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Rio de Janeiro
2019
NOME DO AUTOR:
ROBSON DE AGUIAR OLIVEIRA
TÍTULO DO TRABALHO:
A INVISIBILIDADE DA SUBJETIVIDADE NO SERVIÇO
SOCIAL
ORIENTADOR:
Prof. Dr. Marcos Botelho
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos diferentes estudantes, nesses longos períodos que estive na universidade,
pela troca, pela solidariedade e também por me ensinar como conviver e respeitar outros
pontos de vista.
Agradeço também aos professores pela paciência em ter um aluno, inquieto e muitas
vezes arrogante em sala de aula. O tempo passa, sai a arrogância e surge a vergonha.
Obrigado a todos os professores!
Agradeço as construções fora dos muros da universidade, são muitas as pessoas que
me ajudaram e ainda ajudam.
Agradeço ao povo do Sebastião Lan, o acampamento mais antigo do Brasil, por seus
ensinamentos, principalmente nas dificuldades e nas alegrias.
Agradeço a minha mãe, figura sempre presente na minha vida, mulher guerreira.
INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 5
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24
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2.4 O movimento porta de entrada e porta de saída............................................................37
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2.6 39
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ANEXOS..................................................................................................................................65
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INTRODUÇÃO
O presente trabalho pretende dialogar sobre um tema pouco discutido no interior da
formação do assistente social. Estamos nos referindo à subjetividade. Entre as motivações que
me levaram a escolha do tema e a produção desta monografia, destaco a necessidade de
desvincular a temática da subjetividade como uma categoria “apropriada” pelo Serviço Social
conservador em especial o Serviço Social Clínico e proporcionando assim uma ampliação do
tema.
Reconhecemos a importância da temática da subjetividade no processo de formação
profissional do assistente social como um elemento importante na prática profissional no que
se refere a atuação frente a questão social. No entanto, discordamos que o assistente social
exerça atividades clínico terapêutica como sustentam os partidários do Serviço Social Clínico.
Avaliamos que a temática da subjetividade é um tema complexo e que esteve presente
nos debates do movimento de Reconceituação. Neste sentido, julgamos pertinente trazer
elementos do debate me torno da subjetividade no interior do pensamento marxista já que
reconhecemos a validade dessa teoria crítica como um princípio para a formação do
profissional do serviço Social. Assim temos, na primeira parte deste trabalho, uma introdução
sobre a temática da subjetividade a partir da literatura marxista onde esperamos comprovar
que o tema da subjetividade é relevante para está teoria crítica. Esta introdução nos parece
importante sob dois aspectos. No primeiro, uma série de autores marxistas apontam par a
importância do tema como parte da teoria crítica marxista e sua atualidade . O segundo, diz
em relação a contribuição que esses autores podem dar enquanto conteúdos para a formação
profissional dos assistentes sociais.
Ainda na primeira parte, optamos por apresentar uma leitura sócio histórica sobre a
subjetividade, destacando a caracterização da subjetividade privada, presente no homem
burguês. O objetivo nesta parte do trabalho, foi apontar para o desenvolvimento e
consolidação da subjetividade privada na sociedade burguesa, e sua relação com a decadência
deste modelo todo o procedimento de desenvolvimento e consolidação da chamada
subjetividade privada também coincide com o fracasso desse modelo. Outro desafio
colocado foi pesquisar a temática da subjetividade na literatura do serviço social. Neste caso,
buscamos livros, dissertações, artigos e linha de pesquisa que trouxessem a temática da
subjetividade. Para nossa surpresa, percebemos que o tema da subjetividade no interior do
serviço social não produz uma massa crítica capaz de desenvolver uma literatura específica.
Este novo quadro de ausência de material para a pesquisa, nos levou a reorientar o nosso
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para auxiliar nas entrevistas sendo composto por duas partes. Na primeira, temos os dados
quantitativos relacionados à idade, período da formação, estágio, tendo como objetivo ajudar
no desenvolvimento de um perfil das assistentes sociais entrevistadas. Na segunda parte do
roteiro faremos uma análise a partir das respostas e posicionamentos das assistentes sociais.
Essa parte do roteiro é composta de quinze questões que foram divididas tematicamente em
quatro blocos: instituição de ensino e formação profissional, instituição de ensino e formação
individual, formação e dia a dia do trabalho e, por fim, serviço social e subjetividade.
Avaliamos que os diferentes comentários e percepções geram um grande painel, com a
presença de vários temas transversais, que por sua vez geram várias “janelas”. Garantir o foco
no tema da subjetividade foi o grande desafio do terceiro capítulo. Por outro lado, as
entrevistas possibilitaram trazer elementos importantes sobre o campo de estágio e a
influência da supervisão de campo no processo de formação profissional. Outro aspecto
presente nos depoimentos foram as diferentes interpretações de um mesmo termo, como o
caso da palavra “escuta”. Palavra carregada de sentidos, que ganha significado e importância
a partir da interpretação de cada assistente social, porém permitindo uma reflexão sobre o
quanto este termo é ambíguo e genérico. No último bloco da segunda parte do roteiro,
trabalhamos o tema da subjetividade a partir de algumas questões e assim finalizando o
quadro de transcrições das falas das assistentes sociais. A parte seguinte do capítulo,
desenvolvemos uma análise qualitativa sobre o conteúdo das entrevistas, destacando as
principais questões apresentadas pelas profissionais entrevistadas.
Por fim, apresentamos as considerações finais deste trabalho, refletindo sobre o
processo de subjetivação na atividade profissional do assistente social. Optamos por
desenvolver uma análise sobre o processo de formação profissional, já que a maior parte das
falas das entrevistadas está relacionada a este período. Também trazemos contribuições da
atividade profissional, com menor peso, estabelecendo algumas relações com alguns aspectos
da questão social. Nosso primeiro objetivo quanto a este trabalho foi fomentar o debate em
torno do tema da subjetividade. Por outro lado, compreendemos que a condução da própria
pesquisa já possibilita um direcionamento quanto a uma prévia opinião. Neste caso, não
fugimos a regra, pois acreditamos que o principal objetivo deste trabalho é desmistificar a
temática da subjetividade, garantindo assim uma reflexão atual e necessária sobre a
importância do tema no processo de formação profissional como também no cotidiano
profissional.
8
Discutir a relação entre Serviço Social e subjetividade exige que se reflita tal relação
sob a perspectiva teórica, neste sentido, pretendemos desenvolver a temática da subjetividade
a partir da teoria crítica marxista. Assim, apresentamos alguns autores que “resgatam” o tema
da subjetividade estabelecendo um rico mas ainda insuficiente debate em torno desta temática.
