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Dermatologia normal
Alexandre Evaristo Zeni Rodrigues
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DERMATOLOG I A
Outras figuras celulares importantes na epiderme são: - Glândulas sebáceas: produzem o sebum (mistura de
- Células melanócitos: derivadas da crista neural e que colesterol e ácidos graxos), que serve como proteção
residem na camada basal, onde produzem a melani- antibacteriana e hidratação da pele. São ligadas aos fo-
na e a distribuem para aproximadamente 30 querati- lículos pilosos, onde liberam a secreção, e são do tipo
nócitos. O substrato para elaboração da melanina é a holócrina, ou seja, toda a porção celular da glândula
tirosina. Todos os humanos têm o mesmo número de é excretada junto com o sebum. Estão presentes em
melanócitos, porém os afrodescendentes têm maior todo tegumento, exceto na região palmoplantar.
produção de melanina; - Glândulas sudoríparas: existem 2 tipos:
- Células de Langerhans: derivadas de monócitos oriun- • Écrinas: localizadas na transição da derme e hipo-
dos da medula óssea que residem na camada espinho- derme em toda a pele corporal, sua principal função
sa, e são apresentadoras de antígenos para os linfó- é a regulação térmica pelo resfriamento da sudo-
citos T, desenvolvendo importante papel em quadros rese. Desembocam diretamente na superfície epi-
alérgicos e na imunidade celular; dérmica, onde liberam de 0,5 a 10L de suor por dia
- Células de Merkel: residem na camada basal e são (água + cloreto de sódio + ureia + lactato amônia). O
estímulo colinérgico aumenta sua atividade;
queratinócitos modificados que assumem atividades
neurossensoriais táteis. • Apócrinas: encontradas apenas nas regiões anoge-
nitais e axilares e desembocam nos folículos pilosos,
Uma destacada função que ocorre na epiderme é a con- onde liberam a secreção composta por proteínas,
versão da vitamina D pela luz solar. carboidratos e íons férricos, que são metabolizadas
A derme é um tecido conectivo denso, composto princi- por bactérias provocando o odor característico do
palmente de colágeno (maior parte tipo I), elastina e glico- suor. Só passam a funcionar na puberdade;
saminoglicanas. Essas fibras colágenas e elásticas oferecem • Unhas: formadas pela matriz que se situa na porção
proteção mecânica de barreira e mantêm a coesão da epi- proximal e que é responsável pelo constante cresci-
derme. Ela se divide em 2 partes: mento. Formam a lâmina ungueal composta de quera-
- Derme papilar: é a porção mais superficial que se tina e que se situa sobre o leito ungueal. Distalmente
apresenta como “dedos” (papilas) que invadem a epi- à matriz, situa-se a lúnula. Além disso, temos o eponí-
derme. Nela estão a lâmina basal que suporta a última quio ou cutícula, que é uma dobra de pele na porção
camada da epiderme, figuras celulares (mastócitos, proximal da unha, paroníquia que é a dobra de pele
macrófagos e fibroblastos) e estruturas sensoriais (cor- nos lados da unha, e hiponíquio, que é uma fixação
púsculos de Meissner que têm participação no tato); entre a pele do dedo e a porção distal da unha.
- Derme reticular: possui poucas células e é composta
basicamente pelo tecido conectivo amorfo (colágeno
e fibras elásticas).
Ainda fazem parte da derme as estruturas vasculares
(capilares que formam o plexo profundo junto à hipoder-
me e o superficial na derme papilar), fibras musculares do
folículo piloso e neurônios que interagem com receptores
sensoriais (os de Meissner, já citados, os de Paccini/pressão
e os de Rufini/temperatura).
A hipoderme fornece a proteção mecânica e o isola-
mento térmico, além de ser uma fonte de armazenamento
energético na forma lipídica. Contém o maior plexo vascular Figura 2 - Estruturas da unha
que nutre a pele e é composta por grupos de adipócitos,
formando ácinos lobulados separados por septos fibrosos. Tabela 1 - Comparação entre os principais tipos de glândulas
Em processos inflamatórios denominados de paniculites, Glândulas sebáceas Glândulas écrinas
é importante diferenciar se a inflamação é predominante-
Toda a pele, exceto Toda a pele, incluindo
mente septal ou lobular. Ela também abriga os seguintes Localização
palmas e plantas. palmas e plantas.
apêndices cutâneos:
Desembocadura Folículo piloso. Direto na superfície.
- Folículo piloso: fonte de regeneração epidérmica no
Ducto Epitélio escamoso. Epitélio cuboidal.
caso de lesões profundas da pele (é revestido por epi-
télio escamoso estratificado); o número de folículos é Contração de fibras
Secreção Espontânea.
mioepiteliais.
definido na fase embrionária e não aumenta durante
a vida (uma vez destruído, não é possível sua regene- Ácidos graxos, cera- Água, sais minerais,
Composição
midas e triglicérides. ureia e lactato.
ração);
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D E R M AT O LO G I A N O R M A L
DERMATOLOGIA
levo ou de textura, apenas mudada na coloração (qualquer n) Furúnculo
tonalidade mais clara ou escura que a pele normal). Pode Um pequeno abscesso restrito a um folículo.
ser eritematosa, devido à vasodilatação, acastanhada, em
o) Atrofia
razão da melanina, arroxeada, pelo extravasamento de san-
gue etc. Área delimitada da pele em que há uma diminuição da
espessura e consequentemente do relevo, porém manten-
b) Pápula do a integridade da epiderme (diferentemente da úlcera).
Lesão nodular, circunscrita, pequena, com no máxi- p) Liquenificação
mo 1cm de diâmetro que pode estar apenas na epiderme
Estado de elevação de uma placa ou pápula, na qual a
(como uma verruga) ou na derme (como um nevo melano-
superfície fica com sulcos lineares e ondulações, lembrando
cítico).
uma placa de líquen marinho.
c) Placa
q) Poiquilodermia
Quando uma lesão elevada assume um tamanho maior
Área delimitada em que são encontradas atrofia, hiper-
que 1cm, sem no entanto ser circunscrita/arredondada.
pigmentação acastanhada e telangiectasias.
Seria o equivalente da mancha, porém com alteração do
relevo e textura. r) Equimoses
d) Nódulo Mácula causada pelo extravasamento de sangue/hemá-
cias, sem alteração de volume.
Uma lesão elevada maior que 1cm assumindo um as-
pecto tumoral circunscrito. s) Púrpura não palpável
Uma equimose puntiforme.
e) Vegetação
Lesão tumoral que assume um aspecto verrucoso. t) Púrpura palpável
Uma pápula vinhosa que normalmente indica um pro-
f) Vesícula
cesso inflamatório de vasos.
Uma lesão bolhosa com menos de 1cm e conteúdo hia-
lino, normalmente encontrada íntegra. u) Hematoma
Lesão volumosa causada pelo extravasamento e acúmu-
g) Bolha
lo de sangue.
Lesão com conteúdo líquido claro com mais de 1cm e
que pode estar íntegra ou rota, deixando uma área desnuda Tabela 2 - Lesões elementares
com exulceração e crostas.
h) Pústula
Vesícula cujo conteúdo é purulento, podendo ser es-
téril (como ocorre na psoríase pustulosa) ou contaminada
(como nas foliculites e na acne vulgar).
i) Exulceração
Área delimitada de perda somente da epiderme, consti-
Mácula: lesão plana, sem alteração de relevo ou de textura.
tuindo uma úlcera superficial.
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DERMATOLOG I A
Nódulo: lesão circunscrita maior que 1cm. Úlcera: perda da epiderme e parte da derme.
Bolha: conteúdo hialino maior que 1cm. Abscesso: lesão com conteúdo purulento profunda e grande.
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D E R M AT O LO G I A N O R M A L
DERMATOLOGIA
Ocorre uma complexa interação entre células inflamató-
rias do sistema de coagulação e da matriz extracelular por
meio da produção de citocinas e mediadores químicos:
- Fase inflamatória: pode ser dividida em resposta vas-
cular e celular. Na 1ª, há controle do tônus vascular
(inicialmente, a vasoconstricção para controle do san-
Atrofia: diminuição da espessura e relevo. gramento e posteriormente vasodilatação que permi-
te a chegada de leucócitos), e, na 2ª, recrutamento de
células como macrófagos e neutrófilos atraídos por
fatores produzidos pelas plaquetas e pelas células de
endotélios lesados. As plaquetas, além de convocarem
os leucócitos, trabalham na produção da rede de fibri-
na que servirá de esqueleto para que as demais célu-
las iniciem a produção da matriz reparadora. Após as
plaquetas, os neutrófilos são os primeiros a chegarem,
e também convocam as demais células por meio da
produção de citocinas. Entre esses estão os mastócitos
e os monócitos que auxiliam na fagocitose de debris
Liquenificação: elevação de uma placa com sulcos. tecidual;
- Fase proliferativa: nesta etapa, há a restauração da
barreira de permeabilidade, o processo de restabeleci-
mento da vasculatura (neoangiogênese) e, por último,
o reforço estrutural do tecido reparado (fibroplasia).
A reepitelização ocorre devido à migração de querati-
nócitos das bordas das feridas e dos anexos cutâneos
(folículos pilosos), quando estes não foram destruídos
pelo trauma. Se esse processo for facilitado pelo médi-
co (como a aproximação das bordas numa sutura), ele
será dito cicatrização por 1ª intenção; se não houver
facilitação, ele será chamado de cicatrização por 2ª in-
tenção. Paralelamente à migração dos queratinócitos,
Púrpuras e equimoses: o mesmo que máculas, porém violáceas.
ocorre a formação do tecido de granulação (3 a 4 dias
após a injúria), justamente com a angioplasia e a fibro-
3. Cicatrização normal plasia. Esta última é liderada pelos fibroblastos que
são responsáveis pela produção de colágeno (princi-
- Introdução palmente, tipo III no início), proteoglicanas e elastina.
Ainda nessa fase, ocorre a contração da ferida respon-
Consiste no processo de restauração tecidual após da- sável, em parte, pela redução do tamanho da área le-
nos de diferentes níveis, sendo um processo dinâmico divi- sada; a contração também é realizada por fibroblastos
dido em fases independentes, mas que se interagem. Essa modificados (miofibroblastos);
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DERMATOLOG I A
- Fase de remodelação: consiste na deposição do mate- Tabela 3 - Diferenças entre queloides e cicatrizes hipertróficas
rial da matriz extracelular e sua subsequente mudança Queloides Cicatrizes hipertróficas
ao longo do tempo. É o que acontece, por exemplo, Apresenta crescimento lento Apresenta crescimento rápido
com o colágeno, que no início era predominantemente (meses). (dias).
do tipo III e passa a ser substituído pelo colágeno tipo I Tem proliferação contínua. Tem proliferação limitada.
(pela ação de proteinases/colagenases). Essa mudança
Excede limites da cicatriz. Respeita limites da cicatriz.
também afeta as proteoglicanas e as fibras elásticas.
Ocorre em áreas de baixa Ocorre em áreas de alta mo-
mobilidade. bilidade.
4. Queloides Recorre com tratamento. Regride com o tratamento.
A - Introdução
E - Métodos diagnósticos
Trata-se de tumores benignos que se manifestam como
O diagnóstico é clínico. Em caso de dúvida, a biópsia
uma cicatrização exuberante que vai muito além dos limites
para exame anatomopatológico pode auxiliar na diferen-
da cicatriz inicial.
ciação dos queloides e das cicatrizes hipertróficas (nos pri-
B - Epidemiologia meiros, os feixes de colágeno são distribuídos aleatória e
irregularmente, e nas últimas eles são paralelos).
Dependendo da população, a incidência pode variar
muito (de 0,09% na Inglaterra a 16% no Zaire). O risco em F - Tratamentos
pacientes negros é de 2 a 19 vezes maior, mas aqui o pig-
Deve-se dar preferência a tratamentos menos agressi-
mento não é a questão, e sim a genética. Também há maior
vos pelo risco de recorrência.
incidência nos jovens em relação aos idosos e nas mulheres
As cirurgias para redução do volume devem ser par-
em relação aos homens.
ciais, mantendo uma pequena faixa de tecido queloidiano
C - Fisiopatologia nas bordas da ferida. Como métodos adjuvantes, há tra-
tamentos tópicos como o silicone (em gel ou em placa) e
É desconhecida, mas alguns fatores são importantes. os corticoides adesivos; esses antiproliferativos hormonais
O mais relevante é a associação do tipo de trauma em um também podem ser aplicados intralesionalmente (trianci-
indivíduo com predisposição genética; outros fatores impli- nolona), sendo um dos métodos mais utilizados. A beta-
cados são infecções das feridas, endócrinos (MSH) e tensão -terapia (radioterapia localizada) também é indicada no
na cicatriz. Diferenças regionais fenotípicas dos fibroblas- pós-operatório imediato.
tos, o que explica a maior prevalência em certas regiões
como orelha, tronco e, raramente, mãos.
5. Resumo
D - Quadro clínico Quadro-resumo
Inicia-se após semanas a meses do trauma cutâneo; - A pele tem origem ectodérmica e mesodérmica;
muitas vezes, este é mínimo e imperceptível, como nos - A epiderme se divide em camada basal, espinhosa, granulosa
queloides ditos “espontâneos”. No local da ferida, inicia-se e córnea; suas funções principais são proteção e conversão da
a formação de um nódulo eritematoacastanhado bem fir- vitamina D;
me à palpação; ele não respeita os limites da cicatriz inicial, - A derme se divide em papilar e reticular tendo uma função de
fato usado para diferenciá-lo das cicatrizes hipertróficas sustentação;
(Tabela 3). Normalmente, podem ter o prurido associado. - A hipoderme ou tecido subcutâneo é composta por um grupo
de adipócitos com função de armazenamento energético.
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CAPÍTULO
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Doenças infecciosas e parasitárias
Alexandre Evaristo Zeni Rodrigues
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DERMATOLOG I A
- HHV-3 - Herpes-zóster
- HHV-4 - Epstein-Barr
- HHV-5 - Citomegalovírus
- HHV-6 - Exantema súbito
- HHV-7
- HHV-8 - Sarcoma de Kaposi
Destes, o HHV-4 e o HHV-8 são os únicos com potencial
de malignização.
Neste capítulo, o foco maior está nas doenças estrita-
mente dermatológicas. Todos os HHVs têm a capacidade de
permanecer num estado latente, com uma reativação futu-
Figura 1 - Verruga filiforme: pápula normocrômica alongada na ra posterior que provoca as manifestações. Enquanto são
região glabelar
portadores assintomáticos dos vírus latentes, os pacientes
acabam por infectar outros contactantes íntimos, propa-
gando o vírus.
A - Herpes-simples
a) Introdução
Os vírus do herpes-simples (HSV-1 e HSV-2), na maioria
dos casos, causam infecções benignas mais recorrentes na
pele (genitais e lábios) ou nos olhos. Podem, eventualmen-
te, estar associados a quadros mais graves, como meningi-
tes e encefalites.
b) Epidemiologia
Figura 2 - Verruga comum: pápulas e nódulos acastanhados de su- O herpes-simples é universal, afeta todas as faixas etá-
perfície áspera na região tibial rias, dependendo da apresentação clínica, e não tem predi-
leção por sexo.
Os quadros recorrentes genitais muitas vezes são con-
siderados DSTs, pois o contágio se dá por meio de contato
íntimo.
c) Fisiopatologia
O herpes-simples necessita de um microtrauma para
servir como porta de entrada para o vírus que, em uma pri-
moinfecção, leva a quadros mais exuberantes com manifes-
tações sistêmicas. O vírus tem tropismo por tecidos neurais,
onde permanece em estado de latência e nunca é totalmen-
te eliminado pelo sistema imunológico. Posteriormente,
sua reativação leva às manifestações clínicas clássicas; tais
reativações apresentam alguns fatores predisponentes,
Figura 3 - Verruga plana: pápulas normocrômicas achatadas em como exposição solar, doença febril, estresse emocional ou
antebraço imunossupressão.
d) Quadro clínico
2. Herpes O quadro inicial do herpes-simples pode se dar apenas
com sintomas locais tais como ardor e/ou prurido. Com a
A Tabela 2 apresenta os 8 tipos de herpes-vírus (HHV)
evolução, surge uma área eritematosa e, em seguida, sobre
que causam infecções nos humanos:
esta, aparecem as vesículas de conteúdo claro no início e
Tabela 2 - Família Herpesviridae que podem se tornar hemorrágicas ou purulentas. As apre-
sentações clínicas do herpes-simples são diversas:
- HSV-1 - Herpes-simples tipo 1 - Infecções mucocutâneas (HSV-1): podem ser apre-
- HSV-2 - Herpes-simples tipo 2 sentadas em qualquer região, mas comumente acon-
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DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS
DERMATOLOGIA
prolongada e exuberante, e cursa com adenomegalia e cura espontânea e raramente precisam de tratamento.
sintomas constitucionais. Tratamentos antissépticos são usados para evitar a infecção
secundária.
- Quadros mais graves:
Quando se exige o tratamento, opta-se por medicações
• Ceratite por herpes: infecção dolorosa da córnea
sistêmicas, pois as pomadas são de baixa eficácia (reserva-
que pode provocar cegueira;
das a casos leves). As drogas mais usadas são o aciclovir,
• Herpes neonatal: infecções de recém-nascidos con- 400mg, a cada 5 horas durante 5 dias, fanciclovir, 250mg,
taminados durante o trabalho de parto (muitas ve- a cada 12 horas por 5 dias, e valaciclovir, 500mg, a cada
zes, com mães assintomáticas); cursa com quadro 12 horas. Pacientes com mais de 6 erupções ao ano po-
cutâneo disseminado e de SNC, podendo provocar dem receber tratamento supressor contínuo com as mes-
morte ou sequelas graves; mas medicações em doses menores. Infecções graves e em
• Meningoencefalite herpética: quadros esporádicos imunocomprometidos devem ser tratadas com medicação
com comprometimento do lobo temporal podendo intravenosa.
provocar convulsões, coma e morte;
• Outros: mielorradiculites, pneumonites, esofagi- B - Herpes-zóster e varicela
tes etc.
Há, também, quadros cutâneos associados ao herpes a) Introdução
como o eritema multiforme recorrente e o eczema herpé- O vírus do herpes-zóster (HSV-3) é o causador da varice-
tico, também conhecido como erupção variceliforme de la/catapora (sendo a manifestação da primoinfecção) e do
Kaposi (infecção disseminada em pacientes que apresen- herpes-zóster.
tam outras dermatoses severas, como dermatite atópica
b) Epidemiologia
extensa e doenças bolhosas graves).
A varicela é uma erupção comum na infância e pode sur-
gir em epidemias, normalmente no outono e no inverno. E
o herpes-zóster é mais frequente nos idosos pelo provável
estado parcial de imunodepressão.
c) Fisiopatologia
A contaminação do herpes-zóster e da varicela se dá
pela transmissão aérea de perdigotos. Na primoinfecção
(catapora), ocorre a viremia com disseminação e os sinto-
mas sistêmicos. Também acontece o fenômeno de latência,
e as próximas manifestações acontecerão na fase adulta,
por meio do herpes-zóster.
d) Quadro clínico
O estudo das manifestações clínicas pode ser subdividi-
do nos 2 quadros principais:
- Varicela: tem início com um quadro gripal leve seguido
Figura 4 - Herpes-simples: pápulas e vesículas sobre base eritema- da erupção cutânea disseminada, cuja principal carac-
tosa agrupadas na região inguinal terística é o polimorfismo; apresenta simultaneamen-
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DERMATOLOG I A
te vesículas, lesões erosivas, lesões crostosas e lesões exuberantes (mais de 3 dermátomos acometidos) e de evo-
cicatriciais residuais (vários tipos de lesões dermatoló- lução atípica.
gicas). A disseminação é centrífuga (das porções cen-
trais para as extremidades), e a remissão é espontânea D - Tratamentos
em questão de dias (21 dias), podendo gerar cicatri-
zes definitivas em alguns casos. A encefalopatia é uma Na varicela, o tratamento é sintomático com anti-hista-
complicação rara, mas possível, bem como a síndrome mínicos para o alívio do prurido e tópicos antissépticos para
de Reye em caso de uso de AAS. Recém-nascidos, adul- evitar a infecção secundária. Manter isolamento até 2 dias
tos e imunocomprometidos podem desenvolver uma após a última lesão, se resolver.
pneumonia grave pelo HSV-3 (rara nas crianças imuno-
No herpes-zóster, ele é sempre sistêmico e deve ser ini-
competentes);
ciado nas primeiras 24 horas, com as mesmas medicações
- Herpes-zóster: normalmente, inicia-se com dor lanci-
nante ou disestesia no trajeto da raiz nervosa acome- citadas no caso de herpes-simples, porém a dose é dobrada
tida. Dois a 3 dias depois, surge a erupção localizada e estendida para 7 dias. Após 72 horas, o tratamento pode
formada por vesículas agrupadas sobre base eritema- ser inefetivo.
tosa numa disposição linear, unilateral, em dermáto- Infecções disseminadas em imunocomprometidas de-
mo/faixa. vem ser tratadas com medicação intravenosa, bem como
as complicações da varicela. A vacinação é possível e pode
Quando a erupção não acontece, a dor é confundida
ser usada em adultos suscetíveis (exceto imunocomprome-
com outras causas de dores torácicas e/ou abdominais (in-
farto do miocárdio, apendicite etc.); nesse caso, fica carac- tidos).
terizado o herpes-zóster sine herpete. Raramente as lesões
ocorrem, como no caso do herpes-simples (menos de 4%).
Uma apresentação especial acontece quando o ramo oftál-
3. Molusco contagioso
mico do trigêmeo é acometido – zóster oftálmico –, o que é
preocupante, pois pode levar ao comprometimento ocular. A - Introdução
A complicação, frequente em idosos, é a neuralgia pós-
Infecção benigna, crônica e localizada da pele, causa-
-herpética que pode tornar-se persistente e necessitar de
tratamentos para dor crônica. da por vírus com tropismo pela epiderme, da família dos
poxvírus.
B - Epidemiologia
A infecção é comum em crianças e, como o nome re-
vela, tem alta contagiosidade, tanto para o próprio indiví-
duo (levando à disseminação do quadro) como para outras
crianças. Em adultos, acontece mais nos genitais e pode ser
considerada uma DST.
C - Fisiopatologia
O contato direto ou via fômites (roupas, toalhas etc.)
é que leva ao quadro dermatológico. A imunidade celular
tem papel importante, como comprovado nos pacientes
HIV positivos que têm lesões gigantes e numerosas.
Figura 5 - Herpes-zóster: pápulas, crostas e vesículas sobre base
eritematosa agrupadas com disposição em faixa/dermátomo D - Quadro clínico
no MSD
As lesões são pápulas normocrômicas a translúcidas,
umbilicadas e isoladas, assintomáticas, que podem surgir
C - Métodos diagnósticos em qualquer localização (poupam as regiões palmoplanta-
Na varicela e no herpes-zóster, o diagnóstico é clínico. res). Além disso, raramente ultrapassam 0,5cm (nos imu-
Também pode ser realizado o teste de Tzanck que revela nossuprimidos, podem chegar a 2cm). As lesões podem so-
células gigantes multinucleadas como no herpes-simples. frer inflamação, oferecendo bons indícios de que o organis-
O diagnóstico de certeza também é obtido com bióp- mo elaborou uma resposta imunológica; nesse caso, podem
sia e cultura, se necessário. Deve-se solicitar HIV nos casos tornar-se pruriginosas.
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DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS
DERMATOLOGIA
ga de criança: molusco contagioso
E - Métodos diagnósticos
O diagnóstico é essencialmente clínico. Na dúvida, é
Figura 7 - Nódulo verrucoso de superfície áspera e base eritemato-
obtido com o exame anatomopatológico da lesão. Não há
sa em paciente que ordenha gado
outros métodos para a diagnose.
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DERMATOLOG I A
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DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS
DERMATOLOGIA
Figura 8 - Paciente com rubéola apresentando máculas e discretas
pápulas disseminadas por todo o corpo somente 15% dos pacientes podem desenvolver uma convul-
são febril. A resolução da febre é praticamente imediata com
e) Métodos diagnósticos o surgimento do rash morbiliforme que se inicia no pescoço e
evolui para o tronco. É também visto um enantema puntifor-
O quadro clínico do exantema centrípeto e a adenome-
me no palato denominado manchas de Nagayama. O exante-
galia levam ao diagnóstico, principalmente em crianças e
ma permanece por horas, no máximo, por 2 dias.
adolescentes. Nos casos duvidosos, em se tratando de adul-
tos, pode-se realizar a sorologia do tipo IgM que deve estar e) Métodos diagnósticos
elevada (só IgG indica imunidade prévia). Essa investigação Os achados clínicos de febre alta, que termina abrupta-
é prioritária nas gestantes que tiveram contato com porta- mente aliada a um rash em criança menor de 2 anos, favo-
dores de doença ativa e não estão imunes (grávidas IgG ne- recem muito o diagnóstico. Se for necessária a confirmação,
gativas); se o exame inicial é negativo, deve ser repetido em poderão ser feitos sorologia IgM ou exames de biologia mo-
4 e 6 semanas. Dos exames gerais, pode haver alteração do lecular para isolar DNA viral.
hemograma com leucopenia/linfocitose e trombocitopenia. Um paciente com febre alta e convulsão pode fazer diag-
No recém-nascido, a confirmação também requer a presen- nóstico diferencial com meningite, porém a erupção cutânea
ça de IgM (pois esta não atravessa a placenta e não poderia é típica das vasculites com pápulas crostosas; as demais do-
ter vindo da mãe). enças exantemáticas raramente cursam com febre alta.
f) Tratamento f) Tratamento
Não há tratamento específico. Aconselham-se repouso, Apesar de o vírus pertencer à família herpes, não estão
afastamento por 7 dias após o início do rash e sintomáticos indicados antivirais como o aciclovir. O tratamento é so-
sem AAS. mente de suporte com sintomáticos para o alívio da febre.
No caso das grávidas infectadas, o risco é maior quanto
mais precoce é o contato (1º trimestre). D - Eritema infeccioso
A vacinação é feita com vírus vivo e não pode ser feita em
grávidas e imunossuprimidos severos (HIV positivo compen- a) Introdução
sados podem recebê-la). É indicada, também, a pós-puberais Sinonímia: 5ª doença. Erupção exantemática com apre-
militares, profissionais da saúde e institucionalizados. No ca- sentação clínica subdividida em 3 fases que também é mais
lendário vacinal, está incluída na vacina MMR. vista em crianças. O nome vem na classificação das doenças
exantemáticas (após sarampo, rubéola, escarlatina e exan-
C - Exantema súbito tema súbito).
a) Introdução b) Epidemiologia
Sinonímia: roséola infantum. A infecção viral benigna é Pode acometer igualmente ambos os sexos, sem predi-
caracterizada, principalmente, pelo início súbito da febre leção racial. É universal e pode atingir qualquer idade, mais
que termina após o princípio do quadro cutâneo, que por frequente em crianças e adolescentes. Os surtos têm ocor-
sua vez também é efêmero. rência maior no inverno e no início da primavera.
b) Epidemiologia c) Fisiopatologia
Trata-se de uma infecção universal e muito comum, po- O eritema infeccioso é causado por parvovírus B19, que
dendo representar, em média, até 20% das causas de febre é o menor vírus DNA capaz de causar uma doença infec-
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DERMATOLOG I A
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DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS
O vírus pode ser isolado de raspado da vesícula ou das aureus produzem toxinas esfoliativas que levam à forma-
mucosas e também nas fezes por meio de PCR, mas esse ção de bolhas por clivagem na epiderme, daí os quadros de
exame é pouco utilizado. impetigos bolhosos estarem mais associados a S. aureus, e
o impetigo crostoso, mais associado aos estreptococos. O
F - Tratamento ectima é mais associado ao estreptococo beta-hemolítico
O tratamento é apenas de suporte para alívio principal- do grupo A.
mente da dor pelas lesões orais e de faringe que dificultam Algumas cepas de estreptococos podem provocar a glo-
a deglutição. Não é necessário isolamento do doente, pois merulonefrite (GNDA pós-estreptocócica).
o vírus pode ser encontrado até 1 mês do início do quadro.
D - Quadro clínico
Tabela 4 - Doenças virais O impetigo não bolhoso inicia-se com pústulas que se
- As doenças virais dermatológicas podem ser exclusivas da pele rompem e deixam lesões exulceradas com crostas melicéri-
(verrugas, molusco contagioso) ou manifestações de doenças cas encimadas; o quadro bolhoso inicia-se já com grandes
sistêmicas (sarampo, dengue); bolhas que evoluem para o mesmo tipo de lesão ora mencio-
- A importância da família HPV são suas associações à maligni- nado. Quanto ao impetigo, a face é o local mais acometido,
DERMATOLOGIA
dade;
sendo raro nas extremidades. O ectima, por sua vez, é co-
- A família herpes engloba grande variedade clínica, sendo as in-
mum principalmente em MMII. O prurido pode estar presen-
fecções por HSV-1 e HSV-2 (herpes-simples) as mais comuns;
te, e a coçadura é responsável pela disseminação das lesões.
- O molusco contagioso é comum na infância e muitas vezes é
O ectima normalmente é uma lesão única, sendo ulce-
autolimitado;
rada, com fundo purulento e borda crostosa circundada por
- As doenças exantemáticas podem ser diferenciadas por algu-
mas particularidades clínicas. eritema, e costuma ser dolorosa. A localização é a mesma
do impetigo.
II. Doenças bacterianas agudas
Neste capítulo, são tratados, também, os quadros pro-
vocados por bactérias do tipo cocos, que na grande maioria
consistem em casos não complicados com resolução pronta
após a introdução dos antibióticos.
A minoria dos casos tem evolução desfavorável e neces-
sita de intervenções mais agressivas. Como em qualquer
infecção, há sempre a preocupação da resistência bacte-
riana, infelizmente cada vez mais comum devido ao uso
indiscriminado dos antibióticos, principalmente os tópicos
em formulações combinadas e que acabam “queimando” o
uso de suas apresentações sistêmicas (como gentamicina,
eritromicina, cloranfenicol etc.).
15
DERMATOLOG I A
16
DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS
O diagnóstico diferencial é feito com eczemas (sem fe- Tabela 5 - Diferenciação entre erisipela e celulite
bre) e celulite (mais profunda). Erisipela
- Restrita às camadas superficiais da pele;
F - Tratamentos - Eritema e edema com bordas bem delimitadas;
Os estreptococos ainda são sensíveis à penicilina e po- - Dor pouco importante;
dem ser tratados, em casos leves, com medicação, via oral - Recorrência frequente.
(amoxicilina), ou em regimes com penicilina intramuscular. Celulite
Os esquemas devem ser mantidos por, pelo menos, 2 se- - Envolvimento de estruturas mais profundas como fáscia, mús-
manas para diminuir a chance de recorrência. Se o compro- culos e tendões;
metimento for mais profundo, deve-se suspeitar de outros - As bordas limitantes são de difícil distinção;
micro-organismos, sendo necessários antibióticos de mais - Dor relevante;
amplo espectro, preferencialmente com ajuda da cultura e - Recorrência é rara.
antibiograma (cefalosporinas e macrolídeos).
Profilaticamente, devem-se tratar as dermatofitoses (ti- E - Métodos diagnósticos
nha das unhas e dos pés), e, em casos recorrentes, a peni-
DERMATOLOGIA
A cultura de secreção ou do tecido é usada para guiar
cilina benzatina pode ser mantida em regime mensal por 6 terapia antimicrobiana, mas o diagnóstico é clínico em sua
a 12 meses. essência.
O diagnóstico diferencial é feito com eczemas (sem fe-
4. Celulite bre) e erisipelas nos casos inicias (ainda superficializados).
Tardiamente, o principal diferencial se dá com TVP (edema
A - Introdução mais frio).
17
DERMATOLOG I A
18
DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS
O estágio inicial (estado do doente ainda indefinido) é cha- - Hanseníase tuberculoide (TT): caracterizada por pe-
mado “hanseníase indeterminada” e se caracteriza por queno número de lesões, sendo placas eritematosas
poucas lesões, normalmente máculas hipocrômicas com com descamação fina bem definidas, cura central e
alteração da sensibilidade térmica e/ou dolorosa. Com a que são hipo ou anestésicas. A baciloscopia é negativa.
evolução da doença, o paciente pode migrar para 1 dos po- As alterações neurais são intensas e precoces, sendo
los a seguir: os nervos ulnar e mediano mais acometidos (mão “em
- Hanseníase virchowiana (VV): caracterizada por gran- garra”). Não há acometimento de outros órgãos.
de número de lesões, do tipo nódulos e placas erite- Os pacientes que não se estabilizam em nenhum desses
matoacastanhadas e infiltradas; a infiltração da face é polos são classificados como dimorfos (DD) e podem migrar
comum (fácies leonina) e também a madarose (perda na classificação de acordo com a resposta imunológica, em
das sobrancelhas). Quando realizada, a baciloscopia é qualquer momento da evolução. Esses pacientes possuem
fortemente positiva, com grande número de bacilos ín- lesões intermediares, que podem tender mais para o tipo
tegros. As alterações da sensibilidade são mais tardias tuberculoide (tipo DT – Dimorfo-Tuberculoide) ou para o
e menos frequentes. Há comprometimento sistêmico polo virchowiano (DV – Dimorfo-Virchowiano). A Tabela 7
de mucosas, olhos e outros órgãos, como baço; resume a classificação.
