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requisitos
Luciano Sales1; Sanderson Barbalho2; Shirley Moura3
Introdução
Erros em projetos podem ocorrer em todas as suas fases, porém, um dos mais prejudiciais está
relacionado com erros na elicitação de requisitos (SINGH, 2014; RAMINGWONG, 2012). Segundo
Kossman (2013), erros no gerenciamento de requisitos acarretam retrabalho, gerando custos maiores
que o planejado e atrasos nos projetos. Assim, tempo e foco investido no gerenciamento de requisitos
são fundamentais para o desenvolvimento de produtos com qualidade (RAMINGWONG, 2012;
SUDIN; AHMED-KRISTENSEN, 2011).
O Guia PMBOK (5ª edição), possui um processo, dentro do gerenciamento do escopo do projeto, que
trata de forma específica da coleta de requisitos: o processo Coletar Requisitos. Esse processo,
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procura fornecer uma base para a "definição e gerenciamento do escopo do projeto, INCLUINDO o
escopo do produto".
Na literatura, também, existem uma série de técnicas para a identificação, coleta de requisitos e
especificações técnicas, como o desdobramento da função qualidade (QFD) – citado no Guia
Neste artigo, o AD será́ analisado como alternativa de mitigação aos problemas relacionados com o
gerenciamento de requisitos em projetos, através da seguinte questão de pesquisa: Como o AD pode
alavancar o processo Coletar Requisitos? Assim, o objetivo deste artigo é o de identificar e descrever
uma estrutura para a concepção de requisitos que leve em consideração o AD, evitando os erros
identificados nesse processo. Para isso serão apresentados os conceitos relacionados ao processo
de coleta de requisitos e as suas principais falhas de acordo com a literatura, bem como serão
apresentados o AD e a sua possível contribuição para o desenvolvimento de um processo mais
robusto para o gerenciamento de projetos.
Para o PMBOK (5ª edição), requisito é uma condição ou capacidade cuja presença em um produto,
serviço ou resultado é exigida para satisfazer um contrato ou outra condição formalmente imposta.
Segundo Kossman (2013), um requisito é um detalhamento de um aspecto específico de uma
necessidade do cliente. Para Singh e Vyas (2012), um requisito é uma condição ou capacidade
necessária para um usuário resolver um problema ou alcançar determinado objetivo. Segundo esse
mesmo autor, a maior causa do comprometimento dos resultados dos projetos está associada a
problemas com os requisitos, seja por problemas na definição desses requisitos, por esquecimento no
rastreamento dos mesmos e pobreza nos processos relacionados a elicitação desses requisitos.
No cenário atual, os produtos possuem características cada vez mais complexas e de natureza
multidisciplinar, pois precisam atender às necessidades de clientes cada vez mais interessados na
qualidade e no desempenho (GONÇALVES-COELHO et al, 2005). Assim, desenvolver um produto
complexo, que contém inúmeros sistemas e componentes é um grande desafio a ser implementado.
De nada adianta ter uma equipe multidisciplinar, se não houver uma complexa coordenação de todos
os requisitos identificados, compreensão das prioridades e gerenciamento de um grande número de
tarefas que precisam permanecer alinhadas com o tempo e orçamento planejado, para alcançar as
necessidades e expectativas dos clientes (BHISE, 2013).
Não há como escapar: produtos precisam ser desenvolvidos para satisfazer certas necessidades das
pessoas. A qualidade de um produto depende de inúmeras atividades, sendo o processo de
concepção (design) uma das atividades mais importantes (GONÇALVES-COELHO et al, 2005).
Assim, o sucesso do projeto é diretamente influenciado pelo envolvimento ativo das partes
interessadas na descoberta e decomposição das suas necessidades em requisitos, e pelo cuidado
tomado na determinação e gerenciamento dos requisitos do produto, serviço ou resultado (PMBOK,
5ª edição). Para esse guia, “Coletar os Requisitos” é o processo de determinar, documentar e
gerenciar as necessidades e requisitos das partes interessadas, a fim de atender aos objetivos do
projeto.
Ou seja, quer nas empresas privadas ou na administração pública, a coleta e consequente definição
de requisitos devem sempre ocorrer. Sem requisitos claros, vinculados às necessidades dos clientes
e/ou do negócio, a execução de um projeto se torna onerosa para as organizações, pois os padrões
de qualidade não serão atingidos, resultando em retrabalho, custos adicionais em aditivações
contratuais e desmotivação das equipes e dos clientes.
