista em homens (por provável
maior exposição ao sol).
b) Fisiopatologia
Está diretamente correlacionada à exposição crônica ao
sol, o que leva a um dano cumulativo pelos raios ultraviole-
tas (UV), traduzindo em alterações do DNA de queratinóci-
tos que são responsáveis pela inativação de genes supres-
sores tumorais; com isso, as displasias que ocorrem com as Figura 1 - Paciente com fototipo I e antecedente de intensa expo-
células da epiderme não são inibidas, o que pode gerar um sição solar apresentando pápulas e placas ceratósicas em áreas
expostas: queratoses actínicas
clone de células neoplásicas. Esse mecanismo de perda da
vigilância imunológica também é mais evidente em pacien-
tes transplantados que estão sob a ação de imunossupres- d) Métodos diagnósticos
sores. Nesses pacientes, a incidência de queratoses actíni- O diagnóstico é clínico e o único exame que deve ser
cas e carcinomas espinocelulares é aumentada. Alguns tra- considerado é a biópsia para anatomopatológico no caso da

94
TUMORES MALIGNOS

necessidade da diferenciação com um carcinoma espino- gulares que, por serem assintomáticas, chegam ao derma-
celular. Para isto, os pacientes devem realizar um checkup tologista já com grande extensão, pois foram subestimadas
dermatológico semestral, pois muitas vezes a transforma- pelos pacientes. Podem variar de 1 a vários centímetros de
ção maligna é rápida. O diagnóstico diferencial se faz com extensão e ser encontradas em qualquer localização cutâ-
as queratoses seborreicas (de natureza benigna), com o lú- nea e mucosa (inclusive em áreas cobertas). Na mucosa ge-
pus discoide, com outras pré-malignas (doença de Bowen e nital masculina é conhecida como eritroplasia de Queyrat.
doença de Paget). O risco de metastatização é muito baixo.
e) Tratamento
A 1ª medida a ser tomada é a fotoproteção, o que por si
só já pode levar à resolução de lesões iniciais. As lesões per-
sistentes são tratadas com métodos destrutivos pela maioria
dos dermatologistas; entre eles, o mais utilizado pela pratici-
dade é a aplicação do ácido tricloroacético (ATA) com ou sem
a curetagem prévia da lesão. Ainda nesse grupo, a crioterapia

DERMATOLOGIA
com nitrogênio líquido é altamente eficaz. Excisão e eletroco-
agulação também trazem bons resultados, porém com maior
risco de cicatrizes inestéticas. Dos tratamentos clínicos, o
5-fluoracil é bastante empregado, sendo, inclusive, capaz de
destacar lesões que não são clinicamente tão visíveis (seu
uso leva a uma inflamação que é responsável pela regressão
da lesão); o creme de imiquimode age da mesma forma, po-
rém seu custo é mais elevado. A terapia fotodinâmica (uso de Figura 2 - Doença de Bowen: placa eritematodescamativa bem de-
ALA como fotossensibilizante e sessões de banhos de luz visí- limitada em região frontal
vel) é o tratamento mais promissor, pois é altamente eficaz e
com bons resultados estéticos.
d) Métodos diagnósticos
B - Doença de Bowen O único exame que leva ao diagnóstico é o anatomopato-
lógico que mostra uma anaplasia de queratinócitos ocupan-
Também é considerada um carcinoma espinocelular do toda a extensão da epiderme; não há focos de invasão
in situ que tem a proliferação em extensão, atingindo até da derme (isso pode ocorrer em menos de 5% dos casos).
vários centímetros de tamanho, mas que raramente sofre O diagnóstico diferencial é feito com a psoríase, com a que-
invasão na derme, apesar de alguns casos virem associados ratose actínica, com a doença de Paget e com o carcinoma
a outras malignidades internas. basocelular superficial. Algumas lesões pigmentadas podem
a) Epidemiologia fazer diferencial com melanoma extensivo superficial.
Não é tão frequente na população normal, tendo taxas e) Tratamento
de incidência anual de 10 a 14 casos/100.000 habitantes. A excisão simples é considerada por muitos autores
Como tem participação da radiação ultravioleta, é esperada como o método de eleição, pois permite a análise histoló-
uma taxa maior em pacientes brancos (fototipos de I a III). gica da peça cirúrgica. Ela é a 1ª opção em lesões pequenas
Também é mais comum em idosos, entretanto não tem di- e em áreas onde a cirurgia tem menor grau de dificuldade
ferença entre os sexos masculino e feminino. (evitar na face e dedos). Outros métodos destrutivos tam-
b) Fisiopatologia bém se mostram eficientes como é o caso da curetagem
com eletrocoagulação, a crioterapia com nitrogênio líquido
Também está diretamente correlacionada com o dano e radioterapia. Tratamentos clínicos também são possíveis:
cumulativo pelos raios UV, gerando as já citadas alterações 5-fluoracil tópico e imiquimode em creme. Recentemente,
no DNA; essas mutações também já foram descritas pela foram obtidos bons resultados com a terapia fotodinâmica.
radiação x, pela contaminação com arsênio (no passado
usado em algumas medicações e também em lençóis de C - Doença de Paget
água contaminados) e pela ação do vírus HPV subtipo 16.
A classificação como lesão paraneoplásica não é bem aceita Lesão pré-maligna que tem 2 formas distintas: mamária
hoje, pois na realidade os casos relatados provavelmente e extramamária. Os pacientes se apresentam com placas
estavam associados à exposição crônica ao arsênio. que simulam um eczema crônico e são tratados muito tem-
po como tal, mas sem o sucesso esperado nas dermatites
c) Quadro clínico inflamatórias. Apesar de não ser propriamente um carcino-
As lesões características são placas eritematoescamosas ma in situ, ela frequentemente está associada a um carcino-
com bordas bem definidas, no entanto de contornos irre- ma de base, principalmente na forma mamária.