DERMATOLOGIA
Figura 12 - Hanseníase virchowiana: madarose e infiltrações na face além de nódulos acastanhados nos membros inferiores
Outros aspectos importantes seriam os estados reacio- reação reversa/piora. Quase sempre é acompanhado
nais que são quadros específicos decorrentes em qualquer de sinais e sintomas sistêmicos (febre, dores articula-
momento da doença: ao diagnóstico, durante o tratamento res e mal-estar), e pode ocorrer modificação das lesões
(momento mais frequente) e após a alta. Basicamente, exis- nos casos de reação de melhora (ficam edemaciadas e
tem 2 tipos de estado reacional: pruriginosas) ou surgir lesões novas no caso de reação
- Tipo I: é o mais comum e indica mudança no estado de reversa/piora. O grande temor é o comprometimen-
imunidade do indivíduo, podendo ser de melhora ou to neural provocado pelo processo inflamatório e/ou
19
DERMATOLOG I A
infiltração de bacilos, podendo trazer consequências saúde pública e que requer tratamento supervisionado em
irreversíveis, por isso há necessidade de tratamento unidades de atendimento pelo SUS.
urgente nesses casos reacionais; Apesar de ser uma doença curável, tem uma caracte-
- Tipo II: só ocorre aos pacientes virchowianos e dimor- rística de cronicidade. Muitos dermatologistas defendem a
fo-virchowianos, normalmente durante o tratamento, opinião de que o doente nunca deve receber alta, apesar
e se caracteriza pela presença de nódulos subcutâneos de isso não ser um consenso entre todos nem ser recomen-
dolorosos em qualquer parte do corpo, constituindo o dado pela OMS.
eritema nodoso hansênico. Também pode ter acome- Para simplificar o tratamento nas Unidades Básicas de
timento neural associado e iridociclite. Saúde, a OMS classifica os doentes em multibacilares (com
mais de 5 lesões) e paucibacilares (5 ou menos lesões). Essa
As manifestações sistêmicas da hanseníase são infre- classificação é meramente operacional e visa facilitar o tra-
quentes e estão resumidas na Tabela 8. tamento na rede básica, pois a hanseníase é uma doença
clinicamente heterogênea, o que dificulta a padronização
Tabela 8 - Manifestações sistêmicas da hanseníase
do tratamento.
Órgãos Descrição As medicações são administradas em esquema de po-
Neuropatias motoras, sensoriais e liquimioterapia, e nunca deve ser realizada monoterapia,
Sistema nervoso
autonômicas
como no passado.
Irite, conjuntivite e danos do nervo
Olhos Nesse esquema, são utilizadas 3 medicações:
óptico
Sistema reticuloendotelial Hepatoesplenomegalia infiltrativa - Rifampicina: a todos os casos, em dose única mensal
Sistema renal Glomerulonefrite de 600mg, supervisionada (a enfermeira presencia o
Gônadas Infiltração testicular ato de tomar a pílula);
- Dapsona: 100mg diários a todos os pacientes;
E - Métodos diagnósticos - Clofazimina: apenas aos multibacilares, na dose de
O diagnóstico da hanseníase requer a presença de le- 300mg única mensal supervisionada + 50mg/dia (ou
sões de pele que tenham alteração da sensibilidade, ou 100mg em dias alternados).
comprometimento neural periférico que curse com altera-
O tempo de tratamento também é polêmico, pois a
ções sensitivas, sendo necessário comprovar a presença do
OMS recomenda, aos casos paucibacilares, apenas 6 meses
bacilo (pela baciloscopia positiva ou por achados patológi-
de rifampicina + dapsona e, aos casos dos multibacilares,
cos indiretos sugestivos).
12 meses com as 3 medicações. Aos pacientes com grande
Os métodos auxiliares mais usados são o teste de
número de lesões em que a melhora não foi tão conside-
Mitsuda, que consiste na intradermorreação com antígenos
rável, pode ser necessário estender o tratamento por mais
preparados de tecidos de doentes infectados e que, na reali-
12 meses. Esses regimes de 6 meses e 1 ano não são vistos
dade, é mais prognóstico, pois mostra o estado imunológico
com bons olhos por grandes hansenologistas, que julgam
do doente; pode ser falso positivo em pacientes que tiveram
insuficientes esses períodos.
tuberculose. A pesquisa no sangue de anticorpos contra PGL-
Um paciente com lesão única sem envolvimento de
1 é positiva em 95% dos pacientes virchowianos (lembrando
tronco nervoso pode ser tratado com esquema ROM
que têm resposta TH2 que é mais humoral). O exame anato-
(Rifampicina, 600mg + Ofloxacino, 400mg + Minociclina,
mopatológico tem como característica principal a presença
100mg em dose única supervisionada, recebendo alta a
de infiltrado inflamatório perineural nos casos tuberculoides
seguir).
e indeterminados; entre os pacientes virchowianos, é fácil a
Todo paciente deve ser examinado minuciosamente na
visualização dos bacilos, encontrados em grande quantidade.
busca de ferimentos e calos para que a automutilação, que
O diagnóstico diferencial depende do tipo de lesão:
surge sem que o paciente perceba devido à hipostesia, não
- Indeterminada: pitiríase alba, vitiligo inicial e pitiríase leve a incapacidades permanentes.
versicolor;
Outro aspecto importante para a vigilância epidemio-
- Tuberculoide: tinha, eczema, eritema figurado, granu- lógica seria a busca ativa dos contatos (todos aqueles que
loma anular, sarcoidose, lúpus e tuberculose; residiram com o doente por pelo menos 5 anos). Estes de-
- Virchowianos: micose fungoide e leishmaniose. vem ser examinados e podem ser tratados se apresentam
manifestações da MH ou então recebem 1 dose da vacina
É importante notar que em nenhum desses casos se al- BCG (2 doses, caso nunca a tenham recebido).
tera a sensibilidade nas lesões. Finalmente, é importante mencionar os estados re-
acionais que devem ser tratados em caráter de urgência,
F - Tratamento dependendo das complicações. Nos casos de reação tipo
É uma das doenças de notificação compulsória (somen- I com neurites, iridociclites ou orquiepididimites, deve ser
te após a confirmação diagnóstica), sendo um problema de usada prednisona na dose de 1 a 2mg/kg com desmame
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DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS
gradual. Nos casos de reação tipo II/eritema nodoso, a tali- Leptospira, tendo o homem como hospedeiro obrigatório.
domida é a droga de escolha, mas é proibida a mulheres em Nele, a bactéria vive nos tecidos e a disseminação acontece
idade fértil, e nesse caso a prednisona também pode ser ad- logo nas primeiras horas por via linfática e hematogênica;
ministrada. Essas exacerbações reacionais podem ocorrer fora dos tecidos, dificilmente sobrevive (microaerofílico),
mesmo após anos da alta, e fica sempre difícil diferenciar por isso não é relatado como possível o contágio por roupas
de uma possível recidiva; na dificuldade de resposta com ou vasos sanitários.
os tratamentos já mencionados, a recidiva deve ser consi- O contágio se dá pela penetração da bactéria por áreas
derada, e o paciente, encaminhado para novo tratamento. de fissuras na mucosa ou na pele, em que haja uma solução
Também é impossível diferenciar a recidiva de uma reinfec- de continuidade. Independente do tecido infectado, nele
ção, mas isso nada muda na necessidade de retratamento. ocorrerá um processo inflamatório linfomononuclear e gra-
nulomatoso responsável pela destruição dos tecidos; além
2. Sífilis disso, devido à presença das espiroquetas no endotélio, há
também uma endarterite e que pode gerar manifestações
de oclusão da microvasculatura.
A - Introdução A imunidade, tanto humoral como celular, é dita incom-
DERMATOLOGIA
Sinonímia: lues. A sífilis é uma Doença Sexualmente pleta, e as reinfecções são possíveis, ocorrendo numa for-
Transmissível (DST) causada pelo Treponema pallidum, co- ma mais branda (pode não existir a fase primária de cancro,
nhecida entre os dermatologistas como “a grande imitadora” podendo, por outro lado, dificultar o diagnóstico).
devido à diversidade de suas apresentações clínicas que aca-
bam por entrar no diagnóstico diferencial de várias doenças D - Quadro clínico
dermatológicas. No passado, as formas crônicas eram mais A sífilis caracteriza-se por 3 períodos distintos: sífilis pri-
presentes, sendo comuns os acometimentos esquelético, mária, secundária e terciária, intercaladas com períodos de
cardíaco e neurológico, e a sífilis era uma importante causa latência nos quais não ocorrem manifestações clínicas, e o
de internação em hospitais psiquiátricos. Com a melhora dos diagnóstico só é possível por exames laboratoriais.
métodos diagnósticos e da antibioticoterapia, essa doença - Sífilis primária: após o contato com o indivíduo conta-
vem sendo tratada em fases precoces, evitando, assim, sua minado, há um período de incubação que pode durar
evolução para as formas de pior prognóstico. Como a maioria de 2 a 3 semanas e em seguida surge o cancro duro,
dos pacientes é diagnosticada pelas lesões cutâneas, os der- uma lesão ulcerada pequena, normalmente nos geni-
matologistas são considerados experts nessa enfermidade. tais (pode ser em qualquer local, limitado pelas fan-
tasias sexuais), de fundo limpo e bordas bem delimi-
B - Epidemiologia tadas, surpreendentemente indolor. Costuma ocorrer
uma linfadenomegalia regional, que é firme e também
Em termos absolutos, sua incidência e prevalência dimi-
indolor. Nas mulheres, a lesão pode passar despercebi-
nuíram devido à melhora dos tratamentos antibacterianos.
da, dependendo da localização. Essas lesões primárias
No entanto, ao longo dos anos, alguns picos de piora fo-
são altamente ricas em Treponemas. Se não houver
ram vistos, seja na forma adquirida do adulto, seja na forma
tratamento, o cancro se resolverá espontaneamente
congênita.
em 6 a 8 semanas;
Acomete mais a faixa etária de adultos jovens por terem
uma exposição maior (16 a 30 anos). Não há predileção por
- Sífilis secundária: após 2 a 8 semanas, inicia-se a fase
com disseminação máxima das bactérias, surgindo en-
sexo, raça ou distribuição geográfica, a menos que se ana-
tão uma erupção difusa da pele e mucosas associada
lisem aspectos socioeconômicos, tornando-se mais comum
à poliadenomegalia indolor. As lesões características
em populações subdesenvolvidas devido às más condições
são pequenas placas de até 10mm de diâmetro, de cor
de higiene e orientação sexual. Entre os fatores de risco
vermelho-pálida e com uma fina descamação – as cha-
associados, estão os mesmos da AIDS, como prostituição e
madas roséolas sifilíticas. Acometem, simetricamen-
uso de drogas. Isso porque o contato pode ser direto e por
te, todo o tegumento e a região palmoplantar, o que
transfusão sanguínea – neste caso, a fase inicial do cancro é
é característico. Não há prurido associado, mas pode
“pulada”, e a sífilis é dita “decapitada”.
haver sintomas inespecíficos de infecção: indisposição,
A infecção pelo HIV também é um fator de complicação,
inapetência, artralgias etc. O cancro cicatrizado pode
e os pacientes tendem a evoluir de forma mais agressiva e
ser encontrado em até 25% dos casos. Pode ocorrer
rápida, progredindo para as formas neurológicas terciárias
uma alopecia difusa dita “em clareira”. Alguns pacien-
com maior frequência.
tes evoluem com lesões vegetantes e maceradas nas
áreas de dobras (intertrigos), sendo denominadas
C - Fisiopatologia Condylomata lata (por lembrar o condiloma verruco-
O agente causador é o Treponema pallidum, uma bac- so). Erosões nas mucosas oral, retal e genital também
téria espiroqueta (formato espiralado), como a Borrelia e a são comuns. Além da roséola, a fase secundária pode
21
DERMATOLOG I A
eventualmente manifestar-se com diversas outras le- na qual se podem visualizar as espiroquetas (formas seme-
sões, como pápulas firmes, necróticas, lesões folicu- lhantes a macarrão parafuso). Infelizmente, esse método,
lares e outras, daí a sífilis ser chamada de “a grande dominado pelos antigos dermatologistas, caiu em desuso.
imitadora”. Entre o término da fase secundária e o
início da terciária, o paciente pode ficar assintomático Tabela 9 - Exames na sífilis
por meses a anos, sendo muito variável esse intervalo Treponematosos Não treponematosos
de tempo. Assim, assintomáticos com menos de 1 ano FTA-abs VDRL
dos primeiros sintomas e/ou contágio são classificados TPHA/MHA-TP RPR
como tendo a sífilis latente precoce; aqueles com mais
de 1 ano têm a sífilis latente tardia. Nessa fase, o diag- As sorologias são o método mais utilizado, e podem-se
nóstico só é possível por meio de exames sorológicos dividi-las em 2 grupos: os exames não treponematosos (não
feitos na rotina ou por investigação de outros quadros
específicos) e os treponematosos (de alta especificidade).
diferenciais da sífilis; além disso, muitos doentes são
No 1º grupo, o mais utilizado é o VDRL, seguido do RPR
curados ao receberem antibióticos por outras doenças
e não chegam a evoluir para a fase terciária. Durante (Rapid Plasm Reagin), um exame titulável com alta sensi-
a fase da sífilis latente precoce, são comuns as reati- bilidade. É o método ideal na realização de screenings em
vações com lesões secundarianas, e os pacientes tor- pacientes suspeitos e/ou assintomáticos.
nam-se novamente infectantes, com possibilidade de No 2º grupo, os mais utilizados são o FTA-abs (podendo
disseminação da doença; ser IgM ou IgG) e o TPHA/MHA-TP; ambos não têm a mes-
- Sífilis terciária: os pacientes não tratados evoluem com ma sensibilidade do VDRL, mas levam vantagem na especi-
desaparecimento das lesões secundárias e podem ficar ficidade e também se tornam positivos mais precocemente,
por um grande período (2 a 10 anos) numa fase de la- ainda na fase primária. De uma forma didática, podem-se,
tência até surgirem as lesões da fase terciária. Estas re- então, separar os exames:
presentam um processo granulomatoso crônico e que - Screening – com VDRL; se positivo, confirmar com FTA-
atingem principalmente 4 tecidos: pele, ossos, cardio- abs ou TPHA/ MHA-TP;
vascular e nervoso. Na pele, são chamadas de gomas si- - Controle de tratamento – VDRL, devendo haver dimi-
filíticas, formadas por placas e nódulos infiltrativos que nuição dos títulos; títulos em elevação requerem inter-
sofrem ulcerações, assumindo um aspecto arqueado ou venção terapêutica.
anular; costuma ser única ou em pequenos números
(casos disseminados já foram relatados). Essas lesões
Mesmo após o tratamento, alguns exames permane-
gomatosas também podem destruir tecidos ósseos,
cem positivos por anos; isso é comum com os exames tre-
causando dor e incapacitação. No sistema cardiovas-
cular, a alteração mais frequente é uma endarterite de ponematosos e variável no caso do VDRL (costuma ficar
grandes vasos, principalmente a aorta, em que podem positivo em títulos baixos menores de 1:8); por isso uma
ocorrer aneurismas e insuficiência valvar. No sistema reinfecção só é constatada com a elevação dos títulos,
nervoso central, também há o acometimento vascular, lembrando que ela é possível, pois na sífilis não há imuni-
levando a pequenos infartos principalmente do territó- dade adquirida. Podem ocorrer resultados falsos positivos
rio vertebrobasilar; inflamação das meninges e paralisia em algumas situações, como hanseníase, malária, borre-
de pares cranianos completam o quadro. Outro acome- lioses (como a doença de Lyme), leptospirose e lúpus eri-
timento clássico é desmielinização da coluna posterior tematoso sistêmico.
das raízes dorsais, levando a manifestações de neuro- O exame do liquor está indicado em algumas situações:
patias periféricas conhecidas como tabes dorsalis; nela - Pacientes HIV positivo;
os pacientes podem ter ataxia, arreflexia e disestesias - Outros sinais de sífilis terciária;
(alterações da sensibilidade à dor e temperatura).
- Falha do tratamento ou contraindicação da penicilina;
E - Métodos diagnósticos - Sinais e sintomas neurológicos, mesmo sutis.
Nem sempre é fácil diagnosticar a sífilis clinicamente, O diagnóstico diferencial dermatológico dependerá da
tanto do ponto de vista dermatológico como nos quadros fase clínica em questão:
terciários cardiovasculares e neurológicos.
Sempre que há a suspeita, é necessário lançar mão dos
- Sífilis primária: cancro mole, herpes, carcinoma espi-
nocelular;
exames laboratoriais, o que vale para pacientes assintomá-
ticos ou com sintomas discretos e inespecíficos (sempre - Sífilis secundária: pitiríase rósea, psoríase, farmaco-
pensar em sífilis nos diferenciais). dermias, pitiríase liquenoide crônica, parapsoríases;
Uma forma clássica de diagnóstico é a microscopia dire- - Sífilis terciária: hanseníase, leishmaniose, tumores
ta em campo escuro de um raspado de uma lesão cutânea, partes moles, carcinomas espinocelular e basocelular.
22
DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS
DERMATOLOGIA
Figura 13 - Evolução da infecção pelo Treponema pallidum são controlados com sintomáticos (paracetamol e anti-in-
flamatórios), e os doentes graves necessitam de corticoste-
F - Tratamento roides sistêmicos.
23
DERMATOLOG I A
Nesses casos, em geral, o teste será reagente até os pri- trução nasal, prematuridade, osteocondrite, periostite ou
meiros 6 meses de vida, podendo prolongar-se. Por isso, o osteíte, choro ao manuseio, hepatomegalia, esplenomega-
diagnóstico de sífilis congênita exige um elenco de exames lia, alterações respiratórias/pneumonia, icterícia, anemia
que permitam a classificação clínica do caso (diagnóstico e severa, hidropisia, edema, pseudoparalisia dos membros,
estadiamento), para que a terapia adequada seja instituída. fissura peribucal, condiloma plano, pênfigo palmoplantar e
Segundo o Ministério da Saúde, todo caso definido outras lesões cutâneas.
como sífilis congênita, considerando os critérios descri-
tos posteriormente, devem ser notificados ao Sistema de 5. Sífilis congênita tardia
Vigilância Epidemiológica.
Os sinais e sintomas surgem a partir dos 2 anos de vida:
E - Caso confirmado tíbia “em lâmina de sabre”, fronte olímpica, nariz “em sela”,
dentes incisivos medianos superiores deformados (dentes
Toda criança com evidência laboratorial do Treponema de Hutchinson), mandíbula curta, arco palatino elevado,
pallidum colhido de lesões, placenta, cordão umbilical ou ceratite intersticial, surdez neurológica e dificuldade no
necrópsia, em exame realizado por meio de técnicas de aprendizado.
campo escuro, imunofluorescência ou outra específica.
A - Métodos diagnósticos
F - Caso presumível
Para confirmar o diagnóstico, realizam-se os mesmos
Toda criança cuja mãe teve sífilis não tratada, ou ina- exames utilizados na sífilis do adulto. Além disso, é impor-
dequadamente tratada durante a gravidez, independente- tante a radiografia de ossos longos (tíbia, fêmur e úmero),
mente da presença de sintomas, sinais e resultados de exa- nos quais há o envolvimento de metáfise causando oste-
mes laboratoriais (é considerado tratamento inadequado ocondrite, osteíte e periostite, e revelando anormalidades
qualquer tratamento penicilínico realizado nos últimos 30 metafisárias patognomônicas da infecção (bandas trans-
dias antes do parto, ou tratamento não penicilínico); ou to- lúcidas). Sugere-se que, em cerca de 4 a 20% dos recém-
das as crianças com teste não treponêmico positivo (como -nascidos assintomáticos infectados, a única alteração seja
VDRL reagente) e 1 das seguintes condições: o achado radiográfico, o que justifica a realização desse
- Evidência de sintomatologia sugestiva de sífilis congê- exame nos casos suspeitos de sífilis congênita. É recomen-
nita ao exame físico; dado LCR a todos os recém-nascidos que se enquadrem na
- Evidência de sífilis congênita ao raio x; definição de caso, pois a conduta terapêutica dependerá da
- Evidência de alterações no líquido cefalorraquidiano: confirmação ou não de neurossífilis. A presença de leuco-
teste para anticorpos, contagem de linfócitos e dosa- citose (mais de 25 leucócitos/mm3) e o elevado conteúdo
gem de proteínas; proteico (mais de 100mg/dL) no LCR de um recém-nascido
- Título de anticorpos não treponêmicos do RN ≥4 vezes suspeito de ser portador de sífilis congênita devem ser con-
o título materno, na ocasião do parto (a ausência do siderados como evidências adicionais para o diagnóstico.
aumento desse título não pode ser usada como evi- Ainda, o diagnóstico poderá ser feito se o VDRL for positivo,
dência contra o diagnóstico de sífilis congênita); independentemente dos demais achados.
- Evidência de elevação de título de anticorpos não tre-
ponêmicos em relação aos títulos anteriores; B - Tratamento
- Positividade para anticorpo da classe IgM contra O diagnóstico nas gestantes implica um tratamento pre-
Treponema pallidum; ou toda criança com teste não coce (se 30 dias antes do parto, é inadequado) e com peni-
treponêmico positivo após o 6º mês, exceto em situ- cilina (casos alérgicos devem tentar a dessensibilização). As
ação de seguimento pós-terapêutico e de sífilis adqui- doses são as mesmas mencionadas no tratamento do adul-
rida; ou todo caso de morte fetal ocorrido após 20 se- to. Se a mãe não tratou a sífilis corretamente, o tratamento
manas de gestação ou com peso maior que 500g, cuja será instituído em caso de alterações clínicas e/ou sorológi-
mãe, portadora de sífilis, não foi tratada ou foi inade- cas e/ou radiológicas, e deverá ser feito com penicilina cris-
quadamente tratada (natimorto sifilítico). talina na dose de 100.000UI/kg/dia, IV, 2 vezes (se menos
de 1 semana de vida) ou 3x/dia (se mais de 1 semana de
A sífilis congênita apresenta, da mesma forma que a ad-
vida), durante 10 dias; ou penicilina G procaína 50.000UI/
quirida, 2 estágios: precoce, quando as manifestações clíni-
kg, IM, por 10 dias; no caso de alteração liquórica, o trata-
cas são diagnosticadas até o 2º ano de vida, e tardia, após
mento deverá ser feito com penicilina G cristalina, na dose
esse período.
de 150.000UI/kg/dia, IV, em 2x/dia (se menos de 1 semana
de vida) ou 3 vezes (se mais de 1 semana de vida), durante
4. Sífilis congênita precoce 14 dias; mesmo se não houver alterações clínicas e de exa-
Sinais e sintomas surgem até os 2 anos de vida, e os mes, proceder ao tratamento com penicilina G benzatina,
principais são baixo peso, rinite sanguinolenta, coriza, obs- IM, na dose única de 50.000UI/kg.
24
DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS
DERMATOLOGIA
terianas crônicas; digerem a queratina, elas são capazes de propagar a in-
fecção na epiderme e em seus anexos. Alguns fatores no
- É importante ter em mente os polos clínicos da hanseníase:
indeterminada, tuberculoide e virchowiana; sangue do hospedeiro protegem contra a infecção: trans-
- As fases de evolução da sífilis podem ser correlacionadas com
ferrina e alfa-2-macroglobulina. A imunidade celular TH1
os achados nos exames laboratoriais. é muito importante no controle dos fungos.
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DERMATOLOG I A
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DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS
DERMATOLOGIA
marcante é a presença de pequenas pápulas e pústulas
2. Doenças por leveduras adjacentes à grande lesão (satélites);
São fungos ovalados que se reproduzem por brotamen- - Dermatite das fraldas: intertrigo devido à oclusão pe-
to. Aqui, são abordadas as candidíases e a pitiríase versi- las fraldas, iniciando uma dermatite por irritação pelas
color. fezes (ricas em C. albicans) e pela urina. Quadro co-
mum tanto em crianças como em idosos;
A - Candidíases - Onicomicose e paroníquia: esta última, inflamação da
Sinonímia: monilíase. Infecções por Candida albicans prega periungueal devido à perda da cutícula, criando
(menos de 10% por outras Candida sp) comumente asso- um espaço morto e úmido (principalmente em donas
ciada a áreas ocluídas e úmidas. de casa que têm contato constante com água) onde
se formam colônias de leveduras. A onicomicose apre-
B - Epidemiologia senta-se da mesma forma que no caso dos dermató-
fitos;
As infecções por cândida são tão comuns que é possí-
vel que, pelo menos, 1 vez na vida, uma pessoa terá um - Quadros sistêmicos: esofagite, ITU e fungemia são en-
acometimento por tal levedura. No entanto, são poucos os contrados em pacientes graves de UTI ou em imunos-
trabalhos epidemiológicos, o que dificulta a elaboração dos suprimidos.
dados em números.
C - Fisiopatologia
Por fazer parte da flora normal de mucosas, nem sem-
pre o encontro simples da C. albicans leva a um diagnósti-
co de infecção; alguns aspectos devem estar presentes: o
encontro de pseudo-hifas (formações invasivas com maior
virulência), a quantificação do número de colônias na cul-
tura e, principalmente, o aspecto clínico com reação infla-
matória local.
Outro aspecto relativo ao hospedeiro seria o estado de
imunossupressão que predisporá à infecção pelo fungo, já
que este pode ser considerado oportunista e, em condições
normais, não é capaz de agredir os tecidos colonizados. Figura 19 - Intertrigo por cândida: descamação e maceração inter-
Entre os fatores predisponentes estão uso de antibióticos digital em mão de dona de casa
(altera a flora bacteriana, diminuindo a competição natu-
ral), diabetes mellitus, uso de anticoncepcionais e gravidez
(por mudanças na mucosa vaginal) e, obviamente, os esta- E - Métodos diagnósticos
dos de imunossupressão.
O exame microscópico direto nem sempre é útil, pois
pode indicar apenas colonização inocente. A cultura é fun-
D - Quadro clínico damental e sempre acompanhada da quantificação do nú-
São várias as manifestações por cândida, e entre as mais mero de colônias, sendo altamente sugestiva quando maior
comuns, estão: que 106 colônias.
27
DERMATOLOG I A
C - Quadro clínico
No local do acidente perfurocortante, surge a lesão ini-
cial, normalmente uma placa eritematoescamosa verruco-
sa ou uma úlcera. Em seguida, surgem linfonodos regionais
em cordão, caracterizando a forma mais comum da doença,
Figura 20 - Lesões maculodescamativas com hipocromia e sinal de que é a cutâneo-linfática; podem ou não fistulizar. Formas
Zileri presente no dorso caracterizando a pitiríase versicolor cutâneas disseminadas e/ou infecções sistêmicas são raras
28
DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS
A - Epidemiologia
A doença é endêmica em algumas áreas tropicais, como
na região Norte do Brasil, e em algumas áreas desérticas.
Trabalhadores rurais estão mais expostos aos organismos
encontrados no solo e plantas contaminadas (por exemplo,
DERMATOLOGIA
trabalhadores do babaçu na Amazônia). Os MMIIs são mais
acometidos, levando a quadros dramáticos semelhantes à
elefantíase.
B - Fisiopatologia
Figura 21 - Esporotricose: placas verrucosas eritematosas com
evolução ascendente no MSE O fungo é inoculado após trauma da pele e se propaga
até o subcutâneo, sem relato de disseminação linfática e/
ou hematogênica. São 4 espécies envolvidas, a 1ª bem mais
D - Métodos diagnósticos comum no Brasil:
A forma clássica cutâneo-linfática é de fácil diagnóstico - Fonsecaea sp;
clínico; só em casos de lesões únicas, caracterizando uma - Cladosporium sp;
forma cutânea localizada, são necessários exames. - Rhinocladiela sp;
A cultura é o padrão-ouro, sendo um fungo de rápido - Phialophora sp.
crescimento (resultado em 3 dias) e que cresce em tempe-
ratura ambiente a 25°C ou temperatura corporal de 37°C C - Quadro clínico
(fungo dimórfico). É um dos poucos fungos em que o exame Após o trauma, surge na pele uma pápula que evolui para
micológico direto com KOH não ajuda. O exame anatomo- nódulo e posteriormente para placa verrucosa, que em anos
patológico também leva ao diagnóstico por visualização dos pode assumir notáveis proporções, comprometendo todo o
fungos nos tecidos corados pela prata ou PAS, sendo apre- membro afetado. Nessas placas, aparecem pequenos pontos
sentados em formas afiladas semelhantes a charutos. negros (black dots) que representam um aglomerado de fun-
A diagnose diferencial é feita com lesões ulceradas iso- gos demáceos. Não há sinais e sintomas sistêmicos. Lesões
ladas como paracoccidioidomicose, histoplasmose, leish- em placas psoriasiformes já foram descritas.
maniose e tuberculose. Essas mesmas doenças entram no
diferencial se a lesão é verrucosa, no entanto, nenhuma D - Métodos diagnósticos
delas evolui com o cordão linfático adjacente. Nos casos de O exame micológico direto em KOH 10% (de raspado da
lesões isoladas, somente por intermédio dos métodos diag- lesão) é o meio mais simples de chegar ao diagnóstico. A
nósticos citados se conclui o caso. cultura permite determinar a espécie envolvida para fins
acadêmicos, já que não influencia o tratamento. Em casos
E - Tratamento duvidosos, só se conclui a etiologia após a biópsia para exa-
É uma das poucas doenças em que há boa resposta me anatomopatológico.
com uma medicação simples e barata – o iodeto de po- O diagnóstico diferencial se faz com a síndrome verrucosa
tássio, o qual deve ser administrado até a cura completa PLECT (acrônimo de Paracoccidioidomicose, Leishmaniose,
da lesão, o que pode levar entre 4 e 6 semanas. Outros Esporotricose, Cromomicose e Tuberculose).
imidazólicos, como itraconazol e fluconazol, podem ser
empregados. E - Tratamento
Tabela 13 - Regra mnemônica de lesões verrucosas e/ou úlceras Trata-se de uma das dermatoses de resolução mais difí-
cil, e muitos pacientes são ditos incuráveis, aspecto compa-
P Paracoccidioidomicose.
rável a um quadro neoplásico infiltrativo. Deve-se tentar em
L Leishmaniose. casos iniciais, quando ainda é possível, a remoção completa
29
DERMATOLOG I A
da lesão por meio de cirurgia dermatológica. Nos casos em tendem a aparecer em doentes com predomínio da
que já há disseminação extensa, são necessários métodos resposta humoral TH2. As manifestações mais fre-
combinados, como criocirurgia com nitrogênio líquido jun- quentes são:
tamente com antifúngicos sistêmicos (o itraconazol é o de • Pulmões: quadros que mimetizam pneumonias atí-
escolha). Esse esquema acaba sendo usado por anos, e os picas e tuberculose, podendo ter qualquer padrão
pacientes dificilmente têm alta, havendo somente um con- radiológico (classicamente, sempre é citado o pa-
trole do quadro. drão “asa de borboleta”);
• Cutâneo-mucosa: erosões com pontilhados hemor-
3. Paracoccidioidomicose rágicos na mucosa oral conhecida como estomatite
moriforme (lesões avermelhadas lembram amoras).
Sinonímia: blastomicose sul-americana. Infecção sistê-
Na pele, as lesões têm aspecto variável, havendo
mica com várias facetas, podendo atingir a pele e outros
pápulas, nódulos e úlceras com ou sem crostas he-
órgãos internos e tendo como agente causador o fungo di-
morrágicas;
mórfico Paracoccidioidis brasiliensis.
• Ganglionar: adenomegalias duras e dolorosas que
A - Epidemiologia podem ulcerar e fistulizar. A região cervical é a mais
frequente. Quadros intra-abdominais, quando da
É uma doença de zona rural endêmica de alguns países infecção intestinal pelo paracoco, levam a gran-
da América do Sul (ainda não descrita no Chile) em que o des massas tumorais que mimetizam o linfoma de
fungo pode ser isolado a partir de matéria orgânica de solos Hodgkin;
contaminados. A infecção é mais comum em jovens e adul- • Visceral: acomete os ossos levando a lesões oste-
tos na faixa etária de 20 a 40 anos. Há grande predominân- olíticas. O acometimento das glândulas suprarre-
cia no sexo masculino, pois parece que os hormônios estro- nais leva à síndrome de Addison. Lesões intestinais
gênicos conferem uma proteção às mulheres, impedindo o promovem diarreias crônicas e dores abdominais.
desenvolvimento do fungo; a proporção encontrada em in- O envolvimento do sistema nervoso é possível na
quéritos epidemiológicos é de 9 homens para cada mulher. forma de meningoencefalites ou lesões tumorais
cerebrais.
B - Fisiopatologia
A porta de entrada mais comum é a via inalatória, em Portanto, resumidamente, deve-se pensar em paracoc-
que se inicia um foco pulmonar e, a partir daí, se multiplica cidioidomicose quando um paciente apresenta quadro pul-
e se dissemina para os linfonodos regionais, e posterior- monar associado a lesões de mucosa e de pele.
mente, por via hematogênica, para os demais órgãos; há
relatos de inoculação pela mucosa orofaríngea e direta- D - Métodos diagnósticos
mente na pele, mas tais casos são menos frequentes. Esse
O exame micológico direto pode ser realizado na secre-
1º contato com o fungo caracteriza a paracoccidioidomico-
ção purulenta ou raspado da lesão, sendo visualizadas es-
se-infecção (Pb-micose infecção); se o paciente desenvolve
truturas ovaladas leveduriformes que podem ter brotamen-
uma resposta TH1 eficaz, ela pode ser controlada. Então, os
to simples ou múltiplo, levando ao aspecto característico de
pacientes tornam-se assintomáticos, mas há o teste imu-
roda de leme. Essas mesmas estruturas podem ser encon-
nológico da paracoccidioidina positivo (semelhante ao PPD
tradas no exame anatomopatológico da biópsia lesional.
na tuberculose). Ao evoluir para a doença, há 2 possíveis
Por ser fungo dimórfico, quando em cultura, cresce tanto
quadros: Pb-micose juvenil (aguda/subaguda) e Pb-micose
à temperatura ambiente de 25°C (forma miceliana) como a
adulto (crônica).