Vale destacar que em nossa pesquisa encontramos um movimento, por parte de diferentes
autores, de registrar que a temática da subjetividade foi combatida por algumas correntes do
marxismo. Essas correntes produziram uma crítica contundente rebatendo no interior do
Serviço Social: “Não podemos ignorar que o marxismo-leninismo produziu uma espécie de
recalcamento da subjetividade que atingiu amplos setores da esquerda e, em certa medida, o
próprio Serviço Social reconceituado”. (RODRIGUES, 1997, p.95).
1 A nossa pesquisa proporcionou o encontro com diversos autores marxistas e seus trabalhos
sobre a subjetivação o que sem dúvida merecia uma pesquisa especifica e ampla..
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verdade o poder de sua atividade que permanece obliterado no processo de sua objetivação”.
(SILVEIRA 2002, p.105)
Marx vai revelando como por meio do processo de intercâmbio de mercadorias, vai
sendo constituída uma relação que aparece entre objetos, sendo obliterado o pano de
fundo da relação determinante - entre os próprios sujeitos. Essa aparente
desvinculação, essa “ignorância” invisível socialmente, determinará produções
subjetivas particulares nos homens que o vivenciam. (SILVEIRA 2002, p.105).
constituído já que faz parte da natureza do homem mas decorrente de razões históricas. O
autor no apresenta um exemplo.
O operário aliena sua própria essência na relação prática, isto é, material, com a
natureza (o trabalho) que, por sua vez, determina a relação entre os homens que aí se
apresentam como o operário e o não-operário. Portanto, o conceito de trabalho
alienado já remete à produção material. A alienação ocorre na história onde também
se criam as condições para a sua eliminação. Assim, ao contrário de Feuerbach, para
Marx a alienação não é algo decorrente de uma essência universal e abstrata, um
conceito meramente antropológico. (SAVIANI, 2003, p.5).
Diante das considerações do autor, podemos afirmar que o processo de alienação trata
do não reconhecimento de si de sua obra e na relação com outros homens. O resultado é que
homem enquanto criador não reconhece o que produz, como também não se encontra no
trabalho como um ato seu, sua realização. Neste sentido, afirmamos que essa caracterização
da alienação é descrita sob os aspectos subjetivos e que a nosso ver, repercute diretamente na
não realização dos homens quanto capacidade criadora. O trabalho alienado traz em sua
constituição o aspecto subjetivo e objetivo. O conteúdo objetivo do trabalho alienado se dá
pela miséria material do homem diante de um mundo que perde valor e sentido na medida que
se valoriza as coisas.
Por fim, o autor reafirma que esta concepção não deve ser limitada à ideia, também
abstrata e universal, da essência humana como se fosse parte original de todo indivíduo, uma
vez que para Marx os indivíduos só deixarão de viver na negação de sua essência quando
operarem a união entre a existência e essência.
Dizer isto, é inicialmente, dizer que os indivíduos humanos são atravessados por
uma contradição estrutural principal, incontornável, uma contradição que também
trabalha, como vimos amplamente, sobre todas as “coisas sociais” ( precisamente
por que como as mercadorias elas são humanizadas), e que lhes confere uma
estrutura formal comum, uma estrutura simbólica: é a contradição entre sua forma
natural ( seu corpo próprio, com os programas biológicos que nele se realizam, suas
capacidades concretas, sua duração de vida própria, etc) e de sua forma genérica
essencial, aquela que resulta do fato de que sua existência realiza relações sociais. É
esta forma genérica essencial, que, seguindo Lucien Sève, chamaremos a
personalidade. (DORAY,1989, p.99)
Neste sentido, o que designa o homem é que sua personalidade original não está
definida pela forma natural que o identifica, justamente, como homem. Pois essa forma
natural está impregnada de um interior principal que está ligada as formas externas que a
ultrapassam, nas dimensões espaciais e temporais. Assim chegamos a situação de um corte
estrutural, através de um intricado processo de formas contraditórias entre o nosso tempo
( real, instantâneo) ou como afirma Doray (1989), o tempo programado da expressão dos
códigos genéticos e o tempo da acumulação irreversível do patrimônio social.
Será esse o ponto de partida para o que Doray (1989) chama de uma teoria
materialista da subjetividade. Para o autor, o pensamento revolucionário e materialista
carrega em si, a partir de um compromisso ético, uma responsabilidade em compreender o
sentido dos atos humanos a fim de libertar, na prática, as vias de uma reapropriação
subjetiva da história por aqueles que são seus atores.
O que um homem faz de sua vida e o que a sua vida faz dele: eis a substância de um
conceito de personalidade digno desse nome e digno de uma ciência que se empenha
em estudar as suas lógicas fundamentais as suas condições de transformação.
(SEVÈ, 1989, p. 156).
avaliamos que ser pertinente uma breve descrição dessa temática por alguns autores do
Serviço social que dialogam com a psicologia mantendo uma referência na teoria marxista.
No campo do Serviço Social, Nicacio (2006) nos alerta sobre a complexidade do tema:
No Serviço Social, o tema da subjetividade vem sendo introduzido por alguns autores
que alertam para a relevância do assunto para o profissional da área. Na introdução do texto
“Da Hiperpsicologização Normatizadora ao Recalcamento da Subjetividade: notas históricas
sobre o Serviço Social, subjetividade e saúde mental no Brasil e no Rio de Janeiro”,
VASCONCELOS (2002) nos apresenta um quadro analítico sobre a ausência da temática da
subjetividade no interior do Serviço Social.
Além disso, é legítimo considerar ainda que, embora o tema da subjetividade não
tenha sido objeto de discussão significativa no interior da categoria profissional até
os fins do século XX, a cultura profissional dos anos 80 e 90, superando o marxismo
enviesado que penetrou o serviço Social reconceituado, lançou os fundamentos
ontológicos necessários à análise dessa temática. (RODRIGUES,1997, p. 95)
O núcleo comum com relação à crítica elaborada por eles e do qual compartilho
funda-se, principalmente, com o que já introduzimos aqui, mas que tentamos
sintetizar, pois concordamos que o Serviço Social, enquanto ramo do saber, não
tinha a capacidade intelectiva e crítica de fazer naquele momento o que pode fazer
hoje, sem reprodução mecânica do idealismo moral do ser social burguês na sua
intervenção profissional e produção científica, o que só está sendo possível no
contexto da renovação profissional em solo brasileiro. (Duarte,2010,p. 15)
Optamos por trazer alguns acontecimentos históricos sociais que contribuíram para o
desenvolvimento da subjetividade do homem moderno. Nesta primeira parte, apresentaremos
uma breve descrição da formação da subjetividade a partir da concepção da psicologia com
ênfase na psicanálise. O objetivo aqui é fazer o percurso, da psicologia, no desenvolvimento
até a crise da subjetividade no homem moderno. Avaliamos que tal roteiro nos fornece
alguns elementos que irão subsidiar a segunda parte deste capítulo, onde iremos descrever em
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Para Figueiredo & Santi (2008), a experiência de sermos sujeitos com condições de
tomar decisões, dotado de sentimentos e de emoções privados, só se desenvolve, se consolida
e se amplia numa sociedade com determinadas características.