95
DERMATOLOG I A

a) Epidemiologia 2. Carcinoma basocelular


A incidência anda paralelamente aos carcinomas da
mama, pois até 3% destes podem se manifestar com a do- A - Introdução
ença de Paget (no inverso, quase 100% dos casos de Paget
mamário estão associados a carcinomas mamários). Os É o tumor maligno mais comum, em números absolutos,
demais dados epidemiológicos também se assemelham ao da raça humana; felizmente, seu comportamento não é tão
câncer de mama: mais comum em mulheres, de meia-idade agressivo como as demais neoplasias malignas, pois raras
(dos 20 aos 80, com média de 50 anos), sem predileção por vezes ele gera metástases linfonodais e/ou para órgãos in-
raça. A forma extramamária é bem mais rara. ternos. Seu maior problema é a destruição local pela inva-
são dos tecidos adjacentes, mas com o tratamento cirúrgico
b) Fisiopatologia adequado a resolução é alta, sendo desnecessárias terapias
Apesar da origem obscura, hoje a teoria mais aceita é a do mais potentes como radioterapia e quimioterapia. Tem cla-
surgimento de uma neoplasia no epitélio dos ductos lactífe- ra associação com exposição solar crônica.
ros com a disseminação retrógrada para o epitélio do mamilo
ipsilateral. Esse epidermotropismo é guiado pela produção B - Epidemiologia
de um fator de mobilidade chamado de alfa-heregulina. A A frequência é bem alta, principalmente em países pre-
forma extramamária é considerada um adenocarcinoma cuja dominantemente caucasianos (nos Estados Unidos 400
origem pode ser de um tumor interno (metástase cutânea) casos/100.000 habitantes, na Austrália, aproximadamen-
ou da própria pele (origem de uma glândula anexa). te 700 casos/100.000 habitantes); no Brasil, as taxas são
c) Quadro clínico menores, pois existem mais indivíduos com fototipo alto
e giram em torno de 150 casos/100.000 habitantes. Com
Na doença de Paget mamária, a apresentação mais vis-
estes números elevados, a chance de uma pessoa adquirir
ta é de uma placa única que tem as características de uma
um carcinoma basocelular ao longo da vida é de 40%. Das
dermatite: eritema, descamação, exsudação e sangramen-
neoplasias cutâneas, ele representa 65% do montante.
tos. Os sintomas também podem ser coincidentes: ardor e
É mais comum nos homens na proporção de 3:2 por
prurido. Muitas pacientes contam ter tentado diversos tra-
provável maior exposição solar devida a situações socioe-
tamentos com corticoides e anti-histamínicos, mas não ob-
conômicas. A faixa etária de acometimento é em adultos de
tiveram sucesso. A localização unilateral é a regra (quadros
meia-idade e idosos, mas pode surgir em jovens (raro em
bilaterais são raros e se apresentam favoráveis à dermati-
crianças e adolescentes). Como mencionado, é bem mais
te propriamente dita). As placas podem chegar até 10cm
comum na raça branca caucasiana, sendo a raça negra pou-
de diâmetro. A doença extramamária se apresenta com o
co acometida, mas essa não está totalmente ilesa.
mesmo tipo de lesão, porém as localizações são diferentes: Uma vez feito o diagnóstico da neoplasia, a chance de
axila, região inguinal e periumbilical. uma pessoa vir a apresentar outro tumor em 5 anos é de
d) Métodos diagnósticos 50%, daí a necessidade de um acompanhamento rigoroso.
A biópsia com exame anatomopatológico deve ser re-
alizada para a diferenciação das doenças eczematosas; ela C - Fisiopatologia
mostra uma displasia da epiderme com células de citoplas- Claramente a razão maior para o surgimento do carcinoma
ma claro. Em caso de confirmação, deve-se proceder aos basocelular é a ação dos raios UV que provocam uma muta-
exames para detecção do carcinoma da mama; nesse caso, ção em genes de células-tronco da camada basal (no epitélio
a mamografia pode se mostrar alterada em até 65% das pa- normal e nos folículos); alguns trabalhos também mostraram
cientes. No caso da forma extramamária, os tumores mais associação com mutações esporádicas em genes supressores
associados são de colo do útero, bexiga e reto, e a investiga- tumorais, o que explica o surgimento de lesões em áreas não
ção deve ser realizada pelo especialista em questão. expostas. As ondas mais curtas de UVB têm participação maior
que os raios UVA. A radiação x e exposições a agentes quími-
e) Tratamento
cos, como o arsênio, também já foram implicadas.
Na doença de Paget clássica, o tratamento vai depender
do estadiamento do câncer de mama (a maioria necessita Radiação x
da mastectomia total) e o acompanhamento é com o mas-
tologista.
Mutação
O mesmo é válido para a doença extramamária, já que, Radiação Agentes químicos
DNA células
se um tumor de órgão interno ou metástases ganglionares ultravioleta (arsênio)
Camada basal
forem encontrados, a conduta será a cargo do cirurgião on-
cológico. Nas lesões restritas à pele, a excisão com margem
CBC
de segurança (de preferência com a cirurgia micrográfica de
Mohs) é o tratamento de escolha. Figura 3 - Fisiopatologia: carcinoma basocelular