37°C (colônia leveduriforme). Anticorpos no sangue podem
ser titulados pela contraimunoeletroforese, tendo papel
C - Quadro clínico importante também no seguimento dos doentes durante o
Duas formas de paracoccidioidomicose são conhecidas: tratamento (os títulos tendem a cair). Exames de biologia
- Paracoccidioidomicose juvenil: quadro sistêmico su- molecular podem encontrar proteína GP43 da superfície do
bagudo com hepatoesplenomegalia e adenomegalia fungo.
generalizada, além de febre, queda do estado geral e A diagnose diferencial dependerá da forma apresentada:
emagrecimento. - Pb-micose juvenil: linfomas, tuberculose, leishmanio-
- Paracoccidioidomicose adulto: evolução crônica da se visceral;
infecção que pode ser unifocal (apenas 1 órgão aco- - Pb-micose adulto: lesões mucosas podem surgir na
metido, sendo a forma pulmonar a mais frequente) ou leishmaniose tegumentar americana, tuberculose e
multifocal, acometendo, simultaneamente, pulmão, sífilis; lesões simulando carcinomas espinocelulares
linfonodos, pele, mucosas e outros órgãos (suprarre- também foram descritas; as lesões da pele podem ser
nais, ossos, próstata etc.). Os quadros disseminados diferenciadas da leishmaniose tegumentar, da esporo-
30
DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS
DERMATOLOGIA
de 18 a 24 meses, até a total cicatrização das lesões; A - Epidemiologia
- Itraconazol: da classe dos imidazólicos, que vieram É uma doença que pode ser considerada de caráter zoo-
revolucionar o tratamento das micoses em geral; veio
fílico (animais domésticos e selvagens), e o homem acaba
em substituição ao uso do cetoconazol, que apesar de
sendo infectado acidentalmente. Não há contágio inter-hu-
eficaz provocava muita hepatotoxicidade quando em
mano (exceto por transfusão sanguínea). A infecção envol-
uso prolongado. A dose de itraconazol é de 200mg/dia
ve a participação de um mosquito vetor cujo habitat natural
por 12 a 24 meses, sendo considerado o tratamento
é a floresta, por isso, com o avanço do desmatamento, hou-
padrão-ouro;
ve um aumento da incidência da leishmaniose tegumentar
- Anfotericina: droga de 1ª linha para os casos graves americana. Há também associação à ocupação desordena-
com disseminação, em regime hospitalar; também é da nas periferias próxima a encostas e áreas de mata nativa.
indicada aos casos de hepatopatias em que são con- Pode ser encontrada em todos os estados da Federação, e
traindicados os imidazólicos. A administração é com- as menores incidências estão nas regiões Sul e Sudeste. O
plexa e requer supervisão devido ao risco de reações período de incubação pode variar de semanas a anos (mé-
graves. Alterações eletrocardiográficas (a maioria pela dia de 2 meses).
hipopotassemia devido à ação renal da droga) e hema-
tológicas são esperadas. As contraindicações absolutas B - Fisiopatologia
são nefropatia e cardiopatia grave.
A Leishmania é transmitida pela picada do mosqui-
Tabela 14 - Doenças fúngicas to vetor (os gêneros mais encontrados são Lutzomyia e
- As doenças fúngicas são classificadas em micoses superficiais Plebothomus) que normalmente adquire o protozoário ao
e profundas; picar hospedeiros intermediários (animais domésticos ou
- As micoses superficiais mais relevantes são as dermatofitoses, selvagens) e posteriormente os humanos suscetíveis. No
pois são as mais frequentes na prática clínica; 1º caso, os protozoários estão na forma amastigota e so-
- As candidoses frequentemente acometem indivíduos com al- frem transformação para a promastigota (com flagelos para
guma predisposição, sendo na normalidade apenas parte da locomoção) no interior dos mosquitos vetores. Esta última
flora mucocutânea; é a forma transmitida ao homem, mas em seguida volta à
- As micoses profundas fazem diferencial com lesões ulceradas amastigota, fechando o ciclo da transmissão.
ou lesões verrucosas e muitas vezes tornam-se crônicas/recidi- Como em outras doenças, a participação do sistema
vantes mesmo após os tratamentos preconizados. imunológico interfere na apresentação clínica, pois pa-
cientes com resposta TH1 bem elaborada desenvolvem le-
VI. Doenças protozoárias e parasitárias sões cutâneas localizadas, enquanto aqueles com resposta
Os protozoários são seres unicelulares com membrana TH2 apresentam quadros mais disseminados cutâneos e
nuclear organizada (eucariontes) com diferentes organis- mucocutâneos (bem como as formas sistêmicas conheci-
mos incluídos nesse grupo. Podem-se citar, por exemplo, as das como Kala-azar). Não há relatos de desenvolvimento
Leishmanias sp. de imunidade cruzada entre as espécies de Leishmania.
Para facilitar a didática, englobam-se nesse subgrupo,
também, as doenças provocadas por parasitas que são se-
C - Quadro clínico
res mais desenvolvidos como os ácaros que causam a esca- A apresentação clínica depende tanto da espécie envol-
biose e a pediculose. vida como da resposta imunológica.
31
DERMATOLOG I A
32
DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS
- Sorologias: com métodos de imunofluorescência indi- 7 dias. Pacientes com baixa imunidade, como na AIDS, po-
reta ou ELISA, podem ser encontrados anticorpos para dem desenvolver formas exuberantes ditas de sarna crostosa
Leishmania, sendo a positividade maior nos pacientes norueguesa. O prurido intenso parece estar relacionado a
com uma resposta tipo TH2 com predomínio humo- uma resposta imunológica contra o parasita e pode persistir
ral ante ao celular (formas disseminadas e viscerais). por dias, mesmo após o sucesso no tratamento.
Podem ocorrer falsos positivos em indivíduos com do-
ença de Chagas. A dosagem dos títulos também pode C - Quadro clínico
ser útil para acompanhar o tratamento, e deve ocorrer a A condição sine qua non é a presença do prurido, que
diminuição destes nos primeiros meses de tratamento. é constante, mas piora muito à noite, com o aumento da
Para pacientes com sinais de leishmaniose visceral gra- temperatura corporal e da atividade do parasita.
ve, deve-se realizar o aspirado de medula óssea para o diag- Na forma clássica do adulto, surgem pápulas eritema-
nóstico parasitológico. tosas em algumas áreas-chave: axilas, inframamárias, in-
O diagnóstico diferencial se dá com úlceras cutâneas guinais e genitais. O encontro de uma lesão linear pode
(úlcera tropical, ectima, pioderma gangrenoso, úlceras ve- ser patognomônico, pois representa o túnel escavado pelo
nosas e arteriais e carcinoma espinocelular). parasita (que muitas vezes pode ser visualizado numa das
DERMATOLOGIA
As formas vegetantes fazem diferencial com PLECT (pa- extremidades). A face é sempre poupada.
racoccidioidomicose, esporotricose, tuberculose e cromo- Nas crianças menores de 1 ano, deve-se acrescentar o pos-
micose). sível acometimento do couro cabeludo e de espaços interdigi-
As lesões mucosas são diferenciadas do granuloma letal tais e regiões palmoplantares. Nos idosos, o prurido pode ser a
da linha média, um tipo de linfoma, e da Pb-micose. única manifestação, e o diagnóstico passa a ser difícil.
A sarna crostosa norueguesa manifesta-se com placas
E - Tratamento verrucosas ceratósicas em extremidades e dobras nas quais
podem ser encontrados milhões de parasitas, por isso a for-
A droga de escolha é o Glucantime® (N-Metil gluca- ma mais contagiosa.
mina), um antimonial pentavalente. A dose varia de 15 a
20mg/kg/dia, por via intramuscular ou intravenosa, sendo
o tratamento inicial por 20 dias. Os principais efeitos cola-
terais são cardíacos e renais, e é necessário o controle peri-
ódico com eletrocardiograma e função renal.
Casos resistentes são tratados com anfotericina B e pen-
tamidina.
2. Escabiose
Sinonímia: sarna. Infestação cutânea pelo ácaro
Sarcoptes scabiei, intensamente pruriginosa e altamente
contagiosa.
A - Epidemiologia
Figura 24 - Escabiose: forma comum com pápulas eritematosas
A doença é universal e acomete ambos os sexos, e popu- isoladas e pruriginosas no abdome
lações aglomeradas são mais atingidas. Não há relação com
má higiene, mas naqueles em que ela é adequada o quadro
é mais discreto (“sarna de pessoas limpas”). A variedade
do S. scabiei é a homini, já que outros animais domésticos
também podem apresentar a sarna. O contágio se dá pelo
contato inter-humano, e quase sempre há relatos de fami-
liares acometidos. A transmissão por fômites contaminados
também é possível.
B - Fisiopatologia
A variedade homini é exclusivamente dependente da
pele humana, onde faz túneis para a deposição de ovos no
extrato córneo. Eles costumam eclodir cerca de 10 a 14 dias
depois, o que é um dado relevante para o tratamento. Fora
da pele humana, o parasita sobrevive por aproximadamente
33
DERMATOLOG I A
B - Fisiopatologia
Na pediculose do couro cabeludo e na pubiana, o pa-
Figura 25 - Escabiose: forma da sarna crostosa norueguesa em do- rasita se instala no pelo, enquanto na forma do corpo ele
ente imunossuprimido permanece nas roupas que não são higienizadas. O inseto
vive da sucção do sangue humano.
D - Métodos diagnósticos
O diagnóstico é clínico e, na maioria dos casos, duvi- C - Quadro clínico
doso. Faz-se o tratamento empírico para confirmá-lo. Em As 3 formas diferem em vários aspectos:
alguns casos, pode-se encontrar o parasita com a escarifica-
ção da lesão e análise em microscopia. Não existem méto-
- Pediculose do couro cabeludo: cursa com intenso pru-
dos de diagnose laboratoriais. rido e pode acometer os cílios e a sobrancelha. Para o
O diagnóstico diferencial se dá com farmacodermias, diagnóstico, devem-se visualizar diretamente o para-
prurido na pele asteatósica, dermatite atópica e dermatite sita e/ou suas lêndeas aderidas à haste dos pelos. A
de contato. ajuda de pentes finos pode ser providencial. A trans-
missão inter-humana é frequente, principalmente en-
E - Tratamento tre as crianças. Escoriações com infecção secundária e
adenopatia cervical são comuns;
Pode ser feito com medicações tópicas como a perme-
trina (mais eficaz, é a 1ª linha) e o monossulfiram. Nesses - Pediculose do corpo: cursa com prurido e escoriações
casos, as medicações são aplicadas à noite, permanecendo no corpo, mas os parasitas são encontrados nas roupas
por 12 horas. São feitos 2 ciclos de 5 dias, reservando um de cama (como acampamentos militares) e nas pesso-
espaço entre eles para tratamento dos ovos que eclodem ais (indigentes). Pode levar à transmissão do tifo e da
posteriormente. Os fômites e roupas pessoais e de enxoval febre das trincheiras. No exame dermatológico, só são
devem ser higienizados e/ou trocados diariamente. Os con- encontrados pequenos pontos hemorrágicos no local
tatos pessoais também merecem tratamento para controle das picadas dos insetos. Devem-se tratar apenas as
da infestação. O prurido pode persistir após o tratamento, roupas;
e são indicados anti-histamínicos como o hidroxizina para - Pediculose pubiana: DST comum em adolescentes
a sua melhora. Casos mais resistentes e disseminados po- e adultos jovens, cujo principal achado é o prurido.
dem receber a ivermectina, VO, de acordo com o peso, Poucos sinais cutâneos estão presentes, como as es-
200μg/kg/dose (normalmente, 12mg/dia para um adulto). coriações locais, no entanto uma lesão característica é
Crianças menores de 5 anos não devem receber ivermecti- a mácula cerúlea, sendo uma mancha pálida no local
na, e gestantes e recém-nascidos devem ser tratados com da picada que surge pela ação de anticoagulantes da
enxofre em pasta d’água durante 5 dias. saliva do inseto. A demonstração das lêndeas e/ou dos
ácaros leva ao diagnóstico de certeza. Presença do pa-
3. Pediculose rasita em regiões como sobrancelhas e cílios de crian-
Sinonímia: piolhos. Infestação pruriginosa por um ácaro ças pode ser indício de violência sexual.
com 3 variedades, altamente contagiosa.
D - Métodos diagnósticos
A - Epidemiologia Não há exames laboratoriais para auxílio no diagnósti-
Há 3 formas diferentes de pediculose: co das 3 formas de pediculose. Os pacientes normalmente
- Pediculose do couro cabeludo: causada pelo Pediculus vêm com a queixa de prurido, mas a maioria já vem com o
humanus var. capitis, é a mais comum das 3, originan- diagnóstico pronto, solicitando unicamente a indicação do
do frequentes epidemias em escolas e creches; tratamento.
34
DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS
DERMATOLOGIA
A - Epidemiologia fácil a compressão da lesão.
A ocorrência é maior em áreas rurais e em localidades Tabela 16 - Diferencial das miíases
periféricas com más condições sanitárias. Pode ocorrer em Característica Miíase primária Miíase secundária
qualquer idade, mas crianças estão mais expostas. Não há
Mosquito vetor Participa Não participa
predileção racial ou sexual.
Localização Qualquer área exposta Lesão aberta prévia
B - Fisiopatologia Tipo lesão Furunculoide Ulcerosa
Tratamento Extração/remoção Catação simples
O mecanismo de transmissão é diferente nas 2 formas:
- Miíase primária: os ovos não são depositados direta-
mente na pele do hospedeiro, mas em outras moscas 5. Tungíase
e mosquitos vetores. Só após o contato com esses
É uma infecção superficial causada por um inseto (pul-
atravessadores o indivíduo é parasitado pela larva (pa-
ga) que tem certa morbidade em virtude de lesões doloro-
rasita obrigatório). A mosca envolvida nesse tipo é a
sas na região plantar.
Dermatobia hominis;
- Miíase secundária: os ovos são depositados pelas mos- A - Epidemiologia
cas em áreas de necrose tecidual (ferimentos abertos)
em que há maior facilidade para parasitismo (parasita É endêmica em certas regiões da Ásia, América Central
ocasional). As espécies relacionadas a essa forma são e continente sul-americano. Trabalhadores rurais que não
Cochliomyia macellaria (mosca varejeira) e Lucilia sp. usam calçados estão mais expostos.
35
DERMATOLOG I A
D - Métodos diagnósticos
O diagnóstico é clínico e não necessita de exame labo-
ratorial. Alguns nódulos são retirados sem haver a suspeita
e enviados para exame anatomopatológico, quando há a
confirmação da infestação. A dermatoscopia é um método
simples e rápido que pode aumentar a acurácia diagnóstica.
Os principais diagnósticos diferenciais são feitos com as
verrugas plantares e com calosidades puntadas.
E - Tratamento
Consiste na destruição do nódulo com a morte do inseto
e pode ser realizado com crioterapia, eletrocoagulação ou
curetagem simples e cauterização química.
Tabela 17 - Doenças protozoárias e parasitárias
- As doenças protozoárias podem ser provocadas por parasitas
intracelulares (leishmaniose) ou externos (escabiose, pedicu-
lose);
- A apresentação clínica da leishmaniose também depende da
resposta imunológica;
- A escabiose é uma doença universal, porém em pessoas com
boa higiene o quadro pode ser discreto;
- A pediculose é causada por diferentes agentes de acordo com a
região afetada: couro cabeludo, pubiana e corporal;
- As miíases devem ser classificadas em primárias e secundárias.
36
CAPÍTULO
3
Doenças eczematosas
Alexandre Evaristo Zeni Rodrigues
1. Introdução b) Fisiopatologia
O agente irritativo pode ser classificado, em absoluto,
O termo “eczema” é usado pra englobar doenças hete-
como um forte ácido ou cáustico, que com apenas um único
rogêneas que se manifestam com um padrão de reação da
contato pode provocar uma dermatite intensa. Já os agen-
pele caracterizado por uma inflamação cutânea superficial,
tes irritativos relativos são menos potentes, e necessitam
que pode ter evolução aguda, subaguda ou crônica. Outro
de exposições graduais e repetidas para levarem ao quadro
termo utilizado é dermatite, e ambos, sendo genéricos,
de eczema. Além disso, fatores do organismo também po-
necessitam de um aprofundamento para se chegar à cau-
dem ser implicados, pois nas situações em que a barreira
sa (pode-se comparar à anemia, que é um termo genérico
cutânea é mais fraca (como, por exemplo, em pacientes
de um estado hematológico, mas que, com a investigação,
com pele ressecada que têm uma menor camada do manto
chega-se a uma causa específica).
lipídico protetor), pode haver maior propensão para o ecze-
Os principais eczemas são: de contato, atópico, sebor-
ma de contato por irritante primário. Não há participação
reico e numular; todos serão abordados individualmente.
do sistema imunológico no sentido alérgico.
37
DERMATOLOG I A
se realizado, deve ser negativo. Em alguns casos, a biópsia de lazer. Devido a isso, uma história muito bem detalhada é
para exame anatomopatológico precisa ser realizada para importante para identificar o agente causador.
diferenciar-se de quadros como a psoríase palmoplantar. Numa fase aguda surgem placas eritematosas e edema-
O principal diagnóstico diferencial é com o eczema de tosas, às vezes com bolhas e exsudação. Com a evolução,
contato alérgico, e muitas vezes isso só é possível com a as lesões tornam-se subagudas com eritema, descamação
ajuda do teste de contato (patch test). e crostas. No último estágio de eczema crônico, surge o es-
e) Tratamento pessamento chamado liquenificação, às vezes com fissuras.
Inicialmente, deve-se controlar a inflamação com uso O tempo de surgimento não é imediato, como nos casos
de corticoides; estes são administrados sistemicamente nos dos irritantes absolutos, podendo levar de 1 a 2 dias para
casos mais graves e tipicamente nos casos menos exuberan- início dos sinais e sintomas.
tes. Anti-histamínicos podem ser usados para alívio do pru- Uma diferença para o eczema irritativo é que as lesões
rido. A exsudação pode ser amenizada com compressas de podem aparecer em locais à distância de onde ocorreu o con-
permanganato de potássio. Após o controle da inflamação, tato e as primeiras manifestações, pois, no eczema alérgico,
é necessário restaurar a barreira cutânea com uso de emo- há disseminação do quadro com a sensibilização do sistema
lientes/hidratantes. As luvas também devem estar presen- imunológico. Pacientes sensibilizados estão sujeitos ao apa-
tes nas atividades laborativas, mesmo sendo nas atividades recimento de casos graves de eritrodermia. Entre os sinto-
do lar, contrariando a vontade da maioria das donas de casa
mas, o prurido é bem mais feroz que nos outros eczemas.
que relutam em usá-las.
38
D O E N Ç A S E C Z E M AT O S A S
e) Tratamento
As medidas iniciais são as mesmas de todos os eczemas,
e visam ao controle da inflamação com uso de corticoides;
esses são administrados sistemicamente quando há indí-
cios de sensibilização e podem ser continuados topicamen-
te com a melhora. A mais utilizada é prednisona na dose
de 1mg/kg e desmame posterior; topicamente, pode-se
usar betametasona ou outro fármaco de alta potência. Os
anti-histamínicos são empregados no controle do prurido.
A medida mais importante seria descobrir o agente aler-
gênico e evitar o contato direto com a pele; isso pode ser
Figura 3 - Eczema crônico: eritema, descamação e liquenificação possível pela anamnese, mas muitas vezes somente após o
teste de contato.
d) Métodos diagnósticos
Tabela 2 - Diferenças de eczema alérgico x irritante primário
Na maioria dos casos, só se chega ao agente implicado
DERMATOLOGIA
com a ajuda do teste de contato (patch test). Por intermé- Características Alérgico Irritante primário
dio dele, determina-se a qual substância que o paciente está Respeita áreas de contato Não Sim
sensibilizado e, a partir daí, pela história clínica, faz-se a cor- Requer exposição prévia Sim Não
relação com o produto que pode estar sendo utilizado; por Surgimento imediato Não Sim
exemplo, um paciente que tenha uma positividade no teste Envolvimento Langerhans Sim Não
de contato para a neomicina e que vinha usando uma poma-
da para tratamento de uma úlcera varicosa. Entre os agentes
mais implicados nas dermatites de contato alérgicas, estão:
3. Eczema atópico
- Níquel: é o principal de todos, sendo encontrado na Também chamado de dermatite atópica, é uma doença
liga de diversos materiais metálicos (relógios, bijute- multifatorial (genética, ambiental, social e emocional) ca-
rias, cintos etc.); racterizada por prurido marcante, além de outros achados
- Neomicina: antibiótico usado em diversas pomadas; clínicos típicos.
- Dicromato de potássio: encontrado em cimento/cons-
trução civil; A - Epidemiologia
- Formaldeído e parabeno: conservantes de diversos Habitualmente, inicia-se na infância, sendo na maioria
cosméticos; após o 4º ou o 5º mês (95% dos casos têm início antes dos 5
- Parafenilenodiamina: tinturas de cabelo. anos de idade). Pode prevalecer em qualquer idade, já que
20% dos que iniciaram na infância ainda persistem com a
Tabela 1 - Teste de contato doença quando jovens, adultos e até mesmo idosos. Muitos
Produto alergê- Positividade do teste pacientes têm história pessoal e/ou familiar de hipersensi-
Ocupação
nico cutâneo bilidade tipo I (rinite, asma, urticária etc.). Vem ocorrendo
Construção civil Cimento Dicromato de K+ aumento da incidência nos últimos anos, principalmente
Aceleradores em países de 1º mundo (a prevalência da dermatite atópica
Borracheiros Carba mix é menor nas classes sociais mais baixas – talvez pela menor
borracha
Profissionais de preocupação com a higiene). Não há preferência por sexo
Desinfetantes Formaldeído ou raça. A morbidade causada pelo prurido é motivo de in-
saúde
Profissionais de capacidade para o trabalho de escola.
Cosméticos Bálsamo-do-Peru
estética
Indústria siderúr-
B - Fisiopatologia
Óleos de corte Próprio óleo
gica Como já dito, é uma doença multifatorial. Entre os as-
Indústria têxtil Corantes Parafenilenodiamina pectos envolvidos estão:
Cabeleireiros Alisantes Tioglicolato de amônia - Imunológica: há um desbalanço com predomínio da
atividade TH2 nos linfócitos, cursando com aumento
Novamente, o diagnóstico diferencial se faz com a der- de algumas interleucinas como IL-4 e IL-5. Muitos tam-
matite de contato por irritante primário, sendo as diferen- bém possuem hipersensibilidade tipo I, exibindo um
ças discutidas na parte clínica apresentada anteriormente. aumento sérico de IgE;
Psoríase, tinhas e farmacodermias também entram como - Constitucional: pacientes apresentam a pele xerótica
diferencial; sendo muitas vezes necessário o exame anato- (seca) devido a defeitos na produção de lípides cutâ-
mopatológico. neos (ceramidas), que possuem importante papel na
39
DERMATOLOG I A
função protetora de barreira. Também foram descritas minada por herpes provocando lesões vesicocrostosas por
alterações de proteínas do cimento intercelular como toda a pele, além de manifestações sistêmicas semelhantes
a filagrina; à sepse. Infecções fúngicas simples e virais, como verrugas
- Ambiental: uma menor exposição a alérgenos na in- e molusco contagioso, são mais comuns nos atópicos.
fância pode aumentar, paradoxalmente, a incidência
Tabela 3 - Critérios de dermatite atópica
da dermatite atópica; isso ocorre quando há excessi-
Maiores (sempre presentes)
vos cuidados de higiene, fato mais comum entre os
indivíduos de classes sociais mais altas; - Prurido;
- Genética: muitas das alterações já citadas provêm de - Quadro crônico recorrente;
alterações genéticas; e uma criança cujos pais pos- - Lesões eczematosas típicas (crianças nas faces extensoras e
suem antecedentes de rinite, asma e a dermatite pro- adultos nas dobras).
priamente dita, tem 50% de chance de desenvolver a Menores (2 ou mais)
doença; - História pessoal ou familiar de atopia;
- Infecciosa: alguns autores acreditam que a coloniza- - Dermografismo branco;
ção por S. aureus (que nos atópicos é maior) possa fun- - Prick test positivo ou IgE positivo;
cionar como um superantígeno levando à inflamação - Cataratas anteriores subcapsulares;
crônica e recorrente.
- Ceratocone;
40
D O E N Ç A S E C Z E M AT O S A S
DERMATOLOGIA
pode ser subestimado, pois muitos pacientes, com casos le-
pruriginosa, mas se caracteriza por lesões papulosas, ves, não procuram o atendimento médico (alguns estimam
principalmente nos espaços interdigitais. A psoríase números ao redor de 20%). Uma incidência maior é vista em
e a dermatite de contato são raras nas crianças, mas pacientes com HIV e doenças neurológicas, como a doença
podem entrar no diferencial; de Parkinson, sendo que nestes as manifestações são mais
- Adultos: a dermatite de contato é o principal diferen- intensas. A prevalência nos homens é levemente maior por
cial. Eczema numular também é semelhante a placas provável influência hormonal. Pode acometer qualquer faixa
de dermatite atópica com infecção secundária. Na etária, com pico maior em adultos jovens (4ª década).
tinha do corpo, as lesões são assimétricas e com bor-
das elevadas, mas alguns casos tratados com corticoi- B - Fisiopatologia
des podem espalhar, simulando atopia. Doença de causa desconhecida que parece estar corre-
lacionada a um estado de hipersensibilidade à presença de
E - Tratamento leveduras comensais da espécie Malassezia furfur (antes
A maioria dos pacientes com dermatite atópica obtém conhecida como Pytirisporum ovale). Esse fungo possui en-
o controle do quadro somente com medicações tópicas. A zimas que hidrolisam os ácidos graxos que se tornam irrita-
base do tratamento consiste no uso de hidratantes para re- tivos levando à dermatite. Não há aumento anormal da pro-
por a barreira cutânea e de corticosteroides tópicos para dução de sebo, nem tampouco alteração qualitativa deste.
controle do quadro inflamatório. Os anti-histamínicos são C - Quadro clínico
usados com relativa frequência, visando à melhora do pru-
rido e da hipersensibilidade por IgE. Em algumas ocasiões A dermatite seborreica se apresenta diferentemente em
é necessário o uso de antibióticos para tratar infecções 2 grupos:
secundárias, e esses preferencialmente são administradas - Recém-nascidos: logo nos primeiros meses, devido à
por via oral, diminuindo a chance de sensibilização da pele. ação de hormônios andrógenos maternos, apresen-
Recentemente foram desenvolvidos imunomoduladores tó- tam áreas de eritema e descamação na face, dobras e
picos como pimecrolimo e tacrolimo, que apresentam ação área das fraldas; no couro cabeludo surgem escamas
comparável à dos corticoides, mas sem os efeitos colaterais. graxentas amareladas e aderidas;
Somente os casos graves e resistentes são tratados com - Adultos: além de eritema e descamação no couro
imunossupressores (ciclosporina e metotrexate) ou PUVA cabeludo, podem surgir as mesmas lesões em outras
(banhos de luz ultravioleta). Corticoides sistêmicos são qua- regiões ricas em glândulas sebáceas como centro da
se proibidos, sendo utilizados naqueles pacientes interna- face, região frontal, região esternal e dorso; às vezes,
dos que evoluíram com uma piora recente, e mesmo assim as lesões possuem contornos bem definidos, sendo
por, no máximo, 7 dias. chamadas de figurada. Os sintomas mais comuns são
A erupção variceliforme de Kaposi deve ser tratada em o prurido e ardor. Quadros extensos e intensos podem
regime hospitalar com uso de aciclovir, iniciando por via in- estar associados ao HIV. Em idosos, é uma das prin-
travenosa e com a melhora passando o tratamento por via cipais causas de eritrodermia. Blefarite pode ser uma
oral. manifestação da doença. A evolução é sempre crônica
Medidas habituais como banhos mornos, roupas de al- e recorrente, podendo haver piora no inverno e ser de-
godão e controle ambiental da poeira podem ajudar. Dieta sencadeada por fatores emocionais.
41
DERMATOLOG I A
E - Tratamento
Raramente é necessária terapia sistêmica. Somente nos
casos de eritrodermia há necessidade de uso, sendo a pred-
nisona a 1ª escolha. Cetoconazol via oral também pode ser
usado em alguns casos.
A maior parte dos doentes possui boa resposta ao uso
de loções e xampus com princípios ativos como corticoides
de baixa potência, a hidrocortisona e/ou antifúngicos como
o cetoconazol e a ciclopirox olamina. Os imunomodulado-
res tópicos (tacrolimo e pimecrolimo) são uma boa opção
para evitar os efeitos colaterais dos corticoides.
A - Epidemiologia
Baixa frequência na população geral, com alguns estu-
dos mostrando prevalência de 0,2%. Há maior incidência
nos pacientes atópicos. Não há predileção racial. Levemente
mais comum em homens, geralmente em idosos, principal-
mente naqueles entre a 7ª e a 8ª décadas. É rara em crian-
ças (se ocorre, é atribuída à atopia).
B - Fisiopatologia
Figura 8 - Dermatite seborreica: placas mal delimitadas na região Doença de causa desconhecida que tem forte associa-
perinasal com eritema e descamação ção com a xerose cutânea, havendo, assim, um mecanis-
mo de quebra de barreira que permite a ação de bactérias
(principalmente S. aureus) e também uma maior incidência
D - Métodos diagnósticos
de dermatite de contato (tanto irritativa como alérgica).
O diagnóstico é puramente clínico, não sendo difícil nos A participação de mastócitos e de neuropeptídios (subs-
quadros clássicos; às vezes o exame anatomopatológico tância P) também é constatada, explicando, com isso, o in-
é preciso para melhor elucidação. Em recém-nascidos, o tenso prurido na lesão.
42
D O E N Ç A S E C Z E M AT O S A S
DERMATOLOGIA
pode se manifestar com quadro disidrótico, sendo os me-
tais como níquel e cobalto os mais implicados.
Reações a antígenos microbianos, como os de fungos e
bactérias, também poderiam levar ao processo eczemato-
so, como ocorre nas mícides. Fatores emocionais que impli-
cam numa liberação de substâncias neuromoduladoras são
muito citados com a piora dos pacientes.
Tabela 4 - Alérgenos na disidrose
- Metais;
- Cosméticos;
- Medicações;
Figura 9 - Eczema numular: placa circular eritematocrostosa isola- - Níquel;
da no dorso do pé
- Bálsamo-de-Peru;
- Neomicina.
D - Métodos diagnósticos
C - Quadro clínico
O diagnóstico é feito pelo aspecto clínico e não há ne-
nhum exame que possa acrescentar uma certeza maior. O A disidrose é caracterizada pela erupção de pequenas
exame anatomopatológico é o mesmo de todos os eczemas. vesículas nas laterais dos dedos das mãos e, às vezes, dos
No diagnóstico diferencial, se houver um pequeno nú- pés, que podem confluir e disseminar para toda a região
mero de lesões, ele pode ser confundido com impetigo (não palmoplantar. O prurido pode ser intenso. Com a resolução
pruriginoso) ou com a tinha do corpo (exame micológico das bolhas, surge a descamação. Infecções secundárias le-
positivo). Lesões em grande número lembram a psoríase e vam a uma piora do eritema e surgimento de pústulas.
parapsoríase (diferenciadas pelo exame anatomopatológico)
e outras causas de dermatite, como a dermatite de contato D - Métodos diagnósticos
(teste de contato positivo) ou a dermatite atópica (outros es- O diagnóstico é feito clinicamente e os exames são dire-
tigmas como sintomas respiratórios e aumento de IgE). cionados para o encontro das possíveis causas associadas.
Na busca da atopia, pode ser detectado um aumento de
E - Tratamento IgE. O teste de contato deve ser realizado para se detectar
Antibióticos sistêmicos são usados em casos com infec- uma dermatite de contato com manifestação disidrosifor-
ção secundária nos quais as placas apresentam crostas me- me. A intradermorreação com a tricofitina é um teste que
licéricas. A maioria dos pacientes responde bem ao uso de mede a resposta celular contra fungos, considerando que
corticosteroides tópicos. a disidrose possa ser um tipo de mícide em alguns casos;
nesses pacientes, o exame micológico direto também pode
ser útil. O exame anatomopatológico pode ajudar em al-
6. Eczema disidrótico guns casos pustulosos que costumam ser confundidos com
Sinonímia: disidrose e pompholyx. Afecção eczematosa psoríase palmoplantar.
crônica recorrente, caracterizada pela erupção de vesículas O diagnóstico diferencial pode ser realizado com algu-
na região palmoplantar de etiologia multifatorial. mas formas de tinha vesiculosa; as mícides também podem
43
DERMATOLOG I A
ser consideradas uma entidade distinta ao invés de uma aos raios ultravioletas, gerando um antígeno (hapteno)
causa da disidrose. O penfigoide bolhoso localizado deve que será processado pelo sistema imunológico, pro-
ser suspeitado em casos resistentes, e este é diagnosticado movendo assim a sensibilização do indivíduo; somente
pelo exame anatomopatológico. numa 2ª exposição é que as lesões eczematosas surgem
nas áreas expostas e, até mesmo a distância, em áreas
E - Tratamento cobertas (pelo próprio mecanismo de sensibilização).
Esse mecanismo fisiopatológico ocorre numa minoria
Não é possível levar os pacientes à cura e os quadros
de pacientes com predisposição genética para alergias;
costumam ser recorrentes, com frequências variáveis de
paciente para paciente. Muitos desses surtos acabam tendo - Fototoxicidade: nesta, ocorre a modificação química
resolução espontânea, e os doentes não chegam a procurar da molécula e, a partir daí, o dano já é direto com a
a ajuda do dermatologista. Nos casos pruriginosos e naque- formação de radicais livres oxidativos sem participação
les em que o processo inflamatório é intenso, deve ser feita do sistema imunológico. Com isso, não ocorre dissemi-
a intervenção. nação das lesões por via hematogênica, e, clinicamen-
te, os pacientes se restringem a terem lesões somente
Os corticoides sistêmicos são os mais eficazes para o
nas áreas fotoexpostas. Essa reação química não exi-
controle da crise, mas devem ser substituídos por outros
ge uma suscetibilidade prévia, podendo ocorrer com
imunossupressores como a azatioprina e o metotrexate, se
qualquer paciente, o que explica sua maior incidência
for necessário tratamento em longo prazo. Para os casos
frente à forma fotoalérgica. Entre as substâncias quí-
leves a moderados, os corticoides tópicos podem levar à
micas envolvidas na fototoxicidade estão as associadas
resolução.
às plantas, como o clássico exemplo da queimadura
Os anti-histamínicos são utilizados para a melhora do
por limão, e nesse caso ela é denominada de fitofoto-
prurido. Loções secativas como a solução de Burrow podem
dermatose e os agentes são, na maioria, psoralênicos.
ser associadas se houver exsudação intensa. Alguns casos
resistentes podem ser controlados com fototerapia (PUVA e Em ambos os casos, o espectro de luz responsável pela
UVB narrow band). Alguns casos necessitam de antibiotico- modificação das moléculas está na faixa dos raios UVA, o
terapia se ocorrer infecção secundária, tanto por bactérias que implica que no tratamento a cobertura com filtros so-
como por fungos. lares deva ser preferencialmente nessa faixa, e não na UVB,
como de costume.