No Guia PMBOK (5ª edição), são apresentadas 11 (onze) ferramentas para o processo Coletar
Requisitos, são elas: entrevistas, grupos de discussão, oficinas facilitadas, técnicas de criatividade em
grupo, técnicas de tomada de decisão em grupo, questionários e pesquisas, observações, protótipos,
benchmarking, diagramas de contexto e análise de documentos.
Essas ferramentas devem ser utilizadas para produzir, como saída do processo, dois documentos:
a) Documentação dos requisitos: onde é descrito como os requisitos individuais atendem às
necessidades do negócio. Nesse documento, os requisitos não devem ser descritos de forma
ambígua, ou seja, devem ser mensuráveis e passíveis de testes. Também devem ser
rastreáveis, completos, consistentes e aceitáveis pelas partes interessadas.
b) Matriz de rastreabilidade dos requisitos: uma tabela que liga os requisitos de produto desde
as suas origens até as entregas que os satisfazem, conforme Figura 1.
Figura 1 – Matriz de rastreabilidade de requisitos
O que podemos observar é que tanto na documentação dos requisitos, quanto na matriz de
rastreabilidade, é necessário que as necessidades dos clientes sejam claramente decompostas em
requisitos, sejam eles de negócio, de solução (funcionais e não funcionais), de projeto etc. Porém, as
ferramentas apresentadas pelo PMBOK (5ª edição), não apresentam de forma clara um processo de
decomposição dessas necessidades em requisitos. Apenas na ferramenta “oficinas facilitadas” é
sugerida a possiblidade de utilização do QFD para alcançar esse resultado e na ferramenta
“diagramas de contexto”, onde podemos visualizar, de forma vaga, o desenho de requisitos
funcionais.
Axiomatic Design
Axiomatic Design (AD) é uma abordagem para o desenvolvimento de projetos que procura gerar a
melhor solução para um determinado problema proposto (CARNEVALLI et al., 2010). Ele foi criado e
popularizado pelo professor Suh do Massachusetts Institute of Technology (MIT), podendo ser
aplicado em todas as atividades de concepção de um produto (PARK, 2007). O AD tem avançado
para criar uma base científica para a concepção de um projeto, permitindo que os engenheiros e
designers tomem decisões de projetos corretas, aumentando a probabilidade de sucesso (SUH,
1998).
O AD é uma abordagem que inicia com uma declaração explícita do “o que nós queremos alcançar” e
termina com uma clara descrição do “como nós alcançaremos isso” (THOMPSON, 2013). Segundo
Suh (1998), o AD nada mais é que o mapeamento de um conjunto de variáveis, que se inicia com as
necessidades dos clientes, em outros domínios, de forma que se chegue a uma solução ótima da
concepção de um produto que atenda aquelas necessidades inicialmente levantadas. Do ponto de
vista do AD, a concepção de um produto necessita passar por quatro domínios distintos
(GONÇALVES-COELHO et al, 2005):
− Domínio do cliente, através da identificação das necessidades dos clientes ou do negócio (as
características que o cliente pretende encontrar em um objeto, seja ele um produto, um
processo, ou qualquer sistema tangível ou intangível);
− Domínio conceitual, através da identificação dos requisitos funcionais do objeto (um requisito
funcional descreve um comportamento que um dispositivo deve ter) e suas restrições
(representam os limites de uma solução aceitável);
− Domínio físico, através de parâmetros conceituais ou requisitos técnicos (o conjunto de
propriedades que descrevem fisicamente o objeto); e
− Domínio do processo, através de um esboço de como fazer o objeto concebido (ligado ao
processo de manufatura).
Esses domínios podem ser compreendidos através do processo representado pela Figura 2.
Além do processo descrito acima, o AD possui dois importantes axiomas (PARK, 2007):
É importante ressaltar que o desenho da solução requer um contínuo processo de construção entre e
dentro dos quatro domínios, ou seja, o conteúdo de cada domínio evolui de conceitos abstratos para
informações mais detalhadas, conforme mais informações são agregadas ao projeto (ALBANO E
SUH, 1994).