Não podendo esperar pelo conselho de uma figura de autoridade, o homem viu-se
obrigado a escolher seus caminhos e arcar com as consequências de suas opções.
Nesse contexto, houve uma valorização cada vez maior do “homem”, que passou a
ser pensado como centro do mundo. (FIGUEREIDO & SANTI 2008, p 24).
Ainda segundo Figueiredo & Santi (1997), a valorização e a confiança no homem, por
ele ser o centro do mundo e ao mesmo tempo livre, possibilita o surgimento do humanismo
moderno. No século XVI, o tema do homem em conflito entre a obediência de Deus e a
confiança nas próprias qualidades ganha espaço, por exemplo, em expressões artísticas.
Assim, temos no século XVI as figuras de personagens literários como Dom Quixote e
Hamlet inaugurando o mundo “interno” e fortalecendo a interioridade de seus leitores. Na
tragédia de Shakespeare, por exemplo, o príncipe dinamarquês se lamenta e se questiona
diante do dever de vingar o assassinato do pai:
Ó, vingança!
Mas que asno eu sou! Bela proeza a minha.
Eu, filho querido de um pai assassinado,
Intimado à vingança pelo céu e o inferno,
Fico aqui, como uma marafona,
Desafogando minha alma com insultos; é, como uma meretriz;
Ou uma lavadeira!
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Assim, o século XVII alimenta um homem capaz de dialogar com o seu “eu”. De
dedicar-se às suas reflexões primeiro de forma individual, para depois submetê-la aos demais
campos da experiência. Através de um método, o homem consegue desvendar os mistérios em
torno de sua existência e o convívio entre a fé e a razão torna-se uma realidade, ainda que em
muitos casos gerando conflitos.
encaixe. E quem pode encaixar essas peças? O homem sábio, o ser onisciente – seja ele Deus
ou uma criatura terrena onisciente (cada um concebe a sua escolha) – poderiam encaixar as
peças e formar assim um desenho coerente.
Qualquer um que fizer isso vai saber como é o mundo: o que as coisas são, o que
elas já foram, o que elas serão, quais as leis governam, o que é o homem, qual a
relação do homem com as coisas e, portanto, de que o homem precisa, o que ele
deseja, e também como pode obter tudo isso. (BERLIN 2015, p.51).
O Iluminismo não foi um movimento uniforme, no sentido que todos os seus membros
acreditavam nas mesmas coisas. Assim alguns pensadores do Iluminismo acreditavam na
imortalidade da alma, outros já afirmavam que a alma era uma superstição e que essa entidade
não existia, outros creditavam que a elite esclarecida deveria governar o povo, outros ainda,
que a ética e a política deveriam ser concebidas por cada homem a partir de seu entendimento.
Nesse caso, cada homem seria um especialista, pois ao consultar seu coração ele poderia saber
a diferença entre o bem e mal, o certo e o errado. O ponto comum entre esses diferentes
pensadores é que a virtude consistiria no conhecimento. Assim,
...que, se sabemos o que somos, e sabemos de que precisamos, e sabemos onde obtê-
los, e o obtemos com os melhores meios em nosso poder, então podemos viver uma
vida feliz, virtuosa, justa, livre e contente; que todas as virtudes são compatíveis
entre si... (BERLIN 2015, p.54).
levado pela força do mar. O barco seria a tentativa da intervenção humana, o controle racional
e metódico do mundo. Controle esse que é o tempo todo questionado pela natureza, por isso
sempre a figura do barco prestes a naufragar.
Outra característica da cultura ocidental presente nos séculos XVIII e XIX que reflete
diretamente na experiência da subjetividade é a ideologia Liberal Iluminista. A Ideologia
Liberal tem sua maior expressão na Revolução Francesa, em que as ideias de que os homens
são iguais em capacidade são propaladas juntamente com a certeza que os homens também
devem ser iguais em direitos. Neste sentido, todos os homens são livres, contudo para que
essa liberdade (de cada um) não provoque um descontrole é necessário que todos nós
possamos ser solidários uns com os outros. Assim, se todos os homens são livres para lutar
pelos seus interesses e necessidades por serem iguais, todos nós também deveríamos ser
fraternos. O reconhecimento e o exercício da liberdade pelos homens tem se tornado um
grande desafio. Conciliar o exercício da liberdade individual com os interesses coletivos não é
algo fácil. Pelo contrário, os conflitos gerados pela liberdade de cada um em tratar seus
negócios têm desencadeado crises, lutas e guerras.
A liberdade individual acabou por não ser tão boa como pregavam o liberalismo
iluminista e o Romantismo. A imensa pressão que se carrega por ser diferente, ser livre, ser
singular e ter interesses particulares, assim como o desamparo e a solidão levam
frequentemente os homens a se defenderem. Figueiredo & Santi (1997), afirmam que com
objetivo de reduzir os “inconvenientes” da liberdade, da diferença, da singularidade, foi se
constituindo junto ao homem ocidental e moderno um complexo sistema. Sistema esse que,
dada a sua natureza, acaba pôr colocar em perigo as ideias românticas e liberais.
Fundamentado em bases científicas que gera por sua vez uma elaboração e técnicas de
controle social e individual, esse sistema será conhecido como Regime Disciplinar 2 e
encontra-se nas atividades desenvolvidas por todas as grandes agências sociais, como as
escolas, as fábricas, as prisões, os hospitais, os meios de comunicação de massa, os órgãos
administrativos do Estado, etc.
liberdade e desejos muitas vezes são apresentados como algo ao alcance de quem “vence” na
vida.
Para Silveira (2002), que relaciona a teoria crítica marxista com outras áreas de
conhecimento, em especial a psicanálise, afirma que devemos compreender os processos
subjetivos a partir de apontamentos das condições internas de cada sujeito, pressionados e
questionados através das representações reais no processo de civilidade dominante, leia-se
capitalismo monopolista. A subjetividade não é inseparável do homem, ela vai se construindo
mediante aos encontros das dimensões, internas e externas desse homem, não sendo possível
separação entre o plano individual e o coletivo, entre os registros de indivíduo e sociedade.
Para Netto (1996), o século XIX foi palco de grandes transformações do capitalismo,
mudanças a partir da sua organização econômica que trazem rebatimento para estrutura social
e política, refletindo também na organização individual.