7. Fotoeczemas O alvo do dano celular é o DNA e/ou membranas (tanto
plasmática como das organelas).
Sinonímia: fotoalergia ou fototoxicidade. São quadros
eczematosos que podem ter origem alérgica ou tóxica, à
C - Quadro clínico
semelhança da dermatite de contato, e que geralmente são
associadas à presença de um agente químico endotante Novamente devemos separar os 2 grupos para a descri-
(ingerido ou inalado) ou contactante (externo). As lesões ção dos aspectos clínicos:
elementares são típicas de eczema, e a grande diferença - Fotoalergia: os pacientes se apresentam com quadros
está na distribuição das lesões que ocupam as áreas da pele agudos e subagudos de eczemas – placas eritemato-
expostas ao sol. sas com edema, vesícula, crostas e descamação; casos
subdiagnosticados podem se manifestar com liquenifi-
A - Epidemiologia cação e prurido intenso, semelhantemente ao eczema
crônico. As lesões são mal delimitadas e não se res-
Tais tipos de fotorreações podem acometer igualmente
tringem somente às áreas fotoexpostas. Na história,
pessoas do sexo masculino e feminino em qualquer idade,
encontram-se usos crônicos de fotossensibilizantes –
mas são mais comuns em idosos, pois são eles os maiores filtros solares (paradoxalmente os mais comuns), ne-
usuários de medicações, havendo maior chance de reações omicina, prometazina tópica e sistêmica, benzocaína
adversas às drogas. (conservante), essências cítricas em perfumes, entre
Do ponto de vista de incidência, os casos de fototoxici- outras;
dade (sem participação do sistema imunológico) são mais
frequentes que os de fotoalergia, já que estes ocorrem
- Fototoxicidade: a grande diferença está na delimita-
ção das lesões que respeitam os limites das áreas ex-
numa porcentagem pequena da população que é genetica-
postas ao sol, fazendo um desenho característico de
mente susceptível. Não há predileção racial.
placas eritematosas e edemaciadas no “V” do decote
cervical, face e antebraços; os casos mais exuberantes
B - Fisiopatologia
se manifestam com bolhas; raramente surgem lesões
Há diferenças entre os 2 cenários: subagudas e crônicas. Pela anamnese, descobrem-se
- Fotoalergia:nesse caso há uma substância química os agentes implicados: exposição a áreas florestais e
cuja molécula sofre uma modificação após a exposição jardins (plantas tóxicas como a aroeira), “fórmulas ca-
44
D O E N Ç A S E C Z E M AT O S A S
seiras” para bronzeamento (limão e figo), iatrogenia com o fototeste de contato (alia o teste de contato comum
com uso de coal-tar e outros psoralênicos usados inad- com a exposição provocada da luz UVA). Os achados histo-
vertidamente para tratamento de psoríase e vitiligo, patológicos são os mesmos já descritos na parte dos ecze-
além de medicações sistêmicas (causa mais comum) mas, variando entre as manifestações agudas, subagudas
como amiodarona, doxiciclina, anti-inflamatórios, sul- e crônicas.
fonamidas, hidroclorotiazida, carbamazepina e outros
anticonvulsivantes. E - Tratamento
No caso da fotoalergia, a principal atitude que promove
a cura do doente é determinar o agente causador e afastá-
-lo; a forma mais simples de fazê-lo é pela história clínica, e,
eventualmente, isso só é possível após o fototeste de con-
tato; muitas vezes é necessário trocar as medicações habi-
tuais do doente, o que normalmente é solicitado ao médico
que o acompanha. Após o afastamento do agente causal,
a terapia é rápida e eficaz, sendo os corticoides sistêmicos
DERMATOLOGIA
usados frequentemente por breve período (desmame em
10 a 14 dias). Deve-se priorizar o uso de filtros solares físi-
cos (principalmente os que contêm dióxido de titânio).
Na fototoxicidade, a atenção ao agente implicado é me-
ramente coadjuvante, visto que muitas vezes ela é óbvia e
os doentes já estão precavidos contra uma próxima reex-
posição – dá-se apenas uma ênfase nesses cuidados. Para
acelerar a resolução do quadro, podem-se usar corticoides
tópicos, mas eles nem sempre são necessários, pois a maio-
ria dos casos terá resolução espontânea; a fotoproteção
visa minimizar as discromias residuais (manchas do limão).
8. Resumo
Quadro-resumo
- Os eczemas de contato pela fisiopatologia são separados em
irritação primária e sensibilização alérgica;
- O teste de contato é importante na investigação dos quadros
alérgicos;
Figura 10 - Paciente com fotodermatite com eritema e descama- - A dermatite atópica possui critérios clínicos, sendo importante
ção acometendo a face, “V” de decote e braços a presença dos 3 maiores e de, pelo menos, 2 menores;
- A dermatite seborreica é muito comum na população geral,
Tabela 5 - Características para os grupos de fototoxicidade e fo- porém tem sua incidência aumentada na infecção pelo HIV e
toalergia doenças neurológicas;
Características Fototoxicidade Fotoalergia - As infecções bacterianas estão ligadas aos quadros de eczema
Exposição prévia Não Sim numular;
Envolvimento - A disidrose é caracterizada por uma erupção vesiculosa palmo-
Não Sim plantar e ainda sua etiologia ainda é desconhecida.
imune
Amplo (UVA, UVB,
Espectro luz UVA
visível)
Queimadura-
Lesões Dermatite-símile
símile
Disseminação Não Sim
Sintomas Ardor Prurido
D - Métodos diagnósticos
O diagnóstico é clínico em essência e a ajuda de exa-
mes é quase sempre evitada, desde que haja uma ana-
mnese completa. Casos duvidosos podem ser elucidados
45
DERMATOLOG I A
CAPÍTULO
4
Doenças inflamatórias
Alexandre Evaristo Zeni Rodrigues
46
D O E N Ç A S I N F L A M AT Ó R I A S
No que tange a participação do sistema imunológico, é escama, surgem pontos de sangramento sobre a placa
importantíssima a ação das interleucinas que sustentam o devido à lesão de vasos da derme. O prurido é vari-
processo inflamatório; entre elas, sem dúvida o IFN-gama e ável, mas a maioria dos pacientes é assintomática. A
o TNF-alfa são os mais importantes, pois são responsáveis evolução do quadro é crônica e recidivante, havendo
pelo recrutamento de células inflamatórias com produção um ciclo repetitivo de desaparecimento e surgimento
de interleucinas mediadoras como IL-1 e IL-8. O TNF-alfa de novas lesões. O fenômeno de Köebner pode estar
também é responsável pelo estado de inflamação crônico e presente em alguns casos e é descrito como o apare-
persistente que acaba gerando a síndrome plurimetabólica cimento de novas lesões sobre áreas de trauma, como
na qual os pacientes apresentam dislipidemia, hipertensão, uma ferida cirúrgica ou uma escoriação acidental;
obesidade e resistência periférica à insulina, explicando - Psoríase invertida: nesses casos (aproximadamente,
assim a maior morbidade cardiovascular que acompanha 5%), as placas são exclusivas de áreas de dobras como
a psoríase. As interleucinas também acabam tendo um es- axilas, inframamárias e inguinais, e pela oclusão assu-
tímulo sobre os queratinócitos da epiderme, gerando um mem um aspecto de maceração simulando os quadros
aumento do turnover celular e acelerando o ciclo do que- de intertrigo (popularmente chamada de assadura);
ratinócito que passa de 28 para 4 dias; isso caracteriza o
- Psoríase gutata: é uma erupção súbita, comum em
DERMATOLOGIA
estado hiperproliferativo anteriormente mencionado. Dos
jovens e adolescentes, com surgimento de pápulas e
fatores ambientais, o mais conhecido é a presença do es-
pequenas placas eritematodescamativas por todo o
tresse emocional que muitas vezes já é relatado pelos pró-
corpo e cujo desencadeamento tem forte relação com
prios pacientes. É bastante conhecida a associação entre a
as infecções por estreptococos (forte manifestação do
psoríase e algumas infecções como estreptococcias e pelo
fenômeno de Köebner). Esses quadros chegam até a
vírus HIV, sendo tais agentes gatilhos para desencadeamen-
melhorar com o uso de antibióticos sistêmicos com co-
to do quadro cutâneo. Tabagismo e álcool também estão
associados, mas não se sabe se são vieses epidemiológicos, bertura para Gram positivos, como cefalexina, eritro-
pois os pacientes com psoríase acabam sendo usuários micina e tetraciclinas;
dependentes devido ao comprometimento psicológico da - Psoríase pustulosa: sinonímia = psoríase de von
doença. Fatores físicos exercem um papel maléfico ou, às Zumbusch. Outra forma eruptiva com surgimento de
vezes, benéfico como acontece com a melhora das lesões pústulas disseminadas e com manifestações inflama-
após a exposição solar. O uso de certos medicamentos de- tórias sistêmicas (febre, adinamia e inapetência). São
sencadeia ou agrava a psoríase, e entre eles estão os beta- casos mais graves que evoluem com complicações
-bloqueadores, os inibidores da ECA, anti-inflamatórios não (insuficiência cardíaca de alto débito, distúrbio de ele-
hormonais, litium e cimetidina. Fatores hormonais (gravi- trólitos etc.). Pode ter algumas apresentações mais
dez) e distúrbios hidroeletrolíticos (hipocalcemia) também localizadas, como a pustulose palmoplantar e uma for-
já foram relatados como agravantes. ma pustulosa periungueal (acrodermatite contínua de
Hallopeau). O impetigo herpetiforme é provavelmente
d) Quadro clínico
uma psoríase pustulosa que se exacerba na gravidez;
A psoríase é marcada pela pluralidade das manifestações - Psoríase eritrodérmica: qualquer uma das formas des-
clínicas, sendo as principais formas relacionadas a seguir: critas pode evoluir para a forma mais grave caracteri-
- Psoríase em placas: sinonímia = psoríase vulgar. É a zada por um eritema universal associado a uma fina
apresentação mais comum, caracterizada pela pre- descamação e com comprometimento sistêmico pela
sença de placas eritematodescamativas que são bem síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS);
definidas e cujas escamas branco-prateadas são muito tais pacientes evoluem com perdas proteicas, distúr-
bem aderidas. Pode acometer qualquer região do cor-
bios hidroeletrolíticos ou infecções, e frequentemen-
po (rara na face, exceto nas crianças), mas tem predile-
te são hospitalizados para compensação do quadro.
ção por alguns pontos como joelhos, cotovelos, dorso
Muitas vezes, essa eritrodermia é desencadeada por
sacral, couro cabeludo e palmoplantar. Pode acometer
tratamentos errados e intempestivos, principalmente
as regiões genital e perianal. As lesões ungueais são
com os corticoides sistêmicos;
frequentes, surgindo alterações quase patognomôni-
cas como as manchas de óleo (amarelamento da lâ- - Psoríase artropática: pode acometer de 5 a 7% dos
mina ungueal como se estivesse suja por óleo), às ve- pacientes e, em 75% dos casos, surge após o apareci-
zes levando a grandes distrofias ungueais que fazem mento das lesões cutâneas, algumas vezes, cerca de 10
diferencial com as onicomicoses e com o líquen plano. anos depois; pode preceder o quadro cutâneo em 10%
Ao remover as escamas das placas, surgem 2 sinais de dos casos (sendo uma das artrites soronegativas) e ser
propedêutica dermatológica: o sinal da vela, quando a simultânea em 15% deles.
escama que foi retirada com a raspagem da placa as- - As principais formas articulares são:
sume aspecto de uma lasca de vela; e o sinal do orva- • Oligoartrite assimétrica: a mais habitual com pou-
lho sangrante ou sinal de Auspitz, quando, ao retirar a cas articulações acometidas;
47
DERMATOLOG I A
e) Métodos diagnósticos
A maioria das formas de psoríase não apresenta alte-
rações laboratoriais e somente nos casos com sintomas
sistêmicos pode haver alterações no hemograma e nos
exames de fase aguda (velocidade de hemossedimentação,
Figura 3 - Psoríase pustulosa: pústulas agrupadas e descamação proteína C reativa etc.). Nos casos de psoríase gutata pode-
na região plantar (contralateral e palmar) -se encontrar indícios de infecção estreptocócica por meio
do ASLO. Formas disseminadas como a eritrodérmica e a
pustulosa de von Zumbusch estão associadas a distúrbios
hidroeletrolíticos (principalmente hipocalcemia) e também
à hipoproteinemia.
Na maioria dos pacientes, nem mesmo a biópsia com
exame anatomopatológico é necessária, pois a apresenta-
ção é muito característica; em casos duvidosos, é através
dele que se chega ao diagnóstico.
48
D O E N Ç A S I N F L A M AT Ó R I A S
- Psoríase pustulosa: pustulose subcórnea, pustulose com repercussões leves nos recém-nascidos (hipotonia, hi-
exantemática por farmacodermia, herpes dissemina- porreatividade etc.).
do, disidrose.
c) Fisiopatologia
f) Tratamento Desconfia-se de uma associação a um agente infeccio-
Não é possível levar os pacientes à cura, e os quadros so. Os mais cotados são os vírus da família herpes, havendo
costumam ser recorrentes com frequências variáveis de trabalhos mostrando a presença de DNA dos HHV-7, mas
paciente para paciente. Logo, o tratamento da psoríase é que é um vírus muito comum na população em geral, sen-
considerado por muitos dermatologistas uma “arte”, pois do então uma associação ainda controversa. O que suporta
é necessária boa experiência para o cuidado dos doentes a relação com o agente viral é o caráter exantemático da
com rodízio das medicações. Formas mais leves e locali- erupção, concomitante a um aumento de IgM sérica, e a
zadas podem ser controladas topicamente; nesses casos, imunidade permanente adquirida após o 1º surto. No en-
sempre deve ser feita a associação de drogas antiprolifera- tanto, a etiologia da pitiríase rósea ainda é desconhecida.
tivas (como derivados do coaltar e o calcipotrieno) com cor-
d) Quadro clínico
ticoides de média e alta potência (betametasona e clobeta-
Manifesta-se classicamente em cerca de 80% dos ca-
DERMATOLOGIA
sol); são sempre úteis os queratolíticos como ureia e ácido
salicílico nos cremes hidratantes. Nas formas mais graves sos com o surgimento primeiramente de lesão única, em
e extensas, deve-se lançar mão das medicações sistêmicas placa com cor de salmão e colarete descamativo, chamada
como os imunossupressores (metotrexato e ciclosporina) de placa-mãe; esta pode instalar-se em qualquer parte do
e os retinoides (acitretina); nesses casos, pode-se iniciar o corpo e muitas vezes é mal diagnosticada como uma tinha
tratamento em regime hospitalar e depois dar continuidade ou um quadro de eczema. Cerca de semanas depois (pode
ambulatorialmente, evitando, assim, complicações graves ser dias a meses), surgem pequenas pápulas eritematodes-
pelos efeitos colaterais das medicações (principalmente he- camativas numa erupção súbita com rápida progressão;
patotoxicidade e nefrotoxicidade). A fototerapia associada distribuem-se respeitando as linhas de força da pele, o que
ou não aos psoralênicos (PUVA) também é uma modalida- lhe confere o aspecto de “árvore de natal” e com predomí-
de eficaz e segura, sendo possível até mesmo a utilização nio no tronco e extremidades proximais, poupando a face
com outras medicações tópicas e sistêmicas (por exemplo, e regiões palmoplantares (Figura 7). O prurido pode estar
Re-PUVA = retinoides + PUVA). Recentemente, houve um presente em 2/3 dos casos, quase sempre leve a moderado.
grande avanço no controle da psoríase com o uso de imuno- Não há sintomas sistêmicos associados. Em 20% dos casos,
biológicos – anticorpos de origem recombinada ou humana a apresentação é dita atípica com a forma invertida (aco-
com ação anti-interleucinas como o anti-TNF-alfa (inflixima- mete face, couro cabeludo e extremidades distais), a forma
be e etanercepte). com fotossensibilidade e a forma unilateral que respeita a
linha média; esses quadros atípicos são mais comuns em
B - Pitiríase rósea de Gilbert afrodescendentes.
a) Introdução
Doença caracterizada por erupção súbita de lesões eri-
tematoescamosas disseminadas com uma distribuição ca-
racterística e evolução benigna, de resolução espontânea
sem a necessidade de intervenção com tratamentos.
b) Epidemiologia
Por ter uma provável associação à etiologia viral, apesar
de o agente ainda não ser conhecido, pode assumir um ca-
ráter de epidemia, havendo um aumento de incidência nos
meses mais frios em países de clima temperado (em países
tropicais sua incidência é maior na primavera e verão). Sua
frequência é relativamente alta, com taxas de incidência
por volta de 1 a 2% da população em geral. É um pouco
mais frequente nas mulheres que nos homens (2:1) e não
há predominância racial, embora ela possa assumir caracte-
rísticas clínicas atípicas em negros, dificultando o diagnós-
tico. A faixa etária mais acometida é de adultos jovens com
pico entre 10 e 35 anos. Mesmo sendo benigna na maioria
dos casos, pode vir associada a complicações nas gestantes, Figura 7 - Distribuição das lesões seguindo as linhas de força da
havendo maior incidência de abortos e partos prematuros, pele
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DERMATOLOG I A
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D O E N Ç A S I N F L A M AT Ó R I A S
- Tipo II: atípica do adulto – forma com alopecia, lesões a) Pitiríase liquenoide
mais ictiosiformes e eczematosas; Este grupo, com as variantes aguda e crônica, na reali-
- Tipo III: clássica juvenil – seria a manifestação do tipo I dade será abordado dentro do próximo capítulo, pois histo-
que surge nos primeiros anos de vida e pode ter reso- patologicamente se percebe que não se enquadram sob o
lução espontânea; espectro das parapsoríases, portanto foram erroneamente
- Tipo IV: juvenil localizada – forma mais comum em classificadas. A que mais se assemelha clinicamente é a for-
crianças, é marcada pela localização típica das lesões ma crônica, denominada parapsoríase em gotas.
em joelhos e cotovelos, raramente progredindo para
disseminação do quadro; b) Parapsoríase de pequenas placas
- Tipo V: atípica juvenil – além das lesões foliculares, há Doença crônica e benigna caracterizada por uma infil-
associação a lesões esclerodermiformes nas extremi- tração de linfócitos T na pele, mas com rara tendência de
dades; evolução para linfoma:
- Tipo VI: variante descrita recentemente associada ao - Epidemiologia: devido à baixa frequência de incidên-
HIV; nela, os pacientes apresentam lesões foliculares cia na população geral, não há grandes estudos epide-
combinadas com lesões pustulosas e nodulocísticas. miológicos que apontem os números da parapsoríase;
DERMATOLOGIA
além disso, pode ser subestimado o número de casos
e) Métodos diagnósticos ao ano, pois muitos pacientes não chegam a procurar
O exame histopatológico é bem típico, com “rolhas” tratamento médico pela benignidade do quadro. Os
córneas nos folículos pilosos. Com esse achado, fecha-se o homens são mais acometidos, e a incidência maior é
diagnóstico. na meia-idade (4ª e 5ª décadas);
Não há exames laboratoriais específicos, mas deve-se - Fisiopatologia: há infiltração de linfócitos do tipo CD4
buscar algum foco infeccioso de acordo com a anamnese clí- e com multiclonalidade (clones de diferentes origens),
nica. A solicitação do teste para HIV também é recomendada. mas a etiologia para tal processo é desconhecida;
O diagnóstico diferencial é feito dentro do grupo das
lesões eritematodescamativas como a psoríase (não tem
- Quadro clínico: apresenta lesões eritematoescamosas
discretas, mais visíveis que palpáveis, com formatos
distribuição folicular e tem descamação de cor prateada),
bizarros lembrando projeções digitiformes. Acomete
parapsoríase, pitiríase rósea (não apresenta lesões palmo-
principalmente o tronco e extremidades proximais,
plantares) e farmacodermias; a forma eritrodérmica é indis-
tinguível das demais apresentações. onde as lesões ficam distribuídas isoladamente. Alguns
casos podem apresentar prurido mínimo;
f) Tratamento
Apesar de a maioria das formas clínicas poder evoluir
para a cura espontânea, isso pode levar anos, e a comorbi- Pequenas Grandes
placas placas
dade causada pelas lesões palmoplantares e pela distrofia
ungueal pioram a qualidade de vida dos pacientes.
Evolução Evolução
A droga mais eficaz é a acitretina, um retinoide que age benigna maligna
diminuindo o estado hiperproliferativo e requer monitora-
ção laboratorial devido ao potencial de hepatotoxicidade. Infiltrado Infiltrado
Casos mais leves podem responder aos tratamentos tó- linfocitário linfocitário
policlonal monoclonal
picos com retinoides (tazaroteno e tretinoína), derivados
análogos da vitamina D (calcipotriol), e com corticoides de Sem associação Associação
alta potência, como o clobetasol e a betametasona; os emo- a linfoma a linfoma
lientes com ação queratolítica (ureia e lactato de amônia
associados ao ácido salicílico) podem auxiliar aumentando Figura 9 - Diferencial de parapsoríases
a eficácia das medicações mencionadas anteriormente.
- Métodos diagnósticos: somente se conclui o diagnósti-
D - Parapsoríases co com a biópsia e o exame anatomopatológico. Podem
Compreendem um grupo de doenças muito heterogê- ser necessários exames de biologia molecular, como o
neas e que provavelmente foram agrupadas somente pelo PCR, para comprovar a multiclonalidade do infiltrado;
fato de terem lesões eritematoescamosas que se asseme- - Tratamento: devido ao caráter benigno da afecção e à
lham à psoríase (daí o nome); no entanto, cada doença é mínima sintomatologia, muitos pacientes são tratados
independente, com distintas bases causais. Classicamente, apenas com hidratantes e, às vezes, com uso intermi-
foram descritas 3 entidades dentro desse grupo: a pitiríase tente de corticosteroides tópicos. Muitos pacientes
liquenoide aguda ou crônica, a parapsoríase em gotas e a acabam evoluindo para a cura espontânea em alguns
parapsoríase em grandes placas. anos.
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DERMATOLOG I A
E - Eritrodermias
a) Introdução
Sinonímia: dermatite esfoliativa generalizada. É uma
erupção aguda na qual mais de 90% do corpo se apresen-
tam com eritema e uma fina descamação, o que pode levar
a consequências sistêmicas para o indivíduo afetado. Na
maioria das vezes, há uma causa de base por trás do quadro
eruptivo, e esta só pode ser descoberta com investigação Figura 10 - Causas mais prevalentes
laboratorial e/ou biópsia.
Outras causas mais raras seriam os pênfigos, a derma-
b) Epidemiologia tomiosite, líquen plano etc. Mas em muitos casos não se
Não é uma entidade muito comum de ser encontrada chega ao diagnóstico, e o doente acaba sendo enquadrado
na prática dermatológica, com incidência e prevalência va- como uma eritrodermia idiopática; isso acontece em até
riável entre 2 e 3 casos para cada 100.000 habitantes. Mais 30% dos doentes afetados.
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D O E N Ç A S I N F L A M AT Ó R I A S
DERMATOLOGIA
por todo o tegumento. Adenomegalias generalizadas são co-
muns e podem representar um linfoma de base ou simples- a) Eritema anular centrífugo
mente ser reacional ao quadro, sendo então denominada de Quadro crônico recorrente de lesões eritematoescamo-
linfadenopatia dermopática. O encontro de lesões derma- sas que assumem uma cura central dando o aspecto arque-
tológicas preexistentes (como uma placa de psoríase, uma ado/anular. É benigno, pois tem resolução espontânea, mas
alteração ungueal etc.) pode ajudar na elucidação da causa. pode ser um aviso de que o paciente tem alguma doença
sistêmica grave:
e) Métodos diagnósticos
- Epidemiologia: por ser uma doença infrequente, são
Não se faz o diagnóstico diferencial nessa patologia, poucos os relatos de casos na literatura com algumas
mas se tenta chegar à causa de base com a ajuda dos exa- séries limitadas, o que dificulta a validação de análises
mes laboratoriais. estatísticas; trabalhos mostram que a incidência pode
Uma eosinofilia no hemograma pode representar uma variar de 1 a 2 casos para cada 100.000 habitantes.
reação medicamentosa; aumento de IgE é descrito na der- Pode acometer pacientes de 8 meses a 80 anos e não
matite atópica. No esfregaço do sangue periférico, podem- tem predileção por sexo ou raça.
-se encontrar as células de Sézary nos casos de linfoma - Fisiopatologia: a etiopatogenia da doença é desconheci-
cutâneo. A biópsia e o exame histológico podem levar ao da, mas é grande o número de associações já relatadas:
diagnóstico de pitiríase rubra pilar, psoríase e principalmen-
• Infecções: fungos, micobactérias, herpes, HIV, para-
te da micose fungoide, na qual os linfócitos atípicos acabam
sitoses;
infiltrando a epiderme, caracterizando o epidermotropis-
mo. Entretanto, na maioria das vezes, o exame anatomopa- • Medicações: piroxicam, amitriptilina, espironolac-
tológico revela um infiltrado inflamatório inespecífico. tona;
Dos exames gerais, a atenção maior deve ser para com os • Doenças autoimunes: síndrome de Sjögren, lúpus
eletrólitos, evitando-se assim os distúrbios que podem ser eritematoso, doença de Graves;
fatais como hipopotassemia, hiponatremia e hipocalcemia. • Neoplasias: leucemias, linfomas, mielomas, tumores
Leucocitose e aumento da velocidade de hemossedimenta- de ovário, tumores de mama e tumores de próstata.
ção são inespecíficos e quase sempre estão presentes, sem,
no entanto, representarem um processo infeccioso oculto. No entanto, nenhuma dessas associações se apresentou
com força estatística muito grande.
f) Tratamento - Quadro clínico: as lesões iniciam-se com pequenas
A hospitalização é necessária quase sempre para ser mi- pápulas que aumentam de tamanho e vão tendo um
nistrado o tratamento de suporte clínico, visando ao com- clareamento no centro, com leve hiperpigmentação
bate das complicações. É importante interromper o uso de residual. Há 2 formas principais: a superficial, na qual
medicações suspeitas que possam ter desencadeado o qua- as lesões são mais descamativas, e a profunda, que
dro, principalmente aquelas de introdução mais recente. apresenta apenas placas papulosas eritematosas. O
A hidratação deve ser realizada para restaurar a volemia quadro costuma ser assintomático, mas pode ter leve
e topicamente, com o uso de cremes emolientes. Fluidos hi- prurido associado. As lesões localizam-se mais nos
pertônicos e com alta osmolaridade podem ser necessários membros inferiores, embora sejam encontradas em
devido às perdas para o 3º espaço. qualquer parte do corpo. O comprometimento pela
O encontro da causa de base permite o tratamento especí- doença é apenas cutâneo, todavia é importante pes-
fico e, assim, diminui a morbiletalidade. O prognóstico é obvia- quisar alguma doença de base que possa estar asso-
mente pior nos casos em que há uma malignidade associada. ciada de forma oculta;
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DERMATOLOG I A
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DERMATOLOGIA
timaláricos como a cloroquina, sulfonilureias, sais de ouro,
penicilamina, anti-inflamatórios e IECA. É clássica a associa-
ção a reveladores fotográficos, sendo uma doença ocupa-
cional. Uma predisposição genética é provável, mas ainda
desconhecida.
Figura 12 - Líquen plano: lesão clássica com pápulas poligonais
d) Quadro clínico
eritematovioláceas
Há diversas variantes clínicas. A forma clássica consiste
numa erupção insidiosa de pápulas violáceas, com 2 a 4mm e) Métodos diagnósticos
de tamanho, de contornos geométricos/poligonais com O diagnóstico é clínico, e não há exames laboratoriais
uma fina descamação e uma fina estriação na superfície que auxiliem na investigação.
(estrias de Wickman). Apesar de a erupção ser generaliza- Apenas em casos atípicos o exame anatomopatológico
da, ela pode acometer algumas áreas típicas como a super- pode ser necessário, mostrando um infiltrado em faixa na
fície flexora dos punhos e os genitais. Também é frequente zona da membrana basal (transição entre a epiderme e a
o acometimento da mucosa oral e muitas vezes esse quadro derme).
pode ser isolado; a maioria apresenta lesões atróficas bizar- Os principais diferenciais são as reações medicamen-
ras, principalmente na mucosa jugal. Alterações ungueais tosas que cursam com erupções liquenoides e a doença
com distrofias totais, espessamento subungueal e pittings enxerto versus hospedeiro na sua forma crônica, que apre-
também podem estar associadas. O prurido acompanha a senta lesões de líquen plano associadas a lesões escleroder-
maioria dos pacientes e quase sempre é marcante. É co- miformes e sintomas sistêmicos.
mum o fenômeno de Köebner com surgimento de lesões Outros diferenciais seriam líquen nítido, psoríase, pitirí-
nos locais das escoriações. Lesões genitais masculinas e fe- ase liquenoide crônica e sífilis secundária. Lesões erosivas
mininas podem ter ardor e levar à dispareunia. As principais na mucosa oral fazem diferencial com pênfigos e lúpus.
variantes clínicas são: f) Tratamento
- Líquen plano hipertrófico: placas extensas ceratósicas Os corticoides formam a base do tratamento. Por ser
e pruriginosas nas regiões pré-tibiais; uma doença benigna e autolimitada, alguns casos locali-
- Líquen plano pilar: lesões foliculares no couro cabe- zados podem ser tratados topicamente com clobetasol ou
ludo que podem evoluir com alopecia cicatricial irre- betametasona. Lesões disseminadas e pruriginosas necessi-
versível; tam dos corticoides sistêmicos como a prednisona na dose
de 1mg/kg com desmame gradual. Alguns quadros resis-
- Líquen plano folicular: pápulas violáceas dissemina- tentes respondem bem ao uso de retinoides, como a iso-
das localizando-se nos folículos pilosos; tretinoína na dose de 0,5mg/kg. Lesões de mucosa e couro
- Líquen plano atrófico: variante em placa com atrofia cabeludo são as que apresentam maior morbidade e maior
central lembrando lesões de esclerodermia/morfeia; dificuldade no tratamento, sendo a isotretinoína a 1ª esco-
lha. Outro subtipo com evolução ruim é o líquen plano pilar
- Líquen plano penfigoide: lesões bolhosas que surgem do couro cabeludo, que pode provocar uma alopecia cica-
de novo ou nas lesões do líquen plano prévias (líquen tricial que não responde ao tratamento. As demais evoluem
plano bolhoso); sem grandes sequelas, apenas com uma hiperpigmentação
- Líquen plano actínico: lesões que surgem em áreas pós-inflamatória. As recidivas são frequentes e tratadas da
fotoexpostas. mesma maneira.
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DERMATOLOG I A
B - Pitiríase liquenoide
Aguda Crônica
a) Introdução PLEVA
Patologia de espectro clínico variável com 2 formas dis-
tintas, a pitiríase liquenoide aguda e a forma crônica mais Sintomas Sintomas só
indolente, ambas são um distúrbio clonal de linfócitos T, Toxemia dermatológicos
tendo uma estreita correlação com os linfomas cutâneos.
b) Epidemiologia Superfície com Superfície com
crosta escama
As 2 apresentações clínicas são raras, e não há estudos
nacionais que mostrem sua incidência e/ou prevalência,
no entanto, a literatura internacional exibe taxas que gi- Presença de Ausência de
ram em torno de 2 a 3 casos para cada 100.000 habitantes vasculite vasculite
em 1 ano. Há uma leve predominância no sexo masculi-
Figura 13 - Diferencial de pitiríase liquenoide
no, sem, no entanto, haver predileção racial. A faixa etária
mais acometida é de crianças e adultos jovens até a 3ª e) Métodos diagnósticos
década. O exame que permite o diagnóstico de ambas as for-
c) Fisiopatologia mas de pitiríase liquenoide é o anatomopatológico. Não
Na base do processo, encontra-se uma alteração ci- há exames laboratoriais específicos, no entanto, em alguns
totóxica, havendo infiltrados perivasculares de linfócitos pacientes com a forma aguda, mais especificamente aque-
T que podem apresentar certo grau de atipia celular, o les que necessitam de suporte clínico, eles podem ser úteis
que leva muitos autores a acreditarem na possibilidade para acompanhamento do quadro inflamatório como o leu-
de um tipo de linfoma; apesar da infiltração perivascular, cograma, a velocidade de hemossedimentação e a proteína
não há sinais de vasculite franca como leucocitoclasia; C reativa. Pode ser necessária a investigação de um prová-
alguns interpretam esse fenômeno como uma vasculite vel agente infeccioso (solicitar sorologias para HIV, Epstein-
linfocítica. Estudos de biologia molecular apontam pre- Barr, hepatites crônicas e toxoplasmose, que são aqueles
dominância de linfócitos CD 30, subtipo também asso- com maior associação na literatura).
ciado a linfomas de grandes células. Teorias sobre um O diagnóstico diferencial depende da forma em questão:
agente infeccioso que leve ao estímulo para o infiltrado - Pitiríase liquenoide aguda: diferencia-se da varicela,
linfocitário crônico também já foram formuladas, mas papulose linfomatoide, vasculites leucocitoclásticas e
ainda não há nada concreto. farmacodermias;
- Pitiríase liquenoide crônica: faz diferencial com as pa-
d) Quadro clínico rapsoríases, sífilis secundária, líquen plano, psoríase
Há 2 formas clínicas totalmente distintas: gutata.