Assim, o AD pode ser utilizado como ferramenta que torna o processo de coleta de requisitos mais
simples e ao mesmo tempo completo, permitindo a identificação plena do que se deseja implementar.
Serão apresentados dois exemplos: o primeiro um exemplo conceitual, para melhor compreensão da
ferramenta, o segundo, um caso implementado na definição de requisitos do projeto para
implementação da rede de telecomunicações de longa distância do Exército.
Imaginem que um projeto deve ser desenvolvido para a construção de carteiras escolares para
adolescentes de escolas públicas. O gerente do projeto precisa coletar os requisitos desse projeto e
definir todos os requisitos em uma documentação de requisitos, como recomenda o Guia PMBOK.
Requisito Funcional 1: A carteira deverá ser utilizada por, pelo menos, 3 anos.
Requisito Funcional 2: O aluno precisa ter um espaço para acomodar os livros que não estão sendo
usados.
Requisito Funcional 3: A carteira deverá proporcionar conforto ao aluno (Restrição: a carteira deverá
ser acolchoada).
Após a definição dos requisitos funcionais (ou seja, o comportamento que o produto deve ter), serão
definidos requisitos técnicos (preferencialmente, atendendo ao Axioma 1 e 2).
Requisito Funcional 1: A carteira deverá ser Requisito Técnico 1: A carteira será produzida
utilizada por, pelo menos, 3 anos. com estrutura em metal, reforçada nos pontos de
contato direto dos alunos, para suportar um peso
máximo de 100 quilos.
Requisito Funcional 3: A carteira deverá Requisito Técnico 3: Nos pontos localizados nas
proporcionar conforto ao aluno (Restrição: a costas e no assento, a estrutura de ferro deverá
carteira deverá ser acolchoada). ter um estofamento a ser produzido com o
polímero X.
Requisito Funcional 5: Deve atender a alunos Requisito Técnico 5: A estrutura da cadeira deve
destros ou canhotos. comportar uma modularização tal que ajustes no
processo de manufatura permitam facilmente o
setup entre cadeiras para destro e canhoto.
Com a definição dos requisitos funcionais e técnicos, surge a necessidade de definição dos
processos que irão permitir a implementação ou fabricação de cada um desses requisitos:
Processo de Fabricação ou
Requisito Funcional Requisito Técnico
Implementação
RF1: A carteira deverá ser RT 1: A carteira será produzida PF1: A estrutura de metal será
utilizada por, pelo menos, 3 com estrutura em metal, desenhada e produzida na fábrica
anos. reforçada nos pontos de contato X.
direto dos alunos, para suportar
um peso máximo de 100 quilos.
pelo aluno e apoio para os construída um braço de apoio de N será fabricado na Fábrica Y. O
livros. madeira com as seguintes metal para encaixe do notebook
dimensões: M e N. Esse braço será produzido na Fábrica X,
deve possuir uma barra de metal devendo ser transportado para a
no lado inferior (próximo ao Fábrica Y, uma vez que a
aluno) que permita o encaixe de montagem final ocorrerá nessa
um notebook. fábrica.
Assim, teremos identificados todos os requisitos necessários para confeccionar a documentação dos
requisitos, e, ao mesmo tempo, teremos uma rastreabilidade dos requisitos desde a necessidade do
negócio até as suas entregas.
Cabe ressaltar que, é obrigatório na Administração Pública que os requisitos funcionais (ou mesmo os
técnicos), para justificar a sua inclusão em um termo de referência, estejam mapeados em uma
necessidade clara do negócio. Assim, a matriz utilizada atende (e auxilia nesse atendimento), a uma
exigência legal dos processos de contratação da Administração Pública.
Nesse caso, resumido, já que o TR completo possuía mais de 100 páginas, as principais
necessidades do negócio, eram a “melhoria da qualidade dos links da EBNet” e uma “maior
disponibilidade da EBNet”. Todas as necessidades foram identificadas através de entrevistas e
grupos de discussão com integrantes do negócio e clientes (Organizações Militares), realizadas pela
equipe do projeto. Os requisitos funcionais foram identificados através de grupos de discussão com
integrantes da alta administração do CITEx e a equipe do projeto.
Logicamente, para as empresas licitantes, quanto mais claros forem os requisitos, menores serão os
riscos e, consequentemente, menores serão os custos ocultos. Além disso, com o entendimento do
projeto, mais concorrentes tendem a participar do processo de contratação: quanto mais
concorrência, menores os custos.