Vale destacar que a análise desenvolvida por FIGUEIREDO & SANTI (1997),
estabelece uma narrativa histórica onde temos uma mobilização crescente e acumulativa em
relação a formação da subjetividade individual, nesta exposição, o ápice do desenvolvimento
da subjetividade também é o seu momento de crise. Assim, um estudo sobre a subjetividade
não pode desconsiderar uma análise sobre o capitalismo e todos os seus reflexos junto a
sociabilidade por ele produzida.
Segundo Morel, a medicina atuava com ações preventivas que tinham por objetivo
o confinamento de pessoas “perigosas” em espaços fechados para tratá-las. Nesse
confinamento, a ação focava no combate as causas da doença e na prevenção de seus efeitos.
De acordo com o autor, as medidas de profilaxia tinham como meta aspectos defensivos, na
medida que isolavam e tratavam pessoas consideradas perigosas em espaços fechados e sem
qualquer contato com a sociedade. A proposta que o autor apresenta é da ação preventiva,
tendo como meta “atacar” as causas das doenças e assim antecipar os seus efeitos. O campo
de atuação, segundo Morel, seria a sociedade, onde o profissional da medicina atuaria como
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uma espécie de conselheiro para as demais profissões que tivessem como foco o trabalho com
as “massas”. Para Castel (1978) o discurso amplo e abrangente de Morel esconde uma
classificação e identificação sobre a classe da sociedade que se deve priorizar.
O movimento de higiene mental surgiu na França no final do século XIX , mas foi nos
Estados Unidos onde se consolidou e passou a irradiar as suas teorias para outros países 3.
Segundo a historiografia do movimento de higiene mental americano, um momento
importante para a propagação da organização foi através da biografia de Cliffords Beers,
considerado profissional liberal, por ser vendedor de seguros e serviços associado a um
escritório de arquitetura em Nova York. Este trabalhador em crise foi internado inúmeras
vezes entre o período de 1900 a 1903, essa experiência foi transformada em livro com ajuda
de um grupo de psiquiatras, entre eles Adolf Meyer psiquiatra renomado e diretor do hospital
psiquiátrico de Nova York. Assim foi lançado, em 1908, o livro “Uma mente que encontrou a
si mesma”, promovendo uma nova e grande cruzada contra a doença mental. Como resultado
desta campanha, surgiu o movimento de higiene mental, organizando as chamadas ligas locais
que se alastraram por todo país. Tais ligas acabaram tornando-se parte da estrutura do
movimento de higiene mental, que rapidamente organizou um comitê nacional pela higiene
mental alcançando seu ápice, em 1920, em solo norte americano, tendo na maioria dos países
europeus a constituição das chamadas ligas nacional de higiene mental.
Ainda segundo o autor, o Serviço Social de caso americano sofreu forte influência do
movimento de higienização mental. O livro Diagnóstico Social de Mary Richmond, em 1917,
já trazia referências aos psiquiatras que formularam e militaram a favor do movimento de
higiene mental.
3 Segundo Vasconcelos (2000), foi a partir dos Estados Unidos que o movimento de higiene
mental alcança países europeus como também a América latina, neste caso chegando ao Brasil.
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(2000), data deste período a construção de uma relação entre o Serviço Social católico e o
Movimento de Higiene Mental. Essa relação entre duas concepções teóricas, segundo o autor,
possibilitou uma atuação pragmática de ambas as partes constituindo assim uma relação de
complementaridade.
Considerou sua atribuição a criação dos hábitos sadios, o combate às ‘taras sociais’ e
a realização das grandes aspirações sanitárias do Estado: a robustez do indivíduo e a
virtude da raça. Segundo a concepção higienista, não era possível fazer uma grande
nação com uma raça inferior, eivada pela mestiçagem, como eram os brasileiros.
Nesta questão, o higienismo se fundamentava na Eugenia 4 (MANSERA & SILVA,
2000, p. 119).
Em sua obra Ordem Médica e Norma Familiar, Jurandir Freire Costa (1999) afirma
que a prevenção eugênica se destinava a formar um indivíduo brasileiro mentalmente sadio,
4 Eugenia foi o termo “inventado” por Francis Galton (1822-1911), fisiologista inglês, para
designar a ciência que trata os fatores capazes de aprimorar as qualidades hereditárias da raça humana.
Afirmava ele que os seres humanos, assim como os animais, poderiam ser melhorados através de
seleção artificial. Entre seus estudos, Galton buscou demonstrar que a genialidade individual estava
ligada diretamente a composição familiar, nesse caso uma família de intelectuais com frequência
tinham filhos intelectuais. Neste sentido, Galton entendia que se deveria encorajar o nascimento de
indivíduos com maior capacidade, e evitar o nascimento dos incapazes. Ver mais em Mansera & Silva,
2000.
29
Art 138. Incumbe à União, aos Estados e aos Municípios, nos termos das leis
respectivas:
30
lugar, o moralismo católico servia como fonte inspiradora, numa espécie de pedagogia do
exemplo, na medida que os psiquiatras na sua grande maioria acabavam fazendo votos de
abstinência de álcool. Como também, constituíam todo um vocabulário em sintonia com a
igreja católica, como as referências que eles próprios faziam para suas campanhas, a que
chamavam de cruzadas e também se intitulavam apóstolos da higiene mental. Por fim,
Vasconcelos (2000), observa que existia certa relação de complementariedade e também de
demarcação de áreas de competência entre o catolicismo e higienismo.
Nicacio (2006), afirma que partir da psicologia do ego, a relação do assistente social
com o usuário adquire uma nova perspectiva já que o conhecimento psicológico deve
fortalecer o usuário a identificar as suas dificuldades subjetivas a fim de agir de forma firme
sobre eles.
teórica a fenomenologia e buscou dar uma nova leitura a atuação do assistente social para que
o profissional ampliasse a análise do cliente para além dos aspectos objetivos, levando em
consideração a “dimensão do ‘vivido’, isto é, como ele vivencia a sua situação de pobreza,
procurando observar qual o sentido que ele atribui ao seu problema” (NICACIO 2006, p.16).
Este tipo de abordagem, ainda tem influência junto a alguns assistentes sociais constituindo a
corrente denominada Serviço Social Clínico. Mesmo sem unidade teórica, o que acaba por
impedir também uma sólida produção literária, este movimento se caracteriza por uma
reatualização do serviço social de casos, em que o assistente social também pode
desempenhar uma função terapêutica. Entre as poucas obras que se caracterizaram como
Serviço Social Clínico, está o livro de Verli Eyer de Araújo (1982) com o título Serviço
Social Clínico – Transferência e Contratransferência.
Em seu dia a dia o assistente social lida com problemas e questões que na maioria das
vezes se apresentam na dimensão objetiva (macroestrutural) como também na dimensão
subjetiva. Neste sentido, o reconhecimento da dimensão subjetiva por parte do profissional do
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serviço social não significa cair no psicologismo. Pelo contrário, reconhecer a dimensão
psíquica e subjetiva da questão social, possibilita a que o assistente social possa refletir sobre
a forma como os sujeitos percebem a sua situação social.