- Pitiríase liquenoide aguda: sinonímia = doença de
Mucha-Habermann, pitiríase liquenoide e varicelifor- f) Tratamento
me aguda (PLEVA). Nessa apresentação, ocorre uma Das medicações orais, a melhor terapia é feita com an-
erupção súbita que se assemelha muito à varicela tibacterianos da família das tetraciclinas, que também têm
(catapora); surgem pápulas eritematosas que rapida- um efeito anti-inflamatório (imunomodulatório) desejado
mente evoluem com necrose e crostas hemorrágicas; a no caso.
distribuição é simétrica, acometendo principalmente o O tratamento-padrão é feito com a fototerapia, com a
tronco e as extremidades proximais; pode haver lesões maioria dos trabalhos mostrando boa resposta com o méto-
palmoplantares, de couro cabeludo e na mucosa. É do PUVA; há relatos de melhora também com o uso de UVB
possível que prurido e ardor estejam presentes. Casos narrow-band e terapia fotodinâmica. Corticoides tópicos
muito exuberantes podem ter febre e queda do esta- podem ser usados em alguns pacientes com poucas lesões.
do geral. Muitos pacientes evoluem com cura, porém Aos casos exuberantes da PLEVA, podem ser necessários es-
alguns podem desenvolver a forma crônica da pitiríase teroides sistêmicos.
liquenoide;
- Pitiríase liquenoide crônica: manifesta-se com pápu- C - Prurigo
las e pequenas placas eritematoacastanhadas (no caso
de negros as lesões são hipocrômicas) com escamas a) Introdução
aderidas e que saem íntegras após a escoriação da le- A definição de prurigo seria a união de uma pápula com
são. Topograficamente, também se distribuem mais no o sintoma predominante de prurido, ou seja, uma pápula
tronco e extremidades proximais. O quadro é indolen- pruriginosa escoriada pelo paciente. É uma doença que tem
te e quase totalmente assintomático. 3 formas de apresentação: aguda, subaguda e crônica, além
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DERMATOLOGIA
Figura 14 - PLEVA (pitiríase liquenoide variceliforme aguda): pápu-
O prurigo estrófulo infantil tem associação à alergia a pi- las isoladas com necrose central gerando crosta hemática aderida
cada de insetos, sendo mais comum em áreas rurais e nos
meses de calor e chuva; parece estar relacionado a uma
combinação de hipersensibilidade dos tipos I e IV (imediata
e tardia), chamada por alguns autores de urticária papulosa.
As formas subaguda e crônica dos adultos são de etio-
logia mais obscura, e acredita-se que os indivíduos que têm
uma predisposição psicológica com tendências neuróticas e
compulsivas reagem com manipulação anormal das lesões
pruriginosas; estas, por sua vez, parecem se desenvolver
também pela combinação das reações de hipersensibi-
lidade dos tipos I e IV e podem vir associadas a diversas
comorbidades: prurigo de Hutchinson (com fotossensibili-
dade), prurigo dismenorreico (piora com menstruação e/
ou variações hormonais), prurigo do diabetes, prurigo he-
pático, prurigo gestacional, prurigo urêmico (nos pacientes
com insuficiência renal crônica) e prurigo paraneoplásico
(associado a malignidades).
Figura 15 - Pápulas e nódulos endurecidos e escoriados pelo pruri-
d) Quadro clínico do na perna: prurigo subagudo
As lesões elementares são as pápulas eritematosas que,
pelo prurido, são coçadas e escoriadas; de acordo com o e) Métodos diagnósticos
tempo de evolução, sofrem modificações: O diagnóstico pode ser auxiliado pela biópsia e exame
- Prurigo agudo: surgimento súbito de pápulas mais anatomopatológico que mostra o espessamento da epider-
edematosas e, às vezes, a seropápula (vesícula sobre me e um processo inflamatório crônico na derme; para o
a pápula eritematosa); com a evolução, a pápula fica diagnóstico específico, não há outros exames que concluam
mais firme e acaba cicatrizando com discromias; algu- o quadro.
mas lesões escoriadas podem ter crostas e infecção A grande questão é investigar a causa de base que este-
secundária. As áreas mais afetadas são o tronco e as ja provocando o prurigo; no caso agudo, isso é fácil, pois a
extremidades; causa é sempre uma reação de hipersensibilidade como, na
- Prurigo subagudo e crônico: uma é a evolução da ou- maioria, a picadas de insetos. O problema está nas formas
tra com tendência à nodularidade das lesões: na 1ª, subagudas e crônicas, em que as associações são inúme-
as lesões são mais fugazes e escoriadas, e na 2ª assu- ras. Guiando-se pela história clínica, é possível direcionar os
mem a forma nodular típica com lesões duras e cera- exames laboratoriais e de imagem para chegar à causa. Não
tósicas. As lesões iniciais (seropápulas) raramente são é aconselhável fazer uma investigação extensa “às cegas”.
vistas pelo médico, pois quase sempre são escoriadas. Entre as causas que merecem atenção, estão a insuficiência
As áreas afetadas são aquelas que as mãos alcançam: renal crônica, os linfomas e a infecção pelo HIV.
braços, ombros, coxa e face. O prurido feroz é uma O diagnóstico diferencial é feito com pápulas prurigi-
condição sine qua non. nosas e escoriadas como a escabiose nodular, escoriações
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DERMATOLOG I A
A - Pênfigos
Neste grupo, são abordadas as doenças bolhosas de cli-
vagem alta, provocadas por autoanticorpos contra molécu-
las de aderência intercelular (como as desmogleínas). São 3 Figura 16 - Clivagem de doenças bolhosas: (A) pênfigos – intraepi-
as maiores entidades que merecem menção neste capítulo. dérmica e (B) penfigoides – camada basal
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- Quadro clínico: muitos pacientes abrem o quadro com - Diagnósticos diferenciais: o pênfigo vulgar deve entrar
lesões mucosas, que podem permanecer por meses no diagnóstico diferencial de 2 grupos:
ou anos como única manifestação; ocorrem em apro- • Úlceras/aftas orais: aftas de repetição, doença de
ximadamente 60% dos casos e são provocadas pelos Behçet, líquen plano. Lúpus eritematoso, estomati-
autoanticorpos contra a desmogleína 3. A mucosa te herpetiforme e carcinoma espinocelular da cavi-
oral é a mais afetada, mas podem acontecer lesões dade oral;
em conjuntivas e mucosas genitais e anais. As lesões • Doenças bolhosas: outros pênfigos (foliáceo, para-
características seriam erosões e úlceras que limitam o neoplásico etc.), os penfigoides (penfigoide bolho-
paciente porque a dor é importante. Na pele, as lesões so, penfigoide gestacional, dermatose por IgA line-
bolhosas podem estar intactas ou apenas se apresen- ar), dermatite herpetiforme, eritema multiforme e
tar ao médico na forma de erosões após terem sido líquen plano bolhoso.
rompidas, já que são formadas por um teto fino de - Tratamento: a base do tratamento é o controle da
camada epidérmica. As erosões comumente acabam formação dos autoanticorpos por meio do uso de
tendo infecção secundária e também são doloridas. corticosteroides e imunossupressores. Dos primeiros,
Quando as lesões são extensas, pode haver sinais e a mais usada é a prednisona, na dose de 1 a 2mg/kg
DERMATOLOGIA
sintomas sistêmicos pela resposta inflamatória, como (necessita de maiores doses que o pênfigo foliáceo),
febre, adinamia e inapetência. Na propedêutica, são 2 que, com a melhora, é diminuída, evitando o desen-
os sinais clássicos associados aos pênfigos; volvimento de efeitos colaterais como a hipertensão
- Sinal de Nikolsky: a pele perilesional é arrancada facil- arterial, o diabetes mellitus e a osteoporose (é re-
mente apenas fazendo-se uma pressão e deslizando-a comendado o uso de vitamina D, cálcio e em alguns
no sentido centrífugo em relação à lesão; esse sinal não casos severos, os bifosfonados como o alendronato).
é exclusivo do pênfigo vulgar, pois indica apenas acan- Utilizam-se, também, outros imunossupressores para
tólise (perda de adesão entre os queratinócitos), o que poupar o uso dos corticoides; entre eles, a mais usada
ocorre a todos os pênfigos e também outras doenças é a azatioprina, pois tem um manejo mais prático. A
bolhosas, como a Necrose Epidermolítica Tóxica (NET); ciclofosfamida e o metotrexato também são boas op-
- Sinal de Asboe-Hansen: ao fazer uma pressão de cima ções. Apesar de pouco usado no Brasil, o micofenolato
para baixo no teto da bolha, aumenta-se a lesão; fisio- de mofetila é considerado de 1ª linha nos EUA.
patologicamente, indica o mesmo processo que o sinal
de Nikolsky.
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DERMATOLOG I A
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de 60 anos. Não tem predominância por sexo ou raça. anticorpos (sensibilidade de 75% e especificidade
Casos em crianças já foram descritos e normalmente de 83%).
estão associados a malignidades hematológicas, como
os linfomas e as leucemias (o mais comum é o linfoma O diagnóstico diferencial é como os demais pênfigos (o
não Hodgkin). Doença de ocorrência universal; vulgar, o mais parecido pelas lesões em mucosas) e o penfi-
- Fisiopatologia: tem a mesma base com formação de goide bolhoso, pela maior incidência nos idosos.
autoanticorpos, no entanto, ocorre uma multiplicida- - Tratamento: a resposta é muito desapontadora, e
de de antígenos, o que leva a um comprometimento a maioria dos pacientes só melhora com a cura da
tanto intraepidérmico como na zona da membrana doença neoplásica, o que nem sempre é possível.
basal. A grande maioria dos casos se inicia por uma Cuidados paliativos com as feridas, evitando a infec-
doença linfoproliferativa, o que leva a acreditar numa ção secundária e amenizando os sintomas, devem
formação desordenada de autoanticorpos por parte sempre ser associados. Os corticosteroides em altas
dessas células imunológicas aberrantes; no entanto, doses são a melhor opção, entretanto aumentam a
casos com tumores de outras linhagens já foram des- mortalidade por complicações como infecções sistê-
critos (sarcomas, carcinomas pulmonares, timomas). micas, distúrbios hidroeletrolíticos etc.; sempre que
DERMATOLOGIA
O depósito desses anticorpos na porção intraepidér- possível, devem-se introduzir os poupadores como a
mica leva à separação dos queratinócitos com a forma- azatioprina e ciclofosfamida. A plasmaférese e a imu-
ção das bolhas e, na zona da membrana basal, a uma noglobulina intravenosa também levam a um contro-
dermatite de interface do tipo liquenoide; le rápido, mas dura muito pouco. Pode-se solicitar
- Quadro clínico: o início se dá com lesões na cavida- acompanhamento com a pneumologia e a otorrino-
de oral altamente incapacitantes, lembrando as do laringologia no caso de comprometimento respirató-
Stevens-Johnson; pouco tempo depois, surgem bolhas rio e de mucosas. As taxas de mortalidade giram em
disseminadas e o acometimento de outras mucosas torno de 90%.
(conjuntiva, nasal, genital). Pode haver associação a
lesões em placas eritematosas, urticariformes e em B - Penfigoides
alvo como no eritema multiforme. O sinal de Nikolsky Estas doenças bolhosas têm em comum a separação na
é positivo, e grandes áreas de desprendimento epidér-
zona da membrana basal que é a transição entre a epiderme
mico podem ocorrer (lembrando a NET). O paciente
e a derme, sendo então bolhas de clivagem baixa. Também
apresenta-se toxemiado com queda do estado geral e
são autoimunes e os alvos são proteínas transmembrânicas
sinais de inflamação sistêmica. É possível o comprome-
que mantêm a aderência entre as 2 camadas da pele. São
timento de mucosas internas como as do trato gastrin-
doenças crônicas que requerem tratamento por longo pra-
testinal e pulmonar, sendo estas a principal causa de
zo, o que aumenta a morbidade do quadro.
mortalidade. O comprometimento da conjuntiva pode
levar a processos inflamatórios que culminam com a) Penfigoide bolhoso
cicatrizes incapacitantes, por isso devem ser tratados Doença bolhosa crônica muito associada a idosos, na
agressivamente; qual surgem bolhas tensas e raramente lesões mucosas,
- Métodos diagnósticos: para chegar ao diagnóstico, tendo um caráter relativamente benigno, já que os índices
devem-se aliar vários aspectos: de mortalidade pela doença não são tão altos como nos
• Clínicos: lesões erosivas de mucosa oral (e/ou ou- pênfigos:
tras mucosas) aliada a uma erupção cutânea poli- - Epidemiologia: a idade de início é por volta de 65
morfa (bolhas, erosões, placas eritematosas ou urti- anos, o que aumenta a dificuldade do tratamento, pois
cariformes, pústulas); os idosos geralmente têm diversas comorbidades as-
• Histopatológicos: demonstração de clivagens na epi- sociadas; apesar disso, já houve relatos de penfigoide
derme com a presença de acantólise e necrose de bolhoso em crianças. Não há predileção por sexo ou
queratinócitos aliada a uma dermatite de interface raça. A incidência é baixa com taxas de 1 caso para
do tipo liquenoide agredindo a membrana basal; cada 100.000 habitantes por ano;
• Imunofluorescência direta: comumente a positivi- - Fisiopatologia: tem origem autoimune com a forma-
dade se dá com depósitos de IgG, complemento e ção de anticorpos contra 2 proteínas transmembrâni-
às vezes IgM e IgA (os 2 primeiros são os mais fre- cas denominadas BPAG 1 (230 kilodáltons) e BPAG 2
quentes); esse depósito é intercelular e linear na (180 kilodáltons); a 1ª é um componente do hemides-
zona da membrana basal; mossomo, e a 2ª é uma molécula de colágeno. Com
• Imunofluorescência indireta: pesquisa a presença a ligação dos autoanticorpos, ocorrem a ativação do
de anticorpos circulantes no sangue dos pacientes; complemento e o processo inflamatório com atração
o grande diferencial é a positividade quando usada de leucócitos, dentre eles os eosinófilos, que pare-
a bexiga de rato como substrato para depósito dos cem ter um papel importante no penfigoide bolho-
61
DERMATOLOG I A
so. Os anticorpos são, principalmente, da classe IgG. (ELISA e immunoblotting) podem demonstrar que os
O desprendimento da epiderme para a formação da anticorpos são contra os antígenos específicos BP230 e
bolha ocorre então pela produção de proteases pe- BP180. O diagnóstico diferencial se dá frente aos pên-
los leucócitos ativados e diretamente pela ligação figos, principalmente o vulgar e paraneoplásico, pois
dos anticorpos, impedindo o funcionamento normal ambos cursam com lesões mucosas, e também com
das proteínas de ligação. Há relatos de indução de outras doenças bolhosas subepidérmicas como a der-
penfigoide bolhoso pelo uso de certas medicações: matite herpetiforme, a epidermólise bolhosa adquiri-
penicilamina, furosemida, ibuprofeno e outros anti- da (salt-split skin), o penfigoide cicatricial e o líquen
-inflamatórios, captopril, e outros inibidores da ECA. plano bolhoso. Erupções bolhosas por farmacoder-
Alguns estudos mostraram que pode haver asso- mias podem mimetizar o penfigoide bolhoso, inclusive
ciação a malignidades ocultas, mas alguns autores na histopatologia, já que também podem ser encon-
acham que isso é um viés epidemiológico, pois nessa trados eosinófilos; nesses casos, é fundamental a aju-
faixa etária a incidência de neoplasias é maior que na da da imunofluorescência direta;
população geral; - Tratamento: casos leves podem ser tratados de forma
- Quadro clínico: inicia-se por uma erupção aguda ou mais conservadora com o uso de tetraciclinas (pelo
subaguda de bolhas tensas que se disseminam, po- poder anti-inflamatório) associada a corticosteroides
dendo atingir qualquer segmento corporal; em alguns tópicos de alta potência; mesmo havendo uma melho-
pacientes, as bolhas surgem de lesões urticarifor- ra parcial com essa abordagem, muitos convivem bem
mes persistentes, o que muitas vezes leva a um erro com a patologia, e a remissão pode ser espontânea em
diagnóstico inicial. Como o teto da bolha é formado meses ou anos. A vantagem é que esse tratamento não
por toda a epiderme, são mais resistentes, levando tem riscos de grandes efeitos colaterais. Casos severos
a grandes lesões tensas; as que se rompem levam a merecem tratamento com corticoides sistêmicos como
áreas de erosão suscetíveis a infecções secundárias. O a prednisona, inicialmente em altas doses (60 a 80mg),
prurido é quase sempre associado e é importante se e que é diminuída até uma dose de manutenção de 10
presente. Queda do estado geral é vista nos casos com a 20mg/dia; o que pesa contra é a morbidade do tra-
lesões disseminadas. Como não há acantólise, não se tamento imunossupressor, principalmente nessa faixa
encontra o sinal de Nikolsky comum aos pênfigos. As etária, e esse fator pode até mesmo aumentar as taxas
lesões resolvidas não costumam deixar cicatrizes per- de mortalidade, já que a doença pode ter um caráter
sistentes. Lesões mucosas não ocorrem em mais do indolente em muitos casos, sendo desnecessária uma
que 15 a 20% dos casos e, quando o fazem, são raras e abordagem de risco. Cuidados gerais, como limpeza
fugazes, mas podem provocar a dificuldade de degluti- das feridas e uso de analgésicos, podem ser associados
ção, comprometendo o estado nutricional dos idosos. conforme a necessidade.
Formas vegetantes, principalmente em áreas flexurais,
já foram descritas na literatura científica, bem como
algumas formas localizadas acometendo, por exemplo,
apenas 1 perna;
- Métodos diagnósticos: além da união dos aspectos
clínicos principais (idosos, bolhas tensas dissemina-
das, prurido e caráter crônico) para chegar ao diag-
nóstico, pode-se lançar mão do exame histopatológi-
co, que mostra a clivagem baixa no nível da zona da
membrana basal; o conteúdo da bolha é intensamente
inflamatório, e uma característica importante é a pre-
sença de eosinófilos. O exame padrão-ouro é a imu-
nofluorescência direta, que mostra um depósito de
IgG e de complemento num padrão linear na área de
transição entre a epiderme e a derme; isso também
acontece em outras doenças bolhosas, como a epider-
mólise bolhosa adquirida, e para a diferenciação pode- Figura 18 - Penfigoide bolhoso: bolhas tensas que permanecem
-se complementar o exame com a técnica de salt-split intactas
skin, na qual uma solução fisiológica separa a pele
exatamente na lâmina lúcida, sendo então visualizado b) Dermatite herpetiforme
o depósito imunofluorescente no teto da pele separa- Doença bolhosa autoimune associada à enteropatia
da (na epidermólise bolhosa ele permanece no asso- sensível ao glúten (doença celíaca) mediada por IgA. O
alho). Exames mais específicos de biologia molecular nome vem do aspecto clínico das lesões que se agrupam
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D O E N Ç A S I N F L A M AT Ó R I A S
DERMATOLOGIA
Figura 19 - Imunofluorescência com depósito de IgA nas papilas
filos; isso parece acontecer porque, na pele, também
dérmicas
estão presentes enzimas denominadas de transglu-
taminases, que são semelhantes às encontradas na - Diagnóstico diferencial: se dá, principalmente, com a
mucosa intestinal; com isso, a dieta rica em glúten dermatose por IgA linear, que é mais comum em crian-
estimula uma reação autoimune contra tais enzimas ças e se localiza mais nas flexuras. Outras doenças bo-
intestinais e paralelamente ocorre o mesmo na pele. lhosas, como pênfigos e penfigoide bolhoso, também
Há uma predisposição genética, pois a dermatite her- são diferenciadas pelo exame anatomopatológico e
petiforme é mais frequente em pacientes com HLA-B8 pela imunofluorescência. Devido ao prurido, pode ser
e HLA-DR3; confundida com dermatite atópica e urticárias alérgi-
- Quadro clínico: a maioria dos pacientes vem ao con- cas. Alguns casos são erroneamente diagnosticados,
sultório com queixa de crises recorrentes de prurido como escabiose, que dificilmente tem um curso crôni-
e lesões cutâneas; essas podem ser pequenas placas co e recorrente e não tem lesões bolhosas;
eritematosas com vesículas que se agrupam num pa-
drão herpético, distribuídas no tronco, joelhos e coto-
- Tratamento: como medidas gerais, deve-se introduzir
uma dieta livre de glúten que pode melhorar por si só
velos (superfícies extensoras); devido às escoriações,
muitos casos (até 80% em alguns estudos); dapsona
podem estar presentes erosões lineares e crostas com
é a terapêutica medicamentosa mais utilizada com
infecção secundária. Lesões urticariformes também já
foram descritas. As lesões mucosas orais e genitais são respostas rápidas e espantosas, às vezes, servindo até
raras. Apenas 10% dos pacientes manifestarão sinto- como teste terapêutico; parece ter efeito inibitório so-
mas de má absorção (diarreias, náuseas, dores abdo- bre os neutrófilos. Seu principal efeito colateral é a he-
minais) devido à enteropatia do glúten. Os demais 90% mólise, principalmente em pacientes com deficiência
só são diagnosticados com exames mais invasivos (en- de G6PD. Os anti-histamínicos podem ser usados para
doscópicos e/ou biópsia da mucosa intestinal). Nesses controle do prurido – hidroxizina, loratida etc. O prog-
casos de acometimento intestinal, há um risco maior nóstico é bom, mas a doença tende a ser persistente.
para desenvolvimento de linfoma nesse mesmo órgão Acompanhamento gastroenterológico é necessário
e os pacientes necessitam de um acompanhamento para monitorar um possível surgimento de linfoma.
mais rigoroso. Também há maior associação a outras
doenças autoimunes: miastenia gravis, anemia perni- 4. Doenças do colágeno
ciosa e tireoidites;
- Métodos diagnósticos: a biópsia para exame anato- Neste tópico, são discutidas as patologias de interface
mopatológico é fundamental, e os achados são de com a Reumatologia, nas quais estão presentes os fenô-
bolhas subepidérmicas associadas a um infiltrado de menos de autoimunidade. Muitas vezes, as lesões cutâne-
neutrófilos, formando microabscessos na derme pa- as são a 1ª manifestação da doença, e posteriormente os
pilar. Assim como na doença celíaca, podem ser en- pacientes vêm a manifestar os sinais de comprometimento
contrados anticorpos antigliadina e antiendomísio no sistêmico. Muitos casos, no entanto, podem ficar apenas
sangue periférico, com sensibilidade de 70 a 80% (o restritos à pele e são conduzidos inteiramente pelo der-
2º tem maior especificidade). A imunofluorescência matologista. O conhecimento do quadro clínico cutâneo
da pele perilesional mostra um depósito granular de dessas enfermidades ajuda na antecipação do diagnóstico
IgA na derme papilar e fecha o diagnóstico com cer- e institui o tratamento precocemente para evitar a pior evo-
teza. lução, que é a tendência na maioria dos casos.
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DERMATOLOG I A
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ção. As lesões podem ser tratadas com corticoides de - Métodos diagnósticos: a apresentação clínica com le-
alta potência, mesmo quando elas se apresentarem sões eritematoescamosas anulares em área fotoexposta
na face, pois, se o tratamento fica concentrado ape- é bem característica, mas é sempre prudente o exame
nas na placa de lúpus, dificilmente ocorrerão os efei- histopatológico para confirmação, possibilitando maior
tos colaterais dos corticoides tópicos (atrofia, estrias, segurança ao tratamento; esse exame costuma apresen-
discromias); alguns casos resistentes necessitam até tar uma dermatite de interface dermoepidérmica, com
mesmo de infiltração intralesional com triancinolona. infiltrado de linfócitos. Casos duvidosos podem ser con-
O tratamento padrão-ouro é a cloroquina que pode ser firmados com a imunofluorescência direta (banda lúpi-
ministrada na forma do difosfato ou na forma da hidro- ca) que chega a ser positiva em até 50% dos pacientes.
xicloroquina (tem melhor resposta); tem efeito inibitó- Na sorologia, o FAN pode ser positivo na grande maioria
rio na inflamação e diminui a fotossensibilidade. Seu (quase 90%), porém os títulos costumam ser baixos (até
principal efeito colateral é a retinopatia por depósito, 1:64); nos anticorpos específicos, a positividade de anti-
por isso é necessário o acompanhamento oftalmológi- -Ro (anti-SSa) chega a quase 40%, e as pacientes que
co anualmente. Alguns casos raros com pior evolução apresentam esta alteração correm um risco maior de
podem se beneficiar dos esteroides sistêmicos por um terem filhos com lúpus neonatal e distúrbios cardíacos
DERMATOLOGIA
curto período. de condução como bloqueios de ramo;
b) Lúpus subagudo
- Tratamento: devido à exuberância das lesões que cos-
tuma ocupar uma grande porcentagem da área corpo-
Seria uma forma intermediária entre o quadro do lú- ral correspondente à pele exposta ao sol, muitos pa-
pus crônico e a forma sistêmica, tanto do ponto de vista cientes se beneficiam do uso de corticoides sistêmicos
cutâneo, pois as lesões são psoriasiformes, mas não che- (prednisona 1mg/kg); o mesmo vale para aqueles que
gam a provocar atrofia e sequelas cicatriciais, quanto do venham apresentar sintomas de acometimento sistê-
lado sistêmico, já que alguns pacientes podem ter algu- mico. Esse tratamento deve ser realizado por período
mas manifestações que estão entre os critérios clínicos breve e deve-se associar precocemente a cloroquina
de lúpus: (difosfato ou hidroxicloroquina) que irá auxiliar no des-
- Epidemiologia: não é a manifestação mais frequente mame do esteroide. Se as lesões se apresentarem em
do lúpus eritematoso, e somente 10% dos casos apa- pequeno número, a preferência será para os corticoi-
recem com essa apresentação em sua forma pura. des tópicos de alta potência. Sempre manter, também,
Também é mais frequente em pacientes do sexo fe- as medidas de fotoproteção. Já houve relato de melho-
minino, porém é rara em negros e mestiços (diferente ra de pacientes com uso de talidomida, mas essa deve
da forma crônica). A faixa etária mais acometida é de ser reservada a mulheres que não estejam em idade
jovens adultos e pacientes de meia-idade. No caso de fértil e que não responderam aos tratamentos citados.
recém-nascidos com manifestações cutâneas de lúpus,
é a forma mais comum; c) Lúpus eritematoso sistêmico
- Fisiopatologia: tem importante correlação com a ex- Forma mais grave com acometimento de diversos siste-
posição solar, pois os raios UV levam a um aumento mas por um processo inflamatório tecidual e vascular, que
da expressão de certos antígenos nos queratinócitos, pode ter diversas manifestações cutâneas, inclusive aque-
entre eles estão o antígeno Ro (SSa) e o antígeno La las já citadas no lúpus cutâneo crônico e no lúpus subagu-
(SSb); a partir daí são formados autoanticorpos volta- do. Por ser uma doença complexa e dinâmica, foram cria-
dos contra tais antígenos que o organismo não reco- dos critérios, pela Academia Americana de Reumatologia,
nhece como próprios. Esse desconhecimento por par- para fechar o diagnóstico, e que servem para nortear os clí-
te do sistema imunológico parece estar correlacionado nicos nessa dura jornada de combate a essa enfermidade.
com uma predisposição genética do sistema HLA (há Os dermatologistas muitas vezes são os que primeiramente
maior associação entre o lúpus cutâneo subagudo e os têm contato com o doente, já que muitos destes abrem o
genes HLA-DR3 e HLA-DQw2.1); quadro com lesões cutâneas.
- Quadro clínico: inicia-se como um quadro maculo- - Epidemiologia: é uma doença típica de mulheres jo-
papular em áreas fotoexpostas. Com a evolução as vens com acometimento de 9 pacientes femininos para
lesões crescem e tornam-se eritematoescamosas de cada masculino. A faixa etária mais acometida é de 30
configuração anular e aspecto psoriasiforme. As lesões a 40 anos, mas pode ter início na puberdade, rara em
costumam apresentar ardor. Sintomatologia sistêmica idosos. Apesar de alguns trabalhos mostrarem relação
inespecífica, como artralgia e fadiga, pode ocorrer em com alguns subtipos de HLA, não é comum encontrar
metade dos casos. Após a resolução das lesões não história de acometimento familiar. É mais frequente
costumam ocorrer cicatrizes. Alguns pacientes podem em negros, nos quais também é mais grave;
preencher critérios para lúpus sistêmico, porém os - Fisiopatologia: geneticamente, a base é a mesma des-
quadros são mais brandos; crita nos subtipos anteriores, associando-se aos mes-
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DERMATOLOG I A
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DERMATOLOGIA
gueais que nos dão indício de um possível compro-
metimento vascular inflamatório. Alguns pacientes
apresentam nas áreas fotoexpostas as placas de poi-
quilodermia: atróficas, eritematoacastanhadas e com
telangiectasias. Raramente, podem existir nódulos
amarelados por depósito de cálcio – calcinose cutâ-
nea (é mais frequente na dermatomiosite juvenil).
67
DERMATOLOG I A
- Diagnóstico diferencial: o principal se faz dentro do IL-4 e TGF beta nas lesões de morfeia. Dentre os estí-
grupo das colagenoses como o lúpus eritematoso sis- mulos antigênicos, já houve relatos da associação com
têmico e a doença mista do tecido conectivo. Lesões infecções por Borrelia sp;
por farmacodermia com fotossensibilidade e os fotoe- - Quadro clínico: a forma mais comum é a morfeia em
czemas também são semelhantes. As porfirias e a pe- placas, sendo lesões atróficas, endurecidas, de cor
lagra podem ter eritemas com fotossensibilidade, mas acastanhada e de formas diversas; a profundidade de
têm outros achados dermatológicos típicos; comprometimento das lesões é variável. A área mais
- Tratamento: o principal alvo do tratamento é o con- afetada é o tronco. No início do quadro, as lesões po-
trole da inflamação muscular, e é necessário para isso dem apresentar uma alteração da coloração ao redor
o emprego de corticosteroides sistêmicos (prednisona da placa, tendendo a um tom violáceo (“anel lilás”).
1mg/kg), de preferência associados a outros imunos- Uma forma particular é a linear, que acomete o couro
supressores que vão servir para auxiliar o desmame cabeludo e a região frontal, chamada “golpe de sabre”.
dos esteroides (entre eles, estão metotrexato, aza- Há também variantes mais raras com lesões queloidais,
tioprina e ciclosporina). O quadro dermatológico não além de paniculite (acometimento profundo do tecido
costuma responder tão bem e necessita de medidas celular subcutâneo). Formas extensas e generalizadas
de fotoproteção ampla (protetores solares, roupas e aumentam a comorbidade do quadro, principalmente
mudanças de hábitos de exposição). O difosfato de clo- em crianças quando podem afetar o desenvolvimento
roquina (ou mais modernamente, a hidroxicloroquina) osteomuscular;
pode ter um papel importante na diminuição da fotos-
sensibilidade. Os casos associados a neoplasias podem
ter cura, caso seja possível, também a erradicação da
malignidade.
C - Esclerodermia
Colagenose de amplo espectro clínico, variando de for-
mas localizadas estritamente na pele (morfeia), passando
por formas sistêmicas mais delimitadas (síndrome CREST), e
terminando na forma mais agressiva com comprometimento
orgânico múltiplo, a esclerose sistêmica. Todas têm um au-
mento da produção de colágeno em comum nos tecidos, le-
vando a uma fibrose difusa, e eventualmente há a associação
de distúrbios vasculares na pele quanto em órgãos internos.
Pela grande diferença entre os 3 subtipos, iremos abordá-los
separadamente para melhor compreensão didática.
a) Morfeia
Figura 24 - Morfeia: placa atrófica hipocrômica com borda acasta-
Também conhecida como esclerodermia cutânea loca- nhada e consistência endurecida no dorso
lizada, pois o processo de fibrose se restringe à derme e
tecido subcutâneo, sem comprometimento sistêmico asso- - Métodos diagnósticos: o diagnóstico é clínico, mas
ciado: pode ser confirmado com biópsia para exame anato-
- Epidemiologia: a incidência é de aproximadamente 2 a mopatológico; este mostra um processo de espessa-
3 casos para cada 100.000 habitantes (pode, inclusive, mento e homogeneização das fibras de colágeno na
ser maior, pois alguns casos são tão discretos que os derme, sendo a epiderme normal. Como a doença é
pacientes nem procuram atendimento dermatológi- restrita à pele, os exames laboratoriais quase nada
co). Há uma divisão na faixa etária, com metade dos agregam ao diagnóstico; eventualmente pode ser en-
casos acometendo a faixa pediátrica e a outra acome- contrada eosinofilia no hemograma e aumento da VHS.
tendo os adultos. Há predominância no sexo femini- Alguns pacientes podem ter o FAN positivo em títulos
no, que não é tão marcante (3:1), sendo a igualdade baixos. Todos esses achados são inespecíficos e podem
maior, principalmente entre as crianças; estar presentes em outras doenças reumatológicas. O
- Fisiopatologia: é desconhecida, e acredita-se em al- principal diagnóstico diferencial é com o líquen escle-
gum estímulo antigênico que leve a uma atividade roso e atrófico que cursa com placas no tronco (o exa-
inflamatória autoimune, na qual um aumento na pro- me histopatológico diferencia as 2 patologias);
dução de certas citocinas leve a um estímulo dos fi- - Tratamento: a maioria dos casos é leve e pode ser con-
broblastos, culminando com a excessiva fabricação de trolada com medidas conservadoras, como corticoste-
colágeno. Alguns estudos demonstraram aumento de roides tópicos de alta potência (clobetasol e betame-
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DERMATOLOGIA
mia sistêmica latu sensu com taxas variando de 0,3
As telangiectasias são microvarizes não pulsáteis que
a 2 casos para cada 100.000 habitantes; acredita-se,
formam lesões semelhantes a spider nevus sendo mais co-
no entanto, que 25% desses casos sejam atribuíveis à
muns na face e no tronco.