96
TUMORES MALIGNOS

D - Quadro clínico
Uma característica marcante do carcinoma basocelular
é que, apesar de existir uma forma nodular, menos agres-
siva e mais comum, ele possui outras variantes clínicas e
histopatológicas que merecem uma atenção especial, pois
podem passar despercebidas pelo clínico geral e por neces-
sitarem de tratamentos mais invasivos, conforme será dis-
cutido adiante.
As variantes clínicas do carcinoma basocelular são:
- Nodular: lesão elevada com cor eritematoviolácea,
possuindo superfície lisa com telangiectasias visíveis e
bordas de coloração brilhante perlácea (deriva de pe- Figura 4 - Forma nodular do CBC com lesão tumoral com necrose
rolada); costuma possuir áreas de depressão, exulce- central

DERMATOLOGIA
ração e crostas centralmente. Os pacientes costumam
referir sangramentos aos mínimos traumas diários;
- Superficial: são placas eritematoescamosas e crostosas,
irregulares, de bordas bem delimitadas; também apre-
senta áreas de erosão e sangramentos esporádicos;
- Esclerodermiforme: lesões atróficas de aspecto cica-
tricial que costumam ser invasivas na profundidade;
considerada a forma mais agressiva de todas;
- Micronodular: outra forma agressiva que tende a formar
uma placa papulosa infiltrativa com pontos de necrose;
- Pigmentado: são pápulas e nódulos bem delimitados
de coloração acastanhada que fazem diferencial com
Figura 5 - Tumor acastanhado de crescimento lento em região
melanoma (porém têm prognóstico bem melhor);
mentoniana: CBC pigmentado
- Cístico: formam pápulas e nódulos translúcidos de
conteúdo mais líquido e por isso a consistência é mais
flácida. E - Métodos diagnósticos
A biópsia com exame anatomopatológico é necessária
Os locais mais acometidos de uma forma geral são ca- para confirmação do diagnóstico e também tem valor prog-
beça, pescoço e porção superior do tórax, mas é possível o nóstico, pois mostra o subtipo histológico (formas esclero-
surgimento em qualquer segmento corporal; quanto mais dermiformes e micronodulares são mais agressivas). Outros
jovem o paciente, maior a propensão para lesões torácicas. exames diagnósticos são dispensáveis. A biópsia pode ser, a
Algumas síndromes clínicas são mais associadas ao car- princípio, incisional e pequena apenas para fins elucidativos
cinoma basocelular, entre elas estão: e posteriormente se faz o planejamento cirúrgico para a re-
- Xeroderma pigmentoso: doença autossômica reces- tirada total da lesão, levando em consideração aspectos da
siva com fotossensibilidade severa, envelhecimento clínica e histopatologia.
Nos casos sindrômicos, a investigação clínica pode ser
precoce e surgimento de câncer de pele na juventude;
mais extensa e depende dos achados associados.
pode vir associada a problemas oculares e neurológi-
cos. Devido à incapacidade de reparo de danos no DNA F - Tratamento
(defeitos enzimáticos);
Conforme já mencionado, o tratamento é definido após
- Síndrome de Gorlin: sinonímia = síndrome nevoide a biópsia confirmatória que nos dá o subtipo histológico.
basocelular – pacientes com múltiplos basocelulares
Nas seguintes situações, ele deve ser mais agressivo (ou
e outros tumores neurais e de partes moles (medulo- seja, cirurgia com margem de 0,5 a 1cm):
blastoma, meningiomas e rabdomiomas) além de ano- - Lesões maiores que 1cm no seguimento da cabeça,
malias ósseas, cistos odontogênicos e queratodermia pescoço, pés e mãos;
palmoplantar; - Subtipos histológicos esclerodermiforme e microno-
- Síndrome de Basex: cursa com múltiplos basocelulares dular;
e lesões atróficas foliculares, anidrose e hipotricose. - Lesões já recidivadas.