Uma aproximação, menor que seja, com a realidade da prática profissional, mostra
que o assistente social, no seu processo de trabalho, não lida apenas com indicadores
sociais, procedimentos formais, rotinas e normatizações. Mesmo assim, às vezes se
esquece um fato fundamental: não é ‘A questão social’ que procura o assistente
social, mas ‘indivíduos reais’ submetidos a alguma situação de sofrimento ou
fragilidade. As demandas endereçadas ao assistente social surgem para ele, no
cotidiano, concretizadas nas queixas, reivindicações e solicitações de sujeitos que se
situam em determinado contexto social. (NICACIO 2006, p. 14)
Entendemos que, na maioria das vezes, o usuário do serviço social se encontra numa
situação limite, decorrente de uma ausência ou fragilidade que o leva a conviver com seus
sintomas, fobias, incertezas e dúvidas. No entanto, não pretendemos que o assistente social
atue junto a essa realidade numa perspectiva psicoterapêutica, somos partidários de que as
atividades terapêuticas, defendidas pelo chamado serviço social clinico, não fazem parte da
atribuição do profissional do Serviço Social e caminha na contra mão do projeto ético-político
da categoria. Acreditamos que ao estabelecer uma relação atenta aos aspectos subjetivos da
realidade deste usuário nos permite construir um diálogo, com aquele que muitas vezes
encontra-se em um contexto social a margem das condições mínimas de sociabilidade
(moradia, educação, trabalho, etc.), onde quem apresenta uma demanda seja reconhecido
como um sujeito de direitos e aquele que a recebe reconheça a questão social e as
singularidades do seu impacto.
As diversas expressões da questão social não são meras entidades teóricas, mas
implicam um pathos*7, isto é, se encarnam em manifestações reais de sofrimento,
em experiências que afetam o sujeito. Os efeitos das desigualdades sociais e das
fragilidades da vida atingem os sujeitos no seu corpo, no seu psiquismo, nas suas
relações sociais cotidianas. (NICACIO, 2006, p. 15).
Por fim, a questão social se faz presente no cotidiano do assistente social, mas, a nosso
ver, ela se materializa em pessoas que carregam algum tipo de dor e estigma. O que significa
que essas pessoas pertencem a um contexto social onde a questão social é o determinante
macroestrutural.
No que diz respeito aos assistentes sociais, a experiência da obra da Drª Nise e equipe
tiveram forte influência nos vários estagiários presentes ao longo de mais de trinta anos de
atuação. Porém essa experiência permanece restrita aos profissionais de atuação junto a saúde
mental. Tendo a influência direta do pensamento junguiano, a obra da Drª Nise acaba sendo
apresentada e referendada pelo aspecto estético e do efeito demonstrativo da divulgação do
trabalho do museu do inconsciente. O que de certa forma limita a análise dos aspectos
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terapêuticos, já que a literatura técnica a respeito do método é bem menor que a produção
audiovisual sobre os efeitos.
A passagem pela obra da Drª Nise, seja como estagiária ou como profissional, é sem
dúvida uma experiência única enriquecedora do ponto de vista do profissional que tem sua
atuação junto a saúde mental. Por outro lado, a própria característica das atividades
desenvolvidas não proporciona uma produção teórica objetivando uma formulação enquanto
movimento orgânico e de representação, ou seja, as inúmeras atividades desenvolvidas não
foram devidamente sistematizadas ou replicadas enquanto um projeto pedagógico formativo.
8 Ainda segundo o autor, o chamado modelo de after-care americano tinha como objetivo
garantir o máximo de dados sociais e familiares dos usuários internados como um suporte para o
processo de alta e adequação do ambiente familiar e comunitário.
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Em resumo este modelo de atuação dos assistentes sociais se baseava numa relação
uniprofissional, com forte viés burocrático, sem uma rotina de estudos e trocas sobre as
intervenções de maior complexidade. Essa forma de atuação profissional é vinculada ao
modelo da chamada medicina tradicional já que mantém a separação sociotécnica do trabalho
nas instituições psiquiátricas, constituindo assim uma contradição em relação às práticas
atualmente desenvolvidas pelos profissionais em saúde mental.
outro, o entendimento de que essa experiência deveria ser a primeira etapa de um processo
maior que significava questionar a própria instituição hospitalar.
Compreendemos que o movimento de higiene mental, teve uma importância ainda não
devidamente pesquisada no que se refere à sua influência no interior da profissão na década
de 1940. Assim, optamos por demonstrar alguns aspectos desse movimento e seus reflexos
juntos ao serviço social.
O assistente social não trabalha partes da questão social, Iamamoto (2004), mas
desenvolve sua prática profissional com indivíduos, que pela formação sócio econômica,
acabam por centralizarem as questões universais e particulares das relações de classe. Em
outras palavras, homens e mulheres se apresentam diante do profissional do serviço social a
partir da materialização da questão social, desemprego, violência familiar, etc. Neste
contexto, a questão social está presente intrinsecamente na profissão, não sendo possível
fragmentá-la como querem os partidários do Serviço Social Clínico.
Avaliamos que essa postura voluntarista do Serviço Social na saúde mental, que se
expressa nas atividades desenvolvidas nas instituições de assistência psiquiátrica é
simbolizada na prática do “acolhimento” por parte destes profissionais. O acolhimento, neste
caso, significa escutar, confortar ou “entender” o usuário. Sem uma reflexão maior sobre os
objetivos das atividades, das oficinas às entrevistas com familiares, o acolhimento se torna o
grande “coringa” na ausência de um projeto ou metodologia de trabalho.
41
No terceiro capítulo, trazemos um debate mais atualizado sobre essa temática a partir
de entrevistas junto a assistentes sociais. Abordaremos o tema da subjetividade, formação e
prática profissional através das diferentes visões das profissionais entrevistadas. As
entrevistas permitiram replicar questões relacionadas à subjetividade e a prática cotidiana do
assistente social.
Um dos aspectos apresentados a partir da análise dos dados quantitativos foi o período
de formação destes profissionais. Todas as entrevistadas se formaram nas duas primeiras
décadas do século XXI, significando que as atuais profissionais estudaram sob as Diretrizes
Curriculares para o Curso de Serviço Social, aprovada pela categoria em 1996 e aprimorada
pela Comissão de Especialistas em documento de 1999 sob a responsabilidade da Associação
Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS). A nosso ver, as Diretrizes
Curriculares para o Curso do Serviço Social reafirmou nova direção social hegemônica no
seio acadêmico-profissional, fazendo parte de um processo que buscou a revisão crítica e um
amplo questionamento interno da profissão, de suas bases teórico-ideológicas e origens
sociopolíticas. Esta mudança permitiu, portanto, uma grande reavaliação de projeto
profissional.