CREST. Em termos raciais, há maior incidência e pre-
A esclerodactilia é o espessamento e endurecimento da
valência entre os negros e algumas populações indí-
pele dos dedos das mãos, perdendo-se as dobras e pregas
genas. Também é bem mais comum em pacientes do
e, às vezes, levando à formação de fissuras; alguns apresen-
sexo feminino com a relação de 5 casos para cada pa-
tam telangiectasias e hemorragias periungueais:
ciente do sexo masculino; muitas pacientes, inclusive,
têm início no pós-parto tardio. A idade de início é 3ª e
- Métodos diagnósticos: alguns exames laboratoriais
ajudam na investigação da síndrome CREST:
4ª décadas, mas pode acometer qualquer faixa etária
(tende a ser mais precoce em negros); • FAN: pode ser positivo em até 50% dos casos, com
títulos altos, porém não tem especificidade;
- Fisiopatologia: o evento inicial é seguido pela ação de
um infiltrado inflamatório mononuclear (de predomí- • Anticentrômero: é o exame mais sensível e espe-
nio linfocitário), o que é comprovado com biópsia pre- cífico para essa forma localizada da esclerodermia;
coce em lesões iniciais de esclerodermia; essas células • Anti-Scl-70: também pode ser positivo, assim como
inflamatórias são responsáveis pela produção de cito- na forma de esclerodermia sistêmica difusa;
cinas como o TGF-beta que estimulam os fibroblastos • Manometria esofágica: para confirmar a dismotili-
a produzirem colágeno de forma excessiva, ocorrendo dade que se restringe ao terço distal;
um depósito que toma conta dos tecidos envolvidos. • Tomografia computadorizada: é mais sensível que
Ainda falta descobrir o evento inicial que provoca a o raio x para detecção de nódulos suspeitos de cal-
ativação das células mononucleares: há hipóteses de cinose.
agentes infecciosos, químicos, hormonais e genéticos Os demais exames inflamatórios podem mostrar a ati-
(microquimerismos); vidade da doença e são úteis no acompanhamento (por
- Quadro clínico: o evento que se manifesta primeira- exemplo, VHS, proteína C reativa etc.):
mente é o fenômeno de Raynaud, consistindo numa - Tratamento: por ser uma doença sistêmica de difícil
disautonomia da vasculatura periférica combinada controle, é necessária uma abordagem holística mul-
com a lesão do endotélio que promove a diminuição tidisciplinar.
do lúmen vascular. Clinicamente, é trifásico, com a pa-
lidez sendo a 1ª a surgir, seguida da cianose e termi- Das alterações, a mais resistente aos tratamentos é a
nando com o eritema (a correlação seria da vasocons- calcinose, pois nem mesmo a corticoterapia sistêmica é
trição, seguida da estase sanguínea com dessaturação capaz de controlar o quadro; como não há ainda uma te-
da hemoglobina e por último a fase de reperfusão). rapia de escolha, pode-se tentar uma associação com bifos-
Esses achados são bem visíveis nos dedos da mão, fonados (alendronato) e bloqueadores de canais de cálcio
principalmente com a exposição ao frio. (diltiazem). Também para o tratamento do fenômeno de
Raynaud essa categoria de anti-hipertensivos pode fun-
Tabela 2 - Síndrome CREST cionar, no entanto, são usados aqueles de longa duração,
C Calcinose como a nifedipina; além disso, as medidas comportamen-
tais que evitam a exposição ao frio e restrição do tabagismo
R Raynaud, fenômeno
podem ser bem eficazes. Devem ser evitados tratamentos
E Esofagite com beta-bloqueadores.
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DERMATOLOG I A
O tratamento da disfunção esofágica é o mesmo uti- nos e dificuldade para abrir a boca pela esclerose). As
lizado para o refluxo gastroesofágico com bloqueadores complicações cardíacas, pulmonares e renais costu-
da bomba de prótons (omeprazol) e os pró-cinéticos que mam levar a óbito;
aumentam a motilidade gástrica e a pressão no esfíncter - Métodos diagnósticos: a investigação laboratorial toma
(bromoprida); também aqui são válidas as medidas com- o mesmo rumo que na forma CREST localizada.
portamentais (dieta fracionada, evitar líquido nas refeições • Exames de fase aguda: aumento de VHS e da prote-
etc.). As telangiectasias podem ser tratadas com laser es- ína C reativa;
pecífico. A esclerose pode ser controlada com os corticoi- • Hemograma: pode cursar com anemia normocíti-
des sistêmicos, e a prednisona é a mais utilizada. Alguns ca e normocrômica (anemia de doença crônica) e
estudos pequenos mostraram boa resposta com uso de eventualmente eosinofilia leve;
D-penicilamina.
• FAN positivo, em quase 90% dos casos, sendo os
c) Esclerodermia difusa padrões nucleolar, centromérico e homogêneo os
Forma sistêmica progressiva com graves repercussões mais frequentes;
para o organismo e pode ser fatal quando associada a com- • Positividade de Scl-70 (topoisomerase I) que tem
plicações cardiopulmonares ou renais. alta especificidade para a forma difusa (apesar de
- Epidemiologia: não tem uma frequência alta, com ser positivo em apenas 25% dos pacientes) e tam-
menos de 1 caso para cada 100.000 habitantes ao ano bém indicam um pior prognóstico;
e uma prevalência de 5 a 10 casos para cada 100.000 • Fator reumatoide: pode ser positivo, mas é um
habitantes. O acometimento preferencial do sexo fe- achado inespecífico.
minino é marcante, pois a proporção é de 4 mulheres - Diagnóstico diferencial: o único, na sua forma comple-
para cada paciente masculino. Não há predileção por ta é a pseudoesclerodermia que engloba várias entida-
raças ou predomínio em alguma região geográfica. des: fasceíte eosinofílica, síndrome mialgia-eosinofilia
Pode acometer qualquer faixa etária, mas tem maior pela ingestão de triptofano, escleromixedema pelo de-
incidência nos adultos jovens e de meia-idade; pósito de mucina etc.;
- Fisiopatologia: como mencionado nos subtipos des- - Tratamento: por ser uma doença sistêmica de difícil
critos, a causa parece resultar de uma interação entre controle, é preciso uma abordagem holística multidis-
fenômenos imunológicos autoimunes e vasculares, ciplinar.
culminando com uma superprodução de colágeno. A A abordagem é semelhante à da forma CREST, com uso
base para o desencadeamento da doença sistêmica de corticosteroides e outros imunossupressores para impe-
é desconhecida, mas certamente tem uma participa- dir a progressão da esclerose, e nos casos com comprome-
ção genética; alguns trabalhos mostraram associação timento de órgãos internos; podem ser substituídos pela ci-
a HLA-B8 e HLA-DR12. Também já houve estudos que clofosfamida e metotrexato para evitar os efeitos colaterais
mostraram células-tronco após o parto, o que promo- do uso prolongado.
veria uma reação imunológica por meio do microqui- A D-penicilamina também já se mostrou eficaz em al-
merismo. Fatores ambientais também já foram asso- guns casos relatados. As manifestações vasculares são tra-
ciados como casos desencadeados pela exposição à sí- tadas com bloqueadores de canais de cálcio. Na abordagem
lica, bem como alguns relatos isolados após o implante multidisciplinar, é importante o acompanhamento pulmo-
de próteses de silicone; nar com testes de função periódicos para detectar a fibrose
- Quadro clínico: a forma difusa da esclerodermia sis- e/ou a hipertensão pulmonar em fases precoces. Da mesma
têmica tem uma evolução rapidamente progressiva, forma, deve-se monitorar a função renal com exames re-
na qual o pródromo com manifestações inespecíficas gulares. Fisioterapia ajuda a prevenir contraturas e permite
(fraqueza, artralgias, febre baixa) e o fenômeno de uma melhor mobilidade nas atividades diárias.
Raynaud é curto (diferente da forma localizada CREST,
em que esse pródromo pode durar anos). Seguindo d) Líquen escleroso
a fase prodrômica, já se iniciam as manifestações da - Sinonímia: líquen escleroatrófico; balanite xerótica
esclerose que, na pele, não fica restrita apenas às ex- obliterante; craurose vulvar. Doença inflamatória crô-
tremidades (esclerodactilia), mas também leva a um nica que cursa com a atrofia da epiderme e lesões
comprometimento central (tronco). Além disso, pro- hipocrômicas, podendo ter manifestações genitais e
paga-se para órgãos internos, promovendo fibrose dos extragenitais;
sistemas gastrintestinal, pulmonar, renal e cardíaco; a - Epidemiologia: faltam estudos epidemiológicos que
sintomatologia dependerá do grau de acometimento apresentem números consistentes sobre a real inci-
interno. Outras manifestações cutâneas podem estar dência da doença, mas pela prática clínica se perce-
presentes, como telangiectasias na face e dedos das be que não é uma doença tão rara. É mais comum em
mãos, calcinose subcutânea e microstomia (lábios fi- adultos jovens, e uma boa parcela pode acontecer em
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D O E N Ç A S I N F L A M AT Ó R I A S
crianças. A maioria absoluta é vista em mulheres com - Métodos diagnósticos: o diagnóstico é eminentemen-
taxas de 5 casos para cada homem afetado. Não há te clínico, e não há exames de análise clínica que au-
predileção racial, mas pode ser subdiagnosticada em xiliem nesse processo. O exame anatomopatológico
caucasianos pela discrição das lesões hipocrômicas; deve ser realizado em alguns casos que necessitem de
- Fisiopatologia: ainda é desconhecida, e sabe-se por diferenciação da esclerodermia localizada (morfeia),
alguns estudos que pode haver a formação de auto- pois ambos cursam com lesões atróficas e acrômicas. A
anticorpos contra uma proteína da matriz extracelular. histopatologia evidencia uma atrofia da epiderme alia-
Além disso, há uma alteração na atividade de fibro- da a uma dermatite da interface tipo liquenoide. Outro
blastos que promove um aumento da fibrose tecidual; diagnóstico diferencial principal além da morfeia e do
alguns acreditam que o líquen escleroso seja parte de vitiligo, mas esse não cursa com alterações da textura
um espectro da esclerodermia. Também vale ressaltar e relevo da pele;
a participação de fatores hormonais, pois alguns estu- - Tratamento: visa principalmente controlar a progres-
dos mostraram o desencadeamento em menopausa- são da doença e dos sintomas associados, já que a re-
das que iniciaram o uso de anticoncepcionais. Também versão completa do quadro é muito improvável. Para
há relatos anedóticos da associação com infecções por isso, são usados corticosteroides potentes na lesão
DERMATOLOGIA
Borrelia mostrada por estudos imuno-histoquímicos; (betametasona e clobetasol). Há opções cirúrgicas
- Quadro clínico: normalmente, a 1ª manifestação são os para casos com sequelas, nos quais o ato sexual fica
sintomas localizados (vulva e pênis) que podem ser o prejudicado, principalmente para pacientes homens
prurido e/ou o ardor; a sintomatologia também pode (postectomia); as lesões ulceradas devem ser investi-
ser vista nas lesões extragenitais. A manifestação cutâ- gadas para evitar a não percepção da transformação
nea é iniciada por pápulas que coalescem e levam à for- maligna.
mação de placa atrófica e hipocrômica que pode variar
de poucos milímetros a vários centímetros de tamanho.
As formas são bizarras e variadas. A localização nas for- 5. Doenças dos vasos e lesões ulceradas
mas genitais são a vulva e o introito vaginal; no pênis, Nesta parte, serão abordadas, de forma dividida, as le-
localiza-se na glande e no prepúcio adjacente. Na forma sões inflamatórias e as vasculopatias circulatórias; nesta
extragenital, pode surgir em qualquer local, mas é mais última, enquadram-se as lesões ulceradas, que têm outros
comum no tronco e na nuca. Surpreendentemente, são fatores causais além das afecções dos vasos.
raras as lesões na mucosa oral. Não há relatos do com-
prometimento sistêmico pela doença. A - Vasculites
As lesões crônicas que venham a apresentar úlceras que O termo “vasculite” é muito vasto e impreciso, pois nele
não cicatrizam devem ser biopsiadas devido ao risco de são enquadradas diversas patologias que não têm aspectos
transformação para o carcinoma espinocelular. em comum. Até mesmo em termos de classificação, alguns
autores adotam a divisão topográfica (vasculite de peque-
nos, médios e grandes vasos), enquanto outros preferem
a óptica da patologia (vasculite granulomatosa, vasculite
leucocitoclástica, vasculite linfocítica etc.). Em termos cutâ-
neos, as vasculites podem se manifestar com diversos tipos
de lesões, uma verdadeira “torre de babel”; classicamente
associa-se a lesões necrosantes e púrpuras palpáveis. Como
o tema é confuso, serão abordadas as principais entidades
separadamente nesta parte.
a) Síndrome de Churg-Strauss
- Sinonímia: vasculite granulomatosa alérgica. Uma
afecção sistêmica que cursa com asma, infiltrados pul-
monares transitórios, eosinofilia e vasculite em qual-
quer órgão. É uma doença dinâmica que passa por 3
fases distintas, o que dificulta o diagnóstico. Enquadra-
se no grupo das vasculites granulomatosas afetando
pequenos e médios vasos;
- Epidemiologia: por ser uma doença rara e de diagnós-
Figura 25 - Placa atrófica e acrômica de consistência endurecida tico nem sempre fácil, tem-se uma baixa incidência
no dorso: notar a região eritematosa no local da biópsia que con- com alguns estudos, mostrando algo em torno de 2 a 3
firmou o diagnóstico de líquen escleroso casos para cada 1 milhão de habitantes. Parece haver
71
DERMATOLOG I A
um leve predomínio em homens, o que é questiona- dos por períodos mais longos. No caso de não haver
do por alguns autores. Pode acometer qualquer idade, resposta a esse tratamento inicial, deve-se lançar mão
mas a faixa mais acometida é de adultos na meia idade da ciclofosfamida que também é um potente imunos-
(50 anos). Não há predileção racial; supressor. Outra opção como poupador de corticoide
- Fisiopatologia: ainda é desconhecida, mas acredita-se é o metotrexato. Recentemente, houve relatos de me-
em uma reação de hipersensibilidade com uma res- lhora com infliximabe e etanercepte, que são inibido-
posta granulomatosa associada; res do TNF.
- Quadro clínico: clinicamente, pode-se dividi-la em b) Granulomatose de Wegener
3 fases que acabam se superpondo. Primeiramente,
ocorrem as manifestações alérgicas com asma e rini- Rara vasculite multissistêmica, que, no entanto, com-
te; podem durar meses a anos, e o diagnóstico nessa bina principalmente o acometimento de vias respiratórias
fase é muito improvável, pois são semelhantes às rea- altas e baixas com o comprometimento renal, ambos com
ções alérgicas mais comuns. Posteriormente, inicia-se inflamação do tipo granulomatosa.
a fase de hipereosinofilia, na qual ocorrem infiltrados, - Epidemiologia: tem uma incidência maior que a sín-
na maioria transitórios, de eosinófilos em diversos te- drome de Churg-Strauss com aproximadamente 9 ca-
cidos como pulmões (lembra a síndrome de Löeffler) e sos para cada 1 milhão de habitantes (alguns estudos
trato gastrintestinal; paralelamente, pode haver sinto- norte-americanos mostraram incidência de 30 casos
mas de inflamação sistêmica (febre, adinamia, perda por milhão). Também parece haver um leve predomí-
ponderal) e encontra-se eosinofilia marcante ao he- nio nos homens com taxas de 1,5:1. É mais comum na
mograma. Por último, inicia-se a fase de vasculite na raça branca caucasiana e rara em negros (porém nes-
qual qualquer órgão pode ser acometido, mas os mais ses tem tratamento mais difícil). A idade de acometi-
incidentes são coração (dor precordial e arritmias), mento varia entre 35 e 55 anos, mas pode acontecer
pulmões (dor pleurítica, tosse e dispneia), rins (glo- também nos extremos (crianças e idosos);
merulonefrite com hematúria e proteinúria) e sistema
nervoso central (isquemia, neuropatias periféricas e - Fisiopatologia: desconhecida. A hipótese mais aceita
alterações visuais). Na pele, as lesões podem simular é a de uma reação autoimune com formação de auto-
a urticária (sendo menos fugazes que a urticária co- anticorpos contra proteínas citoplasmáticas de neutró-
mum), e o eritema multiforme com lesões em alvo, filos (c-ANCA) que desencadeiam a inflamação no en-
púrpuras palpáveis e livedo reticular; dotélio vascular. Não se comprovou nenhuma ligação
- Métodos diagnósticos: como exames gerais iniciais, genética. Agentes infecciosos são implicados, pois há
podem-se solicitar o hemograma (pode cursar com relatos de melhora com antibióticos (sulfametoxazol/
leucocitose e eosinofilia com mais de 10%) e a veloci- trimetoprim);
dade de hemossedimentação que costuma estar bem - Quadro clínico: normalmente, o paciente abre o qua-
elevada. O FAN e o fator reumatoide podem ser posi- dro com a inflamação de vias aéreas altas, simulando
tivos em níveis baixos (achado inespecífico). Deve-se uma sinusite bacteriana; a diferença está na coriza san-
avaliar a função renal e a proteinúria (creatinina, uri-
guinolenta e na falta de resposta à antibioticoterapia.
na I e proteinúria de 24 horas) e monitorar o coração
Com a progressão para vias aéreas mais baixas, o pa-
(eletrocardiograma). Mas o diagnóstico definitivo só é
ciente passa a apresentar tosse, dispneia e hemoptise.
possível com a biópsia, sendo os locais mais realizados
Paralelamente, pode iniciar o comprometimento renal
a pele e o tecido renal; deve-se encontrar uma vascu-
que clinicamente se manifesta com oligúria e hematú-
lite de pequenos vasos com granulomas e eosinófilos.
O diagnóstico diferencial depende da fase de acometi- ria. A mononeurite multiplex que são acometimentos
mento: asma alérgica e rinite na 1ª; síndromes hipere- isolados de alguns troncos nervosos também resultam
osinofílicas (toxocaríase, síndrome de Löeffler etc.) na da vasculite de pequenos vasos. Sintomas gerais de in-
2ª; e as vasculites na 3ª (granulomatose de Wegener, flamação sistêmica também acompanham o quadro:
púrpura de Henoch-Schönlein etc.); febre, adinamia, inapetência e perda de peso. As le-
- Tratamento: os doentes respondem rapidamente à sões de pele podem ocorrer em até 50% dos casos, e
instituição dos corticosteroides, e essas drogas redu- em 13% são as primeiras manifestações com indícios
ziram bastante a mortalidade da doença (de 50 para da vasculite. As lesões são variáveis e inespecíficas:
menos de 20%). A droga mais usada é a prednisona, nódulos eritematosos, púrpuras palpáveis, ulcerações
na dose de 1 a 2mg/kg, dependendo da gravidade dos e outras mais; costumam predominar nos membros
sintomas; com a melhora, é possível fazer o desmame, inferiores. Lesões mucosas são raras, porém clássi-
mas costuma haver recidiva em alguns pacientes, prin- cas: hiperplasia gengival “em forma de morango”.
cipalmente dos sintomas respiratórios, e nesses casos Pacientes com lesões cutâneas têm maior chance de
devem ser mantidas doses pequenas em dias alterna- acometimento renal;
72
D O E N Ç A S I N F L A M AT Ó R I A S
- Métodos diagnósticos: pode-se chegar ao diagnóstico infecciosos, pois alguns estudos mostraram uma inci-
pelos aspectos clínicos que reúnem um quadro de aco- dência de quase 70% de infecções respiratórias altas
metimento respiratório alto e baixo com acometimen- prévias (principalmente estreptocócicas do tipo beta-
to renal e lesões cutâneas sugestivas de vasculite, no -hemolítico). No entanto, não se podem descartar me-
entanto, nem sempre todos os sinais e sintomas estão dicações usadas para tratar esses pacientes (anti-infla-
presentes. Nesses casos, a confirmação pode ser dada matórios, antibióticos, antipiréticos etc.). Seja qual o
pelo c-ANCA, um exame com sensibilidade e especi- agente desencadeante, leva a um depósito de IgA que
ficidade por volta de 90%; o p-ANCA pode ser positi- pode ser encontrado nos vasos da pele ou rins, respon-
vo a uma menor proporção (25%). Os exames gerais sável pelo desencadeamento do processo inflamatório
mostram um processo inflamatório crônico: leucoci- com a participação de neutrófilos que leva à leucocito-
tose no hemograma, aumento de VHS e de proteína clasia (necrose da parede do vaso deixando restos de
C reativa, anemia de doença crônica etc. A avaliação debris de poeira nuclear);
renal pela creatinina e pela urina I também é impor-
tante no acompanhamento dos doentes. Infiltrados
pulmonares inespecíficos podem representar a infla-
DERMATOLOGIA
mação granulomatosa no parênquima desse órgão.
Muitos autores consideram que o diagnóstico só vem
com a biópsia e o exame anatomopatológico; no caso
da pele, o exame é inespecífico (mostra uma vasculite
leucocitoclástica); exame de tecido renal e pulmonar
tem maior significância para o diagnóstico;
- Tratamento: deve ser agressivo nos casos com acome-
timento pulmonar e/ou renal, pois esses são potencial-
mente fatais. São igualmente eficazes a prednisona na
dose de 1mg/kg e a ciclofosfamida, esta mantida por
mais tempo enquanto o 1º é diminuído. Azatioprina e
metotrexato também são opções como poupadores Figura 26 - Imunofluorescência: púrpura de Henoch-Schönlein (de-
de corticoide. Há relatos anedóticos de melhora com pósito de IgA na parede dos vasos dérmicos)
sulfametoxazol/trimetoprim. Mais recentemente, os
casos resistentes foram tratados com infliximabe e ti- - Quadro clínico: clinicamente, os pacientes têm, como
veram boa resposta. São preditores de resistência ao manifestação inicial, a presença de lesões purpúricas
tratamento: raça negra, sexo feminino, acometimento palpáveis, e algumas evoluem com necrose central,
renal severo. Com o advento da terapia imunossupres- deixando crostas hemáticas encimadas; costumam
sora, as mortes por complicações diminuíram consi- aparecer em surtos de lesões semelhantes, entre si,
deravelmente, e, hoje, a principal causa de óbito é a que demoram a cicatrizar, deixando o quadro poli-
iatrogenia (complicações pelas medicações imunossu- mórfico às vezes, já as lesões podem estar em estágios
pressoras). diferentes. Podem surgir em qualquer região, mas o
grande predomínio é em membros inferiores. Aliado
c) Púrpura de Henoch-Schönlein ao quadro cutâneo, o paciente costuma relatar artral-
Sinonímia: púrpura anafilactoide. Vasculite leucoci- gias inespecíficas, dores abdominais e escurecimento
toclástica mediada por IgA que acomete principalmente da urina. Isso porque o quadro inflamatório vascular
crianças e que combina manifestações de 3 sistemas: pele, pode acometer o trato digestivo (levando à necrose
renal e digestivo. das vísceras com eventual perfuração e/ou hemorragia
- Epidemiologia: como a maioria das vasculites, não é digestiva) e o sistema renal (levando a uma síndrome
tão frequente e estudos norte-americanos mostraram nefrítica devido à glomerulonefrite por IgA);
taxas de 20 casos para cada 100.000 habitantes. É bem - Métodos diagnósticos: nos exames gerais, pode estar
mais frequente em crianças, sendo o pico por volta de alterado o hemograma (com leucocitose e neutrofilia),
6 anos (de 4 a 11), entretanto, pode acometer qual- pode haver aumento de VHS e proteína C reativa. A
quer idade; há uma predominância no sexo masculino urina I mostra hematúria e proteinúria, sendo a últi-
com a relação de 2:1. Os surtos são mais frequentes ma melhor quantificada pela urina de 24 horas. É im-
na primavera. Não há estudos que comprovem alguma portante monitorar a função renal por meio da ureia e
predileção racial; creatinina. O ASLO pode estar positivo em 50% dos ca-
- Fisiopatologia: como há envolvimento com IgA, acre- sos. Nos casos graves com proteinúria maior de 3,5g/
dita-se que o evento inicial seja desencadeado em dia, deve-se realizar a biópsia renal, e o tecido pode
mucosas; as hipóteses formuladas tratam de agentes servir para a imunofluorescência direta que mostrará
73
DERMATOLOG I A
o depósito de IgA. O mesmo pode ser realizado nas - Quadro clínico: a presença de lesões purpúricas palpá-
lesões de pele em que o mesmo depósito pode ser veis é, sem dúvida, a maior e mais característica ma-
encontrado; além disso, o exame anatomopatológico nifestação cutânea. Costumam vir aliadas a lesões pa-
mostra a necrose fibrinoide da parede dos vasos e a pulosas, nodulares e necróticas, o que caracteriza um
leucocitoclasia. O diagnóstico diferencial inclui toda a quadro polimórfico. Podem surgir em qualquer região
gama das vasculites de pequenos e médios vasos com de forma simétrica, porém o predomínio é nos mem-
comprometimento sistêmico; bros inferiores. Muitos pacientes podem ter o quadro
- Tratamento: a maioria dos pacientes tem uma doença restrito à pele, porém são possíveis manifestações sis-
benigna e autolimitada, sendo os sintomas leves tra- têmicas (articulares, digestivas, renais e respiratórias)
tados com anti-inflamatórios e analgésicos. A grande e também as manifestações da doença de base quan-
preocupação está nos casos que têm um grave com- do houver. O teste de Rumpel-Leed é positivo;
prometimento renal e nesses devemos usar corticos-
teroides e outros imunossupressores (ciclofosfamida e
azatioprina) para evitar a falência renal aguda (impor-
tante causa de morte) ou crônica devido às sequelas
deixadas pela doença.
d) Vasculites de hipersensibilidade
Sinonímia: vasculite alérgica ou de hipersensibilida-
de. Engloba todas as reações alérgicas do tipo III de Gell
e Coombs nas quais imunocomplexos são formados e se
depositam nas paredes dos capilares e vênulas, levando ao
processo inflamatório que culmina com a vasculite leucoci-
toclástica; de certa forma, a púrpura de Henoch-Schönlein
tem essa mesma fisiopatologia, porém é vista por muitos
autores como uma entidade separada devido às diversas
particularidades clínicas.
Figura 27 - Paciente em uso de anti-inflamatório que apresentou
- Epidemiologia: devido às inúmeras associações cau- erupção com púrpuras palpáveis e áreas de necrose nas pernas
sais, acaba sendo uma entidade relativamente fre- além de comprometimento renal (vasculite de hipersensibilidade)
quente, englobando aí casos restritos à pele e com ma-
nifestações sistêmicas. Não existem estudos concretos
que mostrem sua real incidência. Sabe-se que não há
predileção por sexo e pode acometer desde crianças
(quando está associada comumente a infecções) até
idosos (nestes, devido à gama de interações medica-
mentosas);
- Fisiopatologia: são diversos os agentes causais já im-
plicados – infecções virais (hepatites B e C, herpes, ci-
tomegalovírus etc.), bacterianas (estreptococos, mico-
bactérias etc.), fungos, antígenos tumorais (linfomas,
mielomas etc.), doenças autoimunes (lúpus, artrite
reumatoide, dermatomiosite, doenças inflamatórias
intestinais), drogas (anti-inflamatórios, antibióticos,
fenitoína, inibidores da ECA) e alimentos (corantes,
conservantes). Esses desencadeadores promovem a
formação de complexos antígeno-anticorpo que depo-
Figura 28 - Úlcera extensa de longa data em paciente com insu-
sitarão ao nível subendotelial da parede dos microva- ficiência venosa: ampliação de uma tumoração com suspeita de
sos; aí se inicia toda a cadeia inflamatória que culmina transformação maligna
com a necrose da parede vascular do tipo leucocito-
clástica, mediada principalmente por neutrófilos, mas - Métodos diagnósticos: de acordo com a história clí-
com a participação de linfócitos e mastócitos, depen- nica, devem-se criteriosamente solicitar os exames
dendo do evento desencadeante. No entanto, cerca de gerais; solicitações sem fundamento e “às escuras”
30 a 50% dos pacientes não têm nenhuma causa es- não levam à elucidação diagnóstica. Os objetivos são
pecífica (assim, são enquadrados como manifestação encontrar alterações sistêmicas e tentar descobrir a
idiopática); causa de base. Pode haver alterações inespecíficas no
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DERMATOLOGIA
comprometimento sistêmico podem necessitar de cor- tite de estase que reúne alguns achados: edema, placas
ticoides orais, o que pode, por outro lado, dificultar o eritematosas com ou sem exsudação, dermatoesclerose
encontro da doença de base. Na medida do possível, (fibrose logo acima do tornozelo e que dá um aspecto de
devem-se evitá-los. A colchicina teve boa resposta em estrangulamento do membro) e a dermatite ocre (man-
alguns estudos isolados. Outros imunossupressores chas acastanhadas pela deposição de hemossiderina).
(azatioprina, ciclofosfamida) podem ser usados nos ca- Normalmente, essa é a base para o desenvolvimento da
sos recorrentes idiopáticos. Medicações sintomáticas úlcera que geralmente se inicia após um trauma/ferimen-
e medidas, como meias elásticas e elevação das per- to que não sofre uma cicatrização normal. A lesão ulce-
nas, são úteis. rada deve ter as bordas bem definidas, porém não ele-
vadas, o fundo granuloso, de cor hemorrágica (pode ter,
B - Lesões ulceradas às vezes, camadas de fibrina com coloração amarelada),
o tamanho é variável de poucos a vários centímetros (as
Também é outro subgrupo de doenças em que o diag-
menores tendem a ser mais dolorosas). A localização me-
nóstico é uma verdadeira “caixa de pandora”, pois são di-
dial é muito favorável à origem venosa. Quanto às com-
versas as etiologias, variando desde lesões vasculares, pas-
plicações, as mais frequentes são a infecção secundária
sando por úlceras de origem inflamatória/infecciosa e cul-
(o fundo apresenta-se mais purulento e a borda mais eri-
minando com os carcinomas cutâneos. A abordagem clínica
tematosa) e a malignização, evento que recebe o nome
holística, tentando enquadrar a úlcera no contexto geral do
de úlcera de Marjolin. Alguns autores relatam aspectos
paciente, dirige ao diagnóstico correto. Os casos arrastados
clínicos a favor da transformação de uma úlcera venosa
e inconclusivos, que geralmente não respondem aos diver-
em um carcinoma (normalmente, espinocelular):
sos tratamentos empregados, muitas vezes terminam em
• Granulação anormal no fundo da úlcera;
biópsia, que acaba levando à elucidação do quadro. A se-
guir, serão abordadas as principais síndromes ulcerosas não • Áreas de crescimento com aspecto de tumoração
neoplásicas. na lesão;
• Dor fora do comum para uma lesão grande;
a) Úlcera venosa crônica
• Sangramento sem um evento traumático.
A úlcera venosa é o resultado de um processo inflama-
tório crônico causado pela hipertensão no sistema venoso
dos membros inferiores, que por sua vez resulta em altera-
ções cutâneas chamada dermatoesclerose, esta caracteri-
zada por edema, endurecimento e escurecimento do terço
inferior das pernas.
- Epidemiologia: a incidência da insuficiência venosa
com a formação de varizes é bem alta, chegando a
60% da população em alguns estudos; felizmente ape-
nas uma pequena parcela chega a desenvolver a úlce-
ra, 0,007% dos pacientes (700/100.000 habitantes).
Mesmo assim, devido à morbidade do quadro, esses
números são representativos para a sociedade como
um todo. A prevalência do problema aumenta com a Figura 29 - Úlcera venosa crônica extensa, com fundo fibrinoso e
idade e é de 2 a 3 vezes mais frequente nas mulheres. bordas irregulares no MIE
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DERMATOLOG I A
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croangiopatias, pode haver placas eritematosas que se pleta só é obtida após restabelecer o fluxo normal com
assemelham aos eczemas e à erisipela. Com relação às a cirurgia vascular.
úlceras, podem surgir por 2 meios:
c) Úlceras infecciosas
• Lesões agudas: provenientes de embolias das pla-
cas ateromatosas que leva a um infarto agudo de Nesta parte, serão abordadas lesões crônicas causadas
um segmento da pele; clinicamente, iniciam-se por micro-organismos, muitos dos quais já foram vistos em
como um nódulo ou placa de consistência mais en- outros capítulos (por exemplo, leishmaniose e esporotri-
durecida e dolorida à palpação; com a piora da is- cose), logo merecem considerações especiais o ectima e a
quemia, ocorre a necrose com formação da úlcera tuberculose.
no centro da lesão inicial;
• Lesões crônicas: mais relacionadas com a micro- I - Ectima
angiopatia, têm surgimento desencadeado por
São ulcerações cutâneas causadas por bactérias haven-
trauma ou infecção levando a uma úlcera rasa, de
do 2 subtipos, o ectima clássico e o ectima gangrenoso; am-
bordas duras e fundo limpo, além de muito dolori-
bos podem ter evolução rápida e devastadora em alguns
da ao toque; predomina no maléolo lateral, e a sin-
DERMATOLOGIA
casos, levando inclusive a amputações das áreas atingidas.
tomatologia é aliviada com o membro mantido na
posição ortostática (pé para baixo). a) Ectima simples
É a apresentação clássica mais comum e, na verdade,
representa a evolução de um impetigo que acaba se apro-
fundando mais na derme e gerando a lesão ulcerada.