97
DERMATOLOG I A

Para manter a margem de segurança com maior preci- supressores tumorais pela ação direta dos raios UV (prefe-
são pode ser indicada a cirurgia micrográfica de Mohs, que rencialmente os raios UVB). Isso pode ocorrer com expo-
é uma técnica em que se avalia a margem no intraoperató- sição natural solar ou por meio de câmaras de fototerapia
rio com a congelação; ela é preferencialmente indicada nas ou de bronzeamento artificial. No entanto, há indução de
situações supracitadas. Outras lesões que não preencham lesões malignas de células espinhosas por outros fatores:
os critérios já citados, de forma geral, podem ser tratadas - Radiação ionizante: há relatos de desenvolvimento
com cirurgia simples e margem de 0,4 a 0,5cm (a avaliação de tumores espinocelulares em pacientes que foram
é individualizada e criteriosa). submetidos a tratamentos radioterápicos no passado;
Em pacientes idosos e com muitas comorbidades pode - Vírus HPV: alguns subtipos como o 6, 11, 16 e 18 são
ser indicado um procedimento mais conservador, já que as mais oncogênicos e capazes de gerar lesões neoplási-
condições cirúrgicas do paciente não são ideais. Para isso cas em pele e mucosas anogenitais (bem como no car-
pode ser realizada a curetagem simples e eletrocoagulação cinoma do colo do útero);
de lesão ou a criocirurgia com nitrogênio líquido. Alguns - Inflamação crônica: de qualquer origem, como le-
tumores superficiais podem ser tratados clinicamente com sões autoimunes, (líquen escleroso, fístulas de Crohn,
creme de imiquimode ou terapia fotodinâmica. A radiote- cicatrizes de epidermólise bolhosa etc.) ou infeccio-
rapia isolada pode, também, resolver, com eficácia, muitos sas (cromomicose, tuberculose, osteomielite etc.);
casos inoperáveis. o mecanismo fisiopatológico exato é desconhecido.
Em contrapartida, de uma forma geral, sempre deve ser Um exemplo clássico desse tipo de etiopatogenia são
priorizada a cirurgia, pois essa tem altas taxas de cura e per- as úlceras de Marjolin, nas quais ocorre o surgimen-
mite a análise da margem da lesão. to de um carcinoma espinocelular sobre uma úlcera
crônica (comumente uma úlcera de estase). Lesões
cicatriciais também são propensas ao surgimento do
3. Carcinoma espinocelular carcinoma, como, por exemplo, cicatrizes antigas de
queimaduras;
A - Introdução - Exposição química: como ocorre com o carcinoma ba-
socelular, o arsenicismo crônico pode levar ao surgi-
Forma agressiva de tumor cutâneo, sendo o 2º em nú-
mento de lesões de espinocelulares;
meros absolutos de incidência. Tem clara associação com
exposição solar e outros fatores discutidos adiante. A maio- - Imunossupressão: pacientes que recebem medica-
ria tem evolução insidiosa e, quando diagnosticados e tra- ções imunossupressoras frequentemente desenvol-
tados a tempo, tem boa chance de cura; quando isso não vem o CEC; isso é bem conhecido nos pacientes trans-
ocorre, tem alta capacidade de invasão local e até mesmo plantados renais, que necessitam de uma monitoração
de gerar metástases a distância. rigorosa quanto aos tumores cutâneos. Outros pacien-
tes imunossuprimidos também se comportam da mes-
B - Epidemiologia ma maneira e isso também pode levar ao surgimento
de outros tipos tumorais, porém a frequência desses é
A frequência é relativamente alta, principalmente em menor em relação ao carcinoma espinocelular.
países de população branca e com altos índices de irra-
diação ultravioleta (como nos Estados Unidos e Austrália) Tabela 1 - Diferenças CEC x CBC
e dependendo da região, os índices podem variar de 70 a
500 casos/100.000 habitantes; em nosso país, as taxas fi- Carcinoma Carcinoma
cam por volta de 80 a 100 casos/100.000 habitantes, apesar espinocelular basocelular
de existirem poucos trabalhos específicos de Epidemiologia Camada de origem
Espinhosa Basal
(a maioria engloba cânceres não melanoma num mesmo da pele
grupo). É, também, mais comum em idosos e homens. As Variante pigmen-
Não Sim
taxas têm aumentado com o passar dos anos, provavelmen- tada
te pelo maior número de diagnósticos com as campanhas Risco de metástase Alto Quase nulo
de câncer de pele. Corresponde a cerca de 20% de todos os Lesão com telan-
Não Sim
casos de neoplasias da pele. giectasias

C - Fisiopatologia
O surgimento do carcinoma espinocelular de pele e se-
D - Quadro clínico
mimucosas está relacionado com ação cumulativa dos raios Normalmente, a manifestação se dá no início com uma
UV que também levam a mutações do DNA dos queratinóci- pápula ou nódulo com superfície dura e áspera (ceratósi-
tos da camada espinhosa da pele; também há relatos dessa ca) que tem um crescimento constante (pode ser rápido
fotocarcinogênese ser provocada por uma inibição de genes ou não); com a evolução, a lesão pode assumir um aspecto

98
TUMORES MALIGNOS

verrucoso ou de lesão ulcerada. Os sintomas relatados pe-


los pacientes são dor, prurido e sangramentos aos mínimos
traumas. Outros sinais dermatológicos de fotoenvelheci-
mento costumam estar presentes (manchas melanóticas,
poiquilodermias, rugas exuberantes etc.). Deve-se atentar
para os fatores de risco para desenvolvimento do tumor
(exposição solar no passado, exposição química, uso de
drogas imunossupressoras etc.). Os locais mais comuns são
no segmento de cabeça e pescoço (quase 3/4 do total) e
nas extremidades superiores (15% dos casos). No 1º caso
é frequente o surgimento no lábio inferior, principalmente
em pacientes tabagistas, e esse tipo costuma ter um com-
portamento mais agressivo. É importante a palpação dos
gânglios que drenam as áreas correspondentes devido ao
risco de metástase linfática.