Essa matriz permite um mapeamento claro do que efetivamente se deseja construir com um projeto,
agregando informações para a documentação dos requisitos e para a matriz de rastreabilidade dos
requisitos, tornando a definição do escopo mais fácil para ser desenvolvida. O resultado do projeto
EBNet 2015 levou a uma economia de mais de 50% na contratação da nova rede (comparando-se ao
contrato anterior), aumentando a disponibilidade e dobrando a velocidade dos links para as
Organizações Militares: um grande sucesso para a organização.
Conclusão
Neste artigo, o AD foi analisado como alternativa de mitigação aos problemas relacionados com o
gerenciamento de requisitos. Assim, o objetivo deste artigo foi identificar e descrever uma estrutura
para a concepção de requisitos que leve em consideração o AD, evitando os erros identificados nesse
processo. A questão de pesquisa “Como o AD pode alavancar o processo Coletar Requisitos?” foi
respondida através da aplicação prática do conhecimento teórico desenvolvido e, também, da
proposta de incorporação do seu uso no processo Coletar Requisitos do PMBOK.
O processo Coletar Requisitos utilizado no Guia PMBOK é bem recente, sendo incorporado a esse
Guia apenas na sua quarta edição, o que, permite especular que ainda passa por um processo de
melhoria contínua e maturidade. O AD pode vir a contribuir com o PMBOK como uma ferramenta
robusta para coleta e elicitação dos requisitos, agregando valor para as atuais ferramentas descritas
no Guia PMBOK (5ª edição).
Bibliografia
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Design, (26) 7, 1994.
BHISE, Vivek D. Design Complex Products with Systems Engineering Processes and Techniques.
CRC Press. 2013.
CARNEVALLI, José Antonio, et al. Axiomatic design application for minimising the difficulties of QFD
usage. Production Economics 125 (2010) 1-12.
GONÇALVES-COELHO, Antonio M., et al. Improving the use of QDF with Axiomatic Design.
Concurrent Engineering: Research and Applications. Vol. 13, N. 3, 2005.
KOSSMANN, Mario. Requirements Management: how to ensure you achieve what you need from
your projects. England: Gower, 2013.
MULLA, Nilofar. GIRASE, Sheetal. A new approach to requirement elicitation based on stakeholder
recommendation and collaborative filtering. International Journal of Software Engineering &
Applications (IJSEA). Vol.3, N. 3, 2012.
PMI (Project Management Institute). The PMBOK Guide (5ª edição). Project Management Institute,
2013.
SUDIN, Mohd Nizam; AHMED-KRISTENSEN, Saeema. Change in requirements during the design
process. INTERNATIONAL CONFERENCE ON ENGINEERING DESIGN. 2011.
SUH, Nam Pyo. Axiomatic Design: advances and applications. Oxford: Oxford University Press, 2001.
SUH, Nam Pyo. Axiomatic design theory for systems. Research in Engineering Design. Vol. 10. 1998.
THOMPSOM, Mary Kathryn. Improving the requirements process in Axiomatic Design Theory. CIRP
Annals - Manufacturing Technology 62 (2013) 115–118.
Sobre o Autores:
Possui graduação em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (1993), mestrado
em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (1997) e doutorado em Engenharia
Mecânica pela Universidade de São Paulo (2006), ambos, mestrado e doutorado, desenvolvidos na área de
Engenharia de Produção. É pós-doutor em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de São Carlos
(UFSCar). É profissional em gestão de projetos com certificado PMP (Project Management Professional), pelo
Project Management Institute (PMI). Atualmente é professor adjunto do Departamento de Engenharia de
Produção da Universidade de Brasília (UnB). Atuou entre janeiro de 2003 e janeiro de 2008 como engenheiro de
desenvolvimento sênior e gerente de projetos, e entre janeiro de 2008 e agosto de 2012 como Gerente do
Escritório de Projetos da OPTO ELETRÔNICA S.A. Tem experiência nas áreas de Engenharia Eletrônica,
Processos de Fabricação e de Gerência da Produção, com ênfase em Desenvolvimento de Produto. Tem atuado
em projetos de mapeamento de processos de planejamento e controle da produção em organizações militares e
em projetos vinculados à defesa cibernética no âmbito do Governo Brasileiro.