- Epidemiologia: estudos epidemiológicos sobre o tema
são raros, e fica difícil estimar sua incidência precisa-
mente. Sabe-se que é mais comum em crianças e ido-
sos (como as demais piodermites) e não tem predile-
ção por sexo ou raça;
- Fisiopatologia: o agente implicado é o estreptococo
beta-hemolítico do grupo A, e o quadro inicial é um
impetigo simples, que com a evolução passa por um
aprofundamento em direção às camadas mais pro-
fundas da pele, o que caracteriza uma ulceração; os
fatores predisponentes para essa forma mais invasiva
podem ser por parte do hospedeiro (que não é capaz
Figura 32 - Úlcera de insuficiência arterial: úlcera com necrose cen- de conter o avanço da colônia de bactérias) ou por ce-
tral, bordas irregulares e halo eritematoso perilesional pas mais virulentas com enzimas proteolíticas mais efi-
cazes. Uma história de trauma prévio ou de estado de
- Métodos diagnósticos: os exames gerais são solicita- imunossupressão pode estar presente;
dos para controle dos fatores de risco como o diabe- - Quadro clínico: o início se dá com uma pequena pápu-
tes e a dislipidemia. Exames de imagem não invasivos la de impetigo que aumenta em extensão e profun-
(ultrassom com dopplerfluxometria) são solicitados didade, gerando a úlcera que pode chegar a 4cm de
inicialmente para averiguar o fluxo arterial; se forem tamanho. O fundo pode ser purulento ou com crostas
necessários exames mais aprofundados, a arteriogra- melicéricas e a borda, eritematosa com sinais flogísti-
fia é o padrão-ouro e pode inclusive auxiliar no plane- cos. Adenopatia satélite é frequente. A dor na lesão
jamento cirúrgico (bypass). A biópsia para exame ana- costuma ser o sintoma associado. A resolução da lesão
tomopatológico não é indicada, pois apresenta apenas costuma deixar cicatrizes permanentes. Raramente,
achados inespecíficos; são vistos sintomas sistêmicos. As complicações locais
- Tratamento: a higiene adequada e os cuidados locais como celulite, osteomielite e amputação são mais co-
são importantes para evitar a infecção das úlceras. muns em imunossuprimidos e diabéticos. Outra com-
Deve ser adotada a prática de exercícios que aumenta plicação frequente é a glomerulonefrite pós-estrepto-
a circulação colateral e também encorajar os pacien- cócica;
tes para que abandonem o tabagismo. Evitar curativos - Métodos diagnósticos: a suspeita clínica pode ser
compressivos como a bota de Unna, pois diminuem confirmada com a cultura e o Gram da lesão, e ambas
a irrigação arterial. Medicações como a pentoxifilina devem mostrar o agente etiológico (Streptococcus). A
têm propriedades reológicas (diminui a viscosidade do biópsia para exame anatomopatológico raramente é
sangue) que aumentam o fluxo local. A melhora com- necessária, e seus achados são inespecíficos (necrose
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DERMATOLOG I A
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DERMATOLOGIA
Pioderma gangrenoso Figura 33 - Pioderma gangrenoso: úlceras nos membros inferiores
Doença inflamatória cutânea que costuma se manifestar com borda subminada
com úlceras necróticas e que vem associada a outras enfer-
midades sistêmicas em até 50% dos casos. Como a etiologia
- Métodos diagnósticos: o diagnóstico é praticamente
de exclusão, pois se devem descartar primeiramente
é desconhecida, os pacientes tendem a ter quadros crôni-
outras causas primárias de úlceras cutâneas. Para isso,
cos e recorrentes, mas que felizmente são de bom prognós-
tico no que tange à morbidade e mortalidade. deve-se atentar-se a sinais de insuficiência venosa ou
arterial, lesões sugestivas de etiologias infecciosas e
- Epidemiologia: é doença relativamente rara com 1 neoplasias. Muitas vezes, é necessária a realização da
caso para cada 100.000 habitantes. Não tem predile-
biópsia para exame anatomopatológico, sendo esta
ção por sexo ou raça e pode acometer qualquer faixa
totalmente inespecífica (característica de uma úlcera
etária;
necrótica com infiltrado de neutrófilos maciço), mas
- Fisiopatologia: é desconhecida, mas se postula um útil porque ajuda a descartar as demais causas. Uma
provável mecanismo autoimune com participação de vez atingido o diagnóstico de pioderma gangrenoso,
neutrófilos, já que é muito associado a outras doenças devem-se concentrar os esforços para encontrar uma
autoimunes, como colagenoses e doenças inflamató- provável doença sistêmica. Uma história completa,
rias intestinais (doença de Crohn e retocolite ulcera-
principalmente com interrogatório sobre os sistemas
tiva). As associações são múltiplas: vasculites sistêmi-
digestivo e articular, é fundamental. Os exames gerais
cas, artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistêmico,
devem ser guiados por essa história, entretanto alguns
gamopatias monoclonais, linfomas, leucemias, sarcoi-
são necessários de imediato: hemograma, proteínas
dose, hepatite C, e as já citadas doenças intestinais.
totais e frações, sorologia, hepatites B e C, cultura para
Um dos aspectos intrigantes é o fenômeno da pater-
gia, que consiste no surgimento da lesão em áreas em bactérias, micobactérias e fungos de fragmento da le-
que houve um trauma da pele; são, raio x de tórax e pesquisa de sangue oculto nas
fezes (se alterado, considerar colonoscopia);
- Quadro clínico: normalmente, a lesão inicial é descri- - Tratamento: não há uma terapia de escolha para o tra-
ta pelos pacientes como uma picada ou um furúncu-
tamento do pioderma gangrenoso. Nos casos associa-
lo, pois é uma pápula ou pústula que com a evolução
dos a alguma doença de base, é o tratamento desta
gera a úlcera; esta tem a borda característica, irregular,
porém bem definida, de cor violácea e com uma ele- que pode trazer a resolução do quadro. Alguns autores
vação do leito (borda subminada). Os locais acometi- preconizam o uso de imunossupressores, sendo o de
dos mais comumente são os membros inferiores, mas melhor resposta a ciclosporina; outros também são
é possível em qualquer localização; há casos em que citados: prednisona, metotrexato, azatioprina, talido-
ele se desenvolve adjacente a estomas (colostomia, mida, micofenolato de mofetila. Cuidados locais com
gastrostomia etc.) e é confundido com infecção secun- a ferida para evitar infecções secundárias são impor-
dária. Na realidade, qualquer procedimento cirúrgico tantes. Deve-se evitar qualquer tipo de abordagem
pode ser desastroso nesses pacientes, pois o pioderma cirúrgica nessas úlceras pelo fenômeno da patergia.
pode acontecer na própria cicatriz cirúrgica. Sintomas Casos mais graves podem realizar pulsoterapia com
sistêmicos como febre, indisposição e artralgias são metilprednisolona e ciclofosfamida e sessões na câma-
frequentes; ra hiperbárica.
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DERMATOLOGIA
va no mesmo local quando o paciente recebe a medi- E - Métodos diagnósticos
cação; ocorre com uso de dipirona e anti-inflamatórios; Casos agudos e leves são de diagnóstico clínico simples-
- Vasculites sistêmicas: quadros sistêmicos graves que mente pela história e exame físico. Casos graves e persistentes
podem ocorrer com propiltiouracil, penicilinas, anti- merecem atenção especial e acabam gerando alguns exames:
-inflamatórios; - Biópsia e anatomopatológico: para casos arrastados
- Lúpus-like: classicamente implicado com o uso de hi- que ainda não têm a etiologia definida;
dralazina, procainamida e minociclina; - Hemograma: pode cursar com leucocitose e eosinofilia
- Lesões bolhosas: podem ser desencadeadas com uso ou, em casos graves, leucopenia ou trombocitopenia;
de sulfas e d-penicilamina. - Distúrbios hidroeletrolíticos: encontrados principal-
mente entre os pacientes graves com NET e Stevens-
Sobretudo, deve-se ficar atento aos quadros potencial-
Johnson.
mente graves e que podem ter um desfecho fatal; normal-
mente, os pacientes desse grupo evoluem com a síndrome O diagnóstico diferencial daria um verdadeiro compên-
de Stevens-Johnson ou a NET, e os sinais e sintomas iniciais
dio dermatológico, pois uma droga pode se manifestar com
para os quais se deve atentar são lesões nas mucosas (oral,
lesões diferentes, e determinado padrão dermatológico
conjuntival) lesões bolhosas, principalmente se o sinal de
pode ser causado por diferentes drogas.
Nikolsky é positivo; púrpuras palpáveis e necrose cutânea
(sinais de vasculite); angioedema e edema da língua (risco F - Tratamento
de obstrução de vias aéreas); febre; linfadenopatia; hipo-
tensão e dispneia (sinais de choque anafilático). As reações graves são raras, e a maioria dos pacientes
Na história do paciente, é importante colher dados so- tem boa recuperação depois de descontinuada a droga cau-
bre todas as medicações usadas, mesmo aquelas rotineiras sadora. Esse, por sinal, deve ser o foco na resolução do caso,
e vendidas em balcão. Considerar e investigar sinais e sin- no entanto, quase sempre os pacientes fazem uso de diver-
tomas de infecção viral, principalmente em crianças, pois sas medicações que não podem ser retiradas imediatamen-
nessas, ela é a principal causa de exantemas. Pacientes que te, pois são essenciais para sua sobrevivência; entretanto,
são HIV positivo têm, por si só, um risco maior de desenvol- toda aquela dispensável deve ter seu uso interrompido o
verem farmacodermias e quando o fazem, normalmente os mais brevemente possível. Como sintomáticos, podem-se
casos são mais severos. deixar cremes hidratantes e anti-histamínicos para alívio
do prurido. Algumas reações mais importantes devem ser
tratadas com corticoides sistêmicos (prednisona). Os casos
graves (NET e Stevens-Johnson) devem ser hospitalizados,
de preferência numa unidade de grandes queimados; al-
guns trabalhos mostraram os melhores resultados para es-
ses indivíduos com o uso da imunoglobulina intravenosa.
G - Eritema multiforme
a) Introdução
Doença inflamatória reacional caracterizada pelas lesões
Figura 34 - Reação fototóxica em alvo e que pode ser causada por 2 mecanismos diferen-
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DERMATOLOGIA
os derivados das sulfas (sulfametoxazol-trimetoprima)
Figura 38 - NET: paciente em UTI com grandes áreas de despren-
e outros em menor escala (quinolonas, aminopenicili- dimento da epiderme
nas, cefalosporinas);
- Alopurinol: já implicado em alguns estudos como o e) Métodos diagnósticos
principal agente causador;
Clinicamente, pode-se chegar ao diagnóstico devido
- Anticonvulsivantes: carbamazepina, fenitoína e feno- às lesões em alvo, características, aliadas às lesões muco-
barbital;
sas que sempre devem estar presentes. Os exames gerais,
- Anti-inflamatórios: principalmente do grupo dos “oxi- como hemograma, função renal e eletrólitos devem ser
cans” (piroxicam, tenoxicam etc.).
solicitados para monitorar o estado geral do paciente e
Não há relação com agentes infecciosos, pois nesse caso possíveis complicações, entre elas a sepse e a insuficiência
o diagnóstico mais provável é o eritema multiforme (exceto respiratória, as principais causas de morte. O exame ana-
a associação ao HIV). tomopatológico mostra as mesmas alterações descritas no
eritema multiforme (dermatite de interface com vacuoliza-
d) Quadro clínico ção), porém com maior grau de necrose da epiderme.
As lesões iniciais são placas lisas e eritematosas de con- O diagnóstico é feito com as lesões bolhosas (pênfigos e
tornos bizarros e podem assumir uma coloração mais violá- penfigoides) e principalmente a síndrome da pele escalda-
cea no centro. Nessas placas, podem surgir as lesões bolho- da estafilocócica (SSSS). Em nenhum desses diferenciais é
sas e também podem deixar áreas desnudas pelo despren- vista a intensa necrose epidérmica na histopatologia.
dimento de toda epiderme pela necrose ocorrida. Entre as
lesões, permanecem áreas de pele normal, e nas proximi- f) Tratamento
dades das lesões pode ser realizado o sinal de Nikolsky. Considerada uma emergência dermatológica, exige in-
ternação em UTI de preferência com manejo de pacientes
grandes queimados; isso deve ser proposto mesmo a ca-
sos que inicialmente se apresentem de forma leve, pois
é impossível prever qual evoluirá para óbito. O suporte
clínico é, talvez, a melhor terapia, pois não há consenso
com relações a medicações imunossupressoras como os
corticoides e outros. O cuidado com as feridas evita a for-
mação de cicatrizes incapacitantes, e isso é importante
principalmente no acometimento ocular, no qual podem
restar sequelas irreversíveis que levam à cegueira em até
40% dos casos.
O debridamento de áreas de necrose com uso de cura-
tivos biológicos é recomendado. Alguns trabalhos relatam
uma boa resposta com o uso de imunoglobulina intrave-
nosa, e esse tratamento já está incorporado em vários
centros de referência. Não é indicado o uso de antibióticos
Figura 37 - Síndrome de Stevens-Johnson: lesões bolhosas já resse- sistêmicos ou tópicos (principalmente derivados da sulfa)
cadas e acometimento das mucosas oral e conjuntival como medida profilática.
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DERMATOLOGIA
com o uso contínuo de anti-histamínicos dando prefe- - O penfigoide bolhoso é muito frequente na população idosa;
rência para os não sedativos da nova geração (loratadi- - A dermatite herpetiforme é uma doença bolhosa mediada por
na, fexofenadina, cetirizina) e, se necessário, associar IgA e pode estar associada à doença celíaca.
um sedativo à noite (hidroxizina, dexclorfeniramina Colagenoses
etc.). Deve-se evitar o uso de corticoides, pois o tra- - O lúpus eritematoso pode se apresentar na sua forma crônica,
tamento é de longo prazo, e os efeitos colaterais são subaguda ou sistêmica/aguda;
mais prejudiciais ao doente. Não é consensual o trata- - Dentre os critérios clínicos, 4 são relativos à Dermatologia: le-
mento “às cegas” de supostas infecções bacterianas, sões discoides, rash malar, fotossensibilidade e úlceras orais;
virais e parasitárias. - A dermatomiosite cursa com lesões dermatológicas típicas e
comprometimento muscular proximal; pode vir associada a
Tabela 4 - Diferencial de lesões medicamentosas uma neoplasia oculta;
Urticária Eritema Stevens- - A esclerodermia tem amplo espectro clínico com a forma lo-
Característica
aguda multiforme Johnson/NET calizada (morfeia), a sistêmica limitada (CREST) e a sistêmica
Lesões generalizada.
Não Menos 10% Mais de 30%
bolhosas Vasculites
Lesões em alvo Não Sim, perfeitas Sim, irregulares - As vasculites são quadros sistêmicos que, além da pele, costu-
mam levar aos comprometimentos renal e pulmonar;
Lesões Bolhas/
Angioedema Não - As principais vasculites granulomatosas são a síndrome de
mucosas exulcerações
Churg-Strauss e a granulomatose de Wegener;
Choque Choque
Hipotensão Não - A púrpura de Henoch-Schönlein é uma vasculite mediada por
anafilático séptico/SIRS
depósito de IgA;
Obstrução
Sim Não Não - São 3 grandes grupos distintos que levam a lesões ulceradas:
vias aéreas afecções vasculares, causas infecciosas e neoplasias;
- Dentre as causas infecciosas que causam úlceras, têm-se as
7. Resumo PLECTS, que incluem a tuberculose;
- O pioderma gangrenoso é uma afecção autoimune frequente-
Quadro-resumo mente associada a uma doença de base.
Doenças eritematodescamativas Urticárias
- A psoríase tem múltiplas apresentações clínicas e vários fatores - As farmacodermias são frequentes na prática clínica e podem
que interagem na sua fisiopatologia; ocorrer em até 5% dos internados;
- A pitiríase rósea é uma doença autolimitada e benigna de pro- - Na fisiopatologia, devem-se separá-las nas provocadas por
vável origem viral; eventos imunológicos e não imunológicos;
- A pitiríase rubra pilar tem, como particularidade, o acometi- - No campo imunológico, a classificação de Gell e Coombs é fun-
mento folicular por lesões eritematodescamativas; damental;
- Alguns casos de parapsoríase podem evoluir para linfoma de - As apresentações clínicas são inúmeras e relacionadas de acor-
células T; do com a medicação;
- Na grande parte dos casos de eritrodermia, fica difícil identifi- - Entre os quadros mais graves, estão a síndrome de Stevens-
car o fator desencadeante; Johnson e a NET;
- Os eritemas figurados são erupções recorrentes que podem es- - As urticárias podem ser consequentes a farmacodermias, mas
têm outras causas, principalmente na forma crônica.
tar associados a doenças sistêmicas e/ou malignidades.
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DERMATOLOG I A
CAPÍTULO
5
Medicina interna
Alexandre Evaristo Zeni Rodrigues
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MEDICINA INTERNA
F - Tratamento
Ainda hoje, o melhor tratamento é feito com o uso dos
corticosteroides, sendo sistêmicos nos casos com compro-
metimentos mais graves (uveítes, infiltrações pulmonares e
DERMATOLOGIA
Figura 2 - Eritema nodoso: lesões eritematosas e equimóticas so-
arritmias cardíacas).
brelevadas em região anterior da tíbia em membros inferiores
Nas lesões cutâneas disseminadas e desfigurantes essa
Dentre as manifestações específicas da sarcoidose, te- também é a melhor opção; já nos casos com lesões meno-
mos: res e localizadas pode ser tentada a corticoterapia tópica
- Lúpus pérnio: caracterizado por placas infiltradas, eri- (clobetasol ou betametasona) ou mesmo a infiltração intra-
tematovioláceas, de superfície levemente descama- lesional com triancinolona.
tiva que surgem na face (nariz, bochecha e orelhas)
lembrando a “asa de borboleta” do lúpus eritematoso 3. Amiloidoses
sistêmico. Quando comprimidas, as placas e nódulos
São doenças em que ocorre depósito de uma substância
assumem uma coloração que lembra “geleia de maçã”;
proteica; acometem qualquer tecido, gerando disfunções dos
- Sarcoidose papulosa: pápulas e pequenos nódulos de órgãos afetados. Existem formas localizadas e sistêmicas, for-
coloração eritematoviolácea, com predomínio na face mas primárias e secundárias, e todas podem atingir a pele.
e extremidades; são idênticas ao lúpus pérnio, porém As formas proteicas fibrilares correspondem a 90% de
com menor tamanho; todas as substâncias amiloides, enquanto que os outros
- Sarcoidose cicatricial: nódulos semelhantes à forma 10% correspondem a uma forma glicoproteica não fibrilar
papulosa, mas que surgem sobre uma cicatriz antiga; encontrada no plasma (SAP – Serum Amyloid Protein) e que
- Sarcoidose do couro cabeludo: pode levar a áreas de tem similaridade com a proteína C reativa (por isso pode
alopecia cicatricial com aspecto atrófico e irreversível. haver amiloidose em processos inflamatórios crônicos).
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DERMATOLOG I A
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MEDICINA INTERNA
tração da laringe. Na pele, as lesões hemorrágicas, como trintestinais; não apresentam, no entanto, manifestações
púrpuras e equimoses, são vistas na face e em dobras. cutâneas. Nesse subgrupo puramente neurovisceral há a
Bolhas com conteúdo sanguinolento são descritas. As le- porfiria de Doss e a porfiria intermitente aguda.
sões mais características consistem em pápulas, placas e
a) Epidemiologia
nódulos por infiltração que podem surgir na região perior-
bital, retroauricular e inguinocrural. Esses achados de pele e Alguns tipos são doenças raras e que não possuem re-
mucosa podem estar presentes em 40 a 50% dos pacientes. gistros fidedignos, nem mesmo em literatura internacional;
por isso se torna difícil estimar as incidências e prevalências
e) Métodos diagnósticos reais da doença. A porfiria intermitente aguda, entretanto,
Os exames gerais podem revelar alteração no hemogra- chega a ter 100 a 200 casos/100.000 habitantes em alguns
ma (anemia) e aumento do VHS. A proteinúria (comum e de países, quando se pensa nas alterações genéticas relaciona-
proteínas de Bence-Jones) é o achado mais frequente, po- das (nem todos chegam a manifestar sintomas anualmente).
rém, às vezes, só é diagnosticada com exames mais sensíveis Alguns grupos populacionais podem ter incidências de algu-
como a imunoeletroforese da urina concentrada. A função mas porfirias específicas (por exemplo, a intermitente aguda
renal pode estar alterada em metade dos casos. O ecocardio- é mais comum em países nórdicos). Elas são mais comuns em
DERMATOLOGIA
grama pode mostrar um espessamento do miocárdio. pacientes do sexo feminino devido ao papel dos hormônios
Se as lesões de pele estiverem presentes, a biópsia inci- estrogênios. Como a maioria dos defeitos é herdada, as ma-
sional é mais fácil e segura; porém a biópsia de pele normal nifestações começam na infância e na adolescência.
quase sempre é negativa; nesses casos, a investigação pode
ser feita com aspiração da gordura abdominal e biópsia re- b) Fisiopatologia
tal que são positivas em até 80% dos pacientes. O grupo heme tem importância fisiológica em 2 órgãos: no
Os preparados para a análise histológica devem ser co- fígado, onde é usado na elaboração do citocromo P450 e dos
rados com o vermelho-congo e ser submetidos à visualiza- peroxissomos (usados na degradação do peróxido de hidrogê-
ção com a luz polarizada, emitindo assim uma fluorescência nio, tendo um papel antioxidativo) e na medula óssea (usado
esverdeada. Na coloração de rotina com a hematoxilina- na elaboração da hemoglobina para o transporte de oxigênio).
-eosina, em alguns casos podem ser vistas concentrações A produção maior é na medula óssea (80 a 85%) enquanto o
homogêneas de material eosinofílico amorfo. restante é no fígado. Oito enzimas do citosol e das mitocôn-
O diagnóstico diferencial é feito com doenças de depósi- drias participam na via de metabolização do heme e, se uma
to, em geral, como mixedema e a necrobiose lipídica. delas apresenta algum defeito de origem genética, as conse-
quências podem ser desastrosas. No caso das 2 formas agu-
f) Tratamento
das, temos na Tabela a seguir o resumo das alterações.
Igualmente na forma sistêmica, os tratamentos são in-
satisfatórios. Tabela 1 - Porfirias agudas
São utilizados esquemas imunossupressores e quimio- Uro,
Apresen-
terápicos em combinação, sendo semelhantes ao tratamen- Herança copro e
Subtipo Enzima Tipo tação
to do mieloma. A associação com melhores resultados foi genética proto-
clínica
de prednisona e melfalana. porfirinas
A sobrevida é de 12 a 24 meses, sendo as principais cau- Urinárias:
Autossô- ALA sim
sas que levam ao óbito as cardíacas (infarto do miocárdio, Porfiria Neuro +
mica de-hi- Hepática
arritmias e insuficiência congestiva) seguidas da insuficiên- de Doss Gastro Fecais:
recessiva dratase
cia renal (necessita de diálise). não
Porfiria Porfobi- Urinárias:
Autossô-
4. Porfirias aguda
mica
lonogê-
Hepática
Neuro + sim
intermi- nio Gastro Fecais:
Grupo de doenças de origem metabólica associadas a dominante
tente sintetase mais uro
várias deficiências enzimáticas no metabolismo do grupo
heme, o que resulta numa superprodução/acúmulo de pro- Com a deficiência dessas 2 enzimas, o metabolismo do
dutos tóxicos. São 8 diferentes enzimas, muitas manifesta- heme leva a um acúmulo de ALA (ácido aminolevulínico)
ções acabam sendo superpostas entre os diferentes tipos. e porfobilinogênio que são tóxicos para o sistema nervoso
Basicamente podemos classificá-las em porfirias agudas (central e periférico) pelo seu dano oxidativo. No entanto,
(forma neurovisceral) e porfirias cutâneas (formas crônicas por ser um metabolismo muito importante para o organis-
com predomínio das manifestações dermatológicas). mo, somente sobrevivem (e manifestam os sintomas) aque-
les que têm defeitos parciais das enzimas (penetrância ge-
A - Porfirias agudas nética variável) e por isso o surgimento das manifestações
Neste grupo há presença de manifestações neurológicas depende da interação ainda de fatores ambientais (como
(encefalopáticas e disautonômicas) além de sintomas gas- medicações, álcool, dieta pobre em carboidratos etc.) e or-
89
DERMATOLOG I A
gânicos (hormonais, metabólicos como jejum prolongado também podem ser usados. Nos casos não responsivos, de-
etc.). O modo exato da interação genética com tais fatores ve-se iniciar a hematina (reposição intravenosa do heme),
é desconhecido. que também serve para gerar um feedback negativo nas
vias metabólicas.
c) Quadro clínico
Classicamente, os pacientes se manifestam com sintomas B - Porfirias cutâneas
gastrintestinais (fortes dores abdominais, náuseas, vômitos
etc.) associados a sinais de disautonomia (taquicardia, hiper- Nesse subgrupo, existem formas mais crônicas e outras
tensão, sudorese, febre e tremores); isso mimetiza um qua- que combinam a cronicidade com surtos agudos recidivan-
dro de abdome agudo e muitas vezes os pacientes acabam tes. Todas têm em comum a possibilidade de manifestações
sendo submetidos a laparotomias exploradoras. O grande cutâneas, associadas ou não a outros achados sistêmicos.
diferencial vem com o surgimento de neuropatias periféri- Como a porfiria cutânea tardia é de longe a apresentação
cas, paralisia de pares cranianos, convulsões e encefalopatia mais comum, nosso foco será nela, sendo o protótipo para
(afasias, desorientação temporoespacial etc.) o que nos re- as demais variantes.
mete ao diagnóstico da porfiria. Sintomas psiquiátricos tam- a) Epidemiologia
bém fazem parte do quadro (agitação, alucinações, paranoia,
É a mais comum de todas, alcançando taxas de 4 ca-
depressão etc.). As lesões cutâneas são ausentes nessas for-
sos/100.000 habitantes; novamente a expressão do genó-
mas agudas de porfiria. As crises são recorrentes, enquanto
tipo não se correlaciona diretamente com o fenótipo (nem
o diagnóstico correto não for fechado. Entre os fatores que
todos os pacientes com alterações genéticas manifestam os
na história levam a uma crise estão: uso de álcool, infecções,
sintomas da doença). Pacientes adultos de meia idade são
uso de anticoncepcionais e medicações que sofram meta-
os mais atingidos. As formas herdadas geneticamente se
bolismo citocromo P450, e menstruação. Um fato curioso é
manifestam na infância. Não há predileção racial, sendo a
que alguns pacientes relatam um avermelhamento da urina
forma adquirida mais comum em homens (provavelmente
quando exposta ao sol (apesar da situação inusitada); isso
pela maior taxa de alcoolismo).
ocorre pela fotoinstabilidade do ALA que sofre modificações
moleculares com a luminosidade. b) Fisiopatologia
d) Métodos diagnósticos As alterações relacionadas ao metabolismo do heme
acontecem da mesma forma que nas variantes agudas (vide
Deve-se pensar nas porfirias agudas no caso de pacien-
fisiopatologia descrita anteriormente). No caso da porfiria
tes que tenham uma combinação de sintomas digestivos
cutânea tardia a luz visível leva a alterações moleculares
com sintomas neuropsiquiátricos.
das porfirinas, gerando radicais superóxidos que se concen-
Testes urinários simples (teste de Hoesch e teste de
tram principalmente na pele, levando às vias inflamatórias
Watson-Schwartz) são capazes de detectar moléculas de
características da doença. Toda a falha metabólica vem da
porfobilinogênio na urina, desde que os níveis não estejam
muito baixos (podem ocorrer falsos negativos). deficiência da uroporfirinogênio descarboxilase que é her-
As dosagens urinária e fecal de porfirinas, de preferên- dada de forma autossômica dominante. As demais varian-
cia nos ataques, também podem ajudar no diagnóstico. A tes são resumidas na Tabela 2 (tem menor importância,
porfiria de Doss (deficiência de ALAD) pode ser diagnostica- pois são bem mais raras).
da com microscopia fluorescente que é positiva nos eritró- Há uma forma familiar na qual a mutação leva a uma
citos circulantes. alteração estrutural da molécula enzimática, enquanto que
O diagnóstico diferencial se dá com diversas patologias na forma adquirida ocorre apenas diminuição da atividade
de emergências clínico-cirúrgicas: abdome agudo inflama- da enzima.
tório (apendicite, colecistite etc.); cetoacidose diabética, Em ambas as apresentações as manifestações são desen-
feocromocitoma, peritonite com encefalopatia hepática. cadeadas por fatores que levam a uma interferência no me-
tabolismo hepático: álcool (o principal), estrógenos, infecções
e) Tratamento (principalmente hepatite C e recentemente o HIV); ao contrá-
Inicialmente, deve ser feito um tratamento de suporte rio da forma aguda, outras medicações correspondem apenas
com hidratação e aporte calórico com carboidratos (soro a 5% dos desencadeantes (cloroquina é a mais comum). Há
glicosado intravenoso). Sintomáticos para a dor e vômitos também relatos de associação com lúpus eritematoso.
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MEDICINA INTERNA
DERMATOLOGIA
c) Quadro clínico d) Métodos diagnósticos
O destaque é a fotossensibilidade e a ausência de sin- Os achados clínicos são bem característicos e levam ao
tomas gástricos e neuropsiquiátricos. Entre as alterações diagnóstico facilmente; para a confirmação pode-se fazer a
cutâneas estão: pesquisa de porfirinas na urina (que deve ser de 24 horas,
- Fotodano: alterações em áreas expostas com eritema, e não numa amostra simples) revelando um aumento dos 3
hiperpigmentação e elastose; tipos – uro, proto e coproporfirinas – mas com predomínio
- Lesões bolhosas: bolhas tensas em áreas fotoexpostas da última. O aumento também está presente na análise fecal.
(mãos, pescoço e face) com cicatrizes residuais; A histopatologia das bolhas mostra a clivagem subepidér-
- Lesões esclerodermiformes: principal causa de pseu- mica (como nos penfigoides e não nos pênfigos) e presença de
doescleroderma com áreas atróficas e hipocrômicas; poucas células inflamatórias; a coloração com PAS pode mos-
- Hipertricose: aumento de pelos em áreas não andró- trar espessamento da membrana basal e da parede dos vasos.
geno-dependentes (temporal, frontal e malar). Entre os exames gerais é importante o hemograma (usa-
do para o tratamento), a função hepática e as sorologias
Apesar do predomínio de lesões em áreas fotoexpostas, (hepatites e HIV).
a sensibilidade ao sol não é relatada pelos pacientes; nem O diagnóstico diferencial é feito com doenças bolhosas su-
todos chegam a comentar a alteração da cor da urina, que bepidérmicas como os penfigoides (histopatologia com mais
não é infrequente. células inflamatórias), dermatite herpetiforme (mais prurigi-
nosa), lúpus eritematoso (quando este tem bolhas; lembrar do
overlaping entre as 2 patologias – vide fisiopatologia já descri-
ta), epidermólise bolhosa adquirida (pode ser idêntica e dife-
renciada apenas por estudos de biologia molecular).
Algumas medicações levam a uma reação fototóxica
com bolhas que é chamada de pseudoporfiria (as dosagens
urinárias estão normais); isso já foi descrito com anti-infla-
matórios, furosemida e tetraciclinas.
e) Tratamento
Visa à redução dos níveis do heme e isso é obtido por
meio das flebotomias (1L/mês); o objetivo é manter a he-
moglobina por volta de 12ng/dL.
A cloroquina (paradoxalmente) é usada em doses bem
mais baixas do que, por exemplo, no lúpus (125mg, 2x/se-
mana versus 250mg diários).
5. Pelagra
A - Introdução
Figura 4 - (A) Porfiria e (B) vesículas e cicatrizes atróficas em áreas Doença com manifestações sistêmicas e cutâneas cau-
expostas sada pela deficiência de vitamina B3 (niacina) caracterizada
91
DERMATOLOG I A
classicamente pelos 4 “Ds”: diarreia, dermatite, demência reexposições ao sol, quando novamente ocorre o quadro
e death (morte). de fotodermatite.
B - Epidemiologia Diarreia
No passado, grandes epidemias eram associadas a po-
pulações subnutridas e também a algumas populações com Dermatite Deficiência B3 Demência
dietas restritivas em que há carência de triptofano. Hoje,
os casos são isolados e associados ao uso de medicações Death
que impedem a absorção ou o processamento da niacina e
outras condições clínicas que levam a essas consequências Figura 5 - Pelagra 4 “Ds”
supracitadas. Atualmente é comum em alcoólatras e usuá-
rios de drogas ilícitas, pacientes com transtornos alimenta-
res (anorexia) e pacientes institucionalizados em condições E - Métodos diagnósticos
precárias. Não há predileção racial ou por sexo. Ela pode O diagnóstico é eminentemente clínico e pode ser corro-
ocorrer em crianças, mas é rara. A faixa etária mais acome- borado pelo teste terapêutico com a reposição de niacina/
tida é a dos adultos. vitamina B3 (ou complexo B para simplificar). Raramente
é feita a dosagem de niacina que obviamente é baixa.
C - Fisiopatologia Também é possível dosar metabólitos na urina (piridona
A niacina é um cofator usado em enzimas importantes e n-metil-nicotinamida) que estão igualmente diminuídos.
no metabolismo de oxidação e redução celulares (NAD e Os exames gerais podem refletir o estado nutricional como
NADP). Logo, a função de vários órgãos pode ser alterada anemia e hipoproteinemia.
pela deficiência da vitamina B3. Não surpreendentemente, A biópsia para exame anatomopatológico é de uma der-
os órgãos primariamente afetados são aqueles em que o matite inespecífica e as bolhas, quando examinadas, mos-
epitélio sofre constante renovação como o trato gastrintes- tram-se ser do tipo subepidérmicas.
tinal e a pele, necessitando de quantidades maiores de nia- O diagnóstico diferencial se faz com doenças que cur-
cina. Podemos classificar a pelagra em primária quando a sam com fotossensibilidade: erupções medicamentosas e
deficiência está presente na dieta do indivíduo, e secundá- os fotoeczemas, lúpus sistêmico, pênfigo foliáceo e porfiria
ria quando a quantidade nutricional é suficiente, mas exis- cutânea tardia; nesses casos, os aspectos epidemiológicos
tem outras condições que impedem a absorção e o metabo- da dieta ou das condições associadas à forma secundária
lismo da niacina: drogas (isoniazida e 5-fluoracil), etilismo (alcoolismo, uso de drogas, uso de isoniazida, infecção pelo
crônico, doenças inflamatórias intestinais, diálise, nutrição HIV etc.) e também os achados sistêmicos (diarreia e de-
parenteral inadequada etc. A infecção pelo HIV pode provo- mência – lembrar dos 4 “Ds”) ajudam na resposta final.
car decréscimo dos níveis de triptofano, induzindo, assim,
um estado pelagroide. F - Tratamento
D - Quadro clínico O diagnóstico precoce evita possíveis complicações e
a resposta ao tratamento é pronta. A simples reposição
Os primeiros sintomas correspondem a um quadro
de niacina ou nicotinamida leva à resolução do quadro.
de dispepsia e alteração do hábito intestinal (náuseas,
Enquanto presente a pelagra, o paciente deve permanecer
vômitos e diarreia); pode haver, concomitantemente,
em repouso e evitar exposição solar. Devido ao estado de
sintomas psiquiátricos leves (irritabilidade, ansiedade, in-
desnutrição, deve ser instituída uma dieta hipercalórica e
sônia e depressão). As manifestações cutâneas também
hiperproteica com reposição de outras vitaminas também.
são precoces e consistem em eritema (com a evolução,
são eritematoacastanhadas), descamação, vesículas e bo- Nas formas secundárias, é necessário reverter o processo
lhas em áreas fotoexpostas (mãos, antebraços, dorso dos de base que impede o metabolismo normal da niacina (nes-
pés e mãos, face e “V” do decote, que recebe o nome de ses casos a reposição pura e simples pode não resolver).