Outro elemento de destaque é o perfil das instituições de ensino responsáveis pela
formação dos assistentes sociais entrevistados. Todas as profissionais se formaram em
instituições públicas, o que possibilita algumas reflexões sobre a relação instituição de ensino
e aluno. As universidades públicas mantém uma política de assistência estudantil10 que
contribuem para permanência dos alunos durante o curso. Outra característica das
10 Nas universidades públicas brasileiras existe uma política de apoio aos estudantes (bolsa
auxílio, alojamentos e alimentação subsidiada) que contribui para a manutenção e permanência do
estudante até o fim do curso. Importante ressaltar que a política de auxílio estudantil não se destina a
todos os universitários, havendo um corte de renda para serem contemplados. Além disso,
compreendemos que essa política de assistência, na maioria das universidades públicas, vem
reduzindo a cada ano prejudicando muitos estudantes que necessitam deste apoio para a manutenção e
permanência no campo universitário.
44
11 O Estado aqui refere-se aos três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário e também em
relação as esferas municipal, estadual e federal da máquina pública.
12 O chamado terceiro setor vem se destacando por constituir uma alternativa ao Estado, atuando
na mediação dos conflitos, mas sem garantir o acesso aos direitos.
45
Segue abaixo o roteiro com as questões agrupadas por blocos seguido das respostas
das assistentes sociais. Em cada grupo de questões teremos um bloco de manifestações das
entrevistadas. O objetivo é descrever as opiniões e posicionamentos das cinco profissionais.
SIM ( ) NÃO ( )
ASSISTENTE SOCIAL 1
Ela considera que sua instituição de ensino apresentou de forma direta e simples o
perfil do profissional que objetivava formar, o que julga ser positivo e facilita a compreensão
do próprio conteúdo do curso.
ASSISTENTE SOCIAL 2
A Assistente Social 2 destaca que tomou conhecimento do curso de Serviço Social
quando ainda cursava o ensino médio. Foi um professor quem apresentou a ela as principais
características do curso.
Foi no ensino médio que fiquei sabendo do curso de serviço social. Foi o meu
professor que disse que eu tinha o perfil para ser assistente social, porque eu era
muito questionadora e também participativa, pelo menos eu achava (risos). Hoje
reconheço que meu professor apenas me direcionou. Da escola em que estudava não
conseguiria ser engenheira, que era meu sonho de adolescência. (ASSISTENTE
SOCIAL 2)
Ao entrar na faculdade de Serviço Social nossa entrevistada percebeu que não tinha a
“bagagem” necessária para estar no curso. Ela achava que não havia tido uma preparação
prévia sobre autores ou temas básicos a partir dos quais começavam os debates do curso. Por
outro lado, ela conseguiu identificar, já nas primeiras aulas, que a instituição tinha uma
intencionalidade quanto ao perfil do profissional que estava formando.
Na primeira semana de aula fiquei muito perdida, totalmente sem ação. Achei que
aquele lugar não era para mim. Percebi que não tinha a bagagem que o curso pedia.
Mas ao mesmo tempo me identificava com as aulas dos professores sobre aquilo que
eu vivia. Foi muito bom! Passei a estudar aquilo que vivia na minha realidade. Na
minha escola de serviço social, desde o início do curso estava presente o tipo de
profissional que ela queria moldar. A minha universidade forma para dentro, forma
professor e pesquisador. (ASSISTENTE SOCIAL 2)
Ela termina a discussão do primeiro bloco de questões com uma leitura bastante crítica
de seus colegas de estudo, na medida em que afirma que são poucos os alunos que conseguem
se apropriar dos conteúdos das disciplinas e introduzi-las na sua prática cotidiana.
“Na minha turma eram poucos os alunos que se envolviam de verdade nas discussões. Fazer
trabalho juntos era terrível. O pessoal da noite sempre foi mais responsável. Eu acabei
48
passando por todos os turnos, por isso posso falar dos outros estudantes”. (ASSISTENTE
SOCIAL 2)
ASSISTENTE SOCIAL 3
A Assistente Social 3 fez uma leitura sobre o impacto que a universidade trouxe para a
sua vida, não apenas pelos temas e discussões em sala de aula, mas principalmente pelo
convívio com alunos de diferentes cursos. Ela também afirma que desde o início sua
instituição apresentou o perfil do profissional que queria formar.
A minha entrada na faculdade mudou a minha vida. O convívio com outras pessoas,
as discussões, as conversas tiveram um impacto muito grande em minha vida.
Trouxe questões que mexeram com o meu casamento, minha sexualidade e até a
relação com a minha família. Isso me ajudou muito (pausa). Consegui me olhar, não
sou mais submissa, sou eu. (ASSISTENTE SOCIAL 3)
Para a Assistente Social 3, o fato de sua instituição trazer a todo tempo a natureza do
processo de formação profissional possibilitou não apenas a compreensão dos objetivos de
algumas disciplinas, como também permitiu uma crítica a esse modelo.
A minha universidade tem um projeto de formação profissional que é generalista e
crítico. Aprendemos que a questão social é o resultado de um modelo de sociedade,
em que o meio social onde vivemos acaba por nos definir, seja na questão
econômica ou cultural. Essa forma crítica de conceber o mundo ainda me traz
impacto. Mas ainda acho essa formação generalista não dá conta de outros assuntos
como a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) e o Sistema Único de
Assistência Social (SUAS). Temas importantes, como estes, não são aprofundados,
nos deixando sem conhecimento técnico. (ASSISTENTE SOCIAL 3).
ASSISTENTE SOCIAL 4
A Assistente Social 4 faz uma reflexão em torno da sua instituição de formação. Ao
responder o primeiro bloco de questões, demonstra que sua faculdade de Serviço Social
objetivava formar um profissional em condições de ingressar no serviço público ou seguir
carreira acadêmica.
Acho que foi no segundo ou terceiro período que consegui entender a proposta da
escola de serviço social da UFF. Foi mais uma inexperiência minha, era muito nova.
Hoje, quando olho minha graduação, vejo que era muito imatura. Simplesmente não
entendia o que estava acontecendo. Nós, os alunos, saímos preparados para fazer
concurso para qualquer prefeitura ou virar professor da escola de serviço social.
(ASSISTENTE SOCIAL 4)
A Assistente Social 4 foi a única que conseguiu comentar os aspectos que foram mais
enfatizados em seu processo de formação, já que as demais profissionais afirmaram não se
lembra.
49
ASSISTENTE SOCIAL 5
ASSISTENTE SOCIAL 1
Para a Assistente Social 1 sua faculdade teve maior atuação nas políticas públicas,
fortalecendo assim o perfil do profissional que queria formar. Mesmo atuando hoje fora da
gestão das políticas sociais, ela considera que sua formação profissional foi influenciada pelas
políticas sociais.