DERMATOLOGIA
Nos pacientes com úlceras cutâneas crônicas que cus- Figura 7 - CEC lábio: lesão ulcerada em lábio inferior de paciente
tam a cicatrizar, devemos sempre suspeitar da transforma- tabagista
ção maligna e realizar a biópsia da lesão para confirmação
do exame anatomopatológico.
Um subtipo específico com comportamento “benigno”
E - Métodos diagnósticos
(menor risco de metastatização), mas com lesões exuberan- Mesmo havendo uma forte suspeita clínica diagnóstica,
tes é o carcinoma verrucoso que, dependendo da região, a biópsia com exame anatomopatológico é necessária para
recebe denominações próprias: confirmação e também tem valor prognóstico, pois mostra
- Tumor de Buschke-Lowenstein: lesões tumorais ver- o subtipo histológico (o desmoplástico é pior e o acantolíti-
rucosas com aspecto de “couve-flor” na região anoge- co, o 2º) o grau de diferenciação de Broders (quanto mais
nital; indiferenciado/grau IV, pior) e a espessura (ruim se >5mm).
- Papilomatose oral florida: lesões vegetantes nos lá- Outros exames diagnósticos de imagem podem ser usados
bios e cavidade oral; em caso de suspeita de metástase linfonodal (é a metástase
- Epitelioma cuniculatum: lesão verrucosa em região mais comum); nesse caso a biópsia aspirativa com agulha
plantar. fina (PAAF), guiada por ultrassom, é a que tem melhor de-
sempenho e menor risco, e a biópsia direta do gânglio é o
De uma forma resumida, podemos considerar o carcino- padrão-ouro para o diagnóstico. Como no carcinoma baso-
ma espinocelular de alto risco nas seguintes situações: lesões celular, a biópsia pode ser o princípio incisional e pequena
de mão ou cabeça e pescoço; lesões maiores que 2cm (maior apenas para fins elucidativos e posteriormente se faz o pla-
que 0,6cm se estiver nas regiões já citadas), bordas mal de- nejamento cirúrgico para a retirada total da lesão, levan-
limitadas, crescimento rápido, lesões sobre áreas inflamató- do em consideração aspectos da clínica e histopatologia. O
rias crônicas, imunossuprimidos, tumor recidivante e grau de estadiamento global obedece à classificação do tipo TNM.
diferenciação histológica (quanto mais indiferenciado, pior).
F - Tratamento
Será guiado pelos parâmetros da clínica aliados aos re-
sultados do exame anatomopatológico. Neste último, deve-
mos ser mais “agressivos” nos tumores desmoplásticos, nos
indiferenciados e naqueles com espessura maior que 5mm.
Clinicamente, a mesma abordagem mais “agressiva” deve
ser usada nas situações de alto risco, conforme já mencio-
nado. Nesses casos, no planejamento cirúrgico, devemos
promover a retirada da peça com margem de 1cm. Quando
não houver nenhum fator clínico ou histopatológico de car-
cinoma espinocelular de alto risco, a excisão pode ser feita
com margem de 0,6mm. Alguns tumores pequenos (meno-
res que 1,5cm) e de baixo risco podem ser apenas curetados
e eletrocoagulados ou tratados com terapia fotodinâmica.
Em caso de comprometimento das margens cirúrgicas,
Figura 6 - CEC: paciente com fotodano importante e lesão tumoral pode ser realizada a ampliação (de preferência com a cirur-
friável de rápido crescimento na mão direita gia micrográfica de Mohs) ou radioterapia que é a 2ª opção;

99
DERMATOLOG I A

essa também deve ser associada, se na peça cirúrgica ficar mais se associam com a exposição crônica ao sol são o ex-
demonstrada a invasão perineural. No caso de confirmação tensivo superficial e o lentigo maligno melanoma.
de comprometimento linfonodal, deve ser realizada a linfa-
denectomia associada à radioterapia. Não há indicação de D - Quadro clínico
linfadenectomia profilática. Para a detecção clínica do melanoma devemos ficar
atentos a lesões melanocíticas que não respeitem a regra
4. Melanoma cutâneo do ABCDE, sendo a seguinte:
- A: Assimetria – uma das metades não se assemelha
A - Introdução em nada à outra metade da lesão;
- B: Bordas irregulares – contornos não perfeitos e en-
Sinonímia: melanoma maligno (hoje em desuso, pois trecortados lembrando mapas geográficos ao invés de
todos são malignos). É o tumor de pele mais agressivo de lesões circulares;
todos, sendo originado dos melanócitos. Estes, por sua vez, - C: Cores – lesões com coloração heterogênea apresen-
além da pele, estão presentes em outros sítios como retina, tando ao mesmo tempo áreas castanho-claro, casta-
leptomeninges, conduto auditivo e mucosas (oral, gastrin- nho-escura, enegrecidas, brancas e azuladas;
testinal e genital). Sendo assim, o melanoma cutâneo é dito
- D: Diâmetro – mais comum em lesões que meçam
primário quando se origina diretamente da pele ou secun- mais de 6mm de diâmetro superficial, apesar de hoje
dário quando atinge a pele após metástase oriunda desses sabermos de micromelanomas menores que esse
outros locais. Pela sua agressividade, o prognóstico está di- comprimento;
retamente correlacionado à detecção precoce.
- E: Evolução – lesões que sofram mudanças significati-
vas em um curto espaço de tempo.
B - Epidemiologia
Por ser o mais agressivo dos tumores cutâneos, feliz- Outros médicos preferem usar o conceito do “patinho
mente a incidência do melanoma é menor em relação aos feio”, no qual devemos suspeitar de uma lesão melanocítica
carcinomas já citados. No entanto, um alerta deve ser dado, que foge completamente do padrão das demais lesões do
pois ela vem aumentando com o passar dos anos; estudos paciente.
americanos mostram que os casos novos triplicaram nos
Tabela 2 - Metástases de melanoma
últimos 20 anos. O Brasil também registrou um aumento
na incidência e são esperados aproximadamente 6.000 ca- - Próximas ao sítio primário;
sos novos ao ano, o que nos dá uma incidência de 4 ca- - Ganglionar;
sos/100.000 habitantes (na Austrália ela chega a 37 casos - Pele distante ao sítio primário;
e nos EUA a 17 casos/100.000 habitantes). Esse aumento - Fígado, pulmão;
em parte se deve às melhorias nos métodos diagnósticos, - Esqueleto;
como o uso da dermatoscopia e as campanhas de câncer
- Sistema nervoso central.
da pele. Apesar de ser possível o desenvolvimento do mela-
noma nos afrodescendentes, temos a maior incidência em
Com relação aos subtipos clínicos do melanoma, esses
pacientes de pele clara com fototipos I e II. Em jovens, ele
são em número de 4:
predomina em pacientes do sexo feminino; já nos pacien- - Melanoma extensivo superficial: borda ou placa leve-
tes de meia-idade e idosos, ele é mais comum em homens; mente elevada de contornos irregulares e coloração
no somatório geral, o predomínio feminino é ligeiramente heterogênea, podendo apresentar em fases mais tar-
presente, porém as taxas de mortalidade são maiores nos dias alterações focais da superfície como ulcerações e
pacientes do sexo masculino. elevações. Seu crescimento principal é radial;
C - Fisiopatologia - Melanoma nodular: pápula ou pequeno nódulo de
coloração enegrecida ou azulada que também pode
Ainda é desconhecida, mas parece ser multifatorial apresentar sangramentos aos menores traumas ou
com a exposição aguda aos raios UV no período da infância permanecer íntegra, crescendo principalmente na pro-
como o maior vilão que contribui para o desenvolvimento fundidade (quando diagnosticados são os mais espes-
do melanoma. É também conhecida a capacidade de trans- sos e invasivos);
formação maligna de nevos atípicos preexistentes ou nevos - Lentigo maligno melanoma: mais comum em idosos
congênitos, havendo, nesses casos, maior participação ge- e se apresenta como uma mácula ou placa não eleva-
nética familiar. No entanto, a maioria dos melanomas surge da de contornos e coloração irregular numa pele com
de novo (60% dos casos não têm nevos preexistentes). Não outros indícios de fotodano crônico (principalmente
há relatos de associação com gravidez, reposição hormonal na face). São os que levam mais tempo para invadir
ou exposição a agentes químicos. Os subtipos clínicos que a derme;