“colar de casal”). No início, o quadro lembra queimadura
solar simples. Já em estágios mais avançados, as lesões 6. Resumo
vão se tornando placas espessas e ceratósicas (tipo “pele
de ganso”), mantendo as discromias (hiperpigmentação). Quadro-resumo
Erosões e fissuras na língua são comuns, o que pode difi- - Na sarcoidose, predominam acometimentos da pele, ocular e
cultar a deglutição, agravando o quadro de desnutrição. O pulmonar;
quadro neurológico de demência, confusão mental/ence- - A sarcoidose cutânea pode ter quadro inespecífico chamado
falopatia e até coma é mais tardio. Neuropatias periféricas eritema nodoso ou lesões pelo próprio infiltrado granuloma-
toso;
e mielite são mais raras. As exacerbações são comuns nas
92
MEDICINA INTERNA
DERMATOLOGIA
93
DERMATOLOG I A
CAPÍTULO
6
Tumores malignos
Alexandre Evaristo Zeni Rodrigues
94
TUMORES MALIGNOS
necessidade da diferenciação com um carcinoma espino- gulares que, por serem assintomáticas, chegam ao derma-
celular. Para isto, os pacientes devem realizar um checkup tologista já com grande extensão, pois foram subestimadas
dermatológico semestral, pois muitas vezes a transforma- pelos pacientes. Podem variar de 1 a vários centímetros de
ção maligna é rápida. O diagnóstico diferencial se faz com extensão e ser encontradas em qualquer localização cutâ-
as queratoses seborreicas (de natureza benigna), com o lú- nea e mucosa (inclusive em áreas cobertas). Na mucosa ge-
pus discoide, com outras pré-malignas (doença de Bowen e nital masculina é conhecida como eritroplasia de Queyrat.
doença de Paget). O risco de metastatização é muito baixo.
e) Tratamento
A 1ª medida a ser tomada é a fotoproteção, o que por si
só já pode levar à resolução de lesões iniciais. As lesões per-
sistentes são tratadas com métodos destrutivos pela maioria
dos dermatologistas; entre eles, o mais utilizado pela pratici-
dade é a aplicação do ácido tricloroacético (ATA) com ou sem
a curetagem prévia da lesão. Ainda nesse grupo, a crioterapia
DERMATOLOGIA
com nitrogênio líquido é altamente eficaz. Excisão e eletroco-
agulação também trazem bons resultados, porém com maior
risco de cicatrizes inestéticas. Dos tratamentos clínicos, o
5-fluoracil é bastante empregado, sendo, inclusive, capaz de
destacar lesões que não são clinicamente tão visíveis (seu
uso leva a uma inflamação que é responsável pela regressão
da lesão); o creme de imiquimode age da mesma forma, po-
rém seu custo é mais elevado. A terapia fotodinâmica (uso de Figura 2 - Doença de Bowen: placa eritematodescamativa bem de-
ALA como fotossensibilizante e sessões de banhos de luz visí- limitada em região frontal
vel) é o tratamento mais promissor, pois é altamente eficaz e
com bons resultados estéticos.
d) Métodos diagnósticos
B - Doença de Bowen O único exame que leva ao diagnóstico é o anatomopato-
lógico que mostra uma anaplasia de queratinócitos ocupan-
Também é considerada um carcinoma espinocelular do toda a extensão da epiderme; não há focos de invasão
in situ que tem a proliferação em extensão, atingindo até da derme (isso pode ocorrer em menos de 5% dos casos).
vários centímetros de tamanho, mas que raramente sofre O diagnóstico diferencial é feito com a psoríase, com a que-
invasão na derme, apesar de alguns casos virem associados ratose actínica, com a doença de Paget e com o carcinoma
a outras malignidades internas. basocelular superficial. Algumas lesões pigmentadas podem
a) Epidemiologia fazer diferencial com melanoma extensivo superficial.
Não é tão frequente na população normal, tendo taxas e) Tratamento
de incidência anual de 10 a 14 casos/100.000 habitantes. A excisão simples é considerada por muitos autores
Como tem participação da radiação ultravioleta, é esperada como o método de eleição, pois permite a análise histoló-
uma taxa maior em pacientes brancos (fototipos de I a III). gica da peça cirúrgica. Ela é a 1ª opção em lesões pequenas
Também é mais comum em idosos, entretanto não tem di- e em áreas onde a cirurgia tem menor grau de dificuldade
ferença entre os sexos masculino e feminino. (evitar na face e dedos). Outros métodos destrutivos tam-
b) Fisiopatologia bém se mostram eficientes como é o caso da curetagem
com eletrocoagulação, a crioterapia com nitrogênio líquido
Também está diretamente correlacionada com o dano e radioterapia. Tratamentos clínicos também são possíveis:
cumulativo pelos raios UV, gerando as já citadas alterações 5-fluoracil tópico e imiquimode em creme. Recentemente,
no DNA; essas mutações também já foram descritas pela foram obtidos bons resultados com a terapia fotodinâmica.
radiação x, pela contaminação com arsênio (no passado
usado em algumas medicações e também em lençóis de C - Doença de Paget
água contaminados) e pela ação do vírus HPV subtipo 16.
A classificação como lesão paraneoplásica não é bem aceita Lesão pré-maligna que tem 2 formas distintas: mamária
hoje, pois na realidade os casos relatados provavelmente e extramamária. Os pacientes se apresentam com placas
estavam associados à exposição crônica ao arsênio. que simulam um eczema crônico e são tratados muito tem-
po como tal, mas sem o sucesso esperado nas dermatites
c) Quadro clínico inflamatórias. Apesar de não ser propriamente um carcino-
As lesões características são placas eritematoescamosas ma in situ, ela frequentemente está associada a um carcino-
com bordas bem definidas, no entanto de contornos irre- ma de base, principalmente na forma mamária.
95
DERMATOLOG I A
96
TUMORES MALIGNOS
D - Quadro clínico
Uma característica marcante do carcinoma basocelular
é que, apesar de existir uma forma nodular, menos agres-
siva e mais comum, ele possui outras variantes clínicas e
histopatológicas que merecem uma atenção especial, pois
podem passar despercebidas pelo clínico geral e por neces-
sitarem de tratamentos mais invasivos, conforme será dis-
cutido adiante.
As variantes clínicas do carcinoma basocelular são:
- Nodular: lesão elevada com cor eritematoviolácea,
possuindo superfície lisa com telangiectasias visíveis e
bordas de coloração brilhante perlácea (deriva de pe- Figura 4 - Forma nodular do CBC com lesão tumoral com necrose
rolada); costuma possuir áreas de depressão, exulce- central
DERMATOLOGIA
ração e crostas centralmente. Os pacientes costumam
referir sangramentos aos mínimos traumas diários;
- Superficial: são placas eritematoescamosas e crostosas,
irregulares, de bordas bem delimitadas; também apre-
senta áreas de erosão e sangramentos esporádicos;
- Esclerodermiforme: lesões atróficas de aspecto cica-
tricial que costumam ser invasivas na profundidade;
considerada a forma mais agressiva de todas;
- Micronodular: outra forma agressiva que tende a formar
uma placa papulosa infiltrativa com pontos de necrose;
- Pigmentado: são pápulas e nódulos bem delimitados
de coloração acastanhada que fazem diferencial com
Figura 5 - Tumor acastanhado de crescimento lento em região
melanoma (porém têm prognóstico bem melhor);
mentoniana: CBC pigmentado
- Cístico: formam pápulas e nódulos translúcidos de
conteúdo mais líquido e por isso a consistência é mais
flácida. E - Métodos diagnósticos
A biópsia com exame anatomopatológico é necessária
Os locais mais acometidos de uma forma geral são ca- para confirmação do diagnóstico e também tem valor prog-
beça, pescoço e porção superior do tórax, mas é possível o nóstico, pois mostra o subtipo histológico (formas esclero-
surgimento em qualquer segmento corporal; quanto mais dermiformes e micronodulares são mais agressivas). Outros
jovem o paciente, maior a propensão para lesões torácicas. exames diagnósticos são dispensáveis. A biópsia pode ser, a
Algumas síndromes clínicas são mais associadas ao car- princípio, incisional e pequena apenas para fins elucidativos
cinoma basocelular, entre elas estão: e posteriormente se faz o planejamento cirúrgico para a re-
- Xeroderma pigmentoso: doença autossômica reces- tirada total da lesão, levando em consideração aspectos da
siva com fotossensibilidade severa, envelhecimento clínica e histopatologia.
Nos casos sindrômicos, a investigação clínica pode ser
precoce e surgimento de câncer de pele na juventude;
mais extensa e depende dos achados associados.
pode vir associada a problemas oculares e neurológi-
cos. Devido à incapacidade de reparo de danos no DNA F - Tratamento
(defeitos enzimáticos);
Conforme já mencionado, o tratamento é definido após
- Síndrome de Gorlin: sinonímia = síndrome nevoide a biópsia confirmatória que nos dá o subtipo histológico.
basocelular – pacientes com múltiplos basocelulares
Nas seguintes situações, ele deve ser mais agressivo (ou
e outros tumores neurais e de partes moles (medulo- seja, cirurgia com margem de 0,5 a 1cm):
blastoma, meningiomas e rabdomiomas) além de ano- - Lesões maiores que 1cm no seguimento da cabeça,
malias ósseas, cistos odontogênicos e queratodermia pescoço, pés e mãos;
palmoplantar; - Subtipos histológicos esclerodermiforme e microno-
- Síndrome de Basex: cursa com múltiplos basocelulares dular;
e lesões atróficas foliculares, anidrose e hipotricose. - Lesões já recidivadas.
97
DERMATOLOG I A
Para manter a margem de segurança com maior preci- supressores tumorais pela ação direta dos raios UV (prefe-
são pode ser indicada a cirurgia micrográfica de Mohs, que rencialmente os raios UVB). Isso pode ocorrer com expo-
é uma técnica em que se avalia a margem no intraoperató- sição natural solar ou por meio de câmaras de fototerapia
rio com a congelação; ela é preferencialmente indicada nas ou de bronzeamento artificial. No entanto, há indução de
situações supracitadas. Outras lesões que não preencham lesões malignas de células espinhosas por outros fatores:
os critérios já citados, de forma geral, podem ser tratadas - Radiação ionizante: há relatos de desenvolvimento
com cirurgia simples e margem de 0,4 a 0,5cm (a avaliação de tumores espinocelulares em pacientes que foram
é individualizada e criteriosa). submetidos a tratamentos radioterápicos no passado;
Em pacientes idosos e com muitas comorbidades pode - Vírus HPV: alguns subtipos como o 6, 11, 16 e 18 são
ser indicado um procedimento mais conservador, já que as mais oncogênicos e capazes de gerar lesões neoplási-
condições cirúrgicas do paciente não são ideais. Para isso cas em pele e mucosas anogenitais (bem como no car-
pode ser realizada a curetagem simples e eletrocoagulação cinoma do colo do útero);
de lesão ou a criocirurgia com nitrogênio líquido. Alguns - Inflamação crônica: de qualquer origem, como le-
tumores superficiais podem ser tratados clinicamente com sões autoimunes, (líquen escleroso, fístulas de Crohn,
creme de imiquimode ou terapia fotodinâmica. A radiote- cicatrizes de epidermólise bolhosa etc.) ou infeccio-
rapia isolada pode, também, resolver, com eficácia, muitos sas (cromomicose, tuberculose, osteomielite etc.);
casos inoperáveis. o mecanismo fisiopatológico exato é desconhecido.
Em contrapartida, de uma forma geral, sempre deve ser Um exemplo clássico desse tipo de etiopatogenia são
priorizada a cirurgia, pois essa tem altas taxas de cura e per- as úlceras de Marjolin, nas quais ocorre o surgimen-
mite a análise da margem da lesão. to de um carcinoma espinocelular sobre uma úlcera
crônica (comumente uma úlcera de estase). Lesões
cicatriciais também são propensas ao surgimento do
3. Carcinoma espinocelular carcinoma, como, por exemplo, cicatrizes antigas de
queimaduras;
A - Introdução - Exposição química: como ocorre com o carcinoma ba-
socelular, o arsenicismo crônico pode levar ao surgi-
Forma agressiva de tumor cutâneo, sendo o 2º em nú-
mento de lesões de espinocelulares;
meros absolutos de incidência. Tem clara associação com
exposição solar e outros fatores discutidos adiante. A maio- - Imunossupressão: pacientes que recebem medica-
ria tem evolução insidiosa e, quando diagnosticados e tra- ções imunossupressoras frequentemente desenvol-
tados a tempo, tem boa chance de cura; quando isso não vem o CEC; isso é bem conhecido nos pacientes trans-
ocorre, tem alta capacidade de invasão local e até mesmo plantados renais, que necessitam de uma monitoração
de gerar metástases a distância. rigorosa quanto aos tumores cutâneos. Outros pacien-
tes imunossuprimidos também se comportam da mes-
B - Epidemiologia ma maneira e isso também pode levar ao surgimento
de outros tipos tumorais, porém a frequência desses é
A frequência é relativamente alta, principalmente em menor em relação ao carcinoma espinocelular.
países de população branca e com altos índices de irra-
diação ultravioleta (como nos Estados Unidos e Austrália) Tabela 1 - Diferenças CEC x CBC
e dependendo da região, os índices podem variar de 70 a
500 casos/100.000 habitantes; em nosso país, as taxas fi- Carcinoma Carcinoma
cam por volta de 80 a 100 casos/100.000 habitantes, apesar espinocelular basocelular
de existirem poucos trabalhos específicos de Epidemiologia Camada de origem
Espinhosa Basal
(a maioria engloba cânceres não melanoma num mesmo da pele
grupo). É, também, mais comum em idosos e homens. As Variante pigmen-
Não Sim
taxas têm aumentado com o passar dos anos, provavelmen- tada
te pelo maior número de diagnósticos com as campanhas Risco de metástase Alto Quase nulo
de câncer de pele. Corresponde a cerca de 20% de todos os Lesão com telan-
Não Sim
casos de neoplasias da pele. giectasias
C - Fisiopatologia
O surgimento do carcinoma espinocelular de pele e se-
D - Quadro clínico
mimucosas está relacionado com ação cumulativa dos raios Normalmente, a manifestação se dá no início com uma
UV que também levam a mutações do DNA dos queratinóci- pápula ou nódulo com superfície dura e áspera (ceratósi-
tos da camada espinhosa da pele; também há relatos dessa ca) que tem um crescimento constante (pode ser rápido
fotocarcinogênese ser provocada por uma inibição de genes ou não); com a evolução, a lesão pode assumir um aspecto
98
TUMORES MALIGNOS
DERMATOLOGIA
Nos pacientes com úlceras cutâneas crônicas que cus- Figura 7 - CEC lábio: lesão ulcerada em lábio inferior de paciente
tam a cicatrizar, devemos sempre suspeitar da transforma- tabagista
ção maligna e realizar a biópsia da lesão para confirmação
do exame anatomopatológico.
Um subtipo específico com comportamento “benigno”
E - Métodos diagnósticos
(menor risco de metastatização), mas com lesões exuberan- Mesmo havendo uma forte suspeita clínica diagnóstica,
tes é o carcinoma verrucoso que, dependendo da região, a biópsia com exame anatomopatológico é necessária para
recebe denominações próprias: confirmação e também tem valor prognóstico, pois mostra
- Tumor de Buschke-Lowenstein: lesões tumorais ver- o subtipo histológico (o desmoplástico é pior e o acantolíti-
rucosas com aspecto de “couve-flor” na região anoge- co, o 2º) o grau de diferenciação de Broders (quanto mais
nital; indiferenciado/grau IV, pior) e a espessura (ruim se >5mm).
- Papilomatose oral florida: lesões vegetantes nos lá- Outros exames diagnósticos de imagem podem ser usados
bios e cavidade oral; em caso de suspeita de metástase linfonodal (é a metástase
- Epitelioma cuniculatum: lesão verrucosa em região mais comum); nesse caso a biópsia aspirativa com agulha
plantar. fina (PAAF), guiada por ultrassom, é a que tem melhor de-
sempenho e menor risco, e a biópsia direta do gânglio é o
De uma forma resumida, podemos considerar o carcino- padrão-ouro para o diagnóstico. Como no carcinoma baso-
ma espinocelular de alto risco nas seguintes situações: lesões celular, a biópsia pode ser o princípio incisional e pequena
de mão ou cabeça e pescoço; lesões maiores que 2cm (maior apenas para fins elucidativos e posteriormente se faz o pla-
que 0,6cm se estiver nas regiões já citadas), bordas mal de- nejamento cirúrgico para a retirada total da lesão, levan-
limitadas, crescimento rápido, lesões sobre áreas inflamató- do em consideração aspectos da clínica e histopatologia. O
rias crônicas, imunossuprimidos, tumor recidivante e grau de estadiamento global obedece à classificação do tipo TNM.
diferenciação histológica (quanto mais indiferenciado, pior).
F - Tratamento
Será guiado pelos parâmetros da clínica aliados aos re-
sultados do exame anatomopatológico. Neste último, deve-
mos ser mais “agressivos” nos tumores desmoplásticos, nos
indiferenciados e naqueles com espessura maior que 5mm.
Clinicamente, a mesma abordagem mais “agressiva” deve
ser usada nas situações de alto risco, conforme já mencio-
nado. Nesses casos, no planejamento cirúrgico, devemos
promover a retirada da peça com margem de 1cm. Quando
não houver nenhum fator clínico ou histopatológico de car-
cinoma espinocelular de alto risco, a excisão pode ser feita
com margem de 0,6mm. Alguns tumores pequenos (meno-
res que 1,5cm) e de baixo risco podem ser apenas curetados
e eletrocoagulados ou tratados com terapia fotodinâmica.
Em caso de comprometimento das margens cirúrgicas,
Figura 6 - CEC: paciente com fotodano importante e lesão tumoral pode ser realizada a ampliação (de preferência com a cirur-
friável de rápido crescimento na mão direita gia micrográfica de Mohs) ou radioterapia que é a 2ª opção;
99
DERMATOLOG I A
essa também deve ser associada, se na peça cirúrgica ficar mais se associam com a exposição crônica ao sol são o ex-
demonstrada a invasão perineural. No caso de confirmação tensivo superficial e o lentigo maligno melanoma.
de comprometimento linfonodal, deve ser realizada a linfa-
denectomia associada à radioterapia. Não há indicação de D - Quadro clínico
linfadenectomia profilática. Para a detecção clínica do melanoma devemos ficar
atentos a lesões melanocíticas que não respeitem a regra
4. Melanoma cutâneo do ABCDE, sendo a seguinte:
- A: Assimetria – uma das metades não se assemelha
A - Introdução em nada à outra metade da lesão;
- B: Bordas irregulares – contornos não perfeitos e en-
Sinonímia: melanoma maligno (hoje em desuso, pois trecortados lembrando mapas geográficos ao invés de
todos são malignos). É o tumor de pele mais agressivo de lesões circulares;
todos, sendo originado dos melanócitos. Estes, por sua vez, - C: Cores – lesões com coloração heterogênea apresen-
além da pele, estão presentes em outros sítios como retina, tando ao mesmo tempo áreas castanho-claro, casta-
leptomeninges, conduto auditivo e mucosas (oral, gastrin- nho-escura, enegrecidas, brancas e azuladas;
testinal e genital). Sendo assim, o melanoma cutâneo é dito
- D: Diâmetro – mais comum em lesões que meçam
primário quando se origina diretamente da pele ou secun- mais de 6mm de diâmetro superficial, apesar de hoje
dário quando atinge a pele após metástase oriunda desses sabermos de micromelanomas menores que esse
outros locais. Pela sua agressividade, o prognóstico está di- comprimento;
retamente correlacionado à detecção precoce.
- E: Evolução – lesões que sofram mudanças significati-
vas em um curto espaço de tempo.
B - Epidemiologia
Por ser o mais agressivo dos tumores cutâneos, feliz- Outros médicos preferem usar o conceito do “patinho
mente a incidência do melanoma é menor em relação aos feio”, no qual devemos suspeitar de uma lesão melanocítica
carcinomas já citados. No entanto, um alerta deve ser dado, que foge completamente do padrão das demais lesões do
pois ela vem aumentando com o passar dos anos; estudos paciente.
americanos mostram que os casos novos triplicaram nos
Tabela 2 - Metástases de melanoma
últimos 20 anos. O Brasil também registrou um aumento
na incidência e são esperados aproximadamente 6.000 ca- - Próximas ao sítio primário;
sos novos ao ano, o que nos dá uma incidência de 4 ca- - Ganglionar;
sos/100.000 habitantes (na Austrália ela chega a 37 casos - Pele distante ao sítio primário;
e nos EUA a 17 casos/100.000 habitantes). Esse aumento - Fígado, pulmão;
em parte se deve às melhorias nos métodos diagnósticos, - Esqueleto;
como o uso da dermatoscopia e as campanhas de câncer
- Sistema nervoso central.
da pele. Apesar de ser possível o desenvolvimento do mela-
noma nos afrodescendentes, temos a maior incidência em
Com relação aos subtipos clínicos do melanoma, esses
pacientes de pele clara com fototipos I e II. Em jovens, ele
são em número de 4:
predomina em pacientes do sexo feminino; já nos pacien- - Melanoma extensivo superficial: borda ou placa leve-
tes de meia-idade e idosos, ele é mais comum em homens; mente elevada de contornos irregulares e coloração
no somatório geral, o predomínio feminino é ligeiramente heterogênea, podendo apresentar em fases mais tar-
presente, porém as taxas de mortalidade são maiores nos dias alterações focais da superfície como ulcerações e
pacientes do sexo masculino. elevações. Seu crescimento principal é radial;
C - Fisiopatologia - Melanoma nodular: pápula ou pequeno nódulo de
coloração enegrecida ou azulada que também pode
Ainda é desconhecida, mas parece ser multifatorial apresentar sangramentos aos menores traumas ou
com a exposição aguda aos raios UV no período da infância permanecer íntegra, crescendo principalmente na pro-
como o maior vilão que contribui para o desenvolvimento fundidade (quando diagnosticados são os mais espes-
do melanoma. É também conhecida a capacidade de trans- sos e invasivos);
formação maligna de nevos atípicos preexistentes ou nevos - Lentigo maligno melanoma: mais comum em idosos
congênitos, havendo, nesses casos, maior participação ge- e se apresenta como uma mácula ou placa não eleva-
nética familiar. No entanto, a maioria dos melanomas surge da de contornos e coloração irregular numa pele com
de novo (60% dos casos não têm nevos preexistentes). Não outros indícios de fotodano crônico (principalmente
há relatos de associação com gravidez, reposição hormonal na face). São os que levam mais tempo para invadir
ou exposição a agentes químicos. Os subtipos clínicos que a derme;
100
TUMORES MALIGNOS
- Melanoma lentiginoso acral: ocorre nas extremidades Tabela 4 - Extensão tumoral segundo níveis de Clark
palmoplantares e periungueais, sendo o menos comum Níveis de Clark
de todos (porém o mais comum nos negros). Surge como 1 - In situ/restrito à epiderme.
uma pápula enegrecida e com crescimento rápido, não 2 - Até derme papilar.
respeitando a regra do ABCDE; devido à dificuldade da
3 - Junção dermes papilar e reticular.
visualização por causa da localização, são diagnosticados
4 - Até derme reticular.
tardiamente e por isso têm o pior prognóstico. Quando
surge no aparelho ungueal, um sinal importante é o com- 5 - Além da derme reticular/subcutâneo.
prometimento que se estende da unha para a região cuti-
cular (chamado sinal de Hutchinson); No estadiamento, a avaliação clínica e a palpação de
gânglios no exame físico são fundamentais para nortear
- Melanoma amelanótico: normalmente, uma lesão os exames de imagem. Pacientes assintomáticos e com
nodular não pigmentada que mimetiza um carcinoma
estadios I e IIA não precisam realizar exames de imagem
baso ou espinocelular.
de acordo com os consensos internacionais; alguns auto-
Os locais mais comuns para surgimento do melanoma res brasileiros preconizam, no entanto, a radiografia de
DERMATOLOGIA
são o tronco e os membros inferiores; a exceção é o lentigo tórax, fosfatase alcalina e DHL para todos os pacientes. A
maligno melanoma que é mais comum na face. tomografia computadorizada deve ser o exame solicitado
na suspeita clínica de metástases. No seguimento, as visitas
podem variar de 1 a 4 ao ano e o paciente deve ser educado
para o autoexame na intenção de detectar recidiva na cica-
triz e/ou a presença de gânglios.
No diagnóstico diferencial entram todas as lesões pig-
mentadas que podem ser benignas como os nevos melano-
cíticos (epidérmicos, juncionais ou compostos), o dermato-
fibroma (um tipo de histiocitoma) e as queratoses seborrei-
cas; nesses casos, a distinção clínica nem sempre é possível
e devemos lançar mão de um exame clínico que aumenta a
acurácia diagnóstica para aproximadamente 90% – a der-
Figura 8 - Forma amelanótica do melanoma acral matoscopia. Esta usa um aparelho com lentes (lembra o
otoscópio) que é capaz de aumentar a imagem em até 10
vezes; também existem dermatoscópios digitais que permi-
E - Métodos diagnósticos tem outras artimanhas mais interessantes.
A biópsia para exame anatomopatológico também é fun-
damental para a confirmação diagnóstica, mas, diferente dos
F - Tratamento
carcinomas, ela não é incisional, ou seja, é sempre primordial Após o diagnóstico e o estadiamento, deve ser feita a
a retirada de toda a lesão assim que houver uma suspeita ampliação da margem de acordo com a espessura tumoral
clínica; a exceção existe em lesões muito extensas e também (Tabela 5).
de face. Sendo a biópsia excisional, ela permite a avaliação da
Tabela 5 - Margem cirúrgica do melanoma
espessura do tumor por meio da avaliação dos níveis de Clark
e de Breslow de forma que esse último é o fator prognóstico Espessura Margem cirúrgica
mais importante para a sobrevida do doente. Ela deve ser fei- In situ 0,5 a 1cm
ta com margem mínima de 1mm e orientada no sentido da <1mm 1cm
drenagem linfática da área em questão a fim de não prejudi- 1 a 2mm 1 a 2cm
car a pesquisa do linfonodo sentinela. Esse é recomendado >2mm 2cm
pela maioria dos consensos em caso de lesões com espessu-
ra de Breslow maior que 1mm (ou menor que 1mm, porém Devemos mencionar que a ampliação da margem só
com nível de Clark 4 ou ulceração) e nos mostra a presença pode ser realizada após a pesquisa do linfonodo sentine-
de micrometástases linfonodais. la que, por sua vez, delimita a linfadenectomia ao gânglio
acometido.
Tabela 3 - Prognóstico do câncer de pele segundo índice de Breslow
A cirurgia é o único tratamento eficaz para o melanoma
Espessura de Breslow Sobrevida 5 anos
não metastatizado e alguns estudos com interferon alfa-2b
<1mm 95 a 100%
e algumas vacinas se mostraram promissoras. Nos casos
1 a 2mm 80 a 96%
com a presença de metástases linfonodais ou orgânicas, a
2,1 a 4mm 60 a 75%
quimioterapia é o método de escolha, mas a sobrevida de 5
>4mm 50% anos é de apenas 10%.
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DERMATOLOG I A
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TUMORES MALIGNOS
- Métodos diagnósticos: para se chegar ao diagnóstico quadro prévio dessa mesma coirmã. Casos com apareci-
é necessária a correlação clínica-laboratorial, sendo mento “de novo” também são possíveis (já abre com eri-
muito importantes os achados na histopatologia e a trodermia) sendo esses a apresentação mais comum. Não
confirmação imuno-histoquímica e molecular da clo- há base fisiopatológica que demonstre o exato mecanismo
nalidade dos linfócitos envolvidos. Nas alterações his- que leve os pacientes a desenvolverem essa forma ao invés
topatológicas são característicos o infiltrado perivas- da forma clássica.
cular com linfócitos atípicos e a migração destes para
c) Quadro clínico
a epiderme (epidermotropismo) levando à formação
dos microabscessos de Pautrier; nos estágios clínicos A síndrome é caracterizada pela união do quadro cutâ-
iniciais (lesões patch) essas alterações nem sempre es- neo de eritrodermia (eritema e descamação universais)
tão presentes no início e pode ser necessário repetir com um leve tom acastanhado/bronzeado com a adenome-
a biópsia várias vezes durante o acompanhamento do galia generalizada e o encontro das células de Sézary que
doente até que elas sejam detectadas. Pode-se apro- são linfócitos atípicos com núcleos invaginados bizarros na
fundar mais, fazendo a imunofenotipagem do infiltra- circulação periférica (a pesquisa é feita em esfregaço anali-
do e também exames de biologia molecular (rearranjo sado por um hematologista experiente). Essa tríade costu-
DERMATOLOGIA
do gene receptor), ambos indicando a monoclonalida- ma vir acompanhada de um prurido feroz e generalizado.
de do infiltrado (para diferenciar de um processo infla- Pode, também, haver alterações dos anexos cutâneos como
matório não neoplásico cujo infiltrado é policlonal). Os distrofias ungueais e alopecia, além de hiperqueratose pal-
exames gerais na maioria são normais: pode haver eo- moplantar.
sinofilia e linfopenia discretas no hemograma e aumen-
d) Métodos diagnósticos
to de DHL. Os exames de imagem são indicados para
realização do estadiamento. O diagnóstico diferencial Além dos achados clínicos de eritrodermia e adenome-
se dá com as doenças eritematoescamosas em placas: galia, a análise do esfregaço do sangue periférico deve mos-
psoríase, eczemas, pitiríase rubra pilar, lúpus eritema- trar mais de 5% de células de Sézary (normalmente vai de
toso subagudo e farmacodermias. Também é importan- 15 a 30%, pois as células de Sézary em pequena quantidade
te lembrar o grande número de variantes clínicas, cada podem ser um achado inespecífico). O exame anatomopa-
qual com um diferencial específico (como, por exemplo, tológico tem os mesmos achados descritos na micose fun-
micose fungoide hipocrômica versus vitiligo); goide (epidermotropismo e microabscessos de Pautrier).
- Tratamento: no estágio pré-linfomatoso das manchas/ Os exames de biologia molecular e imunofenotipagem
patches ou de parapsoríase, o tratamento é mais con- também são os mesmos. Os demais exames de imagem são
servador com o acompanhamento regular, repetição indicados para se completar o estadiamento TNM e assim
da biópsia e fototerapia com raios UV; o método mais programar o tratamento.
difundido é o PUVA. Esse ainda é empregado em caso e) Tratamento
de placas não muito infiltradas, que também podem
O tratamento com PUVA ou banho de elétrons traz bons
ser tratadas com um tipo especial de radioterapia de
resultados na melhora da pele, porém não leva a uma re-
superfície (chamada banho de elétrons). Já nas lesões
gressão do comprometimento ganglionar sendo então in-
nodulotumorais e na presença de comprometimento
dicada a quimioterapia, nos mesmos moldes dos esquemas
interno (metástases linfonodais e/ou orgânicas) o tra-
usados no tratamento de outros linfomas.
tamento é quimioterápico e radioterápico como na
maioria dos linfomas.
C - Linfoma de células T – natural killer nasal
B - Linfoma de células T – tipo síndrome de Sézary Sinonímia: granuloma letal de linha média. Quadro des-
Variante especial de micose fungoide na qual a dissemi- trutivo com características de vasculites, que no passado
nação do linfoma na circulação sanguínea leva a um quadro era considerado reacional.
de eritrodermia que pode ter um prognóstico mais sombrio. a) Epidemiologia
a) Epidemiologia Quadro que, pela sua letalidade, felizmente, é raro (sem
É mais rara que a micose fungoide em placas, sendo estudos estatísticos).
difícil a análise estatística precisa. A maioria dos trabalhos b) Fisiopatologia
mostra uma prevalência em pacientes idosos e do sexo
masculino. Alguns estudos mostraram que ele pode ser desenca-
deado pela infecção pelo vírus Epstein-Barr; esse leva a
b) Fisiopatologia uma proliferação de linfócitos que se acumulam concen-
Tem o mesmo processo etiopatogênico da micose fun- tricamente nos vasos e induzem à necrose por obstrução
goide, podendo inclusive se desenvolver a partir de um vascular.
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DERMATOLOG I A
c) Quadro clínico
A forma clássica consiste no desenvolvimento de lesões
necróticas e inflamatórias na mucosa nasal e palato; outros
focos extranodais como rins e sistema nervoso central po-
dem ser atingidos. Todo o processo leva a uma destruição
da porção central da face.
d) Métodos diagnósticos
A biópsia para exame anatomopatológico é fundamen-
tal para o diagnóstico; ela mostra um infiltrado de linfócitos
atípicos em torno dos vasos, além de outras células infla-
matórias secundárias. A diagnose diferencial é feita com
vasculites, principalmente a granulomatose de Wegener, e
também com infecções nasofaríngeas como a zigomicose.
e) Tratamento
A maioria dos pacientes vai a óbito nos primeiros 2 anos,
apesar de quimioterapia e radioterapia agressivas.
6. Resumo
Quadro-resumo
- As lesões pré-malignas são consideradas por alguns autores
como carcinomas in situ e têm potencial de transformação
para carcinomas verdadeiros;
- As queratoses actínicas são as mais comuns e podem originar
o carcinoma espinocelular; outras lesões pré-malignas são as
doenças de Paget e de Bowen;
- O carcinoma basocelular é o mais frequente tumor maligno e
se origina das células da camada basal; ele raramente metasta-
tiza, mas os índices de recorrência local são altos;
- O carcinoma espinocelular é originado das células da camada
espinhosa e tem grandes chances de metastatizar; por estar
relacionado à exposição UV, é muito mais frequente nas áreas
expostas;
- O melanoma, além da pele, pode ser originário de outros sí-
tios como retina, mucosas e meninges; é o tumor cutâneo mais
agressivo e os índices de sobrevida são diretamente relaciona-
dos com a espessura do tumor (índice de Breslow);
- A micose fungoide é a forma mais comum de linfoma cutâneo,
sendo originada a partir dos linfócitos T.
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