50
Hoje reconheço que dos temas que estudei na faculdade foram as políticas sociais as
de que mais gostei. Falo da seguridade social, saúde e assistência. E hoje são os
temas que mais utilizo no meu dia como profissional. Considero que as políticas
sociais e meu período de estágio foram os aspectos mais importantes para minha
formação. (ASSISTENTE SOCIAL 1)
A Assistente social 2 afirma que foram muitas as disciplinas que contribuíram para sua
formação profissional e humana. Ela destaca que foi na universidade que teve conhecimento
dos movimentos sociais e da discussão de gênero.
Minha formação como pessoa e como profissional se mistura. A faculdade trouxe
muita coisa para vida. Muitas disciplinas me tocaram e eu mudei. Para mim um dos
aspectos importantes foram as discussões teóricas, mas sempre com um exemplo
prático nas aulas de Ética Profissional. (ASSISTENTE SOCIAL 2)
ASSISTENTE SOCIAL 3
A minha faculdade sempre manteve seu projeto de formação profissional bem claro.
O estudante que tiver dúvidas é bastante desligado (Risos). Esse projeto generalista,
que se propõem a capacitar o estudante para que ele possa atuar nas diferentes áreas
profissionais. Para mim, esse modelo não funciona. Minha experiência no estágio
ajudou muito, lá compreendi que generalista é não aprofundar. Terminei o curso sem
aprofundar em temas como a LOAS e a SUAS. (ASSISTENTE SOCIAL 3)
ASSISTENTE SOCIAL 4
ASSISTENTE SOCIAL 5
Com uma atuação longe da academia, a Assistente Social 5 apresenta uma perspectiva
que parte das suas diferentes experiências profissionais para olhar sua formação. Ela atuou
como gestora no Executivo, colaborou como assessora técnica no Legislativo e também no
terceiro setor.
Minha formação na universidade foi muito rica, digo isso por que foi lá que aprendi
muita coisa. Considero que um dos aspectos principais na minha formação foi o meu
processo de estágio. Busca pelo estágio, a burocracia interna da faculdade e o
choque com a realidade. Você tem que se virar sozinha. (ASSISTENTE SOCIAL 5).
52
A Assistente Social 5 comenta que desde o início a sua instituição deixou claro
durante todo o curso qual era o perfil de profissional que queria formar, o que na avaliação
dela é algo positivo para o estudante.
A minha faculdade sempre teve o seu modelo de profissional. Digo isso por que não
era só os professores que levantam essa discussão, os alunos também comentavam
sobre o perfil do profissional que queríamos ser. Essa conversa entre os estudantes
ajuda bastante. Quem está fazendo estágio conversa com aquele aluno que ainda vai
fazer. Mas a minha faculdade sempre deixou claro o profissional que queria formar.
(ASSISTENTE SOCIAL 5).
ASSISTENTE SOCIAL 1
ASSISTENTE SOCIAL 2
ASSISTENTE SOCIAL 3
Neste ponto da entrevista, a Assistente Social 3 apresenta disciplinas que a
influenciaram e também acaba por relatar a sua experiência no campo de estágio o que reflete
diretamente na natureza interventiva da profissão.
A minha experiência no campo de estágio me ajudou muito na compreensão de
algumas disciplinas que já havia estudado, mas que não me chamavam atenção. Já
outras disciplinas mexeram comigo, trazendo reflexões sobre a prática profissional e
nossa formação humana. Gênero, OTP e Ética Profissional foram disciplinas que me
ajudaram na minha formação. (ASSISTENTE SOCIAL 3)
Minha supervisora de campo me mostrou como deve ser nossa relação com o
usuário, tirou da minha cabeça a ideia do cuidado e trouxe o sentido do direito
proporcionando assim o conhecimento sobre a dimensão interventiva da profissão.
Ao discutir o código de ética e a lei de regulamentação da profissão percebi que no
nosso curso deixou de aprofundar vários temas. (ASSISTENTE SOCIAL 3).
ASSISTENTE SOCIAL 4
Não sei se entendi bem essa questão, vou responder dentro da minha compreensão.
A nossa relação com o usuário é complexa. Quer ver um exemplo¿ O usuário chega
com uma demanda sobre BPC13. Ao ser informado que falta alguns documentos e
que o processo todo demora em torno de oito meses, o Usuário tem uma crise de
choro ou de raiva na minha instituição. Temos duas opções: ou chama o segurança
ou o psicólogo. (ASSISTENTE SOCIAL 4).
ASSISTENTE SOCIAL 5
Das disciplinas, sim, tem umas que mexem com a gente. No meu caso foram as de
Ética e OTP. Essas disciplinas traziam questões reais, casos complexos, saía da aula
com a cabeça pegando fogo. Hoje reconheço que até o meu vocabulário profissional
tem muita relação com essas duas disciplinas. (ASSISTENTE SOCIAL5)
É difícil comentar sobre o que você pede, falar da minha formação em relação à
nossa prática interventiva. Não sei, acho que faltou um conteúdo específico sobre as
questões relacionadas à nossa relação com o usuário. No meu caso, foram as práticas
individuais que foram me dando a carcaça que hoje carrego. (ASSISTENTE
SOCIAL 5)
ASSISTENTE SOCIAL 1
Tudo bem. Sei que nossa relação com o usuário se dá em condições muito objetivas.
Esse usuário chega a nós sem saber quais são os seus direitos e muitas vezes esses
direitos são negados de forma arbitrária. Em relação aos autores, com certeza não
tive nenhum que tratasse da subjetividade. No primeiro trabalho como assistente
social, eu pedi para sair. Era uma ONG que recebia crianças e adolescentes em
conflito com a lei. As condições de trabalho eram horríveis, na verdade não existiam
condições materiais ou subjetivas para qualquer profissional desempenhar sua
função. (ASSISTENTE SOCIAL 1)]
ASSISTENTE SOCIAL 2
ASSISTENTE SOCIAL 3
Ao refletir sobre o seu próprio processo de formação pessoal, a Assistente Social 3 faz
uma leitura sobre o seu período de estágio:
Esse tema da subjetividade nunca foi discutido ou estudado por mim em sala de
aula, mas sim pela minha supervisora de estágio em nossas reuniões de avaliação. O
tema da subjetividade era tratado na relação com o usuário, onde nossa supervisora
dizia o tempo todo que o assistente social devia ouvir o usuário. Ela repetia isso
sempre, era quase um mantra (risos). Nós temos duas orelhas e uma boca, vamos
ouvir! (ASSISTENTE SOCIAL 3)
Não me lembro de nenhum autor que tratasse da subjetividade. Hoje, mesmo sem
muito conhecimento técnico acredito que tenho incorporado à subjetividade na
minha formação profissional. É... Eu acho que ter uma escuta qualificada é
trabalhar a subjetividade, não é? Ouvir o usuário é dar um pouco de atenção. Acho
que isso faz parte do nosso trabalho. (ASSISTENTE SOCIAL 3).