100
TUMORES MALIGNOS

- Melanoma lentiginoso acral: ocorre nas extremidades Tabela 4 - Extensão tumoral segundo níveis de Clark
palmoplantares e periungueais, sendo o menos comum Níveis de Clark
de todos (porém o mais comum nos negros). Surge como 1 - In situ/restrito à epiderme.
uma pápula enegrecida e com crescimento rápido, não 2 - Até derme papilar.
respeitando a regra do ABCDE; devido à dificuldade da
3 - Junção dermes papilar e reticular.
visualização por causa da localização, são diagnosticados
4 - Até derme reticular.
tardiamente e por isso têm o pior prognóstico. Quando
surge no aparelho ungueal, um sinal importante é o com- 5 - Além da derme reticular/subcutâneo.
prometimento que se estende da unha para a região cuti-
cular (chamado sinal de Hutchinson); No estadiamento, a avaliação clínica e a palpação de
gânglios no exame físico são fundamentais para nortear
- Melanoma amelanótico: normalmente, uma lesão os exames de imagem. Pacientes assintomáticos e com
nodular não pigmentada que mimetiza um carcinoma
estadios I e IIA não precisam realizar exames de imagem
baso ou espinocelular.
de acordo com os consensos internacionais; alguns auto-
Os locais mais comuns para surgimento do melanoma res brasileiros preconizam, no entanto, a radiografia de

DERMATOLOGIA
são o tronco e os membros inferiores; a exceção é o lentigo tórax, fosfatase alcalina e DHL para todos os pacientes. A
maligno melanoma que é mais comum na face. tomografia computadorizada deve ser o exame solicitado
na suspeita clínica de metástases. No seguimento, as visitas
podem variar de 1 a 4 ao ano e o paciente deve ser educado
para o autoexame na intenção de detectar recidiva na cica-
triz e/ou a presença de gânglios.
No diagnóstico diferencial entram todas as lesões pig-
mentadas que podem ser benignas como os nevos melano-
cíticos (epidérmicos, juncionais ou compostos), o dermato-
fibroma (um tipo de histiocitoma) e as queratoses seborrei-
cas; nesses casos, a distinção clínica nem sempre é possível
e devemos lançar mão de um exame clínico que aumenta a
acurácia diagnóstica para aproximadamente 90% – a der-
Figura 8 - Forma amelanótica do melanoma acral matoscopia. Esta usa um aparelho com lentes (lembra o
otoscópio) que é capaz de aumentar a imagem em até 10
vezes; também existem dermatoscópios digitais que permi-
E - Métodos diagnósticos tem outras artimanhas mais interessantes.
A biópsia para exame anatomopatológico também é fun-
damental para a confirmação diagnóstica, mas, diferente dos
F - Tratamento
carcinomas, ela não é incisional, ou seja, é sempre primordial Após o diagnóstico e o estadiamento, deve ser feita a
a retirada de toda a lesão assim que houver uma suspeita ampliação da margem de acordo com a espessura tumoral
clínica; a exceção existe em lesões muito extensas e também (Tabela 5).
de face. Sendo a biópsia excisional, ela permite a avaliação da
Tabela 5 - Margem cirúrgica do melanoma
espessura do tumor por meio da avaliação dos níveis de Clark
e de Breslow de forma que esse último é o fator prognóstico Espessura Margem cirúrgica
mais importante para a sobrevida do doente. Ela deve ser fei- In situ 0,5 a 1cm
ta com margem mínima de 1mm e orientada no sentido da <1mm 1cm
drenagem linfática da área em questão a fim de não prejudi- 1 a 2mm 1 a 2cm
car a pesquisa do linfonodo sentinela. Esse é recomendado >2mm 2cm
pela maioria dos consensos em caso de lesões com espessu-
ra de Breslow maior que 1mm (ou menor que 1mm, porém Devemos mencionar que a ampliação da margem só
com nível de Clark 4 ou ulceração) e nos mostra a presença pode ser realizada após a pesquisa do linfonodo sentine-
de micrometástases linfonodais. la que, por sua vez, delimita a linfadenectomia ao gânglio
acometido.
Tabela 3 - Prognóstico do câncer de pele segundo índice de Breslow
A cirurgia é o único tratamento eficaz para o melanoma
Espessura de Breslow Sobrevida 5 anos
não metastatizado e alguns estudos com interferon alfa-2b
<1mm 95 a 100%
e algumas vacinas se mostraram promissoras. Nos casos
1 a 2mm 80 a 96%
com a presença de metástases linfonodais ou orgânicas, a
2,1 a 4mm 60 a 75%
quimioterapia é o método de escolha, mas a sobrevida de 5
>4mm 50% anos é de apenas 10%.