ASSISTENTE SOCIAL 4
Atuando junto à uma equipe multidisciplinar, a Assistente Social 4 avalia que o tema
da subjetividade não está presente no seu cotidiano profissional.
56
“Na minha faculdade não tivemos nenhuma disciplina sobre subjetividade. Acho que
se tivesse seria junto com a psicologia. Também não li nenhum autor que falasse de
subjetividade”. (ASSISTENTE SOCIAL 4).
E finaliza com o seguinte comentário.
Não vejo necessidade de estudar o tema da subjetividade. Acho que esse tema tem a
ver com a área da psicologia. Temos que lidar com o cliente a partir da nossa
capacidade técnica. Hoje acho que essa separação entre as atividades do Serviço
Social e da psicologia está bem clara. (ASSISTENTE SOCIAL 4)
ASSISTENTE SOCIAL 5
Para a Assistente Social 5, a subjetividade é uma tema complexo e não existe uma
regra ou norma de como garantir, dentro da prática profissional, onde é o campo da escuta
qualificada e onde começa o atendimento da área da psicologia.
Eu acho que esse tema da subjetividade é bem complexo. Durante o meu curso não
tive qualquer professor ou disciplina que tratasse desse assunto. Acho que saber
escutar o usuário não é a mesma coisa de trabalhar a subjetividade. Eu mesma
quando estou atendendo, dependendo do caso, procuro ganhar a confiança do
usuário e com isso possamos ter uma relação direta, mas nem sempre dá certo.
Agora, se o usuário já chega tendo uma crise eu não tenho como ajudá-lo. Ele
precisa da ajuda de um profissional da área da psicologia. (ASSISTENTE SOCIAL
5)
grande maioria no período de estágio, que buscam encontrar soluções “milagrosas” para
questões complexas, que são oriundas da questão social.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
outro lado, temos o usuário, na maioria das vezes, sem a real dimensão dos seus direitos e
limitado diante das condições materiais “desabando” durante o atendimento.
Ao descrever a influência do movimento higienista brasileiro, organização
conservadora que defendia uma ação moral no combate à pobreza ignorando as questões
sociais e econômicas envolvidas naquele contexto histórico, buscamos ilustrar como a
temática da subjetividade estava presente nos primórdios da formação da profissão. O
conteúdo conservador apresentado em discursos e posteriormente na grade curricular das duas
primeiras escolas de serviço social representa não apenas uma opção conceitual, mas, uma
defesa de um modelo de sociedade. Ao estabelecer esses conteúdos defendidos e divulgados
pelo movimento higienista na grade curricular do curso de serviço social, fomentam aspectos
subjetivos que serão desenvolvidos no decorrer desse processo de formação. Fazendo um
contraponto a influência conservadora do movimento de higiene mental com uma perspectiva
mais progressista, relatamos as experiências atuais da participação de assistentes sociais
relacionadas à saúde mental. Com uma atuação mais ativa nestes processos, o serviço social
sai da condição de coadjuvante assumindo o protagonismo destas intervenções de caráter
progressista. Nosso objetivo é demonstrar exemplos de atividades que o assistente social pode
ter uma intervenção qualificada na abordagem junto ao usuário. Fortalecer o debate plural no
interior do Serviço Social sobre as experiências na saúde mental contribui significativamente
para a temática da subjetividade. No entanto, durante toda pesquisa sobre as experiências do
Serviço Social na saúde mental, ficou evidente que persistem aspectos conservadores na
atuação de parte dos assistentes sociais. A forma voluntarista e “românticas” de alguns
assistentes sociais acabam por transformar o profissional do Serviço Social em um oficineiro,
ou seja, não existe uma referência metodológica como também uma avaliação crítica sobre as
atividades desenvolvidas.
Avaliamos que foi importante trazer as experiências do Serviço Social na saúde mental
assim como a análise de PACHECO (2002) sobre o sentido das atividades destes
profissionais, já que em nosso entendimento são atividades que trazem elementos
relacionados ao tema da subjetividade.
As entrevistas, em nossa avaliação, não conseguiram alcançar uma abordagem sobre a
subjetividade adquirisse certa materialidade através dos dados objetivos e das formulações
desenvolvidas pelas entrevistadas. Neste sentido, as questões elaboradas não permitiram uma
maior reflexão sobre os aspectos relacionados a prática profissional e a temática da
subjetividade, tal processo nos parece ser o resultado da complexidade do tema. Mesmo
diante deste quadro, pontuamos questões relevantes para a nossa discussão, como o fato de
61
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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EDUC, 1997.
GOETHE, J.W. Os sofrimentos do jovem Werther. CÉSAR, Leonardo (trad.). Ed. Nova
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63
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MANSERA, Adriano Rodrigues: SILVA, Lúcia Cecilia. A Influência das idéias Higienistas
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SILVEIRA, Maria Lídia Souza. Algumas notas sobre a temáticas da subjetividade no âmbito
do marxismo. Revista Outubro n.7, Rio de Janeiro, 2002.
64
ANEXOS
65
Nome: _______________________________________________________
1- Você poderia falar sobre a natureza da formação profissional que você teve na
Universidade em que se formou?
2- Quais são os aspectos que você considera que foram mais enfatizados em seu processo de
formação profissional?
3- Quais são os aspectos que em seu processo de formação profissional foram mais
significativos para você e influenciaram o profissional que você é hoje?
4- Durante a sua formação profissional a instituição deixou claro o perfil de profissional que
objetivava formar?
SIM ( ) NÃO ( )
6- Caso NÃO, qual você acha que era esse perfil, pela grade curricular a partir da qual você
estudou?
9- Como você relaciona a sua formação profissional com as questões de natureza interventiva
com as quais tem que lidar na sua relação com o usuário?
66
10- A partir dessa relação com o usuário e as demandas que esse traz, como você avalia a
formação profissional que teve?
11- No cotidiano da relação com os usuários que espaço tem a subjetividade no seu processo
de intervenção profissional?
12- Em seu processo de formação profissional você teve disciplinas que abordassem a
discussão sobre a subjetividade como dimensão explicativa no processo de entendimento dos
problemas sociais?
13- Caso SIM, quais foram? Poderia falar um pouco sobre as mesmas?
14- Você lembra de haver lido autores que tratavam sobre o tema da subjetividade?
SIM ( ) NÃO ( )
15- Caso NÃO, você considera que isso teve alguma consequência significativa para sua
prática profissional?
67