101
DERMATOLOG I A

5. Linfomas e leucemias zados. O prurido quase sempre é mínimo ou ausente;


seu aumento na intensidade pode prever uma evolu-
Nesse grupo são abordadas as manifestações dermato- ção para as lesões de placas mais infiltradas. Essas po-
lógicas de algumas leucoses, podendo ser estas específicas dem assumir formas variáveis (anulares, numulares, bi-
e restritas à pele ou então um comprometimento cutâneo zarras etc.) e têm uma predileção por áreas protegidas
após a disseminação metastática da doença. Basicamente, do sol/raios UV. No estadio final, as lesões assumem
os principais linfomas cutâneos se dividem em linfomas de formas mais nodulares com tamanhos variados; existe
células B e de células T, sendo esses últimos mais comuns; uma variante rara que já apresenta nódulos tumorais
ambos podem ter origem na pele e, portanto, são linfomas desde o início (pula os estágios de manchas e placas)
não Hodgkin extranodais. Já as leucemias se manifestam e é denominada de micose fungoide d’embleé. Outra
como uma disseminação metastática do quadro hematoló- variante rara é a reticulose pagetoide de Woringer-
gico. Como são doenças neoplásicas diversas, elas são dis- Kolopp, sendo essa uma forma localizada (placa eri-
cutidas de forma separada para facilitação didática. tematodescamativa bem localizada, geralmente nas
extremidades). Além dessas 2 variantes específicas
A - Linfoma de células T – tipo micose fungoide citadas, a micose fungoide pode se manifestar de di-
Como o nome mostra é um linfoma de células T do tipo versas outras formas e hoje é conhecida como a “nova
CD4 Helper que tem origem na pele, mas que com a evo- grande imitadora” (em alusão à sífilis, que já foi a gran-
lução pode gerar metástases linfonodais e de órgãos inter- de imitadora). Entre os subtipos clínicos diversos da
nos. O nome deriva da semelhança das lesões com placas micose fungoide estão: forma folicular (pápulas folicu-
de tinha do corpo. Representa o maior grupo dos linfomas lares e fácies leonina) forma hipopigmentada (lesões
cutâneos correspondendo a quase 70% do total: vitiligoides), forma pustulosa (pústulas generalizadas e
- Epidemiologia: é uma doença infrequente, porém não é palmoplantares), forma bolhosa (bolhas tensas sube-
rara em termos de incidência e prevalência, girando em pidérmicas) e forma poiquilodérmica (placas atróficas
torno de 0,5 a 1 caso/100.000 habitantes. Os pacientes eritematoacastanhadas e telangiectásicas);
mais acometidos são adultos de meia-idade e idosos,
tendo uma predominância de 2,5 homens para cada mu-
lher. É de distribuição universal, porém pode ter maior
prevalência em regiões com maior incidência de infec-
ções por retrovírus HTLV (Ásia, América Central e do Sul).
- Fisiopatologia: como nos outros subtipos de linfomas,
acredita-se que 3 fatores possam estar envolvidos:
• Imunoestimulação crônica: por meio de processos
inflamatórios persistentes pode-se levar a uma pro-
liferação descontrolada de um clone de linfócitos T
que acabam gerando a linhagem maligna neoplásica;
• Oncogênese de linfócitos: alterações genéticas po-
deriam levar à formação de clones neoplásicos “de
novo”;
• Oncogênese viral: algum retrovírus ainda desco-
nhecido poderia provocar alterações celulares que
culminariam com uma proliferação descontrolada
dos linfócitos infectados.

Aliado a esses fatores, haveria uma perda de mecanis-


mos supressores tumorais impedindo o controle adequado
da hiperproliferação:
- Quadro clínico: a micose fungoide classicamente pas-
sa por vários estágios que vão desde as manchas des-
camativas (patch, em inglês), as placas e a fase nódulo-
-tumoral final. A 1ª pode durar anos e os doentes são
tratados erroneamente como se fossem portadores
de dermatites alérgicas ou psoríase; nesse caso, os
pacientes nem sempre desenvolvem a evolução para Figura 9 - Micose fungoide: pápulas e placas eritematodescama-
os estadios mais avançados, podendo ter resolução do tivas que lembram um quadro de psoríase, mas que, na verdade,
quadro espontaneamente ou pelos tratamentos utili- representam um linfoma cutâneo

102
TUMORES MALIGNOS

- Métodos diagnósticos: para se chegar ao diagnóstico quadro prévio dessa mesma coirmã. Casos com apareci-
é necessária a correlação clínica-laboratorial, sendo mento “de novo” também são possíveis (já abre com eri-
muito importantes os achados na histopatologia e a trodermia) sendo esses a apresentação mais comum. Não
confirmação imuno-histoquímica e molecular da clo- há base fisiopatológica que demonstre o exato mecanismo
nalidade dos linfócitos envolvidos. Nas alterações his- que leve os pacientes a desenvolverem essa forma ao invés
topatológicas são característicos o infiltrado perivas- da forma clássica.
cular com linfócitos atípicos e a migração destes para
c) Quadro clínico
a epiderme (epidermotropismo) levando à formação
dos microabscessos de Pautrier; nos estágios clínicos A síndrome é caracterizada pela união do quadro cutâ-
iniciais (lesões patch) essas alterações nem sempre es- neo de eritrodermia (eritema e descamação universais)
tão presentes no início e pode ser necessário repetir com um leve tom acastanhado/bronzeado com a adenome-
a biópsia várias vezes durante o acompanhamento do galia generalizada e o encontro das células de Sézary que
doente até que elas sejam detectadas. Pode-se apro- são linfócitos atípicos com núcleos invaginados bizarros na
fundar mais, fazendo a imunofenotipagem do infiltra- circulação periférica (a pesquisa é feita em esfregaço anali-
do e também exames de biologia molecular (rearranjo sado por um hematologista experiente). Essa tríade costu-

DERMATOLOGIA
do gene receptor), ambos indicando a monoclonalida- ma vir acompanhada de um prurido feroz e generalizado.
de do infiltrado (para diferenciar de um processo infla- Pode, também, haver alterações dos anexos cutâneos como
matório não neoplásico cujo infiltrado é policlonal). Os distrofias ungueais e alopecia, além de hiperqueratose pal-
exames gerais na maioria são normais: pode haver eo- moplantar.
sinofilia e linfopenia discretas no hemograma e aumen-
d) Métodos diagnósticos
to de DHL. Os exames de imagem são indicados para
realização do estadiamento. O diagnóstico diferencial Além dos achados clínicos de eritrodermia e adenome-
se dá com as doenças eritematoescamosas em placas: galia, a análise do esfregaço do sangue periférico deve mos-
psoríase, eczemas, pitiríase rubra pilar, lúpus eritema- trar mais de 5% de células de Sézary (normalmente vai de
toso subagudo e farmacodermias. Também é importan- 15 a 30%, pois as células de Sézary em pequena quantidade
te lembrar o grande número de variantes clínicas, cada podem ser um achado inespecífico). O exame anatomopa-
qual com um diferencial específico (como, por exemplo, tológico tem os mesmos achados descritos na micose fun-
micose fungoide hipocrômica versus vitiligo); goide (epidermotropismo e microabscessos de Pautrier).
- Tratamento: no estágio pré-linfomatoso das manchas/ Os exames de biologia molecular e imunofenotipagem
patches ou de parapsoríase, o tratamento é mais con- também são os mesmos. Os demais exames de imagem são
servador com o acompanhamento regular, repetição indicados para se completar o estadiamento TNM e assim
da biópsia e fototerapia com raios UV; o método mais programar o tratamento.
difundido é o PUVA. Esse ainda é empregado em caso e) Tratamento
de placas não muito infiltradas, que também podem
O tratamento com PUVA ou banho de elétrons traz bons
ser tratadas com um tipo especial de radioterapia de
resultados na melhora da pele, porém não leva a uma re-
superfície (chamada banho de elétrons). Já nas lesões
gressão do comprometimento ganglionar sendo então in-
nodulotumorais e na presença de comprometimento
dicada a quimioterapia, nos mesmos moldes dos esquemas
interno (metástases linfonodais e/ou orgânicas) o tra-
usados no tratamento de outros linfomas.
tamento é quimioterápico e radioterápico como na
maioria dos linfomas.
C - Linfoma de células T – natural killer nasal
B - Linfoma de células T – tipo síndrome de Sézary Sinonímia: granuloma letal de linha média. Quadro des-
Variante especial de micose fungoide na qual a dissemi- trutivo com características de vasculites, que no passado
nação do linfoma na circulação sanguínea leva a um quadro era considerado reacional.
de eritrodermia que pode ter um prognóstico mais sombrio. a) Epidemiologia
a) Epidemiologia Quadro que, pela sua letalidade, felizmente, é raro (sem
É mais rara que a micose fungoide em placas, sendo estudos estatísticos).
difícil a análise estatística precisa. A maioria dos trabalhos b) Fisiopatologia
mostra uma prevalência em pacientes idosos e do sexo
masculino. Alguns estudos mostraram que ele pode ser desenca-
deado pela infecção pelo vírus Epstein-Barr; esse leva a
b) Fisiopatologia uma proliferação de linfócitos que se acumulam concen-
Tem o mesmo processo etiopatogênico da micose fun- tricamente nos vasos e induzem à necrose por obstrução
goide, podendo inclusive se desenvolver a partir de um vascular.

103
DERMATOLOG I A

c) Quadro clínico
A forma clássica consiste no desenvolvimento de lesões
necróticas e inflamatórias na mucosa nasal e palato; outros
focos extranodais como rins e sistema nervoso central po-
dem ser atingidos. Todo o processo leva a uma destruição
da porção central da face.
d) Métodos diagnósticos
A biópsia para exame anatomopatológico é fundamen-
tal para o diagnóstico; ela mostra um infiltrado de linfócitos
atípicos em torno dos vasos, além de outras células infla-
matórias secundárias. A diagnose diferencial é feita com
vasculites, principalmente a granulomatose de Wegener, e
também com infecções nasofaríngeas como a zigomicose.
e) Tratamento
A maioria dos pacientes vai a óbito nos primeiros 2 anos,
apesar de quimioterapia e radioterapia agressivas.

6. Resumo
Quadro-resumo
- As lesões pré-malignas são consideradas por alguns autores
como carcinomas in situ e têm potencial de transformação
para carcinomas verdadeiros;
- As queratoses actínicas são as mais comuns e podem originar
o carcinoma espinocelular; outras lesões pré-malignas são as
doenças de Paget e de Bowen;
- O carcinoma basocelular é o mais frequente tumor maligno e
se origina das células da camada basal; ele raramente metasta-
tiza, mas os índices de recorrência local são altos;
- O carcinoma espinocelular é originado das células da camada
espinhosa e tem grandes chances de metastatizar; por estar
relacionado à exposição UV, é muito mais frequente nas áreas
expostas;
- O melanoma, além da pele, pode ser originário de outros sí-
tios como retina, mucosas e meninges; é o tumor cutâneo mais
agressivo e os índices de sobrevida são diretamente relaciona-
dos com a espessura do tumor (índice de Breslow);
- A micose fungoide é a forma mais comum de linfoma cutâneo,
sendo originada a partir dos linfócitos T.

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